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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES REGIANE SANTANA SANTOS ESTUDO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU: Do Estado de Natureza a Formação da Sociedade Civil Política AMARGOSA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

REGIANE SANTANA SANTOS

ESTUDO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU: Do Estado de Natureza a Formação da Sociedade Civil Política

AMARGOSA

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

REGIANE SANTANA SANTOS

ESTUDO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU: Do Estado de Natureza a Formação da Sociedade Civil Política

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Filosofia do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia como requisito parcial para a obtenção do título de licenciatura em Filosofia.

Orientador (a): Pablo Enrique Abraham Zunino

AMARGOSA 2017

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Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Centro de Formação de Professores.

ESTUDO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU: Do Estado de Natureza a Formação da Sociedade Civil Política / Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Centro de Formação de Professores. Curso de Licenciatura em Filosofia. – Amargosa, 2017.

Elaboração: Regiane Santana Santos

Orientador: Prof. Dr. Pablo Enrique Abraham Zunino

1. Filosofia 2. Política 3. Rousseau

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REGIANE SANTANA SANTOS

ESTUDO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU: Do Estado de Natureza a Formação da Sociedade Civil Política

Este TCC foi apresentado no CFP da UFRB, em Amargosa, BA, no dia 04 de Abril de 2017.

Prof. Pablo Enrique Abraham Zunino

Orientador

Prof. Emanuel Luis Roque Soares

1º Examinador

Prof. Kleyson Rosário Assis

2º Examinador

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À minha família. Sem o amor de vocês, este desafio não teria sido vencido.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida. Sem amor e a permissão do Criador não teria

chegado até esta etapa da vida;

A meus pais, Germinia Santana Santos e Raimundo Correia dos Santos. Que

demonstraram verdadeiro sentimento de amor quando sair de casa para estudar e

estavam sempre firmes em suas orações por mim;

A meu irmão, Romário Santana Santos. Por não ser apenas um irmão, mas

um amigo em que posso confiar;

A meu filho Adriel Santana Santos Oliveira, pela sua chegada em minha vida

e pelo seu belo sorriso que me faz continuar as batalhas da vida;

A meu querido esposo, Marcos Antonio Oliveira. Por estar ao meu lado,

sempre pronto a ajudar e por compartilharmos momentos de alegria e tristeza, por

suportar todo o meu nervosismo e ansiedade ao longo deste trabalho;

A todos que compõem minha família, seja os Santos, os Santana e os

Correia, pela saudade e pelo amor que nos uni;

A família Oliveira, pelo acolhimento e demonstração de carinho;

A meu orientador, professor Pablo Enrique Abraham Zunino, pelo

compromisso e cuidado com meu trabalho;

Aos professores do Colegiado do curso de Filosofia e do Centro de

Formação de Professores - CFP, por seus excelentes trabalhos ao contribuir para o

enriquecimento do nosso conhecimento e formação;

A meus colegas de turma que estavam presente nesta caminhada e ao Ninho

das Águias pelo companheirismo e amizade que vai além da sala de aula.

Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que me ajudaram a

concretizar cada etapa deste trabalho.

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“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de

dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”.

Jean-Jaques Rousseau

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RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo ponderar sobre o conceito de estado de natureza apresentado por Jean-Jacques Rousseau em sua obra DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS, a fim de analisar a passagem do homem do estado e natureza a sociedade civil política. Esta dissertação conta com uma introdução ao tema proposto e dois capítulos que faz analise sobre a obra ora citada, tecendo comentários sobre este assunto, tendo como base comentadores conhecidos por suas vastas obras de estudo em Rousseau. Pretende-se com isso uma apresentação da origem e formação da desigualdade humana, sua passagem da primeira a segunda, tendo como princípios deste estudo o estado de natureza. Foi utilizado como metodologia a pesquisa analítica bibliográfica, seguindo o objetivo de discutir a origem da desigualdade entre os homens. Chegando a conclusão de que a desigualdade se apresenta apenas na sociedade civil, sendo quase nula no estado de natureza; esta resulta do costume da educação e da sociedade as forças do corpo e do espírito.

Palavras-chave: Rousseau; Desigualdade; Estado de Natureza; Sociedade Civil;

Perfectibilidade.

ABSTRACT

The present work had as objective to ponder on the concept of state of nature presented by Jean-Jacques Rousseau in his work SPEECH ON THE ORIGIN AND THE FOUNDATIONS OF INEQUALITY BETWEEN MEN, in order to analyze the passage of man from the state and nature to society Civil politics. This dissertation has an introduction to the proposed theme and two chapters that analyzes the work cited here, commenting on this subject, based on a commentator known for his vast works of study in Rousseau. This is intended as a presentation of the origin and formation of human inequality, its passage from the first to the second, having as principles of this study the state of nature. The bibliographical analytical research was used as methodology, following the objective of discussing the origin of inequality among men. Coming to the conclusion that inequality is only present in civil society, being almost null in the state of nature; This resula of the custom of education and society the forces of body and spirit. Keywords: Rousseau; Inequality; State of Nature; Civil society; Perfectibility.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................10

CAPÍTULO I: Caracterização do Estado de Natureza................................15

CAPÍTULO II: Aquisição da Propriedade Privada e Formação da

Sociedade Civil Política................................................................................30

CONCLUSÃO..................................................................................................42

REFERÊNCIAS...............................................................................................44

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INTRODUÇÃO

A obra DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA

DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS1, do filósofo contratualista Jean Jacques

Rousseau, é considerada uma das obras que mais promoveu as ideias da revolução

francesa, tendo este filósofo suma importância para sua época e para filosofia futura.

Rousseau viveu na transição entre o século XVIII e XIX, podendo

acompanhar grande parte das revoluções de sua época, principalmente da

revolução francesa, dando forma à sociedade contemporânea. Dentro da filosofia

política, Rousseau se enquadra como filósofo contratualista, ou seja, ele acreditava

que o estado e poder político surgem de um pacto social, um contrato coletivo que

as pessoas fazem entre si, determinando que elas fossem governadas por alguém.

