Reflexões Sobre o Fenômeno Dos Novos Direitos

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    REFLEXES SOBRE O FENMENO DOS NOVOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS DEMANDAS TRANSNACIONAIS.

    Marcos Leite Garcia1

    RESUMO O presente artigo procura demonstrar a conexo existente entre o conceito de

    novos direitos fundamentais e o fenmeno da transnacionalizao do Direito. Determina que dita conexo se inicia com o processo histrico da especificao dos direitos fundamentais. Analisa, ademais, o conceito e as caractersticas dos novos direitos fundamentais transnacionais e, a partir de uma srie de critrios identificadores e determinantes, seleciona quais so as demandas que sero o fundamento de tais direitos. Por fim, apresenta alguns fundamentos para o fenmeno da transnacionalidade que implicar na criao de um novo espao democrtico entre os pases e em uma nova viso do Direito.

    Palavras-chave: Direitos fundamentais. Novos Direitos. Transnacionalizao.

    INTRODUO O presente artigo tem como objetivo principal oferecer alguns elementos para

    que se possa iniciar uma necessria reflexo sobre a questo da construo de um espao transnacional. Espao este que gradativamente est se tornando cada vez mais imprescindvel para tratar de temas fundamentais de direitos difusos e transfronteirios como o direito paz, direito a um meio ambiente saudvel, direito segurana no consumo de bens atravs de uma economia globalizada, entre outros.

    O filsofo alemo Jrgen Habermas no livro Era das Transformaes2 prev a

    construo de novos espaos a partir da perspectiva de ampliao da esfera da influncia da experincia das sociedades democrticas para alm das fronteiras nacionais. No entender de Habermas tal processo de democratizao pode ser reproduzido no que chama de constelao ps-nacional (Die postnationale Konstellation)3 pelos caminhos de uma poltica interna voltada para o mundo em geral, ou seja, aberta a uma ordem jurdica cosmopolita4, capaz de funcionar sem a estrutura de um governo mundial5.

    A histria recente da economia mundial indica cautela em afirmar como sero

    as instituies e as relaes entre os diferentes blocos de naes que iro compor a Comunidade Internacional. Mesmo assim inevitvel e evidente a necessidade de abordar questes relacionadas ao fenmeno da transnacionalidade, dito de forma mais radical, sem receio a cometer exageros: faz-se vital para o futuro da raa humana tratar das questes que intitulamos de demandas transnacionais.

    O fenmeno da transnacionalidade d-se a partir das chamadas demandas

    transnacionais que a sua vez esto relacionadas com a questo da efetividade dos chamados direitos difusos e transfronteirios. Desta maneira, as demandas

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    transnacionais so questes fundamentais para o ser humano e que vm sendo classificadas pela doutrina como novos direitos. Um fato impossvel de se evitar: as questes transnacionais devem ser abordadas e enfrentadas por toda a Comunidade Internacional de forma diferente da prevista nas legislaes interna e internacional existente.

    A discusso sobre as demandas transnacionais em primeiro lugar gira em torno

    da questo da guerra e da paz. Esta certamente a primeira grande questo transnacional e difusa da humanidade. Os Direitos Humanos so um fenmeno do mundo moderno e so concebidos e teorizados primeiramente como Direito Natural Racionalista6 e ser exatamente em um debate sobre o tema de guerra e da paz que Hugo Grotius dar partida ao mesmo7. O direito paz segue sendo, principalmente aps o processo de internacionalizao dos direitos humanos demanda oriunda, sobretudo do horror da Segunda Guerra Mundial , um tema ainda em debate e agora classificado como um direito difuso (e transfronterio mesmo em sua modalidade quando trata de conflitos internos) ou como pelo menos uma questo difusa, j que existe uma polmica quanto a classificar a paz como um direito fundamental8. As seguintes sero todas demandas mais recentes como a questo do meio ambiente, do Direto dos consumidores, do direito ao desenvolvimento dos povos etc.

    1 DEMANDAS TRANSNACIONAIS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS LINHAS DE

    EVOLUO As demandas transnacionais se justificam a partir da necessidade de criao

    de espaos pblicos para tratar de questes referentes a fenmenos novos que sero ineficazes se tratados somente dentro do espao do tradicional Estado nacional. Estes fenmenos novos se identificam com os chamados novos direitos ou novos direitos fundamentais. Para evitar equvocos de fundo meramente ideolgico, certamente que se faz necessrio afirmar que as demandas transnacionais no tratam somente de questes relacionadas com a globalizao econmica como alguns autores pretendem, e sim com fundamentais questes de direitos relacionadas com a sobrevivncia do ser humano no planeta. A globalizao econmica pode estar na base de algumas questes transnacionais, mas no sua principal fonte e fundamentao, a principal justificativa da necessidade de transnacionalizao do direito a necessidade de proteo do ser humano e dentro dessa perspectiva tambm se encontra a proteo de seu entorno natural.

    Os direitos fundamentais so um fenmeno da Modernidade, pois as condies

    para o seu florescimento se do no chamado trnsito modernidade, conforme a tese das linhas de evoluo desenvolvidas pelo professor Peces-Barba9. Assim depois do primeiro processo de positivao que ser marcado pelas revolues burguesas e pela ideologia liberal, atravs da histria dos dois sculos seguintes os direitos fundamentais iro se modificando e incluindo novas demandas da sociedade em transformao. Os direitos fundamentais no so um conceito esttico no tempo e sua transformao acompanha a sociedade humana e conseqentemente suas necessidades de proteo.

    Cabe frisar que na Modernidade os direitos humanos nascem como direitos

    fundamentais, ou seja, primeiramente so concebidos como direito interno10, como

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    direitos do cidado, mas ainda que direito nacional-interno com ampla vocao e pretenso universal como direitos do homem genrico, se referindo a todos os seres humanos. O fenmeno da universalidade dos direitos humanos diferente do fenmeno da internacionalizao dos mesmos. A universalizao anterior aos mesmos, pois se d j na construo terica dos direitos, ainda como Direito Natural Racionalista, e segue seu curso desde as primeiras declaraes de direitos11. J a internacionalizao dos Direitos Humanos um processo muito mais recente, pois se d basicamente como resultado da barbrie da guerra, do desejo do nunca mais da Segunda Guerra Mundial, com o advento da Organizao das Naes Unidas (ONU) e com a construo de pelo menos trs sistemas internacionais de proteo de Direitos Humanos (ONU, Organizao dos Estados Americanos e Conselho da Europa) e tem como marco documental inicial a fundamental Declarao Universal de Direitos Humanos de 194812. No resta a menor dvida de que a manuteno da paz e a defesa dos direitos humanos, objetivos plasmados no art. 1 da Carta de So Francisco de 1945, decisivamente so os principais motivos da criao da ONU. Da mesma forma que essas foram tambm as principais preocupaes tanto da Comunidade Interamericana como Europia. No resta dvida que a questo da universalidade do conceito ocidental dos direitos humanos/direitos fundamentais13 uma discusso prvia ao tema da transnacionalidade dos mesmos.

    A transnacionalizao dos direitos fundamentais um processo diferente e

    posterior ao da internacionalizao dos mesmos. Na teoria geral dos direitos fundamentais do professor Gregorio Peces-Barba uma das mais importantes de suas teses consiste nas j mencionadas linhas de evoluo dos direitos que so relatadas nos seguintes processos, entre os quais inclumos didaticamente em um outro escrito um anterior por ns chamado processo de formao do ideal dos direitos fundamentais14. Resumidamente as linhas ou processos evolutivos dos direitos fundamentais em Peces-Barba se do em quatro processos histricos: 1. processo de positivao: a passagem da discusso filosfica do Direito Natural Racionalista ao Direito positivo realizada a partir das revolues liberais burguesas (caracterstica principal: positivao da primeira gerao dos direitos fundamentais: direitos de liberdade); 2. processo de generalizao: significa a extenso do reconhecimento e proteo dos direitos de uma classe a todos os membros de uma comunidade como conseqncia da luta pela igualdade real (caracterstica principal: a luta e a conseqente positivao dos direitos sociais ou de segunda gerao e de algumas outras liberdades como a de associao e a de reunio e a ampliao da cidadania com a universalizao do sufrgio); 3. processo de internacionalizao: louvvel tentativa de internacionalizar os direitos humanos e criar sistemas de proteo internacional dos mesmo que estejam por cima das fronteiras e abarquem toda a Comunidade Internacional ou regional dependendo do sistema. Infelizmente trata-se de um processo estagnado por vrios problemas que caracterizam o Direito Internacional dos Direitos Humanos e de difcil realizao prtica (Principal caracterstica: tentativa de efetivar a universalizao dos direitos ao positivar os direitos humanos no plano internacional). 4. processo de especificao: atualssimo processo pelo qual se considera a pessoa em situao concreta para atribuir-lhe direitos seja: como titular de direitos como criana, idoso, mulher, consumidor, etc., ou como alvo de direitos como o de um meio ambiente saudvel ou paz (principal caractersticas: positivar e mudar a mentalidade da sociedade na direo dos chamados direitos de solidariedade, difusos ou de terceira gerao)15.

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    A internacionalizao dos direitos fundamentais em direitos humanos um fenmeno ainda incompleto e para muitos um falido processo de tentativa de internacionalizar a questo. Sua principal crtica situa-se na falta de um poder coercitivo acima dos Estados e na falta de homogeneidade entre os pases e os seus interesses, que leva a uma carncia de democracia no contexto da Comunidade Internacional: o que deixa infelizmente prevalecer a situao da tradicional, primitiva e selvagem lei do mais forte que impe sua vontade. Este processo incompleto situa-se exatamente em um mbito jurdico que carece de um Poder poltico que garanta plenamente a eficcia do ordenamento internacional dos diferentes sistemas de proteo dos direitos humanos, ainda que as tentativas so vlidas e muito interessantes16. Difcil conceber o Direito sem fora, sem coero. Mesmo assim, inegvel a existncia de um Direito Internacional dos Direitos Humanos, como nos mostra a prtica e a jurisprudncia interna e internacional e como admite majoritariamente a doutrina. No se pode negar a existncia de normas internacionais de direitos humanos, ainda que facilmente constatado exatamente pelos problemas apontados um absurdo e completo descaso com este ordenamento muito menos considerado e obedecido que os ordenamentos internos.

