Reflexos das privatizações

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Um jogo de cartas marcadas

Editorial

Publicação comemorativa aos 75 anos do Sindicato dos Engenheiros no Estado doParaná (Senge-PR). Edição única.

Editor responsável Felipe A. Pasqualini (Reg. Prof. 3.804 PR)

Textos e reportagens Pedro Carrano

Design, infográficos e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro

Fale conosco [email protected]

Artigos assinados são de responsabilidade dos autores. O Senge-PR permite areprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada.

Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 5 mil exemplaresFANINI: governo FHC marca ápice do desmanche do estado brasileiro

Senge-PR Comunicação

Como parte das comemorações dos 75 anosdo Sindicato dos Engenheiros no Estadodo Paraná, apresentamos este caderno

especial “Reflexos da Privatização”. O objetivo des-sa publicação é apresentar um panorama do proces-so de privatização no Brasil, que surgiu com força nogoverno de Fernando Collor de Mello (1990-1992)que instituiu o Programa Nacional de Desestatização(PND) e implementado com mais vigor após a cria-ção do Conselho Nacional de Desestatização, já nogoverno de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

As principais empresas estatais brasileiras surgiramdurante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Antes disso, durante o período imperial, foram cri-ados o Banco do Brasil S/A, o Banco do Estado de SãoPaulo S/A, o Banco Mineiro da Produção e o Banco deCrédito da Borracha. Mas foi com o início da industriali-zação no país que surgiram as grandes estatais brasileirascomo o Instituto de Resseguros do Brasil, a CompanhiaVale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, aCompanhia Hidroelétrica do São Francisco e a FábricaNacional de Motores S/A. Elas tinham como objetivo atransformação da economia brasileiras de agrária paraindustrial, num processo de substituição de importações.No seu segundo governo (1951-1954) criou a Petrobráspara atuar prioritariamente nas áreas de exploração, pro-dução, refino, comercialização e transporte de petróleo eseus derivados, no Brasil e no exterior.

Com a chegada dos militares ao poder (1964-1985) oprocesso de estatização do país ampliou-se indevidamente,sob o meu ponto de vista, para setores não estratégicos.

Foram criadas diversas empresas estatais nas áreas detransportes, cinema e até hotelaria. Nessa época, o go-verno brasileiro passa a fazer uso político das empresas,entregando cargos técnicos a aliados, subvertendo o con-ceito original das estatais. Em 1979, o governo do generalJoão Baptista Figueiredo (1979-1985) lança o ProgramaNacional de Desburocratização, com objetivo de privatizaralgumas dessas empresas. No entanto, é no início dogoverno Collor e sua política neoliberal que esse processose intensifica. O conceito de Estado Mínimo é adotado,com o objetivo de facilitar a administração e “enxugar” amáquina pública. Dessa forma, o governo brasileiro colo-ca a venda suas principais empresas, sob o argumentoque eram deficitárias. Mas a primeira estatal privatizadaem seu governo, a siderúrgica mineira Usiminas, era umadas mais lucrativas. Mesmo com grandes manifestaçõespopulares, até o fim do tumultuado governo de apenasdois anos, 18 grandes estatais foram entregues a iniciativaprivada, especialmente siderúrgicas e petroquímicas.

No governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso(1995-2002), o desmanche do estado brasileiro atinge seuápice. Com a criação do Conselho Nacional deDesestatização, foram vendidas empresas estratégicas,como a companhia de minério Vale do Rio Doce, aTelebrás, que detinha o monopólio das telecomunicaçõese a Eletropaulo, uma das maiores distribuidoras de ener-gia elétrica do mundo. Além de vender empresas funda-mentais para o desenvolvimento do país, o governo finan-ciou com recursos públicos ou aceitou títulos de créditocom retorno duvidoso em boa parte das privatizações,num verdadeiro jogo de cartas marcadas. Dessa forma, ogoverno agiu com um Robin Hood às avessas, tirando opatrimônio do povo brasileiro para entregá-lo a preçosirrisórios a grupos econômicos nacionais e estrangeiros.

Passados quase 20 anos do início do processo deprivatização do país, quando o Brasil começa a retomarum processo de crescimento vigoroso, o faz novamentecom uma forte inserção do investimento público, motivopelo qual consideramos oportuno oferecer essa reflexão.

Valter Fanini - Diretor Presidente do Senge-PR

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Anos 1990: a apropriaçãodas empresas públicas

Entre as décadas de1930 a 1980, o Brasilviveu um processo deindustrialização, base-

ado no modelo desubstituição de impor-

tações (MSI), que ourbaniza e retira dacondição de país

baseado exclusiva-mente na agricultura,e que tem como re-sultado a criação de

uma indústria debase e infra-estrutura.

LOREM IPSUM DOLOR

Era o retorno, adaptado às novas realidades, do velho capitalismo liberal. Entre 1930e 1975, várias concessões haviam sido feitas,

em muitos países, para atender às necessidades do sistemaatingido pela Crise de 1929 e pela subseqüente GrandeDepressão, da década de 30. Logo após a Segunda Guerra,os países capitalistas precisavam recuperar suas economi-as. Precisavam garantir sua vitória contra a expansão docomunismo e contra as lutas de libertação que aconteciamem todas as antigas colônias. Nos países capitalistas, apressão do movimento operário conquista, “na marra”,vários direitos. Nos anos 80, as em-presas, para garantir seus lucros,precisavam recuperar o terreno per-dido com essas concessões. Precisa-vam retirar dos trabalhadores o má-ximo de conquistas possíveis, de acor-do com Vito Giannoti.

Definição de “mercado”: Capi-tal monetário concentrado nas mãosde pequeno número de operadores,de acordo com François Chesnais.

Entre as décadas de 1930 a 1980,o Brasil viveu um processo deindustrialização, baseado no mo-delo de substituição de importa-ções (MSI), que o urbaniza e re-tira da condição de país baseadoexclusivamente na agricultura, eque tem como resultado a cria-ção de uma indústria de base einfraestrutura. Ainda que depen-dente, a industrialização deixoucomo saldo setores modernos em todas as regiões,articulados com mercados globais. Embora o Estadobrasileiro não tenha realizado neste período reformasestruturais e não reverteu a concentração de rendano país, situação que veio a se aprofundar.

Na década de 1990, a imagem do crescimentoplanejado pelo Estado é rompida e dá lugar a umaoutra percepção: “As oscilações de mercado pas-sam a definir praticamente sozinhas as atividades ousetores produtivos que irão se desenvolver, estagnar

ou perecer, e a indústria perde seu papel específicode liderança do processo de desenvolvimento” (1).De acordo com o ritmo mundial, a produção brasilei-ra teve queda no ritmo de crescimento, impossibilita-da de repetir os números do modelo anterior. Entre1950 e 1973, a taxa de crescimento do PIB nacionalestava em torno de 4,7%, número que passa a 2,8%na década de 1990 (veja dados abaixo). “Ao contrá-rio do que diz o discurso hegemônico, o período emque se aceleram a revolução técnico-científica e a

globalização (1973-1990) coin-cide com uma nítida contraçãono ritmo de crescimento da eco-nomia e do comércio mundiais,em relação ao período imedia-tamente anterior” (2).

Estradas, portos, linhas fér-reas, linhas de transmissão deenergia e telefônicas são leiloa-dos, ao lado de insumos e re-cursos energéticos. Uma infra-estrutura completa é apropria-da por grupos privados, a partirdo excedente concentrado atéaquele momento no Estado. Odiscurso característico doneoliberalismo - o Estado míni-mo reduzido aos investimentosessenciais – não encobre o fatode a privatização ter contadocom o apoio do próprio Estado.A ferramenta para isso foi o

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES), usado na formatação e nogerenciamento das privatizações.

O economista Fábio Bueno, da organização Con-sulta Popular, identifica uma mudança no papel histó-rico do Estado ao longo do século vinte. “Após umperíodo que vai da Primeira Guerra Mundial e daRevolução Russa até meados da década de 1960, aorganização da sociedade pelo livre mercado foi vis-ta como responsável pelas grandes mazelas do pe-

Reportagem

Economia brasileira descreve um longo caminho do desenvolvimentismodos anos 1930 a 1980, até a aplicação da política neoliberal, com ataques

ao mundo do trabalho, perda de direitos conquistados, privatização docapital controlado pelo Estado são alguns marcos do novo período.

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O BNDES foi ferramenta usada em auxílio das privatizações

DELFIN: processo de financeirização da economia vem desde 1970

ríodo, inclusive dentro do próprio mundo capitalista. Daía atuação estatal como organizadora de várias dimen-sões da sociedade. Com o passar do tempo, ocorreuma mudança importante de correlação de forças den-tro da burguesia internacional, com ascendência da-quelas frações internacionalizadas pelas finanças, queacabam por inverter o ponto de vista na segunda me-tade do século vinte: as mazelas e dificuldades enfren-tadas após a década de 1960 passam a ser atribuídasjustamente à falta de liberdade dos mercados!”, analisa.

A expansão das corporações e transnacionais,iniciada na década de 1970, é uma das determinantesna implantação do neoliberalismo, quando passam aser responsáveis por um terço da produção do mun-do. Estas empresas definem a especialização entrepaíses e servem de base para o formato atual do ca-pitalismo financeiro, devido à sua capacidade de di-fusão a partir do desenvolvimento da tecnologia e datelemática. No Brasil, as empresas estatais apropria-das pelo capital transnacional (a exemplo da Vale,Petrobrás, etc) passam a ter um forte controle docapital financeiro, planejadas de acordo com meca-nismos próprios (fundos de pensão, etc) e decisão namesa dos acionistas.

Nos anos 1990, o Estado recebe investimentosexternos diretos e, como conseqüência, aumenta suadívida. Aumentam também as remessas enviadas dascorporações para suas matrizes. “As remessas delucros e dividendos de empresas estrangeiras parasuas matrizes dão dois grandes saltos, em 1992 e 1996,tornando-se nos últimos anos muito acentuadas. Em1997, elas apresentaram crescimento de 69% emrelação a 1996 e de 217% em relação a 1993, anoimediatamente anterior ao início do Plano Real” (3).

Os mecanismos financeiros tornam-se mais com-plexos e envolvem agentes como investidores,

transnacionais e o jogo do mercado de ações. “Asgrandes empresas tenderam a obter fundos direta-mente no livre mercado, passando assim a dependermenos dos empréstimos bancários, (...) o que signifi-ca que o mercado passa a controlar os empréstimos,por meio de títulos e derivativos, não mais apenas pormeio dos bancos. A capacidade produtiva mundialsofre um deslocamento produtivo. O mais importan-te, que é a necessidade básica dos trabalhadores, nãoé atendida” (4).

É o economista Delfim Netto quem explica o pro-cesso de financeirização da economia, iniciado nosanos 1970. “No fim dos anos 70 do século, o sistemabancário americano foi submetido a um enormeestresse, criado pelos petrodólares, pela maior liber-dade de movimento de capitais, pelas ‘inovações’ fi-nanceiras e, principalmente, pela maior flexibilidadedo sistema bancário inglês. Iniciou-se, então, adesregulação do sistema (...) Eliminou-se o monopó-lio dos bancos comerciais nos depósitos sacáveis comcheques, acabou-se com a separação entre bancoscomerciais e de investimentos, estabeleceu-se a eli-minação progressiva dos controles das taxas de ju-ros”, descreve (5).

Desregulamentação, privatização e liberalização.Esta é a síntese usada pelo economista francêsFrançois Chesnais, considerado o principal teórico hojesobre o capitalismo financeiro. Não importa a pala-vra que usemos para entender o neoliberalismo, emtodo o continente, dos indígenas mexicanos ao movi-mento social e sindical brasileiro, de Seattle a Cara-cas, é produzida uma percepção de que oneoliberalismo se lança como guerra contra a própriahumanidade (6) e contra o sentido daquilo que é pú-blico e deveria ser de todos.

Reportagem

Agência Brasil

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Implantação do neoliberalismona América Latina

Na sua raiz, o neoliberalismo é o resgate do ideário decompleta não-intervenção do Estado e auto-organizaçãodo mercado, baseado nas ideias de Frederich Von Hayek,autor de O Caminho da Servidão, e Milton Friedman (daescola de Chicago), entre outros. Estes pensadores nãotinham eco nos anos 1950, uma vez que o capitalismo nopós-guerra passava por um longo período de expansão,financiado justamente pela intervenção estatal, crescimentoque duraria até o “Choque do Petróleo”, de 1973 (ocasio-nado pela disputa entre países produtores e consumidoresdo recurso energético).

Na América Latina, o primeiro laboratório neoliberalfoi o Chile, durante a ditadura militar. O economista ediretor do Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região,Pablo Diaz, analisa: “Os ‘Chicago Boys’, sob o comandodo Friedman, vieram para o país de Pinochet, onde fize-ram a primeira grande experiência neoliberal. Foi o balãode ensaio do neoliberalismo. Ficou comprovado que o li-beralismo de mercado não era igual à democracia, ca-bendo muito bem em um Estado autoritário combinadoao liberalismo econômico. O liberalismo não precisava dedemocracia”, comenta. À época, Pinochet lograria con-ter a inflação, porém ao preço de 60% da população chi-lena subalimentada e a falência de mais de 2 mil empre-sas. A participação da indústria chilena no PIB baixou de30% para 20%, de acordo com análise de Diaz. Hoje,economistas de Chicago estão retornando ao governo dopaís, a partir da eleição de Sebastián Piñera.

Em 1979, o liberalismo é aplicado na Inglaterra sobcomando da primeira-ministra, Margareth Tatcher. Omodelo pregava, além do esvaziamento do Estado, afinanceirização da dívida pública dos países do então cha-mado Terceiro Mundo e o combate aos sindicatos, como

aconteceu com o setor dos trabalhadores mineiros ingle-ses. “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pa-gar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seusterritórios e suas fábricas”, afirmava Tatcher. Neste con-texto, um país como o México, em 1995, sofre a queda de5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os salárioscaíram em 55%. Falar deste país não se trata de umacasualidade, o primeiro da América Latina a decretar amoratória da dívida pública, ainda no ano de 1982, que sealastraria aos países vizinhos, uma vez que o tema dadívida é uma das principais justificativas do pensamentoneoliberal para a privatização e venda do patrimônio público.

Dívida pública evenda do patrimônio

As condições para a implantação do modelo neoliberaljá eram dadas no próprio final do ciclo do modelo de subs-tituição de importações (MSI), a partir do endividamentodo Estado. Com isso, o mecanismo do pagamento da dí-vida foi o que amarrou e justificou a venda de empresasestatais. Isto porque, no final da década de 1970, o capita-lismo brasileiro se viu enredado em empréstimos interna-cionais, uma forma de sustentar a implantação da indús-tria de bens intermediários, levada à frente pelo II PlanoNacional de Desenvolvimento, lançado pelo governo Geisel,em 1974, já no declínio do “Milagre Brasileiro”. “Seduzi-dos pelo endividamento ‘fácil’ nos anos 1970, (os gover-nos) enfrentaram crises da dívida nos anos 1980 e, ao severem sem recursos para o pagamento da dívida, são‘socorridos’ pelo FMI e levados a aceitar as condiçõesimpostas pelos credores”, descrevem Rodrigo Vieira deÁvila e Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida.

O neoliberalismo e suas determinações não estãoengessadas na década de 90. Este modelo econômicose desenvolve e ainda hoje com conseqüências. Dadosde 2009 apontam que a dívida pública (soma das dívidasinterna e externa do setor público) atinge o patamar deR$ 1,497 trilhões (sendo R$ 96,97 bilhões de dívidaexterna e os restantes R$ 1,4 trilhões de interna), o quecorresponde a 47,6% do PIB e eleva em R$ 104 bilhõeso patamar de endividamento registrado em 2008 (7).O montante de recursos pode ser comparado com oque concretamente é investido em setores tais comoSaúde e Educação, como revela o gráfico na página 6,elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida, sobre oorçamento do governo (2006) e o destino dos recursos.

Derrotas popularese no mundo do trabalho

Para a população da América Latina, o Consensode Washington (1989) caracterizou-se por alguns ele-mentos comuns, entre eles: o investimento e o mer-cado aberto para as corporações, o vínculo das moe-

Taxas médias anuais de crescimento doproduto e das exportações mundiaisAno PIB Exportações (%)

1870 - 1913 2,7 3,5

1913 - 1937 1,8 1,3

1950 - 1973 4,7 7,2

1973 - 1990 2,8 3,9Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998

Distribuição de renda no BrasilAcesso das classes à renda nacional

Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998

1960 1970 1980

20% mais pobres 3,9 3,4 2,8

50% mais pobres 17,4 14,9 12,6

1% mais ricos 11,9 14,7 16,9

Reportagem

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das latino-americanas com o dólar, e a redefinição dapropriedade intelectual como uma das formas de astransnacionais ampliarem e estenderem o seu con-trole sob os mercados (8).

