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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM E O TRABALHO * Rubens MlgUacclo Filho Considerações filosóficas aliadas aos conhecimentos e experiências empresariais ampliam os horizontes da relação homem-trabalho. Philosophical rejlections joined to administrative knowledge and experience extend lhe horizons of the man-work relationship. PALAVRAS-CHAVE: Homem, humanismo, trabalho, empresa, ge~ncia, ~tica. KEYWORDS: Man, humanism, work, firm, management, ethic . , de Emp~ f pela EAESP/FGV, Mestrando em Administração Pública e Professor do Programa de Edu- cação ContInuada em Adminis- tração de Emprasas da EBAPI FGV. 18 Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 2, p. 18-32 Mar./Abr. 1994

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REFLEXÕES SOBRE OHOMEM E O TRABALHO

* Rubens MlgUacclo Filho

Considerações filosóficas aliadas aos conhecimentos e experiências empresariaisampliam os horizontes da relação homem-trabalho.

Philosophical rejlections joined to administrative knowledge and experience extend lhehorizons of the man-work relationship.

PALAVRAS-CHAVE:Homem, humanismo, trabalho,empresa, ge~ncia, ~tica.

KEYWORDS:Man, humanism, work, firm,management, ethic .

• , de Emp~ fpela EAESP/FGV, Mestrandoem Administração Pública eProfessor do Programa de Edu-cação ContInuada em Adminis-tração de Emprasas da EBAPIFGV.

18 Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 2, p. 18-32 Mar./Abr. 1994

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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM E O TRABALHO

McGregor, no clássico The humam sideof Enterprise, não deixou dúvidas sobrea importância dos fatores humanos naatividade empresarial.

É fácil constatar que não trataremosde um tema inédito.

Além disso, não temos, pessoalmen-te, nenhuma pretensão de originalida-de, pelo contrário, apresentamos nessetrabalho um conjunto de idéias que nãosão "propriamente" nossas, mas feitaspróprias pela desconcertante profundi-dade com que nos foram apresentadas.

Desde que começamos a nos interes-sar pela literatura empresarial em 1979,não nos lembramos de termos lido algotão marcante como os trabalhos elabora-dos pelo Instituto de Estudos Superio-res da Empresa (lESE), e, nos últimosanos, pelo Seminário Permanente Em-presa e Humanismo, que congrega a Fa-culdade de Filosofia e Letras e a Facul-dade de Ciências Econômicas da Uni-versidade de Navarra com empresas einstituições como: IBM, Alcatel, Stan-dard Eletric, Pirelli, Coca-Cola, Hidroe-léctrica Espafí.ola,entre outras.

Sobretudo, interessou-nos a forma deintegrar uma sólida experiência empre-sarial com conhecimentos e reflexões fi-losóficas, numa clara opção pelo ser hu-mano frente aos desafios de uma socie-dade que, com freqüência, subjulga ohomem.

O fruto dessas considerações - apa-rentemente dispersas - poderá abrir no-vos horizontes para o exercício do tra-balho humano: um olhar interior queultrapassa o fazer para refletir sobre ofazer melhor, de um modo prático erealista.

INTRODUÇÃO

Durante os anos 80, o prestígio daética subiu muitos pontos. Depois deuma série de escândalos, compreende-se a urgência de revalorizar a ética dosnegócios e de transmiti-la aos futurosmanagers. Tudo indica o nascimento deum novo humanismo. O homem querestou do fracassado projeto modernoprecisa ser reconstruído a partir dospostulados de uma nova sensibilidade.Esse caminho é o que vem sendo trilha-do no "Seminário Permanente Empresa

e Humanismo", que reúne a Universi-dade de Navarra (Espanha), através doseu Instituto de Estudos Superiores daEmpresa (lESE)- uma das cinco melho-res escolas de negócios da Europa se-gundo a revista Foriune - com conheci-das empresas transnacionais como IBM,Pirelli, Coca-Cola, Nestlé, Xerox, Nix-dorf, entre outras.

No programa de apresentação do Se-minário, encontram-se as seguintes pa-lavras: "A Empresa é uma instituição deci-

siva para o desenvolvimento econômico, pa-ra a dinamização da sociedade e a promoçãodas liberdades pessoais e públicas. Sua vita-lidade expressa a criatividade da trama so-cial e a capacidade dos cidadãos para enfren-tar os desafios econômicos, sociais e cultu-rais do presente momento. As raízes da ca-pacidade de empreender se encontram napessoa humana. Hoje já sabemos que os pro-blemas mais importantes da Empresa nãosão os tecnológicos, e sim os antropológicose sociológicos. O atual dirigente empresarialnão é só um exper.t em estratégia; tem queser, sobretudo, um humanista capaz de co-nhecer com profundidade e rigor os homense as suas circunstâncias sociais 1/. 1

Este trabalho procura apresentar umpequeno mosaico do pensamento pre-sente nesse Seminário e, principalmen-te, levar os dirigentes de recursos hu-manos a uma reflexão sobre a caracte-rística peculiar do objeto do seu traba-lho: seres humanos.

© 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP/ FGV, São Paulo, Brasil.

1. LLANO, Carlos et ai. La ver-tiente humana deI trabajo en laempresa, Madrid: Rialp, 1990.

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Ao responder pelo sentido da vidadeste homem geramos diversas respostasque Gómez Pérez" sintetiza em quatropossibilidades:

2. GÓMEZ PÉREZ, Rafael. An-tropologia política in represíonylibertad. Pamplona: EUNSA,1975, p. 161-88.

3. Idem, ibidem, p. 163.

4. LÉVI-STRAUSS, Claude. An-thopologie structurale. Paris:Plon, 1958.

5. GÓMEZ PÉREZ, Rafael. Op.cit., p.164.

6. Idem, ibidem, p. 165 -73.

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FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS:DISCUSSÕES A RESPEITO DO HOMEM

o que é o homemOcupar-nos do homem como ser vi-

vente e racional, com história e com cultu-ra é, sobretudo, responder o que é ser ho-mem. A antropologia projeta-nos uma luzsobre essas indagações sem propriamenteas responder. Várias concepções, por ve-zes contraditórias, foram elaboradas, pro-curando elucidar o fenômeno humano. Ateoria do conhecimento e a metodologiada ciência nos ajudam a perceber que opensamento científico está determinadopor concepções, consciente ou inconscien-temente defendidas. Poderíamos atéafirmar que para dar origem a uma antro-pologia é preciso ter previamente umaconcepção antropológica. A neutralidadedo pensamento é uma ficção.

Gómez Pérez-, em seu estudo sobre an-tropologia política, assinala duas possíveisrespostas para nossa pergunta: "A primei-ra: o homem é um ser natural, vivente supe-rior, produto da Natureza e reintegrável ao na-tural orgânico, sem resíduo; a segunda: o ho-mem é um ser natural, vivente superior, criadopor Deus e dotado de uma alma que transcen-de imortalmente o natural orgânico". 3

O que se entende ordinariamente porantropologia - veja-se, por exemplo, otrabalho de Claude Lévi-Strauss! em seulivro Antropologia Estrutural - está com-preendido na primeira resposta. É a an-tropologia natural. A segunda concepçãorecebe o nome de antropologia filosófica.

