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85 A REFORMAS E REALIDADE o caso do ensino das ciências palavra reforma, sempre presente no vocabulá- rio educacional, é definida em âmbito interna- cional como “uma iniciativa do Estado que es- MYRIAM KRASILCHIK Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo tabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorre a todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulando iniciativas no nível das escolas e mobilizando recursos humanos e financeiros para sustentar as mudanças pro- postas” (Timpane e White, 1998). Nossas escolas, como sempre, refletem as maiores mudanças na sociedade – política, econômica, social e culturalmente. A cada novo governo ocorre um surto re- formista que atinge principalmente os ensinos básico e mé- dio. O atual movimento de reforma da escola é um pro- cesso de mudança nacional com uma forte tendência à volta ao papel centralizador do Estado para emissão de normas e regulamentos. Tomando como marco inicial a década de 50, é pos- sível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos que refletem diferentes objetivos da educação modificados evolutivamente em função de transformações no âm- bito da política e economia, tanto nacional como inter- nacional. Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reco- nhecidas como essenciais no desenvolvimento econômi- co, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os níveis foi também crescendo de importância, sendo obje- to de inúmeros movimentos de transformação do ensino, podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das reformas educacionais. Um episódio muito significativo ocorreu durante a “guerra fria”, nos anos 60, quando os Estados Unidos, para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos de recursos humanos e financeiros sem paralelo na história da educação, para produzir os hoje chamados projetos de geração do ensino de Física, Química, Biologia e Ma- temática para o ensino médio. A justificativa desse em- preendimento baseava-se na idéia de que a formação de uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma es- cola secundária em que os cursos das Ciências identifi- cassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras científicas. Esse movimento, que teve a participação intensa das so- ciedades científicas, das Universidades e de acadêmicos renomados, apoiados pelo governo, elaboraram o que tam- bém é denominado na literatura especializada de “sopa al- fabética”, uma vez que os projetos de Física (Physical Science Study Commitee – PSSC), de Biologia (Biological Science Curriculum Study – BSCS), de Química (Chemical Bond Approach – CBA) e (Science Mathematics Study Group – SMSG) são conhecidos universalmente pelas suas siglas. Esse período marcante e crucial na história do ensino de Ciências, que influi até hoje nas tendências curricula- res das várias disciplinas tanto no ensino médio como no Resumo: Este trabalho inclui uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino de Ciências ao longo dos últimos anos. O caso descrito ilustra alguns dos caminhos percorridos por vários projetos desde a sua elaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até o dia-a-dia das salas de aula. A análise do processo compreendendo aspectos legais, modalidades e recursos didáticos, temáticas dos programas, e processos de avaliação contribui para o estudo de propostas de inovação. Palavras-chave: reforma educacional; didática e ensino das ciências; avaliação e pesquisa.

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REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

A

REFORMAS E REALIDADEo caso do ensino das ciências

palavra reforma, sempre presente no vocabulá-rio educacional, é definida em âmbito interna-cional como “uma iniciativa do Estado que es-

MYRIAM KRASILCHIK

Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

tabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorrea todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulandoiniciativas no nível das escolas e mobilizando recursoshumanos e financeiros para sustentar as mudanças pro-postas” (Timpane e White, 1998).

Nossas escolas, como sempre, refletem as maioresmudanças na sociedade – política, econômica, social eculturalmente. A cada novo governo ocorre um surto re-formista que atinge principalmente os ensinos básico e mé-dio. O atual movimento de reforma da escola é um pro-cesso de mudança nacional com uma forte tendência àvolta ao papel centralizador do Estado para emissão denormas e regulamentos.

Tomando como marco inicial a década de 50, é pos-sível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos querefletem diferentes objetivos da educação modificadosevolutivamente em função de transformações no âm-bito da política e economia, tanto nacional como inter-nacional.

Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reco-nhecidas como essenciais no desenvolvimento econômi-co, cultural e social, o ensino das Ciências em todos osníveis foi também crescendo de importância, sendo obje-to de inúmeros movimentos de transformação do ensino,

podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos dasreformas educacionais.

Um episódio muito significativo ocorreu durante a“guerra fria”, nos anos 60, quando os Estados Unidos,para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos derecursos humanos e financeiros sem paralelo na históriada educação, para produzir os hoje chamados projetos de1ª geração do ensino de Física, Química, Biologia e Ma-temática para o ensino médio. A justificativa desse em-preendimento baseava-se na idéia de que a formação deuma elite que garantisse a hegemonia norte-americana naconquista do espaço dependia, em boa parte, de uma es-cola secundária em que os cursos das Ciências identifi-cassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreirascientíficas.