Rousseau escreveu esta obra, quando em 1753, a academia de Dijon indicou um prêmio com o assunto: Qual a origem da desigualdade entre os homens e será ela permitida pela lei natural? Assim, o filósofo determinou-se a escrever e participar do evento. Para sua concentração total, Rousseau passou a viver próximo de uma floresta, o que fez com que ele escrevesse a respeito desse estado de natureza vivido pelo homem2.

Tendo como base a obra citada acima, o objetivo deste trabalho é discutir a

origem da desigualdade entre os homens, tal como nos apresenta o filósofo Jean-

Jacques Rousseau, em seu livro, obra fundamental para nossa pesquisa. Assim, vê-

se a necessidade de estudar como ocorreu o processo de vivência do homem no

estado de natureza, e como outros fatos externos influenciaram para tal processo.

Percorrendo o seguinte caminho: Fazer uma analise sob o homem no estado de

natureza; Conhecer o homem apresentado por Rousseau; Analisar e discutir a

relação homem Rico e Pobre; Ponderar sobre a origem da propriedade.

Nesta pesquisa foi utilizado o método analítico, que compreende os estudos

filosóficos realizados com base na análise e compreensão da obra DISCURSO

SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA DESIGUALDADE ENTRE OS

1 ROUSSEAU, J.J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.

São Paulo: Nova Cultural, 1999. 2Ibidem. p, 5.

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HOMENS debruçando-se sob tal tema O homem no Estado de Natureza3 exposto no

presente trabalho de conclusão de curso, para que, no decorrer da pesquisa, tenha-

se a maior especificidade da obra utilizada e se adquira a maior compreensão do

tema, construindo um trabalho visando a colher contribuições formativas no saber

pessoal, mas que, além disso, possa ser transmitido para quem tiver interesse no

estudo desta temática.

Especificamente, a investigação proposta se deu da realização das seguintes

atividades: Estudo exploratório para o levantamento da literatura especializada;

Seleção do material bibliográfico que compôs a base teórica da pesquisa; Leitura e

documentação do material conceitual visando a documentar a investigação;

Organização e sistematização dos dados bibliográfico-conceituais de interesse da

pesquisa; Dissertação monográfica da pesquisa; Tratamento da dissertação na

forma de TCC, visando a submetê-lo à avaliação de praxe.

Como complemento para o estudo da obra de Rousseau, foram utilizadas

obras de comentadores, teses de mestrado, e outros, a fim de compreender melhor

a obra e aperfeiçoar a escrita.

Para tanto foi preciso lançar mão do problema central desta pesquisa, que

trata da seguinte questão: qual a origem da desigualdade moral ou política entre os

homens? É preciso compreender, primeiro, que Rousseau concebe o homem

envolvido em dois tipos de desigualdades: a natural ou física e a moral ou política. A

primeira trata da determinação da natureza humana, e que consiste nas diferenças

de idades, de forças, saúde do corpo e qualidades da alma. A segunda trata de uma

espécie de convenção entre os homens. Esta consiste nos privilégios em que alguns

gozam em detrimento de outros, por serem mais ricos mais poderosos ou por

fazerem obedecê-los.

A desigualdade natural não possui uma origem fundada, pois esta é intrínseca

aos homens. Não há, pelo que se sabe, uma ligação entre as duas formas de

desigualdade humana, pois tanto a força, quanto as virtudes não se encontram nos

indivíduos em porções iguais, assim como todos os demais atributos desses

homens. Mas a questão que se levanta como problema dessa dissertação visa

3 Ibidem. p, 51.

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discutir como se dá o progresso das coisas, do caminho percorrido pelas leis da

natureza até as convenções do contrato social e das leis morais.

Que meus leitores não pensem que ouso iludir-me julgando ter visto o que me parece tão difícil de ser visto. Iniciei alguns raciocínios, arrisquei algumas conjeturas, antes com intenção de esclarecer e de reduzir a questão ao seu verdadeiro estado do que na esperança de resolvê-la. Outros poderão, desembaraçadamente, ir mais longe na mesma direção, sem que para ninguém seja fácil chegar ao término pois não constitui empreendimento trivial separar o que há de original e de artificial na natureza atual do homem, e conhecer com exatidão um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente jamais existirá, e sobre a qual se tem, contudo, a necessidade de alcançar noções exatas para bem julgar de nosso estado presente4.

Pretendemos, primeiramente, fazer uma análise do processo percorrido pelo

filósofo, destacando a sua tese fundamental que propõe uma concepção de homem

distinta dos modelos filosóficos existentes naquele período. Rousseau, ao criar

hipoteticamente um Estado de Natureza do homem, determina que a desigualdade

presente nas relações humanas não é legitimada pelas leis naturais.

O primeiro capítulo desta dissertação aborda a Primeira Parte do Discurso,

fazendo uma breve descrição do homem no estado de natureza, do homem físico.

Do homem psicológico, que apresenta sentimentos e ações comuns aos animais e o

que distingue um do outro é a liberdade que o homem possui, além de sua

faculdade intelectual. Este capítulo aborda ainda o problema da origem da

linguagem. Por fim, trata sobre a sociabilidade e da passagem deste homem do

estado de natureza original a sociedade civil. Colocando a bondade como original

ao homem, mas que é corrompido pela civilização, o homem agora é definido pelo

seu valor moral/social.

O fim da Primeira Parte faz transição à Segunda Parte do Discurso, estes

assuntos são trabalhados no segundo capítulo desta dissertação. O fim da Primeira

Parte trata sobre a perfectibilidade e as virtudes sociais, como estas se

desenvolveram no homem para que ele se tornasse sociável e mau.

4Ibidem. p, 44-45.

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O segundo capítulo descreve os estágios pelo qual passou o homem no seu

desenvolvimento, chamando a atenção para o crescimento da desigualdade. Sendo

o último ponto deste desenvolvimento humano, apresentado por Rousseau, o estado

civil, levando em conta que o estágio decisivo foi o da propriedade, de onde vem

todo o mal.

