Reflexos sociais das organizações em rede

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REFLEXOS SOCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES EM REDE Arie Storch Ana Claudia Niedhardt Capella PET Administração Pública Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras Araraquara

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Introdução: As organizações em rede são abordadas neste artigo à luz da abordagem sistêmica da administração e do modelo proposto por Katz e Kahn (1970). Objetivos: O presente trabalho tem como propósito apresentar o modelo de organizações em rede abordado por autores como Castells (1999), Capra (1982) e outros, e suas conseqüências para a organização do Estado.Metodologia: Revisão bibliográfica sobre o assunto e posterior análise de casos de organizações estatais e sociais, como Organizações Não Governamentais (ONGs). Resultados: A pesquisa ainda se encontra em andamento, contudo nota-se grande aceitação da estrutura em rede em ONGs por permitir maior flexibilidade na atuação.Conclusões: Podemos concluir que a organização em rede é uma tendência das organizações modernas e que o Estado está passando por mudanças para se adequar às alterações da sociedade civil.

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REFLEXOS SOCIAIS DAS

ORGANIZAÇÕES EM REDE

Arie Storch

Ana Claudia Niedhardt Capella

PET Administração Pública

Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho

Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara

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Sumário

Resumo ............................................................................................................................................ 3

Palavras-chave: rede, sistema, terceiro setor, reforma da administração, sociedade civilIntrodução à

Teoria Sistêmica da Administração ............................................................................................... 3

Introdução à Teoria Sistêmica da Administração ......................................................................... 4

Origens e Conceitos ................................................................................................................... 4

Sistemas Abertos ........................................................................................................................ 5 Organismo ............................................................................................................................... 5

Organização: o modelo de Katz e Kahn .................................................................................. 6

Cultura Organizacional ............................................................................................................ 7

Sistemas Abertos e Suas Sinergias .......................................................................................... 7

Conceituação de redes .................................................................................................................... 9

Nova forma de visão de Organização: Paradigma da Administração .................................. 9

Organização como Sistema Vivo ............................................................................................ 10

As redes e a Tecnologia da Informação ................................................................................. 11 Redes Empresariais................................................................................................................ 11

Crise do modelo Empresa Vertical ........................................................................................ 12

Horizontalidade empresarial .................................................................................................. 14

O Estado ........................................................................................................................................ 17

Pressão Social e Diminuição do Estado ................................................................................. 17

O Estado-rede .......................................................................................................................... 19

Sociedade Civil .............................................................................................................................. 21

Gestão Participativa ................................................................................................................ 21

Casos Clássicos: Organização Social no Terceiro Setor ...................................................... 23 RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor .............................................................. 23

REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental .............................................................. 24

Conclusão ........................................................................................... Erro! Indicador não definido.

A reforma da administração para o Estado-Rede ................................................................ 26

A Sociedade em Rede .............................................................................................................. 26

Referências Bibliográficas ........................................................................................................... 29

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Resumo REFLEXOS SOCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES EM REDE. Storch, Arie; Capella, Ana Claudia

Niedhardt – PET Administração Pública – UNESP - FCLAr

Introdução: As organizações em rede são abordadas neste artigo à luz da abordagem sistêmica da

administração e do modelo proposto por Katz e Kahn (1970).

Objetivos: O presente trabalho tem como propósito apresentar o modelo de organizações em rede

abordado por autores como Castells (1999), Capra (1982) e outros, e suas conseqüências para a

organização do Estado.

Metodologia: Revisão bibliográfica sobre o assunto e posterior análise de casos de organizações estatais e

sociais, como Organizações Não Governamentais (ONGs).

Resultados: A pesquisa ainda se encontra em andamento, contudo nota-se grande aceitação da estrutura

em rede em ONGs por permitir maior flexibilidade na atuação.

Conclusões: Podemos concluir que a organização em rede é uma tendência das organizações modernas e

que o Estado está passando por mudanças para se adequar às alterações da sociedade civil.

Palavras-chave: rede, sistema, terceiro setor, reforma da administração, sociedade civil

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Introdução à Teoria Sistêmica da Administração

Origens e Conceitos

Com base em trabalhos do biólogo alemão Ludwig Von Bertalanffy publicados entre 1950

e 1968, a Teoria Geral de sistemas não chega a solucionar problemas ou buscar a praticidade,

mas sim elaborar “teorias e formulações conceituais que possam criar condições de aplicações na

vida empírica” (CHIAVENATO, 1993, P. 749). Parte assim de pressupostos básicos, claramente

relacionados entre si.

A princípio, Bertalanffy notou a nítida tendência de integração nas ciências naturais e

sociais. A integração, para o biólogo, orienta-se rumo a uma Teoria dos Sistemas, que pode ser

uma abrangente abordagem dos campos não-físicos do conhecimento científico, tais como as

ciências sociais. Focando as ciências de forma vertical, tem-se uma visão integrada, unidade da

ciência. Chega-se então a uma integração necessária na educação científica.

Dos pressupostos, Bertalanffy chegou às três premissas básicas da Teoria Geral dos

Sistemas, a saber:

Os sistemas existem dentro de sistemas. Há uma crescente na visão cultural à medida que se

distancia do foco: átomo, molécula, célula, tecido, órgão, organismo, comunidade, colônia,

cultura, e assim por diante.

Os sistemas são abertos como decorrência da premissa primeira. Cada sistema examinado

recebe influências do externo, descarregando nos sistemas contíguos. Desta forma há intercâmbio

do sistema com o meio, e quando o intercâmbio cessa há a desintegração do sistema.

As funções de um sistema dependem da sua estrutura. Uma estrutura rígida como um tecido

ósseo terá função de sustentação. Já os músculos se contraem por suas células permitirem

contrações.

Com a apropriação do conceito pelas diversas ciências, „sistema‟ passou a dominar as

mesmas. Cada ciência tem sua visão, mas em todas o sistema é algo único. Na administração, é

comum a ponto de não notarmos sua existência. Para Chiavenato (ibid., p. 750),

a organização apresenta-se como uma estrutura autônoma com capacidade de se

reproduzir e pode ser focalizada através de uma teoria de sistemas capaz de propiciar

uma visualização de um sistema de sistemas, tanto do ponto de vista individual como

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coletivo, ou seja, da organização como um conjunto. A abordagem sistêmica tem por

objetivo representar, de forma compreensiva e objetiva, cada organização.