Esse movimento, que teve a participação intensa das so-ciedades científicas, das Universidades e de acadêmicosrenomados, apoiados pelo governo, elaboraram o que tam-bém é denominado na literatura especializada de “sopa al-fabética”, uma vez que os projetos de Física (Physical ScienceStudy Commitee – PSSC), de Biologia (Biological ScienceCurriculum Study – BSCS), de Química (Chemical BondApproach – CBA) e (Science Mathematics Study Group –SMSG) são conhecidos universalmente pelas suas siglas.

Esse período marcante e crucial na história do ensinode Ciências, que influi até hoje nas tendências curricula-res das várias disciplinas tanto no ensino médio como no

Resumo: Este trabalho inclui uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino de Ciências ao longodos últimos anos. O caso descrito ilustra alguns dos caminhos percorridos por vários projetos desde a suaelaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até o dia-a-dia das salas de aula. A análisedo processo compreendendo aspectos legais, modalidades e recursos didáticos, temáticas dos programas, eprocessos de avaliação contribui para o estudo de propostas de inovação.Palavras-chave: reforma educacional; didática e ensino das ciências; avaliação e pesquisa.

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fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas últimasdécadas, a outras modificações em função de fatores po-líticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez,em transformações das políticas educacionais, cumulati-vas em função das quais ocorreram mudanças no ensinode Ciências (Quadro 1).

Como já foi mencionado, o movimento dos grandesprojetos visava a formação e a identificação de uma eliterefletindo não só a política governamental, mas tambémuma concepção de escola e teve propagação ampla nasregiões sob influência cultural norte-americana, que re-percutiu de forma diferente em diversos países ecoandoas situações locais. Por exemplo, na Inglaterra, concor-dou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma doensino de Ciências, mas foi decidido que se devia produ-zir seus próprios projetos consonantes com a organiza-ção escolar de forma a preservar a influência acadêmicae científica de instituições inglesas. Foram elaboradostambém projetos de Física, Química e Biologia que fica-ram conhecidos pelo nome da sua instituição patrocina-dora, a Fundação Nuffield. Dada a importância da Ingla-terra como núcleo cultural dos países da comunidadebritânica, esses projetos tiveram também grande influên-cia.

No Brasil, a necessidade de preparação dos alunos maisaptos era defendida em nome da demanda de investiga-dores para impulsionar o progresso da ciência e tecnologianacionais das quais dependia o país em processo de in-dustrialização. A sociedade brasileira, que se ressentia da

falta de matéria-prima e produtos industrializados duran-te a 2ª Guerra Mundial e no período pós-guerra, buscavasuperar a dependência e se tornar auto-suficiente, para oque uma ciência autóctone era fundamental.

Paralelamente, à medida que o país foi passando portransformações políticas em um breve período de eleiçõeslivres, houve uma mudança na concepção do papel daescola que passava a ser responsável pela formação detodos os cidadãos e não mais apenas de um grupo privile-giado. A Lei 4.024 – Diretrizes e Bases da Educação, de21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participa-ção das ciências no currículo escolar, que passaram a fi-gurar desde o 1º ano do curso ginasial. No curso colegial,houve também substancial aumento da carga horária deFísica, Química e Biologia.

Essas disciplinas passavam a ter a função de desen-volver o espírito crítico com o exercício do método cien-tífico. O cidadão seria preparado para pensar lógica e cri-ticamente e assim capaz de tomar decisões com base eminformações e dados.

Quando de novo houve transformações políticas no paíspela imposição da ditadura militar em 1964, também opapel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a ci-dadania para buscar a formação do trabalhador, conside-rado agora peça importante para o desenvolvimento eco-nômico do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educaçãonº 5.692, promulgada em 1971, norteia claramente asmodificações educacionais e, conseqüentemente, as pro-postas de reforma no ensino de Ciências ocorridas neste

QUADRO 1

Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino1950-2000

Tendências no

Situação Mundial

Ensino1950 1970 1990 2000

Guerra Fria Guerra Tecnológica Globalização

Objetivo do Ensino • Formar Elite • Formar Cidadão-trabalhador • Formar Cidadão-trabalhador-estudante• Programas Rígidos • Propostas Curriculares Estaduais • Parâmetros Curriculares Federais

Concepção de Ciência • Atividade Neutra • Evolução Histórica • Atividade com Implicações Sociais• Pensamento Lógico-crítico

Instituições Promotoras de Reforma • Projetos Curriculares • Centros de Ciências, Universidades • Universidades e Associações Profissionais• Associações Profissionais

Modalidades Didáticas Recomendadas • Aulas Práticas • Projetos e Discussões • Jogos: Exercícios no Computador

Fonte: Elaboração da autora.

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período. Mais uma vez as disciplinas científicas foramafetadas, agora de forma adversa, pois passaram a ter ca-ráter profissionalizante, descaracterizando sua função nocurrículo. A nova legislação conturbou o sistema, mas asescolas privadas continuaram a preparar seus alunos parao curso superior e o sistema público também se reajustoude modo a abandonar as pretensões irrealistas de forma-ção profissional no 1º e 2º graus por meio de disciplinaspretensamente preparatórias para o trabalho.