Ainda no segundo capítulo desta dissertação percorre um caminho que vai da

analise do homem no estado de natureza, passando pelos primeiros progressos

desse homem, que nascem da dificuldade de sobrevivência com os outros animais

no meio natural, na produção de armas e instrumentos, no exercício do corpo e nas

disputas com outros homens para prover sua subsistência. Passando a diante,

vemos que estes progressos se intensificam com a habilidade do homem sobre a

geografia do território em que vive se adaptando as estações climáticas,

aperfeiçoando a caça e a pesca, produzindo vestimentas e utilizando o fogo. Por

fim, criando a consciência de o que interessa a todos os homens é o seu bem estar.

É da necessidade de conservação desse bem estar que surgem os primeiros

compromissos mútuos. Este interesse comum faz com que o homem dependa da

ajuda de seu semelhante para as tarefas diárias e com isso a necessidade de viver

próximo, produzir linguagem e negociar uns com os outros. Levando em

consideração o desenvolvimento psicológico do homem, percebe-se que este

homem contra seus instintos passa a constituir família, demonstrar sentimentos,

diferenciar os sexos, além de diversas outras ações que surgem tanto boas quanto

más.

Ainda no segundo capítulo vemos como a desigualdade se torna um estágio

no progresso humano. Tudo isso se dá por meio da invenção da propriedade, que

provoca a desigualdade, separando ricos de pobres, e que gera a necessidade de

criação das leis. A partir daí vemos a real separação entre o homem natural e o

homem social. O primeiro, que conhece a liberdade, e isto lhe basta para ser feliz; o

segundo conhece apenas trabalho e escravidão, é regido por leis morais e vive uma

vida de aparência, para agradar as normas dessa sociedade civil política.

Por fim apresentamos posteriormente ao segundo capítulo, a conclusão desta

dissertação. Que apresenta uma analise concisa da obra estudada e infere sobre o

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assunto em questão, dando aos leitores possíveis sugestões de compreensão.

Pontuando que tanto para filosofia e para política quanto para a educação Rousseau

ocupa um lugar de destaque, sedo-o um pensador além do seu tempo, procurou

produzir uma teoria que não ficou restrita aos comentários dos pensadores de sua

época, mas que, indo além, ficasse marcado na história do pensamento moderno.

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CAPÍTULO I

Caracterização do Estado de Natureza

No DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA

DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS, Rousseau parte do princípio que todo

homem é essencialmente bom, em virtude da civilização é que os homens

adquiriram uma personalidade maligna. O que acontece com o homem civilizado é o

mesmo que acontece com os animais que, quando se encontra diante de um

desafio, acabam manifestando uma personalidade agressiva. Mas esta não é a

natureza verdadeira dele, ao contrário, a natureza verdadeira dele é ter uma

personalidade pacífica. O ser humano em sua essência é bom, mas na maioria das

vezes as pessoas ficam conhecidas por seu comportamento em situações

calamitosas, ou em situações de conflito, ou em situações depressivas, situações

que despertam sua maldade.

A maldade humana se desenvolve por conta do seu convívio em civilização.

Podemos entender a sociedade como fruto de um contrato, onde se percebe que o

poder não é mais divino, não vem mais de deus. O poder neste modelo político é

simplesmente o fruto de um acordo entre as pessoas, de um contrato social.

Rousseau parte do pressuposto que há passos para se chegar ao poder político. E

segue o seguinte esquema: havia um estado de natureza em que as pessoas não

eram obrigadas a nada e nem obedecer a ninguém e, portanto, manifestavam seus

instintos naturais, elas viviam suas necessidades momentâneas. Esse estado de

natureza não pressupõe nenhum governo civil.

No segundo discurso o filósofo moderno apresenta duas ideias gerais. A

primeira é uma bondade original na natureza humana, que é alterada pela formação

da sociedade.

A segunda ideia é uma igualdade original do homem natural, em que a

natureza, os deixa em situação de igualdade, são homens que não entram em

guerras com seu semelhante e também não tem a perspectiva de serem arbitrários,

frente aos demais. Assim, o estado de natureza seria a situação ideal para

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Rousseau. No entanto, as diferenças físicas presentes em cada ser humano

progressivamente destituem a igualdade natural, produzindo assim as

desigualdades sociais.

Evitemos, pois, confundir o homem selvagem com os homens que temos diante dos olhos. A natureza trata todos os animais abandonados a seus cuidados com uma predileção com que parece querer mostrar quanto é ciosa desse direito. [...] acrescentemos que, entre a condição selvagem e a doméstica, a diferença de homem para homem deverá ser ainda maior do que a existente de animal para animal, pois sendo o animal e o homem tratados igualmente pela natureza, todas as comodidades que o homem a si mesmo oferece, mas não aos animais, são outras tantas causas particulares que fazem com que mais perceptivelmente degenere 5.

O Estado de natureza, de acordo com o filósofo Rousseau, não se constituiu

por um momento histórico repleto por imprudências que devem ser ultrapassadas

pela chamada civilização, mas como resultado de um caráter corruptível que o

homem sofreu, pois, seu estado primeiro é a bondade.

O homem selvagem significa não está socializável, no entanto, ele pode ser

considerado bom, porque tem a sua disposição tudo que é necessário para

satisfazer suas vontades, não procurando atrito com os demais no mesmo ambiente.

Só, desocupado e sempre próximo do perigo, o homem selvagem deve gostar de dormir e ter o sono leve, como os animais que, pensando pouco, dormem, por assim dizer, todo o tempo em que não estão pensando. Constituindo a própria conservação quase sua única preocupação, as faculdades mais exercitadas deverão ser aquelas cujo objetivo principal seja o ataque e a defesa, quer para subjugar a presa, quer para defender-se de tornar-se a de um outro animal; os órgãos que só se aperfeiçoam pela lassidão e pela sensualidade devem, ao contrário, permanecer num estado de grosseria que deles excluirá qualquer delicadeza; ficando seus sentidos, nessa direção, divididos, terá o tato e o gosto de uma rudez extrema, e a vista, a audição e o olfato de uma enorme sutileza6.

5Ibidem. p, 62-63.