O neoliberalismo se impôs a partir de derrotas popula-res na década de 1980. No Brasil, esta década se traduziuem cinco greves gerais dos trabalhadores, cujo projeto polí-tico conheceu a derrota nas eleições de 1989. Na opiniãode Bueno, a implantação do modelo neoliberal responde auma derrota a partir de dois projetos em disputa. “Passa-

mos pela crise da dívida, pelo re-estabelecimento da demo-cracia representativa e pela elaboração de uma Constitui-ção, processos que desembocaram em uma disputa de pro-jeto na eleição em 1989, entre o abandonado projeto demo-crático popular de Lula e o neoliberalismo de Collor. Ouseja, impunha-se a mudança para o Brasil, mas não neces-sariamente a neoliberal, que vingou por derrotar a alternati-va posta então, em que pese não ser claro os desdobra-mentos de uma derrota de Collor em 1989”, comenta.

Os trabalhadores sofreram ataques contra seus di-reitos e a força de trabalho teve o valor depreciado. “Nocomeço da década, com a recessão de 1981/83, tentou-se aplicar novas tecnologias que desempregavam forçade trabalho. Elas intensificavam e homogeneizavam oprocesso de trabalho. Estas transformações buscavampressionar o mercado de trabalho, desqualificando a for-ça de trabalho (simplificando suas tarefas e diminuindoseu preço). Dessa forma, as mudanças tecnológicasvisualizavam uma precarização das relações de traba-lho, aumentavam o ritmo e a jornada de trabalho e dimi-nuíam o valor da força de trabalho”, descreve o econo-mista brasileiro Venâncio de Oliveira.

Temos, então, a imagem usada pelo economistaWin Dierckxsens, na qual o “bolo” crescido no perío-do desenvolvimentista precisava agora ser fatiado.

Pontos do Consenso de WashingtonDisciplina Fiscal

Corte de subsídios e aumento de gastos em educação e saúde

Reforma Tributária e aumento da carga e base tributária

Taxa de juros deve ser positiva e determinada pelo mercado

Taxa de câmbio deve ser determinada pelo mercado

Comércio deve ser liberalizado e voltado para o exterior

Não deve haver restrições ao investimento direto

Empresas estatais devem ser privatizadas

Atividades econômicas devem ser desregulamentadas

Prover melhores garantias aos direitos de propriedade

Reportagem

Juros e amortizações da dívida

Previdência Social

Outros encargos especiais (principalmentetransferência a estados e municípios)

Lazer, energia, comunicações, comércio e serviço, indústria, organização agrária,agricultura, tecnologia, saneamento e gestão ambiental

Legislativa, judiciária, essencial à justiça, administração, defesa nacional, segurançapública, relações exteriores e assistência social.

Habitação, urbanismo, direitos da cidadania, cultura, educação, trabalho e saúde.

3,17%

9,5%

9,51%

15,38%

25,73%

36,7%

Orçamento e destino de recursos da União (2006)

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Período neoliberal: aeconomia dita a falta de soberania

Economista aponta esvaziamento ideológico, hegemonia do capitalfinanceiro e perda de soberania política sobre os rumos do país como

principais elementos da política no neoliberalismo.

O neoliberalismo produziu um elogio ao in-dividualismo, caracterizando-se como umprojeto com grande capacidade para cap-

turar a subjetividade das pessoas. “Auto-ajuda e mer-cado. Ele destrói o senso de coletivo e implanta oindividualismo, as pessoas não reconhecem mais oespaço público como algo público”, define o econo-mista Pablo Diaz, diretor do Sindicato dos Bancáriosde Curitiba e Região.

Houve um esvaziamento das decisões políticas eperda de margem de ação. “Dentro da lógicaneoliberal, melhor ter um Estado enxuto e eficiente,que promovesse a segurança, que é a repressão. AoEstado define-se este papel, educação básica e ren-das compensatórias, omitindo-se de políticas públi-cas. Passa a valorizar o político administrativo e nãoa política social, o que cabe dentro do discurso demaximização dos resultados. A população acreditanisso, pois não consegue fazer o vínculo, por exem-plo, entre aumento da violência e fim do Estado soci-al”, comenta.

Brasil: o neoliberalismoaplicado à exaustão

Ainda era 1993. O atacante Romário prometia otítulo mundial da Copa do Mundo para o povo brasileiro,depois de duas décadas sem vitórias e uma classifica-ção apertada nas eliminatórias. Surgiu aos olhos de to-dos como o salvador que a nação necessitava. Outragrande promessa com a qual uma geração inteira debrasileiros se deparou, mas não chegou a ver o resulta-do final: a venda das estatais brasileiras representariamaior investimento nos setores essenciais (Saúde, Edu-cação, etc), uma maior qualidade e melhores preços noacesso da população ao mundo dos serviços, a partir demaior competitividade entre as empresas.

O atacante brasileiro cumpriu sua promessa e aseleção ergueu a taça da Copa. O Plano Real e oinício do governo FHC tiveram apelo parecido noimaginário popular. Mas o movimento concreto dapolítica econômica brasileira foi percebido por pou-PABLO Diaz: neoliberalismo destrói o senso de coletivo

cos. Por trás dos bastidores, a venda das estatais,segundo o governo, serviria para atrair dólares, redu-zindo a dívida do Brasil com o resto do mundo e ‘sal-vando’ o real. O dinheiro arrecadado com a vendaserviria ainda para reduzir também a dívida interna –dívida que nunca chegou a ser quitada (10). De acor-do com o mecanismo do “fluxo de caixa desconta-do”, as empresas foram avaliadas por preços de mer-cado, sem levar em conta o patrimônio, o capital cons-tante e a logística dos grupos estatais.

A infra-estrutura brasileira foi colocada à venda:Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Petrobras e Telebrás,Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foram leiloadas,a partir de manipulação de preços, que elevou o in-vestimento estatal em um primeiro momento, paraem um segundo instante vendê-las com um preçoinferior ao seu patrimônio. Apenas no governo FHC,entre 1997 e 2002, 133 empresas passaram ao con-trole de grupos privados, 78 delas ligadas à produçãoe não-financeiras (IBGE). De 1993 a 1997, 300 em-presas brasileiras compradas por estrangeiros. Osurgimento das agências reguladoras é a síntese deuma transição do Estado. De planejador, passaria a

SEEB Curitiba

Neoliberalismo

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México, 1994. O país viveu duas fraudeseleitorais, em 1988 e 2006, nas quais venceua fração conservadora do país. No dia primei-ro de janeiro de 1994, a implantação do Tra-tado de Livre Comércio (TL-Cam), com Ca-nadá e EUA, produziu uma rebelião, do esta-do de Chiapas para o México todo, devi-do ao termo do Tratado que ameaçaa propriedade comunal indígena.

Honduras, 2006. A América Central e países como El Salvador,Guatemala, Nicarágua sofreram com a luta armada, nos anos 1980, e aaplicação do livre comércio, abandono do campo e migração demão de obra. A resistência do movimento popular emHonduras, após o golpe contra o presidente ManoelZelaya, é um primeiro marco de mobilização popular deresistência contra o modelo neoliberal.

Venezuela, 1989. O episódiodo “Caracazo”, levante dosmarginalizados da capital (Ca-racas), durou cerca de 3 mesese deixou saldo de mais de 3 milmortos, durante o governo dopresidente Carlos Andrés Perez.Em 1992, uma tentativa frustra-da de rebelião militar, coman-dada pelo então coronel HugoChávez, abre a possibilidade deuma ruptura no sistema depoder vene-zuelanopara um governo po-pular.Equador, 2000 a 2005. Três presidentes foram

depostos em cinco anos, sob a palavra de ordemde “Que se vayan todos”. O último deles, LúcioGutiérrez, elegeu-se com uma proposta naciona-lista e vinculada ao movimento indígena, mas ape-

nas aprofundou as relações com osEstados Unidos e teve de refugiar-se na embaixada brasileira.

Peru, 1994. O governo Fujimori, apesar do contro-le inflacionário, aumentou a pobreza de menos de30% para mais de 60% da população de cercade 23 milhões de pessoas. O presidente che-ga ao terceiro mandato, é acusado decorrupção e refugiado pela sua condi-ção de estrangeiro.

Bolívia, 2003 e 2005. O presiden-te Sanchez de Losada, responsá-vel pela morte de 67 lutadores so-ciais, em 2003, no episódio conhe-cido como “Guerra do Gás”, refu-giou-se nos Estados Unidos, apósuma crise institucional. Em2005, o vice Carlos Mesachegou a renunciar de-vido à pressão do mo-vimento social.

Argentina, 2001. O processo de privatização argentino desem-pregou 350 mil trabalhadores e a atividade privada ou-tros 200 mil, resultado da política de Menem. Ogoverno posterior seguiu o mesmo rigor neoliberalde Menem. A crise econômica de 2001 na qual opaís emerge derruba cinco presidentes.

Presidentes neoliberais e odescontentamento da população

FONTE: E se o capitalismo acabasse?, de Luiz Carlos Correa Soares, janeiro de 2001, editora do autor

Neoliberalismo

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ser um fiscalizador neste período. “Houve uma reversãode todo o Estado moderno, em primeiro lugar foi colocadoo econômico, e depois o governo faria a política com oque sobrar”, comenta o economista Pablo Diaz.

Na prática, o Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES), por meio do Pro-grama Nacional de Desestatização (PND), financiouas transnacionais que dominaram os setores estraté-gicos do parque industrial brasileiro.

Os primeiros setores leiloados pelo PND concentram-se nos ramos siderúrgico, elétrico, de mineração,petroquímico, ferroviário e de fertilizantes. O PND foi leva-do a cabo com energia pelo presidente FHC, quem inseriuem suas Cartas de Intenção ao FMI a privatização da pre-vidência, de bancos estaduais e empresas elétricas (11).Decreto presidencial desta época inviabilizou o empréstimodo BNDES para empresas públicas, impossibilitando o pró-prio sentido do banco desde a fundação, em 1952. “OBNDES recebe 40 bilhões de dólares do Fundo MonetárioInternacional (FMI), pega o dinheiro que era para promo-ver o ‘crescimento’, e empresta subsidiado para a compradas companhias por estrangeiros”, comenta Diaz.

Cronologia doPrograma Nacional deDesestatização (PND)

1993-1994 - Eliminação da discriminação contra in-vestidores estrangeiros, permitindo sua participação em até100% do capital votante das empresas a serem alienadas.

1997 - Junto à venda de 68 empresas produtivasfederais, intensificam-se as privatizações de âmbitoestadual, com a venda de 40 empresas estaduais.

2002 - O Programa concentra-se em outros se-tores, não mais o setor siderúrgico, como no iníciodos anos 1980. O setor elétrico, hidrelétricas, portos,malhas fluviais passam a constar nas licitações.

Atuação do BNDES nas privatizações*

* Em US$ milhões Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998

Estadual

PND

Telecom

Resultado

27.948,8

30.824,2

29.049,5

87.822,5

6.750,2

9.201,4

2.125,0

18.076,6

34.699,0

40.025,6

31.174,5

105.899,1

ProgramaReceita

de VendaDívidas

TransferidasResultado daDesestatização

O BNDES e os investimentosnas privatizações

O investimento do BNDES na privatização da Lightfoi de R$ 730 bilhões, em 1998 (após o apagão do Rio deJaneiro). Na privatização da Companhia Siderúrgica Na-cional (CSN): R$ 1,1 bilhão para execução de um planode expansão de cinco anos. Investiu R$ 4,7 bilhões naAçominas, antes de privatizá-la. Já na Petrobras (1997),uma articulação com pouco mais de 20 sócios, investeR$ 140 milhões e conta com R$ 60 milhões do BNDES,uma sociedade (Sociedade de Propósito Especial) paracaptar no mercado internacional R$ 1,3 bi (justamente ovalor do investimento de R$ 1 bi previsto no orçamento doEstado, cortado em 99), e essa jogada resultou num aportede R$ 1,5 bi para negócio com previsão de faturamentode R$ 5 bilhões em médio prazo.

Dez principais países beneficiários do Prograna Nacional de Desestatização (PND)

Estados Unidos

Espanha

Portugal

Itália

Chile

Bélgica

Inglaterra

Canadá

Suécia

França

Participação Estrangeira

Total

4.31

3.606

1

-

-

880

2

21

-

479

11.210

30.824,2

15,1

12,6

0,0

-

-

3,1

0,0

0,1

-

1,7

36,4

100

6.024

4.027

658

143

1.006

-

692

-

-

196

13.654

27.948,8

21,6

14,4

2,4

0,6

3,6

-

2,5

-

-

0,7

48,9

100

3.692

5.042

4.224

2.479

-

-

21

671

599

10

17.270

29.049.5

12,8

17,5

14,7

8,6

-

-

0,1

2,3

2,1

0,0

59,4

100

14.034

12.675

4.882

2.621

1.006

880

715

692

599

686

42.134

87.822,5

16,5

14,9

5,7

3,1

1,2

1,0

0,8

0,8

0,7

0,8

48,0

100

País PND Estaduais TotalTele- comunicações

- US$ milhões - % Atualizado em: 31/12/02 FONTE: BNDES

Referências1.A Opção Brasileira, ed. Contraponto (1998). BENJAMIN, Cesar (org).2.Idem.3.Idem 1 e 2.4.(COSTAS, Lapavitsas, o capitalismo financiarizado,tradução livre).5.Jornal Valor Econômico, fevereiro de 2010.6.Subcomandante Insurgente MARCOS, Don D. de La Lacandona.7.GENNARI, Emílio. Base de dados para a análise de conjuntura de 2010.8.CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital.9.O Brasil Privatizado. BIONDI, Aloysio.10.Auditoria Cidadã da Dívida.

11.Idem.

Neoliberalismo

Page 11: Reflexos das privatizações

12 Reflexos da Privatização

Regulação e desregulação

SENGE-PR: luta contínua contra agências reguladoras.

No Brasil neoliberalo princípio dadivinização do

mercado, o falsomito do Estado míni-mo, o crescimento

da dívida e oaceleramento

da nossa trajetóriapara a subserviência

se aprofundaramde forma efetiva

e desastrosa.

Regulação é um sistema ou processo de controle; regulamentação é um conjunto deinstrumentos e mecanismos pelos quais é

exercido um determinado siste-ma ou processo de regulação.Ambos devem ser norteados porprincípios éticos, morais e demo-cráticos, orientados para os inte-resses da nação, como um todo.

Os sistemas de controle dosEstados nacionais da Era Moder-na não poderiam prescindir demodernos sistemas e processos deregulação, sob os princípios acima.Entretanto, aprofundou-se o fossoentre os sistemas de regulação ide-ais e os possíveis. A explicação ésimples mas deve ser precedida deconceitos muito claros.

De modo conciso pode-seconceituar ética e moral comoconjuntos de princípios nortea-dores e referenciais para os usos, costumes e inter-relações dos indivíduos e das sociedades. Todavia,ética e moral não se confundem. A principal diferen-

ça está nas respectivas dimensões de espaço-tempo:a ética é tão abrangente no espaço e permanente notempo quanto seja possível estabelecer; a moral, ao

contrário, é restrita quanto àambiência e/ou à temporalidade.

A quem cabe regular? Nocontexto econômico e financei-ro internacional as chamadasagências de fomento (tipo oFMI, o BID, o Bird) - ao esta-belecerem regras comporta-mentais para os países periféri-cos e carentes de recursos parasustentação das suas economi-as, permanentemente abaladaspelo processo sanguessuga docapital -, nada mais são do queagências internacionais deregulação desses países. Acres-çam-se os acordos multilaterais(tipo OMC, AMI, a nati-morta Alcaetc), onde normalmente prevale-

cem os interesses dos países centrais do capitalismo.No Brasil neoliberal o princípio da divinização do

mercado, o falso mito do Estado mínimo, o cresci-Senge-PR Comunicação

Opinião

“As agências têm servido também como espaços para compadrio enepotismo, além de se tornarem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há

exceções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde e quando”, afirma no artigoabaixo o ex-presidente do Senge-PR, Luis Carlos Correa Soares.

Page 12: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 13

mento da dívida e o aceleramento da nossa trajetóriapara a subserviência se aprofundaram de forma efeti-va e desastrosa. Um dos instrumentos essenciais paraesse processo, além das privatizações – tema de capadesta Revista - tem sido a desregulamentação proce-dida em setores estratégicos essenciais, mediante aretirada de controles do âmbito do Estado brasileiro.Mesmo que tais controles fossem frágeis, eram muitomelhores do que tudo o que foi inventado depois.

Para simulacro de regulação por meio das “agên-cias reguladoras que pouco ou nada regulam” e, como processo privatizante já em estágio avançado, foi ela-borada a Lei 9.986/2000 para definir as regras de fun-cionamento dessas agências. Além de débeis e ten-denciosas, as regras foram aplicadas de modo tardio.