Em 1996, foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes eBases da Educação, nº 9.394/96, a qual estabelece, noparágrafo 2o do seu artigo 1o, que a educação escolar de-verá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.O artigo 26 estabelece que “os currículos do ensino fun-damental e médio devem ter uma base nacional comum,a ser complementada pelos demais conteúdos curricula-res especificados nesta Lei e em cada sistema de ensino”.A formação básica do cidadão na escola fundamental exigeo pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a com-preensão do ambiente material e social, do sistema políti-co, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fun-damenta a sociedade. O ensino médio tem a função deconsolidação dos conhecimentos e a preparação para otrabalho e a cidadania para continuar aprendendo.

Esse aprendizado inclui a formação ética, a autonomiaintelectual e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Embora a lei in-dique precariamente os valores e objetivos da educaçãonacional, espera-se que a escola forme o cidadão-traba-lhador-estudante quando, por exemplo, determina em seuartigo 80: “O Poder Público incentivará o desenvolvimentoe a veiculação de programas de ensino a distância, emtodos os níveis e modalidades de ensino, e de educaçãocontinuada.”

Tenta-se colocar em prática essas prescrições legais pormeio de políticas centralizadas no MEC e que são deta-lhadas e especificadas em documentos oficias, abundan-temente distribuídos com os nomes de “parâmetros” e“diretrizes curriculares”. Fazem parte ainda desses “indi-cativos políticos” diversos instrumentos de avaliação emque se explicitam as reais intenções da reforma propostapelo governo.

No exame dessa proposta e de suas conseqüências narealidade da educação brasileira, é imprescindível anali-sar em uma perspectiva histórica a evolução das concep-ções curriculares preponderantes nesses últimos 50 anos,por meio dos quais foram expressos os desígnios dos go-vernos e seus resultados nos vários níveis dos sistemas

educacionais, desde o emissor das políticas até a realida-de das salas de aula, que têm mudado muito mais em fun-ção da deterioração das condições de trabalho do que porinjunções legais. Infelizmente, mantém-se um ensino pre-cário com professores que enfrentam nas escolas proble-mas de sobrecarga, de falta de recursos e de determina-ções que deveriam seguir sobre as quais não foramouvidos.

As modificações promovidas por diferentes elemen-tos ao longo dos diversos patamares de decisões que atu-am nos componentes curriculares – temáticas e conteú-do, modalidades didáticas e recursos e processos deavaliação – confluem para um cenário que raramente é oplanejado pelos emissores do currículo teórico.

Na análise desse processo, tem papel fundamental apesquisa feita no âmbito do ensino das ciências no Brasile que já constitui um significativo acervo de informaçõese conhecimentos sobre o que acontece desde a elabora-ção de documentos normativos até a intimidade do ensi-no das várias disciplinas científicas.

MODALIDADES DIDÁTICAS E RECURSOS

As modalidades didáticas usadas no ensino das disci-plinas científicas dependem, fundamentalmente, da con-cepção de aprendizagem de Ciência adotada. A tendên-cia de currículos tradicionalistas ou racionalistas-acadêmicos, apesar de todas as mudanças, ainda prevale-cem não só no Brasil, mas também nos sistemas educa-cionais de países em vários níveis de desenvolvimento.Assumindo que o objetivo dos cursos é basicamente trans-mitir informação, ao professor cabe apresentar a matériade forma atualizada e organizada, facilitando a aquisiçãode conhecimentos. Nos anos 60, o processo ensino-apren-dizagem era influenciado pelas idéias de educadorescomportamentalistas que recomendavam a apresentaçãode objetivos do ensino na forma de comportamentosobserváveis, indicando formas de atingi-los e indicado-res mínimos de desempenho aceitável. Foram elaboradasclassificações, das quais a mais conhecida, coordenadapor Benjamim Bloom, era a que dividia os objetivos edu-cacionais em cognitivo-intelectuais, afetivo-emocionaise psicomotores-habilidades, organizados em escalas hie-rarquicamente mais complexas de comportamento.

Essa linha de trabalho teve papel significativo na edu-cação brasileira e ainda hoje muitos dos processos de pla-nejamento que ocorrem nas escolas constam apenas daredação de objetivos e metas, que em geral são esqueci-

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dos durante o ano por força da pressão das realidades dodia-a-dia na classe.