    2 PRINCIPAIS CARACTERSTICAS DOS NOVOS DIREITOS Algumas questes so diferenciadoras dos chamados direitos fundamentais de

    terceira gerao, tambm chamados de novos direitos. Devido as suas especiais condies, diferentes dos demais direitos fundamentais como foi visto, os novos direitos so: individuais, coletivos e difusos ao mesmo tempo, por isso considerados transindividuais. So transfronteirios e transnacionais, pois sua principal caracterstica que sua proteo no satisfeita dentro das fronteiras tradicionais do Estado nacional. So direitos relacionados com o valor solidariedade. Requerem uma viso de solidariedade, sem a mentalidade social de solidariedade no podemos entender os direitos difusos. Na viso de Carlos de Cabo Martn a noo do valor solidariedade uma caracterstica essencial, um princpio bsico, do constitucionalismo do Estado social de Direito17. Certamente que impossvel pensar em um direito fundamental coletivo e/ou difuso sem a considerao do valor solidariedade.

    No dizer de Maria Jos An Roig, os direitos de terceira gerao so direitos

    difusos, coletivos e individuais ao mesmo tempo. Os direitos da liberdade so direitos individuais, os direitos de igualdade so direitos individuais e coletivos e os direitos de solidariedade seriam direitos individuais, coletivos e difusos ao mesmo tempo18. Dando assim a exata noo de que todos os direitos fundamentais so universais, indivisveis, interdependentes e inter-relacionados (De acordo com o ponto 1.5 da Declarao e Programa de Ao de Viena aprovado pelo Plenrio da Conferncia Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de Julio de 1993).

    Ademais como foi dito, os direitos de solidariedade so difusos, ou seja, em

    conformidade com o que foi dito, alm de serem coletivos so difusos. Ento se faz necessrio estabelecer a diferena entre direitos difusos e direitos coletivos: em primeiro lugar, no caso dos direitos difusos so incontveis os seus titulares ou pessoas que podem ser atingidas; j no caso dos direitos coletivos ao contrrio podemos estabelecer o nmero de titulares ou de as pessoas atingidas no caso de desrespeito de determinado direito coletivo. Por exemplo, com a ajuda dos nmeros

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    da Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica pode-se estabelecer o nmero de trabalhadores brasileiros ou de trabalhadores que atuam na Repblica Federativa do Brasil, ou fazer uma estimativa sobre o nmero de desempregados em um pas ou aqueles que trabalham na economia informal. No caso dos direitos da chamada terceira gerao, exatamente por serem difusos, no se sabe ao certo o nmero de pessoas envolvidas nessas questes. Por exemplo, no caso de uma catstrofe nuclear, nunca se sabe o nmero de pessoas realmente atingidas em dito tipo de desastre ambiental, se toda a populao de uma cidade, de uma provncia, de uma regio, de um pas, de dois ou mais pases, de todo um continente ou mesmo de todo o planeta. No caso da contaminao de um rio, esse rio pode passar por muitas provncias de um mesmo pas, ou mesmo por vrios pases. Enfim so incalculveis os danos causados pela violao de um direito difuso, assim como so incontveis os nmeros de vtimas das violaes dos direitos difusos19. Em contrapartida, j as violaes de um direito coletivo se podem estabelecer os nmeros das vtimas atingidas.

    Alm de que os direitos difusos so transfronteirios, segundo boa parte da

    doutrina europia, eles em nossa opinio so tambm algo mais que isso. Certa a afirmao de que os direitos fundamentais de terceira gerao devem ter um tratamento diferenciado por perpassarem as fronteiras, por isso tm a caracterstica de serem transfronteirios. Mas se consideramos estes somente como transfronteirios, eles poderiam ter unicamente um tratamento internacional a partir do Direito Internacional tradicional. Enfim eles ademais so transnacionais. Exatamente por serem transfronteirios e difusos, seu tratamento deve ou tambm pode, por uma questo de efetividade, ser transnacionalizado. Ou seja, seu tratamento deve ser a partir de um Direito Transnacional20. Transnacional no sentido como muito bem lecionam Paulo Mrcio Cruz e Zenildo Bodnar: o prefixo trans denota (...) a capacidade no apenas da justaposio de instituies ou da superao/transposio de espaos territoriais, mas a possibilidade da emergncia de novas instituies multidimensionais, objetivando a produo de respostas mais satisfatrias globais contemporneas21. Seguem os professores catarinenses, Dessa forma, a expresso latina trans significaria algo que vai alm de ou para alm de, a fim de evidenciar a superao de um locus determinado que indicaria (...) um constante fenmeno de desconstruo e construo de significados22. Ainda os professores catarinenses fazem uma importante diferenciao do prefixo trans com relao ao prefixo inter: diversamente da expresso inter, a qual sugere a idia de uma relao de diferena ou aproximao de significados relacionados, o prefixo trans denota a emergncia de um novo significado construdo reflexivamente a partir da transferncia e transformao dos espaos e modelos nacionais23.

    Acertadamente os professores Paulo M. Cruz e Zenildo Bodnar aludem a que

    todas essas questes so urgentes, uma vez que a causa da destruio de nosso entorno natural, a questo da paz e do consumo global de bens, por exemplo, so todas questes que trazem consigo uma necessidade de imediata e efetiva defesa e por isso mesmo a construo de espaos transnacionais uma emergncia de nossa era. De nada adiantaria, por exemplo, uma nao cuidar e ter uma excelente legislao e conscincia social solidria e conscincia ecolgica no seio de seu povo, se o pas vizinho no a tem, pois ficar a merc da poluio causada por seus vizinhos. Ento a conscientizao e legislao ambiental tm que ter um tratamento transnacional e ser compartida entre todos os membros da comunidade seja

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    regional ou internacional para cuidar das questes ambientais e de outras questes dos direitos provenientes do processo de especificao.

    correto o que afirma o professor Antonio Prez Luo quando diz que as

    estratgias reivindicativas dos direitos humanos se apresentam hoje com caractersticas inequvocadamente inovadores ao serem polarizadas em torno a temas como direito paz, direito dos consumidores, direito a um meio ambiente saudvel, direito manipulao gentica, direito qualidade de vida ou informtica24. No resta dvida que a revoluo tecnolgica, em palavras de Prez Luo, h redimensionado as relaes do homem com os demais homens e a natureza, assim como as relaes entre o ser humano com seu contexto ou marco cultural de convivncia25. Evidentemente que essas mudanas no ho de deixar de influenciar ou de incidir no entorno dos direitos fundamentais.

    3 CARACTERSTICAS DO PROCESSO DE ESPECIFICAO E OS

    DIREITOS FUNDAMENTAIS TRANSNACIONAIS Com a considerao do processo de especificao dos direitos fundamentais

    podemos explicar uma srie de modificaes referente aos direitos e uma nova viso e concepo dos mesmos ser necessria. A transformao que o fenmeno dos novos direitos trs concepo dos direitos fundamentais muito bem explicada atravs da quarta linha de evoluo atravs da terminologia proposta primeiramente por Noberto Bobbio26 e desenvolvida pelo professor Gregorio Peces-Barba como processo de especificao. Nas palavras do ltimo poderamos at falar de um processo de concreo, uma vez que supe no somente a seleo e matizao dos processos anteriores, seno que a incluso de novos elementos que levam ao enriquecimento e a complementao dos anteriores grupos de direitos fundamentais27. O jusfilsofo italiano Norberto Bobbio destaca que a especificao se produz na direo dos titulares28 e o jusfilsofo espanhol Gregorio Peces-Barba tambm considera a direo dos titulares e destaca que a especificao dos novos direitos em relao aos contedos dos mesmos. Ambos jusfilsofos concordam que a especificao dos direitos se insere como transformadora da viso dos direitos fundamentais e por isso que d uma nova face cultura poltica e jurdica moderna; ou como diz o professor Prez Luo: agora j ps-moderna29. Em nossa opinio o fenmeno da transnacionalizao do direito a partir de demandas transnacionais est mais intimamente conectado com o processo de especificao quanto ao contedo, ainda que no devemos olvidar que as questes de especificao quanto aos titulares tambm so de direitos fundamentais transnacionais.

    3.1. Demandas transnacionais de direitos fundamentais especificadas quanto

    ao titular. Em relao primeiramente aos titulares os direitos fundamentais se especificam

    na busca de uma melhor igualdade de condies ou igualdade de oportunidade para todos. a questo de tratar a desiguais de forma desigual para se chegar a uma igualdade. Quanto aos titulares constatvel que alguns grupos por diversos motivos esto em situao de desigualdade e merecem uma proteo especial para chegar a uma terica igualdade. o caso das mulheres, dos idosos, das crianas e dos adolescentes, dos indgenas e de grupos minoritrios outro como deficientes fsicos e mentais e parcelas menos favorecidas da populao de determinados

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    povos (como afro-descendentes, pobres e excludos). So todas questes absolutamente polmicas, sobretudo para sociedades de modernidade tardia30 como a brasileira acostumada ao descaso que sofrem os menos favorecidos e com os arraigados privilgios dos donos do poder, utilizando-se aqui propositalmente o ttulo da magistral obra de Raymundo Faoro31. Ainda que no caso brasileiro a incompreenso se deve, sobretudo, ao egosmo dos mais favorecidos, a polmica compreensvel em certa medida j que uma mudana paradigmtica no consenso sobre os direitos fundamentais que, como se sabe, tem uma importncia decisiva na configurao da cultura jurdica da Modernidade. Na primeira gerao dos direitos os titulares eram os genricos homens e cidados e a cidadania era dividida em ativa e passiva (a idia de sufrgio censitrio), na segunda gerao este visto com relao sua ocupao, alm de homem e cidado agora ele tambm trabalhador, um cidado que titular de algumas necessidades bsicas e que reivindica no somente estas, mas tambm seu direito de participao poltica (a luta pela universalizao do sufrgio). Dentro da perspectiva de Luigi Ferrajoli no sentido de que os direitos fundamentais so reivindicaes dos mais dbeis32, os direitos fundamentais de terceira gerao, originados no processo de especificao, agora so reivindicados pelos menos favorecidos na sociedade contempornea, no pelo mais forte e sim por coletivos dos mais dbeis: a mulher, a criana, o idoso, o indgena, o negro etc.