Antes que possamos fazer uma escolhaentre uma concepção ou outra, convémaprofundar-se em seus aspectos essenciais.

É possível formular algum juízo sobreo ser humano, incapaz de ser refutado?

O bom senso nos faz admitir que o ho-mem tem limitações: não consegue che-gar a tudo a que se propõe. E ainda pode-mos dizer que há especialmente uma li-mitação que preocupa o ser humano co-mo nenhuma outra: a temporalidade dasua existência, em outras palavras, amortalidade do homem. É interessanteobservar que convive com essa compro-vação de finitude uma aspiração a supe-rar-se, a transcender-se. E o mistério e ofascínio da busca do sentido da vida. Sur-ge, então, o impasse, e acaba o que pode-ria ser de consenso geral.

1. o sentido da vida individual, finita, é a pró-pria vida finita e individual;

2. o sentido da vida é a totalidade da história,a imortalidade da espécie, o insondável doespírito humano;

3. o sentido da vida é a realização da perti-nência do homem a um gênero - o humano- chamado a reconciliar-se com a Naturezamaterial;

4. o sentido da vida individual é a união comDeus, na história e, depois da história, naeternidade.

Podemos distinguir claramente doisgrupos nas respostas acima. As três pri-meiras implicam a negação do transcen-dente: Deus e a imortalidade do homemcomo realidade. Diferem na análise dasdicotomias individualidade/comunidadee indivíduo/espécie que ao longo da his-tória assumiram posturas agrupadas porGómez Pérez>, como veremos a seguir.

Antropologias da insuperável finitudeindividual

Nascem de uma especial sensibilidadecom o fenômeno vida: o movimento, ovir a ser, a impossibilidade de enquadraro vivo em esquemas racionais e fixos ...Modernamente, as possibilidades reaisda ciência causaram certas derivaçõesnestas posturas rumo ao positivismo.

Antropologias políticas do homem-liberdade

Estas antropologias devem sua origeme desenvolvimento a Kant. Na base dasposturas de eminentes filósofos comoHegel, Marx, Comte, Husserl, Heideggere outros estão os pressupostos kantianos.O mais importante - ou, ao menos, omais permanente - é a superioridadeque reconhece a razão prática, e, nela, odescobrimento autônomo da lei moraldo homem.

A "Crítica da Razão Prática" leva Kanta postular a presença no homem da idéiado mundo, da alma e de Deus. Dessasidéias surgirá o que definia como liberda-de criadora do homem no âmbito daimortalidade da espécie. A Razão é a reli-

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gião.a imperativo da moralidade é desco-berto pelo próprio homem em si mesmo.

Antropologias do materialismo-dialéticoHegel é o primeiro filósofo que não

simplifica a experiência humana no senti-do metafísico, uma vez que inclui tudonum sistema que é, para ele, o própriodesenvolvimento do real: desde a vidavegetal à liberdade, da farru1iaà morali-dade, do demoníaco ao mistério da Trin-dade, tudo está incluído nos afãs e nas vi-cissitudes do Espírito, que é o Espírito decada homem e o Espírito de Deus.

Depois de Santo Agostinho, não se co-nhecia uma concepção semelhante dehistória como um único processo. No en-tanto, enquanto que o pensador de Hipo-na concebe a única história como a histó-ria do homem criatura de Deus, Hegelentende a história como história de Deusimanente ao mundo, já que sem o mundoDeus não seria Deus.

a rico e complexo pensamento de He-gel gerou seguidores aparentementeopostos, classificados em direita e es-querda hegeliana, e propriamente esta úl-tima dará origem à antropologia materia-lista histórico-dialética.

Feuerbach começa a limpeza da escó-ria espiritual hegeliana: o Espírito de He-gel não é outro que o espírito humano.Marx radicalizaria ainda mais as idéiasde Feuerbach materializando o Espírito.A matéria feita homem tem um vir a serdialético até a suprema reconciliação dohomem com a natureza, da liberdadecom a necessidade.

Sinteticamente, a antropologia dialéti-ca materialista afirma que a existência doespírito depende da do corpo, sendo anatureza do homem matéria orgânica al-tamente evoluída como resultado da lutados contrários. Só a luta dos contrários,que se excluem, tem caráter absoluto, co-mo sucede com o movimento e a evolu-ção; esta é a razão pela qual o materialis-mo deve ser dialético, isto é, deve negar-se a reconhecer qualquer essência imutá-vel das coisas.

Antropologia liberalNo âmbito das sociedades liberais cos-

tumam existir três correntes antropológi-cas, que têm como denominador comumo naturalismo. Gómez Pérez? as denomi-

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na de otimista, pessimista e relativista.As três têm em conta o fazer-se histórico,o movimento social, porque superaram ofixismo do liberalismo-histórico. No en-tanto, diferem na interpretação dessemovimento. A otimista sustenta que ésempre possível chegar a uma situaçãomelhor que a anterior, já que há um pro-gresso implícito no ser-homem, se ocor-rerem determinadas condições sociais.Rousseau iniciou esta corrente: o homemé indefectivelmente bom quando encon-tra os pressupostos naturais do seu de-senvolvimento.

A antropologia pessimista sustentaque, por trás dos graves problemas so-ciais, observa-se uma possível regressão,quando não se previnem determinadascondições. A esperança sobre a perfeiçãoda natureza humana é débil. A relativistanão concede valor permanente aos ter-mos progressão ou regressão, já que to-ma o presente corno o único ponto de re-ferência. Trata-se de uma antropologiaresultante das duas anteriores e escondeum certo verniz de ceticismo frente às de-mandas sociais dos mais variados tipos.

Na análise empreendida até o momen-to, apenas consideramos três das quatrorespostas relacionadas por Gómez Pé-rez ," Passaremos, então, a analisar aquarta possibilidade: o sentido da vidaindividual é a união com Deus, na histó-ria e, depois da história, na eternidade.Esta hipótese define um humanismo quedenominaremos do homem-superior",composto por duas inseparáveis e com-plementares antropologias.

7. Idem, ibidem p.l77.

8. Idem, lbldernp, 181.

9. Idem, ibidem p. 181.

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10. MESSNER, Johannes. Éticasocial. São Paulo: Quadran-te/EDUSP, s. d., p. 12.