Sistemas Abertos

Organismo

Por definição, o sistema aberto mantém intercâmbio de informações com o meio,

mantendo-se no mesmo estado através da auto-regulação e renovando-se constantemente, o que a

física denomina equilíbrio dinâmico. Como sistema aberto, o organismo é influenciado pelo

ambiente, influindo diretamente sobre ele. Sistemas abertos são complexos de elementos em

interação e troca com o círculo ao redor.

Diversos autores interpretam as organizações como sistemas vivos, pois crescem em

tamanho através de suas partes e fazem a transformação de máquinas e pessoas em produtos e

serviços como se fosse o processo de digestão. Reagem ao ambiente adaptando-se a ele para

sobreviver mudando produtos, técnicas e até estrutura. O sistema aberto constantemente interage

com o ambiente. Influencia com ele e por ele é influenciado: sua ação se reflete para si. Para

crescer, mudar ou reproduzir, só o consegue sob determinadas condições ambientais. São dotadas

de reversibilidade, o que faz com que possam voltar ao seu estado de origem. Porém, diferem das

organizações em alguns aspectos, a saber (RHENMAN apud CHIAVENATO, 1993, p. 761):

Tabela 1 - Sistemas vivos e sistemas organizados

Sistemas Vivos (Organismos) Sistemas Organizados (Organizações) Nascem, herdam seus traços estruturais São organizados, adquirem sua estrutura em

estágios Morrem, seu tempo de vida é limitado Podem ser reorganizados, teoricamente têm

uma vida ilimitada, podem ser ressurgidos Têm um ciclo de vida predeterminado Não têm ciclo de vida definido São concretos – o sistema pode ser descrito

em termos físicos e químicos

São abstatos – o sistema pode ser descrito em

termos psicológicos e sociológicos

São completos – parasitismo e simbiose são

excepcionais

São incompletos – dependem de cooperação

com outras organizações – suas partes

componentes são sempre intercambiáveis e

geralmente distribuíveis

Doença é definida como um distúrbio no

processo vital

Problema é definido como um desvio nas

normas sociais

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Organização: o modelo de Katz e Kahn

Sistema criado pelo homem, as organizações mantêm dinâmica interação com o ambiente,

como clientes, fornecedores, concorrentes, governo e vários outros. Para Katz e Kahn (1970), as

organizações em sistemas abertos são conjuntos de partes em interação que constituem um todo

sinérgico orientado para determinados propósitos. Os autores adaptaram as características dos

sistemas abertos para as organizações. Como tais, elas têm nove propriedades básicas.

Importação de Energia. A organização (sistema aberto) recebe insumos do

ambiente e necessita sempre de suprimentos renovados de energia de outras

organizações, instituições, do meio, pessoas, etc. Nenhuma organização social é

auto-contida ou auto-suficiente.

Transformação. Os Sistemas Abertos (SA) transformam a energia disponível. A

organização processa e transforma seus insumos em produtos acabados, em

serviços, em mão-de-obra qualificada, etc.

Exportação, saída ou output. Os SA exportam certos produtos ou resíduos para o

ambiente.

“Os Sistemas como Ciclo de Eventos que se Repetem. O funcionamento de qualquer

sistema aberto consiste em ciclos recorrentes de informação – transformação –

exportação. Destes três processos sistêmicos básicos, a importação e a exportação

são transações que envolvem o sistema e certos setores de seu ambiente imediato; a

transformação (processamento) é um processo contido dentro do próprio sistema”

(KATZ; KAHN, 1970, p. 508). As organizações reciclam suas atividades com a

passagem do tempo.

Entropia Negativa. Entropia é um processo pelo qual todas as formas organizadas

tendem à desorganização, à desintegração e conseqüente morte, estado de menor

energia. Para sobreviver, o SA precisa deter o processo entrópico através da

obtenção e uso de reservas de energia. O processo de obtenção de energia é

denominado negentropia ou entropia negativa.

Informação, Retroinformação e Processo de Codificação. Os SA recebem inputs de

caráter informativo e que proporcionam sinais à sua estrutura sobre o ambiente e

sobre o seu próprio funcionamento em relação ao ambiente. A retroinformação

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permite ao sistema corrigir seus desvios. O processo de codificação permite ao

sistema reagir seletivamente apenas aos sinais de informação para os quais esteja

sintonizado.

Estado Firme ou Homeostase Dinâmica. Os SA procuram manter uma certa

constância no intercâmbio de energia com o ambiente.

Diferenciação. As organizações tendem à diferenciação, isto é, multiplicação e

elaboração de funções levam à multiplicação de papéis e à diferenciação interna. Os

padrões globais e difusos são substituídos por funções mais especializadas.

Eqüifinalidade. Um sistema pode alcançar, por uma variedade de caminhos, o

mesmo estado final. Ou seja, há mais de um modo de um sistema produzir

determinado resultado.

Cultura Organizacional

Katz e Kahn assim definem cultura organizacional (1970, p. 85):

Toda organização cria sua própria cultura ou clima, com seus próprios tabus, costumes e

usos. O „clima‟ ou „cultura do sistema‟ reflete tanto as normas e valores do „sistema

formal‟ como sua reinterpretação no „sistema informal‟, bem como reflete as disputas

internas e externas dos tipos de pessoas que a organização atrai, de seus processos de

trabalho e distribuição física, das modalidades de comunicação e do exercício da

autoridade dentro do sistema. Assim como a sociedade tem uma herança cultural, as

organizações sociais possuem padrões distintivos de sentimentos e crenças coletivos,

que são transmitidos aos novos membros do grupo.

Sistemas Abertos e Suas Sinergias

Para Chiavenato (1993, p. 785) uma das fortes razões para a existência das organizações é o

seu „efeito sinérgico‟ ou „sinergístico‟, isto é, no resultado de uma organização pode diferir em

quantidade ou em qualidade a soma dos insumos. De acordo com o efeito sinérgico, portanto, a

entrada de duas unidades de um elemento com duas de outro insumo podem resultar em mais de

quatro unidades de saída.

Seguindo esta idéia, os recursos materiais, financeiros, sociais, quando observados como

fatores que influem na produção, geram riqueza através da „sinergia organizacional‟. A visão

sistêmica nos demonstra que a organização deve ser administrada como um todo complexo, e não

em suas micro-abordagens fechadas. Desta forma, o presidente de uma organização deve saber

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lidar com o todo e ser hábil na visão da totalidade, e não um coordenador geral de diversas áreas

não se correlacionam.