6 Ibidem. p, 63.

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Rousseau aplica ao estado de natureza características positivas, como por

exemplo, o filósofo considera o ambiente bastante favorável às condições de vida

humana, principalmente no que diz respeito ao sustento alimentar de cada ser ali

presente. Por não conhecer outras necessidades o homem no estado de natureza

não sentia a curiosidade de buscar outros meios, e assim, satisfazia-se com o que

lhe tinha disponível.

A relação entre homem e natureza era aperfeiçoada porque um complementa

o outro, e isso só poderia ser abalado quando o envolvimento da civilização

perpassasse por ambos. Para Rousseau é impraticável que o homem viva em

sociedade sem obter subversões.

Como aponta Santos, 1998:

A natureza levou o homem a se socializar, mas essa mudança não foi linear, pois o equilíbrio no qual viviam no estado de natureza, entre a necessidade e a oferta, foi rompida. [...] O homem é natureza, mas também é diferente das outras espécies naturais, pois ele possui a faculdade da perfectibilidade, e assim, pode construir instrumentos e vencer a natureza, diferente dos animais. [...], entretanto, no primeiro momento em que o homem vence a natureza pela perfectibilidade, ele não cai imediatamente na depravação e na decadência 7.

Também naquele estado o homem era de tal modo que não precisava da

convivência com seus semelhantes, o homem no estado de natureza não tinha a

mínima necessidade do outro, achegando-se apenas por eventualidades do desejo.

Esses homens não tendo nenhuma afinidade de moral, nem deveres conhecidos,

não poderiam ser bons e nem maus, não contendo vícios e nenhuma virtude.

Esse homem habitando em isolamento ou num espaço natural que

contentava de todo suas necessidades de sustento, não tinha pretextos para

competir e menos ainda para embarcar em confusões com seus semelhantes.

Portanto, o estudo do Discurso do filósofo Rousseau, busca assinalar duas

condições de desigualdade, a desigualdade física, e a desigualdade moral.

Pretende-se aqui considerar como ocorreu a transição da primeira à segunda.

7 SANTOS, Girlene Aparecida dos. A ideia de natureza em Rousseau: introdução a um debate. 1998.

162 f. Dissertação (Mestrado em geografia) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.

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O homem no estado de natureza apresenta- se com um preparo físico

satisfeito. Este homem tem sua necessidade fluentemente contemplada e, por estar

no mesmo ambiente que os animais, carrega consigo influência do instinto,

possuindo temperamento forte, o que faz com que não utilize equipamentos

industriais, como máquinas, tendo o corpo como único meio de resolver suas

atividades.

O homem a sua própria sorte, se utiliza de todos os recursos que a natureza

lhe oferece, não em excessos, mas na medida em que o momento pedir, na hora de

se proteger das tempestades e de diversos outros fenômenos da natura, o homem

não sente dificuldades por conhecer cada local onde habita, também por ter um

instinto de conservação bastante apurado, adquirido do convívio com os animais.

Apesar desse instinto recebido do convívio com os animais, o homem não

detém de tanta força física para se igualar a determinados animais, sabendo

reconhecer sua limitação no momento que for necessário, e por isso busca meios

para se proteger ou mesmo saber o momento de se afastar de uma luta.

O homem selvagem, depois de ter comido, fica em paz com toda a natureza e é amigo de todos os seus semelhantes. Caso, por vezes, tenha de disputar a alimentação, jamais avança desferindo golpes, sem antes ter comparado a dificuldade de vencer com a de encontrar em outro lugar sua subsistência, e, como o orgulho não interfere no combate, este acaba com alguns murros; o vencedor come, o vencido vai tentar a sorte e tudo fica em paz8. [...]

Aragão, 2008 afirma que:

O homem natural é um ser incapaz de atacar o seu semelhante a não ser pelo fato de se sentir ameaçado, enquanto que o homem civilizado age de forma oposta e pode, por meio da razão, fazer mal ao semelhante em benefício próprio, seja executando a maldade ou

apenas ignorando o fato de ver um igual sofrer9.

8 ROUSSEAU, J.J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.

São Paulo: Nova Cultural, 1999.p, 128. 9 ARAGÃO, Jeudy Machado. Desnaturação em Rousseau: Corrupção ou aperfeiçoamento? 2008. 95.

f. Dissertação. (Mestrado em Filosofia). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

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O homem, este ser que apresenta a faculdade da razão, passa por inúmeras

situações no decorrer de sua vida, de precisar suprir suas necessidades, mesmo

sendo necessidades básicas possíveis, e alguns acontecimentos que são inevitáveis

na sua existência.

Outros inimigos, mais temíveis e em face dos quais o homem não conta com os mesmos meios para defender-se, são as enfermidades naturais, a infância, a velhice e as doenças de toda espécie; sinais muito tristes de nossa fraqueza, os dois primeiros são comuns a todos os animais e o último pertence principalmente ao homem que vive em sociedade. Observo até, em relação à infância, que, levando a mãe consigo o filho para todos os lugares, tem muito mais facilidade para alimentá-lo do que as fêmeas de inúmeros animais que são forçadas, continuamente e com muita fadiga, a ir e vir, de um lado para outro para procurar pasto e, de outro, para amamentar e nutrir seus filhotes10.

Assim, a maternidade dá à mulher a oportunidade de iniciar esse ciclo natural

da vida, gerar em seu ventre seres que passará por todas as ocasiões da vida, essa

mãe tem a necessidade de cuidar da criança, oferecer o alimento, cuidar das

enfermidades, do deslocamento, abrigá-lo.

As mulheres e mães tem o dom de proteção para com seus filhos, chegando a

ultrapassar a proteção das fêmeas no cuidado com suas crias. A mãe também tem o

papel de ensinar algumas necessidades da vida, e que serão aperfeiçoados ao

longo do tempo, como o instinto de preservação. Levando em conta que a maioria

das mães possuem vários filhos com idades próximas, então essas crianças

precisam aprender muito cedo a conduzir suas vidas, tornando–se homens fortes,

robustos, dispostos a lutar pela sobrevivência.