    Segundo o professor Peces-Barba33 so trs os critrios para identificar esses

    coletivos, as chamadas circunstncias ou situaes cuja relevncia deriva: 1. De uma condio social ou cultural de pessoas que se encontram em situao de inferioridade nas relaes sociais e que necessitam de uma proteo especial; 2. De uma condio fsica de pessoas que por alguma razo se encontram em uma situao de inferioridade nas relaes

    sociais; 3. E de uma situao especfica que ocupam as pessoas em determinadas relaes sociais.

    Em primeiro lugar (critrio 1.) Peces-Barba fala de uma condio social ou

    cultural de pessoas que se encontram em situao de inferioridade nas relaes sociais e que necessitam de uma proteo especial, uma garantia ou uma promoo especial para superar a discriminao, o desequilbrio ou a desigualdade. O modelo mais claro e consagrado o exemplo do direito da mulher.34 Neste mesmo grupo podemos situar os direitos do emigrante, do afro-descendente, do indgena etc. No caso brasileiro alm das mulheres temos uma srie de outros grupos de pessoas que merecem uma proteo especial, pelo menos para se chegar a uma igualdade de oportunidade para esses grupos que so os pobres, os excludos, os negros e os indgenas etc., evidentemente que o caso das aes afirmativas, que aqui se fundamentam suas polticas de discriminao positiva. O dilema e o problema em nossa sociedade como so feitas ditas aes afirmativas na prtica e no sua fundamentao.

    Em segundo lugar (critrio 2.) o professor espanhol fala de uma condio fsica

    de pessoas que por alguma razo se encontram em uma situao de inferioridade nas relaes sociais. Ditas condies obrigam a uma proteo especial no vinculada ao valor igualdade, mas sim ao valor da solidariedade ou fraternidade35. Ainda Peces-Barba leciona que podem ser de dois tipos: gerais e especficos. As condies gerais afetam a todas as pessoas durante algum determinado tempo de suas vidas, enquanto que as condies especficas afetam a algumas pessoas

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    durante todo o tempo em alguns casos e somente por algum tempo em outros casos. No suposto das condies relevantes gerais temos como exemplo os direitos da criana e do adolescente, enquanto que no suposto das condies relevantes especficas temos como exemplo os direitos de pessoas que sofrem algum tipo de deficincia permanente ou no. Alm do direito do deficiente fsico ou mental, tambm nesse ltimo caso entraria o exemplo do direito dos enfermos e o direito do idoso36.

    Em terceiro e ltimo lugar (critrio 3.), Peces-Barba fala de uma situao

    especfica que ocupam as pessoas em determinadas relaes sociais. Referem-se aos grupos genricos homens ou cidados quando se encontram em uma circunstncia concreta, so direitos do individuo colocado em uma situao concreta de desvantagem que se justifica quando a outra parte da relao tem um papel preponderante, hegemnico ou de enorme superioridade que exige equilibrar dita relao por meio de uma proteo reforada. Desta forma nos encontramos diante dos direitos do consumidor situado diante dos grandes monoplios, grandes companhias multinacionais ou nacionais, ou mesmo de grupos de comerciantes e industriais muito mais poderosos que o usurio de seus produtos37. No resta dvida que este usurio tem seus direitos, ou seja: titular de direitos, e que est em uma temerosa situao de desigualdade na relao e ademais de que est quase sempre muito desinformado sobre os bens que consome. Da mesma forma est muitas vezes em condies iguais de inferioridade o cidado diante de servios estatais pblicos. Aqui se desenvolve o valor igualdade no mbito de uma sociedade consumista e de mercado com a finalidade de paliar seus desajustes.

    Nas trs circunstncias descritas pelo professor Peces-Barba estamos diante

    de situaes sociais que por razes culturais, fsicas ou psicolgicas e da posio em que se encontra a pessoa na sociedade, levam a uma suposta debilidade que o Direito tenta corrigir ou pelo menos diminuir. Podemos afirmar que a questo da igualdade invocada, sobretudo, no sentido de igualdade de oportunidade. Evidentemente que, como j foi dito, em uma sociedade patrimonialista e estruturada em preconceitos classistas como a brasileira, ditas questes geram muita polmica.

    A questo da titularidade dos direitos fundamentais tem sua relevncia

    primordial na questo da transnacionalidade no sentido de que a mesma significa tambm uma grande mudana na forma de pensar o Direito. Agora o titular no mais seria o cidado nacional de um determinado pas, aquele que tem a sorte de nascer em um pas rico e democrtico nem mesmo o genrico homem do direito internacional tradicional, o titular seria o cidado transnacional. No cabe dvida que a transnacionalizao somente tem sentido se reforar a defesa dos direitos fundamentais, a defesa das liberdades aliada defesa da igualdade perante a lei. Enfim: a transnacionalizao do Direito deve proteger os titulares dos direitos fundamentais38.

    3.2. Demandas transnacionais de direitos fundamentais especificadas quanto

    ao contedo. Em segundo lugar com relao especificao dos direitos fundamentais,

    estes so especificados quanto ao contedo. Em nossa opinio quando so mais claras as demandas transnacionais e cronologicamente algumas de suas demandas

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    so at anteriores s demandas especificadas quanto ao titular, ainda que outras sejam mais recentes, ento preferimos por esse ltimo motivo deixar estas em segundo lugar. As demandas relativas ao processo de especificao quanto ao contedo em princpio so em um primeiro momento basicamente trs: o direito paz, a questo ambiental e o direito ao desenvolvimento dos povos. Posteriormente e mais recentemente nascem outras questes fundamentais de especificao quanto ao contedo dos direitos: so os novos direitos referentes biotecnologia, biotica e regulao da engenharia gentica. Trata dos direitos especficos quanto ao contedo que tm vinculao direta com a vida humana, como reproduo humana assistida (inseminao artificial), aborto, eutansia, cirurgias intra-ulterinas, transplantes de rgos, engenharia gentica (clonagem), contracepo e outros. Tambm entrariam em essa terceira gerao os novos direitos advindos das tecnologias de informao (intenet), do ciberespao e da realidade virtual em geral. Tanto dita questo do Direito informtica como as questes de biotica ou biodireito inclumos, como o faz expressamente o professor Prez Luo, como direitos de terceira gerao, como resultantes do processo de especificao quanto ao contedo como o faz o professor Peces-Barba, e no como uma quarta e quinta gerao como o fazem alguns renomados autores39. Preferimos inclusive nomear essas duas questes mais recentes como novssimos direitos de terceira gerao.

    Uma classificao tradicional dos direitos divide os mesmos em vrios grupos

    que, em termos cronolgicos, se correspondem, mais ou menos, com suas geraes histricas. Ainda que como sabido, as classificaes so sempre no imprecisas e injustas, essa diviso dos direitos em geraes no reproduz exatamente o que aconteceu na histrica. Mas, para esquematizar didaticamente o evoluir do ideal dos direitos alguns autores, como os pioneiros da expresso Vasak e Bobbio, falam de sucessivas geraes dos mesmos40. Certamente que uma terminologia discutvel, uma vez que poder-se-ia entender que as geraes so extintas a conseqncia do surgimento de outras, j que normalmente uma gerao supera a outra. Crtica bastante comum e que por este motivo alguns autores preferem a expresso dimenses de direitos fundamentais41. Em sentido contrrio Antonio-Enrique Prez Luo um dos tericos que mais defendem as geraes dos direitos. Para o professor Prez Luo no significa que uma gerao substitua a outra, muito pelo contrrio seno que em ocasies o aparecimento de novos direitos traduzem exatamente o contrrio: so respostas s necessidades histricas; e outras vezes supem redimensionamentos ou redefinies de direitos anteriores para adapt-los a novos contextos em que devem ser aplicados42. Da mesma forma o professor Gregorio Peces-Barba reduz as crticas das geraes na aluso s linhas de evoluo dos direitos no sentido de que as mesmas no significam a superao de uma gerao pela outra e que tal considerao vem a ser muito didtica43. Ento se entendemos que assim acontece: uma gerao no supera as outras, uma vez que as anteriores seguem vivas e se integram com as novas, e que no existe de forma alguma hierarquia entre esses grupos de direitos fundamentais44, existe sim uma integrao das geraes, dimenses como querem alguns ou grupos de direitos fundamentais (teoria integral dos direitos fundamentais)45. Seguindo a viso do professor Prez Luo diramos ento que estamos, no caso das demandas transnacionais, diante da terceira gerao dos direitos46.

    Assim desta feita como os direitos das duas geraes anteriores respondem a

    valores consagrados como a liberdade e a igualdade, a partir da formulao de uma

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    sntese da democrtica liberdade igualitria podemos afirmar que os direitos de terceira gerao tm seu fundamento no valor solidariedade. Uma solidariedade, que a forma contempornea de entender a fraternidade da trilogia da Revoluo Francesa. Nas palavras do professor Gregorio Peces-Barba ditos contedos que compe os direitos de terceira gerao se formam em nossa era atravs de trs grandes contribuies do ponto de vista tico e poltico que so as sucessivas ideologias liberal, democrtica e socialista47.

    Como j foi dito, o primeiro direito fundamental especificado quanto ao

    contedo a questo da paz que est na base mesmo do surgimento do Direito Natural Racionalista. Os principais documentos internacionais sobre o discutido direito paz48, traduzidos sobretudo na inteno de evitar as guerras como a Carta da ONU, assim como todo o processo de internacionalizao dos direitos so fruto do nunca mais barbrie nazi-fascista que provocou a Segunda Guerra Mundial. Alguns tericos rechaam o direito paz como um direito humano afirmando que o uso da guerra de fundamental importncia para a manifestao da paz e a defesa dos prprios direitos fundamentais; como exemplo, o professor Peces-Barba segue esse entendimento49. Outros, os pacifistas, defendem a existncia de um direito paz dentro da perspectiva de um mundo sem armas e conseqentemente menos violento. Entre estes ltimos destacamos os pacifistas institucionais na linha de Luigi Ferrajoli50 evidentemente que no se trata de mais um pacifismo do tipo absoluto e utpico de um mundo sem armas habitado somente por pessoas boazinhas51 . O pacifismo institucional entende o direito como ferramenta crtica contra a guerra e rechaa absolutamente a soluo das controvrsias pela violncia. Dito pacifismo advoga por um direito penal internacional mnimo e por um constitucionalismo global que proba e puna a guerra e milita em um movimento contra a normalizao constitucional da guerra fundamentado na oposio substancial entre Direito e guerra, uma vez que dita postura classifica os conflitos blicos de ilegais52.

