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São Paulo, 2008

Ano 1 - Volume 2, nº 1, julho/dezembro 2008

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José Serra

ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIOPÚBLICO DE SÃO PAULO

Diretor Mário de Magalhães Papaterra Limongi

Assessores Fabrício Tosta de FreitasFelipe Eduardo Levit ZilbermanMarcelo Duarte DaneluzziTatiana Viggiani Bicudo

Coordenador Editorial Tatiana Viggiani Bicudo

Jornalista Responsável Rosangela Sanches (MTb 23.566)

Capa Luís Antônio Alves dos Santos

“Revista da ESMP”, co-edição ESMP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, é semestral, com tiragem de 3 mil exemplares

Governador

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Ano 1 - Volume 2, nº 1, julho/dezembro 2008

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Ficha catalográfica elaborada pelaBiblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Revista Jurídica. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2008

SemestralISBN: 85-7060-206-5 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo)

1. Direito - periódicos I. Escola Superior do Ministério Público de São Paulo

Escola Superior do MinistérioPúblico do Estado de São PauloR. Minas Gerais, 316 - Higienópolis01244-010 - São Paulo - SP - BrasilTel.: (11) 3017-7776/3017-7777Fax: (11) 3017-7754www.esmp.sp.gov.bre-mail: [email protected]

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Apresentação

Mário de Magalhães Papaterra Limongi

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INDICE

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INDICE

Alcance e Natureza Jurídica do Instituto Previsto peloArtigo 396 do Código de Processo Penal.....................Cleber Rogério Masson

Os Novos Contornos da Emendatio Libelli e da MutatioLibelli.................................................................................

Luís Fernando de Moraes Manzano

A Reafirmação do Processo Acusatório e Contraditóriono Processo Penal Brasileiro: As Reformas de Junhode 2008........................................................................

Luiz Roberto Salles Souza

Christian Marcos Carboni

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A Reforma do Código de Processo Penal.....................Rômulo de Andrade Moreira

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O Recebimento da Denúncia e a Lei 11.719/2008.........

Victor Eduardo Rios Gonçalves

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INDICE

Os Elementos Produzidos Durante o Inquérito e asProvas Antecipadas, Cautelares e Irrepetíveis,segundo a Reforma do CPP......................................

Andrey Borges de Mendonça

Lei 11.690/08 e a Regulamentação do Inc. LVI do Art.5º da Constituição Federal - a inadmissibilidadeprocessual das provas ilícitas...................................

Eduardo Querobim

Considerações sobre o Novo Art. 159 do Código deProcesso Penal..........................................................Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo

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As Provas Ilícitas, segundo a Lei 11.690, de 2008.........

Jorge Assaf Maluly

Pedro Henrique Demercian

135

Sistema Probatório do Processo Penal....................Marco Antonio de Barros

Lei n. 11.690/08: Reforma no Tratamento das ProvasProcessuais Penais...................................................

Rodrigo de Abreu Fudoli

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Lei n. 11.719/08, de 20 de junho de 2008................... 197

Lei n. 11.690/08, de 9 de junho de 2008................... 205

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AAAAAPPPPPRRRRREEEEESSSSSEEEEENNNNNTTTTTAAAAAÇÇÇÇÇÃÃÃÃÃOOOOO

Diante das recentes modificações nalegislação processual penal, a Escola Superior doMinistério Público promoveu uma série de palestraspor todo o Estado de São Paulo com o intuito depropiciar aos colegas uma reflexão sobre os principaistemas.

Não foi difícil encontrar entre osmembros da instituição, aposentados e da ativa,promotores e procuradores de Justiça, processualistasde primeira linha, capazes de uma análise prática ecrítica da nova sistemática processual penal.

O sucesso das palestras nos animou apedir aos colegas artigos sobre as mudanças havidas.A colaboração foi imediata, propiciando a edição dedois volumes em artigos que esgotam o assunto.

Com os agradecimentos aos autorespela inestimável colaboração e a todos os queparticiparam das palestras promovidas em todo oEstado, desejamos a todos uma boa leitura.

Mário de Magalhães Papaterra Limongi

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PRPRPRPRPROCEDIMENTOCEDIMENTOCEDIMENTOCEDIMENTOCEDIMENTOSOSOSOSOS

LEI 11.719/08LEI 11.719/08LEI 11.719/08LEI 11.719/08LEI 11.719/08

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DO INSTITUTDO INSTITUTDO INSTITUTDO INSTITUTDO INSTITUTOOOOOPREVISTPREVISTPREVISTPREVISTPREVISTO PELO PELO PELO PELO PELOOOOOARTIGO 396 DOARTIGO 396 DOARTIGO 396 DOARTIGO 396 DOARTIGO 396 DO

CÓDIGO DECÓDIGO DECÓDIGO DECÓDIGO DECÓDIGO DEPRPRPRPRPROCESSO PENOCESSO PENOCESSO PENOCESSO PENOCESSO PENALALALALAL

CLEBER ROGÉRIO MASSONPromotor de Justiça no Estado de São PauloMestre em Direito Penal pela PUC-SPProfessor de Direito Penal e de Direito Processual Penal

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Cleber Rogério Masson1

1. Introdução

No âmbito da nova reforma do Código de Processo Penal, entrou emvigor no dia 22 de agosto 2 a Lei 11.719/2008, a qual, dentre outras providências, alterou asistemática dos procedimentos.

A partir de então, o procedimento divide-se em comum ou especial. Aquelepode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. Ao contrário do que ocorria anteriormente, adistinção entre os ritos, ordinário e sumário, não leva mais em conta a qualidade da pena, istoé, de reclusão ou de detenção. Agora, o que importa é a quantidade da pena cominada emabstrato ao delito.

Nos termos do artigo 394 e § 1°, incisos I a III, do Código de ProcessoPenal, será ordinário o procedimento quando tiver por objeto crime cuja sanção máximacominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade, e sumárioquando a pena privativa de liberdade prevista abstratamente for inferior a tal montante.

Subsiste o rito sumaríssimo, adequado para as infrações penais demenor potencial ofensivo, assim definidas pelo artigo 61 da Lei 9.099/1995 como ascontravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2(dois) anos, cumulada ou não com multa.

Por sua vez, procedimento especial é aquele definido por leis extravagan-tes cuja incidência se limita às infrações penais nelas contidas. É o caso do rito delineadopelos artigos 183 a 188 da Lei 11.101/2005 relativamente aos crimes falimentares.

E no artigo 396 a nova lei inseriu no Código de Processo Penal uminstituto até então desconhecido, qual seja, a resposta à acusação, por escrito, no prazo

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1 Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Professor deDireito Penal e de Direito Processual Penal.2 “Art. 2°. Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação”. A publicaçãoocorreu no dia 21 de junho de 2008, e nos termos do artigo 8°, § 1°, da Lei Complementar 95/1998:“A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subse-qüente à sua consumação integral”.

ALCANCE E NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTOPREVISTO PELO ARTIGO 396 DO CÓDIGO DE

PROCESSO PENAL

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de 10 (dez) dias. Essa figura, que certamente fará surgir inúmeras discussões doutriná-rias e jurisprudenciais, será objeto do nosso estudo, especialmente no tocante ao seualcance, às suas finalidades e à sua natureza jurídica.

2. Dispositivo legal

Estabelece o artigo 396 do Código de Processo Penal:

Art. 396. Nos procedimentos sumário e ordinário, oferecida a denúnciaou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará acitação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de10 (dez) dias.Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa come-çará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensorconstituído.

3. Alcance

Em uma primeira análise, o instituto aparenta ser genericamente apli-cável a todas as ações penais cujo trâmite se desenvolva em primeiro grau de jurisdição,inclusive aos crimes tipificados pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). De fato, estatui oartigo 394, § 4°, do Código de Processo Penal que “as disposições dos arts. 395 a 398deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda quenão regulados neste Código”.

O texto de lei, contudo, não pode ser interpretado de forma isolada,mas sistematicamente. Com efeito, agiu impropriamente o legislador ao criar a mencio-nada regra genérica. Ensejou espaço para a dúvida e para a contradição, desnecessari-amente, pois em seu artigo 396, caput, o Código Penal foi peremptório ao restringir aresposta escrita exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário.

Destarte, o texto do artigo 394, § 4° deve ser relativizado, para o fimde aplicar-se a resposta escrita somente aos ritos ordinário e sumário, espécies do pro-cedimento comum, e não a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda quenão regulados pelo Código de Processo Penal.

Há, contudo, regra semelhante para os crimes dolosos contra a vida,albergada pelo artigo 406, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz, ao receber adenúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, porescrito, no prazo de 10 (dez) dias”.

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4. Momento oportuno

A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor do acusado, noprazo de 10 (dez) dias após a citação, sob pena de nulidade absoluta por violação aosprincípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal.

Trata-se de etapa imprescindível do processo penal nos crimes que seprocessam tanto pelo rito ordinário como pelo rito sumário. Nesse sentido, se o defensorconstituído não apresentar a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituirdefensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10(dez) dias, como se extrai do artigo 396-A, § 2°, do Código de Processo Penal.

A resposta escrita depende de dois fatores: recebimento da denúncia ouqueixa e citação válida. Em outras palavras, exige-se não tenha a inicial acusatória sidorejeitada liminarmente, medida cabível nas hipóteses em que for manifestamente inepta, bemcomo quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, e,finalmente, quando faltar justa causa para o exercício da ação penal.

E, aplicando-se analogicamente o artigo 406, § 3°, do Código de Pro-cesso Penal, com a redação alterada pela Lei 11.689/2008, o querelante ou o MinistérioPúblico devem manifestar-se sobre a resposta escrita somente na hipótese de nela teremsido argüidas nulidades ou apresentados novos documentos. Raciocínio diverso implicariaem ofensa à regra do contraditório, constitucionalmente consagrada.

5. Finalidades

Com a reforma do Código de Processo Penal, extinguiu-se a “defesa pré-via”, outrora alojada em seu artigo 395 e oferecida no tríduo legal posterior ao interrogatório.

Em face do desaparecimento desse meio de defesa, o legislador criou,no campo dos procedimentos ordinário e sumário, a resposta escrita, também chamada deresposta inicial,3 ora disciplinada pelo artigo 396 do Código de Processo Penal. Trata-se domomento oportuno para o réu argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa,oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemu-nhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (art. 396-A).

Também na resposta escrita deve o réu, se assim desejar, opor as exceçõesde suspeição, incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, asquais devem ser processadas em apartado, observando o procedimento previsto pelos artigos95 a 112, como se observa do artigo 396-A, § 1°, todos do Código de Processo Penal.

Mas não pára por aí. Além de permitir todas as medidas processuais quejá tinham lugar com a antiga defesa prévia, a resposta escrita apresenta outra importantefinalidade: demonstrar ao Poder Judiciário a pertinência da absolvição sumária do acusado,medida também criada pela Lei 11.719/2008 e cabível em quatro hipóteses: I – existência3 MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. SãoPaulo: Método, 2006, p. 268.

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manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – existência manifesta de causaexcludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – evidência de ofato narrado não constituir crime; e IV – presença de causa de extinção da punibilidade.

Serve para o réu postular a absolvição sumária e indicar ao magistrado anecessidade dessa medida, seja com alegações contundentes ao seu respeito, seja com a apre-sentação de documentos que comprovem cabalmente uma das situações previstas pela lei.

Pecou o legislador no inciso IV do artigo 397 (“extinta a punibilidade doagente”). Não se constitui em motivo idôneo para a absolvição sumária, mas sim para decla-ração da extinção da punibilidade. A decisão judicial que reconhece a causa extintiva édeclaratória da extinção da punibilidade, e não absolutória, pois não aprecia o mérito dapretensão punitiva estatal.

Não nos parece, porém, seja correto sustentar a posição pela qualfunciona a resposta escrita como meio de seleção para aferir-se a viabilidade das açõespenais que devem ter regular prosseguimento, separando-a daquelas fadadas inequivo-camente ao insucesso. Essa função é reservada de ofício ao magistrado, a quem incum-be a tarefa de rejeitar a denúncia ou queixa quando for manifestamente inepta, ou quan-do faltar justa causa, pressuposto processual ou condição para o exercício da açãopenal (CPP, art. 395, incisos I a III).

6. Natureza jurídica

Uma análise precipitada do artigo 396 do Código de Processo Penal levaà conclusão equivocada de tratar-se de defesa preliminar.

Defesa preliminar, na tradição do nosso ordenamento jurídico, é a reaçãodefensiva à imputação previamente ao recebimento da denúncia ou queixa. O MinistérioPúblico ou o querelante oferecem a inicial acusatória. O juiz não a aprecia. Determina, inici-almente, a notificação do acusado para defender-se, e, somente após essa defesa, recebe ourejeita a denúncia ou queixa. É o que se dá no artigo 514 do Código de Processo Penal,relativamente aos crimes afiançáveis praticados por funcionários públicos, e também no arti-go 55 da Lei 11.343/2006 (Drogas).

Os procedimentos do Código de Processo Penal modificados pela Lei 11.719/2008 não possuem defesa preliminar. Há, na verdade, resposta escrita, posterior ao recebimentoda denúncia ou queixa. Diversos motivos fundamentam essa natureza jurídica. Vejamos.

Com o oferecimento da denúncia ou da queixa, o artigo 395 do Códigode Processo Penal impõe ao juiz a tarefa de analisar se ela é apta ou inepta, assim como apresença dos pressupostos processuais e condições da ação, e ainda justa causa (lastroprobatório mínimo acerca dos indícios da autoria e prova da materialidade do fato) para oexercício da ação penal.

Se for inepta ou se estiverem ausentes os demais requisitos, deve o ma-gistrado rejeitar a peça processual ajuizada pelo Ministério Público ou pelo ofendido ouquem tenha poderes para representá-lo. Por outro lado, se for apta e encontrarem-se pre-sentes a justa causa, os pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz recebe a

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denúncia ou a queixa. É o que se infere do artigo 396, caput, do Código de ProcessoPenal: “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, ojuiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado pararesponder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”. (destacamos)

Portanto, o recebimento da denúncia ou queixa antecede a resposta es-crita.4 A inicial acusatória já passou pelo juízo de admissibilidade, pois considerada minima-mente aceitável, justificando seu recebimento, o que importa também no Direito Penal emdiversos reflexos, como a interrupção da prescrição (CP, art. 117, inc. I) e o limite temporalpara a diminuição da pena em decorrência do arrependimento posterior (CP, art. 16).

E também já se operou a citação, o que acarreta na completude da relaçãoprocessual, nos moldes do artigo 363 do Código de Processo Penal. E, para falar-se em relaçãoprocessual completa, exige-se obrigatoriamente o recebimento da denúncia ou queixa.

Em síntese, o Ministério Público ou o querelante oferecem a denúnciaou a queixa. Após, o juiz analisa a necessidade ou não de sua rejeição liminar: se o fizer,encerra a ação penal, mas, se recebê-la, ordena em seguida a citação do acusado paraapresentar resposta escrita.

Na resposta escrita, reservam-se ao réu os poderes apontados pelo arti-go 396-A do Código de Processo Penal, bem como lhe permite requerer ao juiz a absolviçãosumária. Até mesmo para o réu seria prejudicial a resposta escrita sem o recebimento dadenúncia ou queixa. Deveras, não seria cabível a absolvição sumária sem o juízo deadmissibilidade da inicial acusatória. Como bem destaca Andrey Borges de Mendonça:

(...) seria logicamente impossível a absolvição sumária do acusado sem o ante-rior recebimento da denúncia. O juiz julgaria qual pretensão improcedente, sesequer recebeu a acusação? Absolveria o acusado de que, se sequer houverecebimento da denúncia? Seria incoerente, em nosso sentir, uma absolviçãosem que houvesse processo, sem recebimento de denúncia. 5

A redação do artigo 399, caput, do Código de Processo Penal é con-fusa, mas deve ser entendida, por questão de lógica, como indicativa do recebimento da denúnciaou queixa e conseqüente apresentação de resposta escrita, sem optar o juiz pela absolvição sumá-ria. Assim sendo, o magistrado designa audiência de instrução e julgamento, que deve ser realizadano prazo máximo de 60 (sessenta) dias. Poderia o legislador ter utilizado redação nesse sentido:“Se, recebida a denúncia ou a queixa, não for cabível a absolvição sumária, o juiz designará dia ehora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Públicoe, se for o caso, do querelante e do assistente”.

4 No mesmo sentido: ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa preliminar”. SãoPaulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em05/08/2008.5 MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São Paulo

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Nessa audiência a ordem de oitiva é a seguinte: declarações do ofen-dido, inquirição das testemunhas (primeiro as de acusação e depois as de defesa), es-clarecimentos dos peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, e, porúltimo, interrogatório do acusado (CPP, art. 400, caput).

Com a produção das provas em audiência, o Ministério Público, oquerelante e o assistente, e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja ne-cessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Se o juiz acatar opedido, encerra a audiência sem as alegações finais, e, realizada a diligência determi-nada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, seus memoriais, e,no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença (CPP, art. 402 c.c. art. 404 e p.único).

Por sua vez, se, encerrada a audiência, não houver requerimentos dediligências, ou se indeferido pedido nesse sentido, as partes oferecerão alegações finaisoralmente, primeiro a acusação e depois a defesa, por 20 (vinte) minutos, prorrogáveispor mais 10 (dez), preferindo o juiz, a seguir, a sentença. Em razão da complexidade docaso ou do número de acusados, poderá o juiz conceder às partes o prazo de 5 (cinco)dias sucessivamente para a apresentação de memoriais, e, após, deverá sentenciar em10 (dez) dias (CPP, art. 403 e § 3°).

Fica nítido, assim, o motivo que levou o legislador a introduzir no sistemaprocessual o instituto da resposta escrita.

Antes da Lei 11.719/2008, o réu era citado para ser interrogado em juízo.Dentro do prazo de três dias após o interrogatório, podia apresentar defesa prévia, ocasiãoem que arrolava testemunhas, argüia preliminares, apresentava exceções, etc.

Com a edição da Lei 11.719/2008, o réu é interrogado apenas na audiên-cia de instrução e julgamento. Logo, não teria mais espaço para a defesa prévia, então disci-plinada pelo artigo 395 do Código de Processo Penal. Conseqüentemente, foi necessária acriação da resposta escrita para que o réu possa desempenhar diversas funções: argüir pre-liminares, alegar o que interessar à sua defesa, notadamente para buscar a absolviçãosumária, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolartestemunhas a serem ouvidas em juízo etc.

Constitui-se a resposta escrita, portanto, em meio de defesa posterior aorecebimento da denúncia ou queixa, e não em defesa preliminar, pois não se destina a buscara rejeição da inicial acusatória.

É válido destacar, porém, que o Projeto de Lei n° 2007, de 2001, doqual resultou a Lei 11.719/2008, tinha originariamente o propósito de fazer a respostaescrita desempenhar a função de defesa preliminar, anterior ao recebimento da denúnciaou queixa. Mas na Câmara dos Deputados o projeto foi alterado, com a justificativa deque não seria correto determinar a citação do acusado sem o recebimento da inicialacusatória. E quando o projeto foi encaminhado ao Senado Federal, mais uma vez ten-tou-se ressuscitar a figura da defesa preliminar. Em vão, pois quando retornou à Câmarados Deputados a emenda foi rejeitada.

Confira-se o parecer do Deputado Régis Fernandes de Oliveira à menci-onada emenda do Senado Federal: “Emenda n. 8: Pretende alterar no caput do art. 395, do

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Código de Processo Penal, o termo “recebê-la-á, sob a justificativa de que o ato derecebimento da denúncia está previsto no momento descrito no art. 399. O instrumentoque é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que sediscute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para semandar citar o réu, e, somente após a apresentação da defesa deste, extinguir o feito.Melhor se mostra que o Juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relaçãoprocessual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”.

7. Conclusões

Em face do que foi exposto, são possíveis as seguintes conclusõesacerca da resposta escrita, prevista pelo artigo 396, caput, do Código de Processo Pe-nal, com a redação alterada pela Lei 11.719/2008:

1) O instituto é aplicável aos crimes cujo processo e julgamentoobservam os procedimentos ordinário e sumário;

2) Existe, entretanto, regra análoga para os crimes de competênciado Tribunal do Júri, contida no artigo 406, caput, do Código de Processo Penal, com aredação definida pela Lei 11.689/2008;

3) A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor, no prazode 10 dias após a citação, e, em caso de omissão, o juiz nomeará defensor paraoferecê-la em igual prazo;

4) A ausência de resposta escrita constitui nulidade absoluta, por vi-olação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal;

5) O querelante ou o Ministério Público devem manifestar-se sobre aresposta escrita somente na hipótese de nela terem sido argüidas nulidades ou apresentadosnovos documentos, em obediência ao principio do contraditório, constitucionalmente consa-grado;

6) A resposta escrita substitui, ainda que em momento diverso, a antigadefesa prévia. Portanto, destina-se à argüição de nulidades, apresentação de exceções, indi-cação de testemunhas, e, notadamente, para o acusado pleitear a absolvição sumária; e

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7) Finalmente, trata-se de meio processual de defesa do réu, e não dedefesa preliminar, uma vez que depende do prévio recebimento da denúncia, bem comoda citação válida do acusado.

Bibliografia

ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa prelimi-nar”. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em:www.damasio.com.br. Acesso em 05/08/2008.

MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de ProcessoPenal: artigo por artigo. São Paulo: Método, 2006, p. 266.

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OS NOOS NOOS NOOS NOOS NOVVVVVOSOSOSOSOSCONTCONTCONTCONTCONTORNOS DORNOS DORNOS DORNOS DORNOS DAAAAA

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LUÍS FERNANDO DE MORAES MANZANOPromotor de Justiça no Estado de São PauloEspecialista em Direito Público pela ESMPMestrando em Processo Penal pela Faculdadede Direito da USP

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Luís Fernando de Moraes Manzano1

1. Introdução

A Lei 11.719, de 23 de junho de 2008, introduziu novos contornos àemendatio libelli e à mutatio libelli.

Para melhor compreensão das modificações havidas, elas serão apresen-tadas em comparação com a sistemática anteriormente vigente.

2. Princípio da correlação, da congruência ou da equivalência

O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamadoda congruência da condenação com a imputação, ou ainda, da correspondência entre oobjeto da ação e o objeto da sentença, expressa que a sentença deve guardar correlaçãocom o pedido. Trata-se de uma das mais relevantes garantias do direito de defesa.

Qualquer distorção, sem a observância do disposto no art. 384 do Códi-go de Processo Penal, significa ofensa àquele princípio e acarreta a nulidade da sentença.

3. Regra da imutatio libelliÉ nula a sentença ultra, citra e extra petita, por ofensa ao princípio em

tela. Ademais, a primeira ofende também o princípio da ação ou demanda, na medida em quea entrega jurisdicional ultrapassa os limites da pretensão deduzida; a segunda, fere de igual

OS NOVOS CONTORNOS DA EMENDATIO LIBELLI E DAMUTATIO LIBELLI

1 Bacharel Internacional pelo Armand Hammer United World College of the American West (1982-1984).Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1991) e, em Engenhariapela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1991), sendo o orador das turmas. Advogado(1992). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (ingresso em 1992). Membrodo Conselho de Segurança do Município de Campinas (1995-1996). Coordenador do Grupo de EstudosCampos Salles em Campinas (1996-1997). 1º Diretor do Núcleo Regional da Escola Superior do Ministé-rio Público de Campinas (1997). Fundador e coordenador do Curso Veredicto Preparatório para asCarreiras Jurídicas de Campinas e Região (1996-2005). Especializado em Direito Público pela EscolaSuperior do Ministério Público (2006). Mestrando em Direito Processual pela Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo. Professor assistente da USP e Professor de Direito Processual do CursoMarcato. Coordenador Geral do JURISUL.

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modo o princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, pois o juiz não podedeixar de apreciar a causa que lhe é trazida à solução; e, por fim, a terceira atenta contra ostrês princípios mencionados neste parágrafo, pelas mesmas razões já explicitadas.

O juiz não pode, portanto, proferir sentença ultra, citra ou extra petita,sob pena de causar prejuízo à defesa e de nulidade da sentença. Trata-se da enunciação daregra da imutatio libelli.

4. Teoria da substanciação versus teria da individuação e o princí-pio juris novit curia

No processo brasileiro vigora o princípio juris novit curia, isto é, o juizconhece o direito e, quanto à causa de pedir, nosso ordenamento jurídico adotou a teria dasubstanciação, que se contrapõe à teoria da individuação. Segundo a teoria adotada, o réu sedefende dos fatos contra ele imputados, de que toma conhecimento por intermédio da cita-ção e contra-fé, e não da capitulação legal dada ao crime na inicial.

5. Emendatio libelli (art. 383)

Em razão das teorias e princípios supra ditos, o Código autoriza ojuiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, a atribuir-lhedefinição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena maisgrave (art. 383, caput).

Em sua redação anterior, dispunha o art. 383:

“Art. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constarda queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicarpena mais grave”.

A nova redação é a seguinte:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ouqueixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conse-qüência, tenha de aplicar pena mais grave”.

Com a nova redação dada pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, aodispositivo ficou mais claro que na hipótese de emendatio libelli não há modificação nosfatos narrados na denúncia ou queixa, sendo possível, isto sim, que o juiz, sem alterar adescrição dos fatos, subsuma-os à norma penal que entenda aplicável. Afinal, cabe ao juiz,que conhece o direito, aplicá-lo à espécie.

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Desde o direito romano arcaico as partes compareciam à presença dopretor e, depois de narrarem os fatos, assumiam a litiscontestatio, isto é, o compromisso dese submeterem ao que fosse por ele decidido, pois era ele o árbitro dos conflitos de interes-ses resistidos, haja vista que, em razão de sua ligação com as divindades ou com os anciãos,conheciam a vontade dos deuses ou os costumes dos povos e, pois, tinham condições demelhor decidir. A esta época remontam as expressões narra mihi factum dabo tibi jus ejuris novit curia.

Afinal ao juiz compete o exercício da atividade, função e poder jurisdicionalque, em contrapartida, impõe-lhe o dever de apreciar a causa que lhe é trazida à solução.

A nova sistemática, introduzida pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008,alterou apenas a redação do artigo para tornar mais clara a intenção da lei, sem, contudo,impor qualquer alteração em seu sentido.

Saliente-se que o juiz somente poderá dar definição jurídica diversaao fato, se o mesmo estiver descrito na inicial, ainda que disso resulte a aplicação depena mais grave, sem que importe em prejuízo à defesa, pois, segundo a teoria dasubstanciação, o réu se defende dos fatos contra ele imputados e não da capitulaçãolegal dada ao crime na inicial.

Vale dizer, cabe ao titular da ação penal narrar na inicial os fatos cujaprática imputa ao agente e, ao juiz, a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, dizer odireito, o que se expressa na parêmia narra mihi factum dabo tibi jus.

Assim, por exemplo, o juiz pode reconhecer a existência de elementares,qualificadoras, causas de aumento de pena descritas porém não capituladas na inicial, o queredundará na aplicação de pena mais gravosa que aquela que seria imposta ao crime capitu-lado na inicial.

A emendatio libelli também se aplica ao julgamento em grau de recurso,observando-se, porém, que somente se houver recurso da acusação é que o tribunal podeaumentar a pena, em virtude da proibição da reformatio in pejus e do tantum devoluntumquantum appellatum. Nesse caso, não tendo havido recurso da acusação, o tribunal corri-ge a classificação, mas não pode aumentar a pena.

Assim, por exemplo, se o promotor de justiça descreveu o apossamentoda res furtiva mediante arrebatamento e classificou o fato como sendo crime de furto, nadaobsta a que o juiz condene o réu por roubo, por entender que o arrebatamento da correntedo pescoço da vítima configurou a violência necessária à caracterização do roubo.

Cumpre observar, de outra parte, que a nova lei acrescentou dois pará-grafos ao comentado art. 383, de seguintes teores:

“Art. 383...§ 1º. Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilida-de de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá deacordo com o disposto na lei.§ 2º. Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serãoencaminhados os autos.”

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Os acréscimos (dois parágrafos) buscaram adequar o Código de Pro-cesso Penal às Lei 9.099/95. Assim, dispôs a nova lei que, se em razão da nova defini-ção jurídica do fato narrado na denúncia ou queixa, a pena mínima prevista para o crimenão exceder a um (01) ano de prisão, o juiz dará vista dos autos ao Ministério Públicopara o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, nos termos doart. 89 da Lei 9.099/95. Semelhante orientação já vinha sendo adotada pelo STJ (videSúmula 337 a propósito2).

Caso o órgão ministerial discorde da interpretação jurídica dada pelo juizao fato narrado na denúncia e, em razão disso, recuse-se a oferecer a proposta de sursisprocessual, de todo aplicável a Súmula 696 do STF3.

A lei 9.099/95 não previu a possibilidade de oferecimento de proposta desuspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada. É o que se infere daleitura do art. 89, caput, da lei, cuja redação é a seguinte:

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferiora 1 (um) ano, abrangidos ou não por esta Lei, o Ministério Público, aooferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois)a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ounão tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitosque autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CódigoPenal)”.

Contudo, na jurisprudência atual predomina claramente o entendimentode que é cabível a suspensão do processo na ação penal privada: STJ, HC 5.585-RJ, rel.Min. Cid Fláquer Scartezzini, DJU de 02.03.1998, p. 120; STJ, HC 18.590-MG, rel. Ha-milton Carvalhido, DJU de 25.02.2002, p. 453, j. 04.12.2001.

Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo,caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento.

O § 2º do art. 383 teve claramente em mira a hipótese em que, efetivadaa nova definição jurídica do fato, resulte qualificado como infração penal de menor potencialofensivo. Neste caso, portanto, os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial, para aadoção do rito especial previsto na Lei 9.099/95.

Sumarizando, se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houverpossibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acor-do com o disposto na lei (art. 383, § 1º). Tratando-se de infração da competência de outrojuízo, a este serão encaminhados os autos (art. 383, § 2º).

2 Súmula 337 do STJ: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e naprocedência parcial da pretensão punitiva.3 Súmula 696 do STF: reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do proces-so, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procu-rador-geral, aplicando-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal.

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6. Mutatio libelli (art. 384)

Por outro lado, verdadeira exceção à regra da imutatio libelli está pre-vista no art. 384.

Na redação anterior, dispunha o art. 384:

“Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídicado fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstânciaelementar, não contida, explicita ou implicitamente, na denúncia ou quei-xa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e,se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica queimporte aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de queo Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude destahouver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, emseguida, o prazo de três dias á defesa, que poderá oferecer prova arrolandoaté três testemunhas.”

A nova redação dada pela Lei 11.719/08 é a seguinte :

“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível novadefinição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autosde elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação,o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5dias, se em virtude desta houver sido instaurado processo em crime deação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

§ 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento,aplica-se o art. 28 deste Código.

§ 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 dias e admitido oaditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e ahora para a continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novointerrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

§ 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caputdeste artigo.

§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 testemu-nhas, no prazo de 5 dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos doaditamento.

§ 5º. Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá”.

Trata o dispositivo da mutatio libelli, que ocorre quando o juiz observa,ao tempo da prolação da sentença, que os fatos descritos na inicial não coincidem com osfatos apurados durante a instrução criminal em face da existência de elementar ou circuns-tância da infração penal que não se encontra descrita na denúncia ou queixa.

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Neste caso então a lei previu a necessidade de prévio aditamento da ini-cial e pronunciamento da defesa, para que não se transija com a garantia constitucional daampla defesa. A inobservância da regra contida no art. 384, caput, do CPP acarreta, comoconseqüência, a nulidade da sentença por ofensa dos princípios da correlação e da ampladefesa, com fundamento no art. 564, inc. IV do Código de Processo Penal.

Logo, impõe-se ao Ministério Público o aditamento da denúncia ou quei-xa subsidiária para o fim de incluir elemento ou circunstância na descrição fática não contidana inicial, e que foi apurada durante a instrução criminal.

Uma das modificações observadas na nova redação se refere à possi-bilidade de que o aditamento seja feito oralmente em audiência, caso em que será redu-zido a termo. Nesse passo, o dispositivo em estudo se harmonizou à nova sistemáticaritual implantada pela Lei 11.719/08, marcada pela audiência una, concentração,oralidade, imediatidade e identidade física do juiz.

Além disso, o aditamento passou a ser sempre exigido, mesmo quan-do, em razão da prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração nãocontida na acusação, resulte aplicação de pena igual ou menor que a prevista para ainfração penal narrada na inicial.

Aqui, portanto, a hipótese é diversa da do art. 383, pois, em sede demutatito libelli, o fato não está inteiramente descrito na inicial na medida em que umadendo do fato (elemento ou circunstância) vem a ser desvendado no curso da instruçãocriminal. O juiz, nesse caso, não poderá condenar o réu pelo novo fato que não estáinteiramente descrito na inicial sem o aditamento à denuncia e o prévio pronunciamentoda defesa, a fim de manter íntegros os princípios da correlação e da ampla defesa, sobpena de nulidade da sentença.

Duas hipóteses podem ocorrer:1ª) a elementar ou circunstância não altera ou diminui a pena;2ª) a pena vem a ser agravada.

Na sistemática anterior, o art. 384, caput, ao tratar da primeira hipó-tese, recomendava vista dos autos à defesa, por oito dias, podendo esta arrolar até trêstestemunhas, ao passo que o parágrafo único, ao disciplinar a segunda hipótese, impu-nha vista ao Ministério Público para o aditamento e, depois, à defesa, por três dias, paraque arrolasse até três testemunhas. As soluções, como se vê, eram díspares, conforme ahipótese verificada pelo juiz.

A nova sistemática simplificou a matéria, na medida em que recomen-dou a adoção da mesma solução para as duas hipóteses. Sem dúvida, o modelo atual émais garantista, no sentido de melhor assegurar a congruência entre a sentença e o pedi-do, e o amplo exercício da defesa e do contraditório, por exigir o aditamento da denún-cia ou queixa e o pronunciamento prévio da defesa nas duas hipóteses.

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Portanto, de acordo com a nova redação dada ao dispositivo, o adita-mento será sempre necessário, independentemente da circunstância ou do elemento não des-crito, importar em aplicação de uma pena igual ou de menor gravidade, caso em que, deacordo com a sistemática anterior, não se exigia o aditamento, mas tão somente a intimaçãodo defensor para que se manifestasse no prazo de 8 dias (previsão esta, contida no antigocaput do art. 384), podendo produzir prova e arrolar até 3 testemunhas.

Caso o aditamento não seja oferecido oralmente em audiência, o pra-zo para que o órgão do Ministério Público o realize é de 5 dias. Uma vez admitido oaditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora paracontinuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusa-do, realização de debates e julgamento.

Logo, a lei estabeleceu que a instrução possa ser reaberta, e que, apedido das partes, novo interrogatório, ao final, seja realizado, em que consagrou oentendimento no sentido de que o interrogatório é meio de defesa, e não meio de produ-ção de prova, cabendo anotar que a redação anterior não previa a possibilidade derenovação do ato a pedido das partes, o que dava margem à discussão sobre a possibi-lidade de repetição voluntária.

Por outro lado, a nova redação eliminou a expressão “circunstânciaelementar”contida na redação anterior, a qual deu margem a duras críticas doutrinárias. Subs-tituiu-a por “elemento ou circunstância”, que é, sem dúvida, mais precisa, embora ainda nãoseja suficientemente adequada, pois ao invés de “elemento” melhor teria escrito “elementar”.

Dizia a doutrina, em geral, que a expressão “circunstância elementar” nãose afigurava correta: a elementar compõe o tipo penal; circunstância deriva de circunstare,que significa estar ao redor de (do crime), está fora do crime. Se é elementar, está no crime;se é circunstância, fora do crime, pelo que “circunstância elementar” expressa algo que está“dentro e fora”; é dizer, afigurava-se expressão vazia, sem sentido algum, desprovida designificado qualquer.

Em boa hora, sensível aos reclamos doutrinários, o legislador substituiu aexpressão “circunstância elementar” por “elemento ou circunstância”.

Elemento e circunstância abrangem não só as elementares propria-mente ditas, mas também as circunstâncias legais (qualificadoras, causas de aumento ede diminuição de pena).

E quanto às agravantes? Dispõe o art. 385, que não foi alterado, que“nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, aindaque o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconheceragravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, mesmo que não tenham sido ar-ticuladas na denúncia ou queixa.

Portanto, por elemento ou circunstância entenda-se:1) elementar;2) qualificadora; e,3) causa de aumento e de diminuição de pena.

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Em se tratando de fato novo, tem aplicação o disposto no art. 40 doCPP. Nesse caso, descabe o aditamento ainda que haja conexão. Deve ser oferecida novadenúncia, instaurando-se outro processo contra o acusado.

Por outro lado, nos crimes de ação pública o juiz poderá reconheceragravantes, embora nenhuma tenha sido alegada (art. 385, 2ª parte).

A fase do art. 384 é a última oportunidade para se fazer a adequação daimputação à realidade fática, por duas razões:

1ª) porque o procedimento não pode ser adotado em segundo grau de juris-dição. Com efeito, a Súmula 453 do STF dispõe sobre a impossibilidade de aplicação da mutatiolibelli em segundo grau. Portanto, não se aplica à segunda instância o art. 384 do CPP;

2ª) porque a absolvição sobre o fato fará coisa julgada material sobre o fatointeiro, ainda que não julgado por inteiro. Assim, por exemplo, se o réu foi processado pela práticade crime de estupro sem que tivesse havido coito vaginal, mas sim anal, após o trânsito em julgadoda sentença não poderá mais ser processado pelo crime de atentado violento ao pudor, poisninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, naturalisticamente considerado.

Esse procedimento, que assegura o direito de defesa, para algunsdoutrinadores é resquício do procedimento de ofício, indesejável num sistema acusatóriopuro, porque é o juiz que aponta a elementar ou circunstância e provoca o aditamento dadenúncia pelo Parquet, incorrendo, pois, em irrefragável inconstitucionalidade, pois o exer-cício da ação penal pública é privativo do Ministério Público (art. 129, inc. I, da CF).

Nesse sentido, decidiu o extinto TACrimSP (JUTACrim 90/368) que ojuiz deve esclarecer “qual a prova e circunstância elementar não contidas explícita ou implici-tamente na denúncia” e, se deixa de fazê-lo, “nulo é o despacho, porque a acusação deveser certa, para que o réu possa se defender amplamente” (grifou-se). Admitindo, como oacórdão, que há uma nova acusação, discutível a constitucionalidade do art. 384, caput,pois, segundo o art. 129, inc. I da CF, qualquer acusação em crime de ação pública deve serformulada pelo Ministério Público.

De se ponderar, contudo, que o Supremo Tribunal Federal jamais decla-rou a inconstitucionalidade do art. 384 do CPP.

Suponha-se que, denunciado por furto simples, venha o réu a ser conde-nado por apropriação indébita, sem observância do disposto no novo art. 384, caput. O réuapela para ser absolvido, não alegando a preliminar de nulidade da sentença. Impende, nessecaso, observar o teor da Súmula 160 do STF, no sentido de que “é nula a decisão dotribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressal-vados os casos de recurso de ofício”. Se o Tribunal verificar que as elementares da apro-priação indébita não estavam contidos na acusação, deve absolver o apelante, uma vez queo art. 384 não pode ser aplicado em segunda instância. Em suma: caso o Tribunal reconheçaser o caso de aplicar o art. 384, a solução é a absolvição, e não a decretação da nulidade.

O prazo para o Promotor de Justiça oferecer aditamento não estava ex-presso na redação anterior do art. 384, parágrafo único. À míngua de previsão legal, enten-dia a doutrina, por analogia ao art. 46, § 2º, que o prazo era de 3 dias. Também decorria deentendimento doutrinário que, em caso de recusa do aditamento, aplicar-se-ia o art. 28 doCPP também por analogia.

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A nova lei dirimiu qualquer controvérsia sobre a matéria, e positivou,no caput, o prazo de 5 dias para o aditamento da denúncia ou queixa subsidiária e, no §1º, que “Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se oart. 28 deste Código”. Assim, a nova lei melhor atendeu ao princípio da segurançajurídica na medida em que suprimiu lacunas existentes na redação anterior conducentesa incertezas tormentosas.

A nova redação não inovou, uma vez que já era entendimento pacífico dadoutrina e da jurisprudência que se o representante do Ministério Público deixasse de ofere-cer o aditamento à peça inicial, deveria ser aplicado o art. 28 do CPP por analogia.

Ao fazer o aditamento, o promotor de Justiça não está adstrito aos limitesestabelecidos pelo juiz, de acordo com o STF, podendo fazê-lo mesmo sem a determinaçãodeste em alegações finais por exemplo; isto porque a denúncia pode ser aditada a qualquertempo. O recebimento do aditamento não interrompe a prescrição, pois a hipótese não estácontida entre as causas interruptivas da prescrição relacionadas no art. 117 do CP. Admitidoo aditamento, dispõe o novo § 2º do art. 384, que o juiz, a requerimento de qualquer daspartes, designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas,novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

A previsão de novo interrogatório do acusado constitui inovação, poisnão constava da redação anterior, o que gerou grande controvérsia em torno de suaindispensabilidade. Além disso, ao consignar, in fine, “realização de debates e julgamento”, odispositivo adequou-se à nova sistemática adotada pela mesma Lei 11.719/08 quanto aosritos, eliminando as fases dos arts. 499 a 502, que foram substituídas pelos debates e julga-mento, tanto para o rito sumário quanto para o rito ordinário.

Note-se, porém, que a nova lei, assim como a anterior, não faz mençãoalguma quanto à necessidade de que, procedido ao aditamento, a citação seja renovada, deque se impõe concluir pela dispensa do ato.

O assistente da acusação não pode aditar a denúncia, em razão da natu-reza jurídica de sua atuação, que legitima sua intervenção no processo penal para defenderum direito próprio, não também para a defesa do interesse social envolvido na repressãocriminal, tarefa constitucionalmente afeta ao Ministério Público, pois, se lhe fosse dado fazê-lo, a lei estaria a homenagear uma superfetação de atribuições.

Por outro lado, nada impede que, após as providências referidas no dis-positivo em estudo e produzidas as alegações e provas das partes, o juiz condene o acusadopelos fatos descritos na inicial (desconsiderado o aditamento), dos quais o réu se defendeuno processo, por entender não haver prova contundente a respeito das circunstâncias ouelementares que vislumbrava anteriormente.

Apesar dos avanços, ainda persiste dúvida sobre a aplicabilidade ou nãodo art. 384, caput, à ação penal exclusivamente privada por analogia invocando, em ampa-ro, o disposto no art. 3º do CPP, que admite a aplicação da analogia e interpretação exten-siva às normas processuais penais. Há duas orientações:

1ª) (Mirabete, Greco, Frederico Marques e Basileu Garcia) não se apli-ca. Ratio: a analogia somente é cabivel em caso de lacuna involuntária da lei, para integrá-la. Na hipótese, sustentam esses autores, o legislador não deixou lacuna a ser suprida, pois se

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refere expressa e exclusivamente à ação privada subsidiária. Além disso, interpretação emcontrário feriria o princípio da disponibilidade e oportunidade, na medida em que seria o juiza provocar o ofendido a lhe trazer o fato à apreciação.

2ª) (Tourinho Filho e Damásio) aplica-se também à ação penal exclusiva-mente privada. Ratio: “Seria estranho que o querelante, pelo fato de, inicialmente, não haverapreendido, em toda a sua extensão, a gravidade do fato delituoso demonstrada na instru-ção, não pudesse fazer o aditamento, desde que o fizesse dentro do prazo decadencial. Emais estranha ainda a posição do juiz, não podendo condenar pelo crime verificado (ante aausência de aditamento), e muito menos pelo capitulado (porque na verdade o crime foioutro), teria forçosamente que proferir um decreto absolutório”4.

O dissenso ainda é atual, na medida em que, em sua nova redação, o art.384, caput, manteve a mesma fórmula contida no parágrafo único do art. 384 (antigo), quereza “(...) aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado oprocesso em crime de ação pública”.

Regra importante a ser obedecida quando da aplicação da mutatiolibelli é que o juiz, ao baixar os autos em Cartório para as providências do art. 384,caput, deve fazê-lo, como diz Espínola Filho, em termos que não traduzam umprejulgamento, mesmo porque, arremata Mirabete, tal despacho encerra um juízo demera possibilidade, pois que nada impede que o juiz acabe por reconhecer a ocorrênciado crime anteriormente capitulado ao depois.

A emendatio libelli (art. 383) pode ser aplicada em segundo grau. Omesmo não se diga quanto à mutatio libelli. A propósito, dispõe a Súmula 453 do STFque “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Códigode Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso,em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente nadenúncia ou queixa”.

Por fim, questão controvertida dizia respeito ao processo do júri por oca-sião da sentença de pronúncia (agora tratada como decisão de pronúncia) pela Lei 11.689,de 9 de junho de 2008.. O art. 408, § 4º (que foi revogado e substituído pelo atual art. 418)dispunha que “o juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou na denún-cia, embora fique sujeito à pena mais grave...”, o que podia sugerir que o juiz estivesseautorizado a pronunciar por crime diverso do contido na denúncia, sem o aditamento, como,por exemplo, pronunciar por homicídio qualificado quem foi acusado por homicídio simples,ou por homicídio em caso de imputação de infanticídio. Conquanto parecesse lógica a neces-sidade do aditamento, uma interpretação equivocada dos julgados do STJ conduzia algunsautores a suporem-no dispensável.

O novo art. 418, que substituiu o art. 408, § 4º, não repetiu a fórmuladeste; repisou, isto sim, a redação do art. 383, notadamente quanto ao emprego da expres-são “definição jurídica diversa”, a evidenciar que o citado dispositivo se refere à hipótese deemendatio libelli e, pois, que nova definição jurídica do fato em conseqüência de prova

4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. São Paulo : Saraiva, 18ª edição, 1997, p. 240.

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existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusaçãonão escapa ao necessário aditamento desta.

O novo § 3º, do art. 384, determinou a aplicação, à mutatio libelli, dasregras previstas nos §§ 1º e 2º, do art. 383, que disciplina a emendatio libelli. Assim, se danova descrição fática contida no aditamento houver a possibilidade de aplicação do art. 89da Lei 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo paras as infrações cujapena mínima não exceda um ano, o juiz deverá proceder a fim de que tal regra seja aplicada.

Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo,caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento.

O § 4º, acrescido ao art. 384, a seu turno, prescreve que, no caso deaditamento, as partes poderão, no prazo de 5 dias, arrolar até 3 testemunhas para seremouvidas em audiência, sendo certo que o juiz, na sentença, deve ficar adstrito aos termos doaditamento realizado, não podendo julgar extra petita, o que geraria nulidade da sentença. Eo § 5º do citado dispositivo legal complementa a regulamentação da matéria, ao dispor quenão recebido o aditamento, o processo prosseguirá, cabendo ao juiz, pois, sentenciar o feitolevando em conta apenas os fatos narrados na inicial (desconsiderado o aditamento), porforça da aplicação do princípio da correlação.

É despiciendo lembrar que as normas contidas nos arts. 383 e 384 têmnatureza puramente processual, pelo que a elas se aplica o disposto no art. 2º do CPP5.

Bibliografia

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado,vol. 4. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1965.

GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, e GO-MES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo; Revistados Tribunais, 8ª edição, 2004.

JESUS, Damásio E. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo:Editora Saraiva, 15ª edição, 1998.

5 “Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados soba vigência da lei anterior”.

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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 18ª edi-ção, 2007.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. SãoPaulo: Saraiva, 18ª edição, 1997.

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LUIZ ROBERTO SALLES SOUZAPromotor de Justiça no Estado de São PauloMestre em Direito Processual Penal pela USPProfessor da ESMPProfessor dos cursos de graduação e pós-graduaçãoda Universidade Presbiteriana Mackenzie

CHRISTIAN MARCOS CARBONIBacharel em DireitoPequisadorOficial de Promotoria em São Paulo

A REAFIRMAÇÃOA REAFIRMAÇÃOA REAFIRMAÇÃOA REAFIRMAÇÃOA REAFIRMAÇÃODO PROCESSODO PROCESSODO PROCESSODO PROCESSODO PROCESSO

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Luiz Roberto Salles Souza1

Christian Marcos Carboni2

O Código de Processo Penal brasileiro3, no curso dos últimos sessentaanos, vem sofrendo alterações que mantém a sua atualidade e vitalidade.

A mais recente reforma foi introduzida pelo conjunto de três novas leis4

que bem demonstram a intenção do legislador em reforçar a adoção do sistema5 acusatóriono processo penal brasileiro, buscar a celeridade processual, aprimorar o processo contradi-tório e adequar o vetusto Código de Processo Penal a Constituição Federal de 1988.