No final dos anos 60, as idéias de Jean Piaget sobredesenvolvimento intelectual começaram a ser conhecidase discutidas. Passa assim a ter papel central no processoensino-aprendizagem da ciência uma perspectiva cogni-tivista, enfatizando o chamado construtivismo, usado nosatuais documentos oficiais brasileiros de forma impositiva,como um “slogan” que não chega a analisar o significadoda discussão sobre mudança conceitual como um proces-so individual de responsabilidade do aluno ou um pro-cesso social. “A primeira perspectiva vê concepções comorepresentações mentais (isto é, construções tangíveis nacabeça dos alunos) enquanto a segunda perspectiva re-presenta as concepções como sendo caracterizações decategorias de descrições que refletem relações pessoa-mundo” (Duit e Treagust, 1998).

Essas idéias conflitantes em vários aspectos não sãoapresentadas aos professores como controvérsias que de-vem ser discutidas e analisadas para orientar a escolha demodalidades didáticas baseadas em uma fundamentaçãosólida.

Embora o conceito de processo ensino-aprendizagemtenha importância na escola em geral, no ensino das dis-ciplinas científicas tem conseqüências específicas emvários elementos curriculares. A solução de problemas éum dos seus componentes essenciais, porque várias fasesdas reformas propostas com nomes variados de “ciênciaposta em prática”, “método da redescoberta”, “método deprojetos” trata-se de fazer questionamentos, encontraralternativas de resposta, planejar e organizar experimen-tos que permitam optar por uma delas e daí produzir ou-tros questionamentos. No período 1950-70, prevaleceu aidéia da existência de uma seqüência fixa e básica de com-portamentos, que caracterizaria o método científico naidentificação de problemas, elaboração de hipóteses e ve-rificação experimental dessas hipóteses, o que permitiriachegar a uma conclusão e levantar novas questões.

Com essas premissas, as aulas práticas no ensino deCiências servem a diferentes funções para diversas con-cepções do papel da escola e da forma de aprendizagem.No caso de um currículo que focaliza primordialmente atransmissão de informações, o trabalho em laboratório émotivador da aprendizagem, levando ao desenvolvimen-to de habilidades técnicas e principalmente auxiliando afixação, o conhecimento sobre os fenômenos e fatos.

À medida que a influência cognitivista foi se amplian-do em base dos estudos piagetianos considerando fases

de operações lógicas pelas quais o aluno passa em umaordem que vai do sensomotor (18 meses), pré-operacio-nal (até 7 anos), concreta operacional (dos 7 aos 11 anos)até o formal operacional (dos 11 até os 15 anos), passou-se a encarar o laboratório como elemento de aferição do es-tágio de desenvolvimento do aluno e de ativação do pro-gresso ao longo desses estágios e do ciclo de aprendizado.

Na perspectiva construtivista, as pré-concepções dosalunos sobre os fenômenos e sua atuação nas aulas práti-cas são férteis fontes de investigação para os pesquisado-res como elucidação do que pensam e como é possívelfazê-los progredir no raciocínio e análise dos fenômenos.As prescrições oficiais da expectativa de reforma em cursotratam do assunto superficialmente, havendo uma grandedistância entre uma “proposta construtivista” e recomen-dações que permitam ao professor exercer plenamente oseu papel de catalisador da aprendizagem. Faltam discus-sões que permitam ao próprio docente nas atuais condi-ções de trabalho criar um clima de liberdade intelectual,que não limite a sua atividade a exposições, leitura oucópia de textos.

Por exemplo, a reação de alunos e professores ao usode perguntas em classe é uma área de pesquisa de pontapara os que pretendem mudar a escola e o ensino de Ciên-cias em que a função da interação social e da exposição adiferentes idéias é elemento essencial. Como obstáculo aessa transformação, é possível identificar as representa-ções sociais que prevalecem entre professor e alunos. Odocente é autoridade que não corre o risco de ser questi-onada, ou que se permita ouvir diferentes opiniões. Se,por um lado, esse papel autoritário é prejudicial, o outroextremo cada vez mais freqüente por força do refrão deque o “aluno constrói seu próprio conhecimento” leva oprofessor a abdicar da sua função de orientador do apren-dizado. Nesses casos, o laboratório e as aulas práticaspodem até ser divertidas mas não levam à formulação oureformulação de conceitos.

Os novos recursos tecnológicos e, principalmente, ouso do computador criam dilemas equivalentes, podendoaté ser uma fonte muito eficiente de fornecimento de in-formações. No entanto, o seu potencial como desequi-librador da vigente relação professor-aluno é aindasubutilizado como instrumento que possa levar o aluno adeixar o seu papel passivo de receptor de informações,para ser o que busca, integra, cria novas informações. Oprofessor passa a ser o que auxilia o aprendiz a procurare coordenar o que aprende dentro de um esquema concei-tual mais amplo. Qualquer reforma deveria suscitar essas

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questões que são básicas para uma mudança real na qua-lidade de ensino.