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Conceituação de redes

Nova forma de visão de Organização: Paradigma da Administração

Para Guarnieri (2005, pg 01), mais importante que definir rede é “entendê-la como uma

proposta democrática de realização do trabalho coletivo e de circulação do fluxo de informações,

elementos essenciais para o processo cotidiano de transformação social”. Já Capra (2003, p. 22)

afirma que “onde existem vidas existem redes”, e portanto não se trata de uma nova forma de

organização, mas sim do “reconhecimento de que as redes constituem o padrão básico de

organização de todos os seres vivos”(ibid., p. 22). Independente da definição que cada autor tem

do conceito, a palavra deriva do latim retis, e significa entrelaçamento de fios com aberturas

regulares formando um tecido. A noção de entrelaçamento e de estrutura reticulada serviu para

que a palavra ganhasse novos significados.

Assim, a visão da organização como sistema não pode ser apreendida a partir da

perspectiva clássica, “porque requer modificações significativas de muitos conceitos e idéias

clássicos” (CAPRA, 1982, p. 279). As redes não são instituições-fim, e sim meios de organização

em forma de parcerias e alianças. Guarnieri (2005) a compreende “sem hierarquia – horizontal,

autônoma, conectada, participativa, colaborativa, cooperativa e democrática”. São sistemas

organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições em torno de objetivos e/ou temáticas

comuns.

São

estruturas flexíveis e cadenciadas e se estabelecem por relações horizontais, interconexas

e em dinâmicas que supõem o trabalho colaborativo e participativo. As redes se

sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um

significativo recurso organizacional, tanto para as relações pessoais quanto para a

estruturação social (SILVA, 2005).

Portanto, comunidades, estruturas sociais orgânicas, constituídas a partir de dinâmicas

coletivas. Sua história e cultura definem uma identidade comunitária.

Por ser democrática e em constante mutação, a forma definida de uma rede é ser disforme,

impossibilitando sua visualização enquanto organograma. Martinho (2003, p. 45) desenha uma

rede em que os círculos interagem constantemente, e onde não há centro, já que cada ponto é pólo

único e há interdependência das partes do processo. Ainda que em algum processo determinados

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círculos não participem, eles são parte em outro. A ausência de hierarquia, dando lugar à

participação e cooperação direta, permite que um foco atue diretamente sobre outro.

Figura 1 - Pirâmide e Rede

Castells (1999A, p. 497) informa que “embora a forma de organização social em redes

tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da informação fornece a base

material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social”. Trabalhar em rede não é seguir

regras ou copiar modelos. Mas criar, de forma coletiva e democrática, pactos que façam sentido e

que possam orquestrar uma “coordenação das autonomias” (MARTINHO apud GUARNIERI).

E, por autônomas, são ainda complementares. Em seus escritos Castells (ibid., p. 497) analisa que

“as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados em

torno de redes”.

É o que Capra define, supra citado, no reconhecimento das redes como padrão básico dos

seres vivos. A partir do instante em que se reconhece algo como verdadeiro, o enfoque do estudo

se altera.

Organização como Sistema Vivo

Para Capra, sistemas vivos são “sistemas integrados cujas propriedades não podem ser

reduzidas às suas partes menores” (2003, p. 21). Coloca que apresentam fenômenos dinâmicos

que se complementam, tornando-se aspectos de auto-organização.

Um deles, que pode ser descrito em termos gerais como autoconservação, inclui os

processos de auto-renovação, cura, homeostase e adaptação. O outro, que parece

representar uma tendência oposta mas complementar, é o processo de auto-

transformação e autotranscendência, um fenômeno que se expressa nos processos de

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aprendizagem, desenvolvimento e evolução. Os organismos vivos têm um potencial

inerente para se superar a si mesmos a fim de criar novas estruturas e novos tipos de

comportamento. Essa superação criativa em busca da novidade, a qual, no devido tempo,

leva a um desdobramento ordenado da complexidade, parece ser uma propriedade

fundamental da vida, uma característica básica do universo que – pelo menos por ora –

não possui maior explicação. Podemos, entretanto, explorar a dinâmica e os mecanismos

da autotranscendência na evolução de indivíduos, espécies, ecossistemas, sociedades e

culturas (CAPRA, 1982, p. 279).

Capra argumenta que a existência de vida pressupõe a existência de redes. Redes vivas,

para ele, “estão sempre criando ou recriando a si próprias através da transformação ou

substituição dos seus componentes” (2003, p. 23). Toda a rede está, portanto, continuamente

gerando a si própria. Redes vivas não são estruturas materiais, mas sim funcionais, pois

relacionam vários processos. O pensamento sistêmico implica em uma mudança de enfoque, de

objetos para relações. Estas relações não podem ser medidas nem pesadas, mas precisam ser

mapeadas. O mapa das relações é obtido ao interligar diferentes elementos ou membros de uma

comunidade. Fazer isto nos faz descobrir configurações de relações que aparecem repetidamente,

que chamamos de padrões.

As redes e a Tecnologia da Informação

Redes Empresariais

De acordo com Castells (1999A, p. 181), a experiência internacional apresenta duas formas

interessantes de flexibilidade organizacional que têm como principal característica as conexões

entre empresas. São elas o “modelo de redes multidirecionais”, utilizado por empresas de

pequeno e médio porte, e o “modelo de licenciamento e subcontratação de prudução”, que

grandes empresas encabeçam.

Apesar de freqüentemente pequenas e médias empresas dependerem das grandes para

geração de contratos financeiros e tecnológicos, não raro tomam a iniciativa de desenvolver redes

com várias empresas grandes ou com outras de porte equivalente ao próprio para geração de

empreendimentos cooperativos. Um exemplo clássico é o de Hong Kong, que baseou suas

exportações por quase 30 anos – da década de 1950 à década de 1980 – em arranjos de pequenas

produções domésticas. Manuel Castells lembra que “mais de 85% das exportações de produtos

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manufaturados de Hong Kong [...] eram fabricados em empresas familiares, 41% das quais eram

empresas com menos de cinqüenta trabalhadores” (ibid., p. 182).

A maior parte das empresas de Hong Kong exportava por meio de redes empresariais locais

especializadas em importação e exportação, elas também pequenos negócios familiares. Por

serem pequenas, tinham grande volatilidade e formavam-se, desapareciam e reapareciam com

base nas oscilações do mercado internacional. As redes locais faziam uso de espionagem

comercial nos principais mercados do globo. A variação dos negócios era tanta que era comum

um empresário se tornar trabalhador assalariado em outra época dependendo da aceitação da

produção no mercado e das necessidades familiares.