Ao longo da vida estes homens que vivem no estado de natureza, não se

deparam com grandes problemas, além das necessidades diárias. Problemas que

possam mexer com seu íntimo, emocional, perturbações estressantes da vida, o que

acontece na sociedade civil, que leva o homem as doenças. No estado de natureza

as doenças são incomuns, significa que o modo de vida que esses homens têm ao

10

ROUSSEAU, J.J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p, 60.

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longo do tempo, não as deixa conhecer. No momento da velhice o homem não fica

acomodado, justamente, porque, seus atos, seu condicionamento físico, robusto,

que faz correr atrás do que precisa, não o deixa sedentário, a forma como se

alimenta, já que sobrevive unicamente de recursos oferecido pela natureza, faz que

esse homem fique distante das doenças.

[...] Entre os velhos, que agem e transpiram pouco, a necessidade de alimentos diminui com a faculdade de atendê-la e, como a vida selvagem distancia deles os reumatismos e a gota, e como a velhice, entre os males, é aquela que o socorro humano menos pode aliviar, extinguem-se um dia, sem que nos apercebamos que deixaram de viver e quase sem que eles mesmos percebam11.

Assim, o estado de natureza coloca o homem e também os animais distantes

de perigos, aproveitando de uma vida tranquila, que deixa desnecessário e podendo

ser também desconhecido o uso da medicina. Ficando como único e responsável

pelos adventos naturais que acarreta a vida do homem o tempo, no curso obrigatório

e continuo fenômeno responsável pela vida do homem.

Assim como os animais, o homem possui os sentidos, e partir deles consegui

perceber e sentir formulando ideias, diferenciando-se do animal, por possuir a

liberdade, que o fará querer as coisas e ao mesmo temer as suas consequências12.

O homem natural, também vê a liberdade como uma necessidade

indispensável, que preza para que todos sejam tratados da mesma maneira, sendo

que todos estão na mesma condição. De tal forma, o homem tem em suas mãos o

poder de fazer suas escolhas, a natureza oferece e esse homem irá decidir se aceita

ou não. Diferente do animal, que aceita de imediato o que lhe é oferecido. Então, se

o homem pode fazer suas escolhas, é livre para aceitar ou rejeitar o que é oferecido

pela natureza, esse homem está fazendo uso da liberdade. Podendo distanciar-se

quando não for conveniente e não encontrar segurança.

A natureza manda em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência, mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é, sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma, pois a física de certo

11

Ibidem .p, 61. 12

Cf. ROUSSEAU, 1999. p, 15-16.

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modo explica o mecanismo dos sentidos e a formação das ideias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que de modo algum serão explicados pelas leis da mecânica13.

Nesse momento que o homem considera- se livre sua razão é colocada em

atuação pelas paixões, sendo logo depois, movidas pelas necessidades. Portanto,

as paixões incipientes são restringidas simplesmente pelo desejo de reprodução, o

desejo de alimentação e o de descanso.

Diferentemente do animal, o homem também se mostra com a capacidade de

aperfeiçoar-se, pelo passar do tempo e avanço da idade, o homem adquire

experiências, falhas e acertos. O homem passará a abranger as suas necessidades,

até descobrir novas necessidades.

Sendo assim, o avanço do intelecto é dependente pelas paixões e por tais

necessidades, que a todo instante não param de aumentar. Depois que conquistada

às necessidades básicas o homem passa a ter outras paixões e, para que utilize tais

paixões, o homem precisa primeiramente conhecer, colocando em atuação o seu

intelecto, fazendo a razão se aperfeiçoar. O progresso intelectual, destarte, equivale

para os afazeres, para as curiosidades e pela cautela. Episódios que fazem parte do

cotidiano do homem social e não das paixões do homem natural.

Apesar do que dizem os moralistas, o entendimento humano muito deve às paixões, que, segundo uma opinião geral, lhe devem também muito. É pela sua atividade que nossa razão se aperfeiçoa; só procuramos conhecer porque desejamos usufruir e é impossível conceber por que aquele, que não tem desejos ou temores, dar-se-ia a pena de raciocinar14.

Quando Rousseau aborda o avanço do intelecto, passa a considerar também

o surgimento da língua. Ele coloca que:

[...] E até que ponto poderia aperfeiçoar-se e esclarecer-se mutuamente homens que, não tendo domicílio fixo nem necessidade

13

Ibidem. p, 64. 14

Ibidem. P, 65-66.

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uns dos outros, se encontrariam, talvez somente duas vezes na vida, sem se conhecer e sem falar15?

Deste modo, o homem natural não precisava dos seus semelhantes, eles só

se achegavam por eventualidades do desejo, abrigavam-se onde fosse possível e

cabível e por não está sempre próximo aos seus semelhantes aperfeiçoar-se seria

mais difícil, porque o aperfeiçoamento acontece também da relação entre os

homens. No entanto, essa relação foi acontecendo gradualmente, devido às

conquistas feitas pela paixão, que deixaram de procurar as necessidades básicas e

alcançaram outras paixões. Assim, essa relação foi concebida mediante o uso da

linguagem, que cresceu e se aperfeiçoou no decorrer do processo de evolução do

homem.

Sem a aproximação entre os semelhantes no estado de natureza, que era

pouco comum, também não havia a necessidade de descoberta da língua. No

entanto, mesmo a língua não estando representada no estado natural do homem, já

existia indícios do uso da primeira língua do homem natural, que seria representada

pelo grito, não sendo usado a todo tempo, mas como uma qualidade de instinto, que

surgiria nos momentos mais necessários do homem, a exemplo da busca de socorro

extremo, porque sendo o homem natural forte e corajoso, de inicio pretenderia

resolver o problema.

Mas, esse homem precisando do seu semelhante, seja no momento de

aflição ou socorro, os laços entre eles começam a aumentar e, deste modo, também

começa a existir maiores necessidades de entendimento entre esses homens.

[...] Quando as ideias dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais extensa; multiplicaram as inflexões de voz e juntaram-lhes gestos que, por sua natureza, são mais expressivos e cujo sentido depende menos de uma determinação anterior16.

15

Ibidem. p, 68. 16

Ibidem. p, 71.