    Nossa posio pacifista segue a linha de Ferrajoli, ademais dos conceitos e

    reflexes do jusfilsofo italiano devemos da mesma maneira ter em considerao a questo de que uso dos direitos humanos contra os prprios direitos humanos53, assunto de suma importncia na reflexo dos Direito Internacional dos Direitos Humanos de nossa era, e que ajudar na argumentao e fundamentao de um direito paz em um mundo sem armas, ou sendo realista com menos armas, mas que deve tratar aos intolerantes com a intolerncia das armas a partir de tribunais penais internacionalizados ou mesmo de vrios tribunais penais regionais ou transnacionalizados. A responsabilidade por crimes de guerra, crimes de lesa humanidade e todos os demais tipos penais internacionais classificados pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional54 no devem estar sujeitos somente s cortes nacionais como querem os pases que sistematicamente violam as normas internacionais de direitos humanos e de direito internacional humanitrio55.

    O tema do direito paz pouco tratado pela doutrina, como argumenta Maria

    Eugenia Rodrguez Palop56. De todas as maneira a partir das reivindicaes pacifista um tema a ser aprofundado, ainda mais que no ps-guerra chegamos ao absurdo da proliferao das armas nucleares com as quais podemos simplesmente fazer com que todo o planeta seja destitudo ou que se transforme em um imenso cemitrio57. Dita questo, conjuntamente com o uso dos direitos humanos contra os

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    direitos humanos, nos leva ao que o professor Prez Luo ensina sobre a avanada tecnologia faz como o giro coprnico nas relaes inter-humanas tambm com relao ao direito paz, uma vez que a potencialidade das modernas tecnologias da informao permitem, pela primeira vez, estabelecer formas de comunicao a escala planetria58. Segue o professor de Sevilha: Isso possibilitou que se adquirir uma conscincia universal dos perigos mais imediatos e terrveis que ameaam a sobrevivncia da espcie humana59. Da que a temtica da paz tenha adquirido um inquestionvel protagonismo no sistema de necessidades insatisfeitas dos homens e dos povos dos anos de nossa era, e que a temtica entranhe uma imediata projeo como direitos fundamentais60.

    A segunda questo do processo de especificao a relativa aos direitos relativos ao meio ambiente, que expressam a necessidade de uma solidariedade no somente com nossos contemporneos, seno que tambm com relao s futuras geraes para evidentemente evitar a tragdia que seria deixar o legado de um mundo deteriorado e inabitvel por motivos de uma absurda contaminao do planeta e de uma egosta explorao abusiva dos recursos naturais. a questo transnacional por excelncia, e uma questo mais que urgente de todas, pois sem o planeta, nossa casa, no poderemos viver, evidentemente que uma questo urgentssima. Tambm a questo difusa por excelncia: o uso irracional de um recurso natural, como gua, por exemplo, poder privar at as futuras geraes de este bem natural fundamental. A causa da proteo do meio ambiente, sua reivindicao e sua transformao na mentalidade do ser humano e nos meio produtivos, certamente a mais imprescindvel questo transnacional uma vez que o futuro da raa humana poder ser sua extino com a destruio dos elementos que mantm o equilbrio da natureza. A conscincia que fazemos parte da natureza de fundamental importncia, a mudana de mentalidade aqui vital para toda a raa humana.

    Destacam-se algumas caractersticas de suma importncia do direito

    ambiental, segundo Martn Mateo61: 1. O direito ambiental tem um carter sistemtico, fundamentado em um substrato ecolgico, a sua vez voltados na direo da defesa da biodiversidade. ento um ramo do Direito independente que compreende uma percepo global da natureza, como na Alemanha deveria ser utilizada a expresso Direito ecolgico; 2. Possui uma espacialidade singular, devido a que abarca questes globais, questes difusas como foi visto, e por isso o campo de atuao perpassa o mero Estado nacional, sendo questo sumamente transnacional ou internacional. Essa sua principal caracterstica, sua principal razo de existncia sem prejuzo de outras normas nacionais ou territoriais. 3. Cada vez mais se externa sua nfase preventiva diante do aspecto retributivo das infraes ambientais. Desta maneira cada vez mais uma maior nfase se d s medidas garantistas e preventivas que evitem as possveis ou futuras agresses, por motivo de que tais agresses ao entorno podem ter um custo irreparvel a valores imensurveis como a prpria vida humana ou o ecossistema circundante. A idia de danos irreversveis deve superar a mera quantificao em dinheiro que o Direito possa determinar como indenizao. Trata-se, portanto, de um novo ramo independente do Direito; um direito difuso e que deve ter um acentuado carter educativo para ser preventivo; um direito de solidariedade, de conscientizao solidria, que requer uma mudana de mentalidade.

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    Uma questo tratada desde o plano internacional, mas que deveria ser reforada desde o plano do Direito transnacional, os efeitos dos danos ao meio ambiente so a melhor explicao do que venha a ser uma questo difusa, transfronteiria e transnacional, j que a destruio do meio ambiente no se detm nas fronteiras do pas que originou a mesma. Os exemplos so muitos como um acidente nuclear como o de Chernobyl, a poluio de um rio que passa em vrios pases, a contaminao do mar que banha diversas regies etc. Alguns exemplos atuais e urgentes: a questo da bacia do Amazonas, sua explorao e seu entorno, somente pode ter um tratamento transnacional pelos pases que compe essa importante rea do planeta. Ou mesmo o desastre ambiental do Mar de Aral, situado na fronteira entre o Uzbequisto e o Cazaquisto, certamente uma das maiores catstrofes ecolgicas de todo os tempos quando o mar interno perdeu nos ltimos 40 anos 80% de sua rea. O exemplo recente do problema ecolgico que pode provocar a instalao de uma grande fbrica de celulose no Rio Uruguai do lado uruguaio, na cidade de Fray Bentos, certamente que um problema transnacional que deveria ter levado em conta todo o entorno e o lado argentino tambm. No cabe dvida que estas so todas questes ambientais transnacionais.

    A convico de que a vida convencional do cidado contemporneo ocidental e

    o seu consumo exagerado de bens industrializados levaro a uma deteriorao mais rpida da natureza juntamente com o modelo de desenvolvimento proposto pelo capitalismo dos paises mais industrializados e agora inserido em pases emergentes superpopulosos como a China e a ndia, por exemplo, levaro da mesma forma a uma destruio sem precedentes e infelizmente cada vez mais rapidamente. Todas questes urgentssimas e de impossvel resoluo nos parmetros do atual Direito nacional por se tratarem de questes transindividuais, difusas, transfronterias e transnacionais.

    A seguinte questo do direito ao desenvolvimento est amplamente vinculada

    com a duas questes anteriores j que polemiza com o paradigma de modelo de desenvolvimento seguido pelos paises mais ricos e que est sendo seguido pelos paises subdesenvolvidos e emergentes. O direito ao desenvolvimento dos povos um direito um pouco esquecido pela doutrina, mas se trata de um tema fundamental para o futuro da humanidade e do planeta. Algumas questes esto radicalmente relacionadas como a da imigrao econmica dos povos mais pobres ao ocidente, a da paz, a da sustentao de um meio ambiente nos pases perifricos, etc.

    Esto na raiz do direito ao desenvolvimento os valores de

    fraternidade/solidariedade e de igualdade, e supe em certo modo uma aplicao aos povos no mesmo sentido que tem aos indivduos os direitos econmicos, sociais e culturais62. Seu principal argumento o que na comunidade de naes se devem generalizar as liberdades e a democracia, tanto nas suas relaes como no interior dos pases. O direito ao desenvolvimento internamente se traduz em direitos sociais vistos desde uma perspectiva global e so os direitos sociais como a uma vida digna, a uma moradia descente, a uma sade pblica, previdncia social, educao, etc. o chamado direito coletivo de povos e naes e que por culpa da pobreza, da ignorncia, da imigrao econmica para os pases mais ricos, das guerras por motivos algumas vez tnicos ou por outros tipos de intolerncias radicais que levam a genocdios e matanas sem precedentes, da explorao econmica de forma primitiva da natureza que leva a um deterioro das ltimas reservas que o

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    planeta possui, etc., certamente um direito difuso, transfronteirio e por isso uma questo de direito transnacional.

    Trata-se de um tpico tema da poca da guerra fria, da dicotomia entre pases

    ricos e pobres, e que foi positivado como direitos humanos a partir dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, uma vez que tanto no Pacto de Direitos Civis e Polticos como no Pacto de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais est previsto no artigo 1 de ambos pactos como conseqncia do direito autodeterminao dos povos. Tambm so muito bem definidos na Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento aprovada pela Resoluo n.41/128 da Assemblia Geral das Naes Unidades, em Paris, em 4 de dezembro de 1986: O direito ao desenvolvimento um direito humano inalienvel em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos esto habilitados a participar do desenvolvimento econmico, social, cultural e poltico, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados (artigo 1)63. E trazido tona novamente com a Declarao e Programa de Ao de Viena de 1993 (pontos 1.9, 1.10 e 1.11). Ainda que no devemos excluir os esforos da Comunidade Internacional, da mesma maneira pensamos como o professor Peces-Barba quando argumenta que o direito ao desenvolvimento tem problemas tericos no que diz respeito aos seus titulares64, mas que estas dificuldades seriam superados se consideramos a possibilidade de um Direito transnacionalizado e com uma nova viso da titularidade especificada dos direitos humanos.

    De todas as formas, no resta dvida que para o bem da humanidade algo

    deve ser mudado. O conceito de desenvolvimento sustentvel talvez seja uma das grandes falcias de nossa era que certamente nos passar uma conta de destruio da natureza no futuro. Certamente que um mundo melhor possvel, citando aqui propositalmente o lema dos seguidos Fruns Sociais, outros modelos de desenvolvimento so possveis, e este paradigma deve ser procurado com o emprenho de toda a Comunidade Internacional.