11. Idem, ibidem, p. 13.

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Antropologia empíricaA experiência da realidade humana

colhida na natureza focaliza duas noçõesfundamentais: em primeiro lugar, o ho-mem pertence ao reino animal pelo seucorpo, no entanto, representa uma espé-cie única em sentido zoológico, pois to-das as "raças" humanas são capazes dese cruzarem ilimitadamente. 10

A segunda noção que tomamos da an-tropologia empírica afirma que o homemé um ser provido de razão. O homem éhomo faber, o único ser vivo que fabricautensílios compreendendo a relação entrecausa e efeito, graças à sua capacidade deabstração. Só o ser humano é capaz de de-terminar-se conscientemente na sua con-duta. E o seu poder de conhecer e autode-terminar-se define-o como animal rationaleet homo sapiens, distinguindo-o essencial-mente do mundo animal. 11

Antropologia metafísicaAo penetrar na essência do homem,

podemos extrair outras duas noções. Pri-meiro, o homem possui um espírito, algoque não é simplesmente matéria. Em se-gundo lugar, e em conseqüência da suanatureza ao mesmo tempo corporal e es-piritual, o homem é um ser social, isto é,um ser que só no seio da sociedade en-contra o seu pleno desenvolvimento.

A metafísica fundamenta-se na expe-riência, seguindo a convicção de que sócumpre metodicamente a sua missãoquando for capaz de relacionar as suasconclusões com todo o domínio da reali-dade experimental concernente ao seuobjeto. Sabemos que nenhuma metafísicapoderia pretender resolver todos os seusproblemas com uma certeza indiscutível.Não é menos certo que, qualquer metafí-sica que se feche parcialmente à expe-riência, tentando preterir o esclarecimen-to de fatos da realidade, cai em dogma tis-mos de algum tipo.

A antropologia metafísica sustentaque a alma humana é de natureza espiri-tual, livre e imortal, sendo também a se-de da razão. Daí vem a distinção essen-cial entre corpo e espírito: o corpo é denatureza material, a alma, de naturezaespiritual; nenhum dos dois pode seconsiderar uma resultante do outro. Emconjunto, ambos formam a unidadesubstancial da natureza humana, em

que a alma é o princípio das ações espe-cificamente humanas.

Incorporando os princípios do cristia-nismo sobre a natureza humana, a antro-pologia do homem-superior adquire asua dimensão mais profunda.

Duas considerações são especialmenteimportantes: a primeira prende-se à reali-dade do pecado original, razão da possi-bilidade humana de errar, da perversida-de da vontade e dos erros sucessivos quedaí nasceram para a ordem da vida so-cial. A segunda conceme ao fato do pró-prio Deus ter assumido a natureza huma-na para entrar no mundo, corroborandona alma do homem a semelhança com adivindade, a testemunhar que o valor dapessoa, com seu destino vinculado à al-ma espiritual - dignidade da pessoa - ésuperior a todo e qualquer valor terreno.Assim se explica que nem a sociedade,nem o Estado, nem a Nação, nem a raça,nem toda a criação se equiparam a essevalor.

o HOMEM E O TRABALHO

O trabalho, essencialmente, é umaação própria do homem mediante a qualtransforma e melhora os bens da nature-za, com a qual vive historicamente em in-substituível relação. Nesse sentido, pode-se afirmar que o homem trabalhou sem-pre e que não existirá momento, na terra,em que não será necessário trabalhar.

O primeiro fundamento do valor dotrabalho é o próprio homem, seu sujeito,o trabalho está em função do homem enão o homem em função do trabalho.

Conseqüentemente, o fundamento pa-ra determinar o valor do trabalho não éo tipo de trabalho que se realiza, e sim ofato de que quem o executa é uma pes-soa. As fontes de dignidade do trabalhodevem buscar-se, principalmente, nãoem sua dimensão objetiva, e sim na suadimensão subjetiva. O valor do trabalhonão reside no fato de que se façam coi-sas, mas de que são coisas feitas pelohomem.

o sentido do trabalhoConsiderando a antropologia do ho-

mem-superior, a que nos referimos ante-riormente, podemos acrescentar a cons-ciência que tem o homem de desempe-

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tornar o homem insubstituível; o que a pro-fissão faz é simplesmente dar-lhe a oportuni-dade para vir a sê-lo".

Em outras palavras, o caráter insubsti-tuível da vida humana, aquela impossi-bilidade do homem ser representado poroutrem no que só ele pode e deve fazer,o seu "caráter de algo único" e irrepetí-vel, a que temos nos referido, sempre de-pende do homem: não do que ele faz,mas de quem o faz e do modo como ofaz.

nhar na vida uma tarefa concreta e pes-soal, derivada do seu caráter de algo úni-co e irrepetível, uma missão.

O conteúdo dessa missão é duplo.Com efeito, a missão não muda apenasde homem para homem, em consonânciacom o caráter de algo único da pessoa.Muda também de hora a hora, em decor-rência do caráter irrepetível de cada si-tuação. Vejamos o que Scheler 12 denomi-nou "valores de situação". Estes valoresfuncionam como se estivessem à esperade que sua hora chegasse, à espera deque um homem aproveite a ocasião irre-petível de realizá-los, a ocasião que sedeixa passar será perdida irremediavel-mente e o valor da situação fica parasempre irrealizado - o ho-mem desperdiçou-o.

As teorias de Pla-nejamento Estraté-gico, desde osanos 60, desta-caram a impor-tância de umaempresa definirclaramente a suamissão e atuar emconseqüência. Seisso é verdade parauma empresa, muitomais para o homem, que é a razão de serde uma atividade empresarial.

Em particular, diz Frankl ": "o trabalhopode representar o campo em que o 'caráterde algo único' do indivíduo se relaciona coma comunidade, recebendo assim o seu sentidoe o seu valor. Contudo, este sentido e valorsão inerentes, em cada caso, à realização (àrealização com que se contribui para a comu-nidade) e não à profissão concreta como tal.Não é, por conseguinte, um determinado tipode profissão o que oferece ao homem a possi-bilidade de atingir a plenitude. Nesse senti-do, pode-se dizer que nenhuma profissão fazo homem feliz. E, se há muitos, principal-mente entre os neuróticos, que afirmam quese teriam realizado plenamente, caso tives-sem escolhido outra profissão, o que se encer-ra nessa afirmação é uma deturpação do sen-tido do trabalho profissional ou a atitude dequem se engana a si mesmo. Nos casos emque a profissão concreta não traz consigo ne-nhuma sensação de plena satisfação, a culpaé do homem que a exerce, não da profissão. Aprofissão em si não é ainda suficiente para

Evolução do TrabalhoSe o trabalho, em sua essência, perma-

nece inalterado, o tipo de trabalho, con-tudo, transformou-se e con-

tinua transforman-do-se ao longo dahistória. Da pri-mitiva colheita ecaça, do trabalhoindustrial para opós-industrial, as

mudanças fo-ram tão signifi-cativas que di-ficultam prever

os novos rumos.Em qualquer caso,

haverá trabalho, mesmoque seja simplesmente organizar o ócio.

A modernidade recusa a idéia clássicade que a contemplação, a teoria - o sim-ples olhar desinteressado - seja a maisalta atividade humana. A teoria é priva-da da sua posição dominante, para serreduzida a uma função problematizado-ra e crítica, quase sempre negativa.