Em realidade, caminha-se para um processo penal mais eficiente e garantista.Na lição de Antonio Scarance Fernandes, “o que se alcançou com a

evolução histórica do processo penal não foi a criação de um procedimento ideal queassegurasse de modo perene o equilíbrio desejável entre a segurança e a liberdade,mesmo porque o processo penal reflete, em cada época e em cada local, as vicissitudesdas ideologias e dos pensamentos do sistema político e as formas diferenciadas deexpressão do tecido social. Mas, de maneira geral, foram sendo fixadas algumas regrase alguns princípios, os quais, em seu conjunto, constituem diretrizes fundamentais paraa formação dos procedimentos (...)” que devem garantir “a atuação eficaz dos órgãosencarregados da persecução penal e que, ao mesmo tempo, assegure a plena efetivaçãodas garantias do devido processo penal”.6

As novas disposições do Código de Processo Penal tiveram por base aspropostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal que forapresidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover7. “Foram elaborados inicialmente

A REAFIRMAÇÃO DO PROCESSOACUSATÓRIO E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL

BRASILEIRO: AS REFORMAS DE JUNHO DE 2008

1 Promotor de Justiça em São Paulo, mestre em direito processual penal pela Universidade de São Paulo(USP), professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESPM) e professor dos cursosde graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).2 Bacharel em direito, pesquisador e oficial de promotoria em São Paulo.3 Decreto-lei 3.689/41.4 Lei 11.689/08, Lei 11.690/08 e Lei 11.719/085 Sobre os sistemas contemporâneos ver DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo.São Paulo: Martins Fontes, 1998. Em relação aos sistemas processuais penais consultar: SCHOLZ, LeônidasRibeiro, in RT 764/459-468.6 Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal. In Sigilo no processo penal:eficiência e garantismo. São Paulo: RT, 2008, pp. 11-13.

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oito projetos: um já aprovado (o que cuidava da prisão especial) e outros sete(investigação criminal, procedimentos, provas, interrogatório, prisão e liberdadeprovisória, júri e recursos)”. 8

O estudo do processo penal constitucional,9 demonstra que váriosdispositivos do Código de Processo Penal não foram recepcionados pela Consti-tuição Federal de 1988, mas continuaram inseridos no texto da norma instrumentalprovocando dúvidas de interpretação e desvios de aplicação. Mister se fazia a ade-quação do Código de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais previs-tos na Constituição Federal.

Muito embora o modelo do processo penal acusatório faça parte datradição jurídica brasileira, nosso ordenamento vem sendo refinado com distribuiçãoclara das funções de julgar, acusar e defender.

Na atualidade, parece inconcebível a existência de um sistema em queos papeis desenvolvidos pelos operadores do processo penal se misturem e que nãohaja absoluta igualdade de oportunidades processuais, entre acusação e defesa, na bus-ca da prestação jurisdicional imparcial e plenamente fundamentada na prova produzidaem contraditório.

A reforma junina destaca claramente a separação entre a fase de in-vestigação e a fase da ação penal.

O artigo 155, do Código de Processo Penal,10 estabelece que o juiznão pode formar a sua convicção e fundamentar a sua decisão com base nos elementosinformativos da investigação.

A vedação legal prestigia a garantia do contraditório e favorece oaprimoramento da investigação criminal como instrumento imprescindível a justifi-car a ação penal.

O produto da investigação não é prova, pois esta só pode ser produzidaem contraditório judicial. O legislador tomou a cautela de utilizar o vocábulo “investigação”para demonstrar que a colheita dos “elementos informativos” relacionados à prática delituosanão está, necessariamente, vinculada a instauração de inquérito policial.

7 Da comissão fizeram parte: Ada Pellegrini Grinover (presidente), Petrônio Calmon Filho (secretário), AntônioMagalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, NilzardoCarneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Rui Stoco e Sidnei Beneti.8 Artigo de Luiz Flávio Gomes publicado site www.mundojuridico.adv.br,em 01/04/2003, com o título “Refor-mas Penais (III): investigação preliminar”.9 Sobre o tema ver FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 5ª edição, 2007.10 Com a redação dada pela Lei 11.690/08.

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Não há a menor dúvida de que o inquérito policial11 é o instrumento maistradicional12 e usual de colheita dos elementos informativos relacionados a autoria ematerialidade dos crimes; todavia, não é o único mecanismo que se presta a tal finalidade.

No nosso ordenamento encontramos as comissões parlamentares de in-quérito13, os procedimentos investigatórios criminais do Ministério Público14 e os procedi-mentos administrativos em geral15 como exemplos de instrumentos eficazes a justificar apropositura da ação penal.

Ao se afirmar a opção pelo processo penal acusatório é forçosoadmitir que os elementos informativos da investigação têm por destinatário imedia-to o titular da ação penal.

O juiz, ao ser provocado com o oferecimento da denúncia ou daqueixa, deverá verificar se há justa causa para a ação penal16. O juízo deadmissibilidade só é viável com a análise dos elementos informativos da investiga-ção ou dos documentos que instruem a petição inicial.

A ação penal, em face do gravame que significa para o acusado, só podeser admitida se houver elementos mínimos que demonstrem a sua viabilidade.

O processo acusatório não admite a figura do juiz investigador. Todavia,mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas (em contraditóriojudicial) pode ser determinada pelo juiz de ofício, em face da urgência e relevância da medi-da.17 É atributo da jurisdição a inércia, não se podendo exigir do juiz a incúria e o descaso emrelação à prova que servirá para a formação de sua convicção e fundamento para a sentença.

No que tange aos atos investigatórios, incumbe ao juiz preservar os direi-tos e garantias fundamentais do investigado;18 jamais assumir o papel de perscrutador.

A forma de colheita da prova testemunhal, em juízo, representa uma mu-dança de paradigma para o processo penal brasileiro.

11 Arts. 4º a 23, do Código de Processo Penal.12 “O inquérito policial, segundo João Mendes de Almeida Júnior e Fernando da Costa TourinhoFilho, teria surgido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 2.033, de 20 de setembro de1871, regulamentada pelo Decreto-lei 4.824, de 28 de novembro de 1871” (SOUZA, Luiz RobertoSalles. Da atuação do Ministério Público brasileiro na fase pré-processual penal: uma análise crítica.Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como partedos requisitos para a obtenção do título de mestre, 2002).13Art. 58, § 3º, da Constituição Federal de 1988.14 Art. 7º, I, da Lei Complementar 75/93 e Art. 26, I, “c”, da Lei 8.625/93.9 Art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal.15 Art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.16 Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.17Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.18 Sobre o tema: BERTOLINO, Pedro Juan. El juez de garantías en el código procesal penal de la proviciade Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000.

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Abandonou-se o sistema em que o juiz, agindo como inquisidor, detinha omonopólio de formular perguntas às testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa.

Na atual sistemática,19 adotou-se o modelo de perguntas diretas e doexame cruzado (cross examination) das testemunhas, onde acusador e defensor formulamsuas perguntas diretamente a testemunha, cabendo ao juiz a polícia da audiência, o poder deintegração ao complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos,20 a redação dosdepoimentos21 e demais ocorrência da audiência.

Na instrução em plenário, do procedimento relativo aos processos dacompetência do Tribunal do Júri22, adotou-se a mesma sistemática de colheita da provatestemunhal do procedimento comum.23 Todavia, na instrução preliminar do Tribunal doJúri24 não há referência ao sistema de perguntas diretas e do exame cruzado das teste-munhas e, tampouco, previsão de oportunidade para a acusação e a defesa perquiriremas testemunhas através do juiz.25

É inegável que para a acusação e para a defesa está assegurado o direito àformulação de perguntas a testemunha como garantia do contraditório e o equilíbrio entre ambasas partes. Não há como se exercer a plenitude da defesa e da acusação na instrução processualinquisitória.26 Interpretação diversa comprometeria o postulado do devido processo legal.

A reforma introduzida pela Lei 11.690/08 alterou o regime geral das provas27

e estabeleceu um novo sistema para a colheita da prova testemunhal em contraditório judicial.Antonio Magalhães Gomes Filho salienta que “a fase processual mais

decisiva para a aferição da efetividade do contraditório é a da ‘instrução probatória’;é aqui, com efeito, que a participação ativa dos interessados mais se justifica: são aspartes que tiveram contacto com os fatos e estão mais aptas a trazê-los ao processo;por isso mesmo, também são elas que possuem melhores elementos para contestar eexplorar as provas trazidas pelo adversário, possibilitando ao julgador uma visão maiscompleta – e ao mesmo tempo crítica – da realidade”.28

19 Art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.20 Parágrafo único do art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.21 “Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível, às expressões usadaspelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases” (Art. 215, do Código de Processo Penal).22 Art. 473, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08.23 Art. 394, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. No procedimento doTribunal do Júri é o juiz que inicia a inquirição direta da testemunha em plenário.24 Art. 411, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08.25 Antes da Lei 11.690/08, o art. 212, do Código de Processo Penal estabelecia: “As perguntas daspartes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar asperguntas das partes, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição deoutras já respondidas”.26“(...) aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios erecursos a ela inerentes” (Constituição Federal de 1988, Art. 5º, LV).27 Livro I, Título VII, do Código de Processo Penal.28 Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 139.

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Nada justifica, em face da imprecisão do artigo 411, do Código de Pro-cesso Penal, resgatar o vetusto sistema da inquirição presidencial,29 onde as perguntas daspartes eram dirigidas ao juiz, que as formulava a testemunha.

Em relação à correlação entre acusação e defesa, a reforma destacoua necessidade de constar da acusação todos os elementos e circunstâncias do crime,não mais sendo possível ao julgador ampliá-la com base em provas surgidas durante ainstrução probatória.

Como conseqüência, o aditamento da denúncia ou da queixa substitutiva30

passou a ser obrigatório31 e delimitador32 dos fatos que são atribuídos ao acusado ao fim dainstrução contraditória.

A imparcialidade do juiz “constitui um valor que se manifesta sobretu-do no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda aatividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloquesempre ‘super partes’, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima portantodos interesses em conflito”.33

Ao se proibir que o julgador reconheça, na sentença, elementos e cir-cunstâncias da infração penal não contidos na denúncia ou seu aditamento, está se afirmandoo processo penal de partes.

Por fim, foi introduzida, no procedimento comum, a fase de admissibilidadeda ação penal, onde a defesa tem o dever de responder à denúncia ou queixa.34

Enquanto no sistema anterior o contraditório somente se instaurava du-rante a instrução processual, atualmente, o acusado, tão logo seja citado, deverá responderà ação penal com argüição de preliminares, exceções e tudo que interesse a sua defesa.

Em verdade, a ação penal somente avançará para a fase de instrução,debates e julgamento após superada a análise formal da peça acusatória35 e das prejudiciaisdo mérito.36

29 “O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado ‘presidencial’, isto é, ao juiz que preside àformação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas à testemunha. As perguntas das partesserão feitas por intermédio do juiz, a cuja censura ficarão sujeitas” (exposição de motivos do MinistroFrancisco Campos ao encaminhar o projeto do Código de Processo Penal ao Presidente da República em08/9/1941).30 Art. 29, do Código de Processo Penal.31 Art. 384, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.32 “(...), ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento” (§ 4º, do Art. 384, do Código deProcesso Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08).33 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 37.34 Art. 396 A , do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.35 Art. 395, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.36 Art. 397, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.

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As conseqüências e os desdobramentos das alterações sofridas peloCódigo de Processo Penal somente serão sentidas após decorrido algum tempo, todavia,pode-se afirmar, com segurança e convicção, que houve um avanço em direção da distinçãoclara dos papeis desenvolvidos pelo juiz, pela acusação e pela defesa no processo penalbrasileiro. Concretizou-se, igualmente, o aprimoramento dos mecanismos de confronto entreos interesses do autor da ação penal daqueles do acusado.

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A REFORMAA REFORMAA REFORMAA REFORMAA REFORMADO CÓDIGODO CÓDIGODO CÓDIGODO CÓDIGODO CÓDIGO

DE PRDE PRDE PRDE PRDE PROCESSOOCESSOOCESSOOCESSOOCESSOPENPENPENPENPENALALALALAL

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRAProcurador de Justiça no Estado da BahiaPós-graduado, latu sensu, pela Universidadede Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal)

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Rômulo de Andrade Moreira 1

A Lei nº. 11.719/2008, que entrará em vigor no dia 24 de agosto de20082, alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão doprocesso, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.3

A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sen-tença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causadospela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (art. 387, IV). Assim,além de aplicar a sanção penal, o Juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civilcorrespondente ao dano causado pelo delito, algo semelhante ao que ocorre em alguns paí-ses, como no México onde, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación deldaño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órganoencargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal),aun cuando no la demande el ofendido.”4

Também “na Itália, a vítima pode ingressar no processo penal como par-te privata, formando um litisconsórcio com o MP, com o fim de obter a reparação de dano.Em Portugal, o próprio MP pode requerer a reparação, nos autos do processo penal.”5.Conferir também, na Espanha, o art. 108 da Ley de Enjuiciamiento Criminal, in verbis:

“La acción civil ha de entablarse juntamente con la penal por el MinisterioFiscal, haya o no en el proceso acusador particular; pero si el ofendidorenunciare expresamente a su derecho de restitución, reparación oindemnización, el Ministerio Fiscal se limitará a pedir el castigo de losculpables.”

1 Procurador de Justiça na Bahia. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha(Direito Processual Penal).2 A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depoisde oficialmente publicada, na forma do art. 3º. da mesma lei. Segundo o art. 8º. da Lei Complementar nº. 95,“A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para quedela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação”para as leis de pequena repercussão.” Pelo seu § 1º. “a contagem do prazo para entrada em vigor dasleis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do últimodia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” (Grifamos).3 Sobre a reforma do Código de Processo Penal, veja-se o que comentamos em nosso Direito ProcessualPenal, Salvador: Editora JusPodivm, 2007.4 Apud TOURINHO FILHO, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9.5 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2003, p. 107 (em co-autoria com Geraldo Prado).

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A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Procedimentos

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Disposição semelhante já tem em nosso ordenamento jurídico-penal, maisespecificamente no art. 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece quena revisão criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito auma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-átítulo judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, para se definir o quantumdebeatur. Na Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o art. 20 já estabelece que a“sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para repara-ção dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendi-do ou pelo meio ambiente.”

Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei nº. 9.099/95, apreocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal. Nota-se, comAda, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimofilão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concretaà maior preocupação com o ofendido.”6

García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima dodelito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (...). O DireitoPenal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltadopara a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito daprevisão social e do Direito Civil material e processual”.7

A própria legislação processual penal relega a vítima a um planodesimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas enlos respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellosvalores ultrajados”.8

Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e temsido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentinoAlberto Bovino:

“Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en laactualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupacióncentral de la política criminal. Prueba de este interés resultan la granvariedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina comoen el extranjero;” (...) mesmo porque “se señala que com frecuencia elinterés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, encambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por eldelito’”9 Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Anto-nio Scarance Fernandes.10

6 Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 2005, p. 110.7 MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de LuizFlávio Gomes.8 SPROVIERO, Juan H., La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 249 Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 21, p. 422.10 O Papel da Vítima no Processo Criminal, Malheiros Editores, 1995. Indicamos também o trabalho intitulado“El papel de la víctima en el proceso penal según el Proyecto de Código Procesal Penal de la Nación”, porSantiago Martínez (Fonte: www.eldial.com – 12/08/2005).

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Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram:“Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata,vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quellacosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di renderegiustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta,a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”11

Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafoúnico ao art. 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória,a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caputdo art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do danoefetivamente sofrido.”

O art. 257 teve a sua redação alterada, não representando, porém, ne-nhuma novidade. Com efeito, diz que ao Ministério Publico cabe:

1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na formaestabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo art. 129, I daConstituição Federal, ressalvando a possibilidade da ação penal de iniciativa privadasubsidiária da pública, prevista no art. 29 do Código de Processo Penal e na própriaCarta Magna (art. 5º., LIX).

2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa já deferida atualmente e quedá ao Ministério Público, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado deser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumpri-mento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritostermos, ainda que para isso tenha que pugnar em favor do réu (pedindo a sua absolvi-ção, recorrendo em seu favor etc.).

Foi alterado o art. 265, cujo caput passou a ter a seguinte redação: “Odefensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicadopreviamente o juiz, sob pena de multa de dez a cem salários mínimos, sem prejuízo dasdemais sanções cabíveis.”

Além de atualizar o valor da multa, o artigo faz referência às demais san-ções cabíveis em relação ao advogado, entre as quais a prevista na Lei nº. 8.906/94 (Estatu-to da Ordem dos Advogados do Brasil), art. 34, XI, c/c arts. 35, I e 36, I.

O antigo parágrafo único deste artigo foi substituído pelos §§ 1º. e 2º.,com a seguinte redação:

“§ 1o. - A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensornão puder comparecer. “§ 2o. - Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura daaudiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de atoalgum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda queprovisoriamente ou só para o efeito do ato.”

11 La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale – Un Approccio Criminologico, Padova, 1990, p. 144.

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Atente-se para o disposto no art. 5º., LXXVIII da Constituição, segundoo qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável dura-ção do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Evidente-mente que o direito a um processo sem dilações indevidas alcança não somente o acusado,mas também é um interesse da sociedade.

Privilegiando o chamado foro de eleição, entendemos que antes da no-meação do defensor ad hoc deve o Juiz de Direito indagar ao réu se tem algum advogadopara indicar e que possa assisti-lo naquele ato processual; caso o acusado não o faça ou oadvogado indicado não possa comparecer imediatamente, então se procede à nomeação ouchama-se o Defensor Público com atuação na respectiva Vara Criminal. Neste sentido:

“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELAÇÃOCRIMINAL N° 1.0016.01.015716-8/001 - RELATOR: DES. ALEXANDREVICTOR DE CARVALHO - A Constituição de 1988 consagrou os princípi-os da ampla defesa e do contraditório, considerando-os como dogmas, ouseja, se desrespeitados tais princípios, viciada encontra-se a prestaçãojurisdicional. A nomeação de defensor dativo ao réu, sem que este tenhasido intimado para opinar a respeito, não sabendo da renúncia do advo-gado contratado, é vício que demonstra o desrespeito ao princípio daampla defesa ao longo do procedimento.”

A propósito, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar emHabeas Corpus (HC 92091) de um acusado de cometer crime contra o sistema financeironacional. A defesa pedia, na liminar, o reconhecimento das nulidades do processo e a suspen-são da execução da pena imputada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região até o julga-mento final do HC. Isto porque, conforme os advogados, o Ministério Público não deuoportunidade ao réu para nomear defensor de sua confiança. “Os fundamentos em que seapóia esta impetração revestem-se de relevo jurídico, pois concernem ao exercício –alegadamente desrespeitado – de uma das garantias essenciais que a Constituição daRepública assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal”, destacou oMinistro Celso de Mello, relator da matéria. O Ministro assinalou que a jurisprudência doSupremo, no tema, entende que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens oude seus direitos sem o devido processo legal, “não importando, para efeito de concretizaçãodessa garantia fundamental, a natureza do procedimento estatal instaurado contraaquele que sofre a ação persecutória do Estado”. Celso de Mello analisou que o Estadonão pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, noexercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa. “O reconheci-mento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público –de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais –exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal,” conclui. Ele lem-brou, também, que o STF já reconheceu ser direito daquele que sofre persecução penalescolher o seu próprio defensor. “Cumpre ao magistrado processante, em não sendopossível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal,ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes derealizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não élícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu” (RTJ 142/477,Relator Ministro Celso de Mello). Fonte: STF (Grifo nosso).

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Com a nova redação do art. 362, “verificando que o réu se oculta paranão ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação comhora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no. 5.869, de 11 de janeirode 1973 - Código de Processo Civil.”12 Neste caso, segundo parágrafo único acrescenta-do, “se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo” (ou os autosserão encaminhados à Defensoria Pública), prosseguindo-se nos demais termos do procedi-mento, não devendo ser aplicado o art. 36613, pois não se trata de réu revel citado por edital.Aplica-se o atual art. 367.

Temos agora a citação com hora certa, substituindo a citação editalícianos casos em que o réu se oculta para não ser citado.

O novo art. 363 estabelece que “o processo terá completada a suaformação quando realizada a citação do acusado”; na verdade, como ensina FredericoMarques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual,surgindo assim a instância.”14

Foram revogados os dois incisos originais e acrescentados doisnovos parágrafos:

“§ 1o. - Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação poredital.” O prazo para o edital não mudou, pois não se alterou o art. 361. “§ 4o. - Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, oprocesso observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.”Neste caso, ter-se-á por citado o réu pessoalmente, prosseguindo-se nosdemais termos do respectivo procedimento (ordinário, sumário ou especial),revogando-se a decisão proferida nos termos do art. 366.

Foram vetados os §§ 2º. e 3º. do art. 363.O caput do art. 366 continua com a mesma redação, tendo sido revoga-

dos, porém, os seus dois parágrafos. Nota-se que a lei perdeu a oportunidade de acabarcom a polêmica quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador deveria,

12 “Art. 227 - Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ouresidência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa dafamília, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, nahora que designar.“Art. 228 - No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho,comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência.“§ 1º - Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões daausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca.“§ 2º - Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou comqualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.“Art. 229 - Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma,dando-lhe de tudo ciência.”13 Os dois parágrafos do art. 366 foram revogados pela lei, restando agora apenas o caput.14 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.

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como constava do projeto de lei originário, optar pelos prazos já estabelecidos pelo art. 109do Código Penal. Esta lacuna deve ser suprida com uma interpretação conforme à Constitui-ção, ou seja, para não se permitir a imprescritibilidade (por via transversa) devem ser obser-vados os prazos estabelecidos no art. 109 do Código Penal, levando-se em conta a penamáxima abstratamente cominada para o crime; findo o respectivo prazo, deve a prescriçãovoltar a correr normalmente, nada obstante a continuação da suspensão do processo.

Deixou a lei também de esclarecer o que se deve considerar como provaurgente, para efeito de produção antecipada. Além das perícias que, evidentemente são com-patíveis ao conceito, entendemos que devemos fazer uma interpretação analógica (art. 3º.,CPP), aplicando-se o art. 92, in fine (“inquirição de testemunhas e de outras provas denatureza urgente”). Por este dispositivo, parece-nos que a prova testemunhal é sempreurgente. Obviamente tais provas deverão ser produzidas com a prévia notificação do Minis-tério Público ou do querelante e do defensor nomeado pelo Juiz, sem prejuízo de umareinquirição em momento posterior, quando a marcha processual for retomada com o acusa-do presente e o seu defensor constituído. O que não se deve é arriscar-se a ouvir as testemu-nhas arroladas na peça acusatória após dez anos, quando o réu voltou e foi citado pessoal-mente. Evidentemente que não se pode exigir deste depoente a firmeza que se espera de umatestemunha.

No que se refere à possibilidade da prisão preventiva, ressalte-se que nãose trata de prisão obrigatória, mas nos estritos termos dos arts. 312 e 313. Repita-se: aprisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não hajao comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vemse tornando praxe.

Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli:“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnciaou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, emconseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.”

Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente ofato criminoso, tendo o Juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversada que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto quenão substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.15

Foram acrescentados dois parágrafos, nos seguintes termos:“§ 1o. - Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houverpossibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juizprocederá de acordo com o disposto na lei.“§ 2o. - Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serãoencaminhados os autos.”

15 Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 495.16 Sobre a suspensão condicional do processo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados EspeciaisCriminais”, Salvador: JusPodivm, 2007.

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Assim, caso a nova qualificação jurídica atribuída ao fato narradocorresponda a um tipo penal cuja pena mínima não exceda a um ano16, deverá o Magistradoencaminhar os autos ao membro do Ministério Público para que se pronuncie acerca dapossibilidade de proposta da suspensão condicional do processo, nos termos, aliás, do Enun-ciado 337 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável também à espécie. De se observar,outrossim, o Enunciado 696 do Supremo Tribunal Federal, em caso de recusa do MinistérioPúblico em fazer a proposta.

Não precisa o Juiz esperar a conclusão da instrução criminal para aplicara emendatio libelli, muito pelo contrário. Como não se trata de uma alteração dos fatosnarrados, mas, tão-somente, de uma correção técnica na classificação do crime, é aconse-lhável que o Juiz já receba a peça acusatória indicando na respectiva decisão o tipo penal,possibilitando, desde logo, a fruição de quaisquer benefícios ao acusado, como a suspensãocondicional do processo, a liberdade provisória, etc. Aguardar-se o término da instruçãopara “corrigir” a tipificação atribuída ao fato é submeter o réu, desnecessariamente, às cha-madas “cerimônias degradantes” do processo penal17. Lembre-se que o Juiz não estará mo-dificando a imputação fática nem “acusando” o réu.

Aventemos a seguinte hipótese: o Promotor de Justiça narra um furto sim-ples (cuja pena mínima é de um ano) e, ao final da peça acusatória, indica como tipo penal oart. 155, § 4º., II (pena mínima de dois anos). Ora, obviamente que o Juiz não deve aguardaro término da instrução para aplicar a emendatio libelli, e sim, desde logo, receber a denún-cia nos termos em que foi feita a imputação fática e encaminhar os autos ao Ministério Públi-co para a proposta de suspensão condicional do processo. Assim agindo preservará osinteresses do acusado, evitando as cerimônias degradantes do procedimento e sem máculaaos postulados do sistema acusatório.

Diga-se o mesmo quanto à modificação da competência; também nestahipótese não é necessário que o Juiz aguarde o final da instrução criminal, até por uma ques-tão de economia processual e para evitar nulidades de atos processuais decorrente da in-competência. Aliás, o art. 109 do Código de Processo Penal determina que “se em qualquerfase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nosautos, haja ou não alegação da parte”, remetendo os autos ao Juízo competente, inclusivepara o Juizado Especial Criminal se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo.

Seria de bom alvitre que o Juiz, antes de aplicar a emendatio libelli,determinasse a intimação das partes, como estabelecia o projeto de lei que deu origem à leiora comentada. Aliás, este projeto de lei previa que a emendatio libelli poderia ser anteci-pada para o instante do recebimento da denúncia ou queixa.

Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, aindacom Basileu Garcia, que se “veda ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”18

Assim está escrito o caput do novo art. 384:

17 O conceito status-degration cerimony foi introduzida em 1956 por H. Garfinkel para indicar os procedi-mentos ritualizados nos quais uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade, recebendo outra,dita degradada.18 Idem.

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“Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definiçãojurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elementoou circunstância da infração penal não contida na acusação, o MinistérioPúblico deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se emvirtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública(queixa subsidiária, portanto), reduzindo-se a termo o aditamento, quandofeito oralmente.”

Pela nova redação, este prazo de cinco dias é para aditar a queixa subsi-diária, não a denúncia; assim, os prazos para o aditamento da denúncia devem ser, numainterpretação analógica (art. 3º., CPP) aqueles previstos no art. 46.

As alterações procedidas foram para melhor, sem dúvidas. Em pri-meiro lugar excluiu-se a expressão “circunstância elementar”, que confundia coisasdiferentes: circunstância19 e elementar20 do tipo. Agora a lei refere-se a circunstância ouelemento da infração penal. Outra mudança importante é a exclusão do advérbio “impli-citamente” que dava a entender ser possível uma denúncia ou queixa com elementos oucircunstâncias implícitos, possibilidade absolutamente estranha aos postulados do devi-do processo legal, especialmente a ampla defesa. É evidente que a denúncia tem queconter explicitamente, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstân-cias” (art. 41 do Código de Processo Penal).

Também importante foi se estabelecer a necessidade do aditamento emqualquer hipótese (que pode ser feito inclusive oralmente), ainda que não haja possibilidadede nova definição jurídica mais gravosa para o acusado. A antiga redação do caput do art.384 era uma flagrante mácula ao sistema acusatório, pois permitia ao Juiz condenar o réu porfato não imputado formalmente em uma peça acusatória, além de ferir o princípio da correla-ção entre acusação e defesa que proíbe ao Juiz “cambiar los hechos de la causa por loscuales el imputado fue concretamente acusado, entendidos en el sentido deacontecimiento histórico, con todos los elementos y circunstancias que de alguna manerapuedan influir en el debate.” 21

Segundo o § 1o., caso o “o órgão do Ministério Público” não adite adenúncia, “aplica-se o art. 28 deste Código”. E se o Procurador-Geral concordar com onão aditamento? Restará ao Juiz absolver o acusado ou condená-lo pelo fato imputado ori-ginariamente na denúncia ou queixa subsidiária.

Se o aditamento for oferecido, estabelece-se um contraditório prévio, pois,antes de recebê-lo, deverá ser “ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias”.

Admitido “o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das par-tes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemu-nhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.” (§ 2o.).

19 Exemplos: “Repouso noturno” (art. 155, § 1º., Código Penal), “à noite” (art. 150, § 1º.), “empregode arma” (art. 158, § 1º.) etc.20 Exemplos: “Funcionário Público” (arts. 312, 331, 333 do Código Penal), “coisa alheia” (arts. 155,157, CP) etc.21 LANGEVIN, Julián Horacio, Nuevas Formulaciones del Principio de Congruencia: Correlación entreAcusación, Defensa y Sentencia, Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido Editor, 2008, p. 189.

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Neste caso, segundo dispõe o § 4o., “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, noprazo de cinco dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.”

São aplicáveis na mutatio libelli os §§ 1o e 2o do art. 383, segundodispõe o § 3o. do art. 384.

Por fim, estabelece o § 5o. que se não for “recebido o aditamento, oprocesso prosseguirá.” Neste caso, é possível o manejo do recurso em sentido estrito, comfulcro no art. 581, I do Código de Processo Penal, pois “o recurso em sentido estrito,apesar de ser casuístico, admite interpretação extensiva.”22

Observa-se que a redação do art. 384 continua a se referir tão-somente àação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamoscom Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante pro-ceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia provasobre determinada circunstância elementar capaz de alterar a qualificação jurídico-penal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seriaaté impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o adita-mento pode ser feito por aplicação analógica (...), não havendo violação ao princípioda disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo oaditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo.”23

Por fim, entendemos que perdeu o legislador a oportunidade de revo-gar expressamente o art. 385 do Código de Processo Penal, acabando com a possibili-dade do Juiz “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenhaopinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma te-nha sido alegada”, disposição que não foi recepcionada pela Constituição Federal,especialmente pelo art. 129, I.

Foram alterados os incisos II, III e IV do art. 387 do Código de Proces-so Penal e a ele foi acrescentado um parágrafo único. O inciso II apenas foi atualizado com anova Parte Geral do Código Penal, indicando-se agora os arts. 59 e 60 do Código Penal. Noinciso III excluiu-se a referência às penas acessórias, também em consonância com a ParteGeral do Código Penal. O novo inciso IV determina, como já foi dito no início deste trabalho,que o Juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”

Esqueceu-se o legislador de revogar expressamente os incisos V e VIinaplicáveis desde a reforma penal de 1984 (nova Parte Geral e Lei de Execução Penal).

O novo parágrafo único do art. 387 amolda-se ao princípio da presunçãode inocência, à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e ao direito de apelar emliberdade. Com efeito, estabelece-se que “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre amanutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medidacautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” Coeren-22 Tribunal Regional Federal da 1ª. Região – Recurso em Sentido Estrito nº. 2002.38.00.003576-0/MG -Relator: Desembargador Hilton Queiroz.23 Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 573.24 Veja o que escrevemos sobre o direito de apelar em liberdade, em nossa obra “Direito Processual Penal”,Salvador: JusPodivm, 2007.

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temente, a lei nova revogou o art. 594 do Código de Processo Penal, esquecendo-se, porémde também revogar o art. 595, não recepcionado pela Constituição Federal.24 A este respei-to, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado nº. 347 com a seguinte redação: “Oconhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.”

Adiante, o caput do novo art. 394 prevê os dois novos procedimentos: ocomum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo (§1º.). Os procedimentos especiais são aqueles ora previstos no próprio Código de ProcessoPenal (Título II do Livro II e o Procedimento do Júri), ora em leis extravagantes (Lei nº.11.343/2006 – Lei de Drogas, Lei nº. 8.038/90 – Ação Penal Originária etc.).

O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver porobjeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos depena privativa de liberdade”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja sançãomáxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade” e osumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”25

(incisos I, II e III do § 1º.).O critério agora para adoção de determinado procedimento é a quan-

tidade da pena privativa de liberdade, independentemente de se tratar de reclusão oudetenção, ressalvando-se, obviamente os crimes dolosos contra a vida e os que se sub-metam a procedimentos especiais.

Dispõem os §§ 2º. e 3º. do art. 394 que, salvo disposições em con-trário do próprio Código ou de lei especial, o procedimento comum aplicar-se-á a todosos processos. Para os crimes dolosos contra a vida e os conexos, por exemplo, aplicar-se-ão as novas regras estabelecidas nos arts. 406 a 497 do novo Código (alterados pelaLei nº. 11.689/2008).

Os §§ 4o. e 5º. estabelecem, respectivamente, que “as disposiçõesdos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais deprimeiro grau, ainda que não regulados neste Código” e que se “aplicamsubsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposi-ções do procedimento ordinário.”

Então vejamos; o art. 395 passou a ter a seguinte redação:“A denúncia ou queixa será rejeitada quando:I - for manifestamente inepta; por exemplo: não observou os requisitosexigidos pelo art. 41.II - faltar pressuposto processual26 ou condição para o exercício da açãopenal”; aqui também estão abrangidas as denominadas condições específicaspara o exercício da ação penal, como a representação e a requisição doMinistro da Justiça. Atentar que a chamada possibilidade jurídica do pedido,

25 Sobre o procedimento sumaríssimo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”,Salvador: JusPodivm, 2007.26 A saber: um órgão investido de jurisdição, competente e imparcial; partes com capacidades jurídica,processual e postulatória; demanda; observância ao respectivo procedimento e ausência de perempção,litispendência e coisa julgada. (Sobre o assunto, Fredie Didier Jr., “Pressupostos Processuais e Condi-ções da Ação”, São Paulo: Saraiva, 2005).

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menos do que uma condição para o exercício da ação penal, confunde-semesmo com o mérito e deve ensejar um julgamento antecipado, nos moldesdo art. 397, III, coberto pela coisa julgada material.III - faltar justa causa para o exercício da ação penal”, ou seja, o lastroprobatório mínimo que deve lastrear uma peça acusatória, a saber: indíciossuficientes e razoáveis da autoria e prova da existência do crime.”

Tais hipóteses não se confundem com a sentença absolutória prevista nonovo art. 397 (que veremos adiante). Aqui, trata-se de uma decisão interlocutória que nãofará coisa julgada material, nada impedindo, portanto, que a ação penal seja mais uma veziniciada, caso sejam observados os requisitos legais, presentes as condições da ação (ressal-vada a possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais (ressalvadas aperempção, coisa julgada e litispendência). O recurso cabível para combatê-la é o recursoem sentido estrito (art. 581, I).

Vejamos, então, o procedimento ordinário e o sumário; os preceitos adi-ante indicados aplicam-se aos dois procedimentos, até a audiência de instrução e julgamentoquando, então, diferem-se, como veremos depois.

Assim, dispõe o art. 396 que, “nos procedimentos ordinário e su-mário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, noprazo de dez dias.”

Ou seja, caso o Juiz não rejeite desde logo a peça acusatória (ou não areceba, como preferem alguns), com fulcro em um dos incisos do art. 395 (em decisãointerlocutória, a ser enfrentada com o art. 581, I), deverá recebê-la e determinar a citação doacusado para oferecimento de uma resposta preliminar, cujo prazo será de dez dias. Dispõeo parágrafo único que tendo sido o réu citado por edital este prazo de dez dias “começará afluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Lem-bre-se que até o comparecimento do réu ou do seu advogado constituído, o processo estásuspenso, por força do art. 366.

Nesta verdadeira defesa prévia, “o acusado poderá argüir preliminarese alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especi-ficar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo suaintimação, quando necessário.” É importante que o patrono do acusado saiba que, apesardo recebimento da peça acusatória, a sua resposta, se convincente, poderá levar desde logoà absolvição sumária, evitando os demais termos do processo, inclusive o interrogatório.

Caso não seja “apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusa-do, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, conceden-do-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” Onde houver Defensoria Pública instalada, osautos ao seu representante serão enviados. Em nenhuma hipótese, sob pena de nulidadeabsoluta, os autos serão conclusos para a decisão sem esta resposta prévia.

Se houver alguma exceção a ser argüida, deverá ser processada “emapartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código”. (art. 396-A, §§ 1º. e 2º.).

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O art. 397 traz uma novidade importante em nosso ordenamento jurídico,que há muito carecia de uma disposição como esta. Trata-se da possibilidade do Juiz penal,desde logo, julgar antecipadamente o caso penal27, sem necessidade, sequer, de submeter oacusado ao interrogatório e às demais “cerimônias degradantes” do processo penal. É o quea lei chama de absolvição sumária (também prevista no procedimento do Júri, art. 415).Portanto, agora, temos duas hipóteses de absolvição sumária.

Pois bem.Diz o art. 397 que após a resposta preliminar “o juiz deverá absolver

sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (art. 23do Código Penal).II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente,salvo inimputabilidade; tratando-se de réu inimputável é indispensável oprocesso, com a presença de um curador, além do advogado, para possibilitar,confirmando-se a ilicitude e antijuridicidade do fato, a aplicação de umamedida de segurança (absolvição imprópria, nos termos do art. 386, parágrafoúnico, III).III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; (ausência detipicidade, impossibilidade jurídica do pedido).IV - extinta a punibilidade do agente.” (art. 107 do Código Penal).

Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminarda peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram28), pois a absolvição sumá-ria é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolu-tamente imutável) e que desafia o recurso de apelação (art. 593, I).

Se o Juiz não rejeitou a peça acusatória (ou deixou de recebê-la)nem absolveu sumariamente o acusado, cabe-lhe designar “dia e hora para a au-diência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do MinistérioPúblico e, se for o caso, do querelante e do assistente.” Se se tratar de réu preso“será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder públicoprovidenciar sua apresentação.” 29 Tal disposição aplica-se ao acusado preso namesma cidade onde se situa o juízo processante, pois do contrário será cabível aexpedição de carta precatória (nunca o interrogatório por videoconferência).

O caput do art. 399 parece-nos que contém um equívoco ao estabelecerque “recebida a denúncia ou queixa”, pois, na verdade a peça acusatória já havia sido

27 Preferimos falar em “caso penal” ou “causa penal” ou mesmo “controvérsia penal”, pois “a lide, emqualquer de suas formas, é inaceitável no processo penal, isto é, para referir o conteúdo do processopenal, não serve a lide do processo civil e nem a lide penal. O conteúdo do processo pode ser apresen-tado pela expressão caso penal.” (Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A Lide e o Conteúdo do ProcessoPenal, Curitiba: Juruá, 1998, p. 152, grifo no original).28 Há setores da doutrina que fazem uma diferença entre rejeição e não recebimento. Por todos, conferirBOSCHI, José Antonio Paganella, Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, pp. 233/234.29 Note-se que mais uma vez o nosso legislador não fez a diferença técnica entre notificação e intimação.

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recebida, conforme previsto no art. 396; portanto, agora basta ao Juiz proceder às notifica-ções para a audiência de instrução e julgamento, pois o recebimento e a citação do acusadojá foram feitos.

Passa a estabelecer o Código que “o juiz que presidiu a instrução deve-rá proferir a sentença.” (art. 399, §§ 1º. e 2º.). Adota-se, agora, o princípio da identidadefísica do Juiz, tal como é no processo civil, ainda que não com a mesma redação do art. 132do Código de Processo Civil. Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo,podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisãodeve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador.”30

Como afirma o Professor Dotti, é extremamente salutar a adoçãodeste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípiopermite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos quedesconhece”.31

O art. 400 disciplina a audiência de instrução e julgamento,válida apenas para o procedimento ordinário, já que para o procedimentosumário adotar-se-ão as disposições dos arts. 531 e seguintes.

Agora, tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotadosos princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois na “na audi-ência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de sessenta dias, pro-ceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladaspela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código,bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoase coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Ademais, “as provas serão produzidasnuma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentesou protelatórias.” Se forem necessários dos peritos, as partes deverão requerer previa-mente (art. 400, §§ 1º. e § 2o.).

A ordem de inquirição das testemunhas deve ser rigorosamente observada,sob pena de nulidade absoluta, em observância do princípio do contraditó-rio. Admite-se excepcionalmente a inversão nos casos do art. 222 (expediçãode carta precatória, pois a instrução criminal não se suspende) e art. 225(produção antecipada de prova). Não há devido processo legal sem o con-traditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda açãohaja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade deoportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis SantiagoGuerra Filho afirma:“Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do con-traditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo,precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judi-ciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princí-pio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organizaçãodo processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organi-zação de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio deorganização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fun-

30 BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327.31 “O interrogatório à distância”, Brasília: Revista Consulex, nº. 29, p. 23.

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damental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito aocontraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.”(grifos no original).32

Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Ho-mem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´im-plique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance detoutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant,en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”33

Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o últimoato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia de considerá-lo, além de mais um meio de prova, um autêntico e importante meio de defesa34.

Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é omomento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecerao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da provapermitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pelafaculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF).”35

Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provasrequeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afrontaao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as intençõesprotelatórias da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utili-zar, com sucesso, o habeas corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzirprova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo omandado de segurança.

O número de testemunhas não mudou: continuam oito testemunhas, nãose compreendendo neste número as que não prestaram compromisso e as referidas, poden-do a parte “desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado odisposto no art. 209 deste Código.” (art. 401, §§ 1º. e 2º.). Assim, o “juiz, quando julgarnecessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes” e não“será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisãoda causa”. (art. 209).

Após o interrogatório, “ao final da audiência, o Ministério Público, oquerelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja neces-sidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (art. 402), o quesignifica que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais em 24 horas (o quenão impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes umprazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificadae demasiadamente o andamento processual). As primeiras diligências devem ser requeridas

32 Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.33 Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.34 Sobre interrogatório, remetemos o leitor ao nosso livro, já referido.35 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 176.

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desde logo, ou seja, quando do oferecimento da peça acusatória ou na resposta prelimi-nar. Já as diligências previstas no art. 402 são aquelas outras, cuja necessidade adveioapós a instrução. Como lembra Tourinho Filho, comentando o antigo art. 499, “nadaobstante a clareza da norma, é comum as partes (Promotores e Advogados) apro-veitarem a fase do art. 499 para requerer diligências que olvidaram quando dadenúncia ou queixa ou defesa prévia.”36

Não tendo havido qualquer requerimento “ou sendo indeferido, serãooferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação epela defesa, prorrogáveis por mais 10 dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” Doindeferimento de diligências não cabe recurso, devendo o acusado utilizar-se do habeascorpus e a acusação da correição parcial (como vem admitindo reiteradamente a jurispru-dência) ou mesmo do mandado de segurança.

Se houver mais de um réu “o tempo previsto para a defesa de cada umserá individual.” Já para o advogado do assistente, o prazo será de dez minutos, após asalegações finais do Ministério Público; neste caso prorroga-se “por igual período o tempode manifestação da defesa.”

Permite a lei, excepcionalmente, considerando a complexidade do casoou o número de acusados que o Juiz conceda às partes “o prazo de cinco dias sucessiva-mente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias paraproferir a sentença.” (art. 403, §§ 1o., 2o. e 3o.). O que deve ser evitado é a apresentação dememoriais transformar-se em regra!

Se forem requeridas diligências, fatalmente a audiência será sobrestadapara o cumprimento do que foi requerido. Neste caso, prevê o art. 404 que “a audiên-cia será concluída sem as alegações finais”. ”Realizada, em seguida, a diligênciadeterminada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suasalegações finais, por memorial, e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a senten-ça.” (parágrafo único).

Por fim, encerrando as disposições concernentes ao procedimento ordi-nário, temos o art. 405, in verbis:

“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio,assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatosrelevantes nela ocorridos.§ 1o. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos degravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusiveaudiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. § 2o. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado àspartes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.”

Em seguida, passa-se a regulamentar o procedimento sumário, entre osarts. 531 a 538, lembrando-se que até a audiência de instrução e julgamento as disposições

36 Código de Processo Penal Comentado, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 11ª. ed.,. 2008, p. 161.

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são comuns para os procedimentos ordinário e sumário; a diferença entre ambos inicia-se apartir da audiência de instrução e julgamento, como veremos a seguir:

“Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada noprazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declaraçõesdo ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pelaacusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações eao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, oacusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.”

Repetimos todas as observações feitas quando comentamos o art. 400.Muda o número de testemunhas (cinco), segundo o art. 532. Aplica-se ”ao procedimentosumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.” (art. 533).

Foram revogados os §§ 1o., 2o., 3o. e 4o. do art. 533.Também neste procedimento, “as alegações finais serão orais, conce-

dendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minu-tos, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” “Havendo mais deum acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Se houverassistente, o seu advogado, após a manifestação do Ministério Público, terá o prazo de dezminutos para as suas alegações, “prorrogando-se por igual período o tempo de manifes-tação da defesa.” (art. 534, §§ 1o. e 2o. ).

Dispõe o novo art. 535 que “nenhum ato será adiado, salvo quando impres-cindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva dequem deva comparecer.” Entendemos que só podem ser conduzidas coerci-tivamente as testemunhas (art. 218) e vítimas (art. 201, § 1º.). Esta permissão,bem como aquela contida no art. 260, não deve ser aplicada ao acusado.Aliás, a este respeito, modificamos entendimento anterior e hoje pensamosque esta disposição do Código de Processo Penal deve ser interpretada à luzda Constituição, não devendo ser mais admitida a condução coercitiva, poisa conveniência quanto ao comparecimento ao interrogatório deve ser aferidapelo acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar deuma “cerimônia degrante”.37

Neste mesmo sentido, o magistério de ROBERTO DELMANTO JUNIOR:“Tampouco existe embasamento legal, a nosso ver, para a sua conduçãocoercitiva com fins de interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, já quede nada adianta o acusado ser apresentado sob vara e, depois de todo essedesgaste, silenciar. Se ele não atende ao chamamento judicial, é porquedeseja, ao menos no início do processo, calar. Ademais, a conduçãocoercitiva ‘para interrogatório’, daquele que deseja silenciar, consistiriainadmissível coação, ainda que indireta. (Inatividade no Processo PenalBrasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 192/193).

A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª.Região:

37 Veja-se o texto de Alexandre Duarte Quintans, disponível no endereço: http://jus2.uol.com.br/doutri-na/texto.asp?id=9198

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“CC 2007.02.01.007301-4 - rel. Maria Helena Cisne - j. 27.02.2008 - DJU24.03.2008 - EMENTA: PROCESSO PENAL – CORREIÇÃO PARCIAL –CONDUÇÃO COERCITIVA DE RÉU DEVIDAMENTE QUALIFICADO EIDENTIFICADO PARA SER INTERROGADO – DESNECESSIDADE – ART.5º, LXIII, DA CRFB - CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA - O compareci-mento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identi-ficado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo. Apenas emsituações excepcionais poderá o Magistrado promover a condução coer-citiva do acusado, nos termos do art. 260, do CPP.- A CRFB, ao permitir aoacusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não éimprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devida-mente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento.Correição Parcial indeferida.”

Foram revogados os §§ 1o. e 2o. do art. 535.Segundo o art. 536, “a testemunha que comparecer será inquirida,

independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordemestabelecida no art. 531 deste Código.” Foi revogado o art. 537.

Pelo art. 538, “nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quan-do o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para aadoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto nesteCapítulo.” Aqui faz-se referência àquelas duas causas modificadoras da competência pre-vistas na Lei nº. 9.099/95: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formu-lação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para acitação pessoal (art. 66, parágrafo único)38. É importante ressaltar que neste caso o procedi-mento será o sumário, mas devem ser aplicados na vara comum os arts. 74, 76 e 89 da Leinº. 9.099/95, pois se tratam de medidas de caráter penal, benéficas, aplicáveis em qualquerprocesso, independentemente do respectivo procedimento (ressalvando o disposto no art.

38 “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - SEÇÃO CRIMINAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIAN. 590-9/194 (200603891424) - Relator: Des. Elcy Santos de Melo - EMENTA: Processual Penal. Conflitonegativo de competência. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Autor do fato não encontrado.Deslocamento da competência. Justiça Comum. Art.66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Encontrando-se o autor do fato em local incerto e não sabido e, portanto, inadmissível a sua citação pessoal, corretaa postura do juiz do Juizado Especial Criminal em determinar a remessa dos autos para a Justiça Comum,a teor do que determina o art. 66, parágrafo único, da Lei n.9.099/95, ali firmando a sua competência,ainda que presente nos autos o endereço atualizado do acusado ou sendo este encontrado após odeslocamento processual.Conflito provido.” Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS -Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal.Paciente não encontrado. Modificação da competência para o juízo comum: artigo 66, parágrafo único,da Lei n. 9.099/95. Conflito procedente. Não localizado o autor do fato delituoso para a citação na formapessoal perante o juizado especial criminal, dá-se o deslocamento da competência para o juízo criminalcomum julgar e processar o feito, nos termos do artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflitoconhecido e provido. Competência do juiz suscitado.” (Conflito de Competência nº. 520-4/194 - 200400741029– Rel. Des. Floriano Gomes).