    4 FUNDAMENTAO DO FENMENO DA TRANSNACIONALIDADE Para caracterizar a necessidade de transnacionalizao dos direitos

    fundamentais de terceira gerao, faz-se necessrio reflexionar sobre os seguintes aspectos: o objeto de proteo do direito transnacional; o fundamento moral da transnacionalizao; o espao poltico e jurdico a ser matizada a transnacionalizao.

    O objeto de proteo seriam os anteriormente vistos direitos de terceira

    gerao (resultantes do processo de especificao), as demandas transnacionais a serem protegidas seriam interesses coletivos e difusos e no somente os estritamente individuais, como querem os defensores de uma estrita globalizao econmica de cunho neoliberal65. A definio dos interesses coletivos a serem considerados como objetos a serem protegidos exige, sem nenhuma dvida, certas condies que permitam que sua acepo seja verdadeiramente racional e fundamentada e por isso confivel. Necessariamente deve tratar-se de temas universalizveis, evidentemente de interesse de toda a humanidade, pelo tal devem estar excludos interesses privados de uma classe privilegiada ou a imposio de simples interesses estratgicos das mesmas que por definio no podem ser

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    universalizveis por se apresentarem incompatveis com a questo da igualdade perante a lei. Deve ser superado o esquema pblico/privado e, ainda que a primeira vista parea contraditrio, deve-se dar a imposio incondicionada do individuo sobre a comunidade66 e do interesse pblico sobre o privado (princpio republicano)67.

    Uma vez que o fundamento e o valor guia dos direitos fundamentais de

    primeira gerao a liberdade, assim como o valor guia igualdade o fundamento para os direitos de signo econmico, social e cultural, os direitos de terceira gerao tm como principal valor de referncia e fundamento a contempornea idia de solidariedade, que deriva da moderna idia de fraternidade.

    O fundamento moral da transnacionalizao do direito seria ento a

    solidariedade que, entendida em um sentido lato sensu exigir a superao do sentimento de etnocentrismo68, inerente formao do Estado nacional moderno (tpico do Estado imperalista-canalha na concepo de Danilo Zolo, Ernesto Garzn Valds, Immanuel Wallerstein, Joaqun Herrerra Flores e Jacques Deriva69), ou seja, a ampliao da noo de sociedade e de nao e a incluso do crculo do pronome ns aos que antes se considerava eles (na concepo de Jrgen Habermas70). Dito de outra forma: a superao da dicotomia ns/eles, sobretudo da dialtica amigo/inimigo, e das perspectivas antropolgicas que vm ao homem como um ser isolado que no pode ou que no deve estabelecer laos de unio com seu entorno. Fundamental a questo da solidariedade para a superao do trauma da sociedade hobbesiana (o homem o lobo do homem) e ao tratar-se de substituir esta viso pela de um homem inserido em uma comunidade transnacional, ciente de dificuldades comuns a todos, questes estas inevitavelmente difusas, e por isso aberta ao debate. Certamente que na sociedade transnacionalizada existem muitos interesses em comum de chegar a um acordo, de preferncia a um consenso, sobre problemas a que todos afetam. Estes problemas seriam as demandas de transnacionalizao do direito: como o problema das guerras, da destruio do planeta seja pela corrida armamentista desenfreada (como exemplo a questo das tecnologias nucleares agora em mos de diversos pases), ou pela degradao do meio ambiente, que como se sabe que cada dia se agrava mais e mais. Ademais do problema do direito dos consumidores, assim como a regulao e proteo dos direitos dos trabalhadores, em uma economia globalizada, etc.71.

    Evidentemente que ao tratar-se de questes como as do pargrafo anterior

    deve-se ter em conta a prolixa obra de Jrgen Habermas, dita obra deve ser objeto de estudo aprofundado para traar os rumos de uma efetiva transnacionalizao do direito. Habermas exps em um grande nmero de trabalhos os pressupostos do discurso da superao da dialtica do amigo/inimigo com a universalidade dos princpios republicanos e das perspectivas antropolgicas da construo de nossa era72. Exatamente, na linha do pensamento habermasiano, a cultura da solidariedade exigir a superao das estruturas de dominao e sua substituio se deve dar por estruturas de cooperao, ou seja, por um Direito transnacional.

    Quanto ao espao poltico e jurdico necessrio para a articulao das

    demandas transnacionais, estas exigiram uma certa forma de republicanismo, que se apoiaria em modelos educativos muito concretos e, que em alguma medida, traria uma maior implicao do cidado em assuntos polticos. Cada vez mais assistimos

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    um afastamento do cidado aos centros de decises, ou seja, cada vez mais um individualismo egosta toma conta da vida de todos e a cidadania que fica sem verdadeiros representantes.

    Evidentemente que a questo da educao do cidado est intimamente

    conectada com a questo da participao do mesmo em dito espao pblico. Somente um cidado educado poder se interessar pelos assuntos de sua comunidade e das demais comunidades conectadas a uma determinada demanda comum. Uma educao que invista no aprendizado dos direitos fundamentais e da cidadania, que desenvolva o argumento a favor dos direitos de todos, dos direitos de cidadania e que considere o dialogo como forma de resolver os conflitos. Conhecer, estudar os processos que levam aos conflitos e a violao de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerao, certamente mais do que aprender a solucion-los, uma vez que o conhecimento o primeiro e certeiro passo para prevenir e assim criar condies para posteriormente, com conhecimento de causa, solucionar as referidas demandas.

    Uma questo a ser matizada que a transnacionalizao no poderia, em

    nenhuma hiptese, isolar ainda mais o cidado dos centros de poder, pelo contrrio, caber reforar sua participao e a garantia de seus interesses e direitos fundamentais, isso se daria atravs da chamada democracia participativa, como vemos hoje em dia no seio da Unio Europia. Ademais, no seria a total superao do Estado nacional, mas sim sua abertura para a resoluo de problemas comuns inerentes a toda a famlia humana. Uma vez que no podemos mais pretender a superao de problemas globais e difusos de forma individual.

    Ento como republicanismo pode-se entender, em nossa opinio, como a

    vinculao de uma democracia participativa que ampliaria seu espao de reflexo, debate e deliberao e que permitiria uma maior e melhor comunicao entre a poltica institucionalizada e a no institucionalizada. A denominada democracia representativa, que corresponde (ainda!) ao esquema liberal, e a sua via canalizada a partir dos partidos polticos, tem-se demonstrado ser absurdamente insuficiente para absorver as questes realmente de interesse pblico (interesse dos representados) e o complexo contexto de suas demandas. A crise da democracia representativa, nos moldes tradicionais como a brasileira, no e nem deve ser considerada a crise da democracia, pois infelizmente a falta de credibilidade do sistema representativo trs como conseqncia o descrdito e a falta de interesse da grande maioria populao e conseqentemente leva ao distanciamento da tomada de decises de uma ampla parte da populao, em beneficio claro de uma minoria oportunista.

    A nica sada seria a superao de modelos educativos atuais e a incluso das

    discusses de questes relacionadas com os direitos fundamentais e cidadania no dia-a-dia da sala de aula e tambm sua incluso na mdia em todos os nveis. Tambm a mdia e os escusos interesses que defende tem a sua parcela de culpa pela no efetividade dos direitos fundamentais em uma sociedade como a brasileira, isso certamente se deve sua falta de compromisso com a tica e com a verdade sintetizados numa verdadeira banalidade do mal dos meios de comunicao para aqui citar o dizer de Hannah Arendt73. A aluso clssica autora nos faz justamente recordar as interessantes crticas de Joaquin Herrera74 no sentido de que em nossa

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    sociedade valoriza o holocausto ocorrida na Segunda Guerra mundial, certamente que corretamente, mas se esquece da maldade e dos outros holocaustos mais recentes e de nossa atual sociedade, dando uma perversa idia de que vivemos em uma sociedade quase perfeita e sem maldade, traduzindo-se assim a tendncia de diminuir os problemas dos outros, dos excludos e dos pases perifricos, pelas classes dominantes e pelos pases centrais75.

    Com a transnacionalizao dos direitos fundamentais o compromisso de um

    pas perifrico passaria a ser com toda a comunidade transnacional a que pertence, e no mais somente com o seu (des)enganado povo. Seria uma aposta para diminuir o problema de constitucionalizao do faz de conta dos direitos fundamentais, problema to bem explicado por Marcelo Neves na tese do livro A Constitucionalizao simblica76, e irreverentemente sintetizada como as promessas (a constitucionalizao dos direitos fundamentais) do amante (o Estado) suposta amada (representada pelo povo) na interessante explicao do professor Lus Alberto Warat sobre o exerccio da atividade jurisdicional do Estado nacional com relao aplicao das regras jurdicas relativas aos direitos fundamentais previstos na Constituio: (...) como promessas de amor, aquelas que os amantes formulam quando sabem que no podero cumpri-las77.

    Noberto Bobbio em um de seus escritos mais inspirados e adiantados ao seu

    tempo, como o prprio ttulo prev, O futuro da democracia78, apresentava os problemas e as dicotomias que a democracia enfrentava e que viria a enfrentar no futuro: os interesses particulares contra o bem de todos (exemplo dos nossos dias: a pouca valorizao atual do princpio republicano); o governo das elites contra o governo do povo (idem); a ausncia de um espao pblico de debate e de uma genuna participao popular (a apatia cidad e a atual crise de representatividade de nossos parlamentos); o cidado insuficientemente formado (a pssima educao atual da maioria da populao); e entre outras questes a persistente ingovernabilidade das democracias (o abuso das medidas provisrias em nosso sistema). Diante do panorama aludido, Bobbio apontava algumas linhas bsicas para uma renovao da democracia com uma efetiva participao cidad: renovao da sociedade mediante um livre debate de idias; uma mudana de mentalidade a favor dos ideais de direitos humanos; mudana de valores a favor da no violncia, da tolerncia e do ideal de fraternidade. Em todos os casos dentro do sistema fechado dos Estados Nacionais vemos que os Estados esto passando, mesmos os sistemas democrticos, por problemas gravssimos comuns a todos como a corrupo, a dominao das elites e de seus interesses, a infidelidade aos seus ideais mesmo a falta de ideologias por parte dos partidos polticos e a conseqente apatia poltica cidad e por fim o aumento das desigualdades sociais.