TEMÁTICAS

Os conteúdos e grandes temas incluídos no currículodas disciplinas científicas refletem as idéias correntessobre a Ciência. Na fase dos projetos de 1ª geração, aCiência era considerada uma atividade neutra, isentandoos pesquisadores de julgamento de valores sobre o queestavam fazendo. É necessário lembrar que os cientistastiveram uma atuação significativa na produção da bombaatômica e, de alguma forma, procuravam não assumir suaresponsabilidade no conflito bélico. Pretendia-se desen-volver a racionalidade, a capacidade de fazer observaçõescontroladas, preparar e analisar estatísticas, respeitar a exi-gência de replicabilidade dos experimentos.

À medida que se avolumaram os problemas sociais nomundo, outros valores e outras temáticas foram incorpo-radas aos currículos, sendo que mudanças substantivastiveram repercussões nos programas vigentes. Entre 1960e 1980, as crises ambientais, o aumento da poluição, acrise energética e a efervescência social manifestada emmovimentos como a revolta estudantil e as lutas anti-se-gregação racial determinaram profundas transformaçõesnas propostas das disciplinas científicas em todos os ní-veis do ensino.

As implicações sociais da Ciência incorporam-se àspropostas curriculares nos cursos ginasiais da época e, emseguida, nos cursos primários. Simultaneamente às trans-formações políticas ocorreu a expansão do ensino públi-co que não mais pretendia formar cientistas, mas tambémfornecer ao cidadão elementos para viver melhor e parti-cipar do breve processo de redemocratização ocorrido noperíodo. A admissão das conexões entre a ciência e a so-ciedade implica que o ensino não se limite aos aspectosinternos à investigação científica, mas à correlação des-tes com aspectos políticos, econômicos e culturais. Osalunos passam a estudar conteúdos científicos relevantespara sua vida, no sentido de identificar os problemas ebuscar soluções para os mesmos. Surgem projetos queincluem temáticas como poluição, lixo, fontes de ener-gia, economia de recursos naturais, crescimento popula-cional, demandando tratamento interdisciplinar. Essasdemandas dependiam tanto dos temas abordados como daorganização escolar. É do período de 1950-70 o movi-mento de Ciência Integrada, que teve apoio de organis-mos internacionais, principalmente a Unesco, e provocou

reações adversas dos que defendiam a identidade das dis-ciplinas tradicionais, mantendo segmentação de conteú-dos mesmo nos anos iniciais da escolaridade.

Concomitantemente aos processos que ocorriam nasescolas – o fim da “guerra fria” e o agravamento dos pro-blemas sociais e econômicos – foi incorporada a compe-tição tecnológica, levando a exigir que os estudantes ti-vessem preparo para compreender a natureza, o significadoe a importância da tecnologia para sua vida como indiví-duos e como membros responsáveis da sociedade. Paratanto, os cursos deveriam incluir temas relevantes quetornassem os alunos conscientes de suas responsabilida-des como cidadãos, pudessem participar de forma inteli-gente e informada de decisões que iriam afetar não só suacomunidade mais próxima, mas que também teriam efei-tos de amplo alcance.

A preocupação com a qualidade da “escola para todos”incluiu um novo componente no vocabulário e nas preo-cupações dos educadores, “a alfabetização científica”. Arelação ciência e sociedade provocou a intensificação deestudos da história e filosofia da ciência, componentessempre presentes nos programas com maior ou menorintensidade servindo em fases diferentes a objetivos di-versos. O crescimento da influência construtivista comogeradora de diretrizes para o ensino levou à maior inclu-são de tópicos de história e filosofia da Ciência nos pro-gramas, principalmente para comparar linhas de raciocí-nio historicamente desenvolvidas pelos cientistas e asconcepções dos alunos.

Fortalece essa linha o já mencionado movimento de-nominado “Ciência para todos”, que relaciona o ensinodas Ciências à vida diária e experiência dos estudantes,trazendo, por sua vez, novas exigências para compreen-são da interação estreita e complexa com problemas éticos,religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações como mundo interligado por sistemas de comunicação etecnologias cada vez mais eficientes com benefícios e ris-cos no globalizado mundo atual. A exclusão social, a lutapelos direitos humanos e a conquista da melhora da qua-lidade de vida não podem ficar à margem dos currículose, no momento, assumem uma importância cada vez maisevidente. Pela demanda de justiça social nos atuais parâ-metros curriculares, muitas das temáticas vinculadas noensino de Ciências são hoje consideradas “temas trans-versais”: educação ambiental, saúde, educação sexual. Noentanto, a tradição escolar ainda determina que a respon-sabilidade do seu ensino recaia basicamente nas discipli-nas científicas, principalmente a Biologia.

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A reforma brasileira reforça um movimento equiva-lente ao da “Ciência para todos”, sem, no entanto, incluircuidados para que excessos nessa postura tornem o currí-culo pouco rigoroso, em nome da necessidade que se tor-nou um estribilho nas publicações e avaliações oficiaisde desenvolver “competências e habilidades”.