Já no contexto europeu, empresas de pequeno e médio porte dos setores calçadista, têxtil e

de brinquedos em Valencia, Espanha, desenvolveram um modelo de produção em rede. A

malharia italiana Benetton também é objeto de estudos e pesquisas empresariais. A empresa

surgiu como empreendimento familiar no Veneto, mas hoje conta com cerca de cinco mil lojas

para distribuição exclusiva dos produtos. A central da empresa faz o controle dos pontos de

distribuição e de estoque e calcula tendências de mercado.

A efetividade do modelo de redes também é notada na produção. Castells o caracteriza

como “forma intermediária de arranjo entre a desintegração vertical por meio de sistemas de

subcontratação de uma grande empresa e as redes horizontais das pequenas empresas” (ibid., p.

183). É a construção de uma rede baseada na horizontalidade de seus nós componentes, mas com

“relações periféricas/centrais na oferta e na demanda”. As reais operações das empresas colossais

hoje são desempenhadas por outras centenas de milhares de empresas subcontratadas que atuam

como auxiliares do pólo central. São parcerias relativamente iguais onde há cooperação e

competição simultaneamente, “onde amigos e adversários são os mesmos” (ibid., p. 184).

Crise do modelo Empresa Vertical

Apesar da grande gama de tendências na transformação organizacional da economia, as

mesmas têm relativa independência. As redes formadas pelas grandes empresas são fenômenos

diversos em relação à mudança para a empresa horizontal. O envolvimento do operário japonês, o

kan-ban e a qualidade total interagem entre si, mas representam a desintegração das burocracias

verticais típicas dos grandes empreendimentos com produção padronizada em massa e mercados

oligopolistas. Para Castells, “o momento histórico de todas essas tendências também é diferente,

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e a seqüência temporal de sua difusão é muito importante para o entendimento de seu significado

social e econômico” (1999A, p. 187).

Temos o Kan-Ban no Japão do pós-segunda guerra mundial (1948) elaborado pelo ex-

sindicalista Ono Taiichi, que após a idéia foi promovido a gerente da Toyota. Seu método,

toyotismo, gradualmente passou a ser adotado pelas demais empresas japonesas do setor

automobilístico quando elas ainda não tinham grande competitividade no mercado internacional,

na década de 1960. Porém, ao internacionalizar a metodologia a Toyota teve dificuldade, uma vez

que era baseada em características históricas da empresa mas não no restante do mundo, o

controle sobre os trabalhadores e o controle total da rede de fornecedores. Nota-se então o

toyotismo como

um modelo de transição entre a produção em massa padronizada e uma organização de

trabalho mais eficiente, caracterizada pela introdução de práticas artesanais, bem como

pelo envolvimento de trabalhadores e fornecedores em um modelo industrial baseado em

linhas de montagem (CASTELLS, 1999A, p. 188).

A partir da observação e análise do caso do toyotismo e de outras grandes empresas,

percebe-se que o que surge não é um novo modo de produção, aprimorado em relação aos

anteriores, mas a crise do modelo arcaico e rígido da organização verticalizada com excessivo

controle oligopolista de mercados diferenciados. A crise do modelo vertical originou modelos e

sistemas organizacionais com prosperidade ou fracasso de acordo com a capacidade de adaptação

dos mesmos a novos contextos institucionais e mercados altamente competitivos. Castells cita

Piore e Sabel para demonstrar e tentar apontar caminhos próximos:

Fica em aberto a questão de a nossa economia basear-se na produção em massa ou na

especialização flexível. As respostas dependerão, em parte, da capacidade de os países e

as classes sociais imaginarem o futuro desejado (PIORE e SABEL apud CASTELLS,

1999A, p. 188).

Apesar de que na moderna sociedade da informação os fluxos transitem mais velozes do

que em anos ou décadas passados, já é possível identificar tendências de desenvolvimento das

organizações a partir das novas estruturas. Para Castells, “sob diferentes sistemas organizacionais

e por intermédio de expressões culturais diversas, todas elas baseiam-se em redes. „As redes são e

serão os componentes fundamentais das organizações‟” (1999A, p. 188). O trajeto vem se

confirmando quando percebemos o crescimento da participação direta da sociedade civil com o

terceiro setor, as redes de comunicação como a internet e estratégias estatais para

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desenvolvimento local como arranjos produtivos locais. Teremos oportunidade de conhecer algo

mais dessas diversas atuações no capítulo 4.

Horizontalidade empresarial

Visando adaptação à imprevisibilidade de velozes transformações econômicas e

tecnológicas, a empresa mudou o próprio desenho organizacional. Das alterações notadas, a

principal é relacionada às burocracias, do eixo vertical para o horizontal. Para Castells,

A empresa horizontal parece apresentar sete tendências principais: organização em torno

do processo, não da tarefa; hierarquia horizontal; gerenciamento em equipe; medida do

desempenho pela satisfação do cliente; recompensa com base no desempenho da equipe;

maximização dos contatos com fornecedores e clientes; informação, treinamento e

retreinamento de funcionários em todos os níveis (ibid., p. 185).

Em localidades como os EUA, buscou-se ainda a economia de mão-de-obra com

automação, controle com computadores e terceirização do trabalho. O modelo ficou conhecido

como “empresa enxuta”. Desenvolvido nos anos 70 para superar a crise de lucratvidade,

conseguiu reduzir custos, mas não sem fixar ainda mais a cultura de estruturas organizacionais

obsoletas com o declínio da produção em massa controlada por oligopólios. A formação de redes

garantiu maior flexibilidade para adaptação aos novos concorrentes que chegavam com a onda

globalizatória, pois a horizontalização permitiu descentralizar a administração e a concessão de

autonomia a cada unidade. Mesmo competindo entre si, os módulos unitários mantinham uma

estratégia comum de crescimento.