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90-A da Lei nº. 9.099/95 e no art. 41 da Lei 11.340/06, ambas disposições, aliás, que nosparecem inconstitucionais, por ferirem o princípio da isonomia e o da proporcionalidade).

Foram revogados todos os parágrafos deste art. 538, bem como os arts.43 (rejeição da denúncia ou queixa, agora prevista no art. 395); art. 398 (substituído pelo art.401); arts. 498, 499, 500, 501, 502 (novo procedimento ordinário); arts. 537, 539, 540(novo procedimento sumário), art. 594 (substituído pelo art. 387, parágrafo único), os §§ 1ºe 2º do art. 366; os §§ 1º a 4º do art. 533 (novo procedimento sumário), os §§ 1º e 2º do art.535 (idem) e os §§ 1º a 4º do art. 538 (idem).

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VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVESPromotor de Justiça Criminal da CapitalProfessor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus

O RECEBIMENTO RECEBIMENTO RECEBIMENTO RECEBIMENTO RECEBIMENTOOOOODDDDDA DENÚNCIAA DENÚNCIAA DENÚNCIAA DENÚNCIAA DENÚNCIA

E AE AE AE AE ALEI 11.719/2008LEI 11.719/2008LEI 11.719/2008LEI 11.719/2008LEI 11.719/2008

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Por incrível que pareça a Lei n. 11.719/2008 permitiu o surgimento dedúvida quanto a aspecto primordial da ação penal e termo interruptivo do prazo prescricionalque é o recebimento da denúncia.

A controvérsia decorre da própria interpretação literal que se deve darinicialmente a todo texto de lei, pois, a nova redação do art. 396 do CPP diz que a denúnciadeve ser recebida pelo juiz logo após o seu oferecimento, devendo, ainda, o magistrado, emtal oportunidade, determinar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito,no prazo de 10 dias. Ocorre que, após a fase da resposta escrita, a nova redação dada aoCPP, em seu art. 399, estabelece que, “recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia ehora para a audiência” de instrução.

A dúvida, portanto, é se a denúncia deve mesmo ser recebida logo apósseu oferecimento, nos termos do art. 396, ou se tal recebimento só deve ocorrer depois daresposta escrita e de análise em torno de eventual absolvição sumária, conforme o art. 399.Existe até mesmo o entendimento de que passaram a existir dois recebimentos de denúncia,pois tal conclusão seria decorrência literal do texto de lei.

A interpretação literal, contudo, não pode prevalecer em virtude de diver-sos argumentos lógicos, históricos e de interpretação sistemática.

Inicialmente, deve-se salientar, que, em acompanhamento ao trâmitelegislativo do Projeto de Lei n. 4.207/2001, que culminou na nova lei, pode-se notar que otema foi ampla e expressamente debatido, precipuamente na Câmara dos Deputados, últimaCasa Legislativa a apreciar o Projeto. Com efeito, no texto original nela aprovado, constavaefetivamente que a resposta escrita ocorreria depois do recebimento da denúncia, porém,essa ordem foi alterada por substitutivo do Senado Federal. Quando o Projeto retornou àCâmara foi necessário discutir novamente o assunto, tendo, então, sido decidido que a alte-ração proposta pelo Senado seria rejeitada, retomando-se o texto inicial que prevê o recebi-mento da denúncia antes da resposta escrita do réu. Do voto do Relator, o Dep. Régis deOliveira (aprovado no dia da votação final do Projeto), pode ser extraída a seguinte passa-gem: “o instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria rela-ção material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão nãohá para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir ofeito. Melhor se mostra que o juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relaçãoprocessual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”. Esse texto deixa claroque a denúncia deve ser recebida logo após seu oferecimento (o trâmite completo do Projetode Lei, com os respectivos debates, votos e sucessivas alterações nas duas Casas Legislativaspode ser obtido junto ao site da Câmara dos Deputados). É evidente, por sua vez, que sehouvesse a intenção de se criar duplo recebimento de denúncia isso teria expressamenteconstado do voto do Relator, o que não ocorreu.

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O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A LEI N. 11.719/2008

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Na interpretação sistemática, com outros dispositivos da própria lei aprova-da e de tal lei perante o sistema legal já vigente, pode-se apontar, em primeiro lugar, a novaredação dada ao art. 363 do CPP, que diz que “o processo terá completada a sua formaçãoquando realizada a citação do acusado”. Ora, se a citação deve ser feita para que réu ofereçaa resposta escrita, logo após o recebimento da denúncia conforme dispõe o art. 396, não hárazão para a existência de novo recebimento após tal resposta, pois o art. 363 expressamen-te diz que em tal momento a relação processual já está aperfeiçoada. Em confronto com a LeiAntitóxicos, ademais, é de se salientar que a nova redação dada ao Código de Processo emnenhum momento denomina a resposta do réu de “defesa prévia” ou “defesa preliminar”,chamando-a, singelamente de “resposta por escrito” ou “resposta escrita”, outro indicativode que tal fase é posterior ao recebimento da denúncia.

Por lógica, também, não pode haver um segundo recebimento de denúncia, jáque isso causaria nova interrupção da prescrição e, principalmente, porque, como já mencionado,o próprio texto de lei diz que, com a citação, a relação processual já se completou.

O que se depreende, em verdade, é que o legislador pretendeu estabele-cer que, se o juiz não absolver sumariamente o réu, após o oferecimento da resposta escrita,estará, lógica e implicitamente, confirmando o anterior recebimento da denúncia, porém, semnovo recebimento e sem nova interrupção da prescrição. Ao deixar de absolver sumariamen-te o acusado, o juiz autoriza a produção da prova em sua presença e designa a audiência.

Em nosso entendimento, portanto, existe um só recebimento de denúncia,logo após seu oferecimento, nos termos dos arts. 363 e 396 do CPP, não existindo, tampouco,“defesa preliminar” e sim “resposta escrita” por parte do acusado.

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PRPRPRPRPROOOOOVVVVVASASASASASLEI 11.690/08LEI 11.690/08LEI 11.690/08LEI 11.690/08LEI 11.690/08

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ANDREY BORGES DE MENDONÇAProcurador da RepúblicaProfessor de Processo Penal

OS ELEMENTOS ELEMENTOS ELEMENTOS ELEMENTOS ELEMENTOSOSOSOSOS

PRPRPRPRPRODUZIDOS DURANTE OODUZIDOS DURANTE OODUZIDOS DURANTE OODUZIDOS DURANTE OODUZIDOS DURANTE O

INQINQINQINQINQUÉRITUÉRITUÉRITUÉRITUÉRITO E O E O E O E O E A PRA PRA PRA PRA PROOOOOVVVVVASASASASAS

ANTECIPANTECIPANTECIPANTECIPANTECIPADADADADADASASASASAS,,,,, CA CA CA CA CAUTELARESUTELARESUTELARESUTELARESUTELARES

E IRREPETÍVEIS, SEGUNDOE IRREPETÍVEIS, SEGUNDOE IRREPETÍVEIS, SEGUNDOE IRREPETÍVEIS, SEGUNDOE IRREPETÍVEIS, SEGUNDO

A REFORMA DO CPPA REFORMA DO CPPA REFORMA DO CPPA REFORMA DO CPPA REFORMA DO CPP

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Introdução

Como é de conhecimento geral, o Código de Processo Penal foi objetode ampla reforma, sendo alterado pelas Leis 11.689/2008 – que tratou do júri – 11.69/2008– referente às provas – e a Lei 11.719/2008 – que, dentre outros, alterou os procedimentos.A finalidade maior de se reformar o atual CPP foi modernizá-lo, à luz da atual ciência proces-sual penal, dos princípios assegurados na Constituição Federal e das disposições previstasem Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasil. De fato, a revisãodo CPP era medida urgente. Quando da edição do referido Código, estava em vigor a Cons-tituição de 1937, outorgada e de inspiração nitidamente autoritária e policialesca, caracterís-ticas estas que se refletiram no CPP editado. Nestes 67 anos, desde a sua promulgação, ébem verdade que passamos por outras três Constituições (1946, 1967 e 1969) até se chegarà atual Constituição de 1988, razão pela qual diversos artigos do vetusto CPP foram revoga-dos. Ademais, inúmeras leis alteraram o CPP neste longo período. Porém, nada obstante aforça do princípio da supremacia da Constituição e as diversas alterações legislativas efetuadas,ainda existiam diversas falhas e incoerências na sistemática processual penal, especialmenteno tocante ao sistema acusatório, às garantias do acusados e um apego excessivo ao formalismo,descurando-se da necessária efetividade que o processo penal precisaria ter.

Certamente o ideal teria sido a aprovação de um novo CPP. Porém, emrazão de contingências políticas, preferiu-se a elaboração de projetos setoriais, que atingis-sem pontos estratégicos, com a edição das três leis acima mencionadas. Ainda outros proje-tos estão em tramitação para alterações de outros pontos relevantes, especialmente no to-cante às persecução penal extrajudicial, às medidas cautelares e aos recursos. Porém, oobjeto de nossa análise se cingirá à Lei 11.6901, mais especificamente sobre os elementoscolhidos durante as investigações e as provas antecipadas, cautelares e irrepetíveis. Antes,porém, de adentrar no estudo destas provas, urge seja analisado o que dispõe a nova reda-ção do art. 155 do CPP.

A nova redação do art. 155 do CPP

A Lei 11.690/2008, que entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008,alterou, de certa forma, o princípio da persuasão racional. Em sua nova redação, o caput doart. 155 passou a dispor o seguinte:

OS ELEMENTOS PRODUZIDOS DURANTE O INQUÉRITO EAS PROVAS ANTECIPADAS, CAUTELARES E

IRREPETÍVEIS, SEGUNDO A REFORMA DO CPP

1 Para análise de todas as alterações, vide nosso Nova reforma do Código de Processo Penal, comenta-da artigo por artigo, São Paulo: Editora Método, 2008.

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Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da provaproduzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisãoexclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Sabe-se que o CPP adotou o princípio da persuasão racional, de maneiraque o juiz, ao valorar as provas produzidas, não está vinculado a qualquer valor predetermi-nado, desde que se atenha às provas existentes nos autos e fundamente sua decisão. Confor-me consta do item VII da Exposição de Motivos do CPP: “Todas as provas são relativas;nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra.Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que nãofica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material.O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência”. Porém, a Constituição Federalalberga o princípio do contraditório, previsto no art. 5.º, inciso LV. Este princípio, segundoclássica lição de Canuto Mendes de Almeida, expressa “a ciência bilateral dos atos e termosprocessuais e a possibilidade de contrariá-los.”2 Como é sabido, o inquérito policial é proce-dimento inquisitivo, ao qual não se aplica o princípio do contraditório, justamente porque nãose destina à aplicação de nenhuma pena. Sua finalidade é informativa, visando coletar ele-mentos para a formação da opinio delicti do titular da ação penal, a permitir o posteriorexercício da persecução penal em juízo.

Assim sendo, em obediência ao princípio do contraditório, necessárioque as provas produzidas no inquérito sejam judicializadas, ou seja, reproduzidas em juízo,agora sim em observância do contraditório. É o que alguns autores chamam de princípio dajudicialização das provas. Caso o magistrado baseasse a sentença condenatória em elemen-tos produzidos exclusivamente durante o inquérito, estar-se-ia condenando com base emelementos não coletadas sob o crivo do contraditório, em afronta direta ao referido princípio.Justamente por isto a nova legislação deixou claro que o magistrado deve se guiar, na funda-mentação, pela prova produzida em contraditório judicial.

Vale destacar que o projeto que foi encaminhado originariamente ao Con-gresso Nacional não previa a expressão “exclusivamente”, de sorte que a introdução desteadvérbio no trâmite legislativo alterou, por completo, a intenção inicial dos autores do ante-projeto. Pela previsão originária, o juiz não poderia considerar nenhum elemento produzidodurante o inquérito policial, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Emoutras palavras, excluídas as provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas, o juiz nãopoderia, em hipótese alguma, levar em consideração qualquer elemento produzido durante oinquérito policial, por não ter sido produzido sob o manto do contraditório. Tanto assim queo artigo faz distinção nítida entre “provas” - produzidas em contraditório judicial - e “elemen-tos informativos” - produzidos sem o contraditório “judicial”.

Porém, a introdução da expressão “exclusivamente” alterou, por comple-to, o panorama, como já dissemos. Assim, de acordo com o texto que foi aprovado, olegislador não vedou que o magistrado considere os elementos informativos produzidos du-rante o inquérito policial para a condenação. A restrição constante é que o magistrado con-

2 Princípios fundamentais do processo penal, RT, 1973, p. 82, apud Antonio Magalhães Gomes Filho,Direito à prova no processo penal, p. 137.

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sidere exclusivamente os referidos elementos. A contrario sensu, é possível que sejam valoradosna sentença condenatória elementos produzidos durante o inquérito policial, desde que apenascomo elemento de reforço às provas produzidas em juízo (aqui sim em observância do contradi-tório). Dito de outra forma: o juiz pode considerar na sentença os elementos informativos produ-zidos no inquérito, desde que conjuntamente com provas produzidas “em contraditório judicial”.O Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Lessa Bastos discorda desta interpretação, aoafirmar: “as provas, por assim dizer, ordinariamente produzidas na investigação, que não tenhamnatureza cautelar, não sejam irrepetíveis e nem antecipadas, não podem servir nem mesmo dereforço à formação do convencimento do Juiz, sendo nula a fundamentação de qualquer sentençaque delas se socorrer, ainda que à guisa de complemento da fundamentação calcada na provacolhida em contraditório judicial”3. Data venia, discordamos deste entendimento. De acordocom a nova disposição legal, não se pode afirmar que todos os elementos produzidos no inquéritopolicial estejam descartados a priori, especialmente porque, na atualidade, o investigado não émais visto como mero objeto de investigação, mas sim como sujeito de direitos. Assim, por exem-plo, o STF vem reiteradamente decidindo que não se pode obstar o advogado do investigado ater acesso aos autos do inquérito policial, especialmente quanto às provas já documentadas eincorporadas ao procedimento4. No mesmo sentido o STJ, que, inclusive decidiu ser necessária aobservância da ampla defesa em determinados momentos do inquérito, especialmente quandohouver restrição aos direitos fundamentais5. Relembre-se, também, que o art. 306, §1º, do Códi-go de Processo Penal foi alterado pela Lei 11.449 de 2007 para determinar que a DefensoriaPública seja comunicada da prisão em flagrante, caso o preso não possua advogado constituído.

Assim sendo, o inquérito policial não possui mais o mesmo caráter deprocedimento investigativo inquisitório que se vislumbrava quando da aprovação do atualCódigo de Processo Penal. A situação se alterou, de sorte que são muito restritas as hipóte-ses de limitação aos direitos do investigado durante o inquérito policial, especialmente pelasgarantias asseguradas pela atual Constituição Federal e pela orientação dos nossos TribunaisSuperiores. Não bastasse, o magistrado tem o dever de fundamentar sua decisão, conformedecorre do texto constitucional, indicando o raciocínio lógico que o levou a esta ou aquelaconclusão. Deve, portanto, no bojo de sua motivação, explicitar por qual motivo deu valorou não a este ou aquele elemento informativo para corroborar o quanto foi produzido em

3 Processo penal e gestão da prova. Os novos arts. 155 e 156 do Código reformado (Lei nº 11.690/08).Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1880, 24 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11593>. Acesso em: 03 set. 2008 .4 Neste sentido, vide STF- HC 90.232/AM, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.12.2006, 1.ª turma, informativo453. No mesmo sentido, vide, ainda, HC 82.354/PR (DJU de 24.9.2004), HC 87.827/RJ (DJU de 23.6.2006) eHC 86.059 MC/PR (DJU de 30.6.2005), todos da Suprema Corte.5 INQÚERITO POLICIAL. AMPLA DEFESA. O inquérito policial é um procedimento preparatório queapresenta conteúdo meramente informativo no intuito de fornecer elementos para a propositura da açãopenal. Contudo, mesmo não havendo ainda processo, no curso do inquérito pode haver momentos deviolência e coação ilegal, daí se deve assegurar a ampla defesa e o contraditório. No caso, a oitiva detestemunhas, bem como a quebra do sigilo telefônico, ambos requeridos pelo paciente, não acarretaránenhum problema ao inquérito, mas sim fornecerá à autoridade policial melhores elementos para suasconclusões. Precedentes citados: HC 36.813/MG, DJ 5.08.2004; HC 44.305/SP, DJ 4.06.2007, e HC 44.165/RS, DJ 23.04.2007. HC 69.405/SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 23.10.2007, 6.ª turma, informativo 337.

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contraditório judicial. Assim agindo, permitirá o controle, inclusive, por quem se sentir even-tualmente prejudicado, por intermédio da via recursal. A interpretação diversa - ou seja,impedir o magistrado de se valer de todos os elementos coletados durante o inquérito policial-, colocaria o magistrado em uma “camisa de força”, sem que pudesse, mesmo quemotivadamente, valer-se de qualquer elemento produzido durante o inquérito policial, emgrave prejuízo à busca da verdade real. Como é sabido, nenhum direito pode ser considera-do absoluto. Embora sejamos partidários de que nenhuma condenação pode se pautar ex-clusivamente nos elementos colhidos durante o inquérito policial – aliás, como já era aposição da doutrina e da jurisprudência majoritárias – entendemos que não se pode despre-zar, a priori, os elementos coletados durante as investigações, que podem vir a reforçar asprovas colhidas em juízo. Neste sentido, também se manifesta Rodrigo de Abreu Fudoli: “Seassim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido da exclusão física das peçasproduzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que não se verifica, entre nós.Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atos praticados durante oinquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestrito que os advogadosvêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com a chancela dosTribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem contra a manuten-ção das peças inquisitoriais nos autos do processo”6. No mesmo sentido, vale mencionar queo Supremo Tribunal Federal, no Ag.Reg.RE 425.734-3, pela sua 2ª turma, em 04.10.2005,decidiu neste sentido, conforme asseverou a rel. Min. Ellen Gracie: “Neste aspecto, salientoque não se pode desprezar, como elemento válido e aceitável de convicção, a prova colhidana fase inquisitorial, desde que esta encontre respaldo em outros elementos idôneos, levanta-dos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo a integrar e a fortalecer oquadro probatório, como na hipótese em tela”. .

Inclusive, é de se destacar que a expressão “exclusivamente” foi objetode controvérsia no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto. No Senado, houveemenda para que a referida expressão fosse excluída, de forma que o magistrado não pode-ria considerar nenhum elemento produzido durante o inquérito policial. Referido entendimen-to restou vencido, conforme o voto do relator sobre a emenda, o ex-magistrado federalFlávio Dino: “A supressão pretendida pelo Senado faria com que o órgão jurisdicional fosseimpedido de considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Ora, por deter-minação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, de tal formaque o julgador só deve levar em consideração informações contidas em inquérito policial seo fizer de forma razoável. Deve, portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levarama utilizar o elemento informativo colhido no inquérito policial. Este, por sua vez, não seguemais o antigo paradigma de investigação inquisitória, havendo, atualmente, observância àsgarantias do acusado no que tange à ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso doadvogado aos autos do inquérito. Parece-me, então, razoável o texto aprovado pela Câma-ra. Este, ao impedir que o juiz fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos infor-mativos colhidos na investigação, tanto resguarda o princípio da motivação, insculpido noinciso IX do artigo 93 da Constituição, como também preserva o contraditório, uma vez quea fundamentação do juiz deverá ser formulada também com base em outros elementos. Tais

6 Lei nº. 11.690/08: reforma do tratamento das provas no Código de Processo Penal. Jus Navigandi,Teresina, ano 12, n. 1821, 26 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11430>. Acesso em: 02 set. 2008

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elementos jamais poderão ser exclusivamente os colhidos quando do inquérito, consoanteconsagra a atual orientação jurisprudencial dominante. O que não é razoável é simplesmentedizer-se que o contido no inquérito policial de nada vale para a formação da convicção dojulgador. Por esse motivo, rejeito a Emenda n.º 1 do Senado, mantendo, assim, o textoaprovado pela Câmara para o artigo 155 do Código de Processo Penal”.

Portanto, os elementos informativos produzidos durante o inquérito po-dem corroborar aquelas provas que foram produzidas em juízo, fortalecendo o panoramaprobatório e permitindo que se justifique a prolação de sentença condenatória. Desde que omagistrado não se apóie apenas em elementos produzidos durante o inquérito, poderá valorá-los em conjunto com as provas produzidas em juízo, sempre de maneira fundamentada. Porexemplo, o magistrado poderia considerar uma confissão feita pelo investigado durante oinquérito policial, em que estava acompanhado de advogado constituído e sem que houvessequalquer prova de constrangimento, caso aquela confissão estivesse em coerência com asdemais provas produzidas no curso processo. Gize-se: desde que este elemento produzidodurante o inquérito policial seja corroborado por outras provas produzidas em juízo.

Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

Outra inovação diz respeito à possibilidade de o magistrado considerar emsua sentença, sem que tal decisão configure violação ao princípio do contraditório, as provascautelares, não repetíveis e antecipadas, mesmo que produzidas durante o inquérito policial. Pelainterpretação literal do referido artigo, o juiz estaria livre para condenar exclusivamente apoiadonas referidas provas (cautelares, não repetíveis e antecipadas), sem a necessidade de seremcomplementadas por outras provas produzidas em juízo. Isto porque a ressalva final – referente àsprovas cautelares, não repetíveis e antecipadas - está se referindo à expressão “exclusivamente”.Em síntese, poderíamos extrair duas conclusões da forma pela qual foi redigido o art. 155: a) oselementos informativos produzidos durante o inquérito policial não podem levar, isoladamente, àprolação de uma sentença condenatória; b) as provas cautelares, não repetíveis e antecipadaspodem levar, isoladamente, à prolação de uma sentença condenatória. Veremos, porém, que estaúltima conclusão é correta apenas em parte.

Antes de analisar o conceito de “provas cautelares, não repetíveis e ante-cipadas”, devemos relembrar que a essência do conceito de contraditório está na ciência e napossibilidade de reação. Antonio Magalhães Filho, tratando deste último aspecto (reação),leciona: “No seu segundo momento,o contraditório adquire uma feição dinâmica, caracteri-zando-se pela possibilidade de participação ativa de seus protagonistas em todos os atos doprocedimento, com o objetivo de influenciar positivamente o espírito do juiz e obter, assim, atutela pretendida (...) Essa participação ativa dos interessados no provimento pode ocorrerde várias formas: preventivamente, quando se instaura o contraditório para debater a opor-tunidade de realizar determinado ato; concomitantemente, quando se manifesta através daatuação na própria prática do ato; ou, ainda, posteriormente, quando consiste em mani-

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festação subseqüente ao ato, como, por exemplo, na discussão sobre o valor de umaprova já produzida.”7 Esta última hipótese é também chamada de contraditório diferido.Feita essa ressalva, vejamos, o significado das provas cautelares, antecipadas e nãorepetíveis separadamente8.

Provas cautelares

Provas cautelares são aquelas em que existe um risco de desapareci-mento da prova em razão do transcurso do tempo (periculum in mora) e nas quais ocontraditório é diferido, ou seja, realizado durante o curso do processo. Assim, porexemplo, um exame de corpo de delito, para constatar a presença de sêmen na vaginada mulher que foi estuprada. Caso não se faça o exame logo após o crime, ainda na fasedo inquérito policial e sem o contraditório prévio ou concomitante, os vestígios desapa-recerão, impossibilitando a sua realização em momento posterior. Justifica-se a exceçãoà regra em razão do risco de desaparecimento da prova e em atenção à busca da verda-de real. Ademais, não se fere o princípio do contraditório, que, como vimos, será diferi-do para momento posterior, ou seja, no curso do processo. Em caso de perícias cautelares– grande maioria das situações –, inclusive, será possível a apresentação de quesitoscomplementares, em caso de não observância de formalidades, omissões, obscuridadesou contradições, que deverão ser respondidos pelo perito que elaborou o laudo, nostermos do que dispõe o art. 181 do CPP. Com a reforma é possível, ainda, a oitiva doperito em audiência, para que esclareça algum ponto do laudo ou, ainda, a nomeação deassistente técnico para criticar o laudo elaborado, nos termos do art. 159, § 5º, do CPP,com redação também conferida pela Lei 10.690/2008. A alteração a este último dispo-sitivo legal visa justamente reforçar o contraditório em juízo, especialmente o diferido.

Provas antecipadas

Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do con-traditório real, perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno e atémesmo antes de iniciado o processo, em razão da sua urgência e relevância. Em outraspalavras, são aquelas provas em que existe um risco de desaparecerem com o transcorrer dotempo e que são realizadas perante o juiz, observando-se o contraditório real, mesmo antesde iniciada a ação penal. Vale ressaltar que foi incluído, na nova redação do art. 156 do CPP,o inciso II, que afirma ser possível ao magistrado determinar a realização das provas anteci-padas, desde que haja necessidade e urgência. Por exemplo, se se verificar que a únicatestemunha presencial de um crime está com a saúde debilitada, em razão de doença incurá-vel (HIV ou câncer), havendo risco de falecer antes de iniciada a ação penal, seria possível a

7 Direito à prova no processo penal, p. 138-139.8 Advertimos o leitor que os conceitos de prova cautelar, não repetível e antecipada não são comumentevistos no processo penal. Justamente por isto, o quanto dito no texto não foi extraído de nenhum autor,mas decorre, segundo pensamos, da sistemática que foi adotada pela reforma.

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sua oitiva, determinando-se a sua inquirição perante o juiz. Nesta hipótese, respeita-se, des-de logo, o contraditório real. Permitiu-se, ainda, que o magistrado determine, de ofício, aprodução de provas antecipadas (art. 159, inc. I), inclusive antes de iniciada a ação penal.

É de se verificar que o art. 225 já previa a possibilidade de o juiz anteci-par a produção da prova testemunhal, nos seguintes termos: “Se qualquer testemunha houverde ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo dainstrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer daspartes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. Da mesma forma, os arts. 92 e 366 játratavam da produção antecipada de provas, em caso de suspensão do processo. Porém, anova legislação foi além, ao permitir a produção antecipada inclusive antes do início da açãopenal. Esta, realmente, foi a maior inovação9.

As provas antecipadas (ad perpetuam rei memoriam) são, portanto,aquelas produzidas perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportunoou até mesmo antes de iniciado o processo, em situações de urgência e relevância e observa-do o contraditório real (exemplo: depoimento da testemunha que está em vias de falecer).

Como adiantamos, é possível a realização da prova antecipada antesou após o início do processo. Na primeira hipótese, o juiz antecipa o momentoprocedimental oportuno para a produção da prova. Assim, por exemplo, embora o feitoainda esteja na fase da resposta escrita, o juiz poderá determinar, em caso de urgência,a oitiva antecipada da testemunha – que somente seria ouvida, pelo rito normal, na audi-ência de instrução e julgamento.

Para que seja possível a produção de provas antecipadas, dois pressu-postos são necessários: relevância (fumus boni iuris) e urgência (periculum in mora). Arelevância se verifica pela pertinência – ou seja, que a prova diga respeito aos fatos deeventual processo futuro ou do próprio processo já instaurado – e pela importância da provano deslinde eventual da causa. Porém, no caso de produção antecipada anterior ao proces-so, entendemos que deverá o magistrado analisar, ainda, outro requisito, qual seja, a viabili-dade de um processo futuro. Deve verificar se há a “fumaça” de que houve um crime e,portanto, que haverá um provável processo futuro. Por exemplo, caso se verifique que o fatoé manifestamente atípico ou que já está extinta a punibilidade, sequer haverá cabimento emse falar em prova antecipada. Obviamente, a análise da viabilidade deve ser em cogniçãosuperficial, não profunda, como é típico das medidas de urgência. Se houver dúvida sobre atipicidade ou punibilidade, por exemplo, deve ser deferida a medida. A urgência, por suavez, caracteriza-se pelo risco de desaparecimento da prova, ou seja, pela presença dopericulum in mora. Além do exemplo da testemunha enferma, seria possível a antecipação

9 A legislação permitia a produção antecipada de provas, mas, segundo lecionava a doutrina majoritária,apenas no curso do processo, nos termos do art. 225 do CPP. A inovação foi a permissão de produçãoantecipada de provas antes mesmo do início da ação penal. Vale ressalvar, porém, que Carlos FredericoCoelho Nogueira já mencionava a possibilidade da produção antecipada da prova inclusive antes deiniciada a ação penal (Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2002. v. 1., p. 251).Também fazia menção a esta possibilidade Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasi-leiro Anotado, 2000, v. III, Campinas: Bookseller Editora, p. 184)

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quando houvesse sério risco de vida a uma testemunha “jurada” de morte por determinadaorganização criminosa10.

Ademais, para a análise destes dois requisitos (relevância e urgência),deve o magistrado observar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Este princí-pio possui três aspectos, conforme ensina a doutrina: a) necessidade (no caso, a medidadeve ser a menos gravosa dentre as existentes. Assim, por exemplo, se houver risco de vidaa uma testemunha, deve o magistrado sopesar se é necessária a antecipação do depoimentoou se a proteção policial será suficiente para resguardar a testemunha); b) adequação (amedida deve ser apta a alcançar a sua finalidade, ou seja, deve o magistrado verificar apertinência da prova para o processo penal); c) proporcionalidade em sentido estrito (asvantagens da medida devem superar as desvantagens, ou seja, o magistrado deve sopesar seé melhor aguardar o momento procedimental correto para produção da prova ou se deveantecipar sua produção).

O art. 156 do CPP afirma que o magistrado poderia determinar a anteci-pação de provas de ofício. Porém, aqui devemos distinguir. Em relação às provas antecipa-das durante o curso do processo, não temos dúvida de que a nova lei andou bem, pois o juiztem interesse na busca da verdade real. Inclusive, já havia no art. 225 do CPP a previsão deque o juiz poderia determinar, de ofício, a produção antecipada da prova testemunhal, comovimos. Por outro lado nos parece inconstitucional a autorização conferida ao juiz para deter-minar, de ofício, a produção antecipada de provas antes do início da ação penal. Realmente,nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada e nem mesmo acusação formalveiculada. Assim sendo, não pode o magistrado violar a sua inércia, atuando como verdadei-ro juiz inquisidor. Neste sentido, vale relembrar que o STF declarou, na ADIN 1.570-2,inconstitucional o art. 3.º da Lei 9.034/1995, que permitia ao magistrado a realização deinvestigações pessoais. Na ementa da referida decisão constou: “Juiz de Instrução. Realiza-ção de diligências pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido pro-cesso legal. Imparcialidade do magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigaçãodas atribuições do Ministério Público e das Polícias Federal e Civil (...)”11. A produção an-tecipada de provas segue a mesma senda do malfadado art. 3.º da Lei 9.034/1995, poispermite ao magistrado que se antecipe à formação da opinio delicti do titular da ação penal,atuando como verdadeiro juiz de instrução, cuja imparcialidade poderá ser maculada. Real-mente, caso o juiz determine, de ofício, a produção de provas, poderá estar se vinculandopsicologicamente à causa, assim como antecipando eventual entendimento sobre o caso,justamente o que o princípio da inércia ou da iniciativa das partes visa resguardar. E se o juizdeterminar de ofício a produção antecipada de provas, antes mesmo do início da ação penal,estaria formulando um juízo antecipado sobre a opinio delicti, usurpando atribuições quesão constitucionalmente asseguradas ao Ministério Público, na ação penal pública. Ademais,seria impossível ao magistrado coletar a prova sem que antes estivesse delimitado o themaprobandum, que somente se saberá com o oferecimento da denúncia. Por exemplo, a pro-dução antecipada serviria para provar a prática de qual crime? O juiz perquirirá a testemunha

10 Neste sentido, em relação ao processo civil, mas em lição aplicável, PAULA, Paulo Afonso Garrido de,Código de Processo Civil Interpretado, coord. MARCATO, Antônio Carlos, p. 2372.

11 STF, Plenário, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 12.04.2004.

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sobre quais fatos, se ainda não houve delimitação destes em juízo? Tais perplexidades de-monstram, segundo nosso sentir, que é impossível ao magistrado determinar de ofício a rea-lização de prova antecipada antes do início do processo, sob pena de violação ao sistemaacusatório e aos princípios da inércia e do devido processo legal, em virtude da mácula àimparcialidade do juiz. Em síntese, estamos diante de um retrocesso, verdadeiramenteinconstitucional, por se tratar de um retorno ao juiz inquisitivo. Ao comentar o dispositivo daLei 9.034/1995, cujas lições podem ser inteiramente aplicáveis aqui, Luiz Flávio Gomesadvertiu: “A lei ora em questão (art. 3.º), ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora doprocesso, quebrou o princípio da imparcialidade e, assim, violou o devido processo legalprevisto no art. 5.º, inc. LIV. Também por isto é inconstitucional. A radical mudança deposição do juiz brasileiro, não fosse derivada de uma disposição inconstitucional e, portanto,inválida, configuraria, como já afirmamos, um clamoroso retrocesso. Seria um caminhar nacontramão da história. A tendência moderna não é transformar o juiz em protagonista princi-pal da colheita de provas. Exatamente o oposto vem ocorrendo. O juizado de instruçãonapoleônico está em descrédito e decadência”.12 Que fique bem claro: entendemos que omagistrado pode determinar a produção de provas no curso do processo, em busca daverdade real. O que não admitimos é que o juiz, antes mesmo de existir imputação formulada,afaste-se de sua imparcialidade para, ainda durante o inquérito, determinar provas de ofício.Ao fazê-lo, como ainda inexiste imputação, não estará buscando a verdade real, mas apenasinvestigando fato que potencialmente poderá ser levado a juízo. Tanto assim que a provaproduzida antecipadamente poderá auxiliar a formulação da imputação, que virá posterior-mente a ser julgada pelo mesmo juiz que investigou os fatos! Por todos estes motivos, enten-demos que o magistrado somente pode determinar a produção antecipada de provas nocurso do processo. Fora disto, ou seja, antes de iniciada a ação penal, não pode fazê-lo deofício. Somente poderá agir a partir de requerimento do Ministério Público ou do ofendido(na ação privada), do investigado (testemunha que é álibi do investigado e que está em riscode morte, por exemplo) ou, ainda, de representação da autoridade policial. Neste sentidovem sendo a interpretação majoritária da doutrina a respeito da possibilidade de o juiz deter-minar, de ofício, prova antecipadas antes da ação penal13. Em sentido contrário, porém, asconclusões Workshop Sobre as Alterações no Código de Processo Penal, organizado pelaEscola da Magistratura do TRF da 4ª Região, cuja primeira conclusão afirma: “Pode o juizcolher provas de ofício antes do recebimento da denúncia, sendo constitucional o artigo 156,I, do CPP”.14

12 Estudos de direito penal e processo penal, São Paulo: RT, 1998, p. 191-192.13 Neste sentido, GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista (Comentári-os às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo: Editora Revista dosTribunais, p. 280), CRUZ, Rogério Schietti Machado da (Com a palavra, as partes. In: Boletim doIBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 17-18), LOPES, Aury Jr. (Bom para quê(m)?, In: Boletim doIBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 10), ZILLI, Marcos (O Pomar e as Pragas, In: Boletim doIBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 2), entre outros.14 WORKSHOP SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Coordenador Científico:Des. Federal Néfi Cordeiro, evento ocorrido nos dias 18 e 19 de agosto de 2008, em Porto Alegre/RS,organizado pela Escola da Magistratura do TRF 4ª Região, obtido no sítio http://www.trf4.jus.br/trf4/institucional/institucional.php?no=531

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Em relação ao procedimento a ser seguido no caso de antecipação deprovas, o legislador andou mal em não disciplinar o tema, surgindo verdadeira lacuna noponto Assim sendo, nos termos do art. 3.º do CPP, urge seja integrado o vazio legislativovalendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito. Neste sentido, entendemos quedevem ser aplicadas as disposições do Código de Processo Civil que tratam da produçãoantecipada de provas, nos termos dos arts. 846 a 851 do CPC. Tais normas irão regular oincidente cautelar de produção antecipada de provas.

Preliminarmente, a competência para a medida de produção antecipada,no caso de ser anterior ao início do processo, será dos juízes que sejam potencialmentecompetentes para o feito, caso ainda não haja juízo prevento. Assim, observar-se-ão asregras de competência, especialmente a de foro (juiz do local da consumação). Quando forno curso do processo, não há dúvidas de que será o próprio juiz da causa. Encontrado omagistrado competente, a parte interessada em produzir antecipadamente a prova deverájustificar sumariamente a presença dos pressupostos da medida – relevância e urgência –, e,especialmente, indicar com precisão os fatos sobre os quais há de recair a prova, bem comoa sua relevância para os fatos investigados (art. 848 do CPC). Deferida, a produção anteci-pada da prova poderá consistir em interrogatório15, em inquirição de testemunha e em examepericial. Caso o magistrado determine de ofício – apenas no curso do processo, como vimosacima –, entendemos que deverá indicar, em despacho fundamentado, a presença dos pres-supostos da medida. Apresentada a petição, será instaurado procedimento cautelar autôno-mo de produção antecipada de prova, seja antes do início da ação penal (pois não há sequeração penal), seja após o início da ação penal (para se evitar tumulto procedimental). Toma-das as providências, deverá o magistrado determinar a realização da prova. Tratando-se detestemunha, deverá designar audiência para a sua oitiva, em juízo. Após, serão os interessa-dos intimados para tanto. Neste passo, não é necessária, segundo pensamos, a citação doinvestigado, pois esta somente deve ocorrer quando houver acusação já formulada. Basta,assim, a intimação do Ministério Público e do suposto investigado, que deverá comparecernecessariamente acompanhado de advogado, sob pena de ser-lhe nomeado um. Não temosdúvida de que o investigado e, com maior razão, o indiciado, devem ser intimados paracomparecer à audiência, pois, se por um lado a finalidade da antecipação é assegurar aprova, por outro é assegurar o contraditório efetivo e real. Como afirma Carlos FredericoCoelho Nogueira: “Essa inquirição deve ser efetuada em juízo e em autos apartados aos doinquérito policial, com observância do contraditório real, dela participando, portanto, o MPe advogado nomeado pelo magistrado. Já havendo indiciado no inquérito, deve ser intimadoa comparecer e a participar do ato através de advogado que quiser contratar, sendo-lhenomeado defensor dativo no caso de comparecer desacompanhado de defensor constituído.O indiciado de hoje poder ser o réu de amanhã, daí a necessidade de se lhe permitir aparticipação na prova oral antecipada.”16 Caso não haja, ainda, suspeito, deve o juiz nomeardefensor dativo.

15 Pode-se vislumbrar a necessidade de o acusado ser interrogado antecipadamente, caso demonstre quese ausentará por longo tempo. Com mais freqüência, segundo cremos, poderá ocorrer a oitiva de co-réudelator, que está sendo ameaçado de morte em razão da delação.16 Ob. cit., p. 251.

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Caso seja indeferido pedido de produção antecipada de provas, enten-demos que o incidente para produção da referida prova terá sido extinto, de sorte que estadecisão se enquadra no art. 593, inc. II, do CPP, ou seja, será cabível o recurso de apelação,especialmente porque a decisão não se enquadra no rol fechado do art. 581 do CPP17. Dequalquer sorte, entendemos aplicável o princípio da fungibilidade recursal, previsto no art.579 do CPP, segundo o qual a parte não será prejudicada pela interposição de um recursopor outro, quando não houver má-fé, especialmente porque o prazo de interposição da ape-lação e do recurso em sentido estrito serão os mesmos.

Provas irrepetíveis

Por fim, provas não repetíveis seriam aquelas que não poderiam ser no-vamente produzidas no curso do processo, embora já tenham sido colhidas extrajudicialmente.Prova não repetível seria, por exemplo, uma testemunha ouvida durante o inquérito policial,mas que vem a falecer antes de ser ouvida em juízo, no momento procedimental oportuno.Aqui trataremos das provas irrepetíveis como espécie autônoma em relação às provascautelares e antecipadas, como fez o legislador na reforma. Seria, portanto, prova irrepetívela testemunha que foi ouvida durante a fase do inquérito policial, perante a Autoridade Polici-al, mas que vem a falecer antes de ser ouvida em Juízo.

Semelhanças e diferenças entre provas antecipadas, cautelares eirrepetíveis

De logo, é possível vislumbrar um núcleo comum entre a prova cautelar ea prova antecipada, pois em ambas há fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, peloque se infere da nova disciplina legal, a diferença entre a prova cautelar e a antecipada estáem que a antecipada é produzida observando-se o contraditório real – ou seja, garante-se aciência e a participação no momento da produção da prova –, o que não se verifica nas

17 Não se olvida que, em caso de aplicação do art. 366 do CPP, da decisão do magistrado que indeferepedido de produção antecipada de provas a jurisprudência entendia que seria cabível o mandado desegurança (STJ – 6.ª Turma – ROMS 12.060/SP – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 19.12.2002 e REsp 504.789-GO, Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 21/8/2007, 6ª turma, informativo 328). No entanto, entendemosque a situação, ao menos para fi ns recursais, não se enquadra perfeitamente à hipótese de indeferimentoda produção antecipada de provas, introduzida pelo art. 156 do CPP. Realmente, enquanto no caso deaplicação do art. 366, o indeferimento da produção da prova não leva à extinção do processo ou dequalquer processo incidente – o processo continua suspenso, seja ou não deferida a produção antecipa-da de provas –, no caso do indeferimento da prova antecipada ora tratado há verdadeira extinção de umprocesso preparatório à propositura da ação penal, mas sem que se adentre na análise da pretensãopunitiva. Assim sendo, enquanto a decisão de indeferimento da produção antecipada prevista no (antigo)art. 366 não se enquadra no conceito de decisão com força de definitiva, a decisão por nós tratada seencaixa perfeitamente naquele conceito.

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provas cautelares. Assim, enquanto na prova antecipada há o contraditório real – no mesmomomento da sua produção –, na prova cautelar o contraditório é diferido, ou seja, exercitadoapós a produção da prova, no curso do processo. Vale destacar, ainda, que a prova anteci-pada é sempre produzida perante a autoridade judicial, o que nem sempre ocorre com aprova cautelar, que pode ou não ser produzida perante a autoridade judicial.18

Diversamente, na prova irrepetível não há contraditório, seja real ou dife-rido. A prova não repetível aproxima-se das provas cautelares e antecipadas pois nestasduas ou haverá irrepetibilidade absoluta, por desaparecimento do objeto – exemplo, dosvestígios do crime que certamente desaparecerão – ou, ao menos, há uma potencialidade deque a prova se transforme em irrepetível – como no caso da testemunha que está enfermadurante o inquérito, mas que pode vir a não falecer antes do curso do processo.

Condenação exclusivamente com base em provas cautelares, an-tecipadas e irrepetíveis?

Explicados os conceitos, pergunta-se: poderia o magistrado condenar combase exclusivamente em prova cautelar, antecipada ou não repetível? Pela interpretaçãoliteral do art. 155 poder-se-ia chegar a esta conclusão. Porém, segundo cremos, esta inter-pretação é verdadeira apenas em parte.

Realmente, pensemos nas provas não repetíveis. Poderia o magistrado sebasear apenas e exclusivamente nela para proferir um decreto condenatório? Entendemosque não. O simples fato de uma prova ter sido produzida no inquérito policial e ter se tornadoimpossível a sua repetição em juízo (prova produzida no inquérito + ser irrepetível) não podejustificar, a nosso ver, uma exceção ao princípio do contraditório. Suponhamos o exemplo deuma única testemunha presencial de um latrocínio que foi ouvida durante o inquérito, mas quefalece antes do início da instrução processual. Neste caso, entendemos que o juiz não poderáconsiderar isoladamente esta prova para fins de condenação, pois o contraditório não estariasendo observado, seja no momento da produção da prova (contraditório real), seja posteri-ormente (contraditório diferido). Como contraditar esta testemunha, como fazer perguntas,como verificar se não foi pressionada para que assinasse seu termo de depoimento? Nesteponto, caso o magistrado considerasse essa prova exclusivamente para embasar a condena-ção, estaríamos diante de uma lesão frontal, segundo pensamos, ao princípio do contraditó-rio. Não teria sentido em considerar que a mera impossibilidade de repetição pudessetransmudar essa prova de “não apta” para “apta” a fundamentar um decreto condenatório.Do contrário, qualquer elemento de informação colhido durante o inquérito teria a aptidão de

18 Por exemplo, a interceptação telefônica é prova cautelar – há perigo na demora, mas o contraditório édiferido – embora seja produzida com autorização judicial.

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levar à condenação, desde que se tornasse impossível a sua repetição em juízo19.Que fique claro: entendemos que o magistrado pode valorar este elemento de in-formação na sentença, desde que o faça ao lado de outras provas colhidas emjuízo. O que não se admite é o magistrado condenar baseando-se exclusivamentenesta prova irrepetíveis, sob pena de violação ao princípio do contraditório. Omagistrado deve valorar esta “prova” irrepetível como qualquer outro elemento in-formativo produzido durante o inquérito policial.

O mesmo não pode ser afirmado quanto às provas cautelares eantecipadas, pois nestas há contraditório efetivo, seja concomitante, seja posterior,como vimos. Assim, o magistrado pode condenar ou absolver exclusivamente fun-dado em uma prova antecipada ou cautelar, sem necessidade de estar apoiado emoutros elementos produzidos em contraditório judicial. Isto porque o contraditório,nas provas cautelares e antecipadas, foi efetivamente exercitado pelas partes.

Segundo pensamos, a forma de interpretar o art. 155 do CPP passapela sua consideração teleológica. Conforme já dissemos, o referido dispositivobusca preservar o contraditório, que deve guiar toda a produção das provas. As-sim, sob a luz desta interpretação, o magistrado poderá considerar as provascautelares e antecipadas para a condenação, inclusive podendo valer-se delas comexclusividade, pois é perfeitamente possível o contraditório nestas duas situações20.Diversa é a hipótese da prova não repetível. Para esta, como não há o contraditó-rio, seja anterior ou posterior, impossível ao magistrado se fundar exclusivamentenela para condenar. O magistrado apenas poderá considerá-la como elemento dereforço das provas coletadas em juízo, conforme dissemos em relação aos demaiselementos de informação do inquérito policial. Porém, jamais o magistrado poderácondenar com base exclusivamente em uma prova não repetível, colhida apenas noinquérito policial, sob pena de violação ao contraditório. Esta, segundo cremos, amelhor interpretação para o dispositivo, de sorte que urge seja feita uma interpre-tação conforme do dispositivo21, visando afastar qualquer outra interpretação queviole o princípio do contraditório.

19 Esta questão já havia sido vislumbrada por Rodrigo de Abreu Fudoli, quando ainda se discutia osanteprojetos que vieram a ser aprovados: “A palavra irrepetíveis é que me causa certa dúvida (...) Pelaredação proposta, me parece que se permitiria, por exemplo, que o juiz fundamente sua decisão no depoi-mento de uma testemunha que foi ouvida durante o inquérito e que depois faleceu, e por quê? Essa oitivaseria irrepetível”. (Seminário “A reforma do Processo Penal Brasileiro”, organizado pelo Ministério daJustiça, em Brasília, nos dias 7, 8 e 9 de junho de 2005, p. 56)20 Exemplo seria da única testemunha presencial do crime que é ouvida antecipadamente ainda durante oinquérito, perante o magistrado e observado o contraditório. O magistrado poderá considerar esta provacomo fundamento exclusivo para a condenação. Da mesma forma, o magistrado pode considerar demons-trada a materialidade em razão de um exame de corpo de delito realizado durante o inquérito policial.

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21 Leciona Celso Bastos, sobre a interpretação conforme a Constituição: “Trata-se de um recurso extremo quebusca dotar de validade a norma tida como inconstitucional. O intérprete, depois de esgotar todas asinterpretações convencionais possíveis e não encontrando uma exegese constitucional, mas também nãocontendo a norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, vai verificar se é possível, peloinfluxo das disposições constitucionais, levar a efeito algum alargamento ou restrição da norma que acompatibilize com a Carta Maior. Todavia, o alargamento ou a restrição da lei não devem ser revestidos deuma afronta à literalidade da norma ou à vontade do legislador”, apud Olavo A. V. Alves Ferreira, Controle deconstitucionalidade e seus efeitos, 2. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Método, 2005, p. 139

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EDUARDO QUEROBIMPromotor de Justiça no Estado de São Paulo

LEI 11.690/08 E ALEI 11.690/08 E ALEI 11.690/08 E ALEI 11.690/08 E ALEI 11.690/08 E AREGULAMENTREGULAMENTREGULAMENTREGULAMENTREGULAMENTAÇÃO DOAÇÃO DOAÇÃO DOAÇÃO DOAÇÃO DOINCINCINCINCINC..... L L L L LVI DO VI DO VI DO VI DO VI DO ARARARARARTTTTT..... 5 5 5 5 5º DDDDDAAAAA

CONSTITUIÇÃO FEDERALCONSTITUIÇÃO FEDERALCONSTITUIÇÃO FEDERALCONSTITUIÇÃO FEDERALCONSTITUIÇÃO FEDERAL- - - - - A INA INA INA INA INADMISSIBILIDADMISSIBILIDADMISSIBILIDADMISSIBILIDADMISSIBILIDADEADEADEADEADE

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Introdução e aproximação teórica

O presente artigo busca abordar e levantar perspectivas acerca donovo regime jurídico surgido com a edição da Lei 11.690/08, mais especificamente apartir da nova redação dada ao art. 157 do Código de Processo Penal, notadamentedestinado a regulamentar as soluções aplicáveis às provas obtidas por meios ilícitos emprocessos penais condenatórios.