Ao perder a capacidade de distinção eorientação da teoria, as diversas ativida-des tendem a confundir-se entre si, a re-duzirem-se em atividade transformadorado mundo físico: a técnica, o trabalhoprodutivo.

Certamente, a técnica moderna é umadas mais fascinantes conquistas da hu-manidade. A sensatez não nos permiteimaginar o retorno a um mundo bucóli-co, pré-tecnológico.

Portanto, não se trata de prescindir datécnica e sim discutir a validade de to-má-la como algo absoluto, que podeobscurecer outras capacidades do ho-mem empobrecendo a qualidade da vi-da humana.

12. SCHELER, Max. Ética mate-rial de los valores, In: DERISI,Octávio. Crítica filosófica, Ma-drid: E.M.E.S.A., 1979, p, 61-80.

13. FRANKL, Victor E. Psicote-rapia e o sentido da vida. SãoPaulo: Quadrante, 1986, p.160.

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trumentos de trabalho no seu sentidomais amplo, o que proporciona ao tra-balho todo o ingente conjunto de condi-ções externas para poder exercer suaação transformadora no mercado, e sus-tentar os trabalhadores até que o ciclorenda as conseqüências econômicas pre-tendidas.

Nessa estrutura, o capital continuasendo imprescindível, e até mais do queantes, mas não como caput, e sim comoinstrumento a serviço objetivo do traba-lho, qualquer que seja a intenção subjeti-va do capitalista.

A organização já não se entende comoalheia ao trabalho, ou dominadora dele,mas como resultado de um trabalho, ouuma modalidade de trabalho: o trabalhogerencial.

A empresa é compreendida, então, co-mo um conjunto de trabalhos gerenciaise de instrumentos que o facilitam. O si-nal que distingue o trabalho gerencial éo fato de não apresentar regras fixas eproduzir resultados incertos. Em contra-posição, o trabalho operacional é aqueleque segue regras fixas e conhecidas eapresenta resultados, pelo menos, esta-tisticamente seguros. Nos dois casos,não estamos diante de uma definição es-sencial ou causal, e sim diante de carac-terísticas diferenciais de um tipo ou ou-tro de trabalho. Pensando na relação en-tre trabalho gerencial e operacional, a fi-losofia nos leva a uma consideraçãomais profunda. Uma vez diferenciadasas naturezas da-direção ou gerência e daoperação, a tendência administrativatem sido também separar os que diri-gem dos que operam, em outras pala-vras, que uns sejam os gerentes e outrosos operadores. Evidentemente, essa dis-tinção ou classificação de pessoas des-considera o que a filosofia conseguiu sa-ber sobre o homem.

Quando o homem é somente opera-dor, isto é, quando não trabalha confor-me as regras fixadas por ele mesmo ouassumidas como próprias, seu trabalhonão se distingue do animal, que se con-duz atavicamente por forças naturais,mas estranhas, no sentido de impostas, einclusive compulsivas. A separação dediretores e operadores poderá animali-zar os segundos em favor dos primeiros.O trabalho gerencial se assemelha, nestas

14. Baseado nas idéias de LLA-NO, Carlos, Op. cit., p. 15-32.

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Sobretudo, há um esquecimento práti-co da prudência, a capacidade de com-preender sabiamente as circunstânciasconcretas da vida e, como conseqüência,de agir de um modo ético. A técnica semprudência se converte em poder incon-trolado que pode ser utilizado para obem ou para o mal, a favor ou contra ohomem.

Esta redução antropológica, este es-treitamento do horizonte humano, aca-bou por conduzir também a um empo-brecimento da técnica, que perdeu seuimpulso criativo e sua capacidade de re-solução dos autênticos problemas so-ciais. A rigidez e a insuficiência do modomoderno de pensar e trabalhar requisi-tam uma superação.

As tarefas gerenciais e operacionais: umenfoque humanista 14

O conceito de empresa sofreu um girodiametral nos últimos anos. A empresaera definida como uma estrutura de capi-tal, organização e trabalho para a conse-cução de um fim árduo. Trata-se de umadefinição causal que apresenta implicita-mente um conflito entre o capital e o tra-balho. O capital era o mais importante ese distinguia do trabalho como um ele-mento estrutural, mas diverso ou estra-nho ao próprio trabalho.

A organização não objetivava coorde-nar o trabalho e o capital, para convertera estrutura num organismo. Sua aspira-ção era menor: tratava-se simplesmentede que a força de trabalho estivesse or-denada para obter os fins do capital.

A organização era o indicativo de co-mo o capital determinava o modo detrabalhar: organizar era impor ou dis-por, por parte do capital, a forma de tra-balho. Marx apontou com razão - consi-derando esse aspecto analítico - queeram os trabalhadores que deveriam or-ganizar-se, pois o capital não constituíao fator da empresa mais apropriado pa-ra fazê-lo: o capitalista, por definição,não era um trabalhador.

As transformações na dinâmica internada empresa

Nos últimos vinte anos, estamos as-sistindo a importantes transformaçõesna dinâmica interna da empresa. O ca-pital passou a ser o fornecedor dos ins-

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circunstâncias, à domesticação. Em con-trapartida, quando o homem é apenasgerente, tampouco trabalha como ho-mem, porque impõe uma regra, normal-mente a sua própria, sem que tenha re-gra a que submeter-se. Mais do que umgerente é um semi-deus.

a exclusivo papel operacional faz ohomem perder sua condição de racional,e o mesmo exclusivismo no papel geren-cial pretende libertar o homem de suacondição de criatura com limites impos-tos pela sua própria natureza.

o trabalho de controleNão podemos ignorar o prejuízo an-

tropológico causado nos indivíduosquando separamos do seu agir dois as-pectos que o integram essencialmente. Écomo dividir o próprio homem. A cons-ciência do custo antropológico que acar-reta essa divisão está ligada à consciênciado custo utilitário: menor confiança e en-volvimento por parte dos executores, im-perícia executiva por parte dos planeja-dores, surgimento de um antagonismomútuo entre os dois grupos, situação dis-juntiva, segundo a qual uns ganham eoutros perdem.

Este custo utilitário tem uma conse-qüência relevante para a organização. Nomeio do trabalho gerencial, que assinalaas regras, e do trabalho operacional, queprocede conforme as regras assinaladas,aparece, necessariamente, o trabalho decontrole que procura fazer com que osoperadores se comportem conforme asindicações do gerente.

À medida que o operador se faz maishomem, mais racional, adquire capaci-dade para questionar as regras assinala-das e pôr à prova a sua validade. a ge-rente não hesitará, a fim de manter a de-sejável ou inevitável separação dos tra-balhos, em convocar os trabalhadores de"colarinho branco"com o inconvenientede que o controle não é produtivo por simesmo: não deve confundir-se o contaro produzido, com produzir o que seconta. Desta forma, a organização dotrabalho gera uma não desejada qualifi-cação de pessoas: os gerentes, os opera-dores e os controladores, os quais, porforça do antagonismo antes menciona-do, consideram-se uns aos outros sábios,párias e espiões.