Ken‟Ichi Imai é para Castells “o analista organizacional que mais se aprofundou na

proposta e documentação da tese da transformação de empresas em redes”, e por esta razão

merece ser seu estudo base para outros. Imai concluiu que a internacionalização da atividade

empresarial teve três estratégias diversificadas:

A primeira e mais tradicional refere-se a uma estratégia de múltiplos mercados

domésticos para as empresas que investem no exterior a partir de suas plataformas

nacionais. A segunda visa o mercado global e organiza diferentes funções da empresa

em lugares diferentes integrados em uma estratégia global articulada. A terceira

estratégia, característica do estágio econômico e tecnológico mais avançado, baseia-se

em redes internacionais (IMAI, apud CASTELLS, 1999A, p. 185).

A partir da análise de Imai, notamos que, apesar de a organização em rede ser a mais

antiga, é também a mais avançada por possibilitar relações com vários mercados domésticos e

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garantir o espaço de troca de informações entre estes mercados. As empresas deixaram o posto

externo de onde eram controladoras dos mercados para cuidarem de tão-somente integrar nichos

de mercado e informações de mercados exteriores. Da mesma forma criou-se uma nova

modalidade de investimento estrangeiro: assumir o controle administrativo inclusive para a

arquitetura de relacionamentos de empresas em vários ambientes institucionais.

A informação colhida na localidade tornou-se mais importante no modelo de redes, de

modo que estratégias verticalizadas, “de cima para baixo”, motivariam fracasso em um cenário

globalizado e com alterações instantâneas de fluxos de informações. A unidade operacional

chegou ao apogeu da cadeia produtiva, pois o centro na realidade fixou-se em diversos lugares

simultaneamente. Vários nós se interligaram, cada qual com suas responsabilidades e mercado

consumidor, e os elos formados possibilitaram a formação de redes. Cada nó com suas

especificidades e autonomias, como num pacto federativo, e a empresa agrupando os focos dando

luz à unidade.

O fator determinante para o sucesso de um empreendimento chegou a ser as informações

adequadas e seu correto processamento. “As informações circulam pelas redes: redes entre

empresas, redes dentro de empresas, redes pessoais e redes de computadores” (CASTELLS,

1999A, p. 186).

Da mesma maneira que a organização interna transformou sua estrutura, a moderna

administração também o fez. O problema administrativo que mais provoca dificuldades na

descentralização e flexibilidade são os erros de articulação, “falta parcial ou total de adequação

entre o que é desejado e o que está disponível” (BENVENISTE e GYU apud CASTELLS,

1999A, p. 186). Os erros de articulação passaram a ser mais comuns, pois as ligações são o que

há de mais enérgico na organização.

A correção das falhas depende de níveis adequados de informação, algo em que grandes

empresas têm facilidade se fizerem uso, além da flexibilidade, da capacidade de adaptação.

Interligação em tempo real através da internet, como a Benetton, é uma forma de integrar os

pontos da rede formada.

As transformações das organizações públicas, privadas, com ou sem fins lucrativos, se dá

na busca de combinar flexibilidade local com coordenação dos fluxos informacionais de forma a

garantir constante inovação. De modo geral, podemos dizer que “a empresa horizontal é uma rede

dinâmica e estrategicamente planejada de unidades autoprogramadas e autocomandadas com base

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na descentralização, participação e coordenação” (CASTELLS, 1999A, p. 187). A flexibilidade

da rede permite alcançar pontos-chave que a rigidez vertical não o faz.

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O Estado

Pressão Social e Diminuição do Estado

Cabe explicitar que a participação social na gestão pública que vem ocorrendo de poucos

anos para o presente corresponde não apenas a “uma mudança política e teórico-ideológica, mas

antes de tudo às exigências da modernidade radicalizada e da globalização capitalista”

(NOGUEIRA, 2004, p. 121). A insatisfação social com a gestão pública se deu de forma

crescente, em grande parte devido à má qualidade de alguns serviços públicos. Fatores

organizacionais são entraves para o bom arranjo e conseqüente rendimento em diversas áreas. A

campanha contra o Estado, incentivando as pessoas a acharem tudo o que é público de baixa

qualidade, é outro fator a ser considerado.

Após terem sido impelidos a atuar na esfera pública pelas decepções inerentes à sua

concentração anterior em atividades privadas, os cidadãos verificam que a esfera pública

também reserva, ela própria, várias decepções, terminando por voltar a se recolher à

esfera privada. As atividades privadas – o mercado – ganham enorme poder de atração.

O cidadão que se decepciona não mais deseja “melhorar o mundo”, democratizar o

poder ou consumir bens públicos que lhes seriam devidos como direitos, mas prefere

cuidar apenas de seus interesses e necessidades privadas, “comprando” os meios com

que as satisfizer. Em decorrência, aquilo que é inicialmente reação contra uma

deterioração que leva a uma perda de satisfação, torna-se uma mola que produz ainda

mais degradação, seja em termos da qualidade da esfera pública, seja em termos da

qualidade dos bens e serviços nela gerados (Ibid., p. 122).

Outra fonte de pressão sobre a gestão estatal é a inovação tecnológica, que cada vez se

desenvolve em velocidade mais acelerada. É uma de suas vertentes o progresso técnico, que

provoca a obsolescência prematura de diversas tecnologias que décadas atrás levariam décadas

ou séculos para ficarem nas condições que hoje ficam em poucos meses. O mundo está em ritmos

incessantes, que, por dinâmicos, causam o surgimento de novidades com grande rapidez.

Na velocidade rápida, as pessoas não querem mais esperar e lentidões são imperdoáveis.

Porém, a gestão pública ainda funciona a partir do modelo burocrático de administração. O

Estado tem demorado em demasia para se modernizar, pois para tanto envolve conflitos políticos

nem sempre fáceis de resolução. Os ritos burocráticos estatais são lentos e atritam com a

velocidade adquirida pela vida. Para Nogueira, não é à toa que “a gestão empresarial e a gestão

Page 18: Reflexos sociais das organizações em rede

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típica do setor público estão enveredando pela trilha da assimilação de tecnologias da

informação” (ibid., p. 123), como as diversas formas de governo eletrônico, governança

corporativa e quetais. Apesar dos vários desdobramentos possíveis com a adoção das tecnologias

de informação, sua principal meta é facilitar e acelerar o acesso a informações e serviços que

antes ficavam ocultos para a maioria da população.

Experiências como o governo eletrônico, Bolsa Eletrônica de Compras (BEC) e outras

chegam para atender ao que Nogueira chama de „ideal do cidadão atual‟ – “encontrar, do outro

lado do balcão, um servidor que reúna a isenção, a impessoalidade e a presteza técnico-normativa

do burocrata com a agilidade, a iniciativa e a criatividade do gerente moderno” (ibid., p. 124).