A Constituição Federal proclama, como garantia fundamental, se-rem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI). Anorma, por assegurar direito e garantia fundamental, tem eficácia plena e aplicabilidadeimediata (CF, art. 5º, § 1º). Todavia, dada a complexidade conceitual da questão, comalgumas incertezas e desajustes na doutrina e na jurisprudência, a legislação mais recentecuidou de normatizá-la, com fundamento (ao menos assim o fora no projeto apresentadopela Comissão de Juristas) nos aspectos mais sedimentados historicamente na jurispru-dência do E. Supremo Tribunal, que muito se baseou na fonte primeira do instituto dasprovas ilícitas; a Suprema Corte Americana.

Em breve repasse histórico acerca do surgimento da teoria dainadmissibilidade das provas ilícitas, pondera-se que o instituto (o regime jurídico daexclusão de tais provas de um processo) é surgido na Suprema Corte Americana, em1914, em Weeks v. USA, num processo da Justiça Federal, em que teria havido a des-coberta de algumas evidências por meio de uma busca ilegal. A Suprema Corte reconhe-ceu a ilicitude das evidências por aquele meio obtidas e determinou ser inadmissível seuuso como meio de prova; criou-se a regra de exclusão (exclusão – inadmissibilidade -da prova obtida por meio ilícito). Até então, prevalecia em geral a concepção retratadano brocardo male captum, bene retentum, a sustentar que as provas obtidas em viola-ção a direitos seriam plenamente úteis enquanto evidências da verdade, apenas sendopunível, na medida prevista em legislação material própria, o ato violador de direito quehouvera possibilitado a coleta daquelas provas.

E, de fato, mesmo após aquele precedente, durante bastante tempo atese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi rechaçada pela maio-ria da jurisprudência norte-americana. Tanto que pelo menos 30 Cortes Estaduais nãoaplicavam aquele sistema de exclusão da prova ilícita até 1949. Em 1961, em Mapp v.Ohio, a Suprema Corte impôs a regra de exclusão a todas as Cortes Estaduais, em

LEI 11.690/08 E A REGULAMENTAÇÃO DO INC. LVI DOART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A inadmissibilidade processual das provas ilícitas

1 Eduardo Querobim, Promotor de Justiça

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Eduardo Querobim1

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homenagem à 4ª Emenda (aqui, uma brevíssima síntese do elogiável trabalho de pesquisafeito por Denilson Feitoza, in Direito Processual Penal. 3ª ed. Niterói: Impetus, 2005).

Do que se colhe da doutrina, parece ter sido a gênese mais longínqua dateoria da inadmissibilidade das provas ilícitas.

Por sua vez, a doutrina nacional (fundamentalmente Ada P. Grinover, A.Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes F., in As nulidades no processo penal.10ª ed. São Paulo: 2007, Revista dos Tribunais, Cap. IX, Seção II, cujas lições são seguidase repetidas por quase todos os que abordam o tema), ao tratar a temática constitucional eprocessual referente às provas ilícitas, costumava invocar a definição e a distinção conceitualpropostas pelo Professor Italiano Pietro Nuvolone, resumidamente nos seguintes termos: asprovas ilegais seriam um gênero de desconformidade com o ordenamento jurídico, gêneroeste que se dividiria em: a) provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas por meio de umato violador de normas assecuratórias de direitos materiais (violação direta de direitos dapersonalidade ou de quaisquer formas de liberdades públicas reconhecidas constitucional oulegalmente; os exemplos clássicos seriam as confissões obtidas mediante tortura, cartas edocumentos interceptados em violação a sigilo de correspondência ou profissional, objetosapreendidos em buscas transgressoras da inviolabilidade de domicílio, escutas telefônicasfora das hipóteses permitidas pelo ordenamento, a gerar ofensa aos direitos de privacidadesigilo das comunicações); e b) provas ilegítimas, assim entendidas aquelas produzidas noprocesso (ou, de qualquer modo, no curso da persecução penal) com violação a normastipicamente procedimentais (violação direta de regras processuais destinadas precipuamenteà regularidade e utilidade do procedimento penal; os exemplos clássicos seriam as oitivas detestemunhas de defesa antes das de acusação, a realização de reconhecimento pessoal semas formalidades legais, a perícia realizada por apenas um perito, a oitiva de testemunhas emnúmero superior ao limite estabelecido em lei a determinado rito, a oitiva de testemunhaextemporaneamente arrolada). Na mesma linha, PEDROSO, Fernando de Almeida. Provapenal – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, Cap. 19.

Com alguma variação conceitual, basicamente apenas denominando ogênero como “provas proibidas”, mas propondo a mesma sistemática de categorização etratamento, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha, in Da Prova no ProcessoPenal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, Cap. VII.

Outro enfoque, todavia, é proposto por Luiz Flavio Gomes, que, em li-nhas gerais, distingue o gênero prova ilegal em: a) prova ilícita, quando obtida com viola-ção da lei em situação e momento extraprocessual; e b) prova ilegítima, quando produzidacom violação de norma interna do processo, em situação que aquele penalista chamaendoprocessual ou intraprocessual (cf. em Qual a diferença entre provas ilícitas e pro-vas ilegítimas?, disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 12.08.2008).

De qualquer forma, a dogmática jurídica propunha a seguinte solução, emtermos gerais, ao regime jurídico das provas ilegais: se se tratasse de prova ilegítima, porter havido ofensa a normas processuais/procedimentais em sua produção, a regência seriadada pelo próprio sistema de nulidades do Código de Processo Penal (artigos 563 a 573deste Código), que reconhece algumas situações como nulidades absolutas, outras comorelativas, e adota princípios gerais referentes à necessidade de demonstração de prejuízopela parte a que interesse a declaração da nulidade (artigos 563, 565 e 570) e atinentes à

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imprescindibilidade da demonstração da influência da situação sobre a descoberta da verda-de (artigo 566), sujeitando ainda boa parte das hipóteses de nulidade a um rigoroso sistemasanatório de preclusão (artigos 569, 571 e 572) – a prova ilegítima seria, portanto, admiti-da, ou não, como fonte e meio de formação da convicção do juízo criminal, conforme asituação que lhe tivesse ensejado a desconformidade encerrasse nulidades relativas ou abso-lutas, e tivesse sido, ou não, argüida em tempo e modo oportunos; se, por outro lado, setratasse de prova ilícita, a solução seria mais radical, consoante o imposto no art. 5º, LVI,da CF, a determinar a inadmissibilidade completa, no processo, da prova, que não poderiasurtir nenhum efeito.

A propósito, a lição da Profa. Ada Grinover sustentava que a prova obti-da por meio ilícito, por ser vedada, inadmissível por imposição constitucional direta sobre odevido processo legal, perderia a própria natureza ontológica de prova enquanto tal, a sepoder afirmar que se tornaria uma não-prova, na categoria jurídica da inexistência, acimamesmo, pelo rigor das conseqüências processuais devidas, a qualquer nulidade absoluta; aoreconhecimento da ilicitude da prova, seguir-se-ia a declaração de sua completainadmissibilidade no processo, sem que pudesse, de forma alguma, motivar qualquer deci-são ou deter qualquer eficácia probante. Tal entendimento foi integralmente adotado na juris-prudência do E. Supremo Tribunal Federal, em votos do Em. Min. Celso de Mello, especi-almente nos HCs 69.912/RS, 73.351/SP e 72.588/PB (além de ter sido invocado norelevantíssimo julgamento da Ação Penal originária 307-3/DF – caso de crimes de corrupçãopassiva, falsidades diversas e outros delitos, em que figuravam como réus, dentre outros, oex-Presidente Fernando Collor de Melo e Paulo César Farias; neste caso, considerou-seilícita a prova obtida por apreensão de um computador numa diligência de busca em empresa– que se considerou busca domiciliar – sem mandado judicial, além de degravações de con-versas gravadas por um dos interlocutores, sem ciência do outro).

Tamanha a convicção do Supremo Tribunal na questão dainadmissibilidade das provas ilícitas, que chegou a pacificar que o reconhecimento dailicitude de uma prova importa a nulidade de todo o julgamento que nela se embasou(caso tenha sido a única prova, ou a mais determinante, ou ainda a da qual derivaramtodas as outras) e a determinação do imediato desentranhamento da prova dos autos(leia-se: desentranhamento dos meios materiais que a documentam nos autos do proces-so), para que nenhuma influência pudesse ter.

Dessa hipertrofia da garantia da inadmissibilidade das provas obtidaspor meios ilícitos construída pelo Supremo Tribunal foi que decorreu, naturalmente, nãoporém sem alguns solavancos, a adoção também explícita e agora unânime por aquela Corteda chamada teoria dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada), teoricamente oriundada Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e que proclama, em breve e despreten-siosa síntese, serem também inadmissíveis as provas, ainda que em si mesmas lícitas, obtidasa partir de informações a que se chegou por meio das provas originariamente ilícitas (voltan-do à metáfora do nome, a idéia seria de que, contaminada a árvore – a prova ilícita original-, o veneno [ilicitude] que a contaminara atingiria também seus frutos – as provas obtidas apartir de informações conhecidas em função da prova ilícita original). A propósito, extenuantedebate no HC 73.351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, em que se anulou todo um processo detráfico de drogas, cuja apreensão de 81 kg de cocaína havia sido possibilitada por meio deinterceptação telefônica judicialmente autorizada, mas anterior à Lei 9.296/96, já que o STF

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entende desde a CF/88 que, antes desta lei regulamentadora, o sigilo das comunicaçõestelefônicas não poderia ser quebrado de forma alguma.

A nova redação do art. 157 do Código de Processo Penal é fruto daaprovação, com algumas alterações, do Projeto de Lei do Executivo n. 4.205/01, elaboradopor uma Comissão de Juristas presidida pela Profa. Ada Pellegrini Grinover, para a elabora-ção de diversas alterações tópicas e setoriais no CPP (da mesma forma fruto do trabalhodesta Comissão, vieram a ser aprovadas as Leis 11.689/08, que alterou integralmente o ritodo júri, e a Lei 11.719/08, que alterou os procedimentos do Código de Processo Penal), eesse projeto levou em conta exatamente a doutrina e a jurisprudência (especialmente doSTF) que se consolidavam no Brasil, para normatizar a questão das provas ilícitas no direitoprocessual penal brasileiro.

I - A conceituação da prova ilícita na nova Lei e algumas daspolêmicas que suscita

O Projeto 4.205/01 do Executivo (da lavra da Comissão presidida pelaProfa. Ada Grinover) propunha a seguinte redação ao caput do artigo 157 do Código deProcesso Penal:

“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provasilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a princípios ou normasconstitucionais”.

Como se vê, a redação proposta trazia uma definição autêntica do queseriam provas ilícitas, com atenção voltada ao conceito doutrinário que as identifica comoaquelas obtidas mediante a violação de quaisquer liberdades públicas do cidadão, ou mes-mo em vulneração a princípios ou quaisquer garantias constitucionais. Não havia dúvidas deque eventuais infringências a regras procedimentais (ou processuais propriamente ditas) nomomento da produção da prova importaria sua qualificação como prova ilegítima, com aregência devida pelo sistema de nulidade (relativas e absolutas) do estatuto processual. Maisainda. A referência a violação a princípios constitucionais permitia até mesmo maiorabrangência na expansão do conceito protetivo e na apreciação do caso concreto, porquan-to se sabe que há princípios (e alguns até mesmo de primeira essência, até superprincípios,como o da proporcionalidade) que estão implícitos e decorrem do sistema constitucional degarantias e de convivência harmônica das liberdades públicas.

Todavia, o texto aprovado foi o seguinte:“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, asprovas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas consti-tucionais ou legais.”

Com base na expressão final “obtidas em violação a normas constitu-cionais ou legais”, já houve na doutrina quem se animou a sustentar que estaria aniquilada,pelo sistema jurídico positivo brasileiro, a distinção conceitual (e, por conseqüência, o regimejurídico distinto de regência) entre provas ilícitas e ilegítimas, todas elas agora se subme-

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tendo ao sistema máximo constitucional de inadmissibilidade do art. 5º, inc. LVI. Éque, como qualquer violação a normas legais (e não apenas às constitucionais) caracte-riza a prova como ilícita (e, portanto, inadmissível), e como a regra procedimental étambém legal, de nada mais importaria a distinção entre a natureza da norma (ou dodireito) violada ao ensejo da produção da prova: sempre haveria ilicitude constitucio-nalmente qualificada - inadmissibilidade.

Nesse sentido, Luiz Flavio Gomes (Lei 11.690/08 e provas ilícitas: con-ceito e inadmissibilidade. Disponível em www.lfg.com.br, acesso em 19.06.2008).

O raciocínio é bastante claro e até convincente. Não obstante, pareceadmissível outro enfoque na leitura e definição hermenêutica do dispositivo legal.

O fulcro da interpretação – tanto literal como lógico-teleológica – do dis-positivo talvez deva estar não na palavra “legais”, mas no termo “obtidas”.

Realmente, é pacífico na dogmática das provas que, entre seu surgimentono mundo da realidade e o exaurimento de sua eficácia de convencimento no processo (queé seu destino único, ao fim e ao cabo), sucedem-se, nesta ordem, as seguintes etapas: propo-sição (postulação, requerimento, indicação dos meios de prova pelos quais se pretendedemonstrar ou negar um fato ou situação num processo); admissibilidade (deferimento, pelojuízo destinatário da prova, de que seja ela obtida, se ainda inexistente ou não materializada,ou apenas incorporada aos autos do processo, caso já preexista em perfeita completude);produção (a efetiva introdução da prova no processo, a tornar-se parte integrante da relaçãojurídico-processual, vindo ao conhecimento formal do juízo e de ambas as partes e ali sesujeitando à crítica bilateral dos litigantes, podendo confundir-se e identificar-se o momentode obtenção e produção da prova, como na prova testemunhal, por exemplo, em que a oitivajudicial é o próprio fenômeno de produção e obtenção da prova); valoração (influência queexerce a prova na convicção do órgão julgador, a determinar o substrato fático sob que ojuízo subsumirá a hipótese legal para aplicar o direito penal objetivo).

A obtenção da prova, ou seja, o acesso ao meio ou o contato com afonte que plasma e materializa a prova, pode dar-se antes mesmo da fase de proposiçãoem juízo (como ocorre com quase todos os elementos informativos oriundos da investi-gação criminal) ou pode dar-se no exato momento de sua produção (introdução noprocesso à luz do contraditório crítico).

O grande diferencial entre as provas ditas ilícitas e aquelas assim chama-das ilegítimas consiste não na suposta natureza da norma violada (se material ou proces-sual), mas fundamentalmente na natureza da ilegalidade operada na circunstância ou no mo-mento do surgimento da prova como tal.

Quando o vício se dá na obtenção da prova, ou seja, na forma de se teracesso à fonte dela, de se apoderar material e sensorialmente do meio de prova, de desco-bri-la como instrumento de demonstração de um fato, aí então se tem autenticamente umaprova ilícita, porque é exatamente nesta atividade de obtenção que se podem (em tese)violar garantias fundamentais, liberdades públicas ou direitos da personalidade.

Assim, quando a interceptação telefônica não é regular, obtém-se provailícita porque se estão descobrindo fatos e evidências (provas) por meio de violação aodireito de intimidade, ao sigilo das comunicações (autêntica liberdade pública do cidadão).

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Assim, quando se tortura ou de qualquer forma se coage um investigado para que con-fesse, está-se obtendo prova ilícita porque o acesso a ela se deu por meio de violaçãoao direito à vida, à integridade física, à dignidade, enfim (autênticos direitos da persona-lidade constitucionalmente assegurados), assim como violação ao direito ao silêncio (ga-rantia constitucional das liberdades públicas), o mesmo valendo para a oitiva de umatestemunha sob coação (prova ilícita porque obtida por meio de violação a direito desegurança e liberdade do cidadão). Assim, quando se descobre, sem autorização judici-al, um documento secreto de uma empresa, está-se obtendo prova ilícita porque odesvendamento se dá por meio de violação ao segredo profissional (que é direito dapersonalidade lato sensu considerada, tanto que tutelado tal sigilo nos artigos 153 e 154do Código Penal). Assim, quando se apreende um objeto de interesse criminal numabusca domiciliar desprovida de autorização ou fora de situação de flagrante delito, está-se obtendo prova ilícita por meio de ofensa à inviolabilidade do domicílio (direito fun-damental do cidadão). Assim, quando é ouvida uma testemunha em audiência sem apresença de um Advogado para atuar na defesa do réu, está-se obtendo (e produzindo,porque concomitantes as situações) prova ilícita porque se opera por meio de ofensaao direito de defesa técnica, que é meio e recurso inerente à ampla defesa, essência dodevido processo legal (garantia constitucional das liberdades públicas – art. 5º, inc.LIV e LV, e art. 133, ambos da CF), o mesmo valendo para quando se procede aointerrogatório de um acusado delator de co-réu sem permitir que a Defesa do delatadoparticipe ativamente da inquirição, mas, mais tarde, se busca usar a delação como provade autoria em desfavor do delatado (exatamente isso em TACrimSP, AP.826.057/6,Rel. Sergio Pitombo – j. 09.03.1994).

É dizer, se a garimpagem, a conquista, o conhecimento, a notícia da pro-va, o acesso a ela se der por meio de violação a alguma liberdade pública ou garantia cons-titucional (sejam prerrogativas materiais ou mesmo processuais – veja-se o exemplo daoitiva sem Advogado) ou ainda mediante ofensa a direito reconhecido e tutelado em lei (veja-se o exemplo da revelação de um documento que contém segredo empresarial), aí se teráprova ilícita, e o regime jurídico constitucional (ora incorporado expressamente ao Códigode Processo Penal) será da inadmissibilidade no processo (cf. art. 5º, inc. LVI, da CF),com determinação de desentranhamento dos autos e inutilização do material que a documen-ta (cf. o § 3º do art. 157 do CPP, na nova redação).

Numa palavra, a ilicitude que qualifica pejorativamente como ilícita umaprova está no meio de sua obtenção. Confira-se o texto constitucional: são inadmissíveis,no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Noutro lado, se a produção da prova (e apenas a produção), no sentidotécnico que se trouxe acima (introdução no processo com sujeição à bilateralidade, integraçãoà relação jurídico-processual sob o crivo do contraditório), estiver em desconformidade coma norma legal, aí então se terá prova ilegítima, porque a infração terá sido inexoravelmentede regra procedimental propriamente dita (ou será testemunha acima do número legal admissívelpara aquele rito, ou será laudo elaborado por um só perito, ou será documento juntado emfase inadequada, ou será reconhecimento feito sem as formalidades legais etc.). Quando ainfração da norma legal se der exclusivamente na atividade de produção de uma prova, asituação será necessariamente de infringência procedimental (ou processual propriamentedita), e para isso o sistema de nulidades disposto no Código de Processo Penal e aperfeiço-

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ado pela jurisprudência (há diversas súmulas dos Tribunais Superiores sobre a matéria) continuaperfeitamente aplicável e absolutamente eficiente e suficiente para manter a regularidade dos julga-mentos, a paridade de armas, os limites intrínsecos de busca regular e ética da verdade.

Estranho e exagerado seria pensar que a oitiva de uma testemunha acima donúmero legal previsto para o rito importaria prova ilícita, inadmissível, devendo o termo dedepoimento ser desentranhado e incinerado, com conseqüente anulação de todo o processo. Masesta seria a conseqüência ao se aceitar a tese de que a nova conceituação do caput do art. 157teria identificado e posto em mesmo regime jurídico as provas ilícitas e ilegítimas, agora todassob o rótulo e manto (constitucionalmente qualificado) de ilícitas/inadmissíveis.

A distinção ainda vigora porque o art. 157, caput, cuidou de definir legal-mente o âmbito de incidência da garantia constitucional da inadmissibilidade das provasobtidas por meios ilícitos, e veja-se ainda uma vez mais que o texto constitucional é muitoclaro no ponto: não fala em provas ilícitas, mas muito precisamente em provas obtidas pormeios ilícitos. A garantia tem dupla face de tutela: protege o cidadão contra cujo patrimôniojurídico se investiu ilicitamente para obter-se a prova, e protege a parte litigante em processojudicial contra quem se pretende usar a prova (cabe lembrar que não serão necessariamentea mesma pessoa: basta invocar o exemplo da testemunha coagida, que tem ferida sua liber-dade e dignidade, ao passo que a prova visa ao prejuízo processual de alguma das partes dolitígio, que não é a própria testemunha; ou, então, o caso da escuta telefônica clandestina, quecapta conversa entre duas pessoas, mas que se pretende usar em juízo, eventualmente, con-tra terceiro a elas vinculado por qualquer motivo).

Importa, então, avaliar se o meio de obtenção da prova foi ou não ilícito.Afinal, e aqui vai o que se acredita ser o argumento de maior autoridade e precisão técnica,é o texto (e o contexto!) constitucional que deve determinar a exegese da normainfraconstitucional (máxime daquela que procura trazer interpretação autêntica a um institutodo direito constitucional positivo), não o inverso.

A garantia constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas é, na verdade,a garantia constitucional de que não se violem direitos e liberdades públicas para obter provas, ede que, se houver qualquer violação, que tais provas sejam inadmissíveis em qualquer processo.

Numa visão talvez mais teórica, é a opção política do Estado Democráti-co de Direito no sentido de mais valer a garantia da dignidade do cidadão contra o arbítrio(normalmente, mas não exclusivamente, do Estado) do que a descoberta da verdade a qual-quer custo. O processo penal busca a verdade, é óbvio, porque isso é um pressupostoelementar de justiça natural e universal, mas no sistema constitucional (e, agora, processualnormativo) brasileiro a busca da verdade há de ser impregnada de fundamentos éticos derespeito aos valores da cidadania digna, e quando a busca da verdade despreza tais valores(quando viola a dignidade do cidadão), a ofensa é tão intensa e reprovável, que a Constitui-ção manda repudiar qualquer informação oriunda disso, sem prejuízo da punição (criminal,normalmente) daquele ofensor (crimes de tortura, violação de domicílio, violação de segre-do, coação no curso do processo, interceptação clandestina de telecomunicações e outros).

Como se verifica pelo histórico trazido na já aludida obra do Prof. DenílsonFeitoza, a Suprema Corte Americana consolidou o entendimento de que a razão de ser dadoutrina da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é de ordem fundamental-mente preventiva: evitar violações a direitos fundamentais como forma de obtenção de pro-

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vas, mediante o desestímulo ao Estado (potencialmente) violador, ao negar toda equalquer valia à evidência obtida de modo ilícito. Com isso, esvazia-se qualquerutilidade da conduta estatal de agressão às liberdades públicas como meio de des-coberta de provas, e a solução ao Estado é a procura da prova apenas pelos meioslegais, sob pena de ter de suportar a impunidade criminal, quer pela inexistência deprovas, quer pela ineficiência e inoperância daquelas existentes, mas que tenha sidofruto de obtenção por estratégia ilícita.

É possível até traçar um paralelo entre os fundamentos teóricos daSuprema Corte Americana e do Supremo Tribunal Brasileiro. Ao passo que a SupremaCorte dos Estados Unidos vale-se da inadmissibilidade das provas ilícitas como garantiaeminentemente processual destinada (didaticamente) a prevenir novas violações medi-ante o desestímulo das autoridades estatais em produzir provas ilícitas, pois não serãoadmitidas de forma nenhuma (fundamento preventivo, e não reparatório à violação, jáque este último fica por conta dos tipos penais repressivos específicos e de providênciasindenizatórias em face do Estado ou do agente público), nosso Supremo Tribunal deixaexplícito, especialmente no HC 69.912, com os votos dos Min. S. Pertence e C. deMello, que a garantia da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos na Cons-tituição busca assegurar o devido processo legal (seria um dos principais dogmasdensificadores do devido processo legal, no dizer do Min. C. de Mello), que deveservir antes e mais à tutela dos direitos e garantias fundamentais que à descoberta daverdade a qualquer custo e preço.

É como que se a Suprema Corte norte-americana usasse a teoria parafazer e repetir uma advertência ao Estado, como desestímulo a qualquer violação deliberdades públicas, até em cunho pedagógico, ao tempo em que nosso Supremo Tribu-nal a emprega como reafirmação e consolidação do respeito aos direitos e garantiasfundamentais (embora, sem dúvida, isso também tenha cunho didático inibitório a even-tuais pretensões ofensivas do Estado inquisidor). E essa preocupação do Supremo Tri-bunal em reafirmar e consolidar o respeito à garantia fundamental e ao devido processolegal (intransigência na defesa do devido processo ético, voltado à descoberta da verda-de possível à luz da inviolabilidade de direitos do cidadão) é até natural, dada a juventu-de de nossa Constituição e a circunstância de ser vista, entre nós, como instrumentosagrado de libertação de um Estado autoritário há não muito tempo. Numa palavra, ainadmissibilidade das provas ilícitas, na visão hoje praticamente unânime da CorteMaior do Brasil, é tratada como garantia em si mesma, ela própria – a inadmissibilidade– como expressão de liberdade pública fundamental, como um dos feixes sólidos dodevido processo legal, e não previsão procedimental meramente instrumental à tutelade direitos da personalidade.

O paralelo é interessante porque mostra o fundamento da diversidadede tratamento que a jurisprudência de cada Tribunal emprega nos dois pontos mais rele-vantes do regime jurídico das provas ilícitas: sua (eventual) relativização à luz de umcritério de razoabilidade (proporcionalidade) em casos de criminalidade grave, e even-tuais exceções à regra de exclusão.

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II - A questão do princípio da proporcionalidade como critério derelativização da inadmissibilidade das provas ilícitas

O princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade, como parecepreferir a terminologia da Suprema Corte Americana), hoje tomado como superprincípioconstitucional, vetor interpretativo de todas as normas de um ordenamento, fator deharmonização sistêmica da legislação, cientificamente fragmentado para aplicação práticanos subprincípios da adequação (pertinência), necessidade (inevitabilidade) eproporcionalidade em sentido estrito (ponderação de valor entre os interesses em confli-to), tem sua aplicação consagrada pela doutrina constitucionalista e pelas Cortes Constituci-onais de diversos países civilizados como o principal mecanismo dogmático (e pragmático)para a solução de situações de colisão entre direitos fundamentais.

Segundo se nota por apontamentos da doutrina do processo penal (assimem Denílson Feitoza e em Ada Grinover et. alli), à Suprema Corte Americana não parecedifícil invocar a regra da razoabilidade para, em casos excepcionais, quando em jogo aelucidação de crimes muito relevantes, fazer prevalecer o interesse da persecução penal, dadescoberta da verdade e da certeza da punição de criminosos perigosos à garantia dainadmissibilidade das provas ilícitas (parece mais fácil ainda imaginar isso em casos de terro-rismo, por exemplo).

No Brasil, a doutrina pacífica parte de uma afirmação já sem polêmica: aprova obtida por meio ilícito que leva à demonstração da inocência do réu ou de qualquersituação processual a ele vantajosa (chama-se de prova ilícita pro reo) é admissível noprocesso criminal. E a explicação convence. É que a regra da inadmissibilidade das provasilícitas é, em verdade e preponderantemente, uma garantia fundamental do cidadão contra oarbítrio inquisitivo do Estado; logo, se a obtenção de prova por meio ilícito trouxer vantagemprocessual ao cidadão acusado, não haverá, a rigor, colisão de direitos fundamentais, porquea garantia de vedação das provas ilícitas, proclamada em seu favor, não poderia valer contraseu próprio interesse no caso concreto (a garantia não pode servir contra o garantido). De-mais disso, como se sabe, a ética esperada no devido processo legal garantista de um EstadoDemocrático regido à luz da dignidade humana traz restrições à descoberta da verdade ne-cessária à condenação, mas certamente se interessa por qualquer meio de prova da inocên-cia, que por si mesma já é presumida. Eventuais crimes cometidos para a obtenção da provailícita pro reo submetem-se, normalmente, ao regime jurídico-penal próprio, em ambiente emque muito provavelmente causas excludentes de ilicitude (estado de necessidade) ou diri-mentes de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) serão cogitadas com boa pers-pectiva de sucesso (imagine-se o réu que furta um documento essencial a provar sua inocên-cia e que lhe estava sendo recusado pelo legítimo detentor, que também o ocultava da Justi-ça; ou ainda a escuta telefônica que flagra a pretensa vítima de um delito confidenciando aalguém que o processo seria fruto de sua denunciação convictamente caluniosa). A propósi-to: “Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade proreo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes da ilicitude(RJTJSP 138/526) ou em prol do princípio da inocência” (STF – 1ª T. HC 74.678/DF –Rel. Min. Moreira Alves).

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A dificuldade surge quando se passa a cogitar a admissibilidade de provasilícitas pro societate, em casos de apuração de crimes relevantes (no STF, a questão normal-mente surge em crimes de extorsão mediante seqüestro, tráfico de drogas e corrupção), sobo argumento de que o interesse repressivo do Estado (e da sociedade) contra marginais deespecial preparo e peculiar periculosidade preponderaria na colisão com o resguardo dosdireitos fundamentais deles à intimidade e sigilo telefônico (casos de interceptação ilegal detelefone), à inviolabilidade domiciliar (casos de busca sem mandado), à privacidade (casosde gravação ambiental clandestina) etc.

Luis Alberto Thompson Flores (in RT 621/273), invocado por Fernandode Almeida Pedroso (ob. cit., p. 174), lembra antigo julgamento do STF, em que o Min.Cordeiro Guerra assim ponderara: “Não creio que entre os direitos humanos se encontreo direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outromodo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento dodever e deva ser responsabilizado. Nesse caso, creio que a razão assiste à nossa juris-prudência: pune-se o responsável pelos excessos cometidos, mas não se absolve o cul-pado pelo crime efetivamente comprovado.”

Tal linha de entendimento, a tratar a inadmissibilidade de provas ilícitascomo garantia ou direito fundamental passível de confronto e de juízo de ponderação com apretensão estatal (e social) de repressão penal de alguns criminosos, parece uma realidadeconstante à jurisprudência superior alemã, como informa Manuel da Costa Andrade:

“De acordo com o entendimento praticamente pacífico dos tribunaissuperiores, e à luz do princípio da ponderação de interesses, imanente a toda a proble-mática das proibições de prova, há-de identificar-se uma área mais ou menos extensaem que os direitos individuais poderão ser sacrificados em sede de produção e valoraçãoda prova, em nome da prevenção e repressão das manifestações mais drásticas e into-leráveis da criminalidade. ... Por outro lado e em termos mais compreensivos, as deci-sões sobre ‘os casos do diário’ levaram o Tribunal Federal a pronunciar-se abertamen-te por um princípio geral de ‘ponderação’ que erige a realização efectiva da justiçapenal em transcendente interesse do Estado de Direito cuja promoção ou salvaguardapode sobrepor-se aos direitos fundamentais e legitimar seu sacrifício.” E ainda cita otrecho de uma decisão de 1964: “Os esforços compreensíveis na conformação racional-funcional do processo penal comportam seguramente o perigo de menor atenção oumesmo do sacrifício desnecessário dos direitos irrenunciáveis de liberdade do argüido(...). Só que a isso se contrapõe um perigo não menos perturbador: a preocupação pelagarantia sem limite dos direitos de liberdade no processo penal induz uma acentuaçãodoutrinalmente extremada destes direitos e, por essa via, impede ou paralisa a confor-mação e funcionamento de uma ordenação do processo penal racional-teleológica eadequada a uma eficaz realização da justiça penal”, a esclarecer que tal pensamento viriaa converter-se em um dos mais consolidados dogmas da jurisprudência do BGH, quesustenta, nesta linha de compreensão do que os portugueses chamam de princípio da pon-deração, um regime diferenciado para a matéria de proibições de prova em processos porcriminalidade grave. E aquele mestre luso ainda noticia que se deve ao Tribunal Constituci-onal (alemão) a tese de que a realização da justiça penal representa um valor nuclear doEstado de Direito susceptível de ser levado à balança da ponderação com os direitosfundamentais, já que enxerga que uma justiça penal funcionalmente eficaz seria um bem

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jurídico com dignidade constitucional, tese que tem sua matriz nos próprios princípiosdo Estado de Direito (in Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra:Coimbra Editora, reimpressão em 2006, p. 28 a 31). O mesmo autor, ainda em tal obra, trazrica coletânea de doutrina alemã que critica essa posição da jurisprudência.

Não difere a jurisprudência americana, que, aliás, ao considerar a re-gra da inadmissibilidade das provas ilícitas uma garantia preponderantemente instru-mental, tem até mais facilidade para aplicar aos casos concretos o princípio darazoabilidade, em autêntico juízo de balanço de interesses, a recomendar eventuaisexceções àquela inadmissibilidade. A propósito, construindo seus dogmas a partir decasos concretos, como é próprio do sistema jurídico americano, foi justamente à luz doprincípio da razoabilidade que se elaboraram diversas regras de exceção à doutrina dailicitude por derivação, como se verá abaixo.

A questão evidentemente foi ventilada perante o Supremo Tribunal Fede-ral. Parece exemplar, como reflexo de toda a discussão que ali se instaurou, o cotejo entre osvotos dos Min. P. Brossard e Sydney Sanches, de um lado, e os votos dos Min. S. Pertencee C. de Mello, de outro, no HC 69.912.

O Min. Brossard invocava, em geral, o princípio da proporcionalidadepara que a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas não acabasse por anular uma conde-nação por tráfico de drogas, em que a apreensão da droga e a prisão do traficante se haviamdado em razão de uma interceptação telefônica vedada (porque autorizada antes da Leiregulamentadora); a repressão ao tráfico, para o Ministro, era essencial ao Estado Brasileiroe se traduzia em autêntico compromisso internacional (citou vários tratados internacionais namatéria, que tinham sido ratificados pelo Brasil), interesse social e estatal este que deveriaprevalecer à tutela extrema da garantia de sigilo de comunicações de indivíduocomprovadamente marginal e delinqüente. O Min. S. Sanches entendia insuportável e inad-missível que, no confronto de interesses, a violação da intimidade e sigilo de conversa de umtraficante pudesse comprometer todas as evidências que se produziram sobre o terrível delitode tráfico, cuja punição não poderia sucumbir na situação, máxime pela subsistência de ou-tras provas (apreensão das drogas, oitiva de policiais). Os Min. Pertence e C. de Mello(assim também o Min. Marco Aurélio), porém, reafirmavam a tese de que a garantia em si eraa própria inadmissibilidade da prova, que estava explícita na Constituição, sem ressalvas,e, portanto, insuscetível a juízos de ponderação que a relativizassem em um ou outro caso.

Como se viu acima, historicamente se foi firmando como pacífico estesegundo entendimento, até que em 30.10.2001, no HC 80.949-9/RJ, a E. 1ª T. do STF, emlongo e elucidativo voto do Min. S. Pertence, no qual fez minuciosa retrospectiva da jurispru-dência da Corte em tema de provas ilícitas, enfrentou-se com muita explicitude a questão daaplicação do princípio da proporcionalidade, exatamente na linha do que consagrado najurisprudência alemã, como critério motivador de possíveis e eventuais exceções àinadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Constou, então, da ementa: “... II– Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): consideraçõesgerais. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objetodo processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobreo interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente im-pertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangei-ras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitu-

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cional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penalobjeto da investigação ou da imputação”.

No corpo de seu substancioso voto, o Min. Pertence trouxe os argumen-tos nucleares do repúdio à incidência do princípio da proporcionalidade na cogitação deexcepcionar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas, em convincente raciocínio,cujos pontos centrais parecem ser estes:

“16. Mas a questão, sobretudo nos casos limites, ainda provoca resis-tências compreensíveis.

17. E delas advém – quando não a recusa frontal do princípio da exclusãoda prova ilícita – o apelo, sempre que se cuide da apuração de crimes graves, à necessidadede temperar a sua aplicação, em cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade.

18. Apelo esse freqüentemente enriquecido com a invocação departe significativa da doutrina e da jurisprudência alemãs, minudentemente rese-nhadas por Costa Andrade.

19. Na questão, entretanto – como em tantas outras – a recepçãodesavisada de teorias estrangeiras é extremamente perigosa, pela diversidade dos dadosdogmáticos de que partem, em relação ao nosso ordenamento.

20. Basta notar que, na Alemanha, a solução do problema daadmissibilidade, ou não, da prova ilícita no processo não arranca de norma constitucionalespecífica mas, ao contrário, busca fundamento em princípios extremamente fluídos da LeiFundamental, a exemplo daquele da dignidade da pessoa humana.

21. Na ordem constitucional brasileira, ao contrário – inspirada no ponto peloart. 32, 6, da Constituição portuguesa -, a opção pelo repúdio à prova ilícita é inequívoca:

“ART. 5º (...)LVI. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos.”22. Guarda da Constituição – e não dos presídios – é dessa opção clara,

inequívoca, eloqüente, da Constituição – da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimi-dade – é que há de partir o Supremo Tribunal Federal.

23. Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitosfundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdadereal no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrário,pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito,precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explícito de prevalência.

24. Esse o quadro constitucional, não tem mais lugar a nostalgia, emborainconsciente, do dogma vetusto das inquisições medievais, para as quais ‘in atrocissimusleviores conjecturae sufficiunt et licent judicatura transgredi’.

25. Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular se-veridade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).

26. Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, asrestrições que estabelecem são taxativas: delas não se podem inferir, portanto, exceções a

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garantia constitucional – qual, a da vedação da prova ilícita -, estabelecida sem limitações emfunção da gravidade do crime investigado.

27. De resto, graduar a vedação da admissibilidade e valoração da provailícita, segundo a gravidade da imputação, constituiria instituir a sistemática violação de outragarantia constitucional – a presunção de inocência – em relação a quantos fossem acusadosou meramente suspeitos da prática de determinados crimes.

28. Abstraio-me, por conseguinte, no caso, de qualquer consideração daextrema gravidade dos delitos, da participação nos quais é suspeito o paciente, pois delasnão pode resultar emprestar-se menor peso à vedação constitucional da prova ilícita.”

Em linha oposta, há importante artigo do Prof. Barbosa Moreira (A Cons-tituição e as provas ilicitamente obtidas. RDA n. 205, p. 11-22), invocando a necessidadede se fazer escala de valores (direito de intimidade de marginais versus repressão ao tráfi-co), o que levaria, em alguns casos, o poder repressivo do Estado contra a criminalidadeorganizada (especialmente no caso do tráfico e hediondos, por previsão constitucional tam-bém ativa do dever de especial repressão) a preponderar sobre pretensas liberdades públi-cas de criminosos, pelo princípio da isonomia (prerrogativa do Estado também de ter meiosextraordinários de tutela da coletividade); exatamente nessa linha, cf. votos dos Min. P. Brossarde Sydney Sanches no HC 69.912-STF.

O Projeto deixou a questão propositalmente em aberto para construçãodoutrinária e jurisprudencial.

Doravante, diante do silêncio da lei na questão da admissão excepcionalde provas ilícitas, aguarda-se a consolidação do entendimento da jurisprudência, quer nosentido do repúdio absoluto à consideração daquelas provas, sem possibilidade de tempe-rança à luz do princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, por se entender que ojuízo de ponderação entre os interesses da repressão penal e a preservação integral dasliberdades públicas já fora feito prévia e cogentemente pela Constituição (art. 5º, LVI), o queacarretaria ser inexpugnável a inadmissão das provas obtidas por meios ilícitos, de nadaimportando a natureza (a hediondez, a gravidade, a repugnância, a relevância social, enfim)da infração imputada ou investigada, quer na senda do acolhimento do superprincípio daproporcionalidade como critério recorrível à salvaguarda do sucesso da repressão epersecução penal quando em confronto com a criminalidade extraordinária (que também seterá de delimitar qual seja), a prestigiar a verdade descoberta por meios ilícitos, então a sepermitir enxergar na garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas uma prerrogativaconstitucional não-absoluta, como qualquer outra, e da mesma forma sujeita a juízos deponderação, de balanço e de cedência recíproca diante de situações que pragmaticamentenão permitam a manutenção integral de todos os interesses em conflito, quando se haveria desobrepujar o interesse público e social da punição criminal à liberdade pública individual, sobpena de se promover, por literalidade de texto normativo, uma garantia democrática emescudo protetivo de detratores de liberdades democráticas alheias.

Uma última abordagem ainda aqui pertinente: o Supremo Tribunal Fede-ral, agora sim lançando mão de um juízo de ponderação, a partir do HC 74.678-1/SP,firmou o entendimento de que não é ilícita a prova decorrente da ação de quem, tendo sualiberdade pública violada por investida de um criminoso, fere-lhe em reação qualquer direitofundamental para obter prova daquela investida, porque estaria em legítima defesa de suas

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liberdades públicas inicialmente agredidas: “evidentemente, seria uma aberração conside-rar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por elaautorizada, de atos criminosos, como o diálogo com seqüestradores, estelionatários etodo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réuapresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, estasim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonarpara outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em umaobrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualifi-car como confidencial a missiva ou a conversa” (Min. Moreira Alves). O Min. Pertence,no mesmo julgamento, asseverou a existência de exclusão da ilicitude da gravação obti-da por um dos interlocutores, vítima de corrupção passiva ou concussão já consuma-da, apesar do desconhecimento do outro interlocutor, e, conseqüentemente, a possibili-dade de sua utilização. Na mesma toada, e sempre citando este precedente, ainda cf. HC75.261 e 75.338/RJ (“É lícita a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores,ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa desteúltimo. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privaci-dade quando o interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qual-quer tipo de chantagista”) e REx 212.081-2/RO (“Captação, por meio de fita magnéti-ca, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental por um dosinterlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da pro-va excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu.Precedentes do Supremo Tribunal Federal”). Que fique bem claro: não é que o Supremoestivesse operando exclusão da inadmissibilidade das provas ilícitas pelo critério deproporcionalidade, mas sim afirmando que o meio de obtenção da prova nesses casos eralícito, porque em legítima defesa (que é autenticamente uma causa justificadora, de exclusãoda ilicitude) de quem recebera inicialmente algum ataque a sua esfera de liberdades públicas.O princípio da proporcionalidade pode ser vislumbrado como pano de fundo dessas deci-sões pelo fato de que a análise e o reconhecimento dos limites legítimos de qualquer causaexcludente de ilicitude sempre traz consigo um juízo de ponderação dos interesses em confli-to. A jurisprudência do STF sedimentou, assim, que a ação de alguém de gravar conversasou situações em que haja investida criminosa (extorsão, concussão, corrupção, ameaça, en-godo, ofensa) contra si ou sua família seria meio lícito de obtenção de provas contra aqueleque investe, porque a investida sim seria ilícita, e a reação a ela (mediante o resguardo deevidências que a provassem) seria ato lícito, justificado, conforme ao direito, portanto (noSTJ, inteiramente respaldada a tese: RT 755/580, com menção expressa ao princípio daproporcionalidade, e RT 795/543).

III - Regime jurídico processual da prova reconhecida comoilícita e declarada inadmissível (a logística trazida pela reforma)

Como se viu acima, o reconhecimento de determinada evidênciatrazida ao processo como prova ilícita e a decisão sobre sua inadmissibilidade passam poretapas não pouco complexas. Identificado que a evidência trazida aos autos foi obtida ouproduzida em violação à norma constitucional e legal, inicia-se a gestão de tal elemento.Primeiro, a discussão acerca de se tratar de prova ilícita ou ilegítima (e até de se aceitar se

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tal distinção ainda prevalece ou se tem utilidade prática diante da nova redação do art. 157do CPP). Segundo, a discussão se, no caso concreto, a prova ilícita será mesmo repugnada(e, com ela, todas as evidências que dela derivem), ou se será admitida à luz do princípio daproporcionalidade.

Tendo, enfim, por definido e reconhecido que a prova é ilícita e queserá declarada inadmissível no processo, o regime jurídico de tal elemento de evidênciaganha contornos próprios.

Se às provas ilegítimas o ordenamento processual aplica o regime própriodas nulidades, às provas ilícitas (obtidas por meios ilícitos) a Constituição Federal (art. 5º,LVI) e agora o art. 157 do CPP estabelecem um regramento que se poderia chamar de“supernulidade, hipernulidade, ultranulidade etc.”, o sistema da completainadmissibilidade, sendo possível a distinção de duas conseqüências:

a) uma primeira, de natureza procedimental (pragmática e logística) direta eimediata, consistente no desentranhamento dos autos do material que documenta a prova ilícita(art. 157, § 3º, do CPP: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissí-vel, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”). Embo-ra pacificado no HC 80.949-9 do STF que o habeas corpus é meio processual idôneo para sereconhecer a ilicitude da prova e obter a ordem de seu desentranhamento (e, se demonstrada suaexclusividade como evidência nos autos, obter o próprio trancamento da ação ou nulidade detodo o processo), discute-se, na situação inversa, qual o recurso que caberia da decisão quereconhece a prova como ilícita e a declara inadmissível. A princípio, poder-se-ia cogitar de correiçãoparcial (ou por inversão tumultuária, ao mandar desentranhar prova válida, ou por abuso depoder do juízo, ao cercear meios de prova da parte), de recurso em sentido estrito (aqui, invo-cando-se o inc. XIII do art. 581 do CPP – “decisão que anular o processo da instrução criminal,no todo ou em parte”) ou ainda de apelação por decisão com força de definitiva não exatamenteprevista nas hipóteses de recurso em sentido estrito (art. 593, II, do CPP). O problema surgeporque o texto do projeto (aqui aprovado como na proposta) pressupunha o novo sistema recursal(que é objeto de outro projeto da mesma Comissão), em que se previa agravo de instrumentocomo recurso contra decisões interlocutórias no processo penal. De qualquer sorte, não parecede todo equivocado cogitar-se o mandado de segurança como pertinente ação de impugnação(possivelmente manejável pela acusação, com a postulação de resguardar pretenso direito líquidoe certo de produzir e ver valorada determinada prova em juízo). Então, por cautela, seria razoávelque o juízo, ao proferir a decisão de reconhecimento de ilicitude da prova e de declaração de suainadmissibilidade, de imediato determinasse o desentranhamento dos autos, mas aguardasse aomenos 120 dias desta decisão para determinar o incidente de inutilização (destruição, incinera-ção, etc.) do referido material, ocasião em que a preclusão estaria mesmo aperfeiçoada sobqualquer perspectiva processual sistemática. E não se pode esquecer também que a inutilizaçãodo material somente terá cabimento se não constituir ele corpo de delito do crime que foi come-tido no ato de obtenção daquela prova ilícita, caso em que, em vez de se determinar sua inutilização,o juízo deverá encaminhá-lo ao Ministério Público (art. 40 do CPP).

b) uma segunda, ora de natureza processual (meritória), consistente nacompleta ineficácia probatória da evidência tida por ilícita (e das evidências de si derivadas,nos termos do § 1º do art. 157 do CPP), que seria o mesmo que afirmar a total inadmissãode valoração da prova ilícita. O Min. Celso de Mello chega a falar que a prova ilícita é umanão-prova. A rigor, isso é o fundamental à integridade da garantia constitucional da

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inadmissibilidade das provas ilícitas: a vedação completa de que seja valorada como meiode demonstração de qualquer fato que interesse ao julgamento. A solução procedimental(desentranhamento e inutilização) leva-se a efeito para promover instrumentalmente aincolumidade de todos os que atuarem no processo, para que fiquem absolutamente alheiosa qualquer influência que a simples presença da evidência ali nos autos pudesse exercer sobreseu pensamento e suas conclusões. A prova afirmada como ilícita nada poderá provar, nadapoderá comprovar, nada poderá demonstrar, nada poderá negar, nada poderá confirmar ouinfirmar; o regime processual-constitucional da inadmissibilidade traz como regra de fundoa integral inocuidade das informações oriundas da prova ilícita para a consideração de qual-quer questão – periférica ou nuclear – do processo.

Em suma, a estrutura processual-constitucional agora organizada pelo art.5º, inc. LVI, da CF e pelo art. 157, caput e § 3º, do CPP permitiu construir um novo degrau,uma nova escala, uma nova dimensão na dogmática das nulidades, que é o sistema dainadmissibilidade, hipótese e situação de verificação de máxima desconformidade com oordenamento jurídico, decorrente de violação das garantias e direitos fundamentais e dapersonalidade, que se implementa tecnicamente no seguinte encadeamento: reconhecimentoda ilicitude do meio de prova; declaração de sua inadmissibilidade (recusa total de sua valoraçãono processo); determinação de desentranhamento dos autos do material que a condensa edocumenta; determinação de inutilização deste material (a partir da preclusão da decisão dedeclaração da inadmissibilidade e somente se tal material não se constituir em corpo dedelito da infração praticada para a obtenção da prova agora reconhecida como ilícita, casoem que deverá ser remetido ao Ministério Público para providências criminais).