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A divisão dos trabalhos e a divisão dotrabalho

Uma pergunta poderia ser feita nessemomento: como reparar o prejuízo antro-pológico causado pela separação das ta-refas?

Llano IS nos esclarece ao afirmar que anatureza distinta da direção e da opera-ção não implica necessariamente que se-jam praticadas por pessoas diferentes.Pois, por mais controles que se estabele-çam, os operadores acabarão por exercer

algum tipo de função gerencial, isto é, es-tarão deixando a sua marca pessoal numtrabalho, aparentemente, só operacional.Além disso, por mais que um gerenteprocure encastelar-se na sua torre demarfim, terminará mistificando a gerên-cia com trabalhos operativos múltiplos.Se é inevitável, às vezes, sob certos aspec-tos mencionados, separar o gerencial dooperacional, por força da organização,também é inevitável, por força da estru-tura do ser humano, que essa separaçãoconviva com uma mescla de ambos os ti-pos de trabalhos, seja querida ou não, de-sejada ou não, desde o ponto de vista es-tritamente administrativo e tecnológico.

Poderíamos dizer que não existem sódirigentes, nem só operadores, mas quetodos dirigem e operam em seu nível. Otrabalhador como homem deve exercerambas dimensões do trabalho.

Como ainda adverte Llano", "a divisãodos trabalhos, necessária para a eficaz dinâ-mica da sociedade, não nos autoriza a divisãodo trabalho, que constitui a alienação radical.

15. LLANO, Carlos. Op. cit. p. 28

16. Idem, ibidem, p. 28-9.

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17. CINTRA, Jorge P. Adaptadado livro Evolucionismo, mito erealidade, São Paulo: Quadran-te, 1988, p. 4-5.

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Esta não se realiza, como dizia Marx, quandoo homem se projeta em seu produto e se sub-trai ao convertê-lo em mercadoria. A aliena-ção radical tem lugar quando se despoja o tra-balho - pelo sistema ou pela organização - desua dimensão gerencial. Porque o gerencia-mento é a expressão da autonomia pessoal notrabalho, é reflexo de sua racionalidade, daqual o homem, em momento algum, poderiaser despojado".

Há, no entanto, uma outra forma dereintroduzir o gerenciamento no trabalhooperacional, mantendo sua distinção: nãosó alentando na pessoa um espaço para aautodireção do seu trabalho, mas procu-rando que faça suas as regras a que teráque sujeitar-se.

Não necessariamente a melhor idéia é aprópria. Pelo contrário, a prática tem de-monstrado que as idéias vencedoras deri-vam de um. trabalho de equipe, onde in-tervêm muitas pessoas que sabem cedernos critérios pessoais aceitando as regrasindicadas por outro, na medida da racio-nalidade que contêm. Podemos acrescen-tar uma segunda dimensão na análise an-terior, quando pensamos que a adesão auma regra se encontra em função da con-sonância pessoal com as regras do jogo, eesta última consideração aponta para ummaior domínio antropológico que tecno-lógico: o desenvolvimento de uma orga-nização não se polarizará na busca e apli-cação de sistemas operacionais adequa-dos, mas, também, no crescimento da in-teligência e da prudência das pessoas pa-ra que tenham a capacidade de fazê-lospróprios, influenciando a natureza, dese-nho ou composição do sistema, que de-vem configurar atendendo à sua conexãotécnica e também à possibilidade de serapropriável por aqueles que devem ope-rá-lo. Os operadores são pessoas concre-tas, dotadas de uma psique individual ede uma conformação moral determinada.A regra ou sistema, todo o aparelho orga-nizativo da empresa, não é um mero as-sunto da tekné, e sim do ethos, do modohumano de ser da própria empresa.

A DIMENSÃO ÉTICA DO TRABALHONA EMPRESA

A recente preocupação pela ética, e deum modo mais focalizado pela ética em-presarial, pode ser considerada uma im-

posição decorrente da ruína dos sistemasde valores criados e cultivados pelo mo-dernismo. Nos últimos decênios, estamosassistindo a grandes desilusões fáusticas.Desaparece gradualmente a confiança ce-ga na técnica, no progresso sem limites.Esfumaça-se a esperança firme na histó-ria e na ciência. Igualmente se volatiza afé no poder ilimitado de uma razão capazde construir a sociedade perfeita. O dou-tor Fausto, símbolo goethiano de umamodernidade que não duvidava em pac-tuar com o demônio com o intuito de sa-ciar sua sede de sabedoria e de domíniosobre o homem, agora se encontra deso-rientado, sem horizontes para as suas an-tigas motivações.

Não é estranho que, diante dos peri-gos que trazem consigo um desenvolvi-mento selvagem da modernidade e doprogresso, exista quem tente propor umanorma reguladora nos diversos camposdo comportamento humano, uma espé-cie de pacto social que garanta a estabili-dade frente às conseqüências não deseja-das de um comportamento pessoal e so-cial irresponsável.

Podemos perguntar-nos: qual é o fun-damento dessa espécie de pacto social?Poderemos denominá-lo de ética?

É tarefa urgente aprofundar no pró-prio conceito de ética, uma vez que é lu-gar comum rotular posturas limites semuma maior reflexão sobre as mesmas. Porexemplo, tradicional e progressista, libe-ral e conservadora, direita e esquerda ...Aesse pretexto caberia reproduzir uma es-torieta 17que pode nos ajudar a raciocinaranalogicamente:

Um garoto assiste todas as tardes a fil-mes de faroeste, e, quando chega uma vi-sita, pergunta-lhe imediatamente: "Você émocinho ou bandido?" Perplexa com a si-tuação de "beco sem saída"a visita refleteum pouco e responde com uma ponta deironia: "Olha meu filho, eu moro em outropaís, nasci 200 anos depois e simpatizo comos índios."

Em outras palavras, a realidade é mui-to mais rica do que os rígidos esquemasanalíticos, e deve ser respeitada se qui-sermos evitar um lamentável reducionis-mo da natureza humana.

O ético é algo que tem a ver com valo-res e tem sentido quando se pode reco-mendar que alguns valores sejam mais

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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM E O TRABALHO

adequados que outros, para compor ocomportamento. Mas isto seria insusten-tável, se partíssemos do princípio de quea verdade é algo só e exclusivamente sub-jetivo. Por isso, a primeira e fundamentalquestão a ser respondida no estudo daética é a da possibilidade da verdade.

A verdade possívelO homem é um ser histórico e se, por

vezes, assistimos a história condicionan-do o homem, não podemos ignorar que éo homem quem faz a história, isto é, háuma escolha de realização dentro de umsistema de exigências e possibilidadesque lhe é dado. 18

Os homens vivem num mundo e po-demos defini-lo "como um sistema de cren-ças ordenadas numa perspectiva coeren te" 19.