Estruturas contraditórias que constantemente se repelem, o Estado e o mercado são

complementares, mas na modernidade o mercado se fortaleceu, pois, desenfreado, teve a

possibilidade de se movimentar por sua própria lógica. Contraponto ao Estado, o mercado

ameaça as instituições e operações técnicas, jurídicas e políticas elaboradas para impedir que o

próprio mercado de produzir mazelas e estabelecer mecanismos de controle e proteção social

focados em resgatar e promover os interesses sociais por ele prejudicados. O mercado autônomo

significa para a gestão pública grande ameaça.

Abalado pelo crescimento vertiginoso da atuação privada, o Estado se enfraqueceu pela

globalização do capitalismo. Outro ponto a ser fortemente considerado é a forma como foi tratado

para ser preparado para os novos tempos. A visão de reorganização ou de radicalização

democrática foi deixada de lado, dando lugar a um ajuste desordenado, reduzindo seu tamanho.

Os organismos estatais, da administração direta à indireta, como prestação de serviços e provisão

de bens públicos, ficaram diminutos. Assim com as universidades, instituições políticas, os

partidos e a chamada classe política.

O enfraquecimento do Estado impediu a geração e reprodução de governos fortes.

Enfraquecidos, os governos não podem ter planejamento adequado, sendo forçados a agir em

curto prazo sem visão do que há de vir. “Vêem-se envoltos numa malha que, de certa forma,

excita-as e, de certa forma, paralisa-as” (NOGUEIRA, 2004, p. 126).

Page 19: Reflexos sociais das organizações em rede

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O Estado-rede

Em momentos de globalização extrema, nações estão se organizando em redes como forma

de resistência, como o caso da União Européia, que partilha soberania entre os Estados membros

ao invés de transferi-la a um nível superior. A idéia fundamental para Castells é

a de difusão do poder de centros para o poder de redes, exercido conjuntamente por

diferentes soberanias parciais, em seus territórios e atribuições, que constantemente

devem referir-se a seu entorno institucional, feito de relações tanto horizontais como

verticais (1999B, p. 163-164).

Torna-se claro o surgimento de um novo tipo de Estado, diferente do Estado-nação, mas

que ao invés de eliminá-lo o redefine com novas conceituações. O Estado-rede é para Castells o

compartilhamento da autoridade a partir de diversas outras instituições que não a própria.

Uma rede, por definição, não tem centro e sim nós, de diferentes dimensões e com

relações internodais que são freqüentemente assimétricas. [...] Assim, o Estado-nação se

articula cotidianamente na tomada de decisões com instituições supranacionais de

distintos tipos e em distintos âmbitos. (Ibid., p. 164)

Entretanto, de forma autônoma o poder local também se articula em rede, bem como outras

formas de poder (no caso da União Européia, o Parlamento Europeu, instituições de cooperação

militar, entre outras, que trespassam o limite territorial da União Européia). Da mesma forma,

organizações não-governamentais têm contribuído de forma crescente para o afloramento das

redes supragovernamentais, conectando-se a partir de negociações e decisões de compromisso

com autoridades. Pode-se ainda notar que esse modelo de Estado aqui estudado demonstra ser o

mais adequado para processar a complexidade crescente de relacionamento entre o local e o

global, com áreas distintas, mas correlatas como a economia, a sociedade e a política. Tal

articulação teria sérias dificuldades de ocorrer caso não tivéssemos evoluído com as novas

tecnologias de informação, visto que o fenômeno de redes é mais intenso na atual sociedade da

informação.

Atualmente, a eficiência de uma administração estatal depende em grande parte de como é

feito o processamento das informações adquiridas nos diferentes processos e o relacionamento

entre as informações, compartilhado por diferentes esferas administrativas. O adequado processo

dos dados permite que a estrutura administrativa seja moldada de acordo com as necessidades,

com variável geometria política.

Page 20: Reflexos sociais das organizações em rede

20

O desenvolvimento do Estado-rede é conseqüência direta de três processos, assim

argumentados por Castells (1999B, p. 164):

Essa nova lógica institucional está se desenvolvendo em todas as áreas do planeta, a

partir do triplo processo de crise do Estado-nação, desenvolvimento das instituições

supranacionais e transferência de atribuições e iniciativas aos âmbitos regionais e locais.

Ainda segundo Castells, “Estado-rede é o Estado da era da informação, a forma política que

permite a gestão cotidiana da tensão entre o local e o global” (ibid., p. 165).

Page 21: Reflexos sociais das organizações em rede

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Sociedade Civil

Gestão Participativa

Na medida em que a participação é ativada, assumindo ou não forma gerencial, condiciona

os governos e a administração pública à sua atuação. A gestão é forçada a se auto-reconfigurar,

com novo desenho estrutural e administrativo, formação de novos recursos humanos,

organizações diferenciadas. A participação é para Nogueira “um novo campo semântico no

universo gerencial” (2004, p. 145).

A gestão participativa busca modificar a articulação entre governantes e governados. O

gestor governamental relaciona-se com o cidadão não mais somente amigavelmente como

também de forma interativa, superando distâncias e atritos. Busca trazer o cidadão para as

cercanias do governo da comunidade, envolvendo-o aos assuntos governamentais. É então uma

resposta à necessidade de reforma do Estado ao promover um reencontro entre Estado e

sociedade. A negociação contínua torna-se uma constante. Muda a concepção de Estado, de algo

isolado e com total autonomia para um vínculo mais intenso com a sociedade.

Novas formas de controle social são induzidas pela participação, com a sociedade tendo

possibilidade de controlar o governo. O governo passa a então visar mais o povo, pois por ele é

constantemente sendo fiscalizado. A responsabilização do gestor pela sociedade se combina com

a responsabilidade do gestor pelos seus atos,

facilitando a transferência de poder decisório para coletivos ou assembléias de cidadãos.

Com isso, promove um novo vínculo entre o representante e o representado, tanto no

sentido de que alarga e reformula a representação quanto no sentido de que dá novo

valor e novo espaço à democracia participativa (NOGUEIRA, 2004, p. 146).

A transferência do poder decisório não só responsabiliza os participantes como ainda

atribui a eles critérios e regras para procedimentos que determinam o modo de tomada das

decisões.