    Os novos direitos fundamentais se encontram conectados entre si exatamente

    por sua incidencia universal na vida de todos os homens e exigem para sua realizao a comunidade de esforos e sobretudo responsabilidades de todo o planeta79.

    Certamente que com o objeto de proteo bem localizado e os objetivos bem

    claros da sociedade transnacionalizada, assim como bem entendida a fundamentao terica da transnacionalizao, e uma conseqente abertura de espaos polticos para o debate, o resultado ser uma boa regulao do Direito

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    Transnacional. CONCLUSO O processo de internacionalizao tradicional dos direitos humanos, a partir da

    criao dos sistemas internacionais de proteo dos direitos humanos universal: ONU e regionais: OEA e Conselho de Europa no tm se mostrado suficientes para a proteo dos direitos fundamentais de primeira e segunda gerao e nem o sero para questes mais complexas como os de terceira gerao. Fica ento evidente a necessidade de criao de um espao transnacional para que a Comunidade Internacional possa proteger questes to urgentes para o ser humano como a paz entre as naes, a defesa do consumidor global, o meio ambiente para a atual e as futuras geraes, o crime organizado internacionalmente e outras novssimas questes relacionadas com novas tecnologias como a biotecnologia evoluo da medicina e o ciberespao mundial.

    Os direitos fundamentais de terceira gerao tambm so reivindicaes dos

    mais dbeis, quando vemos que questes como a paz, o meio ambiente, o consumo, a proteo da criana e do adolescente, do idoso etc., so mais dbeis que os interesses econmicos das grandes corporaes e dos Estados centrais. Quando esto em jogo interesses econmicos dos mais poderosos sabemos que prevalecem quase sempre a vontade dos de sempre. Como o vulnervel sdito do estado absoluto, como o desprotegido trabalhador no estado liberal de direito do sculo XIX, o cidado atual tem a necessidade de ver suas demandas fortalecidas pela construo de um espao transnacional que venha a proteger suas demandas mais recentes (novos direitos).

    A evidente crise da democracia e do Estado nacional leva a que devam ser

    pensadas novas possibilidades para regular e renovar as questes de cidadania. A Unio Europia certamente o exemplo de transnacionalizao que superou a questo puramente econmica e com respeito deciso das maiorias e de uma sublime invocao, considerao e respeito aos direitos fundamentais mudou o rumo de futuras alianas transnacionais.

    O fenmeno da transnacionalidade mais bem caracterizado ento como

    conseqncia do processo de especificao. Como um fenmeno recente e que est interligado aos chamados novos direitos, novos direitos fundamentais.

    REFLECTIONS ON THE PHENOMENON OF "NEW " FUNDAMENTAL RIGHTS AND TRANSNATIONAL CLAIMS.

    ABSTRACT This article seeks to demonstrate the existing connection between the concept

    of new fundamental rights and the phenomenon of transnationalization of rights. It establishes that this connection starts with the historical process of specifying fundamental rights. In addition it analyses the concept and characteristics of the new

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    transnational fundamental rights, and beginning with a series of identifying and determining criterion, selects which demands are the foundation for these rights. Finally, some groundwork is presented for the transnational phenomenon which will be involved not only in the creation of a new democratic space between countries but also in a new vision of rights.

    Keywords: Fundamental rights. New rights. Transnationalization.

    NOTAS

    1 Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madrid Espanha. Professor do Programa

    de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica Cursos de Mestrado e Doutorado e da graduao em Direito da Universidade do Vale do Itaja (UNIVALI). E-mail:[email protected]. Endereo: Universidade do Vale do Itaja, Pr-reitoria de Pesquisa Ps-graduao Extenso e Cultura, Curso de Ps Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica Rua Uruguais, 458, Bloco 16, 3 piso Centro 88302202 Itaja, SC Brasil.

    2 HABERMAS, Jrgen. Era das transformaes. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. Ttulo

    original: Zeit der bergnge. 3 HABERMAS, Jrgen. A constelao nacional: Ensaios polticos. Traduo de Marcio Seligmann-

    Silva. So Paulo: Littera Mundi, 2001. Ttulo original: Die postnationale Konstellation: Politischen Essays.

    4 HABERMAS, Jrgen. Era das transformaes. Especificamente captulo 2, p. 37-74.

    5 HABERMAS, Jrgen. Era das transformaes. Especificamente captulo 6, p. 175-193.

    6 No se puede hablar propiamente de derechos fundamentales hasta la modernidad. Cuando

    afirmamos que se trata de un concepto histrico propio del mundo moderno, queremos decir que las ideas que subyacen en su raz, la dignidad humana, la libertad o la igualdad por ejemplo, slo empiezan a plantear desde los derechos en un momento determinado de la cultura poltica y jurdica. Antes exista una idea de la dignidad, libertad y igualdad que encontramos dispersa en autores clsicos como Platn, Aristteles o Santo Toms, pero stas no se unifican en ese concepto. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales: teora general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 113-114.

    7 Segundo reza a tradio o Direito Natural Racionalista teria sido concebido quase que por acaso

    a partir da tese do holands Hugo Grotius, no histrico livro De Jure Belli ac Pacis (publicado em 1625), no sentido de que o Direito Natural existiria ainda que Deus no existisse, por ser tratar de direitos naturais de um ser racional (...) o que no pode ser concebido sem um grande crime, isto , que no existiria Deus ou que os negcios humanos no so objeto de seus cuidados. GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. Volume I. Iju: Ed. Uniju, 2004. p. 40. Ainda que devemos considerar a crtica de Herrera Flores que coloca em dvida as verdadeiras intenes de Grotius (HERRERA FLORES, Joaqun. Los derechos humanos como productos culturales: crtica al humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005. p. 94), no resta dvida que ser a partir dessa concepo de Direito Natural do pensador holands que os seguintes autores passaram a tratar a questo de forma diferente do Direito Natural Clssico de transfundo religioso e conseqentemente o direito natural passa a ser gradativamente separado da religio pelos seguintes e histricos livres pensadores como Samuel Pufendorf, Chistian Wolf e Chiristian Thomasius entre outros. Sobre a questo em pauta, ver: GARCIA, Marcos Leite. A contribuio de Christian Thomasius ao processo de formao do ideal dos direitos fundamentais. In: MARTEL, Letcia de Campos Velho (Org.). Estudos Contemporneos de Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 3-26.

    8 Sobre a polmica que resulta da dificuldade de classificar o direito paz como direitos humanos

    so interessantes as seguintes palavras, e o citado artigo, de Maria Eugenia Rodrguez Palop: S muy bien que la defensa del derecho a la paz como derecho humano no solo no es habitual sino que ha sido agresivamente contestada por una buena parte de los tericos que se dedican a estos temas, con el agravante de que algunas de tales criticas estn ampliamente fundadas. El derecho a la paz, adems no ha sido ni suficientemente estudiado, ni analizado en profundidad, sino que da la impresin de que ha salido del campo de juego antes de empezar a jugar. Y eso es lo que, me parece, hay que intentar evitar. Evitar un fundamentalismo de los derechos humanos que nos lleve a excluir, sin discutirlas, demandas que se encuentran frecuentemente en el espacio

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    pblico y que han sido enarboladas por un gran nmero de movimientos sociales. RODRGUEZ PALOP, Mara Eugenia. El derecho a la paz: un cambio de paradigma. In: CAMPOY CERVERA, Ignacio; REY PREZ; Jos Luis; __________ (Orgs.). Desafos actuales de los derechos humanos: reflexiones sobre el derecho a la paz. Madrid: Dykinson, 2006. p. 51. Da mesma maneira um interessante debate sobre o direito paz em: RUIZ MIGUEL, Alfonso. Tenemos derecho a la paz? Anuario de Derechos Humanos, n. 3, 1985, p. 397-434.

    9 PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales, p. 146.

    10 PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales, p. 113-144.

    11 Veja por exemplo as declaraes resultantes das revolues burguesas, uma vez que tanto a

    Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, assim como a Declarao de Independncia Americana de 1776, se referem a um cidado universal. Ver os referidos documentos em: COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos Direitos Humanos. 5.ed. So Paulo: Saraiva, 2007. Respectivamente p. 158 e p. 108. Sobre a questo da universalidade dos direitos humanos fundamentais ver em termos gerais sua defesa em PREZ LUO. Antonio-Enrique. La Universalidad de los Derechos Humanos y el Estado Constitucional. Bogot: Universidad Externado de Colombia. 2002. Uma interessante e diferente defesa da universalidade dos direitos humanos encontramos no excelente texto do indiano Amartya Sen: SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. So Paulo: Companhia das Letras. 2000. Ainda o tema de maneira inteligente tratado por Jess Gonzlez Amuchastegui, infelizmente recentemente falecido o professor espanhol nos deixou um excelente legado, em: GONZLEZ AMUCHASTEGUI, Jess. Autonoma, dignidad y ciudadana: Una teora de los derechos humanos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004. E uma inteligente e madura crtica em WALLERSTEIN. Immanuel. O universalismo Europeu: a retrica do poder. So Paulo: Boitempo, 2007. Da mesma forma impossvel no citar a interessantssima e atual crtica de Joaqun Herrera Flores em: HERRERA FLORES, Joaqun. Los derechos humanos como productos culturales: crtica del humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005.

    12 Norberto Bobbio conclama a Declarao de 1948 como o documento mais importante da histria

    da humanidade, uma que na opinio do filsofo italiano (...) representa a manifestao da nica prova atravs da qual um sistema de valores pode ser reconhecido: e essa prova o consenso geral acerca da sua validade (p. 26). Esta j uma viso clssica que os diferentes autores de teoria geral dos direitos humanos discutem sua validade h algumas dcadas. Conferir: BOBBIO, Norberto. Presente e futuro dos direitos do homem. In: ______. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25-47.