Atualmente, existem nove agências: Anvisa (vigi-lância sanitária), ANS (saúde), ANA (águas), Aneel(energia Elétrica), Anatel (telecomunicações), ANTT(transportes terrestres), Antaq (transportes aquaviários),Ancine (cinema).

Algumas agências incorporaram estruturas de de-partamentos e secretarias de ministérios extintos. To-das têm funcionários cedidos por empresas privadas eórgãos governamentais. Ou funcionários temporários,contratados por intermédio de organismos internacio-nais ou por processo seletivo simplificado e admissõescom durações pré-determinadas. Além dos cargos delivre indicação. Indicação de quem? Ora, pois...

Em resumo, as agências têm servido também comoespaços para compadrio e nepotismo, além de se tor-narem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há exce-ções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde, quando e emque circunstâncias, porque o processo e o sistema es-tão viciados desde a origem e os fundamentos.

Além disso, vem sendo criado um imenso e caóti-co processo legisferante que tem produzido tanto aglória dos juristas – dado o novo filão de atuação pro-fissional - como também o seu desespero, dadas asmutações quase diárias nos regulamentos emitidos.E bem assim, o desespero dos usuários porqueinexistem condições para se conhecer com profundi-dade e amplitude o emaranhado normativo que estásendo gerado continuamente. É inevitável perguntar:qual é a real utilidade dessa parafernália?

O Estado mínimo neoliberal, quando abdicou deexercer, ele mesmo, as atividades produtivas e deserviços, deveria ao menos executar funções regula-doras, de modo direto, com eficiência e eficácia, nadireção dos interesses da população em geral.

Todavia, claro está que essa não era e nunca seráa ideia predominante, bem ao contrário, tanto na con-juntura mundial como brasileira. Os Estados prisio-neiros de interesses específicos de grupos e grupelhos,sem independência e soberania, com princípiosfundantes tais como “tudo ao mercado” e “obediên-cia cega a contratos”, não detém condições necessá-

rias e suficientes para estabelecer marcos regulatóriosefetivos em setores-chave e estratégicos.

Poderíamos encerrar este texto com um dito po-pular que, de forma publicável, diz mais ou menosassim: “quanto mais a gente se abaixa, mais as coisasaparecem...”. Porém preferimos usar uma parte dapoesia “Quem morre?” , de Pablo Neruda.

“Morre lentamente quem se transformaem escravo do hábito,

repetindo todos os dias os mesmos trajetos.Morre lentamente quem abandona

um projeto antes de iniciá-lo,não pergunta sobre um assunto que desconhece

ou não responde quando lhe indagamsobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordandosempre que estar vivo

exige um esforço muito maior que osimples fato de respirar.

Somente a perseverança fará com queconquistemos um estágio esplêndido de felicidade.”

Agência reguladoras em quatro pontos1 - os processos de regulação e de regulamentação de-

vem ser norteados por princípios éticos, morais e democráti-cos, considerando os interesses da nação.

2 - um Estado fraco não detém condições de autonomiapara regular setores básicos no rumo do interesse social.

3 - a estruturação da nação brasileira (território, povo,autonomia e Estado) foi sempre fragmentada e sofreu imensosdescompassos, produzindo um país economicamente forte massocialmente injusto.

4 - no Brasil, em grande medida, as agências reguladorasoperam sob influências políticas, burocracias, clientelismos e

com parafernálias jurídicas absurdas e inúteis.

Senge-PR Comunicação

Opinião

SOARES: agências têm sido espaços para compadrio e nepotismo

Page 13: Reflexos das privatizações

14 Reflexos da Privatização

Mundo de uma nota sóDurante o período neoliberal, hegemonia estadunidense é mantida pelo

controle da indústria de armas, ideologia e pela emissão de moeda.Nação substitui a produção pela emissão de moedas, pelo

endividamento e aumento do déficit público.

A partir da década de 1990, o mundo passaa ser controlado por uma naçãohegemônica. Isto se dá no plano político e

militar, econômico e cultural. OsEUA lançam mão da superiori-dade militar para controlar oacesso aos mercados, em nomeda manutenção de taxas de lu-cro em franca queda desde adécada de 1970.

Armas, palavra, dinheiro. Aimagem usada pelo cientista po-lítico Emir Sader (foto) explicaa base do poderio dos EstadosUnidos. No plano econômico, osEUA passam a controlar a emis-são do dinheiro mundial sem obe-diência a nenhuma regra, aoromperem unilateralmente o Tra-tado de Bretton Woods. A moe-da passa a circular dissociadados circuitos produtivos reais, nabusca pela valorização do capital no menor períodode tempo possível, num mundo onde a regulaçãofinanceira foi destruída.

EMIR: armas, palavra e dinheiro: símbolos da hegemonia dos EUA

Enquanto todos os demais países participantes daSegunda Guerra haviam tido perdas sensíveis, a ren-da nacional aumentara nos EUA de 91 bilhões de

dólares em 1939, para 211 bi-lhões em 1945. Ao final de 1945,os EUA detinham 50% da ri-queza, mas somente 6% da po-pulação mundial. No plano mili-tar, os gastos da elite desse paíscom armamentos superam, comfolga, a soma dos gastos reali-zados pelos outros 14 países queintegram a lista dos 15 mais bemarmados do mundo (1).

Hoje em dia, apesar dosurgimento do grupo dos BRIC(Brasil, Rússia, Índia, China),esta hegemonia mantém-se noplano militar, embora a Rússiase mantenha como a segundapotência nuclear. “Um gastomilitar em ascenso em uma base

econômica em declive não pode ser sustentado, comodramaticamente mostrou o colapso do bloco soviéti-co”, analisa o economista holandês, radicado naAmérica Central, Win Dierckxsens (2).

O país do norte define-se como uma nação im-portadora, sendo que 10% de seu consumo industri-al depende de bens cujos custos de importação nãosão cobertos pelas exportações. Hoje, a dívida pú-blica dos Estados Unidos chega a ser 350% maiorque a produção industrial. A produção é descentra-lizada para outras nações, e a dívida interna no paísé maior que o Produto Interno Bruto (PIB). Os EUAabsorvem parte da produção do crescente mercadochinês. Ao mesmo tempo se endividam.

A China é o principal credor dos Estados Unidos– sendo que o Brasil é o quarto comprador de Títu-los do Tesouro Americano. Em 2009, o governo dosEUA amarga um déficit público de um trilhão e 414bilhões de dólares e, para 2010, a previsão é de que,apesar de uma eventual redução dos gastos públi-cos não relacionados à segurança, a dívida se man-tenha em altos patamares (3).

Nos debates políticos sobre o período neoliberal,

O discurso do liberalismoé aplicado para além-mar, uma vez que Esta-

dos Unidos e Europapersistem no protecionis-mo dentro de suas fron-

teiras, sobretudo nossetores de produçãoagrícola, enquanto o

receituário aplicado eraa venda do patrimônio

público e aberturados mercados.

Internacional

Page 14: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 15

expressões como “transnacionais”, corporações efinanceirização da economia tornam-se correntesem nosso vocabulário. Trata-se do domínio mundialdestes grandes conglomerados, expansão que lançaa base para a livre circulação de moeda.

O poder das corporações transnacionais se tra-duz da seguinte forma: dentre as 50 principaiscorporações hoje, 66% são de propriedadeestadunidense e, entre as 20 maiores, 70% são depropriedade do país do Norte (veja box).

O discurso do liberalismo é aplicado para além-mar, uma vez que Estados Unidos e Europa persis-tem no protecionismo dentro de suas fronteiras, so-bretudo nos setores de produção agrícola, enquantoo receituário aplicado era a venda do patrimônio pú-blico e abertura dos mercados. A Área de LivreComércio das Américas (Alca) – não assinada coma totalidade dos países americanos devido a mani-festações e plebiscitos populares – deu lugar aosTratados de Livre Comércio (TLC), assinados emcada país, junto aos corredores regionais e áreas delivre comércio, como o IIRSA (confira na próximamatéria). Se em dado período histórico o objetivoera dividir para reinar, agora passou a ser integrarpara subordinar todos a uma mesma política. Hoje,um dos objetivos prioritários é o controle dos recur-sos naturais. Um dos alvos o controle do território

da Amazônia, onde está concentrado 60% do esto-que genético do planeta.

Referências1. Consulta Popular. Imperialismo, o principal inimigo da humanida-de, cartilha número 19, 2007.2. Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalis-mo; América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo, Resistenciay Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador.3. Gennari, Emílio. Base de dados para análise de conjuntura de 2010.

Corporações e Economia

Transnacionais, nos anos 2000. 35% do PIB mundial.- Representam um poder de 5, 35 trilhão de dólares.- 1990. 100 grupos, responsáveis por um terço do Investimento

Externo Direto (IED), 3,2 trilhões de dólares em ativos, com o comércioaumentando entre Europa, Japão e EUA (de 13 para 17%); UNCTNC

- Nos EUA, US$ 1,9 trilhão, dívida das famílias e empresas(crédito ao consumidor, leasing)

Papel das corporações na economia mundial- 50 principais corporações hoje, 66% são de propriedade

estadunidense;- Entre as 20 maiores, 70% são de propriedade do país do Norte.

Participação das 200 maiores corporações no PIB mundial: - 17% em 1965- 35% no final dos anos 1990.

Fonte: UNCTAD, citado em Chesnais, Mundialização do capital, 1996- PETRAS, James. DIERCKXSENS, Win, 2004 - PETRAS, James

1914. A econo-mia é lastreadano padrão-ouro, que cumpria pa-pel de meio de pagamento, equi-valente geral e entesouramento.

1931. No Brasil, realizada audito-ria da dívida externa. O período

foi caracterizado peloinício da industrialização.

1945. O dólar é adotado comomoeda padrão no mundo intei-ro, a partir dos tratados deBreton Woods. Inicia-se o perí-odo de acúmulo do capitalismo, apro-funda-se o Estado de Bem-Estar Soci-al na Europa e EUA, e o desenvolvi-mentismo na América Latina.

1969. Ofensivado mercado especulativo con-tra a libra esterlina.

1971.Mercado-ria moeda desaparececom o desmantelamentodo sistema BrettonWoods, substituída pormoeda de crédito.

1973. Choque dospreços do petró-

leo, controla-dos pelos paí-ses integradosa Opep.

1974-1975. Companhi-as multinacionais buscamsaída para queda crescen-te da taxa de lucros. Au-mento da dívida externados Estados da América doSul e África.

1980. EUA aumentam os ju-ros. O dólar, por ser moeda

internacional, endividouainda mais os países peri-féricos.

1990. Capitais circulam comfacilidade no Brasil, atraídospelas altas taxas de juros, dí-vida pública internaaumenta.

Fonte: Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalismo; América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo,Resistencia y Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador.

Linha do Tempo

Internacional

Page 15: Reflexos das privatizações

16 Reflexos da Privatização

Transnacionais brasileiras, a ponteentre a política ontem e hoje

De elaborador e gestor da política de privatizações no Brasil, o BNDES passaa financiar a política baseada na “exportação da natureza”, incentivo ao

agronegócio e às transnacionais brasileiras que atuam noutros países, sem-pre às avessas do interesse das populações

A criação do Programa Nacional deDesestatização (PND - lei 8.031/90), em1990, colocou a privatização na ponta-de-lan-

ça das reformas econômicas conduzidas pelos governosque se seguiram desde então. O PND concentrou esfor-ços na venda de estatais produtivas, com a inclusão deempresas siderúrgicas, petroquímicas e demais setoresresponsáveis pela indústria de base nacional. Na compradas estatais, a prioridade para o ajuste fiscal traduziu-seno uso das chamadas “moedas de privatização”, títulosrepresentativos da dívida pública federal. Tal caracteriza-ção do PND pode ser encontrada no site do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),instituição que, apesar de pública e de codinome social, foia gestora do programa de privatização no Brasil.

Trata-se de um processo levado “ao limite da respon-sabilidade”, na famigerada afirmação do presidenteFernando Henrique Cardoso (FHC) ao presidente doBNDES à época, Luiz Carlos Mendonça de Barros.Nacionalmente, o processo de privatizações foi marcadopor irregularidades, como esta: 95% do valor das estatais

LUTA pela reestatização da Vale, privatizada com auxílio do BNDES

foram pagos com “moedas pobres” e títulos desvaloriza-dos. Hoje, as empresas desestatizadas, vinculadas ao ca-pital financeiro, ao lado de grupos privados nacionais, re-cebem o financiamento do banco público e passam a umaforte ofensiva, expandindo-se noutros países. “No casodas grandes empresas estatais, a passagem do controlediretamente para grandes grupos econômicos nacionais einternacionais permitiu não só o aumento da presença docapital internacional no espaço econômico nacional, mastambém que as empresas privatizadas sob controle daburguesia local ganhassem corpo e pudessem se lançarao mercado internacional, na forma de multinacionais bra-sileiras”, descreve o economista Fábio Bueno, da organi-zação Consulta Popular.

Se as remessas para o exterior foram um dos proble-mas nacionais enfrentados no período neoliberal, nestemomento assistimos também ao movimento inverso, ouseja: a remessa de lucros das empresas brasileiras noexterior: ao todo, foram US$ 641 milhões de remessas deempresas brasileiras no estrangeiro em 2005, número queaumentou para US$ 928 milhões em 2006.

Responsável por 20% de todo o crédito disponibilizadono Brasil, o orçamento do BNDES em 2010 deve che-gar a R$ 166 bilhões, ou cinco vezes o orçamento dainstituição verificado em 2003, primeiro ano do governoLula. O dado confirma que o BNDES é, junto com oBanco Central e a Petrobras, um dos três vértices do tripéde poder econômico no Brasil hoje. No ciclo recente decrise econômica mundial, o BNDES financiou ações deempresas que de alguma forma se vinculam à própriacrise. Nesse período, ele financiou fusões (casos da Oicom a Brasil Telecom) e aquisições (casos dos frigorífi-cos JBS e Friboi), além da compra da Aracruz pelo grupoVotorantin, quando já era pública a perda que a corporaçãode papel e celulose teve no mercado. Os principais gru-pos que recebem investimento estão em setores concen-trados e voltados para a exportação: etanol, agronegócio,mineração, siderurgia e construção civil, com destaquepara o grupo Odebrecht, atuante com uma vasta carteirade negócios em todo o continente latino-americano.

“Enquanto no Brasil a hegemonia dos grandes ban-cos e investidores financeiros locais e internacionais se

Senge-PR Comunicação

BNDES

Page 16: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 17

consolidava na década de 1990 pelas mãos de Collore dos tucanos, o BNDES foi direcionado para taisinteresses. Já na década de 2000, quando o governopetista empreende a ascensão da fração industrialque se internacionaliza à condição de hegemônica,sem tocar nas frações financeiras, o BNDES passaa atuar com força nos processos de concentração ecentralização que envolvem a fração internacionali-zada, organizando e incentivando todos os grandesprocessos de fusão e aquisição que presenciamos nosúltimos anos. Portanto, na condição de instrumentode política econômica, o BNDES seguiu, segue e se-guirá os ditames e interesses de quem comanda apolítica e a economia no capitalismo dependente bra-sileiro”, explica Bueno.

De onde vêm osrecursos do BNDES?

Desde 1999, observa-se um aumento constante a ta-xas crescentes no orçamento do BNDES, que recebe debasicamente quatro fontes os recursos que empresta:

- O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), res-ponsável por cerca de 50% do orçamento do Banco;

- Retorno dos empréstimos;- Aportes conseguidos junto ao mercado internacional;- Empréstimos do Tesouro Nacional.

Histórico

O BNDES surgiu em 1952, para financiar o Modelo deSubstituição de Importações (MSI). Com a ditadura de 1964,torna-se o principal canal de importação de novas formas degestão estatal, que àquela época apontavam a retirada do Es-tado da economia. O BNDES estabeleceu conexões com oBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o BancoMundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje,apresenta tamanho semelhante aos dois.

Na década de 1980, uma série de empresas brasilei-ras se lançava no mercado internacional, estabelecendodepósitos, subsidiárias, etc. O banco público passa a fi-nanciar corredores de livre comércio e integração, comoforma de intensificar a exploração econômica em outrospaíses. O BNDES desenvolve os primeiros estudos queem 2000 resultariam no lançamento da Iniciativa deIntegração da Infraestrutura da Região Sulamericana(IIRSA), que consiste na construção de uma infraestruturade comunicações, transportes e geração de energia queconstitua um dinâmico sistema circulatório que permitiaenlaçar as economias regionais ao mercado mundial.

Ano 1999 2000 2001 2002 2003* 2004* 2005* 2006* 2007* 2008*De- 18 23 25.2 37.4 33.5 39.8 47 51.3 65 90.9

Orçamento do BNDES

(valor em bilhões de reais) - Fonte: BNDES

Uruguai- o BNDES dásuporte às empresas quedesnacionalizam ospoucos setores dinâmicosda economia local:agronegócio e frigorífico.Friboi e a Marfrig

controlam mais de70% da exportaçãode carne derivada doUruguai.