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23

De início os homens utilizavam o grito, mesmo que com pouca frequência,

que era determinado por uma situação anterior, o grito acontecia em ocasiões de

extrema periculosidade. Posteriormente ao grito, o homem começa a utilizar-se dos

gestos, pela necessidade de maior aproximação ao seu semelhante. No entanto, os

gestos só abrangiam aqueles que estivessem próximos, porque para que aconteça a

língua em forma de gestos é necessário também o uso visual, tornando-se uma

linguagem não universal.

Pela complexidade do uso dos gestos, por exigir muito do corpo, os homens

decidiram fazer uso da voz, sendo que o uso da voz para esses homens seria algo

muito difícil. Aprender as palavras exigiria certos esforços e convenção entre o grupo

por meio de um acordo, para homens que não tinham aproximação e não conheciam

tais ferramentas, e também, por possuírem uma rispidez em órgãos nunca

exercitados17. Assim, com o uso inicial da voz, foi preciso formar um novo acordo

entre homens, que até então só se comunicavam nas poucas vezes que

encontravam um ao outro, com gritos e gestos. Por isso a necessidade de um

acordo para se comunicarem com palavras, que representariam todo o contexto do

que estes homens estavam passando no ambiente natural ou do queriam expressar

ao próximo, sendo que a relação entre homens aumenta comparada a linguagem

utilizada anteriormente entre eles.

Então de início, no uso das palavras, todas as coisas existentes e presentes

na natureza e disponíveis ao homem receberam significação única. Não

considerando gêneros e espécies, pois observar o que cada coisa ou ser tinham em

comum, requeriam esforços, além dos habituais utilizados por este homem18.

Com o passar do tempo o vocabulário utilizado pelos homens teve

significativo aumento e organização. Foi possível construir uma estrutura lógica

organizada para as palavras utilizadas pelos homens, como citada anteriormente.

Segundo Rousseau.

Mas quando, por meios que não conheço, nossos novos gramáticos começaram a estender suas ideias e a generalizar suas palavras, a ignorância dos inventores obrigou esse método a sujeitar-se a limites muito estreitos, e como, a princípio, eles tinham

17

Cf. ROUSSEAU, 1999. p, 71. 18

Cf. ROUSSEAU, 1999, p, 71-72.

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multiplicado demasiado os nomes dos indivíduos por não conhecerem seus gêneros e espécies, demarcaram, depois, muito poucas espécies e gêneros, por não terem considerado nos seres todas as suas diferenças19.

Assim, o homem inicialmente no uso das palavras, não sabia formar frases,

diferenciar ou relacionar seres e objetos por gênero ou espécie, reconhecia o que

estava ao seu alcance por nomes individuais, porém, ao longo da utilização das

palavras suas ideias foram elevando e substituíram-se as palavras individuas, por

generalização da palavra, por não conhecer as especificidades das coisas e seres

existentes. O número de descobertas foi considerado poucas, devido esta

generalização das palavras.

Sabendo de todas as dificuldades encontradas pelo homem natural,

Rousseau, descreve a respeito da origem das línguas:

Quanto a mim, atemorizado com as dificuldades que se multiplicam e convencido da impossibilidade quase demonstrada de terem podido as línguas nascer e estabelecer-se por meios puramente humanos, deixo, a quem o desejar, empreender a discussão desse problema difícil de saber o que foi mais necessário - a sociedade já organizada quando se instituíram as línguas, ou as línguas já inventadas quando se estabeleceu a sociedade20.

A sociedade civil, não condiz com a natureza humana, natureza esta que

mostra sua origem, de não depender do seu semelhante, não temer a dor e ao

menos saber o que é a morte, que sobrevive unicamente para satisfazer suas

necessidades do momento. Assim, o homem natural quando começa a ter

necessidade do uso da língua e de comunicar-se com o seu próximo, demonstra seu

progresso intelectual, sendo que, este progresso diz respeito aos acordos sociais.

De tal modo, a sociedade civil, foi constituída posteriormente ao uso inicial da língua,

seja, o grito a primeira língua natural, seguida das inflexões da voz e depois por

palavras que representavam individualmente tudo que estava ao redor do homem,

chegando até as ideias gerais, que também levaram os homens a generalização dos

gêneros e espécies.

19

Ibidem. p, 73. 20

Ibidem. p, 73-74.

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25

Assim como, as inflexões da língua, e o uso das palavras dizem respeito à

sociedade civil, Agora é a moral que se conceituará como produto do social [...] 21,

portanto, o homem natural, não possui alguma relação de moral e deveres que

possam fazer em comum, por consequência, não poderia ser bom, e também mau.

Isso, por não conhecer as virtudes e os vícios, por consequência o que é bom e

mau. Se o homem não conhece o que é bom, com o seu semelhante, não quer

dizer, que agirá mau, para manter seu instinto de conservação e tentar proteger o

que lhe tem disponível. Diferente dessa situação, o homem natural, não faz uso da

bondade ou maldade por não conhecer tais faculdades, sendo ignoradas22.

Da mesma maneira, que Rousseau aborda o instinto de conservação, sem

exageros e sem prejudicar ao seu semelhante, por não conhecer as faculdades da

bondade e da maldade. Rousseau também nos mostra um princípio natural ao

homem, à piedade, que faz o homem esquecer um pouco de si mesmo e levar em

consideração o amor ao seu semelhante, a compadecer a dor e a necessidade do

próximo, princípio reconhecido como precedente a qualquer reflexão e naturais a

algumas bestas23.

A piedade sendo natural no estado de natureza pode ser encontrada e vista

em atitudes de homens contemporâneos, seja por ajudar ao semelhante

alimentando a sua fome, abrigando-o do frio, vemos estas atitudes em ações sociais

realizadas nas ruas, nos asilos, ou mesmo em nossas casas ou família, o simples

desejo de não ver o semelhante passando por dificuldades, mesmo que esse

sentimento de piedade pareça existente em menor número de pessoas, isso devido

ao desejo que alguns sentem em prejudicar ou não estender à mão ao semelhante.