    13 Uma das primeiras dificuldades que apresenta o tema dos direitos quanto a sua terminologia.

    Diversas expresses foram utilizadas atravs dos tempos para designar o fenmeno dos direitos fundamentais. Por exemplo, atualmente a expresso direito natural deve ser considerada como um termo histrico que significa ainda uma pretenso moral justificada no positivada como Direito. Em nossa opinio duas so as expresses mais corretas para serem usadas atualmente: direitos humanos e direitos fundamentais. Respaldamos nossa opinio no consenso geral existente na doutrina especializada no sentido de que o termo direitos humanos se utiliza quando fazemos referncia queles direitos positivados nas declaraes e convenes internacionais, e o termo direitos fundamentais para aqueles direitos que aparecem positivados e garantidos no ordenamento jurdico de um Estado. Da mesma forma que os distintos autores quando se referem histria ou filosofia dos direitos humanos, usam, de acordo com suas preferncias, indistintamente os aludidos termos. Ento, para efeitos do presente trabalho sobre transnacionalidade as expresses direitos fundamentais e direitos humanos so sinnimas. Sobre o assunto e o consenso terminolgico: PEREZ LUO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin. 9. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 31; BARRANCO, Maria del Carmen, El discurso de los derechos: Del problema terminolgico al debate conceptual. Madrid: Dykinson, 1992. p. 20; e SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 33.

    14 Este seria um processo diacrnico, ao mesmo tempo inicial e ainda atual que explica alm do

    surgimento do ideal dos direitos fundamentais na Modernidade, tambm a constante transformao dos mesmos e sua adaptao s questes aqui estudas. Ver: GARCIA, Marcos Leite. O processo de formao do ideal dos direitos fundamentais: alguns aspectos destacados da gnese do conceito. In: XIV Congresso Nacional do Conpedi, 2005, Fortaleza, CE. Anais. Disponvel em: http://www.org/manaus/arquivos/Anais/Marcos%20Leite%20Garcia.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2009.

    15 Entre outros trabalhos do professor espanhol, ver: PECES-BARBA, Gregorio. Las lneas de

    evolucin de los derechos fundamentales. In: _____. Curso de Derechos Fundamentales: teora

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    general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 146-198. 16

    Certamente que a nica organizao na qual a internacionalizao dos direitos humanos h dado frutos mais positivos, com uma visvel autoridade supranacional, tenha sido no marco do sistema de proteo do Conselho de Europa, devido a que so sociedades mais homogneas em sua cultura poltica e jurdica.

    17 Para Carlos de Cabo Martn a solidariedade um princpio bsico do constitucionalismo do

    Estado social como contraponto de que a insolidariedade um suposto bsico do constitucionalismo liberal. CABO MARTN, Carlos de. Teora Constitucional de la solidariedad. Madrid: Marcial Pons, 2006. Respectivamente p. 45- 107 e p. 39-44.

    18 AON ROIG, Maria Jos. Necesidades y Derechos. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

    1994. p. 45. 19

    Muito outros exemplos poderiam ser aludidos, como o clssico exemplo de uma guerra entre duas naes, violao do pretendido por alguns doutrinadores novo direito paz, certamente trata-se de um outro caso de violao de um direito humano difuso exatamente porque uma guerra entre dois pases poder envolver outros pases ou toda uma regio ou mesmo a maioria dos pases do globo terrestre e certamente trar conseqncias a todo o planeta sejam estas humanitrias, econmicas e/ou at ambientais.

    20 Segundo se sabe em um livro de 1956, o primeiro autor a falar em um Direito Transnacional

    (Transnational Law) o professor da Universidade de Colmbia Philip C. Jessup. Conferir: JESSUP, Philip C. Direito Transnacional. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1965.

    21 CRUZ, Paulo Mrcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergncia do Estado e do

    Direito Transnacional. v. 14, n. 1, jan./jun. 2009, p. 5. 22

    CRUZ, Paulo Mrcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergncia do Estado e do Direito Transnacional. p. 6.

    23 CRUZ, Paulo Mrcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergncia do Estado e do

    Direito Transnacional. p. 6. 24

    PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. Cizur Menor: Editorial Aranzadi, 2006. p. 28.

    25 PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 29.

    26 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. In: ______. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson

    Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 62-63. 27

    PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid: Dykinson, 2004. p. 120.

    28 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 63.

    29 Para o professor Antonio-Enrique Prez Luo o que caracteriza o direito da ps-modernidade so

    as questes que fazem parte de sua classifica de direitos fundamentais de terceira gerao. PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 53.

    30 Ser o professor Florestan Fernandes quem melhor explicar as origens da Modernidade no

    Brasil: (...) a ordem escravocrata e senhorial no se abriu facilmente aos requisitos econmicos, sociais, culturais e jurdico-poltico do capitalismo. Mesmo quando eles se incorporavam aos fundamentos legais daquela ordem, eles estavam condenados ineficcia ou a um entendimento parcial e flutuante, de acordo com as convenincias econmicas dos estamentos senhoriais. No mesmo sentido, segue o professor paulista (...) Aqui cumpre ressaltar, em especial, a estreita vinculao que se estabeleceu, geneticamente, entre interesses e valores sociais substancialmente conservadores (ou em outras terminologias: particularistas e elitistas) e a constituio da ordem social competitiva. Por suas razes histricas, econmicas e polticas, ela prendeu o presente ao passado como se fosse uma corrente de ferro. Se a competio ocorreu, em um momento histrico, para acelerar a decadncia e o colapso da sociedade de casta e estamentos, em outro momento ela ir acorrentar a expanso do capitalismo a um privatismo tosco, rigidamente, particularista e, fundamentalmente, autocrtico, como se o burgus moderno renascesse das cinzas do senhor antigo. FERNANDES, Florestan. A revoluo burguesa no Brasil: Ensaio de interpretao sociolgica. So Paulo: Zahar, 1975. Respectivamente p. 151 e p. 167-168 (grifo acrescentado).

    31 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro. 3.ed., So

    Paulo: Editora Globo, 2001. 32

    FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantas: la ley del ms dbil. Traduo de Perfecto A. Ibes e Andra Greppi. Madrid: Trotta, 1999.

    33 PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 120-122.

    34 PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 121.

    35 PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 121.

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    36 PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales. p. 181.

    37 PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 121-122.

    38 Como sabemos a Unio Europia atribui uma importncia especial ao respeito pelos direitos

    humanos com base nos artigos 6, 7 e 13 do Tratado de Maastricht e de acordo com sua Carta dos Direitos Fundamentais. O caso da Repblica da Turquia emblemtico com relao ao tema dos direitos humanos no seio da Unio Europia. Desde que a Turquia aspira fazer parte da organizao continental tem obtido sucessivas negativas da mesma. Os principais motivos alegados para no integrao da Turquia na Europa so as questes das violaes dos direitos humanos no pas, na represso aos separatistas curdos e no conflito da ilha de Chipre. Como tentativa de uma aproximao ao padro europeu em questes de direitos humanos o pas tomou algumas providncias, a se destacar: em 2002 aboliu a pena de morte; em 2004 aprovou um novo cdigo penal que reprime a violncia contras as mulheres e a tortura. Mesmo com todos os esforos citados, entre outros na rea econmica, a Turquia ainda no conseguiu convencer aos especialistas da Unio Europia que o respeito aos direitos humanos fazem parte de uma prtica diria de sua sociedade. Pesa contra a Turquia alm da questo curda, dos acontecimentos do Chipre e do no reconhecimento do genocdio de armnios praticado pelo Imprio Turco-Otomano em 1915, o fato de que se teme uma onda de emigrao para a Europa Ocidental por parte de seus cidados depois de seu ingresso na Unio Europia.

    39 Por exemplo: o professor Wolkmer classifica as questes relativas biotecnologia como direitos

    humanos de quarta gerao e o Direito informtica como de quinta gerao. Ver: WOLKMER, Antnio Carlos. Introduo aos fundamentos de uma Teoria Geral dos novos Direitos. In: _____; LEITE, Jos Rubens Morato (orgs.).Os novos Direitos no Brasil: natureza e perspectiva. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 1-30.

    40 As trs geraes estariam baseadas nos seus trs fundamentos oriundos da Revoluo

    Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade no sentido contemporneo de solidariedade. Como foi visto as geraes dos direitos fundamentais, dependendo do autor podem ser trs, quatro ou at cinco. Como j ficou claro, nossa preferncia pela diviso mais tradicional que em principio est exposta em trs geraes nos moldes da diviso apresentada originalmente por Karel Vasak, que foi quem criou o termo geraes de direitos em 1979 (VASAK, Karel. Pour une troisime gnration des droits de lhomme. In: SWINARSKI, Chistophe (ed.). Studies and Essays on International Humanitarian Law and Red Cross Principles in honour of Jean Pictet. Genve - The Hague: ICRC - M. Nijhoff, 1984, p. 837-839). Ditas geraes foram muito bem complementadas por Norberto Bobbio (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 5-7) e atualmente excelentemente desenvolvidas e defendidas pelo professor Antonio-Enrique Prez Luo (PEREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los Derechos Humanos, p. 25-48).

    41 Como o faz Ingo Sarlet, conferir: SARLET, Ingo Wolfgang. Eficcia dos Direitos Fundamentais. p.

    38-60. 42

    PREZ LUO, Antonio-Enrique. Concepto e concepcin de los derechos humanos. DOXA, Alicante-Espanha, n. 4, 1987. p. 56.

    43 Assim explicava o professor espanhol em suas aulas. PECES-BARBA, Gregorio. Concepto y

    fundamentacin de los Derechos Humanos. Anotaciones de clases por alumnos del ao acadmico 1988-1989. Asignatura del Curso de Doctorado en el Programa de Derechos Fundamentales - Instituto de Derechos Humanos Universidad Complutense de Madrid.

    44 Pensamos que melhor que as expresses geraes ou dimenses (como leciona Ingo Sarlet)

    seria melhor utilizar a expresso grupos histricos de direitos fundamentais ou, ainda, somente grupos de direitos fundamentais. Grupos estes resultantes das linhas de evoluo dos direitos fundamentais e de seus respectivos valores da trilogia da Revoluo Francesa: processo de positivao liberdade; processo de generalizao igualdade; processo de especificao fraternidade no sentido contemporneo de solidariedade.

    45 Ver: GARCIA, Marcos Leite. Efetividade dos direitos fundamentais: notas a partir da viso integral

    de Gregorio Peces-Barba. In: MARCELLINO JR. Julio Cesar; VALLE, Juliano Keller do. Reflexes da ps-modernidade: Estado, Direito e Constituio. Florianpolis: Conceito, 2008. p. 189-209.