Peru- aVotorantim(capitalizadapelo Banco)comprou a companhiamineira MinCo, que tem66% das jazidas desse que éo principal produto mineraldo país. A Gerdau comprou aSiderPeru, maior siderúrgicaperuana, também comrecursos do BNDES.

Argentina- a Camargo Corrêa(“cliente” assídua dos

financiamentos do BNDES)comprou a maior fábrica de

cimento do país, a Loma Negra.Durante a crise argentina (2001),24% das aquisições de empresasna Argentina foram feitas porcapitais brasileiros.

Equador- a atua-ção da Petrobrascausa problemasambientais e crí-ticas dos indígenasamazônicos, sendoque a empresa atuaem outros 26países domundo.

Canadá- trabalhadoresda empresa Inco,

comprada pela Vale,manifestaram-se contra ascondições de trabalho naprodução de níquel.

África- o caso maisrecente é o da abertura do

escritório da Embrapa emMoçambique. Seu primeiroprojeto é o desenvolvimentoagrícola da região de Moatize,onde estão as minas de carvãona mira da Vale, que deverãocontar com recursos doBNDES.

(Fonte: Transnacionais Brasileiras, ed. Expressão Popular; IBASE)

Costa Rica,Panamá,Venezuela-

Atuação daOdebrecht emconstrução deestradas.

Quadro das empresas brasileiras no mundo

BNDES

Page 17: Reflexos das privatizações

18 Reflexos da Privatização

Companhia Vale,uma relação íntima

A privatização dos setores ligados à infra-estruturaaprofunda o vínculo das unidades de produção no Brasilcom a expansão sobre mercados de outras nações. Nes-ta lógica se equilibra a relação do BNDES com amineradora Vale (nome comercial da Companhia Vale doRio Doce) e com outras transnacionais brasileiras. “Juntocom outros grandes grupos privados, a Vale integra o se-leto círculo de empresas cujos projetos estão previamentebem avaliados pelo Banco e que, assim, têm trâmite deliberação de recursos acelerado. O BNDES a vê comouma companhia de boa saúde financeira e pré-aprovaseus projetos, independentemente de suas característicasespecíficas”, descreve Carlos Tautz, do Instituto Brasi-leiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Uma relação sem divulgação às claras, como denun-ciam os movimentos sociais, articulados na “PlataformaBNDES” (veja abaixo). a Vale é um dos principais clien-tes do mesmo banco que gerenciou a privatização da com-panhia, dentro do Programa Nacional de Desestatização(PND). “Nos relatórios de desempenho operacional doBanco, os empréstimos para a construção de sistemas detransporte ferroviário da mineradora são estrategicamen-te localizados em rubricas gerais de ‘infra-estrutura’, paranão deixar claro que a operação favorece determinadogrupo e que este utiliza essas vias não para transportepúblico, mas exclusivamente dentro de sua própria estra-tégia de logística”, de acordo com análise do Ibase.

Subavaliação dasriquezas minerais

Em 1997, o governo deixa de ser o acionista ma-joritário da Vale e o consórcio Valepar arrebata 52,3%das ações. O consórcio conta com a participação dobanco Bradesco. A participação do banco privado noleilão da Vale é questionada em mais de 100 açõespopulares, uma vez que o Bradesco foi ao mesmotempo avaliador e investidor do leilão.

A realidade é que, como avaliador, o Bradesco jáhavia sido um fracasso. A Vale é a companhia sínteseda subavaliação que marcou a privatização das em-presas brasileiras. Quando foi leiloada e arrebatadapelo valor de R$ 3,3 bilhões, desconsiderou-se umaestrutura complexa, um capital constante formatadoao longo de 53 anos, o que significa: ferrovias com 9mil quilômetros de extensão e dois sistemas completosde mina-ferrovia-porto. Uma grande gama de mine-rais foi subavaliada, tais como as reservas brasileirasde titânio (72% das jazidas mundiais), além de calcário,dolomito, fosfato, estanho, cassiterita, granito, zinco,grafita, nada disto foi tomado em conta pelo leilão.Reservas de quartzo, matéria-prima da indústria de fi-bras óticas, e nióbio (85% das reservas mundiais),matéria-prima para a indústria aeroespacial, encontram-se nas jazidas da Vale e não foram tomadas em conta.

Plataforma BNDES ecrítica aos mega-projetos

No dia 25 de novembro, os movimentos sociais e or-ganizações não-governamentais do Brasil, Equador eBolívia, reunidos no I Encontro Sul-americano das popu-lações impactadas por projetos financiados pelo BNDES,elaboraram uma carta de repúdio ao modelo de desenvol-vimento adotado pelo Brasil.

Trata-se de um esforço de articulação dos povos afe-tados pelos mega-projetos destinados às obras de infra-estrutura que privilegiam empreendimentos deagrocombustíveis, pecuária, eucalipto e extração mineral,fontes de sérios impactos sócio-ambientais.

“Parece uma iniciativa com forte potencial depolitização das organizações e populações em suas lutasespecíficas e convergência em lutas mais generalizantes.Podemos encarar o I Encontro Internacional dos Atingi-dos pela Vale como um desdobramento dessa sensibilizaçãodos movimentos e organizações de camponeses, indíge-nas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, enfim, trabalha-dores e trabalhadoras em torno do questionamento doatual modelo de desenvolvimento”, comenta o advogadoDanilo Uler, da Plataforma brasileira de direitos humanoseconômicos sociais e ambientais (DHESCA).

*Informações desta reportagem baseadas no livro Empresas transnacionais brasileiras

na América Latina, um debate necessário, Editora Expressão Popular; e no Instituto

brasileiro de análises sociais e econômicas (Ibase)VALE: prejuízos internos e expansão a outros países

BNDES

Page 18: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 19

A infraestrutura fragmentadaem interesses particulares

SAULO: Com ou sem neoliberalismo, Brasil avançaria tecnologicamente

Saulo de Tarso, engenheiro civil, trabalhou durante 28 anos na Rede Ferroviária Federal(RFFSA). Antes dele, seu pai havia traba-

lhado durante 39 anos. Duas trajetórias diferentes, ape-sar de a companhia ser a mesma. O pai de Tarsovivenciou o modelo de desenvolvimento estatal, entre osanos de 1950 e 1970. Viu o país passar de uma popula-ção de 90 milhões pessoas, quando 57% da populaçãovivia nas cidades, para um cenário que hoje se aprofunda.Pelo censo de 1991, 75% da população reside em áreasurbanas. De maneira contínua, de acordo com Saulo deTarso, a demanda do país por infra-estrutura aumentou,assim como a necessidade de investimentos em educa-ção, saúde e outros serviços.

Entre 1938 e 1980, a produção industrial foi mul-tiplicada 27 vezes. Os governos, diante deste cená-rio, precisaram investir em rodovias, portos, ferrovi-as, energia. “O desenvolvimento era focado em es-tatais, com bancos de fomento em infra-estrutura, oque gerou grande dívida externa, entre 1970 e 1980,um endividamento brutal do Estado”, analisa Tarso.O endividamento externo corresponde a 54 bilhõesde dólares em 1979, ao passo que, em 1973, eram

“Desde o final dos anos 60, o governo frequente-mente usou as estatais para ‘segurar’ a inflação ou bene-ficiar certos setores da economia, geralmente por seremconsiderados ‘estratégicos’ para o país. Como assim?Houve períodos em que o governo evitou reajustes depreços e tarifas de produtos (como o aço) e serviçosfornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pres-sões e controlar as taxas de inflação. Esses ‘achatamen-tos’ e ‘congelamentos’ foram os principais responsáveispor prejuízos ou baixos lucros apresentados por algu-mas estatais, que passavam a acumular dívidas ao longodos anos – sofrendo então nova ‘sangria’, representadapelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas.Certo ou errado, as estatais foram usadas como armacontra a inflação por governos que achavam que o com-bate à carestia era a principal prioridade do país”, AloysioBiondi, economista, autor de O Brasil privatizado.

12 bilhões de dólares. Tarso relata que assistiu a RFFSA desmontada

durante a década de 1990, devido a erros de investi-mento (veja mais na entrevista abaixo). O engenhei-ro civil contesta o debate hegemônico de que aprivatização nos setores estratégicos da economia einfraestrutura garantiu a entrada de novas tecnologiasno país, além do que as empresas teriam atingido a efici-ência apenas a partir das privatizações. Para ele, estatese não confere. “Hoje temos uma demanda que háquinze anos atrás não existia. Que se registre que o Bra-sil se abriu para o mercado mundial desde 1993, commudanças como a banda larga, por exemplo. Não é aprivatização a mãe deste desenvolvimento, a mãe distochama-se tecnologia computacional, que se desmistifiqueeste santo de barro da privatização”, coloca.

Na contramãodo interesse público

“Se estivermos preocupados com o futuro do pla-neta, hoje temos que pensar na matriz de transporte,isto porque interfere diretamente na matriz energéticaque queremos para o nosso país”, afirma o engenhei-ro civil e diretor do Senge-PR, Paulo Sidnei Ferraz.As ferrovias e rodovias brasileiras estão cada vez

As ferrovias são o exemplo mais gritante do mau aproveitamento que o períodoneoliberal fez da infraestrutura e da capacidade produtiva do país. O atual

modelo retira das ferrovias a dinâmica de transporte de passageiros e cargas.

AEN

Ferrovias

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20 Reflexos da Privatização

mais precárias e avessas ao interesse público, devido aomonopólio do transporte de cargas por terra, concentra-do em quatro concessionárias apenas. Esta é a principalcrítica do engenheiro civil Paulo Sidnei Ferraz, quemdenuncia a situação de abandono da malha ferroviáriabrasileira e ao mesmo tempo questiona os argumentosabstratos à época dos leilões de privatização do setor.De acordo com ele, a partir do fi-nanciamento do BNDES, as con-cessionárias não se endividaram,ainda assim, eliminaram o trans-porte de passageiros e aportaramtecnologia sucateada para o setor.

Na conjuntura atual, o debatesobre a matriz de transporte é qua-se um sinônimo de pensamento es-tratégico voltado para questãoambiental e energética: “O segmen-to de transporte consome 30% daenergia do Brasil, e as rodovias quei-mam 90% do combustível usadono transporte. Se atacarmos estaalteração da matriz de transporte,aumentando a participação demodais menos poluidores, teremos uma matriz energéticamelhor. É uma consequência”, opina. Confira abaixo aentrevista de Paulo Sidnei a Reflexos da Privatização

Como se deu o processo de privatizaçãoe o desmantelamento da malha

ferroviária nacional?

Temos que começar por uma situação que é ló-gica: a matriz de transporte brasileira é errada, ondeo rodoviário é privilegiado, mas assumiu este papelporque a ferrovia nunca recebeu os investimentosnecessários, muito menos depois da privatização.Mesmo assim, depois que foi criada a RFFSA, veioa evolução da padronização e da modernização fer-roviária no Brasil. Com isso, houve um crescimentoem ritmo razoável da produção e de clientes. Masaí, este foi o discurso do BNDES nos anos 1980: ‘Asalvação do Brasil na infra-estrutura de transpor-tes estava nas mãos do capital privado’. O BNDESdizia o seguinte: privatizamos e o capital privadoaportaria recursos ‘próprios’ que reduziriam custose ampliariam a oferta de transporte. A oferta de trans-portes ampliada reduziria os fretes, assim o Brasilsairia ganhando, porque viabilizaria as exportaçõesde maneira mais competitiva, reduzindo custos detransporte também na distribuição de produtos in-ternamente. Este era o discurso do BNDES. E o queaconteceu? O capital privado entrou e não colocou

dinheiro, usou dinheiro do BNDES e não fez os in-vestimentos onde era preciso, então a equação nãofuncionou. A forma de privatização era para serpaga em trinta anos, não precisava de grande capi-tal e acabaram contando com o apoio do BNDES.Lamentavelmente, no Paraná, não houve visão em-presarial das cooperativas agrícolas, porque nas

condições oferecidas pelo go-verno FHC, elas podiam ter en-trado no negócio e se tornaremdonas da operação ferroviária.

Que tipo de mercado-ria é transportada pela

malha ferroviáriano Brasil?

O principal produto é o mi-nério. Na verdade, a implanta-ção das ferrovias no Brasil nãoteve uma visão de resolver o pro-blema de desenvolvimento nopaís. Foi um projeto de explo-ração de nossas riquezas, via

portos. Minério, madeira, projetos com subsídios:onde o empreendedor ganhava até para trazer mão-de-obra de fora, além do direito de explorar as ma-tas desbravadas. Continuamos levando por ferro-vias matérias primas para o exterior, agora sem umcontrole do que são transportados nos vagões, jáque as cargas nos trens não encontram fiscalizaçãono seu caminho.

O BNDES foi protagonistana privatização e na atual condição

da modernização do sistema detransportes nacional?

Depois de privatizado o sistema ferroviário, o ban-co ajudou como nunca fez quando a empresa ferrovi-ária era pública. Tem sido o maior aliado das conces-sionárias neste processo. Locomotivas velhas foramtrazidas por essas empresas com recursos do BNDES.O banco, na época, dizia que haveria modernizaçãodo sistema ferroviário. Vejo duas modernizações, doisequipamentos introduzidos na ferrovia, desconhecidosantes da privatização: primeiro o telefone celular, masé uma tecnologia popular e não específica, para aferrovia. E o segundo é o computador de bordo comGPS, que qualquer carro hoje pode ter. Todo o resto jáexistia, em uso ou em teste, essa foi a ‘grande moderni-zação’. As linhas regrediram. A velocidade média dostrens está em queda, pela manutenção inadequada.Enfim, nosso BNDES, ‘banco de desenvolvimento so-cial’, financiou demissões e o sucateamento dopatrimônio das ferrovias.

Depois de privatizado osistema ferroviário, obanco ajudou comonunca fez quando a

empresa ferroviária erapública. Tem sido o

maior aliado das con-cessionárias neste pro-

cesso. Locomotivasvelhas foram trazidaspor essas empresas

com recursos do BNDES.

Ferrovias

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Reflexos da Privatização 21

A malha ferroviária reduziu-se a partirda implantação do modelo neoliberal?

E a frota de máquinas foi modernizada?

Antes da privatização, em 1996, tínhamos 30mil quilômetros de ferrovia, em condições de ope-ração. Treze anos depois, chegamos a 40% daslinhas sem tráfego de trens re-gulares. As primeiras locomo-tivas novas só agora começama ser fabricadas no Brasil e in-corporadas, até então as con-cessionárias importavam mate-rial velho e falavam em moder-nização. Eram locomotivas ve-lhas, com mais de 25 anos,compradas no exterior, a pre-ço de ferro-velho, e trazidaspara o Brasil para serem de-penadas. Em vez da moderni-zação, a idade média do mate-rial rodante aumentou, o quenão é modernização. As últi-mas locomotivas importadas noBrasil datam dos anos 1980,faziam uma média de 25 anosno momento da privatização. Sobe a média, quan-do se incorpora elementos mais velhos, então hou-ve, ao contrário, um envelhecimento do parque delocomotivas. Apesar do discurso de modernização,trouxeram sucatas e limparam pátios do mundo.As concessionárias não entraram nesse negóciopensando em cumprir a função de concessão pú-blica, elas entraram na realidade para explorar,não só otimizando a estrutura pública já existente

das ferrovias, mas inclusive para alavancar dinheirode operações financeiras no Brasil e no exterior.Concessão ferroviária é alavanca para investimen-tos externos. Isso dá um salto quando agrega ca-minhões transformando-se em empresa de logística.Acaba de ser criado um monopólio privado! Emcontrapartida, multiplica a capacidade de receber

mais dinheiro. Se o tamanho damalha reduziu e a velocidadedos trens diminuiu, o sistemaferroviário perdeu capacidadee consequentemente valerá me-nos no fim da concessão. Quemserá responsabilizado pelo pre-juízo causado ao país?

Quais empresas hoje emdia controlam o setor

e os resultadosapresentados?

Estamos limitados a quatroempresas: três grupos privados,são eles a Vale, MRS Logística SA,ALL, e uma única pública que é aFerroeste, no Paraná, que opera

250 km quilômetros de estrada de ferro. Os resultadosnuméricos anunciados pela Agência Nacional deTransportes Terrestres (ANTT) e pelas concessionáriaspara mostrar o sucesso da privatização são totalmentecontraditórios com uma simples inspeção visual de qual-quer leigo, motivo pelos quais os dados oficiais devemser recebidos com suspeitas. Existem várias distorçõesao longo do processo. Por exemplo, não é justo querermostrar que hoje o sistema é melhor, porque a ALL,

Se o tamanho damalha reduziu ea velocidade dostrens diminuiu, o

sistema ferroviárioperdeu capacidadee consequentemente

valerá menos nofim da concessão.