Ao operar em termos descentralizados, a gestão participativa fomenta parcerias, dentro e

fora do Estado, entre as organizações públicas e as da sociedade civil. A diminuição da

intervenção estatal em benefício de maior liberdade de iniciativa, se não refletida em seus

aspectos básicos, pode estabelecer o discurso neoliberal ao converter direitos de cidadania em

Page 22: Reflexos sociais das organizações em rede

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serviços a serem providos pelo mercado quando em verdade o que se quer é a expansão da

atividade cívica.

Se os serviços

Indispensáveis ou relevantes para o bem-estar das comunidades e o exercício da

cidadania podem ser prestados tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada [...]. Não

está dado que uma operação estatal coincida com o chamado interesse público só porque

é estatal, do mesmo modo que um empreendimento privado ou uma parceria não

garantem, por si sós, agilidade operacional, redução de gastos ou maior racionalidade

gerencial (NOGUEIRA, 2004, p. 147)

Daniel argumenta que o decisivo no caso é “a existência ou não de um controle público

sobre a prestação do serviço, seja ele operado pelo Estado ou pela iniciativa privada” (DANIEL

apud NOGUEIRA, 2004, p. 147). Para que o controle público possa ser feito, a gestão

participativa precisa ter força e iniciativa próprias para coordenar e impulsionar o processo de

formulação, implementação e avaliação de políticas, visando garantir a qualidade dos serviços

públicos, valorizando o espaço público democrático.

Operando para além do formal e do burocrático, a gestão participativa busca ter iniciativa e

criatividade para produzir bons efeitos, resultados não meramente administrativos como por

resultados efetivos que resultem em transformação social. As energias podem ser concentradas no

social, com patamares dignos de distribuição de renda e principalmente riqueza, inclusão e

seguridade social.

Trata-se de uma ação técnico-política que busca não apenas “corrigir” políticas

equivocadas, mas também resgatar “dívidas” sociais historicamente acumuladas,

dedicando-se a alcançar uma aproximação radical entre crescimento econômico,

modernização e desenvolvimento social. (NOGUEIRA, 2004, p. 148)

A gestão participativa não significa ignorar as questões organizacionais e administrativas,

pois sua entrada em cena exige alterações substanciais na forma de direção de organizações

públicas, bem como de gerenciamento de recursos. Impõe então uma reforma administrativa para

sua complementação e viabilidade. A concepção da gestão participativa como prestadora de

melhores serviços é dependente da modernização do aparato técnico-administrativo do Estado,

pois a participação não reforma por si só. Representa apenas um vir-a-ser abstrato e não tem

como produzir mudanças efetivas no modo de gerir recursos públicos, de definir políticas ou de

organizar serviços.

Page 23: Reflexos sociais das organizações em rede

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Critérios como flexibilidade, eficiência e agilidade são constantes quando se trata da

orientação da gestão participativa. O que se cogita, porém, não é a eliminação total da burocracia,

mas a inserção de novos elementos, procedimentos e idéias no sistema nervoso central das

estruturas burocráticas de forma a “dinamizá-las, democratizá-las e domesticá-las” (NOGUEIRA,

2004, p. 149). A tendência da modernização administrativa é de agilizar e desburocratizar os

procedimentos governamentais e de reformular a cultura com que se organiza a gestão. A

participação não tem como ser completa sem a desburocratização do aparato público. Se a

mobilização social não produz resultados, os atores ficam desmobilizados e deixam de participar

das decisões. Deve-se oxigenar as organizações, mudando a idéia de que uma organização “ágil”

necessariamente é melhor do que uma “lenta”.

Nos dias atuais, em que a resolução de problemas sempre requer operações complexas,

tanto na administração quanto na política, não há como se improvisar ou achar que se pode

governar apenas com base em experiência, bom-senso, intuição ou honestidade. Nenhuma

comunidade pode se autogovernar se seus governantes não se tornarem profissionais de gestão e

não aceitarem que precisam absorver conhecimentos técnicos e científicos especificamente

concebidos para a atuação de governar.

Casos Clássicos: Organização Social no Terceiro Setor

RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor

A RITS surge já no contexto da popularização da Internet, tendo como proposta básica

“fazer com que as redes sociais, novas ou já existentes, passem a operar também no âmbito da

Internet” (RITS), impulsionando as redes a utilizar ferramentas como educação à distância,

comércio eletrônico, software livre, entre outras. A idéia é de interconectar experiências de modo

a produzir resultados mais satisfatórios através do conhecimento coletivo através da sinergia

proporcionada pela colaboração.

Entretanto, a RITS tem atuação limitada a oferecer condições técnicas e suporte para o

funcionamento das redes. A animação dos debates, manutenção e atualização das informações e

produção de conteúdo cabe às organizações, pois é conceito chave da RITS que a diversidade e a

dinâmica do terceiro setor não necessitam de formatos pré-estabelecidos de redes. Assim, o apoio

fornecido depende da demanda e das características de cada rede.

Page 24: Reflexos sociais das organizações em rede

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A organização teve início em 1997 e desde o início trouxe a palavra rede no nome. Com o

princípio de fortalecimento da sociedade civil através das tecnologias de comunicação e

informação, promove a “articulação de instituições em prol da informação e de conhecimentos

sobre e para o terceiro setor” (RITS). A atuação é a partir de palestras, reuniões de apresentação

do projeto e visitas físicas a entidades em todo o território nacional. Paralelamente a isso, a RITS

mantém um fórum virtual criado para esse fim, do qual participam os representantes das

entidades animadoras das redes articuladas.

REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental

Para Martinho, “a experiência da Rede Brasileira de Educação Ambiental – REBEA é

bastante elucidativa quanto à natureza dinâmica da articulação e da manutenção das redes

operativas no Brasil” (2003, p. 143). Tal afirmação se deve à análise dos processos de

participação, colaboração, gestão compartilhada e co-decisão em rede.

A REBEA teve origem no início dos anos 90 a partir da articulação de Organizações Não

Governamentais (ONGs), universidades e órgãos governamentais, reunidos para a organização de

Fóruns de Educação Ambiental, que visavam a integração e o intercâmbio de experiências de

educadores ambientais do Estado de São Paulo. O primeiro Fórum ocorreu em 1989, o segundo

em 1991 e o terceiro em 1994. Mas foi a articulação em função de ações conjuntas durante a

ECO-92, no Rio de Janeiro, o que motivou que o projeto tomasse mais consistência, visando

“organização entre real e virtual (...) que permitisse um vínculo constante entre as inúmeras

experiências de educação ambiental” (REBEA). Junto com diversos encontros de ambientalistas

e de educação ambiental, ocorreram reuniões da REBEA para detalhamento de estratégias para

sua viabilização, princípios para atuação em rede e a formatação de um coordenador nacional.