A única discussão que parece ainda comportar o caso é se, uma vez reco-nhecida como ilícita a prova e declarada sua inadmissibilidade por decisão de superior ins-tância (mais precisamente, por meio de habeas corpus), seria compulsória a anulação detodo o processo ou da sentença, de imediato, ou se isso se submeteria à avaliação casuísticade haver ou não outras provas não maculadas que pudessem sustentar o processo e até acondenação. Salvo melhor juízo, parece que, tendo havido sentença fundada, ainda que nãoexclusivamente, em prova depois reconhecida como ilícita e declarada inadmissível, impor-se-ia a anulação daquele julgamento, porquanto toda a lógica interna do raciocínio judicialestaria ruída e deveria ser refeita, ora sim restrita aos elementos de prova perfeitamenteadmissíveis à formação da convicção do julgador original; aliás, se o Tribunal concedesse aordem de HC, para determinar o desentranhamento da prova, mas mantivesse a condenação(por exemplo, ao argumento da existência de provas autônomas bastantes à condenação), ocaso quiçá tangenciaria a supressão de um grau de jurisdição.

IV - O regime jurídico positivado das provas ilícitas por derivação(a doutrina dos frutos da árvore venenosa)

O art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal positivou a dou-trina dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada): “São também inadmissí-veis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo decausalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidaspor uma fonte independente das primeiras”.

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Em brevíssima síntese, pode-se dizer que esta doutrina foi importada daSuprema Corte Americana, que a teria cunhado em Silverthorn Lumber Co. v. USA (1919).A expressão frutos da árvore venenosa apareceu pela primeira vez em Nardone v. USA,em 1939, relator o Justice Frankfurter; mas no mesmo caso se cogitou a doutrina datolerância – “attenuation doctrine” – quando a conexão entre as provas fosse tão atenua-da que, segundo o bom senso, se pudesse ter por dissipada a ilicitude.

No Supremo Tribunal Federal, após intenso debate a partir do HC 69.912,a questão pacificou-se com a aposentadoria do Min. Brossard e a chegada do Min. MaurícioCorrêa, no julgamento do HC 72.588/PB, de 12.06.1996 (caso de interceptação telefônicacom autorização judicial anterior à Lei 9.296/96, que comprovou exploração de prestígiopraticada em alusão mentirosa a um magistrado; advogado dizia que influenciaria a decisãodo juiz). E se consolidou a prevalência da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivaçãoa qualquer idéia de juízo de ponderação ou proporcionalidade quando, no HC 73.351,anulou-se todo um processo em que, após uma interceptação telefônica judicialmente auto-rizada, mas anterior à Lei 9.296/96, apreendeu-se imensa quantidade de droga (81 kg decocaína), prova essa que se considerou ilícita por derivação, e tal qual inadmissível.

Ocorre que, como informa o minucioso estudo de Denílson Feitoza, aprópria Suprema Corte Americana, que constrói seus dogmas a partir da casuística, passou,a partir da década de 70, a criar uma série de exceções ao sistema de inadmissibilidade dasprovas ilícitas por derivação.

Com efeito, já em Nardone v. USA (1939) se falava em tolerância àprova derivada se a conexão entre a originariamente ilícita e a dela decorrente fosse muitotênue, segundo um padrão de bom senso.

Mas, tecnicamente, e em resumo, o sistema de exceções da SupremaCorte americana acabou sendo forjado nas seguintes situações, algumas delas incorporadasa nosso direito positivo:

a) fonte independente: Bynum v. USA, 1960: obtenção das digitais deum suspeito em meio a sua prisão ilegal – tal prova foi afastada, mas acabou aceita a desco-berta das mesmas digitais que constavam de um cadastro antigo do FBI. Esta exceção pare-ce ter sido explicitamente acolhida no §1º, in fine, e no §2º, ambos do novo art. 157 do CPP,o que equivale a dizer que, se o Estado tiver como buscar a mesma evidência por outra fonte,poderá trazê-la validamente aos autos (suponha-se uma colheita de material gráfico por meiode coação, que seria desentranhada com o respectivo laudo pericial, depois substituída pelaregular apreensão de documentos ou papéis que contivessem a caligrafia espontânea dosuspeito e assim permitissem a perícia grafotécnica);

b) descoberta inevitável: Nix v. Willians – Willians II, 1984: encontrodo corpo de uma vítima mediante indicação do próprio criminoso em meio a confissão ilegal-mente obtida, quando já estava em curso ampla busca e varredura que passaria inevitavel-mente pelo local em que estava ocultado o cadáver. Aqui, teve-se que, mesmo sem a provailicitamente obtida, a evidência (no caso, o encontro do corpo da vítima, que era o própriocorpo de delito) seria fatalmente encontrada e obtida ordinariamente pelos órgãos policiais,de forma que a prova não foi descartada por não ser necessariamente derivada daquelailícita. Esta exceção também parece ter vindo acolhida no § 2º do art. 157, embora comalguma confusão conceitual com a exceção da fonte independente, ao dizer que “conside-

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ra-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objetoda prova”. O risco desta exceção é basear-se em especulações. Daí por que, como adverteDenílson Feitoza, há a necessidade de demonstração precisa, com dados históricos e con-cretos do caso, de que inevitavelmente a prova seria obtida pelas providências ordináriastomadas em situações semelhantes ou então de providências investigativas especiais já enca-minhadas naquele caso concreto (por exemplo, suponha-se uma busca domiciliar regular emque o réu, morador do local, é torturado pelos policiais para dizer onde está a droga, eaponta que o material criminoso estaria num armário, numa gaveta, debaixo da cama, dentrodo forno, onde efetivamente é encontrado; parece bastante claro que, se o traficante silenci-asse ou nem mesmo fosse torturado, de qualquer forma a diligência policial acabaria inspeci-onando aqueles locais e, fatal e inevitavelmente, lograria encontrar e apreender da droga; portal raciocínio, seria de se afastar a ilicitude por derivação, porque a descoberta da evidêncianão teria decorrido necessariamente da prova ilícita; porém, apenas para demonstrar adificuldade de análise deste critério, suponha-se a mesma situação, só que desta feita o sus-peito, coagido, indica que a droga está enterrada a dois metros abaixo do chão cimentado dasala, ou num fundo falso de um quadro, ou dentro do televisor; seria razoável sustentar que aabordagem policial ordinária chegaria a tanto?);

c) conexão atenuada ou contaminação expurgada: Wong Sun v. USA,de 1963, pelo Justice Brennan, caso de uma prisão ilegal que deu causa a sucessivas dela-ções entre traficantes, até que o terceiro preso, dias após ser solto, prestou confissão inde-pendente e espontânea sobre os fatos, situação em que se decidiu afastar a prova obtida comas buscas, mas se permitiu que a nova confissão valesse como prova. A esta exceção, de-manda-se a necessidade de demonstrar que, por algum ato independente interveniente,não se obteve aproveitamento da prova originariamente ilícita. A incorporação desta hipó-tese ao modelo brasileiro depende da extensão conceitual que a doutrina e a jurisprudênciaestejam dispostas a dar ao termo “fonte independente” dos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP,ou ainda que se a entenda abrangida no corpo do §1º, quando diz “são também inadmissíveisas provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entreumas e outras”. O problema é que aqui, ao que parece, a lei cuidou de dizer o que nemprecisava, porquanto se não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova originaria-mente ilícita e a outra, esta outra não será mesmo derivada daquela.

Uma última e interessante hipótese de exceção à inadmissibilidade dasprovas ilícitas por derivação cunhada pela Suprema Corte Americana é a chamada exceçãode boa-fé. A partir de 1976, por iniciativa do Juiz White, aquela Corte rejeitou a ilicitude deprova obtida em uma busca realizada com mandado judicial mais tarde anulado, porque eletinha aparência, à Polícia, de ser lícito (Stone v. Powel; também em 1984, USA v. Leon);assim também por uma diligência que se fundamentou em Lei Estadual depois declaradainconstitucional (Ill v. Krull, 1987). Como a nulificação da prova aqui não teria o efeitopreventivo contra os policiais (porque estavam mesmo de boa-fé e, então, continuariam aagir da mesma forma, confiando na licitude dos mandados e na constitucionalidade presumi-da das leis), não haveria razão para declarar ilícitas e inadmissíveis as provas.

Seria uma espécie de erro de tipo às avessas, em que o Estado figuracomo violador do direito fundamental, mas se reconhece que agira sem dolo de profanar asliberdades públicas.

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Isso não vem abrangido de forma alguma na legislação brasileira, razãopela qual a doutrina (Andrey B. Mendonça e Luiz Flavio Gomes) reputam tal exceção comoabsolutamente inaceitável entre nós.

Por fim, tão-somente a título de subsídio para um prognóstico do que ajurisprudência poderá consolidar neste intrincado tema das provas ilícitas por derivação, éde se ter sempre presente qual o aspecto de fundo que motiva o instituto perante a JustiçaAmericana, de um lado, e perante a Justiça Brasileira, de outro. Lá, como se viu, a questão étomada de um ponto de vista instrumental, como meio pedagógico, didático de precaução edesestímulo a novas violações dos direitos e garantias individuais (isso fica muito claro naexceção de boa-fé e na tranqüilidade como se lida com exceções motivadas pelo princípioda razoabilidade). Aqui, todavia, a inadmissibilidade das provas ilícitas é tomada comogarantia em si própria, como uma das expressões intransigentes do devido processo legal.

Cabe frisar, ainda, que nos HCs 69.912, 72.588, 73.351 e em outros oSupremo Tribunal firmou o entendimento de que a adoção da teoria das inadmissibilidadedas provas ilícitas por derivação (imprestabilidade dos frutos da árvore venenosa) seria aúnica maneira de se dar concretude e eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidadedas provas obtidas por meios ilícitos, e, conseqüentemente, resguardar-se escorreitamenteo devido processo legal, sob pena de, ao se admitirem as provas ilícitas por derivaçãocomo válidas, permitir-se (e, então, estimular-se) a violação das liberdades públicas por viaoblíqua, com esvaziamento instrumental e pragmático daquela garantia fundamental enquantoescudo dos direitos da personalidade e do próprio cidadão processado.

Parece pertinente invocar novamente o ponto essencial da categorizaçãoda prova como ilícita para servir de marco interpretativo: a prova não é ilícita em si, mas éilícita na medida em que a evidência nela plasmada tenha sido obtida por meio ilícito. Então,a interpretação das exceções que se mostra, a princípio, a mais coerente, harmônica e con-forme à Constituição é aquela que se forja a partir da consideração do meio de obtenção. Seo meio de obtenção da prova não guarda conexão, elo de causa e efeito, vínculo de decor-rência com a prova antes obtida por forma ilícita, então nem se há falar em prova ilícita porderivação, precisamente porque derivação nenhuma haverá (art. 157, § 1º, primeira parte).Se, embora verificada aquela implicação de reflexividade entre a primeira e a segunda evi-dência, puder-se demonstrar que ao Estado-investigador era possível a obtenção daquelasegunda informação pelos meios ordinários (deve-se provar a habitualidade de emprego datécnica) ou por meios específicos (deve-se provar que, no caso, tais meios já estavam emcurso ou, ao menos, em concreta implementação estratégica e efetiva operacionalização prá-tica), afasta-se a ilicitude e a conseqüente inadmissibilidade da prova derivada, precisamenteporque não terá sido o meio ilícito original da primeira prova o meio insubstituível e inexorávelde sua obtenção, visto que o acesso àquela fonte de prova seria inevitável.

V - O vetado § 4º do art. 157: a “descontaminação do Juízo” medianteo afastamento do juiz que teve conhecimento da prova tida como ilícita e inadmissível.

Previa o §4º do art. 157 do CPP o seguinte: “o juiz que conhecer doconteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão”.O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, em suma, porque a necessidade de

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afastar o magistrado traria demora ao processo, além de diversos problemas em relação àrecomposição dos órgãos colegiados dos Tribunais, o que iria frontalmente de encontro àspretensões de celeridade e simplicidade, que são idéias motrizes do projeto.

Houve doutrina que logo se adiantou em criticar. O Prof. Aury Lopes Jr.escreveu que o desentranhamento do magistrado seria elementar, por ser óbvio que o juizestaria contaminado (Bom pra quê(m)? Boletim do IBCCrim – ano 16 – n. 188 – julho/2008). E também Luiz Flavio Gomes, para quem, dada a manifesta influência que o acesso àsinformações ilícitas teria sobre a convicção pessoal do magistrado, isso o impediria de man-ter a imparcialidade e neutralidade essenciais à análise da prova lícita (a única restante e deadmissível invocação quando do julgamento), o que, então, poderia motivar o pedido deafastamento do juiz do caso (O juiz contaminado, que tomou conhecimento da provailícita, deve ser afastado do processo? Disponível em www.jusbrasil.com.br, a partir de14.07.2008). Nesse último artigo, que tomou por base de argumentação a doutrina do Prof.Aury Lopes Jr., sustenta-se que o contato com a prova ilícita acabaria por contaminar, cons-ciente ou inconscientemente, os fatores psicológicos do julgador, de modo que lhe compro-meteria o discernimento no ato de sentenciar, que, a rigor, é expressão da emoção e darazão, enfim, um ato de sentimento do magistrado.

Em acréscimo dialético ao debate, cabe ponderar que, tecnicamente, se aprevisão específica de impedimento do juiz foi afastada, apenas se poderia “afastá-lo” doprocesso por algum outro fundamento legal de impedimento, incompatibilidade ou suspeição(artigos 112, 252, 253 e 254 do CPP), o que não parece ocorrer.

Aliás, se se pudesse falar aqui em suspeição ou impedimento do magis-trado que teve contato com a prova ilícita, a mesma situação deveria ser imposta ao órgão doMinistério Público oficiante nos autos, que também deve ter sua imparcialidade preservadacomo requisito do devido processo legal (art. 258 do CPP).

Ocorre que na tipologia processual apenas as hipóteses técnicas desuspeição, incompatibilidade e impedimento é que permitem afastar o magistrado (e o órgãodo Ministério Público) de qualquer caso, e tais hipóteses merecem interpretação restritiva,porquanto se trata de exceções à regra (também constitucional e integrante do devido pro-cesso legal) do juiz natural (e do promotor natural, já reconhecido pelo STF nos HCs67.759/RJ e 74.052/RJ).

O próprio sistema constitucional do devido processo legal já resolve comrazoável segurança a questão da descontaminação do julgado. É que, dentre os diversosfeixes de garantias que se emaranham na totalização do devido processo legal, um dos pos-tulados é o princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), algo tam-bém inerente ao sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional, emtudo incorporado pelo art. 155 do CPP (“o juiz formará sua convicção pela livre apreci-ação da prova produzida em contraditório judicial,..”).

Como se sabe, o julgador tem liberdade na avaliação das provas, não sesubmete a nenhum critério legal rígido de prevalência entre as evidências disponíveis nosautos, mas tampouco pode invocar qualquer meio de prova que não esteja disponível eacessível nos autos do processo. Da mesma forma, e para comprovar que atentou àquelasimposições, é-lhe compulsório explicitar no corpo da decisão as razões que o levaram àleitura da prova (e do direito) da forma como fez.

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Quando determinada prova é reconhecida como ilícita e declarada inad-missível, determina-se obrigatoriamente seu desentranhamento dos autos. Logo, o julgadornão lhe poderá fazer validamente nenhuma menção na fundamentação da decisão, porqueaquela prova não mais estará disponível nos autos; qualquer mínima alusão, qualquer ínfimaremissão que se faça àquela prova (ou a qualquer uma das reconhecidamente derivadas, queseguiram o mesmo regime), por mais sutil e discreta que seja, importará manifesta nulidadeda decisão, porque fundada em prova literalmente inexistente àquele feito (não existe nosautos, não existe no mundo daquele processo).

Até aqui, já se tem suficiente mecanismo técnico de fiscalização das partessobre a atividade do órgão julgador (se foi influenciado pela prova ilícita com que teve contato).

Porém, a preocupação dos Profs. Aury Lopes e Luiz F. Gomes seguemais adiante: acreditam que o julgador, que é humano, estaria com seus fatores psicológicoscomprometidos, contaminados pelas informações que recebera da fonte ilícita.

Isso não é assim absoluto. Primeiro, é de reconhecer que a Magistraturado Brasil democrático e republicano tem já hoje um consolidado perfil autônomo, imparcial eindependente, e já faz pelo menos vinte anos que tem muito sólida a consciência de seu papelde responsável pela garantia das garantias do cidadão. Dizer que um juiz brasileiro ficariacom a emoção comprometida por ter tido acesso a uma prova ilícita, ou seja, sustentar queo magistrado já tenha decidido pela condenação por meio da informação ilícita que acessou,e que portanto faria uma análise da prova já tendente à condenação, com a devida vênia, éalgo muito simplório, talvez até superficial. Não se discute que o juiz é humano e, como tal,tem emoção; nem se discute que as emoções do homem lhe condicionam, em certa medida,as decisões. Porém, se é verdade que o juiz é humano, não menos verdade é que continuasendo juiz, e que se lembra constantemente disso, mormente no ato de julgar. Não é raro quepromotores e juízes tenham em mãos autos de processos em que percebem e sentem clara-mente que o réu é culpado (normalmente, por impressões tidas em audiência, somadas àsregras ordinárias de experiência, à experiência profissional mesma, a alguma notícia informaldo fato, a conhecimentos ordinários que acabam tendo na própria comarca, a uma provamaciça do inquérito policial, que, por alguma razão, não pôde ser reproduzida em juízo), masnão disponham de provas concretas judicialmente produzidas sobre o fato imputado, e, as-sim, diante da impossibilidade de fundamentação técnica, postulam e decidem pela absolvi-ção, cônscios que são de que a condenação só pode ser fruto da culpa oriunda da demons-tração de uma verdade juridicamente válida e eticamente vinculante, e não da mera certezamoral (o inverso pode até acontecer no Júri). Esse é um argumento confessadamente praxista,escrito por quem milita no foro e para quem tem intimidade com a atividade forense; a qual-quer operador do Direito que seja sério, não há nenhuma, absolutamente nenhuma dificulda-de de compreender isso e de concordar com tal realidade, embora seja mesmo passível dese admitir que possa não convencer um leigo na matéria.

Segundo, e como se reconhece que o argumento acima é praxista e, as-sim, poderia ficar sujeito a contestações casuísticas, há um mecanismo do devido processolegal, corolário até do princípio da motivação, que permite a verificação empírica da situa-ção; o duplo grau de jurisdição. É que se, no caso concreto, a parte entender que a moti-vação do julgador não é fruto de uma leitura criteriosa e imparcial das provas (lícitas e dispo-níveis), mas sim (consciente ou inconscientemente) de convicções preconcebidas e influenci-adas por emoções condicionadas por alguma prova ilícita, basta a submissão do caso ao

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ordinário reexame, quase sempre possível no sistema processual brasileiro (máxime emtema de revisão de provas – basta ver o recurso clássico por excelência: a apelação). Sea análise da prova, que obrigatoriamente constará da fundamentação, tiver sido equivo-cada ou não-razoável (e por qualquer motivo, insista-se, consciente ou inconsciente-mente), se o julgador originário tiver atuado com falha de imparcialidade, neutralidadeou tendência, bastará a demonstração disso para que o órgão revisor modifique a solu-ção do caso, a conclusão do processo.

Aqui, sim, pode-se sustentar que a estrutura sistemática do processo –com o dever de motivação e a faculdade de submissão da decisão ao crivo de revisão emgrau superior – viabiliza tecnicamente e com inegável eficácia a incolumidade da prestaçãojurisdicional, sem a invocação de argumentos de jaez marcantemente subjetivista, introspectivoe idiossincrático, de fácil e simples alegação, mas de difícil e impraticável comprovação, eque, em verdade, parecem não levar em conta o nível bastante maduro de solidez, seriedadee comprometimento da Magistratura nacional.

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EDUARDO ROBERTO ALCÂNTARA DEL-CAMPOPromotor de Justiça no Estado de São Paulo

CONSIDERAÇÕESSOBRE O NOVO

ART. 159 DOCÓDIGO DE

PROCESSO PENAL

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Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo

A Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, modificou diversos dispositivosdo Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941), relativos àdisciplina da prova. Uma destas alterações recaiu sobre o art. 159 do CPP, modificando deforma bastante significativa o panorama de produção dos exames periciais.

Peritos e perícias

De acordo com a investidura, os peritos classificam-se em oficiais; lou-vados ou nomeados e assistentes técnicos.

Peritos oficiais

No Processo Penal, excetuando-se a figura dos assistentes técnicos (art.159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), introduzida pela lei 11.690, de 09/06/08, os peritos, médicosou não, devem atuar por dever de ofício.

São funcionários públicos concursados para exercer o mister de realizarperícias nas diversas áreas e atuam por requisição da autoridade ao diretor da repartição aque pertencem (arts. 6º, VII, 178 e 276 do CPP).

CPPArt. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autorida-de policial deverá:...VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e aquaisquer outras perícias;...Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados porperito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1ºpela Lei n. 11.690, de 09/06/08).Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade aodiretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peri-tos.

Art. 276. As partes não intervirão na nomeação do perito.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO ART. 159 DO CÓDIGODE PROCESSO PENAL

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Por autoridade competente, no caso, deve-se entender o delegado depolícia, na fase de inquérito, ou juiz de direito, uma vez instaurado o processo. O promotorde justiça, ao receber o inquérito policial ou chegando-lhe às mãos material que necessite daintervenção técnica, também pode requisitar aos Institutos Médico-Legal e de Criminalísticaa realização da perícia pertinente, com fundamento no art. 129, VI e VIII da ConstituiçãoFederal e no art. 26, I, b, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.

CFArt. 129. São funções institucionais do Ministério Público:...VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua compe-tência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma dalei complementar respectiva;...VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inqu-érito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifes-tações processuais;...

Lei n. 8.625/93Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrati-vos pertinentes e, para instruí-los:...b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridadesfederais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da admi-nistração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União,dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;...

Quando a perícia for de natureza médico-legal o exame deverá, preferen-cialmente, ser realizado por profissional médico, também denominado perito médico oumédico-legista. Quando de outra natureza, a responsabilidade deverá recair sobre profissi-onal de curso superior denominado perito criminal.

Os requisitos para que alguém possa ser médico-legista são:· ter maioridade civil;· possuir diploma registrado de medicina, oriundo de faculdade ofi-

cial ou reconhecida pelo MEC;· aprovação em concurso público.

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Os requisitos para que alguém possa ser perito criminal são:· ter maioridade civil;· possuir diploma registrado de curso superior pleno, oficial ou reco-

nhecido pelo MEC, de uma das áreas indicadas no edital do concurso;· aprovação em concurso público.Muito embora a obrigatoriedade de formação superior seja um requisito que

já vinha sendo aplicado na maioria dos Estados, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008 passoua exigi-lo expressamente, resguardando o direito de peritos criminais que ingressaram sob oregime anterior por meio de uma regra de transição permissiva inserta em seu art. 2º:

Lei n. 11.690/08Art. 2º Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de cursosuperior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclu-sivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados osperitos médicos.

Na ausência de perito oficial, ou se a instituição pública não dispuser deserviço próprio para o exame que se pretende realizar, o juiz poderá nomear duas pessoasidôneas, de nível superior para a realização da perícia. É o que dispõe o § 1º do art. 159 doCódigo de Processo Penal.

Tais peritos, também chamados de peritos leigos ou ad hoc, deverão sersempre profissionais de curso superior, preferencialmente na área técnica específica, relacio-nada com a natureza do exame.

CPP – art. 159. ...§ 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoasidôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na áreaespecífica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natu-reza do exame. (Redação dada ao § 1º pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).

Os requisitos para que alguém possa ser perito leigo ou ad hoc no pro-cesso penal são:

· ausência de peritos oficiais capacitados;· maioridade civil;· ser portador de diploma registrado de curso superior;· ser matriculado no órgão de classe da categoria (quando o caso);· ter habilitação técnica relacionada à natureza do exame;· possuir reconhecida idoneidade moral; e

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· gozar de absoluta confiança do juízo.

Peritos nomeados ou louvados

Na esfera cível e trabalhista, até pela diversidade de questões apreciadas,os exames não são normalmente efetuados por peritos oficiais, mas por especialistas nome-ados pelo juiz. São os peritos nomeados ou louvados, nos termos do art. 421 do Códigode Processo Civil e art. 3º da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970.

Assistentes técnicos

Finalmente temos a figura dos assistentes técnicos, que nada mais sãoque profissionais da confiança das partes, indicados para acompanhar o exame do peritooficial ou nomeado pelo juiz.

Até o advento da Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, a indicação deassistentes técnicos pelas partes ficava restrita ao processo civil (art. 421, § 1º, I, do CPC)e trabalhista (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70). Agora, também no processo penal(art. 159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido,o querelante e o acusado têm a faculdade de indicar assistente técnico, com algumas peculi-aridades em relação ao processo civil.

CPC – Art. 421. ...§ 1º. Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação dodespacho de nomeação do perito:I - indicar o assistente técnico;...

Lei n. 5.584/70Art. 3º. ...Parágrafo único. Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cujolaudo terá que ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sobpena de ser desentranhado dos autos.

CPP – Art. 159. ...§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, aoofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicaçãode assistente técnico (§ 3º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08)....§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto àperícia:

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...II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazoa ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lein. 11.690, de 09/06/08).

Os assistentes técnicos, para ser admitidos como tais, devem preencheros seguintes requisitos:

· maioridade civil;· ter, preferencialmente, formação universitária plena;· ter capacidade científica, técnica ou artística para o desempenho

da função;· possuir reconhecida idoneidade moral; e· gozar da confiança das partes.Não se aplicam aos assistentes técnicos as regras relativas à suspeição,

restritas unicamente aos peritos (art. 422 do CPC, que por analogia também deve ser aplica-do ao processo penal, omisso).

De se observar que também é admissível a indicação de pessoa jurídicapara servir como assistente técnico (STJ – Recurso Especial n. 1993/0018648-5, MinistroSálvio de Figueiredo Teixeira - DJ 27/09/1993, p. 19823, REVFOR 325/155).

Momento de admissão dos assistentes técnicos

Quanto ao momento de admissão dos assistentes técnicos, as regras doprocesso civil e do trabalho diferem das do processo penal.

Enquanto nos primeiros a perícia, excetuando-se eventual produção an-tecipada de prova, tem lugar somente depois de estabelecida a relação processual, no pro-cesso penal os exames podem ocorrer tanto na fase inquisitiva (regra), como também duran-te o contraditório (exceção).

Além disso, no processo civil (art. 421, § 1º, I do CPC) e trabalhista (art.3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70), os assistentes técnicos são nomeados quase quesimultaneamente com o perito e podem acompanhar todos os exames ab initio (art. 431-A,do CPC). No processo penal devem ser considerados momentos distintos.

Ao introduzir a figura do assistente técnico indicado pelas partes, garan-tindo sua atuação a partir da admissão pelo juiz, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008,não estabeleceu claramente o momento do exame ou a forma como deve intervir.

Uma leitura pura e simples do novo § 3º do art. 159 do CPP poderia levarà interpretação de que a figura do assistente técnico somente teria lugar na fase processual,vedada sua admissão durante o inquérito policial. É que o aludido dispositivo menciona apossibilidade de indicação de assistente técnico pelo Ministério Público, assistente de acusa-

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ção, ofendido, querelante e acusado (figuras existentes apenas na fase processual), silencian-do em relação ao averiguado ou indiciado.

Entendemos que a redação é meramente exemplificativa e tem por obje-tivo ampliar a abrangência do dispositivo, para atingir todos os atores da relação jurídica,quer durante o processo como na fase de inquérito.

Note-se que o § 5º, II, do mesmo art. 159, prevê a possibilidade deindicação de assistentes técnicos pelas partes durante o curso do processo, disposição queseria inútil, salvo se admitirmos que o rol dos habilitados a apresentar assistente técnicoprevisto no § 3º, inclua também o indiciado e o averiguado.

Em segundo lugar, no processo penal, as perícias clamam por celeridade,não sendo razoável impedir o averiguado ou o indiciado, por intermédio de seus assistentestécnicos, de analisar as provas produzidas, mesmo durante a fase policial, até porque háinquéritos que se arrastam por anos sem que ocorra o oferecimento de denúncia pelo Minis-tério Público.

Por último, o art. 176 do Código de Processo Penal faz alusão à possibi-lidade de formulação de quesitos pela autoridade e pelas partes até o ato da diligência, semdistinção do momento processual, raciocínio que pode ser estendido à atuação dos assisten-tes técnicos, até por que deles é a tarefa ínsita de questionar a perícia.

CPPArt. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato dadiligência.

Assim, acreditamos ser possível a indicação de assistentes técnicos pelaspartes tanto na fase de inquérito como uma vez estabelecida a relação processual. De qual-quer modo, a função dos assistentes técnicos é de acompanhar a perícia, não podendo inter-ferir na sua realização, à semelhança do que ocorre no processo civil.

Quando a indicação se der na fase inquisitiva, a atuação ocorrerá median-te admissão pelo juiz e preferencialmente após a conclusão dos trabalhos e elaboração dolaudo pelos peritos oficiais (art. 159, § 4º do CPP).

CPP – Art. 159. ...§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após aconclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo aspartes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).

...

Essa disposição decorre da própria natureza do exame pericial na áreapenal, realizado, quase sempre, logo após os fatos e antes que se estabeleça o processo

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contraditório, o que torna o assistente técnico, na maioria das vezes, simples parecerista,mero crítico do trabalho técnico elaborado pelo órgão oficial.

A determinação legal no sentido de que a intervenção do assistente técni-co deve ser posterior ao exame oficial e após a apresentação do laudo pericial (art. 159, § 4ºdo CPP) não nos parece peremptória, mas, como salientamos, preferencial e tem por obje-tivo apenas deixar patente que a faculdade de indicação de assistentes técnicos não podeobstar a produção da prova oficial.

Muito embora a grande maioria dos exames seja realizada logo após osfatos, há diligências complementares e outras perícias, como a reprodução simulada dosfatos, que podem ser efetivadas até mesmo na fase processual, sob o crivo do contraditório.

A regra geral visa apenas resguardar a necessária celeridade da perí-cia criminal, produzida ab initio, e evitar que, em alguns casos específicos, o cronogramaoficial seja afetado pela necessidade, por vezes protelatória, de convocar as partes paracada ato praticado ou de permitir a intervenção de terceiros em ambientes não prepara-dos para receber estranhos e para os quais a contaminação é um fator de risco para arealização da perícia (Justificativa da Emenda de Plenário nº 9 ao PLC 37, de 2007 –Senadora Serys Slhessarenko).

Sendo assim, não há razão para impedir o assistente técnico, uma vezadmitido pelo juízo, de acompanhar a realização de exame determinado na fase inquisitiva ouprocessual, desde que sua intervenção não cause prejuízo à realização da perícia oficial, sobpena de ficar configurado cerceamento de defesa.

Modo de atuação dos assistentes técnicos

Como norma, os assistentes técnicos trabalharão sobre perícias já reali-zadas e emitirão seus pareceres tendo como base os laudos emitidos pelo técnico oficial.Não obstante, quando possível e havendo requerimento das partes, o material probatórioque serviu de base à perícia deve ser disponibilizado para exame pelos assistentes, no ambi-ente do órgão oficial e na presença do perito oficial (art. 159, § 6º do CPP).

CPP – Art. 159. ...§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu debase à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterásempre sua guarda, e na presença do perito oficial, para exame pelos assis-tentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º acrescido pela Lei n.11.690, de 09/06/08).

...

A legislação menciona tão somente a impossibilidade de conservação domaterial probatório, sendo omissa em relação a outras hipóteses em que o exame pelosassistentes técnicos torna-se inviável.

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Para os exames laboratoriais, entendemos que, além da possibilidade deconservação, a disposição só será aplicável se existir material suficiente para a contraprova(art. 170 do CPP). As perícias realizadas sobre suporte exíguo jamais poderão ser refeitas.

CPPArt. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficien-te para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudosserão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhosou esquemas.

Em relação ao exame de peças e documentos, é preciso verificar a natu-reza da perícia, pois em alguns casos específicos os trabalhos podem ser prejudicados como decurso do tempo. É o exemplo da pesquisa de recentidade de disparo em armas de fogo.

Da mesma forma, os levantamentos de local e a maior parte das períciasmédicas, dificilmente fornecerão subsídios para um reexame direto, podendo, tão somente,ser os laudos oficiais analisados e, eventualmente, criticados.

Por fim, a determinação legal poderá implicar na necessidade de os Insti-tutos Médico-Legal e de Criminalística criar centros de custódia para a guarda de materiais epeças que normalmente seriam remetidos a autoridade requisitante.

Investidura

Os peritos oficiais são designados para atuar neste ou naquele processoou procedimento por determinação ou do diretor da repartição pública a que estão ligadosou do Poder Judiciário e prestam compromisso uma única vez, ao assumir o cargo.

Em havendo nomeação de peritos ad hoc, por inexistência dos oficiais,nos termos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o compromisso deverá serprestado. É o que dispõe o § 2º do mesmo dispositivo:

CPP - Art. 159. ...§ 2º. Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmentedesempenhar o encargo.

Na esfera cível e trabalhista, o compromisso foi abolido com a edição da Lein. 8.455, de 24 de agosto de 1992, que modificou o art. 422 do Código de Processo Civil.

Os assistentes técnicos não prestam compromisso, porque profissionaisde confiança das partes, bastando sua indicação e admissão pelo juízo (art. 331, §§ 2º e 3º,do CPC e art. 159, § 4º do CPP).

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O fato de os assistentes técnicos atuarem como consultores, entretanto,não os autoriza a faltar com a verdade ou lançar conclusões propositalmente incorretas.Nestas hipóteses, o magistrado que conduz o feito deve noticiar os fatos ao órgão fiscalizadorda categoria para aplicação das penalidades administrativas cabíveis.

Número de peritos

A questão do número de peritos oficiais necessários para a realização daperícia causou discussão por longo tempo. A redação original do caput do art. 159 doCódigo de Processo Penal, falava em peritos, gerando polêmica sobre a necessidade de oexame ser efetuado por dois técnicos. Essa exigência descabida levou à criação da figura dosegundo signatário, ou seja, do perito que, embora não tendo realizado qualquer exame,assinava o laudo a título de revisor, mero subscritor, em confiança, de trabalho alheio.

Posteriormente, a Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, alterou o dispositivomencionado e passou a exigir expressamente o concurso de dois peritos para a realização do exame.

Tal mandamento, como ocorre com grande parte das leis no Brasil, portotal ausência de recursos humanos e materiais nunca foi cumprido e os exames continuarama ser realizados por um único perito e o laudo apenas assinado por um segundo.

Finalmente, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, corrigiu a distorção,passando a admitir a realização da perícia por um único experto oficial que, agora, comovimos, deverá obrigatoriamente ser portador de diploma de curso superior:

CPPArt. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados porperito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1ºpela Lei n. 11.690, de 09/06/08).

Por outro lado, se houver nomeação de peritos não oficiais (ad hoc), nostermos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o número de peritos deverá sernecessariamente de dois, sob pena de nulidade, conforme a Súmula 361 do STF:

STFSúmula 361: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na dili-gência da apreensão.

Outra novidade, introduzida pela Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008,à semelhança do que ocorre no juízo cível, foi a possibilidade expressa de atuação de mais deum perito oficial e indicação de mais de um assistente técnico, em caso de perícia complexa,envolvendo mais de uma área de conhecimento especializado:

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CPP – Art. 159. ...§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhe-cimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um peritooficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.

A disposição, cópia do art. 431-B do Código de processo Civil, eradespicienda, até porque a regra do processo penal é a perícia fragmentada, realizada porvários expertos, conforme suas especialidades.

Quesitos

Quesitos são perguntas específicas, dirigidas pelo juiz ou pelas partesaos peritos, objetivando esclarecer determinado ponto referente ao exame realizado.Além de ajudar a esclarecer pontos obscuros, servem de orientação ao perito para aelaboração de seu relatório, uma vez que terá de dirigir seus trabalhos no sentido deresponder às questões formuladas.

Não se pode esquecer que os peritos, embora especialistas na sua áreade atuação, não têm, em regra, conhecimento jurídico. Daí a necessidade de que respondama determinadas perguntas, relevantes para o direito, mas aparentemente sem importânciapara um técnico de outra área do saber humano.

Classificação dos quesitos

No que toca ao momento de sua formulação, os quesitos classificam-seem: originários, suplementares ou complementares.

Originários são os que antecedem à perícia, formulados como orienta-ção ao técnico para a realização dos exames.

Suplementares são aqueles apresentados após os originários e atémesmo durante a realização dos exames, objetivando suprir alguma deficiência consta-tada nos primeiros.

Complementares são os apresentados após a realização dos exames eentrega do laudo, visando esclarecer dúvidas ou complementar o trabalho pericial realizado.

Quanto à sua origem, os quesitos podem ser oficiais (de praxe), legaisou oficiosos (não-oficiais).

Oficiais ou de praxe são aqueles que, embora não tendo sidoapresentados pelas partes, e não havendo previsão legal de sua formulação, inte-gram habitualmente os laudos periciais, constando dos impressos próprios relativosa cada espécie de perícia realizada.

São exemplos de quesitos oficiais na área médico-legal:

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No exame cadavérico:· Houve morte?· Qual a causa da morte?· Qual o instrumento ou meio que produziu a morte?· Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura

ou outro meio insidioso ou cruel?Na lesão corporal:· Houve ofensa à integridade física ou à saúde do paciente?· Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?· A ofensa foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfi-

xia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel?· Resultou incapacidade para as funções habituais por mais de 30 dias?· Resultou perigo de vida?· Resultou debilidade permanente ou perda de membro, sentido ou função?· Resultou incapacidade para o trabalho, enfermidade incurável ou

deformidade permanente?· Resultou aceleração de parto ou aborto?Na área cível não há quesitos oficiais.Legais são os previstos expressamente na lei processual. Não são quesi-

tos propriamente ditos, porque não constituem perguntas diretas que devem ser respondidasobjetivamente pelos técnicos. São, isto sim, esclarecimentos que a lei determina devem serdados pelos peritos em alguns casos. Como exemplos, temos os art. 171 a 174 do Códigode Processo Penal.

No processo civil não há quesitos legais.Quesitos oficiosos (não-oficiais) são os apresentados pelo juiz ou pelas

partes conforme a natureza do caso.A Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, acrescentou o § 5º ao art. 159,

que, em seu inciso I, explicitou a possibilidade de as partes requererem a oitiva dos peritospara responder a quesitos (oficiosos) ou prestar esclarecimentos sobre a prova.

CPPArt. 159. ...§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto àperícia:I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou pararesponderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos

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ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedênciamínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudocomplementar....

Quesitos, como vimos, são perguntas objetivas, diretas, que versam so-bre pontos específicos do trabalho pericial, enquanto esclarecimentos são explicações des-tinadas a aclarar, elucidar algum ponto obscuro ou mesmo complementar o exame realizado.

Embora a oitiva dos peritos e a apresentação de questões comple-mentares seja prática relativamente comum no processo penal (art. 176), a novidadefica por conta da necessidade de encaminhamento prévio das inquirições com antece-dência mínima de 10 (dez) dias.

Note-se que os peritos podem ser intimados a comparecer em juízo paraprestar esclarecimentos ou responder as questões, facultada a apresentação das respostas einformações sob a forma de laudo complementar.

Na área cível não há quesitos oficiais ou legais, mas tão somente osoficiosos, formulados livremente pelo juiz e pelas partes de acordo com as particularida-des específicas do caso. De qualquer modo, o perito e o assistente técnico só estarãoobrigados a prestar os esclarecimentos solicitados quando intimados cinco dias antes daaudiência (art. 435 do CPC).

Por último, no que concerne à validade, os quesitos podem aindaser pertinentes ou impertinentes, conforme sejam convenientes ou não ao escla-recimento dos fatos. Os quesitos impertinentes, eventualmente apresentados pelaspartes, devem ser indeferidos pelo magistrado (art. 426, I, do CPC, aplicável poranalogia ao processo penal, omisso):

CPCArt. 426. Compete ao juiz:I - indeferir quesitos impertinentes;...

Prazos para realização da perícia

No processo penal o prazo para realização da perícia (ou do exa-me de corpo de delito) há de ser forçosamente curto. Velho brocardo utilizadopelos peritos criminais dá bem a idéia da importância de um exame célere: “o tem-po que passa é a verdade que foge”.

Nesse sentido a disposição dos arts. 6º e 161 do Código de Pro-cesso Penal:

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CPPArt. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridadepolicial deverá:I — dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado econservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;...VII — determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e aquaisquer outras perícias;

Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e aqualquer hora.

Os únicos prazos para a realização da perícia, fixados no Código de Pro-cesso Penal, são na verdade prazos mínimos, de 6 horas para a realização do examenecroscópico (art. 162, caput, do CPP) e de 30 dias para a realização do exame comple-mentar de classificação das lesões corporais (art. 168, § 2º, do CPP).

CPPArt. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvose os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa serfeita antes daquele prazo, o que declararão no auto.

Art. 168. ...§ 2º Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º,I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de trinta dias,contado da data do crime.

Os assistentes técnicos devem realizar seus exames, em regra, após a suaadmissão pelo juiz e depois da conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritosoficiais, o que recomenda a celeridade dos trabalhos, especialmente em se tratando de pro-cesso em que há réu preso.

CPPArt. 159. ...§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após aconclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo aspartes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08)....

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No Código de Processo Civil, por outro lado, não há prazo fixado para arealização dos exames, mas apenas a data limite para entrega dos trabalhos, determinadapelo juiz, até porque, como hábito, as postulações são levadas ao juízo cível sempre bemdepois dos acontecimentos.

Para a entrega dos relatórios o CPP estabelece o prazo genérico de 10dias (art. 160, parágrafo único).

CPPArt. 160. ...Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de dezdias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, arequerimento dos peritos.

Há prazos especiais, como, por exemplo, aquele designado pelo juiz paraa verificação da cessação da periculosidade (art. 777, § 2º, do CPP) ou o do exame decor-rente do incidente de insanidade (art. 150, § 1º, do CPP), que não pode ultrapassar 45 dias.

Os assistentes técnicos devem apresentar seus pareceres em prazo fixadopelo juiz ou ser inquiridos em audiência (art. 159, § 5º, II, do CPP).

CPPArt. 159. ...§ 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes, quanto àperícia:...II – Indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazoa ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lein. 11.690, de 09/06/08)....

No Código de Processo Civil os prazos são fixados pelo juiz, que deveráatentar para a data da audiência de instrução e julgamento (arts. 421 e 433 do CPC), tendoos assistentes técnicos 10 dias a mais para a apresentação de seus pareceres, depois deintimadas as partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único, do CPC).

Conclusão

Muito embora a Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, tenha inovado aointroduzir a figura do assistente técnico no Processo Penal brasileiro, ao fazê-lo, copiou ins-titutos do processo civil sem atentar, ao que parece, para as diferenças intrínsecas em relaçãoao processo penal e às dificuldades que surgirão da implantação prática do instituto.

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Questões de cunho absolutamente pragmático e de fundamental impor-tância, como o momento de intervenção dos assistentes técnicos e a inexistência de centrosde custódia suficientes para a preservação adequada de amostras, peças e materiais destina-dos à contraprova, passaram ao largo da normatização legal. Outras, como o custeio dosassistentes técnicos para os beneficiários da justiça gratuita deverão suscitar acalorados de-bates doutrinários e jurisprudenciais.

De qualquer modo, a possibilidade de melhor discutir a prova pericialconstitui inegável avanço e certamente trará frutos benéficos ao processo penal brasileiro.

Bibliografia

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DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal – (Co-leção curso & concurso – coordenação Edílson Mougenot Bonfim). São Paulo:Saraiva, 5 ed. 2008.

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TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 6 ed. São Paulo:Saraiva, 1989.

ZARZUELA, José Lopes, MATUNAGA, Minoru & THOMAZ, Pedro Louren-ço. Laudo Pericial. “Aspectos Técnicos e Jurídicos”. 1 ed. São Paulo: Revista dos tribunais:Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, 2000.

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JORGE ASSAF MALULYPromotor de Justiça do Estado de São PauloDesignado no Setor de Recursos Especiais e ExtraordináriosCriminais da PGJ

AS PRAS PRAS PRAS PRAS PROOOOOVVVVVASASASASASILÍCITILÍCITILÍCITILÍCITILÍCITASASASASAS,,,,,

SEGUND0 A LEISEGUND0 A LEISEGUND0 A LEISEGUND0 A LEISEGUND0 A LEI11.690, DE 200811.690, DE 200811.690, DE 200811.690, DE 200811.690, DE 2008

PEDRO HENRIQUE DEMERCIANPromotor de Justiça Criminal do Estado de São PauloMestre e doutor em Processo Penal pela PUC-SPProfessor de Processo Penal da Universidade PresbiterianaMackenzieProfessor de Processo Penal da PUC-SPProfessor de Processo Penal no CPC Marcato

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Jorge Assaf MalulyPromotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo

designado no Setor de Recursos Especiais e Extraordinários Criminaisda Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo

Pedro Henrique DemercianPromotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo designado em 2ª

InstânciaMestre e Doutor em Processo Penal pela PUC/SP

Professor de Direito Processual nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu da Universidade Mackenzie

Professor de Processo Penal da PUC/SPProfessor de Processo Penal no Curso Preparatório para Concurso –

CPC - Marcato

1. As limitações ao direito à prova

O direito à prova no processo penal não é irrestrito, a despeito da vigên-cia dos princípios da verdade real, do contraditório e da ampla defesa. Como salienta ANTO-NIO MAGALHÃES GOMES FILHO1, o “direito das partes de introdução, no processo, dasprovas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que se assentam suaspretensões, embora de índole constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao contrário, comoqualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamentoconfere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção”.

É este, também, o ensinamento de Eduardo Espínola Filho2, ao abordar o tema:

AS PROVAS ILÍCITAS SEGUNDO A LEI Nº 11.690, DE 2008

1 Cf. O direito à prova no processo penal, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 91.2 Cf. Código de processo penal brasileiro anotado, 6ª ed. histórica, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, t.1, vol. 2, p. 453.

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“Como resultado da inadmissibilidade de limitações dos meios de prova,utilizáveis nos processos criminais, é-se levado à conclusão de que, pararecorrer a qualquer expediente, reputado capaz de dar conhecimento daverdade, não é preciso seja um meio de prova previsto, ou autorizado pelalei, basta não seja expressamente proibido, se não mostrar incompatível como sistema geral do direito positivo, não repugne à moralidade pública e aossentimentos da humanidade, piedade e decoro, nem acarrete a perspectivade um dano, ou abalo sério, a saúde física ou mental das pessoas, que sejamchamadas a intervir na diligência.”

O art. 155, parágrafo único, do CPP impõe uma primeira limitação daprova no processo penal, proibindo, no juízo penal, a discussão de questões relativas aoestado civil das pessoas e impondo sua solução no juízo cível (art. 92, CPP – questõesprejudiciais devolutivas absolutas).

Outras limitações especiais podem ser encontradas no CPP, tais como:(a) a exigência de demonstração de vestígios do crime por meio do exame de corpo de delito(arts. 158 e 167, CPP); (b) a prova da morte do autor da infração penal, para fins de extinçãode punibilidade, que somente pode ser feita por certidão do assento do óbito (art. 62, CPP);(c) o impedimento do depoimento de pessoas destinatárias de segredos profissionais, salvose desoneradas pela parte e assim o desejarem (art. 207, CPP).

O ordenamento jurídico impõe limitações, também, à produção das pro-vas quando decorrentes da violação da lei, como, por exemplo, aquelas obtidas por meio detortura, captação clandestina de conversações telefônicas e violação do sigilo de correspon-dência (art. 233, CPP). Na lição de ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO3, de fato, seriaum absurdo que o Estado, para impor uma sanção penal, em decorrência da violação daordem pública, “se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmosvalores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o própriofundamento da sanção criminal e, em conseqüência, a legitimação de todo sistema punitivo”.

As provas ilegais podem ser produzidas com infração às normas proces-suais – quando serão chamadas de provas ilegítimas – ou com ofensa ao direito material –chamadas, então, de provas ilícitas.

As provas ilegítimas não demandam melhor análise, porque a necessáriasanção já está prevista na nulidade do processo. Por seu turno, as provas obtidas por meiosilícitos (com violação às normas de direito material) são inadmissíveis no processo, constitu-indo-se uma garantia constitucional, definida no art. 5º, inciso LVI.

Questiona-se, notadamente nos dias de hoje, se as provas ilícitas (co-ligidas com ofensa ao direito material) podem ter algum valor probante, se seu conteúdofor verdadeiro.

FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO4 recorda o posicionamento dosdetratores da admissibilidade processual da prova ilícita, visto que “não se trata de atribuir-sevalores diferentes na apreciação da prova ou de retornar-se ao critério da prova legal, mas

3 Cf. O direito à prova ... , ob. Cit., p. 99.4 Cf. Processo penal – o direito de defesa: repercussão, amplitude e limites. Rio de Janeiro, Ed. Forense,1986, p. 374.