Quem seráresponsabilizado pelo

prejuízo causadoao país?

O CAPITAL privado entrou e não fez os investimentos onde era preciso, o que gerou acidentes e sucateamento da malha ferroviária.

AEN

Ferrovias

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22 Reflexos da Privatização

além da malha sul, pegou um trecho de São Paulo eincorporou mais linhas, vagões e locomotivas. Com-parar com o que tinha antes mostra que cresceu ofaturamento, mas está se comparando sistemas dife-rentes. Além de incorporar novos trechos e frotas, tam-bém há a questão de que, quando passou a ser umaempresa de logística, o rodoviário não foi separadodo ferroviário. Então a ALL di-vulga os resultados da produçãosem dizer o quanto se refere à partetransportada por vagões e porcaminhões separadamente.

Como se dava a concor-rência nos tempos daRFFSA e atualmente

entre os modais?

Havia competição entre o fer-roviário e rodoviário. A RFFSAtinha uma tabela de fretes e o ca-minhão em cima da linha davadescontos para disputar as car-gas. Depois da privatização, omercado dos fretes de transpor-tes disparou. Aquele discurso do BNDES que have-ria redução dos fretes foi balela! O frete ferroviáriodos combustíveis claros aumentou mais de 150%. AAmérica Latina Logística (ALL) incorporou o rodovi-ário, com frota de três mil carretas, criou um impériode transportes, se você não transportar por trem, vaicair também nas mãos dela. Chegou a incorporar opreço dos pedágios rodoviários do Paraná na tabelade fretes ferroviários, numa afronta às autorida-des desse país.

Como está a conjuntura emrelação a acidentes e qual

é o posicionamento dasconcessionárias?

Os números divulgados são oferecidos pelo pró-prio operador. Como tem a meta de reduzir aci-

dentes, fica nas mãos delesmanipular as informações,mas, apesar dessa condiçãoabsurda, até agora não con-seguiram esconder a gravida-de dos acidentes – os de gran-de repercussão caem na im-prensa e fica difícil deixar decolocar na planilha, então es-ses entram nas estatísticas. Aci-dentes de gravidade ‘A’ são ele-va-díssimos. Mais de 40% deacidentes da ALL no relatórioda ANTT são de gravidade ‘A’,com vítimas. Descarrilamentosem pátios de manobras e ter-minais não contam mais depoisda privatização, uma denún-

cia empurrada para debaixo do tapete pelos ór-gãos do governo. Mudaram totalmente o concei-to de acidente ferroviário para beneficiar as con-cessionárias no cumprimento de metas.Abalroamento de veículos em passagens em nívele também atropelamentos deixam de sercontabilizados nas estatísticas.

A privatização influencioua eliminação dos trens

de passageiros?

Antes da privatização, houve um preparo. Fo-ram eliminados todos os subsídios para trens depassageiros, recursos que faziam com que aRFFSA mantivesse os serviços, mesmo economi-camente deficientes, mas de interesse estratégicoou social. Então, para manter a passagem bara-ta, a RFFSA contava com recursos do orçamentofederal para trens de passageiros e manutençãodo tráfego em trechos de baixa densidade de car-gas. Os trens que sobraram foram inviabilizadospelas concessionárias, caso do trem Rio de Ja-neiro - São Paulo, que continuou circulando apósa privatização, até parar de vez. O famoso tremCuritiba/Paranaguá resiste ainda a essa pressão.De Morretes a Paranaguá, o tempo de circula-ção, que era de 50 minutos quando operado pelaRFFSA, hoje chega a até duas horas, limitadopela má condição da linha. Eles deveriam ter pri-oridade na circulação, com respaldo legal, mas

Depois daprivatização, o

mercado dos fretesde transportes

disparou. Aquelediscurso do BNDES

que haveria reduçãodos fretes foi balela!O frete ferroviáriodos combustíveisclaros aumentou

mais de 150%.

PAULO: frete ferroviário dos combustíveis claros subiu mais de 150%

Ferrovias

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Reflexos da Privatização 23

como o trem de passageiros é um concorrente dostrens de carga na linha, e a receita do trem depassageiros não ia para os concessionários, elescomeçaram a criar obstáculos e a atrasar as via-gens. Tanto que acabou com o público alvo, queeram os executivos. Trem de passageiro pode serum limitador do lucro em trechos de alta densida-de de tráfego, mas os contratos de concessão jápreviam a circulação de dois pares de trens depassageiros/dia em cada sentido. O governo fe-deral tem um programa de reativação de trens depassageiros regionais, dentre eles Londrina/Maringá, e vem autorizando a operação de trensturísticos/culturais em alguns ramais pouco usa-dos pelas concessionárias.

A matriz do sistema de transportestem consequências diretas no

tema da soberania energética?

Sim. Se estivermos preocupados com o futurodo planeta, hoje temos que pensar na matriz detransporte, isto porque interfere diretamente namatriz energética que queremos para o nosso país.O segmento de transporte consome 30% da ener-gia do Brasil, e as rodovias queimam 90% do com-bustível usado no transporte. Se nós atacarmos estaalteração da matriz de transporte, aumentando aparticipação de modais menos poluidores, teremosuma matriz energética melhor. É uma conseqüên-cia. Outra questão importante no impacto ambientalé que a implantação de uma ferrovia precisa deuma faixa de doze metros. Uma rodovia com a mes-ma capacidade de escoamento precisa de uma fai-xa de 47 metros, e a rodovia ainda tem umdesmatamento maior causado pelo comércio aolongo das rodovias e novas habitações. Os 47metros se transformam na prática em 150 metrosde devastação. Contrariando a lógica, no Brasil,o clamor para priorizar os modais aquáticos e fer-roviários esbarra em interesses de segmentos eco-nômicos concorrentes e até de interesses externos.O que está acontecendo com as rodovias é queestamos criando “trens sobre rodas”. Começamoscom caminhão, depois caminhão com reboque eagora o “treminhão”, no qual cada carreta é umalocomotiva com três vagões de nove eixos e até 60toneladas. Nossas pontes foram calculadas na dé-cada de 1960 e 1970 para cargas de até 45 tone-ladas, mas o caminhão já passou por 60. E aí?Naquela época não existia tanta tecnologia e oscálculos estruturais eram ainda rústicos, então sem-pre se dava uma margem de segurança grande. Equando você coloca a carga superior ao que foicalculada qualquer leigo pode imaginar o que umdia vai acontecer.

Como está hoje o processo daFerroeste, há uma reversão

da privatização?

A venda, há 15 anos atrás, pelo governo do Es-tado do Paraná do direito de operar a Ferroeste –antes da privatização da malha sul – da RFFSA criouum embrulho, pois o grupo empresarial que ganhoua concessão naquele trecho oeste não levou o res-tante de linhas fundamentais para acesso aos Por-tos e outros destinos. Se a concessionária ALL,arrematante da malha sul, capitaneada pelo GrupoGarantia, tinha demanda reprimida, ou seja, maisoferta de cargas do que consegue transportar, op-tou por priorizar os fluxos de maior rentabilidade,dentre os quais não se enquadram os com origem/destino nas linhas da Ferroeste. A ALL entrou parasócia da concessão estadual. Mas na hora de colo-car a mão no bolso para comprar locomotivas evagões, não se acertaram. A operadora Ferropartornou-se inadimplente e então o governadorRequião retomou judicialmente a concessão,reestatizando a empresa ferroviária do Paraná, quepassou a ser a única operadora pública de trens decargas no Brasil. Esse novo cenário nos transpor-tes do PR recebeu apoio das cooperativas, de diver-sos segmentos produtivos, das entidades de classe,surgindo como uma esperança de alternativa públi-ca de transporte ferroviário. O projeto de expansãoda malha da Ferroeste, com 1200 km de novas li-nhas ligando MS, PR, SC, RS, e ramal para oParaguai, despertou o interesse de todos os gover-nadores da região sul daí surgindo a idéia de cria-ção de uma empresa, a Ferrosul, com participaçãoacionária desses estados. A audaciosa propostaacabou sensibilizando o Governo Federal, que in-cluiu esse projeto nos planos de expansão do siste-ma ferroviário nacional.

INADIMPLENTE, Ferropar é reestatizada pelo Governo

AEN

Ferrovias

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24 Reflexos da Privatização

Neoliberalismo e desempregoO mundo do trabalho pagou caro o efeito das privatizações e da aplicação domodelo neoliberal. No auge da década de 1990, derrotadas as forças popula-

res na Europa, na América Latina e no Brasil, direitos históricos foram retirados dostrabalhadores, tanto nos setores público como também no privado.

Os salários, que entre 1970-79 represen-tavam entre 50,3 a 52% do PIB, estavam reduzidos em 1988 a 38,5% (Dieese).

Ao congelar o salário mínimo de CR$ 42 mil, com umainflação de 25% ao mês, o governo Collor provocou omaior e mais perverso arrocho salarial (extensivo àsaposentadorias e pensões) da história (1).

Entre 1979 e 1989, o setor público no Brasil apre-sentou um crescimento do número de empregos noseu conjunto. Mas este cenário sofre um revés a par-tir da década de 1990, como defende o economistada Unicamp, Marcio Pochmann, em artigo intitulado“Revisão do papel do Estado, privatização e empregono Brasil”. No espaço de uma década, o volume di-reto de empregos no conjunto do setor estatal au-mentou em 229 mil novos postos de trabalho formais,porém mais tarde a revisão do papel do Estado naeconomia causa uma diminuição estimada de 546 milpostos diretos de trabalho, o que configura 43% dospostos de trabalho nas ex-estatais privatizadas.

O desemprego no período neoliberal apresentauma configuração estável e estrutural, com partici-pação de força de trabalho qualificada, de acordo como economista Venâncio de Oliveira. “Segundo dadosdo DIEESE, o desemprego na região metropolitanade São Paulo apresentou uma taxa de 13,2% em 1995e 19% em 2002, enquanto no Distrito Federal estataxa apresentou 15,4% em 1995 e 20,7% em 2002.Observa-se, portanto, tendência de crescimento nasduas regiões metropolitanas durante o governo FHC”,comenta (confira a tabela abaixo).

A relação entre neoliberalismo e mundo do trabalhofoi marcada pela flexibilização do trabalho, achatamentodos salários e desemprego permanente, segundo o eco-nomista. Há, ainda, uma reestruturação que descentralizaos trabalhadores, permite a retirada de setores do espaçoda fábrica para outros locais de trabalho, aumentando oscontratos precários e terceirizados, o que pode ser verifi-cado nos setores de bancários e metalúrgicos. Ademais,hoje, no Brasil, 30% dos trabalhadores no espaço da em-presa são vítimas da rotatividade no emprego.

No Paraná

Nas estatais paranaenses, o efeito do neoliberalismofoi sensível. Tentativas de privatização abriram cami-nhos, pela via dos fatos, para a precarização das condi-ções de trabalho (leia no artigo do diretor-secretário doSenge-PR, Ulisses Kaniak na página 23). A Copel é umexemplo disso, durante o governo Jaime Lerner (1995-2002), quando a companhia estatal é dividida em cincosubsidiárias, mesmo que tenha mantido a centralidadedo controle acionário por parte do Estado. De acordocom a advogada do Senge-PR, Giani Cristina Amorim,o quadro funcional foi reduzido de 9 mil para 5 mil funci-onários, parte das atividades foram terceirizadas, umasituação iniciada pelo Laboratório Central deEletrotécnica e Eletrônica (LAC), da empresa em par-ceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR),que se transformou numa OSCIP, chamada Lactec.

Referência1.Paulo Schilling. Mercosul, integração ou dominação?

Taxa de desemprego (%): regiões metropolitanas do Brasil, 1995 - 2002

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

13,2

15,1

16

18,2

19,3

17,6

17,6

19

10,7

13,1

13,4

15,9

19

16,6

14,9

15,3

-

12,7

13,4

15,9

17,9

17,8

18,3

18,1

-

-

21,6

24,9

27,7

26,6

27,5

27,3

-

-

-

21,6

22,1

20,7

21,1

20,3

15,4

16,7

18,4

19,7

22,1

20,2

20,5

20,7

Ano São Paulo Porto Alegre SalvadorBelo Horizonte

Fonte: Dieese/Seade-PED - Pesquisa de emprego e desemprego. Elaboração própria, médias calculadas pelo Dieese

Recife Distrito Federal

Trabalho

Page 24: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 25

Precarização do trabalho

A interferência das privatizações no mundodo trabalho é assunto que merece um estudo aprofundado, muito além das obser-

vações que faremos aqui. Porém, sem muita preten-são, quero “levantar a lebre” sobre o tema ao com-partilhar com o leitor parte de minha experiência nosetor elétrico e da convivência com trabalhadores deoutros setores que ao longo dos anos têm repassadoalgumas atrocidades cometidas pelas concessionári-as, sob as barbas do Poder Instituído – leia-se Agên-cias Reguladoras.

Vou fazê-lo genericamente, deixando para orodapé exemplos práticos e bem conhecidos por aque-les que vivenciaram as situações.

Tudo começa no período que antecede a negoci-ata. E não me vem nome melhor, para o que ocorre,do que Lavagem Cerebral. A direção da empresaestatal, devidamente escolhida para seguir a cartilhaneoliberal, corta todos os investimentos e institui que“não há como sobreviver no mercado, sem ter a li-berdade da iniciativa privada”. É claro, escorada porum corpo gerencial já catequizado, que promove otreinamento de todo o quadro profissional paraprepará-lo ao “Desafio da Mudança” (1) . Para com-

pletar, o canto da sereia, incluído nos editais de con-corrência: cada trabalhador terá direito a compraruma parte das ações, com deságio de XX%, poden-do revender depois a preço de mercado (2). Fácilassim. Na verdade, B.O. (“bom pra otário”): na mé-dia, só um terço dos trabalhadores sobrevive no em-prego após a privatização. E não há caso conhecidode que o ganho com as ações vendidas seja suficien-te para compensar meses ou anos de desemprego esuas consequências na vida das pessoas.

Uma vez “convencidas” a sociedade e a força detrabalho, é feita a venda. E então o novo dono privadomostra a que veio. Nos primeiros meses, aplica suastécnicas mais apuradas de re-engenharia para promo-ver demissões e corte de benefícios. Como um passede tenebrosa mágica, subtrai-se do trabalhador direi-tos, empregos e até a casa onde sempre morou (3).

Mas e os sindicatos, onde ficam nisso tudo? Bem,muitos deles ficam no bolso do patrão. É claro que, já naprimeira leva, demitem-se todos aqueles que algum diatenham dito um “a” contra a administração da empresa,ou que apenas exerçam influência ideológica sobre seuspares. Normalmente, esses são os sindicalizados. E, seforem da direção sindical, paga-se os direitos e pronto.Desta forma, pode-se enfraquecer o poder dos sindica-tos, inclusive a ponto de montar chapas financiadas pelonovo empregador e “ganhá-los” (4) .

Devidamente instalado o mundo privado dentro daconcessão pública, a “coisa” então segue um ritmocadenciado. A força de trabalho, totalmente desfigura-da, passa a conviver num ambiente amargamente com-petitivo, em que a cabeça de todos está sempre a prê-mio. E qual delas é a próxima a ser cortada independeda competência dos indivíduos. Esta pressão constan-te e o ritmo de trabalho (horas extras excessivas emuitas vezes não pagas) fazem deteriorar a saúde físi-ca e mental e até a relação familiar do trabalhador.

Basicamente, “a necessidade de reduzir custos”é pretexto para qualquer barbaridade. Em especial,para a terceirização, inclusive de serviços ligados àatividade-fim do contrato de concessão. Terceiriza-se até a sindicalização, pois os terceiros são repre-sentados por entidades ligadas a outros setores pro-dutivos, e os acidentes de trabalho, que passam aconstar em estatísticas inapropriadas (5).

Senge-PR Comunicação

ULISSES: privatizações precarizaram condições de trabalho

O diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, Ulisses Kaniak , enge-nheiro eletrônico da Copel, faz uma análise realista sobre o processo de

privatizações e suas consequências cruéis no mundo do trabalho,marcadas por terceirizações e demissões .

Opinião

Page 25: Reflexos das privatizações

26 Reflexos da Privatização

Mas o poder público e as agências, o que fazem?Até agora, têm feito o jogo das privadas. Impedem esta-tais de participar de novos leilões de outras estatais (6),impedem estatais de conseguir financiamentos (7), im-pedem estatais de conseguir novas concessões (8).

Pior: os regulamentos genéricos das concessõessão baseados no funcionamento de empresas priva-das com baixo custeio próprio e alto índice deterceirização (9). Assim, o reflexo ocorre igualmen-te nas empresas não privatizadas. Ou seja, estastêm o direito às benesses das outras vedado, mas osproblemas trabalhistas gerados pelas outras sociali-zados. Por isso, tal qual aquelas, terceirizam eprecarizam seus serviços – tudo em nome damodicidade tarifária.