Certo, pois a piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo a ação do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. Ela nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz; ela impedirá qualquer selvagem robusto de tirar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a subsistência adquirida com

21

Cf. ROUSSEAU, 1999. Nota de Lourival Gomes Machado. p, 75. 22

Cf. ROUSSEAU, 1999. p, 75. 23

Cf. ROUSSEAU, 1999. p, 77.

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dificuldade, desde que ele mesmo possa encontrar a sua em outra parte24. [...]

Esse sentimento ou princípio de piedade que é natural ao homem o domina

antes que o homem pense em agir ao ter compaixão ao semelhante, o seu instinto

entra em ação, falando mais alto no seu interior, assim funciona a única virtude

natural ao homem no estado de natureza, demonstrando sentimento de

aproximação aos infelizes.

A piedade, que faz o homem esquecer-se de se e amar ao próximo, que faz o

homem se colocar no sofrimento do outro, convém em momentos que o homem

tenta se proteger de predadores, entretanto, ao mesmo tempo sem machucar aquele

que tenta o prejudicar. Essa é piedade que faz o homem agir naturalmente,

pautando o amor de si em favor da conservação do outro, que provoca o bom senso

para que o homem não cometa excessos. A não ser em momentos que as paixões

afloram como nos poucos casos em que homens disputam o sustento de cada dia,

que é a alimentação. Esse é considerado o maior motivo para que homens

entrassem em lutas violentas.

Uma paixão que se torna violenta ao homem natural é o amor. Paixão esta

que faz os semelhantes se achegarem pelo desejo, que leva aos machos a disputas

sangrentas pelas fêmeas e que ganha o mais forte. O amor pode ser representado e

diferenciado como, amor físico e amor moral. Quais seriam essas diferenças do

amor? O amor físico acontece em homens e mulheres, machos e fêmeas, que só se

achegam pelo desejo do sexo ou o desejo da carne, porque o homem natural não

considera diferenças nas mulheres, consistindo em satisfazer seus desejos com

todas, uma a cada vez, este homem simplesmente não sabe o significado ou mesmo

conhece o sentimento do amor.

Diferentemente, o amor moral está relacionado às convenções da sociedade,

são acontecimentos que a sociedade determina como composição do amor, como

homens que se achegam as mulheres e mulheres a homens pelo que consideram

beleza aparente, pela admiração, a fidelidade e o ciúme como sentimento de posse

24

Ibidem. p, 78-79.

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do companheiro, que acarretam em crimes. Diferente do homem natural, que

encontravam as mulheres uma única vez, para a satisfação do desejo. O amor

físico, uma percepção pura e que dava prazer ao homem, torna-se distante, devido

às modificações culturais que o homem foi instituindo no decorrer de sua história.

De tal maneira, o estado de natureza, criado por Rousseau, que coloca o

homem na situação de selvagem, robusto, capaz de suprir suas necessidades

básicas, que considera- se livre para fazer suas escolhas, o homem que teme a dor,

porém, desconhece a morte, homem que sente piedade, sentimento anterior a

qualquer reflexão, de colocar-se na situação do outro, que tem o sentimento do amor

físico, desconhecido por ele, no entanto vivenciado, amor físico, de achegar ao

próximo pelo desejo do sexo. Estas são algumas características postas por

Rousseau para demonstrar que tais situações vivenciadas pelo homem natural

apontam que a desigualdade é quase nula no estado de natureza25.

No entanto, o homem natural no decorrer do tempo e com o aumento das

suas necessidades, passa a vivenciar situações que o faz distanciar-se do estado

primeiro de selvageria, a exemplo do desenvolvimento da língua, que tinha o grito

como a primeira língua natural, seguida das inflexões da voz, chegando às palavras

que representavam todas as coisas em particular e por fim as ideias gerais,

compreendendo tudo que estar ao redor. A descoberta da língua corresponde ao

progresso intelectual, que por consequência supõe a formação da sociedade.

Segundo Rousseau, o comportamento do homem corresponde ao meio ao

qual está inserido e pela maneira como foi educado. O homem social não agiu com

brutalidade pelo fato de possuir corpos capazes para esta ação, mas sim, por que foi

treinado ou educado para que causasse esta atitude.

Para Rousseau, a sociedade também corresponde à desigualdade de poder,

que considera acontecer na instituição da propriedade 26. Diferente do estado de

natureza que desconhece essa desigualdade de poder entre homens, seria

impossível fazer com que homens selvagens obedecessem a outro selvagem. Este

homem que não tem nada a perder, porque nada lhe pertence, tudo é de todos no

estado de natureza e o que lhe tentassem tirar buscaria outra solução, tentar

25

Ibidem. p.17. 26

Este tema será detalhado no Capítulo II desta dissertação.

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dominar o homem selvagem seria um trabalho perdido e cansativo. Assim, a

dependência acontece quando homens sentem necessidade de aproximação com

seu semelhante, isso na sociedade, como o homem natural não tem a necessidade

de achegar-se ao semelhante, torna-se impossível à desigualdade de poder.

Buscando compreender o modo de vida do estado de natureza, pode-se

considerar que a desigualdade não tem tantas influências sobre os homens, no

entanto, com o passar do tempo o homem sofreu alguns progressos, que são

relacionados à sociedade. Primeiro foi à origem da língua, vista anteriormente e

depois, a formação da propriedade.

A formação da propriedade foi acontecendo segundo as necessidades do

homem, sua disposição inicial era de sobreviver unicamente dos recursos oferecidos

pela natureza sem cometer excessos. Portanto, o homem foi progredindo e suas

necessidades foram aumentando, e consequentemente precisava suprir suas

necessidades e dificuldades que foram encontrando, mas para isso, o homem que

não tinha nenhum esforço para ter ao seu dispor o que queria, precisou aumentar

suas buscas, sua maneira de resistir a sua conservação, foi preciso trabalho e muito

esforço físico.

[...] Mas logo surgiram dificuldades e impôs-se aprender a vencê-las; a altura das árvores, que o impediam de alcançar os frutos, a concorrência dos animais que procuravam nutrir-se deles, a ferocidade daqueles que lhe ameaçavam a própria vida, tudo o obrigou a entregar-se aos exercícios do corpo; foi preciso tornar-se ágil, rápido na carreira, vigoroso no combate27.