O risco grave é de que se percam de vista os objetivosmaiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisi-ção do conhecimento científico por uma população quecompreenda e valorize a Ciência como empreendimentosocial. Os alunos não serão adequadamente formados senão correlacionarem as disciplinas escolares com a ativi-dade científica e tecnológica e os problemas sociais con-temporâneos. Paralelamente aos movimentos nas instân-cias normativas dos sistemas escolares, os livros didáticoscontinuaram a servir de apoio e orientação aos professo-res para a apresentação dos conteúdos. Uma reforma quetenha pleno êxito depende da existência de bons materiais,incluindo livros, manuais de laboratórios e guias de profes-sores, docentes que sejam capazes de usá-los, bem comocondições na escola para o seu pleno desenvolvimento.

Avaliação

A avaliação sempre teve um papel central na escolabrasileira. Uma das influências preeminentes, com umafunção normativa mais poderosa do que os programasoficiais, livros didáticos, propostas curriculares ou osatuais parâmetros, sempre foi o exame vestibular. Assim,essas provas, mais do que cumprir a função classificatóriapara decidir quais os alunos que podem entrar nas esco-las superiores, têm grande influência nos ensinos funda-mental e médio. No entanto, os exames podem fornecerdados sobre a população escolar cumprindo a maior fun-ção da avaliação, ou seja, a de informar à sociedade, àsescolas, aos alunos, aos professores e aos pais sobre oaprendizado dos estudantes, da eficiência da escola emfunção das políticas públicas e das relações contextuaisentre os estabelecimentos de ensino e a comunidade nasquais se situam.

Com a democratização do país e a disputa por verbaspara manutenção dos sistemas escolares, aumenta a pres-são por dados que possam servir de indicadores que orien-tem decisões dos sistemas em todos o níveis de ensino.

A competição internacional na guerra tecnológica pro-duziu programas internacionais de avaliação que levaramà comparação do resultado obtido pelos alunos em algu-mas disciplinas, incluindo as Ciências. Assim como o

Sputnik provocou movimento de reforma dos anos 60, odesempenho dos alunos norte-americanos nos testes in-ternacionais produziu em 1985 um documento de grandeimpacto “A Nation at Risk” que serviu de epicentro parauma onda de críticas ao sistema educacional norte-ame-ricano e tentativas de reformas que acabaram tendo re-percussões no mundo inteiro (Gross e Gross, 1985).

No Brasil, é parte das políticas governamentais no planofederal ou estaduais um conjunto de exames que se desti-nam a descrever a situação nas várias unidades da federa-ção, no sentido de subsidiar decisões de políticas públi-cas. Instituições internacionais como o Banco Mundial,Banco Interamericano e a Unesco valem-se desses indi-cadores para fomentar e financiar projetos que imple-mentem tendências que apóiam.

O resultado e a validade desses exames para avaliar oaprendizado em Ciências são bastante contestados emfunção dos instrumentos que os constituem. Discute-sese as tradicionais questões de múltipla escolha são ade-quadas para aferir o que se pretende produzir dos alunosnas aulas de Ciências. A capacidade de resolver proble-mas e de demonstrar a compreensão conceitual e forma-ção exige que se busquem também outras formas de veri-ficar o aprendizado. Assim, provas dissertativas e redaçõesteriam como função maior fazer com que os alunos es-crevam, demonstrando capacidade de organização lógicae de expressão temática.

O reconhecimento das limitações dos instrumentos deavaliação mais freqüentemente usados não impede, noentanto, que os dados numéricos sejam divulgados comoresultados confiáveis, exercendo considerável influênciana opinião que a sociedade tem da escola. Os meios decomunicação de massa divulgam esses números com in-terpretações que, muitas vezes, exigem análises mais de-tidas, mas são aceitos sem discussão pela população emgeral, tornando premente a necessidade de uma coleta sis-temática de informações coerentes das variáveis que agemno aprendizado de Ciências e que refletiram os objetivosdo currículo. Busca-se, assim, distinguir as diferençasentre o currículo proposto, ideal, teórico e o seu resulta-do, ou seja, o currículo real ou obtido.

Por exemplo, na avaliação dos concluintes do ensinomédio feita em 1997 em nove estados brasileiros, verifi-ca-se que em Biologia os alunos do período da manhãacertaram menos de 47% das questões, os da tarde, 35,5%,e os da noite, 29%. Em Física, foram 33% de acertos paraos alunos da manhã, 28% para os da tarde e 27,5% paraos da noite. Química evidenciou problemas com relação

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a todos os conteúdos e habilidades. Os alunos da manhãtiveram 33% de acertos, os da tarde, 27,5%, e os da noite,25%. Apesar das pequenas variações e diferenças nos tur-nos examinados, o desempenho dos alunos deixa muito adesejar.