Essa precarização generalizada elevou em muito onúmero de acidentes de trabalho com vítimas – videquadro (10). Mas a única cobrança do poder concedenteé que a concessionária apresente dados sobre acidentesde trabalho (11). De tudo isso, pode-se chegar à seguin-te conclusão: a privatização é causa da morte e invalidezde trabalhadores no Brasil. Não é brincadeira. É umaquestão que a sociedade e seus representantes nos Po-deres devem avaliar seriamente.

Enquanto não se reverter politicamente, noLegislativo e Executivo, este quadro funesto pintadohá quase duas décadas pela “privataria” desenfrea-da, a luz que se espera ver no fim do túnel pode seracendida pelo Judiciário. A Justiça do Trabalho temmanifestado, em algumas sentenças, decisões con-trárias às demissões em massa (12) e às terceirizaçõesde atividades-fim de contratos de concessão (13).Cabe a nós, representantes de trabalhadores, conhe-cer e divulgar esses dados e promover a discussãoampla com a sociedade para que se possa impedir arepetição dos erros e quem sabe, num futuro não muitodistante, revogar concessões espúrias.

Referência1 Nome literal de um curso que ao menos a Copel “ofertou”

a seus empregados no final da década de 90.2 Conforme Lei das Privatizações, 9491/97, art. 29.3A RFFSA cedia casas , isoladas ou em vilas, a muitas famí-

lias de trabalhadores quefaziam a manutenção daslinhas. De um momentopara outro, as concessio-nárias privadas praticamen-te as expulsaram.

4 Melhor não exemplificar, por aqui, para evitar acusações decalúnia e difamação por algo que é de conhecimento popular. Bastaver como se comportam alguns sindicatos em alguns setores.

5 De acordo com estudo doDieese, intitulado “Terceirizaçãoe morte no trabalho: um olharsobre o setor elétrico brasileiro”,o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho pro-duzido pelos ministérios da previdência e do tra-balho identifica um eletricista que trabalha emempreiteira terceirizada como setor de Constru- ção.

Curiosamente, em dados da Fundação Coge, instituição criada egerida pelas empresas do setor elétrico, tal discrepância nãoacontece.

6 No leilão da CTEEP – Transmissão Paulista – em 2006, aCopel foi impedida de participar.

7 Conforme Lei das Privatizações, 9491/97, art. 27, inc. III.8 A Anatel demorou anos para permitir a oferta de banda

larga pela rede elétrica, interesse de estatais do setor elétricocomo a Copel.

9 As chamadas “empresas de referência” do setor elétrico.10 Outro exemplo de precarização com risco à vida reside no

setor ferroviário, que passou a adotar a monocondução e deixarseus maquinistas sozinhos, sem chance de socorro em caso de malsúbito, além do risco de um trem à deriva em regiões habitadas.

11 Do contrato de concessão da Aneel com as distribuidorasdo setor elétrico: … A Concessionária deverá manter acompa-nhamento dos seguintes indicadores de segurança de trabalho ede suas instalações... Estas informações servirão apenas comoindicadores do grau de excelência dos serviços prestados, nãoimplicando em qualquer tipo de penalidade à Concessionária.

12 Autos nº 20517/1999, da 9ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR. Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Tra-balho que obteve a declaração de nulidades das rescisões de 680funcionários da Brasil Telecom, demitidos coletivamente em 1999.

13 TST; RR - 586341-58.1999.5.18.0001 - Em ação movidapelo Ministério Público do Trabalho, a Celg é condenada emacórdão publicado em 16/10/2009 e recebe prazo de 6 meses paraextinguir terceirização nos serviços de construção e reforma deredes de energia elétrica, sua manutenção de rotina e emergência.

Fonte: Fundaç

ão COGE

Opinião

Page 26: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 27

Dois cavalos de batalha nocampo das privatizações

Privatizações da Eletrobras (1997) e Embratel (1998), nos setores elétrico etelefônico, ganharam a confiança da população no primeiro momento.

Porém, nos dois casos, após a venda das empresas estatais, a lucratividadedas empresas se manteve crescente e as tarifas cada vez mais altas.

O caso da telefonia, principal argumento dos defensores da privatização,possui tarifas iguais para todas as classes da população e um

comprometimento crescente da renda do trabalhador.

A telefonia foi o principal cavalo de batalhausado pelos defensores da política deprivatizações na década de 1990. A força

do argumento baseava-se na eficácia da prestação deserviços e no acesso ao hoje tão comum celular. Tra-ta-se de um setor que parece atingir a sensibilidade dapopulação, a partir do acesso concreto a este serviço.Com o passar do tempo, números e a realidade mos-tram que as conquistas foram aparentes. As tarifasficaram mais altas. “Mesmo no setor que os neoliberaisfestejam, a tarifa do celular no Brasil é a segunda maiscara do mundo, de acordo com a consultoria BernsteinResearch Corporation”, afirmou o economista CarlosLessa, em artigo publicado em 2010.

Saulo de Tarso, do Instituto Reage Brasil (IRB), afirmaque, à época da privatização da telefonia, a Telebrás eraa quinta maior empresa do mundo e hoje está estaciona-da no lugar de número 19 do ranking. Um pouco antesdo leilão, o governo brasileiro investiu no setor um mon-tante da ordem de R$ 22 bilhões, para logo em seguida“entregar” a mesma empresa por R$ 8,8 bilhões de dó-lares, ou seja, apenas 40% do investimento inicial.

A população encarou a multiplicação por sete dastarifas telefônicas, valor que teve como destino a re-messa de lucros pelas concessionárias. Na avaliação deFabiano Camargo, economista do Dieese e do Senge-PR, a propaganda oficial da privatização mostrou-se semlastro na realidade. “O acesso à linha telefônica ficoubarato, mas a receita das empresas aumentou em fun-ção da assinatura”, analisa.

Saulo de Tarso comenta que o modelo de monopó-lio estatal, aplicado em diferentes setores estratégicosantes da década de 1990 (veja ARTIGO sobre o casodo petróleo), deu lugar a uma fragmentação, com acriação das agências reguladoras, o Estado com o pa-pel apenas de fiscalizador e a multiplicação de conces-sionárias. Já o economista Fabio Bueno, da organiza-ção Consulta Popular, analisa que os trabalhadores

assalariados arcam com esta situação. “Em SP, uma as-sinatura básica chega a R$ 40,00, consumindo 8% darenda de uma pessoa que ganha o novo salário mínimo -R$ 510,00 - apenas para ter a linha funcionando), susten-tando a expansão dos celulares pré-pagos”, comenta.

No caso da Energia, indústriaspagam menos que cidadão comum

Antes da privatização do setor elétrico, a taxa de re-torno para as empresas concessionárias era previamentefixada. Após a privatização, em 1997, as tarifas são dife-rentes de acordo com cada região e as operadoras passa-ram a uma lógica de correção própria. “O governo garantiuque eles teriam direito, no mínimo, a aumentar as tarifastodos os anos, de acordo com a inflação”, analisa FabianoCamargo, do Dieese do Paraná – justamente o contráriodo que a televisão garantia ao povo brasileiro. O valor doaumento da tarifa para os todos os níveis de consumido-res, nos últimos dez anos, foi de 30%.

Neste sentido, uma pessoa comum, em média, pagamais pelo serviço de energia elétrica do que os gruposindustriais, em um país com alto potencial hídrico etecnologia no setor hidráulico. De acordo com nota doDieese, “O valor médio da tarifa para o consumidorresidencial era de R$ 294,91, em 2006, e de R$ 207,68,para a classe industrial. Ou seja, a tarifa da classeresidencial estava, ainda, 42% acima da tarifa da clas-se industrial. Essa diferença era de 119,37% em 1997”.

No Brasil de hoje, 1,89% do PIB per capita, medi-do pela paridade de poder de compra, é comprometidocom a tarifa de energia, enquanto em um país como aItália tal percentual é de apenas 0,83%. Já o Canadáalcança 0,18%. “A tarifa residencial média de energiaelétrica brasileira é a mais cara do mundo entre 31países pesquisados pela Agência Internacional de Ener-gia (AIE), em comparação com o poder aquisitivo doshabitantes de cada país”, comenta Fabiano Camargo.

Reportagem Energia e telefonia

Page 27: Reflexos das privatizações

28 Reflexos da Privatização

R$ 22,2 bilhão, pre-ço de venda das teles

R$ 8,8 bilhões, valorpago na privatização(40%)

R$ 6 bilhões deempréstimo viaBNDES

A venda daTelebras

Investimento nasteles por parte dogoverno antes da

privatização7,5 bilhãode reais(1996)

8,5 bilhões dereais (1997)

5 bilhões de reais(primeiro semes-tre de 1998)

Total21 bilhõesde reais

1995. Preparativos para aprivatização: aumentos detarifas de até 150%

1997. Lucratividade da Eletrobrás ex-plodiu para 1,5 bilhão de reais, com200% de avanço sobre os 550 mi-lhões de 1996

Brasil no ranking (preçomédio): 11 lugar nomundo US$ 183,02

Preçomédiopor Mwh

BrasilR$ 324,04 Dinamarca

US$ 323,70

ÍndiaUS$ 42,50

Tarifa residencial -Gasto per capita, sobre

o PIB, em %

Brasil 1,89

França 0,46

Suíça 0,32

Canadá 0,18

Setor de Telefonia

Setor Elétrico

ReportagemEnergia e telefonia

Page 28: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 29

Consequências da privatizaçãono setor de telecomunicações

O marco da privatização das telecomuni-cações brasileiras é junho de 1998, quando o sistema Telebrás foi vendido em um

leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A partirdeste momento, o setor passa a ser comandado pelainiciativa privada. No anúncio daprivatização, dizia-se que os ser-viços de telefonia teriam suas ta-rifas e preços reduzidos. Na prá-tica, sofremos com aumentos ex-pressivos nos últimos anos, somosum dos povos que mais compro-metem renda com serviços de te-lefonia, seja telefonia fixa, celu-lar e até mesmo no acesso à ban-da larga. Só um exemplo: de ju-lho de 1994, logo após a implan-tação do Plano Real, até 11 desetembro 2009 (data da últimaautorização de reajustes de tari-fas pela Anatel), a assinatura bá-sica de telefonia fixa no Paranáapresentou crescimento per-centual de 6.987%, percentualmuito acima de qualquer índice inflacionário. Nestemesmo período o Índice de Preços ao ConsumidorAmplo teve variação de 247,42%, valor atualmentepróximo a R$ 40, que encarece as contas dos consu-midores, principalmente aqueles de menor poder aqui-sitivo, garantindo uma receita fixa cada vez maiorpara as empresas. Os aumentos ocorridos antes daprivatização devem ser considerados na realizaçãodo cálculo, pois havia a intencionalidade de prepararas empresas para serem vendidas.

A União Internacional de Telecomunicações(UIT) divulgou, em março de 2009, estudo que con-tém informações referentes ao comprometimento darenda em diversos países em relação a serviços de

telecomunicações. Segundo a UIT, em 2008 o brasi-leiro comprometia em média 5,9% da sua renda comum pacote básico de telefonia fixa, o que colocava opaís na 113° posição numa escala crescente de custoque avalia 150 países. Portanto, estamos entre as 40

nações de maior comprometi-mento da renda com telefoniafixa, pois temos a 38° tarifa quemais compromete a renda deseus habitantes. A situação pou-co se altera quando tratamos detelefonia celular, ficamos na 114°posição no ranking deste seg-mento, ou o 37° maior compro-metimento da renda com paco-te básico de telefonia móvel. Nocaso da banda larga, a situaçãobrasileira é ligeiramente melhore ficamos na 77 posição, o 74°maior comprometimento de ren-da entre nações. Porém, a dis-ponibilidade e a velocidade ofe-recidas nestes serviços são li-mitadas, muito abaixo do veri-

ficado em outros países. Por isso, nota-se a preocu-pação do governo federal em criar um Plano Nacio-nal de Banda Larga. É preocupante notar que nostrês rankings estamos atrás de nações com perfil eco-nômico semelhante, como é o caso dos Brics (siglaque agrega Brasil, Rússia, Índia e China), e tambémfomos ultrapassados pelos nossos vizinhos Argenti-na, Uruguai, Chile, Venezuela e México. Logo, fica-mos à frente apenas de nações de menor desenvolvi-mento econômico-social, como países africanos, lo-cais onde os serviços de telecomunicações são ex-tremamente atrasados.

Fatores como a péssima distribuição de rendaexistente no Brasil, além dos baixos salários pagos no

Além do aumentodos preços e dastarifas, os usuáriosdos serviços de

telecomunicaçõesconvivem com a

redução da qualidadedos serviços

prestados. As operado-ras de telefonia sãolíderes em reclama-ções nos órgãos de

defesa do consumidor.

“Estamos entre as 40 nações de maior comprometimento da renda comtelefonia fixa, pois temos a 38° tarifa que mais compromete a renda de seus

habitantes. A situação pouco se altera quando tratamos de telefonia celu-lar, ficamos na 114° posição no ranking deste segmento, ou o 37° maior

comprometimento da renda com pacote básico de telefonia móvel”,afirma o economista do Dieese, Fabiano Camargo, em artigo

abaixo, produzido para o Reflexos da Privatização.

Artigo Telecomunicações

Page 29: Reflexos das privatizações

30 Reflexos da Privatização

País e os aumentos expressivos das tarifas dos servi-ços de telefonia fixa fazem com que os brasileiroscomprometam importante parcela da sua renda comestes serviços. No período da ocorrência daprivatização, o brasileiro comprometia em média 2%da sua renda em serviços de telecomunicações,percentual que avançou para 5,3% em dezembro de

USUÁRIO convive com redução de qualidade dos serviços

2009, tendo como base os pesos do IPCA. Os servi-ços e as tarifas do segmento de telecomunicaçõessão cobrados de forma igualitária para toda a popula-ção, independente da renda. Em segmentos comoenergia elétrica e saneamento, há subsídios tarifáriospara as populações mais pobres, facilitando o acessoaos serviços. Logo, há uma evidente dificuldade noacesso aos serviços de telecomunicações por partedos brasileiros que ganham menos.

Além do aumento dos preços e das tarifas, osusuários dos serviços de telecomunicações convivemcom a redução da qualidade dos serviços prestados.As operadoras de telefonia são líderes em reclama-ções nos órgãos de defesa do consumidor. Obser-vam-se milhares de ocorrências de cobrançasindevidas, serviços não prestados ou de má qualida-de, entre outros. Some-se a isso a precarização nascondições no mercado de trabalho dos empregadosdo setor, com a intensificação do ritmo de trabalho,aumento de doenças ocupacionais, bem como quedasignificativa dos rendimentos nos últimos anos e oaumento da terceirização. Podemos concluir que aprivatização no setor de telecomunicações não foibenéfica nem para consumidores, nem para os tra-balhadores, mas apenas para as empresas do seg-mento que, ano após ano, reduzem seus custos e ele-vam seus lucros, em detrimento da qualidade dos ser-viços prestados.

MOBILIZAÇÃO em frente ao Palácio das Telecomunicações marcam a luta paranaense contra a venda da Telebrás

Senge-PR Comunicação

Telecomunicações

Page 30: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 31

O petróleo que não podeescorrer entre os dedos

O Estado brasileiro deteve, durante 44 anos,o monopólio sobre a exploração das reservas petrolíferas e minerais. A quebra do

monopólio foi iniciada em 1995 e selada em 1997, com aLei 9478, a chamada “Lei do Petróleo, assinada no gover-no de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Com a lei, apropriedade de nossos recursos naturais passava às em-presas que o extraíssem do solo, no marco dos chamadoscontratos de concessão, nos quais o Estado é retribuídopor royalties e outros tributos, ou seja, apenas pela rendaindireta desta que é principal commoditie mundial. A lei deFHC abriu o mercado brasileiro para as empresas priva-das e transnacionais, ampliou a participação do mercadono controle acionário da Petrobras e marcou com viésantinacional a situação da exploração no Brasil.

Até então, a Petrobras (BR) era a ferramenta exclusi-va do Estado (detentor de 80% das ações dessa empresamista) para a produção. Criada em 1953, a BR realiza,desde a década de 1970, prospecção em águas ultra-pro-fundas, pesquisa que resultou na descoberta do óleo nacamada pré-sal. O avanço do neoliberalismo, porém, trans-feriu parte considerável do controle da empresa, com avenda de 60% das ações da Petrobras na bolsa de valores– 40% delas na Bolsa de Nova York (Nyse). À época,Fernando Henrique Cardoso (FHC) propôs que a Petrobrasfosse rebatizada como “Petrobrax”. É a partir desta confi-guração que a BR se expande hoje, atuando em 27 paísesdo mundo, e nacionalmente controlando cadeias produtivasinteiras no setor petroquímico, de refino, etc.