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de preservar-se os direitos do imputado, que não podem ser atingidos ou violados apretexto da busca da verdade real ou do acertamento dessa verdade. Como disse SAUER,a busca da verdade não pode transmudar-se em um valor mais precioso do que a prote-ção da liberdade individual”.

Dissentindo desse posicionamento, entretanto, o ilustre autor assevera que“se o fim precípuo do processo penal é a descoberta da verdade real (na qual há fulcrar-se aprópria realização do direito penal substantivo, pela aplicação ou não da pena), crível é que,se a prova ilegalmente obtida ostentar essa verdade, há de ser aceita”5. Por seu turno, aque-les que obtiveram ilicitamente a prova devem sofrer a devida persecutio criminis, pela vio-lação às normas de direito material.

Argumenta, ainda, FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO6 que a prova ilícita“somente encontrará sanção processual quando, a um só tempo, for também ilegítima, poresbarrar em óbice expresso de natureza adjetiva anteposto à sua admissibilidade. Fora daí,sua admissibilidade é examinada exclusivamente pelos princípios e normas processuais, nãose perquirindo, nessa seara, da ilicitude da qual se originou, ilicitude essa que ensejará apunição de seu autor no plano do direito material violado”.

A aplicação da norma constitucional (art. 5º, inciso LVI), no entanto, temsido abrandada em prol do acusado, para corrigir distorções, conforme salienta ALEXANDREDE MORAES7, “pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casosdelicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimi-dade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização”.

A atenuação do entendimento da inadmissibilidade das provas ilícitas noprocesso baseia-se no princípio da razoabilidade, ou proporcionalidade, que, norteandoa atuação do juiz, aceita o sacrifício de direitos individuais para garantir a realização da justiçapenal. O rigor constitucional, assim, deve ser analisado no confronto com outros princípios einteresses igualmente relevantes (o estado de inocência do acusado e a verdade real).

A admissibilidade das provas ilícitas, mitigando a regra constitucional, tam-bém foi acolhida pelos ilustres Professores ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCEFERNANDES E ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO8 ao prelecionar que “não deixa de ser,em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade a posição praticamenteunânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorávelao acusado, ainda que obtida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros”.

O tema também já foi analisado pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe-deral no HC 69.912-0/RS (DJU de 26.11.93; v. também RTJ 162(02): 340), no qual foidecidido não ser possível a quebra do sigilo das comunicações telefônicas por ordem judici-al, com base no art. 5º, inciso XII, da CF, sem a prévia existência de lei estabelecendo seuprocedimento. O r. acórdão foi prolatado em período anterior à Lei nº 9.296, de 24.07.96,

5 Cf. Processo penal ..., ob. Cit. p. 378.6 Cf. Prova penal, Rio de Janeiro, Ed. Aide, 1994, p. 172.7 Cf. Direito constitucional, 7ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas, 2000, p. 119.8 Cf. As nulidades no processo penal. 2ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1992, pp. 109-117.

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que terminou regulamentando essa norma constitucional. O entendimento adotado pelaCorte foi proficientemente retratado no voto do Ministro Celso de Mello, do qual sedestaca o seguinte trecho:

“A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantira pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público– tem, no dogma de inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas,uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em queo réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgadoe de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ouproduzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídicoao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficáciademonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretendeevidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, dagarantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízopenal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sedeprocessual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude tenha sidoreconhecida pelo Poder Judiciário.”

Por outro lado, é aceita a eficácia da prova quando colhida com violaçãoà legislação, mas com o intuito de afastar ofensa oriunda de ato criminoso, uma vez que ailicitude de sua produção é eliminada por uma excludente de antijuridicidade de legítimadefesa (GRINOVER, SCARANCE E GOMES FILHO9. Essa situação é costumeiramente constata-da nos crimes de estelionato ou extorsão mediante seqüestro, quando a vítima, ou terceiroautorizado, realiza gravações de conversas pessoais ou telefônicas com os acusados. Paraessas e semelhantes hipóteses, nosso ordenamento jurídico admite a limitação dos direitosfundamentais (inviolabilidade do domicílio, da intimidade e das comunicações telefônicas etc.),que não podem ser reclamados quando empregados para práticas criminosas.

Com esse fundamento, o Supremo Tribunal Federal tem convalidado aprova ilícita, motivada por justa causa como a legítima defesa. Aliás, nesse sentido é o acórdãodo Habeas Corpus 74.678/SP, relatado pelo Min. Moreira Alves (DJU de 15.08.97, nomesmo sentido: HC 75.611/SP, DJU de 17.04.98) e resumido em sua ementa:

“– Habeas corpus. Utilização de gravação de conversa telefônica feita porterceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento dooutro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade.– Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravare divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiroque está praticando crime –, é ela, por via de conseqüência, lícita e, tambémconseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, parainvocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houveviolação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna).”

9 Cf. As nulidades ..., ob. Cit., p. 119.

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O r. julgado ressalta, primeiramente, que não se trata de violação ao sigilode comunicação telefônica, quando a gravação é realizada por um dos interlocutores, ou coma autorização de um deles, devendo o caso, de fato, ser apreciado à luz do também princípioconstitucional da intimidade (art. 5º, inciso X).

E, nessa hipótese, seria uma distorção invocá-lo, uma vez que a intromis-são do autor do ato criminoso na vida privada do ofendido precedeu e justificou a condutado realizador da prova.

Como relembra PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR10, há hipóteses em que ointeresse individual é superado pelo interesse público, justificando-se o sacrifício do direitofundamental – na espécie, o direito à intimidade. O princípio la vie privée doit être muréenão pode “ser interpretado como se, em torno da esfera privada a ser protegida, devesse sererguida verdadeira muralha. Pelo contrário, os limites da proteção legal deverão dispor desuficiente elasticidade. O homem, enquanto indivíduo que integra a coletividade, precisa aceitaras delimitações que lhe são impostas pelas exigências da vida em comum. E as delimitaçõesde sua esfera privada deverão ser toleradas tanto pelas necessidades impostas pelo Estado,quanto pelas esferas pessoais dos demais concidadãos, que poderão perfeitamente conflitarou penetrar por ela”.

A admissibilidade da restrição de direitos fundamentais, no processo pe-nal, é clarificada também por JOSÉ MIGUEL SARDINHA11, que entende ser a dignidade dapessoa humana o ponto referencial de todo sistema de direitos e é “com base na dignidadehumana que se terá de proceder à restrição de alguns direitos fundamentais sempre que estessejam utilizados com o intuito de a lesionarem gravemente (...). Os direitos fundamentais,enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados [continua o insigne autorcitando as palavras de Vieira de Andrade], ‘visto que a comunidade não se limita a reconhe-cer o valor da liberdade: liga os direitos a uma idéia de responsabilidade social e integra-osno conjunto dos valores comunitários’. Por conseguinte, ‘impõe-se a necessidade de restrin-gir o seu âmbito de protecção a fim de se obter uma concordância prática com os outrosbens ou direitos protegidos a nível jurídico-constitucional’.

Ao consagrar a Constituição Federal a proibição das provas ilícitas, pro-curou garantir que outros bens juridicamente tutelados não seriam violados em nome daJustiça Penal. Por sua vez, quando o interesse da coletividade deve prevalecer sobre o indi-vidual, o ordenamento constitucional admitiu a restrição de direitos fundamentais para a pro-dução de provas (interceptação telefônica, buscas domiciliares e pessoais, quebra do sigilobancário etc.) contra o acusado.

Convém notar, da mesma forma, que, da explícita proscrição da provailícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalênciada garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real noprocesso, e nem é possível apelar-se ao princípio da proporcionalidade, para sobrepor, àvedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade dainfração penal objeto da investigação ou da imputação12.

10 Cf. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 44.11 Cf. O terrorismo e a restrição dos direitos fundamentais em processo penal. Coimbra: Editora Coimbra,1989, p. 39.12 cf. HC 80.949-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.

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2. Provas ilícitas e provas derivadas

A garantia relacionada na Constituição Federal, de não aceitar a utilizaçãode provas realizadas com infração ao direito material, consagrou também a doutrina norte-americana do fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada), pela qual nãosomente a prova ilícita, mas também a derivada, originada desta, não pode ser aceita pelojulgador na formação de seu convencimento.

A doutrina foi desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana, comorecordado por LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO13 na qual “a partir da decisão proferi-da no caso ‘Silverthorne Lumber Co. v. United States’ (251 US 385; 40 S.Ct. 182; 64 L.Ed.319), de 1920, as cortes passaram a excluir a prova derivadamente obtida a partir de práti-cas ilegais. Acreditava-se que, com isso, similarmente ao pensamento que ensejou a concep-ção da exclusionary rule, a polícia ficaria desencorajada de proceder a buscas e apreensõesilegais”.

Oportuno mencionar que o direito das exclusionary rules, no ensinamentode MANUEL DA COSTA ANDRADE14 surgiu como “um conjunto de princípios, normas e práticasjurisprudenciais susceptível de ser referenciado como ‘o sistema’ americano das proibiçõesde prova”. Uma resposta dos tribunais aos conflitos concretos. Mais adiante, o autor ressaltaque “as exclusionary rules surgem animadas por uma intencionalidade normativa própria. Oque, em primeira linha, cabe prevenir e ‘reprimir’ são as manifestações de ilegalidade dapolícia criminal na interação com o cidadão e as suas garantias constitu- cionais. Pela positi-va, trata-se de assegurar a disciplina das instâncias formais de controlo – maxime da polícia– isto é, a estrita conformidade da sua atuação às pertinentes normas processuais. Nos ter-mos da proclamação terminante do juiz Cardozo (People v. Defore, 1926): “the criminal is togo free because the constable has blundered” (1992, p. 144).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 74.116 (DJU de14.03.97), por maioria de votos, também adotou esse posicionamento, ou seja, a provaproduzida com violação ao direito material – assim como aquelas que dela decorrerem – nãotêm qualquer eficácia jurídica (v. também: HC 73.250-SP, DJU de 17.10.97, p. 52.490; HC74.299-SP, DJU de 158/97; HC 74.639-RJ, DJU de 27.06.97).

O art. 157, caput, do CPP (redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08) cuida das chamadas provas ilícitas, definidas pelo dispositivo como sendo aquelas obti-das em violação a normas constitucionais ou legais. Expressando a regra constitucional doinciso LVI do art. 5º, as provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo e inutilizadas,assim como aquelas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causali-dade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte inde-pendente das primeiras. O §2º do art. 157 do CPP considera fonte independente aquela que,por si só, seguindo os trâmites legais, próprios da investigação ou instrução criminal, seria

13 Cf. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, São Paulo, Revista dosTribunais, 1995, p. 67.14 Cf. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 133.

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capaz de conduzir ao fato objeto da prova. As partes poderão acompanhar o incidente deinutilização das provas ilícitas e das derivadas.

O art. 157 do CPP traduz a regra da inutilizabilidade do ato processual,ou seja, quando o juiz não pode fundamentar sua decisão em ato viciado. A inutilizabilidadepode atingir o próprio ato ou seu valor probatório. Trata-se de uma “’prova legal negativa’,pois o legislador exclui alguns elementos de prova do material utilizável pelo juiz para decidire fundamentar o seu entendimento”, como preleciona PAOLO TONINI15.

A ilegalidade da prova originária ou das derivadas, porém, não compro-mete a existência do processo, se não tiver sido produzida com violação à norma processual,bem como não acarreta a absolvição do acusado, se sua condenação se baseou em outrasprovas regularmente introduzidas na instrução. A prova ilícita, não sendo a única produzida,não contamina as demais se dela não decorrentes. Prevalece na hipótese a incomunicabilidadeentre as provas. Neste sentido: STF: 2ª T., RHC nº 74.807-MT, Rel. Min. Maurício Corrêa,DJU de 20.06.97; 2ª T., AGRRE 212171/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 27.02.98;1ª T., HC 74.599-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 07.02.97.

Convém destacar que a inutilização da prova ilícita nem sempre com-preende sua destruição física, uma vez que esta pode constituir a materialidade do crimepraticado com a sua produção. Assim, por exemplo, as fitas de uma gravação podemconstituir a prova da materialidade do crime de interceptação de comunicações telefôni-cas não autorizada judicialmente (art. 10 da Lei nº 9.296/96). Sua destruição, portanto,importará a ausência de provas deste delito.

Em outras hipóteses, também não é conveniente o magistrado deter-minar a imediata destruição das provas que considerar ilícitas, devendo, desse modo,aguardar o trânsito em julgado da sentença para decidir sobre o tema. A decisão judicialpode exigir o confronto dessas evidências com o conjunto de provas, inclusive em umasituação que possa favorecer a defesa.

3. Conclusão

O Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.690, 2008, agoradisciplina expressamente a questão relacionada com a prova ilícita e a dela derivada, antestratadas apenas na jurisprudência e na doutrina. O art. 157 do CPP introduz a chamadateoria da inutilizabilidade do ato processual, determinando que o juiz não poderá funda-mentar suas decisões em provas viciadas e cuidando do seu destino, ou seja, nulificando oseu valor probatório ou, em casos extremos, permitindo a sua destruição física.

15 Cf. A prova no processo penal italiano, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002. p, 76.

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MARCO ANTONIO DE BARROSDoutor em Direito Processual Penal pela Faculdadede Direito da Universidade de São PauloProfessor de Direito da Universidade PresbiterianaMackenzie

SISTEMAPROBATÓRIO

DOPROCESSO

PENAL

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SISTEMA PROBATÓRIO DO PROCESSO PENAL

Marco Antonio de BarrosDoutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da UniversidadePresbiteriana Mackenzie

SUMÁRIO: 1. Conceito de prova – 2. Objeto da prova – 3. Meios de prova– 4. Sistema de persuasão racional motivada em contraditório judicial – 5.Prova e o descobrimento da verdade - 5. Classificação das provas – 6.Ônus da prova - 7. Poderes instrutórios do juiz – 8. Momentos probatórios– 9. Princípio da identidade física do juiz - 10. Prova ilícita e prova ilícitapor derivação – 11. Especificação dos meios de prova: 11.1 Perícia:realização por um único perito qualificado; 11.2 Exame de corpo de delito;11.3 Exame necroscópico; 11.4 Exame de lesões corporais; 11.5 Exame delocal do crime; 11.6 Perícia de laboratório; 11.7 Avaliação de coisas; 11.8Exame grafotécnico; 11.9 Instrumentos do crime – 12. Interrogatório doacusado – 13. Confissão – 14. Maior atenção ao ofendido – 15. Provatestemunhal: 15.1 Número de testemunhas; 15.2 Quem pode ser testemunha;15.3 Compromisso de dizer a verdade; 15.4 Contradita e acareação; 15.5Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes; 15.6Características gerais do depoimento; 15.7 Depoimento colhido por cartaprecatória; 15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência- 16. Reconhecimento de pessoas ou coisas –– 17. Prova documental – 18.Busca e apreensão – 19. Indícios - 20. Provas e sentença absolutória.

Resumo:

Embora o legislador ainda não tenha editado um novo Código de Proces-so Penal (em substituição ao que está em vigor desde 1942), o certo é que algumas dasrecentes leis promulgadas no Brasil provocaram substancial alteração em vários de seusdispositivos e sistemas processuais. Neste trabalho o autor apresenta algumas reflexões so-bre determinada parcela dessa ampla reforma legislativa e oferece ao leitor uma breve expo-sição a respeito da teoria da prova, acompanhada de comentários pertinentes às relevantesinovações ocorridas no campo probatório, implementadas pelas Leis 11.690/2008, 11.689/2008 e 11.719/2008.

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Abstract:Although the legislature has not yet published a new Code of Criminal

Procedure (in place of the one that is in since 1942), the truth is that some of the recent lawsenacted in Brazil caused substantial changes in many of its procedural systems. In this workthe author presents some thoughts on a particular portion of this legislative reform and offersthe reader a brief explanation concerning the theory of evidence, together with comments tothe innovations implemented by Laws 11.690/2008, 11.689/2008 and 11.719/2008.

Palavras-chave: Provas; processo penal; reforma do Código deProcesso Penal.

Keywords: Evidence; Criminal Procedure; reform of the Code ofCriminal Procedure.

1. Conceito de prova

A palavra prova vem do latim proba, probus, de probare (demonstrar,reconhecer). Do ponto de vista jurídico, ou mais especificamente no plano do processopenal, prova é a denominação que se dá a tudo aquilo (qualquer coisa, ainda que imaterial)que possa levar ao conhecimento de um fato material ou de um ato jurídico.

No campo em que se deflagra a ação caracterizada pela dialética produ-zida no confronto do jus puniendi com o jus libertatis, a prova pode se fundar na afirmaçãoou na negação de fatos. Geralmente, a afirmação positiva do fato vem descrita na denúncia(ou na queixa criminal), enquanto que a afirmação negativa é feita na defesa do acusado.

2. Objeto da prova

O objeto da prova são os fatos alegados.Em primeiro lugar deve-se provar a veracidade da afirmação positivada

a respeito da existência do fato ilícito e de sua autoria, conforme descrito na denúncia ouna queixa criminal.

Além de demonstrar a ocorrência do fato criminoso e de sua autoria, épreciso dar ao juiz o conhecimento necessário de todas as circunstâncias objetivas e subjeti-vas que possam determinar a certeza de sua convicção sobre a responsabilidade criminal,inclusive para efeito de fixação da pena ou eventual imposição de medida de segurança.

É da demonstração do fato que decorre a certeza da afirmação. Mesmodiante da confissão do acusado não se exclui o objeto da prova, pois a confissão deve sercorroborada por outras provas. Por exemplo, no caso de homicídio, a morte da vítima deveser comprovada pelo laudo necroscópico. Portanto, a denominada regra do fato incontroverso,

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ou seja, aquele que independe de prova quando afirmado por uma parte e confessadopela parte contrária, prevista no art. 334, II, do Código de Processo Civil, não encontraaplicação no processo penal.

Sem embargo disto, a atividade probatória deve restringir-se aos fatosrelevantes, isto é, pertinentes e úteis ao julgamento da ação penal.

Assim, é desnecessário provar os fatos evidentes por si mesmos, intuiti-vos (ou axiomáticos). Se a pessoa caminha, conversa ou mesmo cala-se quando quer, éevidente que está viva, ou, conforme exemplo de Manzini lembrado por grande parte dadoutrina, encontrando-se um corpo humano putrefato, é claro que se trata de um cadáver.

Fatos notórios também não precisam ser provados. Notórios são os fatosde conhecimento geral da população a que interesse. Por exemplo, no caso de crime contraa honra em que figure como vítima o chefe de Estado, não há necessidade de se provar queo ofendido é ocupante do cargo. Também é desnecessário provar que o dia 15 de novembroé feriado nacional por que se comemora a proclamação da República. A contrario sensu, asimples divulgação de um fato pela imprensa ou por outros meios de comunicação de massanão o transforma em “notório”. Notória, nesta hipótese, seria apenas a sua divulgação.

Há, ainda, os fatos presumidos, isto é, aqueles que são tidos como verda-deiros pela própria lei. Daí as presunções legais que independem de produção de prova, quesão de duas ordens: absoluta e relativa. Da primeira podemos citar como exemplo o queconsta do art. 27, do Código Penal (CP), ou seja, a opção de política criminal assumida pelolegislador, que entende ser os menores de 18 anos pessoas inimputáveis, as quais ficamsubmetidas às normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo, descabetentar provar a imputabilidade do autor do fato, pois, neste caso, a presunção é absoluta(juris et de jure). Quanto à outra, aproveita mencionar, como exemplo, que nos crimescontra a liberdade sexual, presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos (art.224, do CP); porém, esta presunção, por ser relativa (juris tantum), admite prova em con-trário, ou seja, pode ser afastada quando há prova que a contradiz.

Vale lembrar, ademais, a regra geral no sentido de que o direito não ne-cessita ser provado. Vigora o princípio “iura novit curia” (o juiz conhece o direito). Aomenos em relação ao direito federal o juiz deve ter pleno conhecimento. Todavia, excepcio-nalmente, pode ocorrer que o juiz desconheça o direito municipal, estadual, estrangeiro ouconsuetudinário, hipótese em que poderá determinar à parte a produção de prova nessesentido (aplica-se, por analogia, o disposto no art. 337 do Código de Processo Civil).

3. Meios de prova

Meio de prova é todo instrumento por força do qual se leva ao processoum elemento, uma informação, a ser utilizada pelo juiz para formar a sua convicção acercados fatos alegados pelas partes. Pode ser todo fato, documento ou alegação que sirva, diretaou indiretamente, ao descobrimento da verdade.

Justamente por ser imprescindível ao descobrimento da verdade, noprocesso penal, em princípio, admite-se tudo quanto possa demonstrar os fatos e as

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alegações sustentadas pelas partes (excetuam-se as provas obtidas por meios ilícitos ouimorais, como veremos mais adiante).

Prevalece a regra geral de que os meios de prova podem ser de qualquernatureza. Somente quanto ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação etc.) éque se exige a observância de formalidades e restrições estabelecidas pelo Código Civil,de tal sorte que referida prova só é aceita com a respectiva certidão do registro civil.

A norma vem agora prevista no parágrafo único do art. 155, do Códigode Processo Penal, por força da alteração determinada pela L. 11.690, de 09.06.2008, queentrou em vigor em 09.08.20081 (antes essa mesma norma correspondia ao próprio caputdo art. 155, do CPP).

Não se deve confundir objeto de prova com meio de prova. O localaveriguado é “objeto de prova”, enquanto a sua inspeção é meio de prova. A testemunha ésujeito de prova, enquanto o seu depoimento constitui meio de prova.

O Código identifica determinados meios de provas. A especificação dosmesmos segue exposta a partir do item 11 deste trabalho.

4. Sistema da persuasão racional motivada em contraditório judicial

A principal finalidade da prova é a de formar a convicção do juiz quanto àexistência dos fatos e atos jurídicos que são objeto da afirmação positiva ou da afirmaçãonegativa, segundo as alegações feitas pelas partes.

Nos termos do art. 155, caput, do Código de Processo Penal (CPP),com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008, determina-se ao juiz formar a suaconvicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Nota-se que olegislador manteve o sistema de persuasão racional (ou do livre convencimento motivado), talcomo previa a anterior redação, disposta então no art. 157.

Insere-se, como novidade, a conclusão de que a apreciação das provasfeita pelo juiz será invalidada quando a fundamentação da decisão basear-se exclusivamenteem elementos informativos colhidos durante a fase de investigação. É dizer: as provas dasquais se extraem efeitos válidos para o convencimento do juiz são aquelas produzidas nocurso da ação penal e submetidas ao crivo do contraditório.

Isto não quer dizer que são imprestáveis os elementos de provas colhidosdurante o curso do inquérito policial, pois, o que a lei veda, é a edição de sentença fundamen-tada, exclusivamente, em elementos informativos colhidos durante a investigação. Logo, parao fortalecimento, ratificação e eventual convalidação das provas colhidas sob o crivo docontraditório, pode o juiz estabelecer o seu convencimento apoiando-se, também, nos ele-mentos colhidos durante o inquérito. Porém, essa faculdade exige muita cautela em sua apli-cação, isto é, não pode se tornar rotineira ou ser exercitada de forma abusiva pelo juiza ponto de tornar inócua a regra geral.

1 Conforme Danilo Andreato e Vladimir Aras, op. cit.

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De se observar, igualmente, a ressalva incluída expressamente pelolegislador em referido dispositivo (art. 155, caput), declarando a validade, para efeitode formação da convicção judicial, das provas cautelares (exemplo: busca e apreensão);das provas não repetíveis (exemplo: comprovação da materialidade do delito que deixavestígios instáveis); e das provas antecipadas (exemplo: oitiva de testemunha gravementeenferma), ainda quando realizadas ou colhidas somente durante a fase investigatória.É claro que esses elementos de prova reunidos durante a investigação traduzirão maiorconfiabilidade se forem obtidos com a participação das partes, o que é de todorecomendável ao juiz assim determinar, sempre que for possível.

5. Prova e o descobrimento da verdade

Para o juiz formar o seu convencimento a respeito da veracidade ou falsi-dade da imputação apresentada pela acusação contra o réu, deverá obrigatoriamente se aterao contexto probatório produzido nos autos. E descobrir a verdade constitui atividadejurisdicional de significativa importância, eis que converge para a devida e integral apuraçãodo fato. Justiça e verdade andam de mãos dadas. Uma não pode existir sem a outra.

Verdade, do latim veritate, tem o sentido de exatidão, realidade, confor-midade com o real. A verdade, na sua definição mais comum, é a adequação ou conformida-de entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência, o entendimento, a razão, ouconhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na correspondência entre o intelecto e o ser(realidade) firma-se a adequação de idéias constitutivas do objeto (adaequatio intellectuset rei). São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Igreja, dizia que deve haverconformidade das coisas com a inteligência, ou seja, as coisas devem ser inteligíveis para quepossam ser declaradas verdadeiras. Em resumo, a verdade exige só a adequação (adaequatio)ao objeto formal considerado em cada caso.

Transportando esses ensinamentos filosóficos para o processo penal, intui-se que é por meio das provas que se dá a reconstrução da realidade histórica narrada noprocesso. Impõe-se que elas sejam claras, seguras, lícitas, éticas e aptas para o fim de trans-mitir ao julgador as informações necessárias e úteis à formulação de um raciocínio lógico,conclusivo e convincente sobre a adequação do conjunto probatório à realidade dos fatos.

6. Ônus da prova

Ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a obtenção de um interesse,que pode ser destinado à obtenção de uma vantagem ou para se evitar um prejuízo. Desse modo, o ônusda prova é a faculdade que se atribui às partes de produzirem as provas que darão consistência àsalegações, do que resulta a posição de vantagem ou a posição que impede a ocorrência de prejuízo.

No sistema do Código, o ônus da prova se estabelece em termos de que aprova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156, caput, primeira parte, com a redação dadapela Lei 11.690, de 09.06.2008). Como se vê, foi mantida intacta a primeira parte da redaçãodo dispositivo legal.

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Assim sendo, cabe ao autor da ação penal (Ministério Público ouquerelante) o exercício da atividade probatória principal. Incumbe-lhe demonstrar aexistência dos fatos constitutivos afirmados na pretensão deduzida em juízo, ou seja,deve provar a existência do ilícito penal e sua autoria, com todas as circunstâncias eelementares do tipo. É indispensável que isto se faça, já que o ônus da prova recai, commaior peso, sobre os ombros da acusação, em vista dos princípios da presunção dainocência do acusado (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) e do in dubio pro reo.

Dito de outro modo, a acusação deve apresentar as provas que dão sus-tentação às afirmações feitas na peça acusatória. Se não o fizer, assumirá as conseqüênciasnegativas do seu ato, isto é, o julgamento de improcedência da ação penal.

Olhando agora para a outra parte que figura no processo, lembre-se queainda vigora o entendimento sustentado por grande parte da doutrina e da jurisprudência, nosentido de se atribuir ao réu o ônus de provar a existência do fato impeditivo, modificativo ouextintivo da pretensão acusatória. Ou seja, se em favor do acusado for alegada uma dasexcludentes de antijuridicidade, a este incumbe provar em sua defesa a ocorrência da diri-mente (art. 23, do CP). O mesmo se diz quando milita em favor de determinado fato apresunção legal de existência ou veracidade, isto é, sendo a presunção relativa, inverte-se oônus da prova (como no caso do art. 224, do CP, em exemplo mencionado no item 2).

Não obstante, se a alegação feita pelo acusado suscitar dúvida razoávelna convicção do magistrado a respeito do fato constitutivo narrado na denúncia, o juiz decla-rará a absolvição por falta de provas suficientes para a condenação.

Mais uma observação merece ser feita em relação ao tema ônus da pro-va. É a de que deve ser admitida a incidência do princípio da comunhão de provas ou daaquisição da prova. Significa dizer, uma vez produzida a prova, o juiz poderá valorá-la, semlevar em conta a parte que a produziu, ou seja, a prova produzida por uma parte poderá servalorada em favor da outra. Dessa forma, ainda que uma das partes não se desincumbaadequadamente de seu ônus subjetivo, o julgamento poderá até não lhe ser desfavorável se aoutra parte acabou produzindo uma prova desfavorável ao seu próprio interesse e favorávelàquela que se omitiu em prová-lo.

7. Poderes instrutórios do juiz

Analisaremos agora a segunda parte do dispositivo em comento. Consi-dere-se que, em termos de produção de provas, a atividade não se esgota nos ônus querecaem sobre as partes. Para além deste ponto, a reforma do Código de Processo Penalpretende impulsionar, ainda mais, os poderes conferidos ao juiz.

Com efeito, faculta-se ao juiz, de ofício: I – ordenar, mesmo antes deiniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, nocurso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimirdúvida sobre ponto relevante (art. 156, caput, segunda parte, I e II, com a nova redaçãodada pela Lei 11.690, de 09.06.2008).

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Como se observa, no intuito de privilegiar o descobrimento da verdade,o legislador faculta a intervenção do magistrado na produção de provas, mesmo antesdo oferecimento da peça acusatória, desde que verifique a necessidade de se antecipara demonstração de provas consideradas urgentes e relevantes.

Para tanto, o dispositivo exige a satisfação de alguns requisitos, taiscomo a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida, os quais, na realidade,formam os elementos que integram o próprio princípio da proporcionalidade.

Certo é que a faculdade outorgada ao juiz pelo mencionado inciso Ido art. 156 revela uma inovação importante, que merece ser refletida cum granu salis,notadamente pelo julgador, antes de utilizá-la, para não substituir ou encampar as fun-ções da acusação e também para não arranhar a sua imparcialidade na presidência ejulgamento do processo.

Encontra-se aqui uma exceção ao sistema do processo de partes predo-minantemente implementado pela reforma legislativa, fato este que, além de não se coadunarcom o sistema acusatório vigente, vai seguir trajetória oposta àquela implementada pela ado-ção do novo método de inquirição de testemunhas pelas partes (ver item 15.5).

A questão delicada reside na possibilidade de o juiz ordenar, de ofício,mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas ur-gentes e relevantes. O termo “de ofício” nos parece impróprio e inadequado para esta fase,visto que, na prática, a intervenção do juiz, durante as investigações, dependerá invariavel-mente de representação da autoridade policial ou de provocação do Ministério Público.Noutras palavras, num processo de partes não cabe ao juiz determinar, por sua livre iniciati-va, atividade de natureza evidentemente inquisitorial, que na sistematização da persecuçãopenal são atribuídas à Polícia ou ao Ministério Público.

Quanto ao inciso II do citado artigo 156, repete-se o que já constava dasegunda parte da antiga redação do caput de tal dispositivo. Isto é, ficam mantidos os pode-res instrutórios do juiz que, de ofício, independentemente de provocação das partes, movidopela necessidade de descobrir a verdade, pode determinar, no curso da instrução, ou antesde proferir a sentença, portanto, durante o andamento da ação penal, a realização de diligên-cias para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

8. Momentos probatórios

Relativamente ao direito à prova, que é garantido às partes em obediênciaao princípio constitucional do devido processo legal, aponta-se quatro momentos em que selhe dedica especial atenção, assim divididos no curso da ação penal: propositura; admissão;produção e valoração.

O primeiro momento, de propositura da prova, corresponde ao direitoconferido às partes de requerer ao juiz a produção de provas sobre fatos pertinentes e rele-vantes para a confirmação de suas alegações. Para a acusação, o momento adequado deformulação da proposição se dá com o oferecimento da denúncia ou queixa (art. 396, caput,do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008, em vigor desde 22.08.2008).

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Quanto ao acusado, em se tratando de ação penal que siga o procedi-mento ordinário ou o sumário, é na resposta escrita da defesa à acusação, a ser apresentadano prazo de dez dias, que se poderá oferecer documentos e justificações, especificar asprovas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quan-do necessário, conforme dispõe o art. 396-A, caput, do CPP, com a redação dada pela L.11.719, de 20.06.2008. Aplica-se a mesma sistemática no caso de procedimento relativoaos processos da competência do Tribunal do Júri, porém com observância do § 3º do art.406, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.689, de 09.06.2008, que passou avigorar a partir de 09.08.2008.

Garante-se às partes o direito à admissão (segundo momento), isto é, aodeferimento judicial do requerimento de proposição das provas que sejam lícitas, pertinentese relevantes. É certo que o juiz poderá indeferir a propositura de produção de prova obtidapor meios ilícitos, ou aquelas que não forem relevantes ao descobrimento da verdade (inúteispara a solução do caso). A decisão sobre quais provas poderão ser produzidas em juízodeverá ser emitida pela autoridade judiciária, quando se tratar de procedimento ordinário ouo sumário, no ato em que designar a audiência de instrução (art. 399, caput, do CPP, com aredação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). Em se tratando de procedimento relativo aosprocessos da competência do Tribunal do Júri, igual providência deverá ser tomada pelojulgador, porém, em conformidade com o art. 410, do CPP, com a nova redação dada pelaL. 11.689, de 09.06.2008.

Admitida a produção da prova, segue-se o direito à sua produção (ter-ceiro momento). De acordo com o § 1º do art. 400, do CPP, com a redação dada pela L.11.719, de 20.06.2008, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juizindeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Lembre-se que pri-meiramente serão tomadas as declarações do ofendido, seguindo-se à inquirição das teste-munhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvada a necessidade deexpedição de carta precatória, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações eao reconhecimento de pessoas e coisas. O último ato corresponderá ao interrogatório doacusado (art. 400, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008).Segue-se a mesma seqüência de atos na audiência de instrução do processo do Júri, obser-vando-se o disposto no art. 411, caput, e § 2º, do CPP, com a nova redação dada pela L.11.689, de 09.06.2008.

Anote-se mais, que o Código admite que se colha a prova oral antecipa-damente, isto é, antes da realização da audiência de instrução, quando qualquer testemunhahouver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou velhice, inspirar receio de que ao tempo dainstrução criminal já não exista (art.225). Por outro lado, na audiência de instrução previstapara ser realizada na primeira fase do procedimento dos crimes da competência do Júri,independentemente da suspensão da audiência, a testemunha que comparecer será inquirida(art. 411, § 8º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008).

Configura-se o quarto momento da prova no processo por ocasião doato em que se procede a sua valoração. Toda prova produzida deve ser valorada pelo juiz.Isto significa que ao término da instrução, ou seja, após os debates orais em audiência,passando-se à fase decisória do processo, o julgador, ao fundamentar a sentença, devemanifestar-se sobre todas as provas produzidas, acolhendo aquelas que firmarão o seu con-vencimento em prejuízo das outras que serão desconsideradas. Ante à complexidade do

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caso ou do número de acusados, o juiz poderá autorizar a substituição dos debates porapresentação de memoriais da acusação e da defesa, seguindo-se então o prazo de dez diaspara proferir a sentença (art. 403, caput, e § 3º, do CPP, com a redação dada pela L.11.719, de 20.06.2008).

9. Princípio da identidade física do juiz

Insta destacar outra recente norma editada pelo legislador, que a um sótempo fortalece o princípio do devido processo legal bem como prestigia o reconhecimentode um processo penal pleno de garantias, na medida em que impõe ao juiz que presidir ainstrução o dever de proferir a sentença.

É a adoção do princípio da identidade física do juiz, que, em boa hora,passa a vigorar no processo penal (§ 2º do art. 399, do CPP, com a redação dada pela L.11.719, de 20.06.2008). E esta nova sistemática, a nosso ver, aplica-se extensivamente àprimeira fase do procedimento aplicável aos crimes da competência do Tribunal do Júri.

Aparentemente a norma não prevê exceções para a atenuação do princí-pio da identidade física do juiz, como prudentemente faz o Código de Processo Civil (art.132), ao admitir a passagem dos autos ao sucessor nas hipóteses de convocação, licenciamento,afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria do julgador que presidiu aaudiência. Certamente a rigidez ou a possível atenuação da norma processual penal, nosmoldes de uma interpretação analógica com o processo civil, será objeto de debates noâmbito da jurisprudência a ser firmada pelos tribunais.

10. Prova ilícita e prova ilícita por derivação

Em que pese a ampla liberdade que se dá na escolha do meio de prova aser utilizada no processo penal, o certo é que essa faculdade não corresponde a um “vale-tudo” desregrado. Dizendo de outro modo, em qualquer procedimento penal, a atividade dodescobrimento da verdade se submete às limitações previstas no ordenamento jurídico, eisque não se pode tentar descobri-la a qualquer custo ou ao arrepio das normas constitucionaise processuais que incorporam o devido processo legal.

De plano é preciso lembrar que a própria Lei Maior, ao disciplinar odireito processual constitucional, estabelece que são inadmissíveis as provas obtidas pormeios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).

Desde a edição da Carta Republicana de 1988, carecia o Código deProcesso Penal de uma norma complementar explícita e obediente à tal vedação constituci-onal. Sucede que essa omissão acaba de ser suprida pela reforma legislativa que estamoscomentando, pois, de modo expresso, declara-se que são inadmissíveis, e ao mesmo tempodetermina-se o desentranhamento do processo, das provas ilícitas, assim entendidas aquelasobtidas em violação às normas constitucionais ou legais (art. 157, caput, com a redaçãodada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).

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Como se vê, a expressão provas ilícitas é utilizada em seu sentido amplo,pois tanto se refere às provas obtidas em desconformidade com princípios e garantiasconstitucionais, quanto àquelas colhidas em desapreço às regras de procedimento quecompõem o devido processo legal, e também quando violam regras de direito material.

Dessa forma, são consideradas ilícitas as provas obtidas mediante ofensaà dignidade da pessoa, visto que contrárias aos dogmas constitucionais que sustentam oprocesso penal moderno. É impensável a aceitação de provas que se assemelhem às antigasordálias, ou aos “juízos de Deus”, bem como as provas imorais (exemplo: a reconstituiçãode um estupro). Nessa mesma linha de raciocínio, a prova oral colhida em juízo sem apresença do defensor, por óbvio fere os princípios da ampla defesa e do contraditório (art.5º, LV, da CF), e, mais do que nulas, devem ser desentranhadas do processo.

De modo abrangente, agora, também se considera ilícita a prova queviole norma processual (seria, então, a prova ilegítima), como no caso de depoimento teste-munhal colhido com o objetivo de suprir as exigências da lei civil para efeito de comprovaçãodo estado das pessoas (parágrafo único do art. 155, do CPP); ou quando se aceite a confissãoem substituição ao laudo de exame de corpo de delito – direto ou indireto – no caso deinfração que deixe vestígios (art. 158, do CPP). Nestes casos, a obtenção é, em si, lícita,porém, há evidente descumprimento das regras de procedimento penal.

Claramente ilícita é também a prova obtida mediante a prática deinfração penal, como no caso de tortura, crime punido com pena de reclusão, de 2 a 8anos (art. 1º da L. 9.455, de 07.04.1997).

Nos exemplos acima mencionados descaracteriza-se a validade dasprovas no processo penal, que neste plano recebem a “sanção” de inadmissibilidade emjuízo. Não podem ingressar no processo, e, quando ingressarem, dele deverão ser de-sentranhadas.

Nesse contexto insere-se, em complemento, a prova ilícita por derivação.Originária da conhecida teoria norte-americana denominada fruits of the

poisonous tree (teoria dos frutos da árvore envenenada), a prova ilícita por derivação é umaprova que, em si mesma, é lícita, mas que somente foi obtida por intermédio de informaçõesou elementos decorrentes de uma prova ilicitamente obtida.

Pela adoção dessa teoria, elas devem ser desprezadas, pois se en-contram “contaminadas” pelo vício de ilicitude do meio utilizado para obtê-las. Exemplo:com um mandado judicial de busca domiciliar apreende-se 200 kg. de cocaína – provaem si lícita -, mas a informação do local foi obtida pela Polícia mediante interceptaçãotelefônica não autorizada.

Acrescenta-se que a rigidez dessa teoria vinha sendo temperadapelo STF (a contaminação não atinge a prova colhida durante o processo penal, sea prova ilícita instruiu apenas o inquérito policial- 1ª T., HC 83921/RJ, Rel. Min.Eros Grau, DJ 27.82004, p. 70).

Por outro lado, festejados doutrinadores brasileiros atentaram para aslimitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dosfrutos da árvore envenenada, determinada pela própria Suprema Corte norte-americana epela doutrina internacional. Duas teses foram admitidas para excepcionar da vedação

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probatória as provas derivadas da ilícita: a primeira, denominada independent source (causaindependente), diz que excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita,quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e assecundárias como causa e efeito; e a segunda, denominada inevitable discovery (tese dainevitabilidade do descobrimento) quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qual-quer modo ser descobertas por outra maneira. Disto se extrai que se a prova ilícita não foiabsolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam defonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzias em juízo2.

Aproximando-se desse posicionamento doutrinário, o legisladorresolveu estabelecer que também são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando asderivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (§ 1º do art.157, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).

Assim, se a prova é derivada da ilícita, não produz efeitos válidos. Mas,se não há o nexo de causalidade entre umas e outras, não há falar de contaminação da provaderivada. Note-se: é a ausência completa da causalidade que obsta a contaminação.

Na tentativa de impedir o alongamento de discussões sobre o significadoda expressão “fonte independente”, o legislador a define como sendo aquela que por si só,seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seriacapaz de conduzir ao fato objeto da prova (§ 2º do art. 157, com a redação dada pela Lei11.690, de 9.6.2008). Entretanto, a nosso ver, a norma vai incrementar o debate entre aacusação e a defesa, e isto demandará a avaliação judicial, caso a caso, sobre as fontesgeradoras da prova derivada. Vale dizer, convencendo-se de que a prova derivada, por si só,independentemente da prova originariamente ilícita, pudesse levar à obtenção daquele fato, ojuiz estará autorizado a declarar a inexistência da contaminação3.

Reitera-se: para o caso de uma prova ilícita indevidamente ingressar noprocesso por apresentação de uma das partes, seu desentranhamento deverá ser determina-do pelo juiz. E, preclusa a decisão de seu desentranhamento, será a mesma inutilizada pordecisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente (§ 3º do art. 157, caput, com aredação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).

Com relação a este último dispositivo é preciso aludir ao recurso cabívelcontra a decisão de desentranhamento. É sabido que o Código de Processo Penal aindapadece de uma profunda reformulação no capítulo que trata dos recursos. Em determinadoscasos, pairam, ainda, muitas dúvidas sobre o cabimento de recurso em sentido estrito (ante acompreensão de ser taxativo o rol de decisões mencionadas no art. 581) ou de apelação.

Na tentativa de esclarecer essa dubiedade, Rômulo de Andrade Moreira4

vislumbra, no ato judicial determinante do desentranhamento da prova ilícita, a natureza

2 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Asnulidades no processo penal, 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 163.3 Nesse sentido, Marcos Zilli, op. cit.4 Op. cit..

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jurídica de decisão interlocutória com força de definitiva, pois a preclusão é fato processualpróprio de decisão que não enfrenta o mérito da ação, e, por isso, aponta o recurso deapelação (art. 593, II, do CPP). Pensamos, todavia, que a decisão de desentranhamentoou de não-desentranhamento, pode trazer prejuízos imediatos às partes, somente reparáveis,com urgência, mediante a impetração de habeas corpus, pela defesa, ou de mandado desegurança, pela acusação, quando não for caso de correição parcial.

Por derradeiro, e sem embargo dessas novas regras, nunca se deveolvidar que a proibição da prova ilícita, além de ser uma garantia individual contra oEstado, não é regra absoluta. Assim, por aplicação do chamado princípio daproporcionalidade, que na ponderação de interesses informa o interesse que devepreponderar, registre-se o entendimento doutrinário predominante no sentido de admitirprova dessa natureza favorável ao acusado (prova ilícita pro reo), ainda que colhidacom violação a direitos fundamentais de terceiros. Até mesmo quando produzida pelopróprio interessado (como a gravação de conversação telefônica em caso de extorsão,por exemplo), traduzirá hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

11. Especificação dos meios de provas

Nesta breve exposição vamos abrir espaço para aduzir algumas anota-ções atinentes aos meios de provas especialmente regulados pelo Código. A reforma proces-sual também apresenta algumas novidades neste campo, mas muitos dispositivos foram man-tidos intactos. Em vista disto, para facilitar as informações que ora se dá ao leitor, nos subitensabaixo, quando no texto houver referência a artigo do Código sem qualquer alusão à novaredação dada por lei, significa que o seu teor foi mantido.

11.1 Perícia: realização por um único perito qualificado

Perícia é o exame realizado por pessoa (perito) que detenha habilitaçãotécnica, capacitação ou experiência sobre determinada área de conhecimento, a fim de pres-tar esclarecimentos técnicos ou científicos ao julgador sobre fato que requer a explicaçãointeligível para auxiliá-lo no julgamento da ação. Logo, perito é um auxiliar da Justiça.

Salvo no caso de exame de corpo de delito, a realização da perícia sótem cabimento se for útil e pertinente ao deslinde do processo criminal, pois o juiz oua autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessáriaao esclarecimento da verdade (art. 184, do CPP).

Na reforma legislativa destaca-se a simplificação na obtenção da provapericial, adotando-se a sistemática antecipada pela Lei Antidrogas (L. 11.343/2006), quepara o caso de elaboração do laudo de constatação de entorpecentes, exigia a participaçãode um único perito. Agora, o exame de corpo de delito, bem como os exames periciais emgeral, realiza-se por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior.

Abandona-se o sistema anterior que exigia a participação de dois peritos,e, em vista disto, perde eficácia a orientação jurisprudencial contida na Súmula 361 do STF,

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a qual reza ser nulo o exame realizado por um só perito. Entendia-se, entretanto, que referidanulidade é relativa, incumbindo à parte a demonstração de prejuízo decorrente da ausência deoutro perito. Todavia, ante o teor do art. 159, caput, com a redação dada pela L. 11.690, de9.6.2008, sendo a norma de natureza processual, portanto aplicável desde logo a todos os proces-sos em andamento (art. 2º, do CPP), não há mais motivo para se questionar a legalidade de laudopericial elaborado por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior.

Convém lembrar que a nomeação de perito será feita a exclusivocritério do juiz, sem interferência das partes. Seu labor destina-se primordialmente aesclarecer, de forma técnico-opinativa, todas as eventuais dúvidas que recaiam sobre oobjeto da perícia de modo a responder quesitos formulados pelo juiz e pelas partes.

As impressões e o parecer técnico do perito, após minuciosa apreciaçãodos elementos que compõem o objeto da perícia, deverão ser consignados no documentodenominado laudo pericial. Este laudo geralmente se constitui de quatro partes, divididasnesta ordem: a) preâmbulo; b) descrição; c) conclusão; d) encerramento.

O valor probatório do laudo pericial não é absoluto. Diz o art. 182 doCPP, que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou emparte. Reafirma-se, então, que o sistema se submete à supremacia do princípio de persuasãoracional ou do livre convencimento motivado do julgador (ver item 4). Portanto, a decisão dojuiz não se vincula obrigatoriamente ao parecer conclusivo do perito. O mesmo acontece noTribunal do Júri, com a diferença de que, em relação ao veredicto dos jurados, não é neces-sária a motivação da decisão.

Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idône-as, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre asque tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (§1º do art. 159, coma redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Nenhuma novidade se verifica neste disposi-tivo, cujos termos conferem com a antiga redação constante do Código.

Manteve-se a redação do § 2º do art. 159, do CPP, impondo-se aosperitos não oficiais a obrigação de prestar o compromisso de bem e fielmente desempenharo encargo. Caso os peritos nomeados para o caso apresentem opiniões divergentes, serãoconsignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada umredigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro perito. Se esteúltimo divergir dos dois primeiros, poderá o juiz ou delegado de polícia mandar proceder anovo exame, que será realizado por outros peritos (art. 180 do CPP).

Ditou-se regra transitória que evitará incontáveis alegações de nulidade.Assegura-se, até a data de entrada em vigor da Lei, aos peritos que ingressaram nos quadrospúblicos sem exigência do diploma de curso superior, o direito de continuar a atuar exclusiva-mente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos (art.2º da L. 11.690, de 9.6.2008).

Novidade também se verifica na regra que amplia o número de sujeitosprocessuais legitimados a formular quesitos, faculdade esta que se concede ao MinistérioPúblico, assistente de acusação, ofendido, querelante e ao acusado, os quais poderão indicarassistente técnico. É o que se extrai do disposto no §3º do art. 159, com a redação dada pelaL. 11.690, de 9.6.2008, que dessa forma derroga o art. 176 do CPP (este atribui a for-mulação de quesitos à autoridade e às partes).

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A atuação do assistente técnico dar-se-á a partir de sua admissão pelo juize após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelo perito oficial, sendo as partesintimadas desta decisão (§ 4º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008).

Ainda quanto à perícia, inova-se com a implementação do sistema decontraditório diferido, pois, durante o curso do processo judicial, poderão as partes: I –requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos,desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejamencaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostasem laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceresem prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º, I e II, do art. 159, coma redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008).