Por um lado, essa definição tem o caráterde clausura pela índole sistemática e to-tal, por outro, o aspecto da liberdade dohomem imprime nesse mundo um cará-ter essencialmente aberto. Falar do ho-mem é falar de pretensões que podem ounão realizar-se.

O sistema de vigências que constitui omundo faz com que o homem saiba a quese ater, a respeito da sua situação, naqui-lo que ela tem de estável; diante dos pro-blemas que essa situação propõe a cadainstante, o homem reage vivendo, isto é,com sua própria ação vital, que é a solu-ção normal e primária dos problemas.

Esse sistema, entretanto, apresenta fis-suras e, com certa freqüência, o homemsente-se perplexo e inseguro em relação aalguma coisa. A conseqüência imediata éque não saberá a que se ater diante dessasituação e surge nele a necessidade vitalde algo que não possui e que podemosdenominar verdade.

As fissuras na mundivivência do indi-víduo são geradoras de incerteza ou donão saber a que se ater. Se essas fissurasnão existissem, e o homem estivesse sem-pre esclarecido sobre sua situação, nãonecessitaria da verdade.

Quando lemos no jornal "Toda a ver-dade sobre o caso de Paulo César Fariase o ex-presidente Collor", temos a inten-ção de inteirar-nos do que aconteceu narealidade. E, como premissa, assumimosque o jornalista que fez a matériaconhece a verdade e está capacitado pa-ra contá-la. É um fato que "funciona-

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mos" continuamente com a verdade.Ninguém quer ser enganado ou, comodiz o ditado popular, comprar gato porlebre. Pode-se vislumbrar que a verdadecompleta seja praticamente impossível.Ordinariamente chegamos a uma certacomposição gradual, mais ou menos cal-culável, de verdade.

Há coisas e situações cuja verdade pro-visória e contingente nos satisfaz porquenos basta para seguir vivendo, para sa-bermos a que nos ater. Há outras situa-

na construção.

ções, nas quais não utilizamos o conceitode verdade porque são temas que variamconforme o gosto do indivíduo. Alguémpoderia refutar a afirmação: "o abacaxi éuma fruta deliciosa"; pela simples razãode achá-la demasiadamente ácida, por-tanto, nada deliciosa. Há poucas verda-des sobre o gosto. Além disso, grandeparte das coisas em que o gosto intervémpassa por verdadeira em determinadasépocas, por uma questão circunstancial,um modismo.

A verificação científico-experimentalNão faz muito tempo, a Ciência era

detentora das verdades definitivas e ir-reformáveis. A filosofia da Ciência aca-bou com esse mito. As ciências experi-mentais - aquelas que habitualmentesão citadas quando se [ala de Ciência -avançam entre incertezas e provisorie-dades. As verdades provisórias não dei-xam de ser verdades e demonstram suaeficácia quando são aplicadas. Porém,não há um cientista sério que sustente -

18. MARIAS, Julian. Introduçãoà filosofia. São Paulo: Duas ci-dades, 1966, p. 116-32.

19. Idem, ibidem, p 129.

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20. GÓMEZ PÉREZ, Rafael. In-frodución a la ética social. Ma-drid: Rialp, 1988, p. 22.

21. Idem, ibidem, p. 23.

22. MARIAS, Julian. Qp. cit.,p.121.

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como era pensamento comum no séculoXIX - que o homem conseguiu resolveros enigmas do Universo.

O fato de que os resultados das ciên-cias foram e são úteis à humanidade, nãoé um critério de verdade absoluta. Asciências conduzem às verdades, mas pro-visórias e incompletas, sem deixar de se-rem verdades.

Algo semelhante ocorre no âmbito dasciências sociais, da história, da economia,da sociologia e outras mais diretamenteligadas ao estudo do homem. Existemconstantes claras que permitem formularjuízos e arriscar previsões. Porém, ficamais patente nessas ciências o caráterprovisório e sobretudo incompleto dasverdades.

De uma forma vital funcionamos como esquema de verificação: algo nos pare-ce verdadeiro quando a hipótese podeser confirmada ou, no dizer de K. Pop-per, quando algo "pode suportar, sem cair,as tentativas de demonstrar a sua falsiâa-de"20. Entra em cena a especial relevânciaque adquire a tangibilidade. Algo seriaverdadeiro quando pudesse ser expressode forma tangível.

A verdade e o relativismoVimos que, nem sequer nas ciências

que mais controlamos, podemos falar deverdades completas e definitivas. Se-guindo a mesma linha de raciocínio, nãoé difícil concluir que mais incompletas emais imperfeitas e não definitivas serãoas verdades daqueles temas cuja tangibi-lidade seja mais obscura e não se possaapalpar. As perguntas essenciais sobre ohomem não seriam tema para uma ver-dade e sim para distintas e contrapostasopiniões.

No entanto, existem argumentos con-trários a essas conclusões, que analisare-mos a seguir: 21

• alguns temas como a liberdade, a imor-talidade, a existência do absoluto preo-cuparam e seguem preocupando o ho-mem como realidades de outra ordem,mas realidades, com as quais haveriaalgo a fazer;

• esses temas são de tal modo cruciaisque deles dependem atitudes e com-portamentos que têm repercussões emquase todos os âmbitos da vida;

• por que a verdade estaria proibida aesses temas se nos demais campos,ainda que de maneira incompleta eimperfeita, chega-se à verdade? Se averdade é possível em muitos cam-pos da experiência humana - e de fa-to "funcionamos"com ela - por que ainvestigação seria interrompida numdeterminado ponto, precisamente nosproblemas de maior envergadura?Em qualquer caso, fica claro, ao ad-mitir a liberdade, que a busca da ver-dade será também uma atividade li-vre. Por isso, o fato de que, sobrequestões humanas cruciais, existamposições distintas, não quer dizer, ne-cessariamente, que tenham o mesmovalor e sim que a busca da verdade éalgo livre.

Considerando esse raciocínio, qual é aresposta para a pergunta: isso é verdadepara você, mas será para mim? Em outraspalavras, a verdade é relativa?

A postura de quem afirma que algo éverdadeiro para um e não verdadeiropara outro poderá ser válida quanto àliberdade da busca da verdade. Mas,não é válida se existe a pretensão deque algo possa ser, ao mesmo tempo,verdadeiro e falso. Com esse critério não"funcionamos" nunca, nem na vida real,nem na atividade científica. O relativis-mo - a verdade depende de cada atitu-de, segundo cada qual a veja - não sesustenta.

[ulian Marias P define a realidade co-mo tudo aquilo que encontra-se e tal co-mo se encontra e seu modo próprio deser é estar oculta. "É função da verdadepôr a descoberto o que as coisas são, trans-cender toda a mera aparência e desvelar aprópria realidade, arrancar o homem da suasubjetividade, do círculo mágico de suas im-pressões ou idéias para colocar à sua frenteas próprias coisas, e permitir, desse modo,que ele saiba a que se ater, como tudo isto éfunção da verdade, o relativismo anula, senão a 'essência', pelo menos alguma coisaque lhe seria ainda mais penoso se ele fosseconseqüente consigo mesmo: a função vitalda verdade. Com efeito, 'minha' verdade nãome basta e para que ela seja efetiva e real-mente 'minha', para que eu possa aderir aela e nela me apoiar, é necessário que não se-ja 'minha'e sim das coisas".