No contexto da privatização, trabalhadores daPetrobras sofreram ataques contra os seus direitos, re-primidos na greve de 1995, com o uso da força do exér-cito. Uma derrota que marcou o movimento popular bra-sileiro e deixo saldos negativos para os trabalhadores:em 2008, havia cerca de 260 mil terceirizados e 74 milempregados do quadro própria da empresa. Esta é asua tendência, expandindo contratos terceirizados e dei-xando de lado a primeirização. Neste processo, vemosuma situação semelhante ao que ocorreu com outrossetores estratégicos, como energia, telefonia, etc: a cria-ção de agências reguladoras, elaboradoras dos leilões. Sobcomando da Agência Nacional do Petróleo (ANP), entre

1999 e 2008 foram realizadas 10 rodadas de licitações, sen-do que nove foram finalizadas e uma, a oitava, está suspensapor decisão da justiça. Em nove rodadas efetivamente rea-lizadas, foram leiloados 745 blocos para exploração.

Neste momento a “Lei do Petróleo” coloca o paísnuma situação anacrônica. Mostra-se fora da atual con-juntura, pois esbarra na seguinte realidade: no mundo,77% das reservas de petróleo estão sob controle erecuperação dos estados nacionais, do Oriente Médioà América Latina. Historicamente, as transnacionaisdo ramo vêm perdendo o controle das reservas e ospaíses fornecedores de petróleo passaram a nacionali-zar os hidrocarbonetos. Frente a este cenário, astransnacionais petrolíferas buscam então garantir aoferta e circulação de óleo no mercado mundial. Estatensão entre controle nacional e imposição do merca-do permanece viva, muitas vezes resolvendo-se nocampo da ocupação militar.

Em 1973, a disputa entre governos e países for-necedores e potrências industriais consumidoras re-sultou o chamado “Choque do Petróleo”.

Janela histórica: oportunidadesdependem de articulação social

A conquista do monopólio estatal, o controle sobreas reservas petrolíferas, respondeu a uma conjunturahistórica de planejamento estatal e, sobretudo, à pressão

Prejuízos do atual marco regulatório

Fonte: Os Desafios do Pré-Sal, Brasília, 2009. Cadernos de Altos Estudos.

No Brasil, 47 por cento da receita operacional líquida daPetrobrás vai para os cofres públicos. Porém, num parado-xo maior ainda, quando o petróleo é exportado, desconta-do os impostos, a participação governamental é de tão so-mente 23 por cento. No mundo, os países exportadoresrecebem em média 84% da participação, e os países daOPEP recebem 90%. Nos países abaixo, o Estado tem aseguinte participação na receita do petróleo:

Inglaterra: 50% Rússia: 70% Noruega: 77%

A apropriação, o planejamento do Estado sobre o recurso, os leilões de áreasainda não mensuradas e o investimento nas carências da população brasileira

traduzem a necessidade de mobilização das forças progressistas para que a novadescoberta não seja apenas uma ilusão passageira. Artigo de Ronaldo Pagotto*

Artigo Opinião

Page 31: Reflexos das privatizações

32 Reflexos da Privatização

de um dos principais movimentos cívicos da história doBrasil, a Campanha ‘O Petróleo é Nosso’, com oenvolvimento de estudantes, setores nacionalistas, mo-vimentos sociais e partidos, realizada entre 1947 até 1953,resultando na criação da Petrobrás e da lei que garantiao monopólio estatal.

A atual descoberta do pré-sal coloca o país em umnovo patamar de produção e de inserção na geopolíticamundial. Estimativas apontam que o Brasil deve se tor-nar o sexto do mundo em reservas provadas, uma vezque podem alcançar de 50 até 300 bilhões de barris. Sesomarmos nossas reservas provadas com todo o petró-leo produzido de 1953 até 2008 (sem o pré-sal) chega-mos ao volume de 24,9 bilhões de barris de petróleo.Assim, em relação ao total do petróleo descoberto des-de 1953, as novas reservas estimadas do pré-sal são, nomínimo, 3,2 vezes maiores. Infelizmente, entre as des-cobertas, cerca 29% da área do pré-sal já foi licitado, oque se traduz em 41,8 mil quilômetros quadrados sobcontrole privado.E ainda não há um estudo definitivopara mensurar a totalidade do óleo desta gigantesca re-serva. Uma comprovação até o momento não é de sedesprezar: a extração é segura e o óleo de qualidade.

O projeto de lei encaminhado pelo governo Lulaao Congresso representa um passo em comparaçãoà famigerada “Lei do Petróleo” de FHC. Porém, ain-da é preciso uma comoção social para exigir opercentual a ser apropriado pelo Estado em cadaconsórcio petrolífero. Este ponto segue em aberto noprojeto de lei. Podemos avançar na direção de umcontrole popular e soberano de nossas reservas, ouver a camada pré-sal literalmente fatiada pelos inte-resses das classes dominantes.

Os projetos governamentais são voltados para as áre-as do pré-sal especificamente e avançam em três dimen-sões: gestão do petróleo, operação da produção e maiorapropriação e distribuição da renda. O contrato de parti-lha é mais avançado do que o atual de concessões (que semantém para as áreas fora do pré-sal); a criação do Fun-do Social é uma bandeira pautada pelos setores populares

(embora o volume de recursos, a especificação do seudestino, sua gestão, etc. ainda estejam incertos); e a cria-ção da nova empresa, a Petro-sal, é uma medida contin-gente para a gestão do contrato de partilha. A definição daPetrobras como operadora exclusiva é outro aspecto im-portante. A empresa tem direito a uma porcentagem mí-nima, de 30% em cada consórcio, ou a totalidade no casodas áreas consideradas estratégicas.

Um complemento indispensável seria o estabeleci-mento de cota sob o controle do Estado brasileiro paracada área explorada. Os aspectos antipopulares do proje-to do governo são a manutenção das áreas do pré-sal, etambém nas áreas em solo, leiloadas sobre o regime deconcessão (29% do pré-sal), somada à falta de definiçãode qual seria o percentual mínimo da partilha, e também aorientação política da Petrobrás, agindo como transnacionalem outros países, fruto da sua configuração acionária des-favorável. Quanto ao Fundo Social, há poucas definiçõessobre seu destino, mas é preciso atenção para que sejainvestido nas necessidades históricas do povo brasileiro, enão fatiado na pequena política do Congresso Nacional.

O tema está em aberto, só o debate na sociedadepode garantir um avanço. As forças progressistas de-vem chamar para si a responsabilidade, uma vez que aatenção da mídia corporativa tem sido focada em ques-tões menores, tais como a renda indireta da exploração(sobretudo os royalties, de acordo com as disputas entreestados produtores e não-produtores), além doquestionamento da operação preferencial da Petrobras,colocando em xeque a capacidade da BR em logística,em nome do mercado mundial. Esta é uma forma deocultar o real conteúdo dos projetos e os problemas emjogo, abrindo espaço para dilapidar as medidas minima-mente populares do projeto. Este é problema: Ainda nãochegamos ao monopólio estatal de Vargas. E os setoresprivatistas querem retornar à lei de FHC.

Em um primeiro momento, o tema ambiental nãopermitiu que uma diversidade de setores sociais, comu-nidades de base da Igreja progressista e ativistas tomas-sem parte no debate e na campanha dos movimentossociais, receosos do aprofundamento dos riscosambientais desta matriz energética poluente. É precisolembrar que o investimento na indústria petroquímica,para evitar a queima de óleo bruto, e o investimento emnovas matrizes energéticas a partir de recursos do pré-sal são bandeiras da campanha dos movimentos sociais.Não podemos esquecer: sem o controle político da pro-dução e ritmo do petróleo, nada será alterado e o restan-te da camada pré-sal continuará fatiado em leilões, como óleo destinado para exportação e a simples queima decombustível. A opção de dar as costas ao tema não estácolocada no plano real. Portanto, lutamos pelo petróleo,sob controle do Estado, para acelerar sua substituiçãocomo fonte de energia e gestar toda sua cadeia produti-va, de acordo com os interesses da população.* Membro da campanha O Petróleo Tem Que Ser NossoA OPÇÃO de dar as costas ao tema não está colocada no plano real

Opinião

Page 32: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 33

Privatização da reserva mineral:um vale de mentiras

Vale do Rio Doce

BARRACA na Boca Maldita, em Curitiba, concentrou grande porcentagem de votos dos Curitibanos

Senge-PR Comunicação

Privatização da Companhia Vale do Rio Doce foi um dos maioresescândalos de toda a história republicana brasileira. Valor da empresaera incalculável, mas foi entregue ao capital privado por valor irrisório.

O dia 6 de maio de 1997 marca um doscapítulos mais tristes da história recentedo Brasil. Nessa data, na sede da Bolsa

de Valores do Rio de Janeiro, o Consórcio Brasil (li-derado pela Companhia Siderúrgica Nacional, doempresário Benjamin Steinbruch) adquiriu por 3,3 bi-lhões de dólares o controle acionário da CompanhiaVale do Rio Doce (CVRD). Na época, a Vale era asegunda maior mineradora do mundo e a maior em-presa de economia mista do Brasil. Um desmanchecriminoso do patrimônio do povo brasileiro, que ten-tou impedir de diversas formas a venda da compa-nhia. No dia do leilão, que ficou interrompido por maisde cinco horas, por causa de duas liminares da Justi-

ça Federal, aproximadamente 5 mil pessoas protes-tavam em frente à sede da bolsa contra a venda daempresa e foram agredidas pela polícia militar do Riode Janeiro. No fim do dia o governo conseguiu cas-sar as liminares e às 17h47min foi batido o martelo.O hino nacional foi executado após o pregão e sooucomo uma marcha fúnebre.

Para se ter uma ideia do baixo valor pago pelasações da empresa, em 2006, o então diretor financei-ro da Vale, Fábio Barbosa, afirmou que a Vale tinha àépoca valor estimado de US$ 40 bilhões, ou seja, cer-ca de R$ 72 bilhões. Em 2006, o lucro da empresa jáera quase quatro vezes o valor pela qual foi vendida,ou seja, R$ 12,5 bilhões. Uma das maiores polêmicas

Page 33: Reflexos das privatizações

34 Reflexos da Privatização

Vale do Rio Doce

acerca da venda da Vale envolve a cotação realizadapela corretora norte americana Merrill Lynch, que aavaliou a empresa em R$ 10 bilhões. A corretora foiacusada de subavaliar jazidas e o conjunto do com-plexo industrial da empresa, com patrimônio superiora R$ 100 bilhões.

Ações populares

Logo após a venda, inúmeras entidades da socie-dade civil entraram com ações populares contra aprivatização da Vale. Porém, tais ações, em decisãode primeira instância, haviam sido extintas pelo juiz fe-deral Francisco de Assis Gardês Castro Junior, de Belém(PA), que alegou que a venda da empresa já produziraefeitos e que, se desfeitos, resultariam um desastre.

Existem pelo menos cem ações judiciais que con-testam o leilão da venda da CVRD. A ex-deputadaparanaense e presidente do Instituto Reage Brasil,Clair da Flora Martins, autora de uma destas ações,juntamente com Hasiel da Silva Pereira Filho, diz que“os critérios de avaliação da CRVD restringiram-se,na época, ao valor das ações da empresa no merca-do, sem observar o valor patrimonial do complexoempresarial e de todos os direitos de lavra de minéri-os, correspondente a cerca de 240 mil quilômetrosquadrados”. Segundo Clair, a empresa escolhida parafazer o modelo de avaliação da Vale, a Merril Linch,vendia ações de uma corretora anglo-americana con-corrente da Vale.

Figuram como réus da ação proposta pela ex-de-putada e pelo ex-vereador a União Federal, tendocomo procuradora Helia Maria de Oliveira Bettero, oex-presidente da República, Fernando Henrique Car-doso, o ex-Ministro de Minas e Energia, Raimundo

Brito, o ex-Ministro do Planejamento, Antônio Kandir,o ex-presidente do BNDES, Luis Carlos Mendonçade Barros e o ex-presidente da Vale do Rio DoceFrancisco Schettino.

Plebiscito Popular:luta do povo pela

reestatização da Vale

Em setembro de 2007, foi realizado, em todos osestados brasileiros e em todas as regiões do Paraná, umplebiscito popular, processo de discussão que possibili-tou um raio x do Brasil. Quando se fala que a Vale eraavaliada em 96 bilhões e foi vendida por pouco mais detrês bilhões de reais, na verdade não houve nenhum in-vestimento, pois com a mesma estrutura dos tempos deestatal, seu lucro cresce exponencialmente. As reser-vas existentes perduram por 400 anos. Se continuar noatual ritmo, o ganho estimado é de oito trilhões, impressi-onantemente superior aos 92 bilhões de reais.

Para o diretor do Senge-PR, Antônio CésarQuevedo Goular, que participou ativamente do plebis-cito, o que difere o cenário atual em relação à Vale deantes é uma demanda mundial muito aquecida por mi-nérios de ferro, puxada pelo crescimento colossal daChina e da Índia. “Isto que poderia ser o instrumentoimportante de financiamento das políticas públicas setransforma em enriquecimento criminoso por parte doscapitalistas, em especial estrangeiros”, afirma Goulart.PLEBISCITO contou com visitas a igrejas, escolas e bairros

Senge-PR Comunicação

Senge-PR Comunicação

NO SENGE-PR, engenheiros participaram das votações

Page 34: Reflexos das privatizações

Reflexos da Privatização 35

Vale do Rio Doce

Mito a quebrar

“É preciso desmitificar uma questão: a Vale sem-pre foi lucrativa. Eis o fato. A mudança está no con-sumo exacerbado dos últimos tempos e no preço dosminérios, que aumentou. Nenhum país em sã consci-ência abre mão do controle de 240 mil km de subsolo,quase o tamanho do estado de São Paulo”, criticaGoulart. De acordo com ele, trata-se de um territórioque contém uma rica variedade de minérios, algunsque existem quase que exclusivamente no Brasil,como é o caso do nióbio. O Brasil detém 90% dareserva mundial de nióbio, usado na construção desemicondutores dos setores de informática, eletrôni-ca, digital, telemático e de automação.

Desinformação eum grande silêncio

“A reação mais lógica diante do leilão da Vale seriaa indignação. Por isso, é lamentável que adesinformação ainda permita que grande parte da po-pulação aplauda e se deslumbre com o seu lucro anun-

ciado. O que seria motivo de condenação, é visto pormuitos como mérito”, analisa Goulart. A aparente omis-são da imprensa traz consigo um posicionamento pro-fundamente ideológico e crivado de interesses. O po-der econômico da Vale não só comprou a grande im-prensa mas foi além: influenciou até mesmo segmen-tos históricos aliados das lutas populares.

O plebiscito

De acordo com o diretor do Senge-PR, a campanhapela reestatização da Vale foi organizada durante umano e somente na véspera, no processo final do trabalho,a imprensa reconheceu o plebiscito atacando-o, porém,violentamente. “Por quê? Porque o plebiscito tratavadas questões centrais do país”, critica Goulart.

“Em 2002, com seus dez milhões de votos, o ple-biscito que tratava da Área de Livre Comércio dasAméricas (Alca) foi a peça política mais importantepara a queda da Alca, segundo a reunião dos movi-mentos sociais de 34 países, em Mar Del Plata (mar-ço de 2006). Portanto, o plebiscito da Vale, em 2007,não foi uma corrida de cem metros rasos. Sim uma

Senge-PR Comunicação

OS DIRETORES do Senge-PR, Antônio César Quevedo Goulart (esq) e Ulisses Kaniak, em 2007

Page 35: Reflexos das privatizações

36 Reflexos da Privatização

Vale do Rio Doce

A militância nosdias atuais é tímida.

Os recursos sãoescassos. Mas nem

toda esta dificuldadeé de tirar o ânimo por-que com toda a con-vicção carregamos abandeira da luta justa,da luta pela dignida-de, pelo resgate de

um patrimônio que édo povo.

maratona, porque concomitantemente à luta da Vale,a Alca continua a merecer nossa atenção.

De fato, o império america-no, na fase atual, usa duas es-tratégias combinadas para reto-mada da Alca. A primeira sãoos chamados TLCs (Tratados deLivre Comércio) bilaterais. Osegundo elemento estratégico éa Iirsa (Iniciativa de IntegraçãoRegional da América do Sul), queé essencialmente uma integra-ção de infra-estrutura, em trans-porte, energia e telecomunica-ções”, analisa Goulart.

Mobilizaçãono Paraná

No Paraná, durante os deba-tes feitos nas escolas, nas comunidades, nas igrejas,os jovens paranaenses deram a certeza de que a gran-

de maioria, em especial nas áreas mais periféricasdas cidades, onde mais faltam as políticas públicas,

nos locais mais carentes, está acompreensão do processo demo-crático de forma mais realista esensível. “É verdade que estacampanha foi mesmo difícil, poisatravessamos, diferentemente doresto da América Latina, umperíodo de descenso de massa.