Com a ocorrência dos Fóruns de Educação Ambiental (o IV Fórum Brasileiro ocorreu em

1997 em Guarapari, no Espírito Santo), a REBEA passou a organizar paralelamente encontros

próprios. De 1997 até 2000 a REBEA esteve desarticulada, voltando a se reconectar em um

encontro no Rio de Janeiro, com a reflexão sobre a estrutura organizacional. Em 2002, a REBEA

firmou acordo de financiamento do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA, que permitiu a

criação de um sítio na internet e o funcionamento da secretaria executiva.

A REBEA está organizada em uma estrutura de “„facilitação nacional‟, elos regionais e um

conjunto de „entidades gestoras‟ responsáveis pelo projeto financiado pelo FNMA”

Page 25: Reflexos sociais das organizações em rede

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(MARTINHO, ibid., p. 145). No início, a facilitação nacional era composta por sete entidades,

das quais uma era a secretaria executiva da Rede. Atualmente, a coordenação é do Instituto Ecoar

(São Paulo).

Apesar das dificuldades de articulação, a REBEA originou outras redes locais e funciona

mais como articuladora das redes existentes. É assim um caso de redes dentro de redes,

demonstrando a multiplicidade de mecanismos organizacionais possíveis no modelo.

Page 26: Reflexos sociais das organizações em rede

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Considerações Finais

A reforma da administração para o Estado-Rede Crise é o que acontece

Quando o velho já morreu

E o novo está para nascer

(Gramsci)

Notamos que o Estado é o principal instrumento de que os cidadãos dispõem atualmente

para controlar a globalização em razão de seus valores e interesses. Adequar a administração do

Estado aos interesses da população é assim um dos grandes desafios atuais, visto que elaborar

tarefas cada vez mais complexas requer mudança social e tecnológica constante, “condição prévia

a qualquer capacidade de intervenção estratégica pública” (CASTELLS, 1999B, p. 165). O

Estado-nação herdado da era industrial se mostra arcaico em relação a este processo, pois sua

utilização é forçada para tarefas novas, aprofundando a crise de operação e corroendo sua

capacidade representativa. A crise do Estado é acrescida à da sociedade civil, pois “a sociedade

civil não se constitui contra o Estado, mas sim em torno dele” (CASTELLS, ibid., p. 165).

Reformar o Estado é requisito essencial para as demais reformas da sociedade, sendo o Estado

alavanca para intervir em outros âmbitos.

A Sociedade em Rede

Como tendência histórica, as funções e os processos dominantes na era da informação estão

cada vez mais organizados em torno de redes. Embora a forma de organização social em redes

tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação

fornece a base material para sua expansão de forma a penetrar em toda a estrutura social. Para

Castells, “o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder” (CASTELLS, 1999A,

p.497), e a presença ou ausência na rede é condição para dinamizar os processos de mudança.

Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta.

“Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”

(CASTELLS, ibid., p. 498). Existem redes de televisão, política, articulação social. A topologia

definida por redes determina que a distância entre dois pontos é menor se ambos os pontos forem

nós de uma rede do que se não o forem. A distância entre os pontos pode variar do zero, quando

os pontos são nós da mesma rede, ao infinito, quando os nós não se conectam.

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Mas as redes são estruturas abertas por definição e necessidade e têm contínua expansão,

ilimitada desde que os nós tenham possibilidade de comunicação com outros nós da mesma rede,

compartilhando os mesmos códigos de comunicação. São também instrumentos apropriados para

a economia baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada, pois têm na

flexibilidade e na adaptabilidade pontos chave que estruturas piramidais não conseguem ter.

As conexões que ligam as redes [...] representam os instrumentos privilegiados do poder.

Assim, os conectores são os detentores do poder. Uma vez que as redes são múltiplas, os

códigos interoperacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes fundamentais da

formação, orientação e desorientação das sociedades. [...] Essa base material construída

em redes define os processos sociais predominantes. (CASTELLS, ibid., p. 498-9)

A tendência é de empresas comerciais, organizações e outras instituições se estabelecerem

em redes de geometria variável, cujo entrelaçamento redefine a distinção tradicional entre

empresas e pequenos negócios, com grande espalhamento geográfico. Mas a nova divisão do

trabalho baseada nas capacidades de cada trabalhador enquanto indivíduo não implica

necessariamente no fim do capitalismo, pois a sociedade em rede por enquanto ainda é uma

sociedade capitalista, ainda que esse capitalismo esteja estruturado em redes financeiras globais.

O capital adquirido nas redes financeiras é reinvestido em setores dos mais diversos,

incluindo aí setores tipicamente sociais, como saúde, educação e cultura. Mas setores de

tecnologia, turismo, gerenciamento ambiental, bélico e até mesmo a religião também são

considerados. O resultado final da rede é zero, visto que os perdedores pagam pelos ganhadores.

Na era do capitalismo em rede, a realidade fundamental em que o dinheiro é ganho e

perdido, investido ou poupado, está na esfera financeira. Todas as outras atividades

(exceto as do setor público em fase de enxugamento) são primariamente a base de

geração do superávit necessário para o investimento nos fluxos globais ou o resultado do

investimento originado nessas redes financeiras (CASTELLS, ibid., p. 500).

Estamos em um novo estágio em que a “Cultura refere-se à Cultura”, tendo superado a

etapa da natureza ser renovada artificialmente como forma cultural.

Em razão da convergência da evolução histórica e da transformação tecnológica,

entramos em um modelo genuinamente cultural de interação e organização social. Por

isso é que a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social, e

os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de

nossa estrutura social (CASTELLS, ibid., p. 505).

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Entendendo a História como o momento em que, após milênios de lutas e guerras com a

natureza, primeiro para sobreviver, depois para conquistas, o homem tenha alcançado o

conhecimento e organização social que permite viver em um mundo social, sabemos que estamos

apenas começando. Mas é possível que, como organização orgânica, a rede global tome formas

tipicamente humanas e não gostemos do que possamos ver, pois não gostamos do estado em que

nos encontramos. E, como segue dizendo Castells (ibid., p. 506), “talvez não gostemos da

imagem refletida”.

Page 29: Reflexos sociais das organizações em rede

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