O Sistema Nacional de Educação Básica – Saeb (1997)e o Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacio-nais – Inep (1999) indicam que, nas séries iniciais, emCiências, os alunos até a 4ª série saem-se bem. Nos ou-tros níveis, o desempenho esperado de alunos de 6ª sériechega a ser atingido por 48% dos alunos, na 8ª série por10% e, no fim do ensino médio, apenas 3% alcançam onível desejado. Como se pode verificar por esses dados,há uma grande distância entre as propostas de reforma eo resultado efetivo no aprendizado dos alunos.

Pesquisa

As discussões sobre o ensino de Ciências e tentativade transformá-lo foram promovidas e mantidas por inú-meras e diversas instituições a partir dos “projetos curri-culares” organizados nos anos 60. Na época, o Brasil játinha uma história de promoção do ensino de Ciências –o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cul-tura) em São Paulo, em que eram produzidos manuais delaboratórios e textos, além de equipamentos para a expe-rimentação.

Muitos trabalhos esparsos de iniciativas de docentesisolados ou em grupos passaram a se concentrar no IBECCe depois em instituições dele derivadas – Funbec e Cecisp –,que, com o apoio do Ministério da Educação, das Funda-ções Ford e Rockfeller e da União Panamericana, promo-veram intensos programas para a renovação do ensino deCiências. Especialmente significativa foi a iniciativa doMEC, que criou em 1963 seis centros de ciências nasmaiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro,Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A es-trutura institucional desses centros era variada. Alguns,como o de Porto Alegre e Rio de Janeiro, tinham víncu-los com Secretarias de Governo da Educação e de Ciên-cia e Tecnologia, enquanto os de São Paulo, Pernambuco,Bahia e Minas Gerais eram ligados às Universidades. Essasinstituições tiveram vidas e vocações diferentes, sendo quealgumas persistem até hoje, como a de Belo Horizonte,estreitamente associada à Faculdade de Educação daUFMG, e o centro do Rio, que hoje é mantido pela Secre-taria da Ciência e Tecnologia. Os outros ou desaparece-ram ou foram incorporados pelas universidades onde pas-

saram a se estruturar grupos de professores para prepararmateriais e realizar pesquisas sobre o ensino de ciências.Com a expansão dos programas de pós-graduação e deli-neamento de uma área específica de pesquisa – Ensinode Ciências –, as organizações acadêmicas assumiram aresponsabilidade de investigar e procurar fatores e situa-ções que melhorassem os processos de ensino-aprendi-zado.

Esse movimento ocorre agora nos Centros de Ciênciasou nas Universidades e ganha atenção das autoridadesfederais e instituições internacionais, estabelecendo pro-gramas como o Premem (Projeto de Melhoria do Ensinode Ciências e Matemática) e o SPEC (Subprograma deEducação para a Ciência), vinculado à Capes (FundaçãoCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-perior) e mais recentemente o pró-Ciências e os programasde educação científica e ambiental do CNPq (Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

No plano internacional o processo foi equivalente. Osnúcleos catalisadores dos movimentos dos anos 60 foramincorporados pelas universidades. Alguns centros perma-necem como o Biological Science Curriculum Study, queaté hoje está produzindo inovações no ensino de Biologia.

Nos Estados Unidos foram importantes as sociedades cien-tíficas ao longo das décadas consideradas neste trabalho,especialmente a American Association for the Advancementof Science – AAAS, que teve persistente preocupação como ensino elaborando seus próprios projetos curriculares. Nosanos 70, influenciada pelas tendências comportamentalistasproeminentes na época, preparou material para ensino deCiências para crianças de escola primária. Hoje está condu-zindo o chamado Project 2061, que reúne cientistas e edu-cadores no sentido de estabelecer o que “todos os estudan-tes devem saber ou fazer em ciência, matemática e tecnologiadesde os primeiros anos de estudo até o final do curso mé-dio, de modo a promover a sua ‘alfabetização científica’”(AAAS, 1989). Outras associações científicas, como aUnesco e a International Council of Scientific Unions – ICSU,além das sociedades internacionais de Física, Química e Ma-temática, realizam reuniões e promovem atividades visandoo desenvolvimento do ensino de Ciências.

No Brasil, sociedades como a SBF (Sociedade Brasi-leira de Física), a SBQ (Sociedade Brasileira de Quími-ca) e a SBG (Sociedade Brasileira de Genética) têm ativi-dades relacionadas ao ensino. A Associação Brasileira paraPesquisa em Ensino de Ciências e a Sociedade Brasileirapara o Ensino de Biologia reúnem juntam centenas deprofessores dos ensinos fundamental, médio e superior

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para discutir problemas, apresentar trabalhos e atualizarinformações.

Incorporam-se também ao movimento de renovaçãoinstituições como museus de ciências que estabelecempontes com um público preponderantemente, mas nãoexclusivamente, escolar a quem apresentam a ciência pormeio de exposições e outras instalações interativas.