A militância nos dias atuais étímida. Os recursos são escas-sos. Mas nem toda esta dificul-dade é de tirar o ânimo porquecom toda a convicção carrega-mos a bandeira da luta justa, daluta pela dignidade, pelo resgatede um patrimônio que é do povo.E se queremos ser uma naçãodona do nosso destino, sobera-na, autônoma e equitativa, temos

de lutar para que as riquezas brasileiras sejam maisbem repartidas entre todos”, avalia Goulart.

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DEFESA pela reestatização da Vale foi defendida no Grito dos Excluídos, evento anual realizado por entidades civís e pela população

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Copel: dez anos deuma encruzilhada da história

Algumas expressões da luta pelo controlesocial da energia, da água e dos recursosnaturais e energéticos marcaram a Histó-

ria recente da América Latina. Em janeiro de 2000, nacidade boliviana de Cochabamba, o movimento demassas retomou o controle municipal da empresa deágua. Foi a primeira reestatização conduzida pela po-pulação no continente. Um caso clássico, gritante: atransnacional estadunidense Bechtel detinha a propri-edade até da água da chuva que a população guarda-va em cisternas. Ainda assim, no restante do continen-te, a regra é outra e o setor energético é fragmentadoentre corporações transnacionais. Na Califórnia(EUA), por exemplo, 23 das 30 concessionárias deenergia foram privatizadas, com o conseqüentesurgimento de “apagões” e prejuízos.

No Paraná, o ano de 2001 foi marcado por umprocesso de mobilização popular contra o leilão deprivatização da Companhia de Energia Elétrica doParaná (Copel). A principal companhia de capitalmisto do Paraná, criada em 1954, foi objeto de umalei de privatização para a venda do seu controleacionário, pertencente ao governo do Paraná. Amobilização está na memória de quem vivenciou aque-les dias. “Todos tinham um objetivo claro: trabalhar aomáximo para evitar a privatização. As organizaçõesse uniam para o dia a dia. Eu pedia ajuda ao escritórioe ficava disponível 24 horas para estas questões. Mui-tos saíram das suas atividades naquele período, ligadosao Senge e ao Crea. Tivemos ganhos históricos, mos-tramos a força de uma bandeira única”.

A reflexão é da advogada trabalhista Giani Amorim,quem acompanhou a tramitação do Projeto de IniciativaPopular na Assembleia Legislativa, e, mais tarde, as seisações específicas propostas pelo Sindicato dos Enge-nheiros (Senge) e pelo Crea-PR, dentre as mais de cem

ações populares propostas no estado. O argumento dosdefensores da privatização da Copel, de acordo comela, foi baseado “na ideia do Estado ineficaz, tanto doponto de vista de atendimento e do mercado, para jogarao mercado todo e qualquer serviço”, diz.

O preparativo da privatização teve pontos em co-mum com a metodologia aplicada no restante do país:endividamento e precarização das empresas antes dosleilões, subavaliação do patrimônio na hora da venda,flexibilização de leis trabalhistas dos funcionários.

Começo do fim

De início, antes dos anos 2000, a privatização daCopel recaiu sobre setores específicos da compa-nhia. Uma reestruturação do modelo da empresa. “Oprimeiro aspecto mexido na empresa foram os labo-ratórios, a justificativa era pela ineficácia do trabalhoe dos resultados e, em segundo lugar, a rentabilidade.

A desvinculação dos laboratórios da Copel resultouem torno de 180 ações trabalhistas, até hoje não soluci-onadas. “Foi uma doação de patrimônio, o quadro pes-soal foi demitido pelos laboratórios”, comenta Giani Amorim.

SÉRGIO: a luta não seria corporativista, e sim de convencimento

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No Paraná, 2001 foi marcado por um processo de mobilização popularcontra o leilão de privatização da Companhia de Energia Elétrica do

Paraná (Copel), criada em 1954, e objeto de lei de privatização para avenda de controle acionário, pertencente Estado.

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Mas entre pesquisa e rentabilidade não há uma fina-lidade imediata”, critica Giani, defendendo os labora-tórios leiloados, formados no início da década de 70,antigas parcerias entre a Copel e a Universidade Fe-deral do Paraná (UFPR): “São laboratórios criadoscom finalidade de fomento, não só da empresa, mastambém de mercado, no Paraná e Brasil, com pes-quisa e produtos que permearam todo o setor. A fina-lidade era de pesquisar e contribuir com a formaçãode profissionais, por isso o convênio com a UFPR,que entrava com professores doutores e a Copel en-trava com custeio dos laboratórios”, explica.

Por meio da chamada “operação desmonte”, leva-da a cabo antes de 2001, a Copel apresenta-se no for-mato de holding, desmembrada em cinco unidades de

negócios. São as chamadas “subsidiárias”. Até hoje, aempresa está dividida deste modo, embora a adminis-tração seja centralizada sob controle do Estado. Aindaem 1996, o controle das ações ordinárias (ação compoder de voto) pelo Estado atingia 93% das ações, aopasso que atualmente apenas 58,3%.

Na avaliação do diretor-secretário do Senge,Ulisses Kaniak, este foi o processo de preparação parajustificar a venda da estatal, iniciada desde que IngoHubert assumiu o posto de comando da empresa, em1995, no governo Jaime Lerner. Desmembrada a em-presa, as portas estavam abertas para a privatização.Entre as empresas concorrentes ao leilão, apresenta-ram-se grupos americanos, espanhóis e belgas, e tam-bém nacionais como Votorantim, Bradesco e Vicunha.

Do interior para Curitiba:nasce um movimento

O anúncio da privatização da Copel foi dado pelogovernador Jaime Lerner no início de 2001, às vés-peras do primeiro Fórum Social Mundial (FSM), ondeo tema da privatização da Copel foi pautado. A partirdaí, foi articulado o trabalho com outros estados queenfrentavam o mesmo processo, a exemplo da Com-panhia Energética de São Paulo (Cesp). Esta articu-lação por parte do Senge-PR recebeu também umamoção de apoio do ‘Forum pelo direito à energia’, emBuenos Aires (ARG), onde a questão foi debatida.

O engenheiro eletricista e diretor do Senge-PR,Sérgio Inácio Gomes, de Maringá, recorda que amobilização em torno da Copel foi pautada primeirono interior, até ganhar corpo na capital. As duas pri-meiras audiências públicas aconteceram em Londri-na e logo em Maringá. No primeiro semestre de 2001,definiu-se o caráter do debate com a população: “Emreunião entre sindicatos da base eletricitária, defini-mos que a luta não seria corporativista, mas um tra-balho de convencimento, por meio de audiências pú-blicas. Foi uma pauta que agregou um amplo lequede setores, em um ano eleitoral, quando a direita sedividiu”, pontua.

Kaniak comenta que a gama de setores da socie-dade que se posicionou contra a venda da empresafoi extensa. A facção política do governador à época,Jaime Lerner, ficou isolada, com reflexos eleitoraisapós o período. Isto porque mesmo deputados con-servadores cederam à mobilização – naquele momen-to. “Os políticos fizeram pesquisas, souberam que 93%da população eram contra a venda da empresa. Emoutras gestões, deputados tinham alienado as açõesda empresa, e logo depois disseram que eram contraa venda. Durante todo o processo de votação, queacabou sendo fraudulenta, teve troca de posições noplenário, deputados que tiveram pressão popular nascidades do interior, as pessoas foram em frente às casasO MOVIMENTO se organizou do interior para a capital

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Por meio da chama-da “operação des-monte”, levada a

cabo antes de 2001, aCopel apresenta-se no

formato de holding.São as chamadas

“subsidiárias”. Até hoje,a empresa está dividi-da deste modo, em-bora a administraçãoseja centralizada sobcontrole do Estado.

dos parlamentares. E eles cederam”, comenta Kaniak.A participação do movimento estudantil trouxe massa

e fôlego para as mobilizações da-quele ano. Os sindicatos construí-ram o “Fórum contra a privatizaçãoda Copel”. A ocupação da As-sembleia Legislativa, no dia 15 deagosto, pode ser considerada o pontoculminante de um movimento queagregou 400 entidades. “Foi umaluta política que agregou diversas en-tidades. Ressalto a adesão do Crea,com toda a sua força, que pela pri-meira vez se mostrou mais próximode uma discussão da sociedade.Como uma das forças da socieda-de que integra o Crea, o Senge teveparticipação nesta aproximação”,comenta Kaniak.

Em meio a uma época de pou-cas mobilizações sociais e políti-cas no Brasil, como se explica a reação à privatizaçãoda empresa? “O que houve são bandeiras, houve umagrande mobilização, mas ainda não tão acirrada assim.Estavam na mobilização as lideranças e organizações.A população, por sua vez, se manifestou no Projeto deIniciativa Popular, mas ainda de maneira tímida, nãohouve grande mobilização e embate. Ainda que maiordo que vemos hoje. O que houve é que as organiza-ções estavam unidas. Tendo uma bandeira, consegui-mos aglutinar todas as organizações”, diz Giani Amorim.

Forte apelo

Para Ulisses Kaniak, a mobilização foi um dos prin-cipais fatores para a privatização não ter acontecido,além da conjuntura mundial de retirada de peso do mer-cado acionário dos leilões e da própria configuração daCopel. “De certa forma é sui generis o caso da Copel.Devido à relação entre população e empresa, é a mai-or do Estado. Sempre foi a menina dos olhos dos go-vernos que passaram, e havia um respeito grande pelopróprio empregado da Copel nas cidades pequenas, nafigura do plantonista da Copel. No momento em que ogoverno tenta tirar isto das mãos do povo e do Estado,as pessoas se opuseram”, diz.

O engenheiro encontra na eficiência da empresaum dos fatores que geraram um fato político. “A Copelajudou a industrializar o Estado, assumiu a questãoda energia, usinas, vias de transmissão e distribuição,pessoas viram o Estado crescer junto com a Copel,tanto que até o setor industrial se incomodou tam-bém. A Copel já possuía excelência e as tarifas nun-ca foram exageradas em comparação com o país”,afirma. Hoje, de acordo com ele, está entre as maisbaratas, devido ao fato de não ter sido privatizada.

Os espaços de articulação entre a sociedade civilnão se fecharam por completo, desde aquela época.

Um exemplo disso foi a organi-zação do Fórum Popular contrao Pedágio.

Kaniak enumera que o setorelétrico brasileiro hoje apresentacontradições que devem conti-nuar em debate e mobilização.“A Aneel não é entidadeconfiável, tem na sua formaçãoprincipalmente representantes deempresas privadas – que con-trolam hoje o setor. Este esque-ma não foi quebrado. Além dis-so, a Copel tentou participar doleilão da Companhia de Trans-missão Elétrica Paulista (Cteep),e não pôde participar por ser umaestatal”, diz.

2001: um ano agitadoJaneiro a junho. Debates nas cidades, articulações e fóruns

intersindicais são realizados no Paraná, em articulação com ou-tros estados, sobre o tema da Copel. Categorias ligadas à ques-tão de energia buscam um debate político com a sociedade emaudiências públicas.

Abril e junho. Formação do “Fórum Popular contra avenda da Copel”, para pressionar a Assembleia Legislativa,com grande mobilização em junho. No interior, deputados sedeparavam com os manifestantes em frente às suas casas.

11 de junho. Grande mobilização para entrega do Proje-to de Iniciativa Popular.

Nos dias 14 e 15 de agosto, sindicalistas, militantes sociais,estudantes, seguiram a sessão mais longa já realizada na AssembleiaLegislativa, com duração de 22 horas. A seção foi suspensa a partirda ocupação dos estudantes e do movimento social.

Cinco dias depois, um jogo acirrado: frente ao empatede 26 a 26 votos, o Projeto de Iniciativa Popular foi reprovadocom o voto de minerva do presidente da Assembleia, deputadoHermas Brandão. Na contramão de 93% do povo paranaense.

Setembro. Descobertas irregularidades e contratos de ga-veta, como no caso da empresa Tradener, o que comprometia ofuturo comprador, que não poderia romper o contrato. No casoda Escoeletric, se a empresa compradora quisesse rescindir oscontratos, a multa seria de R$ 18,75 milhões, embora o valor decompra fosse à época R$ 13,2 milhões.

18 de dezembro. O governo do Paraná fica impedido dereiniciar o leilão da empresa. A suspensão do processo licitatório foideterminada pelo desembargador federal Edgard Lippmann Jr.,que considerou o processo de venda da estatal “carregado devícios formais”, como fraude nos critérios de avaliação que terialevado ao subfaturamento do preço da Copel.

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Projeto de Iniciativa Popular:a primeira experiência brasileira

Na ótica da advogada do Senge-PR, Giani Amorim,a luta da Copel inaugurou uma ferramenta: o Projetode Lei de Iniciativa Popular, iniciativa da sociedade ci-vil que coletou 137 mil e 700 assinaturas, 2% do eleito-rado à época, recolhida em mais de 150 cidades doParaná. Foi a primeira experiência do gênero no país,levada a voto institucional. Nos relatos da época, asociedade participou do debate por meio do abaixo-assinado que validou o projeto. Parte das pessoas queparticiparam dos debates vinham das comunidades debase da Igreja. Sua presença foi decisiva. Os protes-tos de rua contavam com setores e entidades sociaisorganizadas. Já o abaixo-assinado converteu-se em ummecanismo de contato com a população comum.

Em um primeiro momento, todo o esforço e acom-panhamento se concentrou no Projeto. Porém, umavez aprovada a lei de privatização, a disputa e pres-são política também se refletiu no campo jurídico. “Osprocessos foram formatados como ação popular, emum único modelo, distribuído no interior do Paraná.Foram mais de 100 ações populares. Existiram tam-bém ações específicas, mais pontuais, como, porexemplo, as seis ações do Senge. Tivemos trêsliminares, enfocando os preços irrisórios de venda”,explica Giani.

O conteúdo dos processos toca no ponto já visto

neste Caderno das privatizações: a subavaliação dopatrimônio da empresa estatal. O foco dos juristas doSenge-PR e do Crea-PR sobre o preço abaixo doreal valor do patrimônio da empresa. Inácio comenta

GIANI: Projeto de Iniciativa Popular barrou processo de venda

MOBILIZAÇÃO da população foi fundamental na luta contra a privatização da Copel

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“A sua Copel do futuro”, frasecolocada em velas, distribuídaspelo Senge-PR

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que o preço da venda da Copel refletiu somente “20%dos recursos necessários para comprar as instala-ções da Copel, sem contar o valor estipulado nos di-reitos de concessão, que vale mais do que as instala-ções”, diz. O cenário também foi antecedido por cor-tes nos investimentos. O gasto com expansão da ofer-ta de energia caiu de R$ 16 bilhões em 1987, paraapenas R$ 3 bi no ano 2000.

Não só a subavaliação e o chamado “fluxo decaixa descontado” são apontados por especialistascomo os elementos decisivos no tabuleiro daprivatização da Copel. A empresa possuía um passi-vo, na forma de contratos fraudulentos, assinadosdesde antes de 2001, como no caso da empresaTradener, quando a compradora arcaria com a multada rescisão de contrato. Com isso, possíveis compra-dores ficaram descontentes.

De acordo com Giani Amorim, os advogados doSenge e Crea traçaram a estratégia junto à QuartaTurma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Re-gião, uma vez que o caso não era apenas estadual,isto porque agência governamental (Aneel) regulavaa privatização. “Em determinado momento, o tribunaldecidiu interromper o processo de privatização, atéhaver a sentença de todas as ações judiciais. Fato éque se interrompe o processo, porque havia centenasde questionamentos no estado do Paraná, havia umProjeto de Iniciativa Popular”, reflete.

Movimento de resistênciaem outras empresas: Sanepar

O marco inicial da política de privatização no se-tor de saneamento se estabeleceu em janeiro de 2005,quando o presidente Fernando Henrique Cardoso, noseu primeiro mês de mandato, vetou o PL 199/93.Esse Projeto de Lei representava o anseio e o con-senso de muitos segmentos que atuam no saneamen-to e que discutiam democraticamente há vários anos.Esse veto associou-se a um período de poucos recur-sos financiados e a fundo perdido, seguindo políticasmonetárias do FMI, sedimentando as bases para oprojeto de eficiência e necessidade de gestão pelainiciativa privada. Essa tentativa aconteceu em todosos setores ligados a infra-estrutura. “A resistência dosfuncionários da Sanepar não teve o mesmo caminhoda Copel. Houve manifestação das lideranças, oSenge organizou e participou de manifestações na“Boca Maldita” e na Assembléia Legislativa. Avalioque, além das manifestações das entidades sindicais,a grande manifestação dos funcionários foi na gestãoe na manutenção de serviços públicos de qualidade”,comenta Edgar Faust Filho, da direção do Senge-PR,sobre a tentativa de privatização da Sanepar e dosaneamento no Brasil e no Paraná.