Consequentemente, se o juiz deferir os respectivos requerimentos, pode-rão ser inquiridos, em juízo, os peritos e os assistentes técnicos, bem como poderá ser apre-sentado o laudo complementar no qual serão respondidos os quesitos, e ainda poderão serentregues os pareceres dos assistentes técnicos.

Nesse sentido, quando houver requerimento das partes, o materialprobatório que serviu de base à perícia permanecerá no ambiente do órgão oficial, que omanterá sempre sob sua guarda, e, na presença de perito oficial, será disponibilizado paraexame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º do art. 159, com aredação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Teve o legislador o cuidado de estabelecer aforma mediante a qual os assistentes indicados pelas partes terão acesso ao material objetoda perícia, a fim de que possam elaborar os seus pareceres técnicos5.

Na hipótese de se tratar de perícia complexa que abranja mais de umaárea de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um peritooficial, e a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (§ 7º do art. 159, com aredação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Em outras palavras, o juiz poderá nomear umperito e as partes indicar um assistente técnico para cada especialidade exigida.

Sendo necessária a realização de perícia em outra comarca, deverá serexpedida a carta precatória. Neste caso, a nomeação do perito far-se-á pelo juízo depreca-do. Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo entre as partes, essa nomeaçãopoderá ser feita pelo juiz deprecante. A carta precatória deverá conter os quesitos formula-dos pela autoridade deprecante e pelas partes (art. 177, caput, e parágrafo único, do CPP).

11.2 Exame de corpo de delito

Nem todas as infrações penais produzem vestígios materiais. Mas, quan-do a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ouindireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (art. 158, do CPP).

Corpo de delito é o conjunto dos vestígios que caracterizam aexistência do crime, ou seja, de elementos apreensíveis por meio dos sentidos, os quaisnão se restringem aos vestígios relativos ao corpo físico da vítima do delito.

5 CAMPIOTTO, Rosane Cima, op. cit.

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Distingue-se o exame de corpo de delito direto do indireto. Direto é oexame em que o perito examina os próprios vestígios materiais relativos à práticadelituosa investigada. Ele deve ser feito com a maior brevidade possível, a fim deevitar-se que os vestígios desapareçam. Por isso é que a lei autoriza a sua realização emqualquer dia e a qualquer hora (art. 161, do CPP).

Indireto é o corpo de delito que geralmente se constitui de depoimentosde testemunhas sobre a materialidade do fato criminoso. Daí a ressalva feita pelo própriolegislador quando afirma que não sendo possível o exame de corpo de delito, por haveremdesaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167, do CPP).Excetuando-se o que compreende nesta ressalva, nos demais casos, a falta de exame decorpo de delito nos crimes que deixam vestígios constituirá causa de nulidade absoluta, con-forme art. 564, II, b, do CPP.

Ademais, a não apresentação do exame de corpo de delito quando ocrime deixa vestígio, pode se tornar empecilho insuperável para a própria instauração daação penal, como no caso do procedimento aplicável aos crimes contra a propriedade imaterial,em que o legislador não autoriza o recebimento da queixa ou da denúncia senão quandoinstruída com o laudo pericial (art. 525, do CPP).

Contudo, no caso de infração penal de menor potencial ofensivo, não háeste rigor de apresentação prévia do laudo pericial, pois no procedimento sumaríssimo édispensável o exame de corpo de delito para o oferecimento da peça acusatória quando amaterialidade do ilícito penal estiver aferida por boletim médico ou por prova equivalente(art. 77, § 1º, da Lei 9.099/1995).

11.3 Exame necroscópio

Necropsia ou autópsia é o exame das partes internas de um cadáver,elaborado a fim de estabelecer a causa mortis e outros elementos pertinentes ao fato.

Diz a lei que ela será feita pelo menos 6 horas depois do óbito, salvo se operito, pela evidência dos sinais de morte, julgar que possa ser feita antes daquele prazo, oque declarará no auto. Esse exame cadavérico interno pode ser dispensado nos seguintescasos: a) em se tratando de morte violenta, não houver infração penal a apurar; b) quando osimples exame externo das lesões apresentadas pelo cadáver permitirem precisar a causa damorte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de circunstância rele-vante (art. 162, caput, e parágrafo único, do CPP).

Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem en-contrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixadosno local do crime (art. 164, do CPP).

De seu turno, exumação é o exame que se realiza do cadáver já enter-rado. Ele é feito quando não se realizou o exame de corpo de delito antes do enterro, ouquando tendo sido realizado, o laudo apresente dúvidas ou suspeita de ser incorreto (art. 163e parágrafo único do CPP).

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11.4 Exame de lesões corporais

Visa identificar a natureza e gravidade das lesões provocadas na vítima.As lesões podem ser permanentes (ex. lesão corporal de natureza gravíssima, que impliqueem perda ou inutilização de membro do ofendido, art. 129, § 2º, III, CP) ou deixar marcaspassageiras, que desaparecem com o tempo (ex.: lesão corporal de natureza leve, art. 129,caput, CP). Dessa forma, para a efetiva constatação de lesões recomenda-se a realizaçãodo exame pericial com brevidade.

Pode haver a realização de exame complementar de lesão corporalnos seguintes casos: a) se o primeiro exame tiver sido incompleto; b) para caracterizar aocorrência de lesão corporal de natureza grave (129, § 1º, CP), quando os ferimentosimpõem à vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (art.168, §§ 1º a 3º do CPP).

11.5 Exame de local do crime

De acordo com o art. 6º, I, do CPP, deverá a autoridade policial deslo-car-se ao local da infração, providenciando para que não se altere o estado e conservaçãodas coisas até a chegada dos peritos. Essa diligência visa preservar os elementos no local dodelito que possam servir de prova para a apuração futura do fato. A perícia será destinada aolevantamento do local, devendo o laudo ser instruído com fotografias, desenhos, esquemaselucidativos (art. 169, caput, e parágrafo único, do CPP).

11.6 Perícia de laboratório

Em se tratando de exames laboratoriais, deve-se conservar parte do ma-terial analisado para eventual perícia complementar ou para realização de contraprova. Sem-pre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas ou microfotográficas,desenhos ou esquemas (art. 170, do CPP).

11.7 Avaliação de coisas

Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo àsubtração da coisa, ou por meio de escalada, além de descrever os vestígios, o perito deveráindicar com que instrumentos, por que meios e em que época se presume ter sido o fatopraticado (art. 171, CPP).

Quando necessário, proceder-se-á a avaliação de coisas destruídas, dete-rioradas ou que constituam produto do crime. (ex.: furto qualificado, art. 155, § 4º, I, CP).Sendo impossível a avaliação direta, será admitida a avaliação elaborada por meio doselementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências (art. 172, e parágrafo único, CPP).

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No caso de incêndio a perícia se torna ainda mais complexa, poisdeve ser verificada a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiverresultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e asdemais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato (art. 173, CPP).

11.8 Exame grafotécnicoO exame grafotécnico também é conhecido por exame caligráfico ou

grafológico. No CPP ele é conhecido por “exame de reconhecimento de escritos por com-paração de letra”. Tem por finalidade a identificação do escritor ou subscritor de determina-do documento por método comparativo entre um escrito e outros escritos de autoria com-provada. O procedimento para a realização desse exame pericial vem traçado nos incisos Ia IV do art. 174, do CPP.

11.9 Instrumentos do crime

Também devem ser examinados os instrumentos empregados para aprática da infração penal, a fim de se lhes verificar a natureza (qualidades e característi-cas) e a eficiência (aptidão para produzir o resultado, bem como o estado em que seencontrava) – art. 175, do CPP.

12. Interrogatório do acusado

Incluiu-se o interrogatório no capítulo do Código que trata das provas emespécie, mas sua natureza jurídica é discutida por muitos autores. Para parte da doutrina, ointerrogatório é meio de prova, eis que fornece ao juiz elementos de convicção. Já outracorrente sustenta que o interrogatório constitui meio de defesa, pois nele o acusado expõe asua versão dos fatos, repudiando a acusação. Conciliando as duas anteriores, sustenta aterceira corrente de doutrinadores (à qual nos filiamos) que a natureza jurídica do interroga-tório é mista, ou seja, meio de defesa e também meio de prova. Além de expor as suasalegações, exercendo a sua defesa, suas afirmações e negativas também podem fornecerelementos que influirão no convencimento do julgador que busca descobrir a verdade.

Interrogatório é o ato processual conduzido pelo juiz no qual o acusado éindagado sobre os fatos que lhe são imputados na peça acusatória. Deve ser realizado napresença do seu defensor, constituído ou nomeado, com o qual tem o direito de entrevistar-se de forma reservada antes de iniciar-se o ato (art. 185, caput, e § 2º, CPP). Havendo maisde um acusado, serão interrogados separadamente (art. 191, CPP), porém na presença detodos os defensores constituídos.

Faculta-se ao acusado, o direito constitucionalmente garantido de per-manecer calado, em juízo ou fora dele (art. 5º, LXIII, da CF). Ao réu se defere a oportunidadepara exercer a autodefesa, porém, a ele também se oferece a opção de nada responder aoque lhe for perguntado, sendo que o seu silêncio não importará em confissão e nem poderáser interpretado em prejuízo de sua defesa (art. 186, parágrafo único, do CPP).

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Duas partes compõem o interrogatório: a primeira versará sobre apessoa do acusado (aspectos e condições pessoais e sociais de sua existência); a segundasobre os fatos narrados na denúncia (mérito da ação penal).

Trata-se de ato oral, personalíssimo e público. É da essência do inter-rogatório judicial a sua oralidade, salvo quando o acusado estiver impossibilitado defalar, hipótese em que responderá por escrito às indagações que lhe forem feitas.

A presença física do réu é indispensável (ato personalíssimo), não podeser substituída por interrogatório mediante procuração, somente admitindo-se a intervençãode terceiro no ato na condição de intérprete, conforme casos previstos no parágrafo único doart. 192, e art. 193, do CPP.

Salvo caso de decretação de segredo de justiça, o ato deve ser conduzi-do à vista de todos. Quando o acusado estiver preso, a regra ditada pelo legislador é a deque o ato seja feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desdeque estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicida-de do ato. Inexistindo a segurança, realiza-se o ato em juízo (art. 185, § 1º, do CPP).

Discute-se a validade do interrogatório realizado pelo sistema devideoconferência. Nosso entendimento é favorável à utilização dessa moderna tecnologia narealização do ato processual. Não de forma geral e indiscriminada, pois a regra que deveprevalecer é a de que o interrogatório se realize pela via presencial, com o comparecimentodo juiz ao presídio. Porém, em casos excepcionais, como nos processos de grande comple-xidade, que envolvam razoável número de co-réus presos em comarcas ou Estados distan-tes, bem como quando ao próprio acusado não interessar o seu deslocamento a juízo, e eledessa forma se manifestar, não vemos obstáculo ao devido processo legal para a realizaçãodo interrogatório por videoconferência. Na verdade, esta questão demanda uma análise maisaprofundada, que extrapola o espaço concedido para este artigo, motivo pelo qual, por ora,apenas se registra que ela faz parte dos atuais debates políticos, doutrinários e tambémdas decisões de tribunais, com posicionamentos favoráveis e contrários à adoção dosistema.6

Submete-se a realização do ato ao crivo do contraditório. Após proceder aointerrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando asperguntas correspondentes se as considerar pertinentes e relevantes (art. 188, do CPP).

6 A utilização do sistema de videoconferência em audiência criminal, no Estado de São Paulo, se submete aorigoroso comando e controle do juiz do processo em relação à comunicação, direcionamento do vídeo, áudio,TV e demais equipamentos que integram o sistema. Assegura-se o direito à ampla defesa, o contato reservadodo acusado com o seu defensor por linha telefônica e a visualização do réu de tudo o que se passa naaudiência. O detalhamento de todas as cautelas que cercam o uso de videoconferência está explicitado pelaCorregedoria Geral da Justiça no Anexo I do Provimento COGE 74/2007 (DOE Just., 15.01.2007, Caderno 1,Parte I, p. 216). Esta regulamentação do Judiciário se deve à existência da Lei do Estado de São Paulo n. 11.819/2005, que autorizou a criação de salas de videoconferência no Judiciário Paulista e em presídios. De forma maisabrangente tratamos deste e de outros assuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processopenal impulsionado pela tecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência daFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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Havendo fundados motivos, o juiz, de ofício, ou deferindorequerimento das partes, poderá a todo tempo proceder a novo interrogatório (196, doCPP). Quando presente ao processo, a realização do ato é obrigatória, sob pena de serdeclarada a nulidade absoluta, conforme dispõe o art. 564, III, e, do CPP.

13. Confissão

Conceitua-se a confissão como sendo o ato de reconhecimento, feito peloindiciado ou pelo acusado, da imputação que lhe é feita. Sua validade se submete ao preen-chimento de alguns requisitos: a) deve ser espontânea ou voluntária; b) expressa; c) pessoal.

Antigamente, sobretudo ao tempo em que vigorou o sistema da provalegal, a confissão era reconhecida como rainha das provas (regina probationum). Valiacomo prova plena da imputação e mais nada precisava ser provado. Hoje, o valor da confis-são deve ser aferido pelos critérios adotados para os outros elementos de prova. Na suaapreciação o juiz deve confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entreela e estas existe compatibilidade ou concordância (art. 197, CPP).

Quanto à forma, a confissão deve ser expressa ou explícita, oral ou escri-ta. O nosso sistema processual não admite a confissão tácita, implícita ou ficta baseada empresunção legal. Pode ser: judicial, geralmente feita durante o interrogatório (art. 190, doCPP); ou extrajudicial (escritura de declaração lavrada em tabelionato), sendo que nesteúltimo caso deve ser tomada por termo nos autos (art. 199, do CPP).

Quanto aos efeitos, pode ser simples ou qualificada. Simples, quando oconfitente apenas admite a imputação que lhe é feita. Qualificada, quando embora reconheça aacusação, o confitente apresenta circunstâncias que excluem ou atenuem sua responsabilidade.

14. Maior atenção ao ofendido

Ofendido é o sujeito passivo da infração penal, ou seja, a vítima. Tradici-onalmente sempre se reservou papel secundário à vítima. O Código, desde o princípio de suavigência (1942), a relegou ao esquecimento. A importância de sua participação no processopenal somente foi resgatada na década passada, quando, no procedimento sumaríssimo apli-cável às infrações penais de menor potencial ofensivo, se incluiu a possibilidade de reparaçãode danos civis em sede de transação penal, regrada pela Lei 9.099/1995. Todavia, é narecente reforma do CPP que se nota a preocupação do legislador em minimizar os efeitosdanosos da chamada vitimização contínua, implacavelmente imposta às vítimas em geral.

Inicialmente devemos afirmar que foi mantido o antigo texto do art.201, caput, do CPP, segundo o qual, sempre que possível, o ofendido será intimado,qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma sero seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

Note-se que a sua oitiva não é obrigatória, tanto que a sua falta nãoconstitui causa de nulidade. Todavia, se requerida e deferida a sua oitiva, o

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comparecimento se torna obrigatório, a ponto de, se deixar de comparecer sem motivojusto, ter a sua condução coercitiva determinada pela autoridade policial ou judicial (art.201, § 1º, do CPP – redação mantida em conformidade com o extinto parágrafo único).

Sabe-se que a vítima não presta depoimento sob o compromisso dedizer a verdade, como se impõe à testemunha. Isto se deve ao entendimento geral deque a vítima, como pessoa prejudicada imediata do ilícito penal, tem o suposto interessena condenação do réu. Mas, especialmente nos crimes de roubo e naqueles praticadoscontra a liberdade sexual, a jurisprudência de nossos tribunais tem atribuído elevadograu de valoração às declarações prestadas por vítimas, colocando-as no patamarreservado à categoria de provas seguras e eficazes.

A seguir relaciona-se as novidades recém introduzidas, principiandopela modificação incluída na designação dada o Capítulo V, que passa a ser destacadosob a rubrica “Do Ofendido” em substituição à anterior “Das Perguntas ao Ofendido”,tudo conforme inserido no Título VII “Da Prova”, do Livro I “Do Processo em Geral”,do Código de Processo Penal.

Passa o ofendido a ter o direito de ser cientificado dos atos processuaisrelativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência eà sentença, bem como de respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. Tais co-municações deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção doofendido, o uso de meio eletrônico (art. 201, §§ 2º e 3º, do CPP, com a nova redação dadapela Lei 11.690, de 9.06.2008).

Mutatis mutandis, vislumbramos aqui a exigência de prestação de contasque a Justiça Penal, em atenção ao princípio da transparência que incide sobre os poderes cons-tituídos da República, passa a fazer aos jurisdicionados, em especial às vítimas. Observa-se,assim, que os principais atos do processo serão comunicados ao ofendido, preferencialmente, anosso ver, e sempre que for possível, mediante a utilização da moderna tecnologia (Internet). Desorte que, além de tornar a atuação do Judiciário mais transparente e mais próxima de seusjurisdicionados, esse conjunto de medidas serve para dar ao ofendido a mínima atenção a respeitodo resultado do processo criminal em que figurou como vítima.

Mais a mais, pretende o legislador que o Judiciário aperfeiçoe o atendi-mento pessoal a ser dado ao ofendido, evitando que ele sofra o costumeiro constrangimentode permanecer aguardando a realização de audiência na mesma sala em que se encontra oacusado. Determina a nova lei que, antes do início da audiência e durante a sua realização,seja reservado espaço separado para o ofendido. E, se o juiz entender necessário, poderáencaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial,de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §§ 4º e 5º,do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008).

A primeira obrigação imposta – reservar espaço separado para o ofendi-do –, pensando em termos de integração nacional do Judiciário brasileiro, não nos pareceimpossível de ser imediatamente executada. Bastará promover as alterações necessárias naprópria infra-estrutura das Varas Criminais e dos Tribunais espalhados pelo País. E ao Mi-nistério Público cabe a fiscalização do cumprimento desta exigência legal.

Já, a segunda, aprova-se a intenção plenamente válida do legislador.Porém, devemos ser realistas e não tão otimistas em relação à sua pronta e rápida

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execução, pois todos nós sabemos que são enormes as deficiências e carências que existemnas áreas de atendimento assistencial e de saúde oferecidas ao povo brasileiro pelo poderpúblico. Por outro lado, na expressiva maioria das ações penais, o réu não tem recursosfinanceiros para assumir tais despesas. E mesmo em relação ao acusado abastado, a leinão esclarece como se lhe cobrará o custeio do tratamento psicossocial da vítima.

Finalmente, o juiz tomará as providências necessárias à preservaçãoda intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinaro segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantesdos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201,§ 6º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008).

Cuida-se de medida que visa proteger a vítima da rotineira exploraçãosensacionalista feita por determinados órgãos da mídia. Parece-nos de aplicação absoluta-mente adequada em processos nos quais figurem vítimas de crimes contra a liberdade sexual(estupro, atentado violento ao pudor e outros) ou naqueles em que sejam vítimas crianças eadolescentes.

Além disso, a medida pode amenizar o temor da vítima que eventualmen-te se sinta ameaçada de prestar declarações verdadeiras, e serve bem ao propósito de dissu-adi-la de eventual recusa em colaborar com a investigação ou com a instrução criminal. Decerto modo, renova-se aqui a preocupação explicitada pelo legislador na Lei 9.807/1999,que disciplina os meios de proteção às vítimas e testemunhas submetidas à coação ou graveameaça em razão da colaboração em investigação ou processo criminal.

15. Prova testemunhal

Conquanto seja uma das provas mais inseguras do processo penal, hajavista as inumeráveis reações pessoais do depoente que podem influir no depoimento (memó-ria, temor, compaixão, ódio etc.), o certo é que a prova testemunhal se faz presente nasações penais em geral.

O termo testemunha vem de testibus, do latim testemonium, que na lin-guagem jurídica tem o sentido de “pessoa que atesta a veracidade de um fato”. A testemunhanão é parte do processo e deste participa na condição de sujeito secundário.

15.1 Número de testemunhas

A quantidade de testemunhas tem seu número máximo fixado deacordo com o procedimento.

Quando se tratar de ação penal submetida ao procedimento comumordinário, cada qual das partes poderá arrolar até (8) oito testemunhas. Nesse númeronão se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas (art. 401, § 1º, doCPP, com a redação dada pela Lei 11.719, de 20.06.2008).

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Mesma quantidade de testemunhas é válida para o procedimentorelativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, na sua primeira fase (judiciumaccusationis), em que se dá a instrução preliminar. Já, para serem ouvidas em plenário,ou seja, para a segunda deste procedimento (judicium causae), cada qual das partespoderá arrolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 406, §§ 2º e 3º; e art. 422 do CPP, com anova redação dada pela L.11.689, de 9.6.2008).

Em se tratando de procedimento comum sumário, as partes poderão ar-rolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 532, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.719,de 20.06.2008). O mesmo número aplica-se para o procedimento da Lei Antidrogas (L.11.343/2006, art. 54,III e 55, § 1º).

15.2 Quem pode ser testemunha

Toda pessoa pode ser testemunha. Sendo intimada, a pessoa não podeeximir-se do dever de depor. Mas, se for possível obter ou integrar a prova do fato e de suascircunstâncias por outros meios, faculta-se a tomada de depoimento ou não a algumas pes-soas (ver arts. 202 e 206, CPP). Quando inquiridas, estas pessoas serão ouvidas na condi-ção de informantes.

Por outro lado, a própria lei veda o depoimento de pessoas que, emrazão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se desobrigadaspela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207, CPP).

15.3 Compromisso de dizer a verdade

Antecedendo a tomada de depoimento, a testemunha fará a promessa,sob palavra de honra, de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203,CPP). No entanto, serão dispensados de prestar compromisso os doentes e deficientes mentais,os menores de 14 anos, bem como o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, ocônjuge ou ex-cônjuge, do acusado (arts. 208 e 203, do CPP).

15.4 Contradita e acareação

Contraditar é impugnar a condição de testemunha válida arrolada pelaparte contrária, conforme previsto no art. 214, do CPP. Quando isso ocorre o juiz deveconsignar a argüição de contradita e a resposta da testemunha ao que contra ela tiver sidolevantado. Em regra, não se exclui a testemunha e nem se deixa de deferir-lhe compromisso,salvo se ocorrer uma das hipóteses previstas nos arts. 207 ou 208 do CPP.

Acareação é o ato mediante o qual se dá a confrontação, isto é, se colo-cam frente a frente (cara a cara) duas ou mais pessoas cujas declarações sobre fatos oucircunstâncias relevantes sejam conflitantes, a fim de que expliquem os pontos de divergência(ver arts. 229 e 230, do CPP).

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15.5 Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes

Abandonando o sistema presidencial (ou judicial), mediante o qual so-mente a autoridade pode se dirigir à testemunha, ficando às partes atribuído o direito de tão-somente requerer suas perguntas ao julgador, o legislador, também neste passo, promoverelevante modificação ao implementar o sistema de exame direto.

Experiência maior nesse sentido se colhe no direito anglo-saxão, em es-pecial no direito norte-americano, com a utilização da direct-examination (inquirição pelaparte que arrolou a testemunha) e da cross-examination (inquirição pela parte contrária).

Pela nova regra, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamenteà testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem introduzir a resposta, não tiveremrelação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Vale dizer, a inicia-tiva da inquirição cabe agora às partes e o juiz poderá, logo após, a seu critério, complemen-tar a inquirição sobre pontos não esclarecidos (art. 212, caput, e parágrafo único, do CPP,com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008).

Como se vê, a modificação legislativa torna o processo penal maisdemocrático e impõe às partes a responsabilidade pela efetiva produção de prova emjuízo (processo de partes).

O contraditório sai fortalecido na medida em que se passa a reclamarintensa participação e fiscalização do acusador e do defensor. A presença física de todosdurante a audiência é absolutamente indispensável. Mais do que isto, o acolhimento dasalegações formuladas de parte a parte ao juízo criminal fica nitidamente subordinado aoefetivo desempenho profissional da acusação e da defesa, seja no momento da produ-ção de provas, seja nos debates orais em audiência de instrução. E tudo isto sem inquinara autoridade do juiz garantidor da legalidade, sobretudo quando este tiver de intervirpara excluir indagações que possam induzir à resposta do depoente, ou que foremirrelevantes para o descobrimento da verdade e solução da causa, ou ainda quandoimportarem na repetição de outras já respondidas.

15.6 Características gerais do depoimento

Para ser considerada prova testemunhal é mister que o depoimento sejaprestado perante o juiz do processo, sem qualquer mediação (diz respeito à judicialidadedo depoimento). Se a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeadointérprete para traduzir as perguntas e respostas (art. 223, do CPP).

A testemunha tem o dever de comparecer a juízo para prestar de-poimento, sob pena de ser conduzida coercitivamente e de ser processada pelocrime de desobediência (arts. 218 e 219, do CPP). Esta regra geral comporta algumasexceções, a saber: a) pessoas impossibilitadas de comparecer por enfermidade oupor velhice, podem ser inquiridas onde estiverem (art. 220, do CPP); b) o Presidenteda República, os Governadores de Estados, membros do Legislativo e do Judiciário

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e outras autoridades relacionadas no art. 221, §§ 1º a 3º, podem prestar depoimentosem local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.

É da essência do depoimento a sua oralidade, mas não será vedada àtestemunha breve consulta a apontamentos (art. 204 e parágrafo único, do CPP). Em casosexcepcionais poderá o depoimento ser prestado por escrito. Admite-se este procedimentoquando as testemunhas forem o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como ospresidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal(art. 221, § 1º, do CPP); e ainda será prestado nas mesmas condições o depoimento desurdo-mudo e de mudo (art. 192, II e III, do CPP).

Convém, ainda, lembrar que a testemunha deve limitar-se a narrar os fa-tos de forma objetiva, não sendo permitida a manifestação de suas apreciações pessoais,salvo quando inseparáveis da narrativa do fato (art. 213, do CPP). E interessa que o depo-imento se refira aos fatos pretéritos, sem alusões ao que pode acontecer no futuro.

Determina o legislador que as testemunhas sejam inquiridas cada uma deper si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juizadverti-las das penas cominadas ao falso testemunho. Vai além, ao estabelecer, que antes doinício da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para agarantia da incomunicabilidade das testemunhas (art. 210 e parágrafo único, com a novaredação dada pela L.11.690, de 9.6.2008). Reitera-se que se espera pronta ação do Judi-ciário no sentido de promover as alterações necessárias na própria infra-estrutura das VarasCriminais e dos Tribunais espalhados pelo País.

15.7 Depoimento colhido por carta precatória

A oitiva de testemunha que resida fora da jurisdição do juízo será colhidapor carta precatória, nos termos do art. 222, §§ 1º e 2º, do CPP.

Na doutrina se indaga a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, daintimação das partes, acerca da data e horário em que se deve dar o comparecimento peran-te o juízo deprecado. De acordo com a orientação jurisprudencial prevista na Súmula 273,do STJ, “intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimaçãoda data da audiência no juízo deprecado”. Por outro lado, a Súmula 155 do STF, afirma serrelativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatóriapara inquirição de testemunha.

15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência

Em regra, o réu deve presenciar o depoimento da testemunha e doofendido. Trata-se de respeitar o direito de confrontação, que se confere ao acusado naprodução da prova oral (teoria do right of confrontation).

Todavia, não se trata de regra absoluta, tanto que o legislador assim aexcepciona: se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ousério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do

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depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessaforma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença doseu defensor. Adotando qualquer destas medidas, o juiz a fará constar do termo deaudiência, assim como os motivos que a determinaram (art. 217, caput, e parágrafoúnico, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008).

Dois pontos podem ser destacados a respeito dessa nova sistemática.O primeiro refere-se ao desaparecimento da exigência contida na antiga

redação do dispositivo, que impunha ao juiz verificar se a atitude do réu poderia influenciarno ânimo da testemunha, a ponto de prejudicar a verdade do depoimento, hipótese em quedeterminaria a retirada do réu da sala de audiência. Com a nova redação, simples atitudeinercial do réu não justifica a sua retirada da sala de audiência. Para tanto é preciso que secoloque em risco o descobrimento da verdade mediante a possibilidade de o acusado causarhumilhação (vexame, afronta, ultraje), temor (medo) ou sério constrangimento (coação). Deveráao juiz fundamentar sua decisão numa dessas hipóteses, com expressa referência aos moti-vos que a determinaram, sob pena de nulidade do ato.

Outro ponto a destacar consiste na autorização legal de utilização do sis-tema de videoconferência. É a inevitável penetração da tecnologia de informação, que aospoucos vai ingressando no procedimento penal, permitindo que determinados atos sejampraticados sem prejudicar as regras de garantia do devido processo legal.

Mesmo em se tratando, a nosso ver, de regra de procedimento e conside-rando que a lei federal se aplica a todo País, é necessário que uma nova legislação venhaestabelecer as exigências mínimas de operacionalização do sistema de videoconferência parao processo judicial. Em São Paulo, em algumas Varas Criminais da Justiça Estadual, já foramrealizadas audiências desse gênero, visando superar as dificuldades que se apresentam emcrimes graves e de apuração complexa, como no caso em que os ilícitos são praticados pororganizações criminosas cujos autores estão recolhidos em presídios localizados em diversaslocalidades do Estado ou em outras unidades da Federação.7

16. Reconhecimento de pessoas ou coisas

Reconhecimento é o ato mediante o qual uma pessoa verifica e identificaoutra pessoa ou coisa que lhe é apresentada. Para que o reconhecimento seja válido, deve-se observar o procedimento estabelecido nos artigos 226 a 228, do CPP.

Quando não é possível realizar o reconhecimento pessoal, admite-seo reconhecimento fotográfico. Departamentos tecnologicamente mais avançados da Polícia

7 Reitera-se aqui o que foi mencionado em nota de rodapé anexada ao item 12. Concordamos com autilização do sistema de videoconferência e de forma mais abrangente tratamos deste e de outrosassuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processo penal impulsionado pelatecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência da Faculdade deDireito da Universidade de São Paulo.

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vêm realizando o reconhecimento virtual, baseado em bancos de dados constantesde arquivos de computador.

É comum questionar-se o valor probatório do reconhecimento foto-gráfico ou virtual. Porém, cabe ao julgador fundamentar a decisão valendo-se dasomatória de outros elementos de prova.

17. Prova documental

Além das espécies de prova documental mencionadas na definição legal,que considera documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particula-res (art. 232, do CPP), a doutrina majoritária, prefere conceituar o documento de modo maisabrangente, considerando-o todo objeto material que condense em si a manifestação depensamento ou um fato, a ser reproduzido em juízo.

Adequando-se às novas tecnologias colocadas à disposição da socieda-de e da Justiça, é recomendável adotar-se conceito mais amplo, que abrange todo tipo dematerial visual, auditivo ou audiovisual, bem como as informações registradas em meios me-cânicos, ópticos e magnéticos de armazenamento.

Relativamente à classificação dos documentos, sua síntese se traduz daseguinte forma: a) quanto ao conteúdo, em escritos ou gráficos; b) quanto ao autor, empúblicos ou privados; c) quanto ao grau de referência ao fato probando, em diretos ou indi-retos; d) quanto à originalidade, em originais ou cópias. Outras especificações sobre a provadocumental podem ser analisadas com base no que dispõem os arts. 232 a 238, do CPP.

Quanto aos momentos de apresentação, salvo os casos expressos emlei, o documento poderá ser apresentado em qualquer fase do processo (regra geral doart. 231, do CPP).

Todavia, no julgamento em plenário do Júri, não será permitida a lei-tura de documento ou exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com aantecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreen-de-se nesta proibição a leitura de jornais ou qualquer outro documento escrito, assimcomo a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualqueroutro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida àapreciação e julgamento dos jurados (art. 479 e parágrafo único, do CPP, com a novaredação dada pela Lei 11.689, de 09.06.2008).

18. Busca e apreensão

A busca e apreensão não é propriamente um meio de prova, mas umamedida cautelar que visa à obtenção de elementos probatórios. A expressão encerra doissignificados distintos: busca é ato destinado a procurar e encontrar pessoa ou coisa; apreen-são é o ato pelo qual há apossamento e guarda da coisa ou de pessoa. Vem disciplinada noCódigo, em seus artigos 240 a 250.

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Pode ser determinada pelo juiz (art. 5º, XI, CF), de ofício, ou medianterepresentação da autoridade policial, ou ainda, a requerimento de qualquer das partes(art. 242, do CPP), nos seguintes momentos: a) antes da instauração do inquérito policial;b) no curso do inquérito; c) durante a instrução criminal; d) na fase de execução penal.

Existem duas modalidades de busca: domiciliar e pessoal.Para efeito de cumprimento da ordem de busca domiciliar, entende-se

que o termo domicílio abrange qualquer compartimento habitado ou aposento ocupado dehabitação coletiva, incluindo também todo compartimento não aberto ao público onde al-guém exercer profissão ou atividade (art. 246, c.c. o art. 150, § 4º, do CP). Entende-se que,em caso de prisão em flagrante efetuada no período noturno, se possa também efetuar abusca e apreensão de coisas.

Busca pessoal. Consiste na revista de pessoa, a fim de que se localizee apreenda objeto previsto na lei processual penal. Pode ser determinada também pelaautoridade policial.

19. Indícios

Indício, do latim indicium (rastro, sinal, vestígio), é o fato ou a série defatos pelos quais se pode chegar ao conhecimento de outros. Sua definição legal encontra-seno art. 239, do CPP. Geralmente se utiliza o termo no plural (indícios), precisamente por quese manifestam na pluralidade de vestígios ou rastros que integram as circunstâncias indiciárias.

A ação penal reclama a demonstração da existência de indícios graves,precisos e concordantes. A gravidade se refere à verossimilhança deles, em virtude de quese possa induzir a existência do outro fato. Precisos, por que o vago, ou indeterminado,indefinido ou tudo aquilo que se considere impreciso não pode ter força de indício. Concor-dante, pois se não se estabelecer uma relação de interdependência entre os indícios e o fatoa provar, não se pode tirar dele qualquer indução de que se somam.

Os indícios compõem o quadro de prova indireta ou circunstancial. Ovalor probatório da prova indiciária, mais que qualquer outra, resultará da análise conjuntados elementos de prova existentes. E, por configurarem meio de prova, o entendimentomajoritário da doutrina é o de que os indícios podem servir de fundamento para decisãojudicial condenatória ou absolutória.

20. Provas e sentença absolutória

Esta sucinta exposição desenvolvida a respeito da teoria da provanão pode ser concluída antes de mencionarmos as modificações parciais que foramintroduzidas na disciplina da sentença absolutória.

De acordo com o art. 386, caput, do CPP, o juiz absolverá o réu,mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça uma das seguintessituações explicitadas em seus incisos: I – estar provada a inexistência do fato; II – não

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haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – estarprovado que o réu não concorreu para a infração penal (incluído pela Lei 11.689, de09.06.2008); V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (estetexto constava anteriormente do inc. IV, sendo transferido para o inc. V pela Lei 11.689,de 09.06.2008); VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu depena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo sehouver fundada dúvida sobre sua existência (este texto corresponde parcialmente aoque constava do anterior inc. V, sendo agora modificado pela Lei 11.689, de 09.06.2008);VII – não existir prova suficiente para a condenação (este texto constava anteriormentedo inc. VI, sendo transferido para o inc. VII pela Lei 11.689, de 09.06.2008).

Digna de nota é a alteração que consiste em mais um fundamentolegal para a absolvição: “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”(inc. IV). Formando o juiz o seu convencimento na certeza de que o acusado nãoconcorreu para o crime, declarará a sentença absolutória, sendo que esta decisão impediráque se proponha contra o inocentado eventual ação de reparação de danos no juízocível (ver arts. 63 a 68, do CPP). Uma coisa é o juiz declarar que não existe prova daautoria; outra, bem distinta, é a sentença que declara estar provada a negativa de autoria.Nesta hipótese, o juiz criminal declara a quebra do nexo de causalidade8 entre o fatoalegado e o resultado danoso para a vítima, de modo que o ofendido não mais poderábuscar provar o nexo de causalidade no âmbito de ação civil indenizatória.

Cabe esclarecer que o inc. VI, na sua primeira parte, apenas corrige anumeração dos artigos do Código Penal, adequando-a em conformidade com a reforma daParte Geral, promulgada em 1984. Mas, é na sua parte final que se apresenta outro novofundamento legal para ser declarada a absolvição, isto é, quando “houver fundada dúvidasobre a existência” de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena. Porexemplo: se houver fundada dúvida de que o réu agiu em legítima defesa, a solução doprocesso deverá ser absolutória.

Ainda deve ser dito que o parágrafo único, do citado art. 386, estabeleceque, na sentença absolutória, o juiz: I- mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade; II –ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas (nova redaçãodada pela Lei 11.689, de 09.06.2008); III – aplicará medida de segurança, se cabível. Anovidade, como se vê, fica por conta do inc. II, que substitui a antiga determinação de cessa-ção das penas acessórias provisoriamente aplicadas, aliás já extintas pela reforma de 1984do Código Penal. Como exemplo de medida cautelar provisoriamente aplicada, podemosmencionar o seqüestro de bens do acusado.

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RODRIGO DE ABREU FUDOLIPromotor de Justiça do MPDFTMestre em Ciências Penais pela UFMG

LEI N. 11.690/08:REFORMA NOTRATAMENTODAS PROVAS

PROCESSUAISPENAIS

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Rodrigo de Abreu FudoliPromotor de Justiça do MPDFT e

mestre em Ciências Penais pela UFMG

I – Aspectos gerais. II – Formação do convencimento judicial. III – Provasilícitas. IV – Prova pericial. V – Oitiva do ofendido e das testemunhas –comunicações ao ofendido. VI – Videoconferência e retirada do réu da salade audiências. VII – Fundamentos para a absolvição do réu. VIII –Considerações finais.

I - Aspectos gerais

A Lei n. 11.690/08, publicada em 10.06.2008, resultou da conversão doprojeto de lei n. 4.205/01, um dos vários projetos apresentados pela intitulada “ComissãoAda Pellegrini Grinover” ao Ministério da Justiça, que por sua vez o encaminhou, comoproposição do Poder Executivo, ao Congresso Nacional.

A lei em questão altera dispositivos do Código de Processo Penal – CPPrelativos à prova, entrando em vigor em 60 dias após a publicação, ou seja, em 09.08.2008,conforme dispõe seu art. 3º.1

Destaquem-se os seguintes pontos: a preocupação do legislador com avítima do delito; a reformulação da prova pericial; a positivação de regras jurisprudenciaissobre prova ilícitas; a modificação do método de colheita da prova testemunhal, prestigiando-se o papel das partes; a primeira previsão em lei federal da videoconferência, para oitiva de

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LEI N. 11.690/08: REFORMA NO TRATAMENTO DAS PROVASPROCESSUAIS PENAIS

1 Segundo o art. 8º, § 1°, da Lei Complementar n. 95/98, “A contagem do prazo para entrada em vigor dasleis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do últimodia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” A lei n. 11.690/08 foisancionada em 09.06.2008 e publicada em 10.06.2008.

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testemunhas; e a lamentável manutenção de poderes inquisitivos por parte do juiz, no quetange à produção probatória.

A lei não resolverá o problema da morosidade do processo penal,pois os pontos de estrangulamento do sistema estão na fase do inquérito policial e naperpetuação do processo em instâncias superiores, temas que não foram objeto dasalterações legislativas ora em comento.

As normas em questão têm natureza exclusivamente processual penal,não versando sobre crimes e penas, e não se relacionando com o aumento ou a diminuiçãodo poder punitivo estatal. Por essa razão, é desnecessário seja feita distinção, por ocasião daanálise das novas normas, entre aquelas mais benéficas e aquelas mais gravosas ao indiciadoou réu para se saber sobre sua aplicação no tempo. É o caso, aqui, de sua aplicação imedi-ata, mesmo aos processos já em curso, nos termos do art. 2º do CPP (princípio do efeitoimediato da norma processual penal). Segue-se a regra de que a norma processual temaplicação para o futuro, respeitados os atos processuais já praticados.2 Por exemplo, sehouver designação de uma audiência em que serão inquiridas testemunhas para o dia em quea lei nova entrar em vigor, essa oitiva será feita conforme as novas regras (sistema de inquiri-ção direta e cruzada pelas partes) e não pelas regras antigas (sistema presidencialista), aindaque vários atos processuais já tenham sido consumados naquele feito. O mesmo se diga emrelação à suficiência de um perito, a partir da entrada em vigor da lei, para assinar os laudosque serão juntados aos autos, ainda que o objeto da perícia seja referente a fato delituosopraticado na vigência da lei antiga.

II - Formação do convencimento judicial

O antigo art. 157 do CPP (“O juiz formará sua convicção pela livreapreciação da prova”) passou a ser o art. 155, acrescido de novos comandos normativos.Segundo o novo texto, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da provaproduzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusiva-mente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provascautelares, não repetíveis e antecipadas”.

O primeiro acréscimo diz respeito à exigência de que o juiz se ampare naprova produzida “em contraditório judicial”, isto é, durante o processo, permitindo-se, noentanto, que essa prova seja complementada por aquela produzida no inquérito policial. Ouseja, a prova que embasará uma condenação não poderá ser “exclusivamente” aquelaproduzida no inquérito, mas deve ser alicerçada e corroborada por prova produzida emcontraditório. Trata-se de consagração legislativa dos entendimentos jurisprudenciais franca-mente predominantes,3 que buscam encontrar o equilíbrio entre os extremos da valoração

2 Nesse sentido, vide TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. SP: Saraiva, 2003,p. 109-115.3 Por todos, vide o RE 190.702 - rel. Min. Moreira Alves. j. 04.08.95 - 1ª Turma – STF, julgado este posteriorà Constituição da República de 1988.

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excessiva da prova produzida no inquérito, quando não há ainda contraditório, e da valoraçãoapenas da prova produzida em contraditório, com desprezo ao acervo reunido na fase deinvestigação. De fato, não há sentido em se negar valor probatório a um laudo de avaliaçãoeconômica, a uma interceptação telefônica ou a uma busca e apreensão na fase pré-proces-sual da persecução criminal, ou ainda a um testemunho produzido na fase pré-processualque, embora não repetido após o início do processo, reforce a prova obtida em juízo.

Se assim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido daexclusão física das peças produzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que nãose verifica, entre nós.4 Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atospraticados durante o inquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestritoque os advogados vêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com achancela dos Tribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem con-tra a manutenção das peças inquisitoriais nos autos do processo.

Como se vê, a nova lei deixa claro que a condenação não pode se darsomente com base na prova reunida na fase de investigação. Mas também ressaltou quea prova produzida na investigação e que seja de natureza pericial, ou irrepetível (é ocaso de produção antecipada de prova, especialmente testemunhal, quando houver ris-co de falecimento ou desaparecimento da pessoa a ser ouvida), ou produzidacautelarmente (em sede de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra desigilo bancário e fiscal, por exemplo) poderá perfeitamente ensejar uma condenação. Oselementos colhidos durante o inquérito apenas servirão para confirmar a prova produzi-da em Juízo, nunca podendo ser a base da condenação.

O antigo art. 155 passou a ser o parágrafo único do art. 155, sem altera-ção redacional: “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observa-das as restrições à prova estabelecidas na lei civil.” O legislador perdeu a oportunidadede extirpar esse resquício do sistema da prova legal (ou prova tarifada), ou seja, aquelesistema de apreciação de provas no qual determinados fatos somente poderiam ser prova-dos de determinadas formas, e que foi superado pelo livre convencimento motivado do juiz(art. 93, IX, da Constituição da República). De qualquer forma, a regra parece sem sentido,porque nem mesmo no Juízo cível há restrições absolutas quanto aos meios de prova. Porexemplo: um casamento (ato jurídico que altera o estado das pessoas envolvidas) se prova,a princípio, pela certidão de realização do ato (art. 1.543, “caput”, do Código Civil). Ocorreque, se o cartório pegar fogo e as pessoas que se casaram não dispuserem de cópia dacertidão de casamento, ou, na dicção da lei, “justificada a falta ou a perda do registrocivil”, o ato poderá ser provado de outras formas (art. 1.543, parágrafo único, do CódigoCivil). Então, se, no fim das contas, a prova pode ser feita de qualquer forma, é desnecessá-ria a previsão ora comentada.

A respeito do ônus da prova, o art. 156 passou a ser o inciso II do art.156, c/c “caput”, sem alterações significativas na redação: “Art. 156. A prova da alegaçãoincumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (...) II - determinar,no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para

4 A exclusão física dos elementos de investigação pré-processual (com exceção do corpo de delito e daprovas produzidas antecipadamente, em incidente próprio) existe, por exemplo, na Itália.

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dirimir dúvida sobre ponto relevante.” Aqui como em outros momentos, a legislação pro-cessual penal busca imitar princípios e regras próprios do Direito Processual Civil.

Ao invés de distribuir o ônus da prova de forma acima descrita (“a provada alegação incumbirá a quem a fizer”), poderia ter o legislador explicitado que, no processopenal, cabe ao autor (Ministério Público ou querelante) provar a materialidade do fato (suaocorrência); a sua autoria (quem o praticou ou concorreu para a sua prática); a sua tipicidade(correspondência a um tipo penal); a ilicitude da conduta do agente; a culpabilidade do agen-te; e ainda a punibilidade, e que, por outro lado, é ônus do réu desfazer a prova sobre ostópicos acima elencados, ou, ao menos, instalar dúvida significativa na mente do julgador arespeito da prova de tais elementos constitutivos da responsabilidade penal.

Assim se distribuiria o ônus probatório no processo penal de forma maisconsentânea com o princípio da presunção da não-culpabilidade. Aliás, independentementeda redação – antiga ou nova – do art. 156 do CPP, é assim que deve ser a distribuição doônus da prova, à luz da Constituição da República.

Fique claro que, com isso, não se quer afirmar que basta ao réu alegaruma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade para se desincumbir de seu ônusprobatório. Não. É muito comum o réu alegar em seu interrogatório que portou arma defogo, sem registro ou autorização para tanto, porque estava sendo atual e seriamenteameaçado de morte, formulando, assim, tese defensiva que envolve a discussão da legí-tima defesa ou da inexigibilidade de conduta diversa. Mas essa alegação, por si só, nãoé suficiente para desfazer a prova da ilicitude e da culpabilidade. Deverá a alegação seracompanhada de elementos que mostrem ser factível e provável a tese defensiva. Issoporque eventual atribuição ao Ministério Público do ônus da prova da inverdade daalegação do réu a respeito das exemplificadas ameaças constituiria “prova diabólica”(de impossível alcance). Só assim, com a implantação de dúvida relevante na mente dojulgador, é que se poderia dizer que o réu desconstituiu (ou enfraqueceu) a prova daacusação. O mesmo se diga em relação ao réu que apresenta álibi, afirmando que estavaem outra cidade por ocasião da prática do crime. Para afastar a prova da autoria, de-monstrada pelo Ministério Público com testemunhos e reconhecimentos pessoais a foto-gráficos, é preciso que o réu convença o juiz, de forma idônea, de que sua tese é plau-sível, fazendo nascer dúvida relevante a respeito da autoria no espírito do julgador.

Ainda sobre o art. 156 do CPP, continuará existindo o debate, já antigona doutrina, sobre se essa iniciativa probatória do juiz enfraquece ou não o sistema acusatório(que tem como seus pilares a separação nítida entre as funções de acusar e julgar e a atribui-ção da gestão da prova às partes).5

5 A respeito, veja-se a crítica de COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, ao juiz que está “afastado do‘contraditório’ e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão quetem (ou faz) do fato” (“O papel do novo juiz no processo penal”. Em: Crítica à teoria geral do direitoprocessual penal. RJ/SP: 2001, p. 26). A própria ADA PELLEGRINI GRINOVER, uma das autoras doprojeto que deu origem à lei em comento, entende que, durante a investigação, o Juiz tem apenas afunção de determinar providências cautelares, e que sua iniciativa probatória deve se restringir à faseprocessual, já com a demanda proposta, ou pelo menos, que o Juiz que tenha atuado na investigaçãoseja diferente do Juiz que conduzirá o processo (“A iniciativa instrutória do juiz no processo penalacusatório”. Em: A marcha do processo. RJ: Forense Universitária, 2000, p. 77-86).

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A novidade consiste na possibilidade de o juiz ordenar, também de ofício,“mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas considera-das urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidadeda medida” (art. 156, I, CPP). Essa produção antecipada de prova, mesmo antes do inícioda ação penal, tem que se dar em contraditório, na presença do juiz e de um defensor, emincidente próprio.

A previsão expressa da possibilidade de produção antecipada de provas,durante o inquérito, é boa medida (antes, só havia a previsão do art. 225 do CPP, nessesentido, referindo-se, então, o legislador, à instrução em Juízo). Ocorre que o juiz não deve-ria ser autorizado a fazê-lo de ofício, sem provocação do titular para o exercício da açãopenal, antes mesmo dessa ação penal ser exercida. Há aqui lesão ao princípio da inércia e dainiciativa das partes.