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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM E O TRABALHO

Os reducionismos éticos e o formalismomoral

Sem uma adequada definição de ver-dade não se pode esperar uma posturaética consistente. É freqüente encontrarentre os autores que escrevem sobre Busi-ness Ethics23 - de um modo especial nosEstados Unidos - um enfoque pragmáti-co, uma carta de intenções com certas re-gras do que a empresa deve fazer, ou dei-xar de fazer.

Em muitos casos, o critério decisivopara considerar uma decisão como éticaou não é determinado pela 1/aceitabilida-de social" das conseqüências dessa deci-são. À exceção de certos casos em que in-genuamente se supõe estar perfeitamenteclaro o conceito de socialmente aceitável,grande parte da discussão está centradaprecisamente nesse ponto: a análise da"aceitabilidade social", sem uma avalia-ção da eticidade da decisão em si.

Por estas razões, as colocações intelec-tualmente mais rigorosas buscam susten-tação nos postulados kantianos, aplican-do o imperativo categórico e os princí-pios da Razão Prática, bem ao gosto nor-te-americano.

O produto final dessas elaboraçõesconsiste num conjunto de "regras éticas",e a maior parte do trabalho dos especia-listas concentra-se em como aplicá-lasnas situações concretas. Essa aplicaçãonão é fácil.

O enfoque - com independência da ra-cionalidade ou verdade das regras abs-tratas que com ele obtenham - tem duaslimitações intrínsecas que :podem invali-dar sua utilidade prática. E o que obser-va a seguir López: 24

"A primeira dessas limitações se refere aosmotivos que levariam um gerente a aceitar anorma que lhe é proposta. Mesmo que essanorma buscasse garantir o valor social das de-cisões, em nenhum momento se lhe explicaporque deve aceitá-la, quando é possível nãofazê-lo.

A consciência dessa debilidade leva nãopoucos teóricos a sustentar que as regras poreles deduzidas deveriam ser objeto de imposi-ção coercitiva, via legal. Será interessante verem que termina todo esse processo social por-que, uma vez mais, vamos assistir à velha tra-gédia de uns intelectuais bem intencionadosadvogando - sem ser conscientes disso - a ti-rania, em nome do bem comum.

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o problema defundo é que, aofixar-se uni-camente no valor social (o valor para os ou-tros) das ações com valor ético (o valor para opróprio decisor), prescinde-se de fato da Ética,optando por uma sociologia normativa semfundamentação ética. A partir desse ponto, oque sucede não será mais que uma aplicaçãodo velho teorema: da mesma forma que nãopode haver Ética sem Liberdade, não é possí-vel, tampouco, existir Liberdade sem Ética.

A segunda frente de limitações refere-se àpossibilidade de previsão, a priori, das distin-tas conseqüências de uma ação. Assim, como aprimeira limitação afeta um problema motiva-cional do decisor, esta afeta um problema cog-noscitivo. Em síntese, o problema é o seguinte:a previsão das conseqüências externas de umaação - suscetíveis de observação empírica - éimpossível quando na execução da ação inter-vêm decisores humanos. Somente seria possí-vel se existissem as seguintes condições:

• o previsor tem informação perfeita das re-gras de decisão que usarão todos e cada umdos decisores;

• essas regras de decisão não se alteram coma atuação dos decisores, isto é, não háaprendizagem no decorrer das decisões.

É evidente que, salvo casos triviais, qual-quer avaliação de uma ação baseada na previ-são de suas coneequências externas - e obser-váveis - será não só incompleta, como nadaimpede que seja absolutamente errada.

A avaliação, a priori, das ações humanasé o eixo de qualquer elaboração normativa so-bre o comportamento humano. Uma avalia-

23. LÓPEZ, J. A. Pérez. La ver-tente humana dei trabajo en laempresa. Madrid: Rialp, 1990,p.36.

24. Idem, ibidem, p. 37-9.

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25. Idem, ibidem, p. 46.

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ção que pretenda fundamentar-se sobre asprevisões das conseqüências externas dessasações - como é o caso do enfoque que nosocupa - está supondo uma teoria da decisãohumana reducionista: ignora toda a delicadaarticulação do conhecimento humano no pro-cesso decisório.

O pior é que, além de reducionista é peri-gosa, pois está fechada ab initio à avaliaçãoespecificamente ética das ações humanas,uma vez que o valor ético de uma ação nãodepende de suas conseqüências externas, esim das que causa no interior do próprio su-jeito que a realiza."

As raízes das limitaçõesPercebemos que estas duas limitações

têm uma dupla raiz. A primeira - e maisdanosa - vem da redução ética a seus as-pectos sociológicos, dando lugar a elabo-rações normativas de caráter sociológico,sem um autêntico fundamento ético. Asegunda raiz vem da simploriedade domodelo que manipula para a decisão hu-mana. Falta fundamento antropológico.Juntas, geram enfoques equivocados quenão ajudam, na prática, o exercício da éti-ca. Por um lado, cai-se no formalismo mo-ral que não passa de uma classificaçãoabstrata de ações humanas corretas ou in-corretas, lícitas ou ilícitas, que não explicao porquê da validade do esforço para ob-ter um ideal ético, ou mesmo, o que moti-varia um indivíduo a decicir pela ética.

Faz falta mostrar, do modo mais práti-co possível, as conseqüências que o pró-prio sujeito padecerá ou desfrutará se-gundo a qualidade ética das suas ações. Étarefa importante da própria ética a bus-ca de conclusões que permitam dar con-teúdo empírico ao que significa para umapessoa a carência ou a posse de qualida-des morais. Abster-se dessa tarefa é darum tratamento unidimensional para umarealidade tridimensional. Implica ummodo de fazer ciência que aborda separa-damente a elaboração de critérios de ra-cionalidade ética - o homem ético - deracionalidade sociológica - o homem so-cial - e de racionalidade econômica - ohomem econômico.

o gerente e a dimensão éticaO outro lado da questão passa pela

abordagem incompleta do que podería-mos chamar ética empresarial e se deve

ao deficiente conceito de empresa a quejá nos referimos ao tratar do trabalho ge-rencial e operacional: a empresa comoum conjunto de pessoas que se esforçapara conseguir, apenas, algum fim comvalor econômico.

Com uma definição tão elementar eabstrata não podemos conseguir chegarao parâmetro ético essencial: o que é serum bom gerente?

Para podermos deduzir quais são asdecisões próprias de um gerente enquan-to tal, necessitamos de uma teoria autên-tica sobre a empresa, porque as descri-ções das funções gerenciais depende daTeoria da Organização que se utilize paradeduzi-las. Por outra parte, qualquer teo-ria implica - ou se fundamenta - umaconcepção antropológica.