Há intensa atividade de investigação nos cursos de pós-graduação, acumulando um considerável acervo de co-nhecimento. Investigações sobre as relações professor-alunos, enfatizando vários aspectos do trabalho emlaboratório, discussão de problemas e o papel das pergun-tas em classe, efeito de atividades para aperfeiçoamentode professores na mudança de atitude e aquisição de co-nhecimentos e o papel dos centros e museus da Ciênciasão algumas das questões em que os mestrandos e douto-randos vêm trabalhando.

A pesquisa em ensino de Ciências levou também à for-mação de grupos interdisciplinares, congregando profes-sores de institutos de Física, Química, Biologia e das Fa-culdades e Centros de Educação. O primeiro programade mestrado em ensino de Ciências interunidades quesubsiste até hoje foi instalado na Universidade de São Pau-lo, em que a partir dessa iniciativa formaram-se gruposde ensino nos Institutos de Física e Química, além do de-senvolvimento de uma área temática de Ensino de Ciên-cias e Matemática para mestrado e doutorado na Facul-dade de Educação.

Assim como ocorreram mudanças nos objetivos e ên-fase das propostas curriculares, também a pesquisa foievoluindo no transcorrer do período considerado nestetrabalho. No início do período, foi dada ênfase para ava-liação dos resultados dos projetos curriculares. O cresci-mento das críticas ao modelo experimental, quantitativo,influenciado pela linha psicometrista, gradualmente le-vou à adoção de novos paradigmas de pesquisa. Passou-se a obter dados com observação direta, estudo de docu-mentos, entrevistas com os componentes e usuários dosprojetos curriculares, alunos, professores, administrado-res em projetos de pesquisa quantitativa. Dentro dessa li-nha básica, foram usadas medidas qualitativo-fenomeno-lógicas, processos etnográficos, naturalísticos, pesquisaparticipante, estudos de caso, entre outros.

O debate entre os que defendem a linha por muitos cha-mada experimental, que exige dados quantitativos, e osque preferem uma linha naturalística, que apresenta oprocesso educacional em toda a sua complexidade deintrincadas relações, está longe de ser encerrado. Apesar

desse esforço que levou à criação de grupos de pesquisaem vários pontos do país, a maioria deles gerada pelospesquisadores formados nos núcleos iniciais, os resulta-dos das pesquisas ainda não atingiram os centros de deci-são, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para in-fluir decisivamente na preparação e avaliação decurrículos, nos projetos de aperfeiçoamento de docentese nas relações entre os elementos que interagem nas es-colas. Os professores em classe ficam cada vez mais afas-tados tanto do centro de decisões políticas como dos cen-tros de pesquisa.

Sem usar as informações de pesquisas prospectivas quecoletem dados para evitar esforços e desperdícios, as pro-postas de reforma têm sido irrealistas ou inaceitáveis pe-los professores que finalmente são os responsáveis pelasocorrências em sala de aula. É tarefa urgente encontrarum meio termo adequado entre os dois extremos: um dasorganizações centrais trabalhando de forma isolada e ou-tro que deixa a responsabilidade sobre as decisões curri-culares exclusivamente à escola e aos docentes. Se, porum lado, é imprescindível a intensificação das relaçõesentre a escola e a comunidade para a formação de cida-dãos atuantes, por outro, é absurdo ignorar o que têm adizer os cientistas e pesquisadores e o que se conhece hojesobre os processos de reforma curricular.

Os parâmetros curriculares fartamente distribuídos, natentativa de produzir mudanças, usaram muito pouco oconsiderável montante de informações existentes sobremudanças do ensino de Ciências. Os cientistas e pesqui-sadores foram alijados da produção de documentos quevêm levantando controvérsias entre os especialistas e di-ficuldades para os docentes. Caberá aos cientistas influircolaborando para formular propostas curriculares atua-lizadas, relevantes e realistas, não só indicando as impro-priedades, omissões e propostas discutíveis, mas tambémpropondo linhas de trabalho, sugestões para reformula-ção, mudanças e substituição. Merecem também uma aná-lise detida para uso mais profundo e abrangente dos da-dos obtidos nos inúmeros processos de avaliaçãoempreendidos pelo Inep e pelos sistemas de várias unida-des da federação para que sejam identificados os pontosnecessitados de intervenção como orientação para melho-rar o processo educativo em todos os níveis e a confec-ção dos planos nacional e estaduais de educação. Não cabemais um trabalho isolado, de gabinete dos legisladoresoficiais. Ao contrário, será necessário angariar a participa-ção e adesão da sociedade em seus múltiplos segmentos, paraque as declarações de intenção propostas não soneguem a

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REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

liberdade de ação das instituições, deixando o sistema à mercêdos slogans em voga que refletem as políticas vigentes.

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