Chega a ser surreal pensar em uma oitiva de testemunha, em sede deprodução antecipada de provas, determinada de ofício pelo juiz, a respeito de fato que o juizsequer sabe se irá ser considerado criminoso pelo Ministério Público.

III - Provas ilícitas

Positivaram-se algumas normas sobre o tema das provas ilícitas. Até en-tão, apenas a Constituição da República (art. 5º, LVI) e o próprio CPP, mas em outro capí-tulo (art. 233, em que se veda a utilização em Juízo de cartas obtidas por meios criminosos)tratavam diretamente da prova ilícita.

A respeito, o art. 157 do CPP foi totalmente reformulado, passando aser composto do “caput” e de quatro parágrafos.

No “caput”, afirma-se a inadmissibilidade das provas ilícitas e a san-ção (conseqüência) da declaração de ilicitude, a saber, o desentranhamento de tais pe-ças dos autos do processo.

Definiu-se ainda o que sejam provas ilícitas: são aquelas obtidas com vio-lação a normas constitucionais ou legais. Ressalte-se que, doutrinariamente, as provas ilícitassão definidas como aquelas que afrontam normas de Direito Penal, ao passo que provasilegítimas são aquelas que afrontam normas de Direito Processual Penal.6 A distinção não foiprestigiada no conceito que o legislador acabou de construir. Trata-se de verdadeira inter-pretação autêntica, ou seja, aquela feita pelo legislador ao definir um conceito jurídico.

O legislador, numa demonstração de como a evolução da jurispru-dência pode influir na política legislativa, passou a regular, em seguida, situações especi-ais relacionadas com a prova ilícita.

Em primeiro lugar, tratou das chamadas provas ilícitas por derivação (fru-tos da árvore venenosa), que passam a ser, agora por determinação legislativa, também

6 Sobre tal diferenciação, vide, por todos, PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal. 3. ed.Impetus: Niterói, 2005, p. 810-811.

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ilícitas (art. 157, §1º, primeira parte, CPP). Nunca é demais lembrar que, desde o julgamentodo HC 69.912, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence (por seis votos a cinco - DJ 25.03.94),o STF passou a entender que a prova ilícita contamina, por derivação, a prova com base nelaobtida, ainda que de forma lícita. Em seguida, ressalvou-se que, quando não evidenciado onexo de causalidade entre as provas (lícitas) derivadas das provas ilícitas, aquelas sãoadmissíveis (art. 157, §1º, segunda parte, a “contrario sensu”, CPP). Prosseguindo, o legis-lador ressalvou que são admissíveis as provas (lícitas) derivadas das ilícitas quando puderemser obtidas por uma fonte independente das provas ilícitas (art. 157, §1º, parte final, CPP),prestigiando-se, aqui também, antiga posição do STF sobre o tema (HC 74.599 - Rel. Min.Ilmar Galvão - 1ª Turma. j. 03.12.96).7 Em mais um exemplo de interpretação autêntica, olegislador definiu o que seja “fonte independente”, a saber: é “aquela que por si só, seguin-do os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seriacapaz de conduzir ao fato objeto da prova” (art. 157, §2º, CPP).

Tanto a regra da exclusão das provas ilícitas e daquelas que dela derivam,quanto as limitações a essas exclusões são influência nítida da jurisprudência da SupremaCorte dos Estados Unidos da América.8

Previu-se o incidente de inutilização da prova declarada inadmissível, apósdesentranhamento dos autos por decisão judicial, podendo as partes acompanhar o referidoincidente (art. 157, §3º, CPP).9 Naturalmente, a destruição da prova só se pode dar após otrânsito em julgado (melhor dizendo, preclusão) da decisão que determinou o seudesentranhamento. Isso porque a prova pode ser ilícita na visão do juiz, mas é perfeitamente

7 No caso concreto, o STF admitiu que a interceptação telefônica – à época, considerada proibida, porfalta de regulamentação da Constituição da República a respeito, por meio de lei ordinária – não foi aprova exclusiva que desencadeou a persecução criminal, e que essa interceptação telefônica somentecorroborou as outras provas licitamente obtidas pela polícia.8 Com efeito, em um primeiro momento, naquele País, a jurisprudência firmou entendimento de que asprovas ilícitas devem ser excluídas do processo (são as “exclusionary rules”), assim como as provas deladerivadas (“fruits of the poisonous tree”). Posteriormente, no entanto, essa regra foi limitada em diver-sas situações, inclusive nas hipóteses agora previstas na lei processual penal brasileira, relacionadascom a obtenção de prova lícita por fonte independente da prova ilícita (é o caso da identificaçãodactiloscópica feita durante uma prisão ilegal, prova esta que foi anulada, mas depois obtida de formalícita, valendo-se os investigadores das planilhas dactiloscópicas existentes em órgão de identificaçãooficial do Governo – caso Bynum v. U.S, 1960) e com a falta ou atenuação de nexo de causalidade entrea prova ilícita e as provas posteriormente obtidas (é o caso dos policiais que entram em uma residênciasem justa causa e prendem ilegalmente certa pessoa, a qual, logo depois, acusou outra pessoa de lhe tervendido drogas; esta outra pessoa, também presa ilegalmente, acusa um terceiro indivíduo, o qualtambém é preso ilegalmente. Dias depois do terceiro indivíduo ter sido libertado, ele confessa voluntari-amente aos policiais seu envolvimento – caso Wong Sun v. U.S, 1963). Os exemplos são mencionadospor PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal. Niterói: Impetus, 2005, p. 812 e seguintes,aqui e ali. Ainda sobre o tema da prova ilícita e sua eventual admissibilidade, em hipóteses excepcionais,vide ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. RJ: Lumen Juris, 2007.9 Na redação original do projeto de lei, a prova considerada ilícita seria arquivada, sigilosamente, emcartório judicial, e não destruída.

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possível que o Ministério Público, o assistente ou o querelante questione a decisão perante osTribunais, obtendo entendimento de que a prova é lícita, podendo integrar os autos.

Aliás, quanto ao recurso cabível, pela sistemática imaginada pela reforma,seria o recurso de agravo (vide projeto de lei n. 4.206/2001, e especificamente a nova reda-ção que seria dada ao art. 581, VI, do CPP), sobre recursos criminais. Como esse projetode lei ainda não teve sua tramitação concluída, é possível que se conclua que o recursocabível seja o de apelação (art. 593, II, do CPP, por se tratar de decisão interlocutória comforça de definitiva); ou o recurso em sentido estrito (art. 581, XIII, por se tratar de decisãoque anula parcialmente a instrução).

Finalmente, previu o legislador, no art. 157, §4º, que o juiz que conhecero conteúdo da prova declarada inadmissível fica impedido de proferir a sentença ou acórdão.É que somente assim se preserva a imparcialidade do juiz que proferirá a sentença, evitando-se a sua contaminação psicológica com o material desentranhado dos autos por ele mesmo.Deveria, pois, pela vontade do Congresso Nacional, o juiz passar os autos a seu substitutolegal. Ocorre que o Presidente da República vetou o § 4º do art. 157, sob o argumento deque a nova regra acarretaria transtornos para o procedimento, e que seria inconveniente queum juiz que não conhecesse a prova passasse a conduzir o processo.10 Ora, o objetivo doafastamento do juiz que teve contato com a prova ilícita era justamente o de permitir que umoutro magistrado, isento de compromisso com a prova maculada, pois com ela não tevecontato, pudesse examinar a questão, sem comprometimento psicológico. É de se lamentar oveto, portanto.

IV - Prova pericial

Outro ponto da nova lei altera o regramento da prova pericial. Até então,exigia-se que dois peritos participassem do ato e assinassem o laudo pericial. Com a altera-ção na redação do art. 159, “caput”, basta agora que a perícia seja realizada por “peritooficial”. A expressão foi empregada no singular, ficando clara a intenção do legislador em secontentar, a partir de agora, com um perito. Assim, passa a ser a regra o que era exceção, asaber, a possibilidade de realização de exame por perito único, já prevista no art. 50, §1º, daLei n. 11.343/06 - Lei de Entorpecentes, quanto ao exame preliminar em substância entorpe-cente. Por sinal, é razoável entender que, com a nova regra, fica também dispensada a par-

10 Mensagem de veto n. 350, de 09.06.2008: “O objetivo primordial da reforma processual penalconsubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade aodesfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispo-sitivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamentoprocessual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substitu-ído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra emprimeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eisque mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria,poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.”

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ticipação do segundo perito por ocasião da confecção do laudo definitivo na substânciaapreendida (a perícia definitiva, de confirmação da natureza da substância, é prevista na Lein. 11.343/06, art. 50, §2º). Por outro lado, também no “caput” do art. 159 passou a serexigido que o perito seja portador de diploma de curso superior, o que não era exigidoanteriormente pelo Código (exigia-se apenas que os peritos fossem “oficiais”).

Antevendo a falta de peritos oficiais em muitas localidades do Brasil, anova lei repetiu, com outras palavras, mas sem alteração do sentido, a norma anterior do art.159, §1º, CPP, prevendo que, na falta de perito oficial, o exame será realizado por duaspessoas idôneas, portadoras de curso de diploma superior preferencialmente na área especí-fica do exame a ser realizado. Como se vê, se o perito não for oficial, volta a ser exigida aparticipação de duas pessoas para a realização da perícia, pessoas estas que devem tercurso superior. Trata-se de previsão razoável e lógica da lei. Entretanto, a expressão “prefe-rencialmente” poderia ter sido evitada, pois a norma não tem, aqui, força cogente alguma,mas carrega em seu interior apenas uma sugestão, a qual poderá ser acatada ou não. Man-tendo-se a regra anteriormente vigente, os peritos não oficiais deverão prestar compromissode bem e fielmente desempenhar o encargo (art. 159, §2º, CPP).

Novidade mesmo, a par da suficiência de um perito, caso seja ele oficial, ficapor conta da possibilidade, prevista no novo art. 159, §3º, do CPP, de indicação de assistentestécnicos, para acompanhar a perícia e formular quesitos, pelas partes necessárias (MinistérioPúblico - ou querelante - e acusado) e pela parte contingente (assistente da acusação - a nova leifala também em ofendido, razão pela qual, ainda que sem se constituir formalmente como assisten-te da acusação, o ofendido terá legitimidade para tanto). A lei não menciona a legitimidade doindiciado ou do suspeito (sem indiciamento), ou seja, não trata explicitamente da possibilidade deindicação de assistente técnico na fase do inquérito. Naturalmente, não há razão para se impedirque tais pessoas apontem assistente técnico, caso queiram, ainda na fase investigativa da persecuçãocriminal, embora não haja obrigatoriedade de notificação do investigado para tal. Aliás, o STF, emdecisões recentes, vem sinalizando que há necessidade de se garantir ao indiciado o direito deproduzir provas e de acompanhar certos atos durante o inquérito policial, e já teve a oportunidadede decidir que o investigado tem o direito de fazer juntar aos autos “laudo pericial” (na verdade,parecer do assistente técnico), em homenagem à amplitude de defesa (HC 92.599 - 2ª Turma -Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 07.11.07).

A lei é clara ao estabelecer que não há obrigatoriedade de indicação deassistente técnico por qualquer das partes, mas simples faculdade, ficando a critério dossujeitos processuais decidir se o indicarão ou não. Esse assistente técnico atuará somentedepois de ser admitido pelo juiz e após a conclusão dos exames e da elaboração do laudopelos “peritos oficiais” (a expressão foi aqui empregada no plural, parecendo que o legis-lador se esqueceu de que não é mais necessário que dois peritos oficiais atuem, bastando um,ficando a exigência de dois peritos para o caso em que eles não são oficiais).11 As partesserão intimadas da decisão de admissão do assistente técnico (art. 159, §4º, CPP). Aqui, é

11 Observe-se que, por falta de técnica legislativa, permaneceram inalterados diversos dispositivos doCPP contendo a expressão “peritos” (no plural), a saber, art. 6º, I e II; art. 105; art. 112; art. 150, “caput” e§§ 1º e 2º; art. 160, “caput” e parágrafo único; art. 162, “caput”; e art. 165.

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de se questionar: o juiz deveria ter o poder de admitir ou inadmitir o assistente técnico indica-do pela parte? Caso positivo, com qual fundamentação poderia se dar sua eventual inadmissão?Outra observação: diferentemente do que ocorre no Processo Civil, em que o assistentetécnico acompanha a realização da perícia, inclusive formulando quesitos que serão respon-didos no corpo do laudo, no Processo Penal essa intervenção somente ocorrerá após ajuntada aos autos do laudo pericial.

A nova lei faculta às partes requerer, com antecedência de 10 dias emrelação à audiência, a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para resposta aquesitos, e neste último caso o perito poderá apresentar resposta em laudo complementar.Poderão, igualmente, apresentar pareceres redigidos pelo assistente técnico, em prazo a serfixado pelo juiz, sendo que o assistente técnico poderá ser indicado para oitiva em audiência(art. 159, §5º, I e II, CPP).

Diante dessa permissão da lei, é razoável concluir que a indicação doassistente técnico ou peritos para inquirição em audiência poderá se dar ainda que ultrapas-sadas as fases da denúncia e da resposta à peça acusatória,12 quando, a rigor, é feito oarrolamento de pessoas que serão inquiridas em Juízo.

Previu-se também que, se houver requerimento das partes, o materialprobatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, quemanterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes,salvo se for impossível a sua conservação (art. 159, §6º, CPP). Trata-se de previsão redun-dante, eis que o art. 170 do Código já previa - e continua prevendo - que os peritos devemguardar material suficiente para e eventualidade de nova perícia. Talvez se tenha desejadodestacar que o material que serviu de base à perícia não sairá das dependências do órgãopericial, evitando-se eventual extravio de tal material.

Por fim, estabeleceu-se que, em caso de perícia complexa envolvendomais de uma área de conhecimento especializado, mais de um perito oficial poderá ser desig-nado, assim como a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (art. 159, §7º, CPP).

V -Oitiva do ofendido e das testemunhas - comunicações do ofendido

Quanto a isso, a nova lei produziu diversas alterações relevantes, algumasdas quais são destacadas a seguir.

De acordo com a nova redação do art. 212 do CPP, as partes (MinistérioPúblico ou querelante, como autores, e réu) formularão suas perguntas diretamente à teste-munha, mas o juiz não admitirá as perguntas que puderem induzir a resposta, que não tiverem

12 Destaque-se que, a partir de 22.08.2008, quando entrou em vigor a Lei n. 11.719/08, a audiência paraoitiva de testemunhas, ofendido, peritos e réu passou a ser única, desaparecendo a fase da defesa prévia(que tinha lugar após o interrogatório e antes da oitiva das testemunhas). Vide o novo art. 400 do Códigode Processo Penal.

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relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida (“caput”). Somente apósa inquirição feita pelas partes é que o juiz poderá complementar a inquirição (parágrafo único).

Pela redação original do Código, autor e réu ocupavam posição cômodae secundária nas audiências, somente realizando perguntas complementares quando - e se -um ou outro ponto não foi abordado pelo juiz em sua inquirição, que é a principal. O sistemade inquirição presidencial, pelo qual é vedado às partes se dirigirem pessoal e diretamente àstestemunhas, foi superado pela nova lei. Em seu lugar, adotou-se o sistema do “examination-in-chief” (inquirição direta ou principal, feita pela parte que arrolou a testemunha), seguindo-se a “cross examination” (feita pela parte contrária, em seguida).13 Após tomar o compromis-so (se o caso) das pessoas que serão ouvidas, o juiz deve passar a palavra às partes. Mem-bros do Ministério Público e advogados (do querelante, do assistente de acusação e do réu)deverão, daqui em diante, ter a consciência de que, como partes que são, têm o ônus deextrair das testemunhas as informações relevantes, inquirindo-as em primeiro lugar. Assim,devem se preparar para tal, estudando os autos com antecedência e, se possível, até partici-pando de cursos para que aprendam a formular perguntas de forma eficiente, já que, atéentão, o juiz se incumbia de fazer as perguntas mais importantes, e, não raro, esgotava ainquirição com seus questionamentos, levando as partes a um certo comodismo. A inovaçãolegislativa trata de prestigiar o papel das partes na aquisição da prova, permitindo-se maiorimediação entre as partes e as testemunhas e vítimas, o que é louvável.

O papel do juiz passa a ser aquele que lhe é conferido tipicamente: o depreservar as garantias fundamentais das partes, em especial garantindo que o contraditório eoutros princípios processuais sejam atendidos plenamente, proporcionando condições paraque as partes produzam a prova num ambiente que viabilize, no futuro, uma decisão justa.Daí seu poder de indeferir perguntas inúteis, impertinentes ou repetidas.

Para que não haja dúvidas de que a ordem das perguntas foi alterada,tenha-se em vista que:

a) a previsão das perguntas das partes está no “caput” do art. 212 doCPP, e a previsão de perguntas pelo juiz está somente no parágrafo único, devendo serlembrado que o parágrafo único é acessório em relação ao “caput”;

b) ao tratar das perguntas do juiz, o legislador empregou a expressão“poderá complementar a inquirição”. “Complementar” significa “tornar completo”, “concluir”,“rematar”, “preencher”, e só completa aquilo que se iniciou;

c) a intenção do legislador foi nitidamente a de fortalecer o sistemaacusatório, o que também foi a intenção do legislador constituinte, devendo-se ter em menteque permitir que as partes perguntem primeiro é mais compatível com o sistema acusatóriodo que a inquirição inicial pelo juiz;

d) não faria sentido que o procedimento fosse “perguntas do juiz – per-guntas das partes – complementação com perguntas do juiz”, como se se tratasse de umaespécie de “réplica” a ser exercida pelo juiz.

13 A respeito, vide RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norte-americano. SP: RT,2006, p. 190.

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Com isso, papel do juiz não fica amesquinhado: sua tarefa na audiênciacontinua sendo muito relevante, devendo ele garantir o contraditório e impedir perguntas queinduzam a testemunha. Por fim, embora a lei tenha se referido à ordem das perguntas na oitivadas testemunhas, não há razão para não se aplicar a nova regra também à oitiva do ofendido.

Lamenta-se, apenas, que, no procedimento do júri, alterado substancial-mente pela Lei n. 11.690/08, a ordem de formulação de perguntas tenha permanecido amesma, iniciando-se os questionamentos pelo juiz (art. 473 do CPP), o que talvez se expli-que pela necessidade de esclarecimentos aos jurados (leigos). No entanto, tudo indica quenão tenha sido proposital, mas apenas fruto de falta de técnica legislativa, a discrepânciaagora existente entre o procedimento de oitiva de testemunhas no júri e fora dele.

O procedimento de realização do interrogatório não foi objeto de altera-ção,14 e, assim, tal ato continuará sendo realizado da mesma forma, conduzido pelo juiz, queformulará as questões que entender relevantes, e, após, abrirá ao autor (Ministério Públicoou querelante) e ao réu a possibilidade de formulação de perguntas complementares.

Como se vê, o rito da oitiva do réu (interrogatório) e da inquirição detestemunhas, que hoje era semelhante, passará a ser diferente.

Atenção especial foi conferida pela nova lei ao ofendido (novo art. 201do CPP). Em primeiro lugar, estabeleceu-se que o ofendido será comunicado dos atos pro-cessuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data paraaudiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem, sendo ascomunicações feitas no endereço por ele indicado ou por meio eletrônico (art. 201, §§2º e3º, CPP). O objetivo é claro e legítimo: dar à vítima um pouco mais de respeito no ProcessoPenal. A publicização, por meio do processo, dos conflitos intersubjetivos de natureza penalretirou a vítima do papel de protagonista desse conflito. Com a substituição da vingançaprivada pelo processo, a vítima passou a ocupar posição meramente acessória no proces-so.15 Recentes inovações na legislação brasileira (como a transação penal e a suspensãocondicional do processo, previstas na Lei n. 9.099/95) buscam resgatar o papel da vítima noProcesso Penal. Nesse contexto, a comunicação, à vítima, do resultado e dos desdobramen-tos do processo é atitude de respeito do Estado perante aquela pessoa que já foi fragilizadacom a ofensa ao seu bem jurídico, e de quem o Estado subtraiu a administração do conflito(vitimização secundária).

Aqui, algumas dúvidas podem surgir. É possível que o indiciado, na fasepré-processual da persecução criminal, esteja preso temporariamente ou em flagrante, masseja solto, ainda antes da instauração do processo. Será necessária a intimação da vítimasobre essa soltura, interpretando-se extensivamente a expressão “acusado”? Se a razão jurí-

14 A não ser no procedimento do Tribunal do Júri, conforme a nova redação dada ao art. 474, § 1°, do CPPpela Lei n. 11.689/08, publicada na mesma datam, em vigor a partir de 09.08.2008: “O Ministério Público,o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas aoacusado.” Mas os jurados continuarão a fazer perguntas ao réu por intermédio do Juiz-presidente (novoart. 474, § 2°, CPP).15 Nesse sentido, vide GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fun-damentos teóricos. 2. ed. SP: RT, 1997, p. 65 e seguintes.

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dica é a mesma, a saber, prevenir a vítima da libertação do autor da ofensa ao seu bemjurídico, a resposta deve ser positiva. E se houver promoção de arquivamento jurídico dofato investigado no inquérito, pelo Ministério Público? Da mesma forma, a vítima deverá sercomunicada. E mais: mesmo se o acusado for solto no âmbito de um processo, pode ser queele permaneça preso por outro processo. A vítima do primeiro processo deverá ser intimadade tal ato? Aqui, pensamos que não há essa necessidade, pois o objetivo da lei foi o decientificar a vítima de que o acusado de praticar um delito contra si está em liberdade, poucoimportando se pelo processo instaurado para apurar esse delito específico ou não. Quanto àcomunicação das decisões, a lei se refere a sentenças e acórdãos que a confirmem ou amodifiquem, mas não parece razoável exigir que as decisões proferidas em sede de “habeascorpus” ou revisão criminal, ou mesmo em sede de execução penal, também tenham que sercomunicadas à vítima, mas apenas no processo de conhecimento para a apuração do delito.

O prazo para o ofendido recorrer, habilitando-se como assistente de acu-sação, passa a ser contado da data da intimação da sentença (art. 598, “caput”, do CPP), esomente se a vítima na puder por qualquer razão ser intimada da sentença é que se aplica oprazo especial de 15 dias do art. 598, parágrafo único, do CPP.

Todas essas comunicações podem ser implementadas mediante incorpora-ção de novas rotinas cartorárias, que se somarão às rotinas de comunicações atualmente existen-tes (ao Ministério Público, ao Instituto Nacional de Identificação, ao Sistema Nacional de Armas,ao Delegado de Polícia, aos Institutos da Polícia Técnica e outras instituições e órgãos).

Também em respeito ao ofendido, que, no Processo Penal, é titular dedireitos tal e qual o réu, instituíram-se outras medidas salutares.

É o caso da destinação de um espaço separado para o ofendido, antes doinício da audiência e durante a sua realização (art. 201, §4º, CPP). Quanto ao espaço que lhefor destinado durante a audiência, não haverá necessidade de alteração da estrutura físicadas varas criminais, pois o ofendido pode ter assento em qualquer lugar à mesa que fica emfrente ao juiz. No entanto, será necessário que o Poder Judiciário destine um local próprio,uma sala, no Fórum, para que as vítimas aguardem o momento de sua oitiva. Isso evitará assituações desagradáveis, constrangedoras e por vezes perigosas diante das quais se vêemcomumente as vítimas, que não raro chegam à sede do Juízo para prestar declarações e sedeparam com o réu - nos casos em que está solto - ou com familiares deste também aguar-dando a realização do ato processual do lado de fora da sala de audiências.

A criação desse espaço físico servirá também para que as testemunhas -e as vítimas, embora a lei não se refira a elas - permaneçam incomunicáveis umas em relaçãoàs outras (art. 210, parágrafo único, CPP), embora se saiba que, na prática, a audiência é (econtinuará sendo) freqüentemente desmembrada pela ausência de algumas delas, casos emque se designa nova data para continuidade da audiência. Nessa hipótese, ninguém podegarantir que as testemunhas não conversarão umas com as outras.

É o caso ainda da previsão de atendimento multidisciplinar para encami-nhamento do ofendido, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e desaúde, às expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §5º, CPP). Quanto ao atendimento acargo do Estado, ele já existe, ainda que timidamente, na prática, especialmente nos casosem que o crime deixou seqüelas psicológicas, cuidando o juiz ou o Ministério Público defazer o encaminhamento da vítima a entidades de assistência vinculadas ao Estado (como é o

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caso da Secretaria Psicossocial do TJDFT) ou não (como é o caso de entidades não gover-namentais que prestam assistência psicológica a vítimas de violência sexual). A novidade estáno fato de que o acusado pode ser o responsável pelo custeio de tal acompanhamento. Se oacusado se dispuser a fazê-lo por vontade própria, não haverá problemas, e inclusive suaatitude positiva pode ser sopesada por ocasião de eventual fixação de pena. No entanto, oque fazer quando o acusado se recusar a pagar por tais despesas, embora dispondo derecursos? Pode ser aventada a possibilidade de utilização da fiança eventualmente prestadapelo indiciado ou réu para essa destinação, ao lado daquela destinação tradicional (custasprocessuais, multa penal e indenização do dano causado pelo delito – art. 336, “caput”, doCPP). No entanto, havendo posterior absolvição, como devolver ao réu a fiança que foiutilizada para custear o tratamento psicológico da vítima? Por tudo isso, em caso de nãocooperação espontânea do réu, a não ser que surja solução criativa para o problema, o novodispositivo legal pode se tornar letra morta.

Além disso, o juiz adotará as providências necessárias à preservaçãoda intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo decretar o segredode justiça em relação aos dados, depoimento e outras informações constantes dos autosa seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201, §6º, CPP).Os abusos da imprensa foram o mote evidente para a inclusão de tal norma, eis que osmeios de comunicação social às vezes elegem as notícias que divulgam não pelo seuinteresse social, mas pela sua potencialidade de incremento de venda de jornais e deíndices de audiência televisiva, nem sempre se preocupando com a intimidade dos en-volvidos na relação processual penal, seja o réu, seja a vítima.

É certo que a publicidade é um princípio constitucional, mas sem dúvidatal princípio está sujeito a diversas exceções, constantes, tanto do texto da Constituição daRepública (art. 93, IX, parte final, e art. 5º, LX) quanto de leis infra-constitucionais (art. 20;atual art. 485 - antigo art. 481; art. 792, §1º, todos do CPP; art. 143, da Lei n. 8.069/90 -Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 3º, §3º, da Lei n. 9.034/95; art. 1º, parte final, daLei n. 9.296/96). Por tal razão, a nova lei nada tem de inconstitucional, pois foi guiada, nesteponto, pela “defesa da intimidade” e pelo “interesse social”, parâmetros de que se valeuexpressamente a Constituição para regular a limitação à publicidade.

Embora a lei não tenha trazido essa previsão de forma expressa, éevidente que o juiz poderá também determinar o segredo de justiça em relação a dadosque possam comprometer a segurança da vítima, determinando, por exemplo, seja ex-traída cópia de todas as peças das quais conste o endereço da vítima, colocando-se-asem envelope próprio guardado no Cartório, sendo que, na cópia que permanecerá nosautos, tais endereços serão riscados. Trata-se de medida extremamente convenientequando há notícia de intimidações feitas pelo réu ou sua família à vítima, ou quando o réué pessoa notoriamente perigosa. O fundamento para tal é o direito do cidadão (no caso,vítima) de exigir do Estado segurança e respeito à sua dignidade humana (Preâmbulo,art. 1º, III; art. 5º, “caput”; art. 6º, “caput”; e art. 144, “caput”, todos da Constituiçãoda República).

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VI - Videoconferência e retirada do réu da sala de audiências

Conferindo nova redação ao art. 217 do CPP, a nova lei previu que, porocasião da oitiva do ofendido ou da testemunha,”se o juiz verificar que a presença do réupoderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofen-dido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição porvideoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retiradado réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único.A adoção de qualquer das medidas previstas no ‘caput’ deste artigo deverá constar dotermo, assim como os motivos que a determinaram.”

Aqui, houve alterações substanciais em relação à redação original do art.217 do CPP.

A grande novidade fica por conta da possibilidade de oitiva de testemu-nhas por videoconferência, nas hipóteses ali elencadas.

Pela primeira vez na legislação federal, há a previsão da videoconferência.Evidentemente, surgirá aceso debate acerca da constitucionalidade dessa

previsão. Uma prévia do que está por vir pode ser percebida no julgamento do HC 88.914,em que a 2ª Turma do STF (relator Min. Cezar Peluso, j. 14.08.07) considerou nulo umprocesso penal que tramitou após o réu ser interrogado via videoconferência.

Há, porém, algumas diferenças entre o caso enfrentado pelo STF e asituação prevista na nova lei. Lá, tratava-se de interrogatório por videoconferência; aqui,previu-se apenas a inquirição de testemunhas e ou vítimas. Por isso, certos argumentoscontrários à videoconferência, do tipo “o réu que será interrogado via videoconferênciapode ser pressionado no presídio pelos agentes penitenciários confessar o crime”não têm validade para o caso da inquirição de testemunhas. De certo, esse argumentonão pode inquinar a inquirição de uma testemunha por videoconferência, eis que dificil-mente alguém poderá dizer que eventuais pressões feitas ao réu, por parte de quem querque seja, poderiam influir no teor do depoimento das vítimas e testemunhas. Outra dife-rença: no caso apreciado pelo STF, não havia lei regulamentando a prática davideoconferência. Agora há lei federal. E, no julgamento do “habeas corpus” acima men-cionado, o Min. Gilmar Mendes admitiu discutir melhor a questão, quando - e se - hou-vesse a edição de uma lei sobre o assunto. Finalmente, a questão ainda está em aberto.Com efeito, os Min. Cezar Peluso, Celso de Mello e Eros Grau registraram que, aindaque houvesse edição de lei sobre o tema, o emprego da videoconferência teria que serlimitado a casos excepcionais, implicitamente admitindo a possibilidade de tal meio derealização do ato processual. Finalmente, vários Ministros do STF (a saber, o Min.Joaquim Barbosa - integrante da 2ª Turma e que não participou daquele julgamento - etodos os membros da 1ª Turma) ainda não se manifestaram sobre o tema.

Pela redação do novo dispositivo, imagina-se que o réu permanecerá nasala de audiências, ao passo que a vítima passará a ser inquirida em sala separada, onde seráinstalado o equipamento de videoconferência, o que, em parte, resolverá o problema dasegurança da vítima e da testemunha. É interessante que o juiz cuide para que o réu nãovisualize a imagem da vítima ou testemunha prestando declarações ou depoimento no sistema

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de videoconferência, para evitar que ele, percebendo que foi reconhecido ou que foi delata-do por tais sujeitos processuais, não tente guardar suas feições para futura e eventual vingan-ça. Infelizmente há casos em que essa cautela de desconfiança em relação ao réu é necessá-ria. Seu direito de presença em audiência não envolve necessariamente o direito de ver avítima ou a testemunha.

Estipula a nova lei: verificando a inconveniência da presença do réu emaudiência, e não sendo possível no caso concreto a videoconferência, o juiz deverá fazerretirar o réu da sala.

Quanto a isso, há algumas diferenças em relação à redação original do CPP.Em primeiro lugar, na redação original, a retirada do réu da sala de audiências

tinha que se fundar na “atitude do réu”,16 que pudesse “influir no ânimo da testemunha”, demodo a prejudicar a verdade do depoimento. Na vigência da redação original do CPP, a jurispru-dência abrandou em grande medida essa exigência, passando a considerar que, para a retirada doréu da sala, bastava o “temor por parte de testemunhas ou vítimas” (STJ - HC 62.393, rel.Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 04.10.07 – 6ª Turma). O STF, por diversas vezes, adotouo mesmo entendimento (vide HC 67.711 - rel. Min. Ricardo Lewandowski - j. 04.03.06 - 1ª.Turma - no julgamento, decidiu-se que é legítima a retirada do réu da sala de audiência porsolicitação da vítima, com consignação do fato no termo de audiência; HC 68.819 - rel. Min.Celso de Mello - j. 05.11.91 - 1ª Turma - neste caso, as vítimas e testemunhas, caixas bancáriose agentes de segurança da instituição bancária vítima de roubo pediram ao Juízo a retirada do réuda sala de audiências, sendo atendidos).

Esse abrandamento é legítimo, porque os auxiliares da Justiça (vítima e teste-munhas) também merecem, ao lado do réu, a proteção do Direito Penal e do Direito ProcessualPenal, registrando-se não ser razoável que se exija de tais pessoas, que muitas vezes ficaram sobo jugo de uma arma de fogo empregada pelo réu, a prática de atos de heroísmo, sendo obrigadasa ficar frente e frente com esse réu sem qualquer anteparo a lhes proteger.

É certo que o direito de presença do réu às audiências criminais lhe é assegu-rado pela Constituição da República (art. 5º, LII, que trata do devido processo legal, o qualabarca a ampla defesa e o contraditório, sendo que, por sua vez, a ampla defesa engloba o direitode presença, o direito a um advogado e o direito à auto-defesa) e pela Convenção Interamericanade Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, art. 8º, I).

Não menos certo é, contudo, que nenhum direito é absoluto. Prova maiordessa afirmação é a possibilidade de absolvição de uma pessoa que tenha matado outrem,ofendendo o bem jurídico-penal mais valioso, que é a vida, desde que tenha atuado emestrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa, só para citar duas formas de exclu-são da ilicitude.Da mesma forma, o direito de presença física do réu dentro da sala de audi-ências, durante a oitiva de testemunhas ou vítimas, não é absoluto. Evidentemente, seu advo-gado terá que estar presente em todas as oportunidades. Mas a presença do réu, propria-mente dita, pode lhe ser vedada quando o interesse público o exigir.

16 Quer durante a prática do fato criminoso (dominando a vítima com violência ou grave ameaça, porexemplo), quer após o fato criminoso, mas antes da audiência (intimidando a vítima ou a testemunha),quer durante a audiência (olhando de forma fixa e ameaçadora para a pessoa que será ouvida).

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A razão jurídica dessa norma é evidente: evitar que o réu influencie odepoimento da testemunha ou as declarações da vítima, o que se tornaria um obstáculo àprodução probatória eficiente por parte da acusação e da defesa.

Não se deve esquecer que o direito ao contraditório assiste não só aoréu, mas também ao autor, seja ele o Ministério Público - representando a sociedade -,seja ele o querelante.

Analisando-se o texto da lei, verifica-se que são os seguintes requisitospara a retirada do réu da sala de audiências:

a) que seja verificado, pelo juiz (de ofício ou por provocação de quemquer que seja), que a presença do réu na sala de audiências pode causar humilhação, terrorou sério constrangimento à testemunha ou vítima;

b) que, em decorrência disso, possa haver influência prejudicial à obten-ção da verdade do depoimento;

c) que o juiz registre na ata de audiência o ocorrido e os motivos quedeterminaram a retirada do réu da sala de audiências (a importância de tal registro resideem se proporcionar ao Tribunal, em caso de recurso, a possibilidade de sopesar arazoabilidade da medida);

d) que, em todo caso, o advogado do réu permaneça na sala de audiên-cias, somente assim podendo o defensor velar pelos interesses jurídicos do réu, o que decor-re naturalmente da necessidade de obediência ao contraditório e à ampla defesa; e

e) que seja inviável a realização de videoconferência.Jamais se reconheceu eventual inconstitucionalidade - ou não-recepção

pela ordem jurídico-constitucional inaugurada em 1988 - do art. 217 do CPP, em sua reda-ção original, porque a razão jurídica que o sustentava era forte, e a mesma postura deve serassumida pela jurisprudência em relação ao art. 217, com sua nova redação.Parte-se aqui dopressuposto de que se deve extrair da norma interpretação a mais ampla o possível, de formaque sua razão jurídica seja atendida, ou seja, de forma a criar condições para o livre depoi-mento da pessoa que será ouvida.

VII - Fundamentos para a absolvição do réu

O novo tratamento das provas ensejou ligeiras modificações no art. 386do CPP, que trata dos fundamentos possíveis para a absolvição penal. Basicamente, criou-semais um fundamento (previsto no novo inciso IV), a saber, a absolvição por “estar provadoque o réu não concorreu para a infração penal”. A redação original do CPP era lacunosaa esse respeito, não se contemplando, ali, um fundamento próprio para essa situação. O juiz,verificando que havia certeza de que o réu não havia concorrido para a infração penal, tinhaque se contentar em absolvê-lo “por insuficiência de provas” (antigo inciso VI do art. 386do CPP). A repercussão na esfera cível é diferente, caso fique provado que o réu não con-correu para a infração penal, em relação à situação em que o réu foi absolvido por falta deprovas. É que, no primeiro caso, a absolvição faz coisa julgada na seara cível, e, no segundo

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caso, não. Portanto, a mudança foi significativa. Com isso, renumeraram-se alguns incisos doart. 386, CPP, ora com alteração de redação, ora não.

De fato, renumerou-se o inciso IV (que passou a ser o inciso V, o qualtrata da absolvição por “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração pe-nal”, sem qualquer alteração de redação).

Renumerou-se ainda o inciso V (que passou a ser o inciso VI, o qual tratada absolvição por “existir circunstâncias que exclua o crime ou isente o réu de pena, oumesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”, destacando-se a alteração naredação quanto à menção dessas circunstâncias, agora feita a dispositivos da Parte Geral de1984 do Código Penal, a saber, arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, §1º, do CP). Passou a ficarexpresso que a absolvição poderá se dar também quando, embora não esteja provada acircunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, haja “fundada dúvida sobre suaexistência”. Ou seja, privilegia-se o entendimento, acertado, de que ao réu basta plantardúvida razoável (mas não qualquer dúvida) no espírito do julgador, para que obtenha a ab-solvição, recaindo o ônus probatório (da autoria, materialidade, tipicidade, ilicitude, culpabi-lidade e punibilidade) sobre os ombros da acusação. Até então, ao absolver o réu por estarem dúvida relevante sobre se ele agiu ou não em legítima defesa, o juiz tinha que se valer doart. 386, VI (agora VIII), ou seja, o fundamento da absolvição era a insuficiência de provaspara a condenação.

Finalmente, o inciso VI passou a ser o inciso VII: o juiz absolverá o réuquando “não existir prova suficiente para a condenação.”

No inciso II do parágrafo único do art. 386, CPP, onde estava escrito queo juiz “ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas”, agora sevê escrito que ele “ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente apli-cadas”, isso porque, desde a edição da Nova Parte Geral de Código Penal, em 1984, nãoexistem mais penas acessórias (que eram a perda da função pública, a publicação da senten-ça e a interdição de direitos - hoje, tratam-se de efeitos da sentença penal condenatória).

VIII - Considerações finais

Essas foram observações iniciais sobre o novo tratamento da prova penaltrazido pela Lei n. 11.690/08. Uma análise mais aprofundada, especialmente à luz da aplica-ção prática de seus dispositivos e a sua recepção pela jurisprudência, poderá indicar se oavanço foi significativo.

É bom lembrar que a lei é resultado de um dos vários projetos de leiapresentados em 2001 pelo Poder Executivo e que se propuseram, em seu conjunto, áreformulação do CPP. Ressalte-se que, na mesma data em que o projeto de lei n. 4.205/01se converteu na Lei n. 11.690/08, ora comentada, o projeto de lei n. 4.203/01 se transfor-mou na Lei n. 11.689/08, alterando significativamente o procedimento de apuração dos cri-mes dolosos contra a vida (Tribunal do Júri). Dias depois, o projeto de lei n. 4.207/01, quetrata da “emendatio libelli”, da “mutatio libelli”, da suspensão do processo e de outros temasfoi definitivamente aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da Re-pública e publicado (em 23.06.2008, com “vacatio legis” de 60 dias, tendo entrado em vigor

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em 22.08.08), o mesmo não tendo ocorrido ainda com os outros projetos, que tratam dosrecursos, da investigação criminal, das medidas cautelares, do interrogatório e de outrosimportantes temas processuais penais.

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LEI Nº 11.719, DE 20 DE JUNHO DE 2008.

Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 -Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatiolibelli e aos procedimentos.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o CongressoNacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405,531 a 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal,passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se o art. 396-A:

“Art. 63. ...................................................................... Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a exe-

cução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”(NR)

“Art. 257. Ao Ministério Público cabe: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida

neste Código; e II - fiscalizar a execução da lei.” (NR) “Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo

imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem)salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

§ 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensornão puder comparecer.

§ 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audi-ência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, deven-do nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (NR)

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“Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficialde justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecidanos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusadonão comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.” (NR)

“Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizadaa citação do acusado.

I - (revogado); II - (revogado). § 1o Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por

edital. § 2o (VETADO) § 3o (VETADO) § 4o Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o

processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” (NR) “Art. 366. (VETADO) § 1o (Revogado). § 2o (Revogado).” (NR) “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia

ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenhade aplicar pena mais grave.

§ 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibili-dade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com odisposto na lei.

§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serãoencaminhados os autos.” (NR)

“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível novadefinição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento oucircunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar adenúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado oprocesso em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oral-mente.

§ 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, apli-ca-se o art. 28 deste Código.

§ 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admiti-do o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora paracontinuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado,realização de debates e julgamento.

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§ 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caputdeste artigo.

§ 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) teste-munhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos doaditamento.

§ 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” (NR) “Art. 387. ................................................................................................................................................................................ II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva

ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 doDecreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infra-

ção, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;........................................................................................................ Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manuten-

ção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, semprejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” (NR)

“Art. 394. O procedimento será comum ou especial. § 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada

for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada

seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo,

na forma da lei. § 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo dis-

posições em contrário deste Código ou de lei especial. § 3o Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento

observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. § 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a

todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. § 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e

sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” (NR) “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta;

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II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da açãopenal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Parágrafo único. (Revogado).” (NR) “Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia

ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusadopara responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesacomeçará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituí-do.” (NR)

“Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegartudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provaspretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando ne-cessário.

§ 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a112 deste Código.

§ 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado,não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dosautos por 10 (dez) dias.”

“Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágra-fos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agen-

te, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.” (NR) “Art. 398. (Revogado).” (NR) “Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora

para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Públicoe, se for o caso, do querelante e do assistente.

§ 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogató-rio, devendo o poder público providenciar sua apresentação.

§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (NR) “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no

prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, àinquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado odisposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acarea-ções e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

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§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juizindeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

§ 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimentodas partes.” (NR)

“Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhasarroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa.

§ 1o Nesse número não se compreendem as que não prestem compro-misso e as referidas.

§ 2o A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhasarroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (NR)

“Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Pú-blico, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cujanecessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (NR)

“Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferi-do, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pelaacusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.

§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa decada um será individual.

§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse,serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifes-tação da defesa.

§ 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número deacusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentaçãode memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.” (NR)

“Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício oua requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.

Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as par-tes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial,e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.” (NR)

“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro pró-prio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nelaocorridos.

§ 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética,estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidadedas informações.

§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado àspartes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.” (NR)

“Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada noprazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se

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possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem,ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos,às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, oacusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.” (NR)

“Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemu-nhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.” (NR)

“Art. 533. Aplica-se ao procedimento sumário o disposto nos parágra-fos do art. 400 deste Código.

§ 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o (Revogado).” (NR) “Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra,

respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis pormais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.

§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa decada um será individual.

§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste,serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifes-tação da defesa.” (NR)

“Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a pro-va faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.

§ 1o (Revogado). § 2o (Revogado).” (NR) “Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independente-

mente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art.531 deste Código.” (NR)

“Art. 537. (Revogado).” (NR) “Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o

juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção deoutro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.

§ 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o (Revogado).” (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua

publicação.

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Art. 3o Ficam revogados os arts. 43, 398, 498, 499, 500, 501, 502,537, 539, 540, 594, os §§ 1º e 2º do art. 366, os §§ 1º a 4º do art. 533, os §§ 1º e 2º do art.535 e os §§ 1º a 4º do art. 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Códigode Processo Penal.

Brasília, 20 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da Re-pública.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVATarso GenroEste texto não substitui o publicado no DOU de 23.6.2008

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LEI Nº 11.690, DE 9 DE JUNHO DE 2008.

Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 –Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o CongressoNacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 155, 156, 157, 159, 201, 210, 212, 217 e 386 do

Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passam avigorar com as seguintes alterações:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da provaproduzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamentenos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, nãorepetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observa-das as restrições estabelecidas na lei civil.” (NR)

“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipa-da de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação eproporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, arealização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (NR)

“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, asprovas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvoquando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadaspuderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo ostrâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz deconduzir ao fato objeto da prova.

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§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissí-vel, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

§ 4o (VETADO) “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados

por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pesso-

as idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica,dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmentedesempenhar o encargo.

§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação,ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistentetécnico.

§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e apósa conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intima-das desta decisão.

§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quantoà perícia:

I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para res-ponderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a seremesclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendoapresentar as respostas em laudo complementar;

II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres emprazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviude base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre suaguarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossívela sua conservação.

§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área deconhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e aparte indicar mais de um assistente técnico.” (NR)

“CAPÍTULO V

DO OFENDIDO Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado

sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas quepossa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

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§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo,o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao in-gresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença erespectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.

§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço porele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.

§ 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reserva-do espaço separado para o ofendido.

§ 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido paraatendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica ede saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.

§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimi-dade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredode justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos aseu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” (NR)

“Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modoque umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las daspenas cominadas ao falso testemunho.

Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização,serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemu-nhas.” (NR)

“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à tes-temunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relaçãocom a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá com-plementar a inquirição.” (NR)

“Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humi-lhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudi-que a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impos-sibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com apresença do seu defensor.

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caputdeste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.” (NR)

“Art. 386. .................................................................................................................................................................................. IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

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VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu depena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo sehouver fundada dúvida sobre sua existência;

VII – não existir prova suficiente para a condenação. Parágrafo único. .......................................................................................................................................................................... II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente apli-

cadas;.............................................................................................” (NR) Art. 2o Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma

de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamen-te nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos.

Art. 3o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de suapublicação.

Brasília, 9 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVATarso GenroJosé Antonio Dias ToffoliEste texto não substitui o publicado no DOU de 10.6.2008

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Procurador-geral de JustiçaFernando Grella Vieira

Corregedor-geral do Ministério PúblicoAntonio de Pádua Bertone Pereira

Conselho Superior do Ministério Público

Fernando Grella Vieira (presidente)Antonio de Pádua Bertone PereiraAna Margarida Machado JunqueiraBeneduceEloisa de Sousa ArrudaJoão Francisco Moreira Viegas

Luís Daniel Pereira CintraNelson Gonzaga de OliveiraPaulo do Amaral SouzaMarisa Rocha Teixeira DissingerPedro Franco de CamposTiago Cintra Zarif

Órgão Especial do Colégio de Procuradores de JustiçaMembros Natos

José Roberto Garcia DurandLuiz Cesar Gama PellegriniFrancisco Morais SampaioJosé Ricardo Peirão RodriguesJosé Roberto Dealis TucunduvaOswaldo Hamilton TavaresFernando José MarquesIrineu Roberto da Costa LopesRegina Helena da Silva SimõesRoberto João EliasClaus PaioneJosé de Arruda Silveira FilhoÁlvaro Augusto Fonseca de ArrudaPedro Franco de CamposGabriel Eduardo ScottiJosé Luiz AbrantesAntonio ViscontiArnaldo GonçalvesMárcio da Cunha BerraPaulo Álvaro Chaves Martins Fontes

Membros Eleitos

Mágino Alves Barbosa FilhoWalter Paulo SabellaJúlio César de Toledo PizaVânia Maria Ruffini Penteado BaleraSonia Maria SchincarioliGeraldo Luís Wohlers SilveiraMarilisa Germano BortolinPaulo OrtigosaParisina Lopes ZeiglerMário de Magalhães Papaterra LimongiPedro Luiz de MeloSérgio de Araújo Prado JúniorDráusio Lúcio BarretoEliana MontemagniRubens RodriguesVânia Ferrari Tropia PadillaMaria Cristina Barreira de OliveiraHeloisa Antonia Barreira de SouzaOswaldo Luiz PaluIurica Tanio Okumura

Conselho do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento FuncionalFernando Grella VieiraAntonio de Pádua Bertone PereiraVânia Ferrari Tropia PadillaEloisa de Sousa Arruda

Marcos Tadeu Gonçalves TeixeiraMarianí AtchabahianAugusto Soares de Arruda Neto

Congregação da ESMPMário de Magalhães Papaterra Limongi(presidente)Tatiana Viggiani Bicudo(coordenadora)Antonio Carlos da PonteEduardo Martines JúniorEliana PassarelliGilberto NonakaLídia Helena Ferreira da Costa PassosLuiz Antonio de Souza

Luiz Roberto Cicogna FaggioniMárcio Fernando Elias RosaMotauri Ciocchetti de SouzaOswaldo Henrique Duek MarquesOswaldo Luiz PaluOswaldo Peregrina RodriguesRonaldo Porto Macedo JúniorSérgio Seiji ShimuraVidal Serrano Nunes JúniorWallace Paiva Martins Júnior

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