    46 PEREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los Derechos Humanos, p. 25-48.

    47 PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales. p. 113-144.

    48 Encontramos em Mara Eugenia Rodrguez Palop uma bela definio do directo paz: El

    derecho a la paz podra suponer el derecho de un Estado (entendido, en sentido moral, como el derecho de todos y cada uno de sus ciudadanos) a no ser agredido violentamente por otros y, quizs tambin, el derecho frente al Estado de requerir la adopcin de una poltica lcita mediante la cual no se ponga en peligro o se violen los derechos de terceras personas existentes o posibles y, en concreto, el de objecin de conciencia al servicio militar (aunque este ltimo caso se

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    canaliza por medio del ejercicio de las libertades civiles y se configure como un derecho de primera generacin). RODRGUEZ PALOP, Mara Eugenia. La nueva generacin de derechos humanos: origen y justificacin. Madrid: Dykinson, 2002. p. 110.

    49 PECES-BARBA, Gregorio. Curso de Derechos Fundamentales. p. 191-196.

    50 Idias expostas no livro: FERRAJOLI, Luigi. Razones jurdicas del pacifismo. Edio e traduo

    organizada por Gerardo Pisarello. Madrid: Trotta, 2004. 51

    Sobre os diferentes tipos de pacifismos, assim como os diferentes tipos de belicismos, ver: RUIZ MIGUEL, Alfonso. La justicia de la guerra y de la paz. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1988. p. 81-119.

    52 Grifados os conceitos teorizados por Ferrajoli. Sobre o tema ver: PISARELLO, Gerardo.

    Introduccin: el pacifismo militante de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Razones jurdicas del pacifismo. Edio e traduo organizada por Gerardo Pisarello. Madrid: Trotta, 2004. p. 11-24.

    53 Sobre o uso dos direitos humanos contra os prprios direitos humanos, ver o interessante livro

    sobre o assunto: ARCOS RAMIRZ, Federico. Guerra en defensa de los derechos humanos? Problemas de legitimidad en las intervenciones humanitarias. Madrid: Dykinson, 2002.

    54 Os crimes tipificados pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional esto expostos em

    seu artigo 5 e conceituados em seus artigos 6, 7 e 8. Estes so: o crime de genocdio; crimes contra humanidade; crimes de guerra e o crime de agresso. Ver: PINTO, Antonio Luis de Toledo; et. al. (Col.) Legislao de Direito Internacional. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 544-599.

    55 Sobre o interessante tema do Direito Internacional Humanitrio, regras humanitrias que devem

    ser obedecidas em caso de guerras declaradas previstas sobre tudo nas Convenes de Genebra de 1948 (que trata da defesa dos no-combatentes: populaes civis, feridos e enfermos e prisioneiros de guerra) , recomenda-se a seguinte obra: SOUSA, Mnica Teresa Costa. Direito Internacional Humanitrio. 2.ed. Curitiba: Juru, 2007.

    56 Ver nota 9 supra citada.

    57 PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 29.

    58 PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 29.

    59 PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 29.

    60 PREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los derechos humanos. p. 29.

    61 MARTN MATEO, Ramn. Tratado de Derecho Ambiental. Vol. I. Madrid: Trivium, 1991. p. 45.

    62 PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 125.

    63 PINTO, Antonio Luis de Toledo; et. al. (Col.) Legislao de Direito Internacional. So Paulo:

    Saraiva, 2008. p. 481-484. 64

    PECES-BARBA, Gregorio. Lecciones de Derechos Fundamentales. p. 125-126. 65

    Sobre o tema do fenmeno da globalizao neoliberal, o seguinte texto de Boaventura de Sousa Santos muito elucidador: SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos de globalizao. In: ______ (org.). A Globalizao e as cincias sociais. So Paulo: Cortez, 2002. p. 25-102. Da mesma maneira tambm interessante: BECK, Urich. Que es la globalizacin? Falacias del globalismo, respuestas a la globalizacin. Traduo de B. Moreno e M. R. Borrs. Barcelona: Paids, 1998.

    66 RODRIGUES PALOP, Maria Eugenia. Los intereses colectivos en el discurso de los derechos

    humanos. In: ANSUTEGUI ROIG, Francisco Javier (ed.). Una discussion sobre derechos colectivos. Madrid: Dykinson, 2001. p. 271-287.

    67 Sobre a questo do princpio republicano veja-se: CRUZ, Paulo Mrcio; SCHMITZ, Srgio

    Antonio. Sobre o princpio republicano. Revista Novos Estudos Jurdicos. Itaja, v. 13, n. 1, p. 43-54, jan./jun. 2008.

    68 Etnocentrismo: Neologismo formado a partir da expresso grega thnos (raa) e da latina

    centrum (centro). Tendncia dos indivduos a tomar sua prpria cultura como superior e como centro, modelo de referncia e norma. Rechaa, por tanto, a diversidade cultural. RUSS, Jacqueline. Lxico de Filosofa: Dictionnarie de Philosofie. Madrid: Akal, 1999. p. 141. Duas outras definies de etnocentrismo: 1). Rechao a admitir o fato mesmo da diversidade cultural; prefere-se expulsar fora da cultura, ao mbito da natureza, tudo que no se conforma norma baixo a qual se vive. LVI-STRAUSS, Claude. Le Racisme de lhomme. Paris: Unesco/Gallimard, p. 246. Apud: RUSS, Jacqueline. Lxico de Filosofa: Dictionnarie de Philosofie. p. 141. 2). Etnocentrismo: (...) tentativa de situar no centro do universo e considerar como a medida de qualquer valor o prprio grupo tnico. MORIN, Edgar. Philosopher. Paris: Ed. Fayard, p. 41. Apud: RUSS, Jacqueline. Lxico de Filosofa: Dictionnarie de Philosofie. p. 141 (Tradues livres do autor).

    69 Um bom estudo sobre a maldade estatal poderia ser feito a partir dos respectivos livros dos

    autores citados, ver: ZOLO, Danilo. Justicia de los vencedores: De Nremberg a Bagd. Madrid:

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    Trotta, 2007; GARZN VALDS. Ernesto. Calamidades. Barcelona: Gedisa, 2004; WALLERSTEIN. Immanuel. O universalismo Europeu: a retrica do poder. So Paulo: Boitempo, 2007; HERRERA FLORES, Joaqun. Los derechos humanos como productos culturales: crtica del humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005. DERRIDA, Jacques. Canallas: dos ensayos sobre la razn. Traduo de Cristina Peretti. Madrid: Trotta, 2005.

    70 Ver: HABERMAS, Jrgen. A incluso do outro: estudos de teoria poltica. So Paulo: Loyola,

    2002. 71

    Sobre o valor da solidariedade incluindo tambm direitos sociais, ver: CABO MARTN, Carlos de. Teora Constitucional de la solidariedad. p. 45- 107.

    72 Por exemplo: HABERMAS, Jrgen. A incluso do outro: estudos de teoria poltica. Traduo de

    George Sperber e Paulo Astor Soethe. So Paulo: Loyola, 2002; e ________. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Volumes I e II. Traduo de Flavio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

    73 Ver: ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalm: um relato sobre a banalidade do mal. Traduo

    de Jos Rubens Siqueira. So Paulo: Companhia das Letras, 1999. 74

    HERRERA FLORES, Joaqun. Los derechos humanos como productos culturales. p. 67. 75

    Desde que las bombas de Hiroshima y Nagasaki dieron fin a la segunda guerra mundial se han calculado que la humanidad ha sufrido ms de ciento y treinta guerras (dados de 1983) (), cuyo resultado en muertos se cuenta por millones (). RUIZ MIGUEL, Alfonso. La justicia de la guerra y de la paz. p. 47.

    76 NEVES, Marcelo. A constitucionalizao simblica. So Paulo: Martins Fontes, 2007. 77

    WARAT, Luis Alberto. Apresentao fora das rotinas. In: ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurdico e controle de constitucionalidade material. Florianpolis: Habitus, 2002. p. 13.

    78 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7.ed. Traduo de Marco Aurlio Nogueira. So

    Paulo: Paz e Terra, 2000. 79

    PEREZ LUO, Antonio-Enrique. La tercera generacin de los Derechos Humanos, p. 34-35.

    REFERNCIAS AN ROIG, Maria Jos. Necesidades y Derechos. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. 1994. ARCOS RAMIRZ, Federico. Guerra en defensa de los derechos humanos? Problemas de legitimidad en las intervenciones humanitarias. Madrid: Dykinson, 2002. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalm: um relato sobre a banalidade do mal. Traduo de Jos Rubens Siqueira. So Paulo: Companhia das Letras, 1999. Ttulo original: Eichman in Jerusalen: A Report on the Banality of Evil. BARRANCO, Maria del Carmen, El discurso de los derechos: Del problema terminolgico al debate conceptual. Madrid: Dykinson, 1992. BECK, Urich. Que es la globalizacin? Falacias del globalismo, respuestas a la globalizacin. Traduo de Bernardo Moreno e Mara R. Borrs. Barcelona: Paids, 1998. Ttulo original: Was is Globalisierung? BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Ttulo original: Let del Diritti. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7.ed. Traduo de Marco Aurlio Nogueira. So Paulo: Paz e Terra, 2000. Ttulo original: Il futuro della democrazia.

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    CABO MARTN, Carlos de. Teora Constitucional de la solidariedad. Madrid: Marcial Pons, 2006. COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos Direitos Humanos. 5.ed. So Paulo: Saraiva, 2007. CRUZ, Paulo Mrcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergncia do Estado e do Direito Transnacional. v. 14, n. 1, p. 1-25, jan./jun. 2009 (no prelo). CRUZ, Paulo Mrcio; SCHMITZ, Srgio Antonio. Sobre o princpio republicano. Revista Novos Estudos Jurdicos. Itaja, v. 13, n. 1, p. 43-54, jan./jun. 2008. DERRIDA, Jacques. Canallas: dos ensayos sobre la razn. Traduo de Cristina Peretti. Madrid: Trotta, 2005. Ttulo original: Voyous: Deux essais sur la raison. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro. 3.ed., So Paulo: Editora Globo, 2001. FERNANDES, Florestan. A revoluo burguesa no Brasil: Ensaio