É interessante notar que este enfoque éessencialmente distinto do que se aplicaquando se reduz a ética da empresa àanálise de certas decisões freqüentes en-tre os homens de empresa.

Isto ocorre, em grande parte, porque amaioria dos problemas sociais não temsua origem no que esses homens fazemmal e sim naquilo que eles deixam de fa-zer, isto é, nas suas omissões. Não é queresolvam mal - modo não ético - os pro-blemas. É que são mal colocados - par-cialmente, de forma míope, com horizon-tes estreitos - os problemas que se resol-vem. Por exemplo, um êxito econômicopode ter sido conquistado com o despre-zo das conseqüências sociais e ecológi-cas. Sem desconsiderar a validade dosresultados econômicos, interessa-nosperguntar, será que o custo social não foialto demais? 25

A intuição sai na frenteNota-se, nesse início de década, um

vislumbre de que transformações radi-cais se avizinham. São muitos os homensde empresa que verificam que as realida-des éticas - talvez nem denominem as-sim, pois atuam mais por intuição - per-tencem ao núcleo mais profundo e deter-minante das tarefas das organizações hu-manas que dirigem. São conscientes deque, a longo prazo, os próprios benefícioseconômicos dependem mais diretamenteda qualidade ética dos seus homens, doque do ambiente não controlável. Cadavez fica mais evidente que construir uma

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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM E O TRABALHO

organização, ignorando as realidades éti-cas, é algo tão suicida como construir umedifício ignorando as propriedades e re-sistências dos materiais que se utilizamna construção.

É fundamental que a teoria avancesubstancialmente, uma teoria que anali-se as decisões humanas atendendo as di-mensões - as conseqüências - éticas, psi-cossociológicas e econômicas da ação.Esse tratamento unificado das decisõesdeve ajudar a própria ética a avançar namelhor compreensão do seu objeto deestudo.

Construindo uma ética gerencialInicialmente temos que pensar na em-

presa como um sistema aberto, que rece-be influências e influencia, e que López "sintetiza da seguinte forma:

1/ a. o êxito das metas e objetivos econômicosdependem da adaptação da empresa àscondições ambientais. O parâmetro quedetermina que ações conjuntas da empre-sa se pode prever, produzindo sua adap-tação, denominaremos estratégia;

b. aquilo que determina as ações conjuntasque é capaz de realizar uma empresanum dado momento é o que constitui seuobjeto ou competência específica, cujofundamento süu as capacidades operacio-nais das pessoas que formam parte daempresa;

c. o valor real que a empresa almeja realizarno mercado - clientes ou consumidoresdos seus produtos ou serviços - é o queconstitui a sua missão externa. A missãoexterna vem definida pelas necessidadeshumanas que a empresa procura satisfa-zer no seu ambiente;

d. sem urna clara consciência da missão,não é possível o desenvolvimento de umobjeto - de uma competência específica -e as estratégias não serão mais que tenta-tivas oportunistas de respostas aos parâ-metros fixados externamente;

e. a missão externa implica necessariamen-te urna missão interna, que inclui a sa-tisfação de certas necessidades e o desen-volvimento de certas capacidades tantooperacionais como afetivas nas pessoasque constituem a empresa. "

Essas conclusões pressupõem a neces-sidade de sistemas informais para conse-

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guir atingir os objetivos - inclusive eco-nômicos - das empresas. A resistênciaprática, para aceitá-las, é fruto de umapostura vital, cuja irracionalidade é pa-tente: a possibilidade de obter qualquercoisa do meu interesse, de outras pes-soas, através da simples aplicação do po-der coercitivo.

Na realidade, as metas coletivas po-dem ser obtidas: 27

1. através de uma coordenação formalque explicite todos os aspectos dasações individuais que são significati-vos para essa obtenção, unida ao sufi-ciente poder coercitivo para motivar ossujeitos que se comportem do modoexplicitamente requerido;

2. aceitando os limites práticos de qual-quer sistema de controle externo e su-pondo que, ao menos uma parte dosresultados, se conseguirá obter atravésdo autocontrole dos sujeitos.

A primeira possibilidade é muito maislógica do que real. Curiosamente é o pa-radigma da ação humana que está implí-cito em todos os desenvolvimentos cien-tíficos dos últimos anos. Trata-se da hi-pótese mecanicista.

A segunda possibilidade gera infinitasalternativas práticas, das quais a maiorianão é viável a não ser que se dê um de-terminado conjunto de condições. Um ca-so particular de alternativa inviável, namaioria das situações, é, precisamente, aalternativa ótima: aquela em que o êxito

26. Idem, ibidem, p. 49.

27. Idem, ibidem, p. 51.

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das metas coletivas se consegue na basedo autocontrole.°grau de necessidade do controle ex-terno vem determinado pela qualidadedo sistema informal, que, por sua vez, édeterminado pela qualidade ética dossujeitos. E ela determina o valor social -o valor para os outros - das ações que osujeito informahnente decide executar.

CONCLUSÃOAnalisar o trabalho humano dentro

das organizações exige como premissadefinir o que é o ser humano.

Nossa definição foi extraída da antro-pologia do homem-superior: uma criatu-ra racional de matéria e espírito - única eirrepetível - com uma missão de carátertranscendente.

Esse homem-superior, protagonistaprincipal das transformações sociais aque assistimos, já não aceita viver nasruínas da modernidade.

É preciso algo novo. Os valores mo-dernos esgotaram-se.

As organizações, como arenas do exer-cício do trabalho humano, cedem a essehomem os instrumentos de realização. Aorganização será cada vez melhor organi-zação, quando o homem que nela atuafor cada vez mais homem. A conexão en-tre o desenvolvimento da qualidade étíca

e o êxito dos objetivos organizacionais éuma realidade.

À luz dessas considerações podemosintuir que uma autêntica "Teoria Geren-cial" é, sobretudo, uma "Teoria da Lide-rança", que deve possibilitar a um geren-te a capacidade de nos diversos camposda atividade empresarial:

1. desenhar estratégias que permitamatingir os objetivos por parte de todosos que participam da empresa;

2. desenvolver as capacidades operacio-nais das pessoas que trabalham na em-presa de tal modo que se obtenha umacompetência específica, uma capacida-de de fazer bem uma série de coisasdeterminadas, o que constitui o objetodessa empresa;

3. configurar e comunicar uma missão ca-paz de mover as pessoas pelo sentido,pelo valor, que reconhecem na suacontribuição à tarefa coletiva que reali-za a empresa.

Essa liderança terá que subordinar aracionalidade econômica ao desenvolvi-mento humano dos subordinados. A lon-go prazo, e dada a necessidade dos siste-mas informais para o êxito da empresa, oúnico racional é investir no desenvolvi-mento ético das pessoas que formam par-te de uma organização .

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32 Artigo recebido pela Redação da RAE em abril/93, avaliado em 20/04/93, 19/05/93, 05/08/93 e 15/10/93, aprovado para publicação em outubro/93.