O desenvolvimento do homem fez sua vida mudar e junto aconteceu o

desenvolver do ambiente, para poder sobreviver foi preciso à adaptação do homem

as condições que está sujeito a viver. O homem precisou formar relações com seu

semelhante, que não aconteceram por acaso, mas por seleções de características

que os deixassem mais parecidos possíveis. Acontecendo assim, o combate entre

grupos e o desprezo com os animais, por considerar-se descobridores de

27

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999. p, 88.

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instrumentos, e inferiores as suas qualidades e homens que buscavam adquirir

vantagem do melhor modo possível.

O aperfeiçoamento do homem foi de tal maneira, que o que a natureza lhe

disponibilizava tentou logo transformar em instrumentos para facilitar sua vida. Estes

instrumentos fizeram os homens construírem as primeiras cabanas para a sua

proteção dos fenômenos da natureza, diferente das situações anteriores, em que o

homem se abrigava em qualquer local possível. Já que os homens tinham

construído suas cabanas, puderam também constituir suas famílias, essa formação,

faz acontecer os indícios de sociedades, que ficaram unidos por um bem comum,

que seria o bem-estar de homens, mulheres e filhos, tornando-se proprietários de

suas habitações.

Para a conservação das famílias, os homens saiam em busca de alimentos

enquanto as mulheres ficavam nas cabanas cuidando dos filhos, percebia-se assim,

as primeiras diferenças de sexo, em que ambos, no estado de selvageria não

poderiam ser diferenciados, porque viviam na mesma condição, realizando as

mesmas atividades.

Com a mudança de vida dos homens, a busca por aperfeiçoamentos de

instrumentos, para um modo de vida social, o surgimento de sentimentos

decorrentes da formação das famílias, as disputas entre homens que consideravam-

se melhores e mais preparos que o outro. Estes foram os acontecimentos capazes

de determinar as primeiras desigualdades entre os homens.

Deste modo, com o surgimento das primeiras desigualdades foi preciso

determinar também os primeiros indícios de civilidade, em que todos os homens

presentes na sociedade têm deveres e direitos a cumprir. São impostas regras a

seguir para que aconteça uma convivência no mínimo agradável, e acreditando-se

que todos as cumpram, porque não seguir as normas da sociedade, implica que o

homem sofrerá consequências. Rousseau demonstra que o desenvolvimento

conquistado, com a descoberta de inúmeras situações levou ao progresso do

homem, no entanto, o homem natural deixou-se acabar.

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30

CAPÍTULO II

Aquisição da Propriedade Privada e Formação da Sociedade Civil

Política

A sociedade civil tem seu inicio quando um homem tendo cercado um

terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente

simples para acreditar 28. A esta simplicidade Rousseau atribui ao homem no estado

natural, desprendido das coisas e que vive em harmonia com os outros, tendo

apenas o que lhe é necessário para sobrevivência. Por outro lado, esta mesma

simplicidade marca a passagem entre aquele homem no estado natural e o homem

que já não busca apenas subsistência, mas a posse das coisas, que advém através

da perfectibilidade29. Agora se apresenta um arcabouço histórico evolutivo traçado,

principalmente pelo progresso, pela posse e pelo poder, tendo como variante suas

desigualdades. Todas estas coisas se deram de modo muito lento em sucessões de

acontecimentos e de conhecimentos.

Os instintos do homem no estado natural aflorava tal qual a de outro animal

inicialmente, limitado as sensações mais puras e sobrevindo apenas com o que a

natureza lhe oferecia. Este homem estava longe do desejo de posse de alguma

coisa. Porém, com o passar do tempo, sugiram as dificuldades e foi preciso que este

homem desenvolvesse habilidades mais avançadas para vencer adversidades

existentes na natureza, aprimorando seu corpo e disputar sua subsistência como os

outros animais e com outros homens. Foi preciso dominar determinadas técnicas e

se aperfeiçoar, pois aumentaram sua capacidade de trabalho e também de

sobrevivência da espécie, aumentando o número de homens para disputar os

espaços. A natureza também mudou ao longo do tempo, seu clima, relevo, geografia

ficou diferente com o passar do tempo, isso impulsionou o homem a mudar. As

técnicas ficaram cada vez mais rebuscadas, foi preciso construir instrumentos mais

eficazes e rápidos, como o arco-e-flexa, a vara de pescar, vestimentas, conservação

de alimentos e o uso do fogo.

28

Cf. ROSSEAU, 1999. p, 87 29

Cf. Capítulo I desta monografia. p, 26.

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É notório que o homem aperfeiçoou-se ao longo do tempo e já não vivia de

modo tão animalesco quanto antes. Este homem estocava alimentos, tinha noção

das estações climáticas, construía armas de caça. Este homem aos pouco

demonstrava o domínio da razão, e seus instintos era, cada vez mais, domado. Com

a aquisição da linguagem e uso das palavras o espírito do homem levou a perceber

certas relações, em que se expressão os sentimentos e facilitou a vida em grupo.

O homem desenvolveu-se de tal modo que se tornou superior sobre os outros

animais. Ele pode preparar armadilhas e, embora fosse mais fraco fisicamente que

vários animais, dominarem animais de grande porte e velozes, para servi-lo e nutri-

los. Este homem acaba por ser o senhor da natureza, utilizando-se de determinados

animais e alimentando-se de outros30.

O tempo propiciou ao homem perceber conformidades entre si, que eles

tinham comportamentos comuns, assim como os mesmos interesses, maneira de

pensar e de sentir.

[...] Uma vez bem estabelecida em seu espírito, essa importante verdade levou-o a seguir por meio de um pressentimento tão seguro e mais rápido do que a dialética, as melhores regras de conduta que, para seu proveito e segurança, achou melhor manter para com eles31.

Segundo Rousseau, com o uso e avanço da razão o homem conquistou

demais progresso. A capacidade de aperfeiçoamento fez o homem produtor de

instrumentos cada vez mais elaborados. Assim, utilizou-se dos recursos da natureza

e através dos instrumentos começou a criar habitações resistentes para suas

famílias. Nesta época acentua-se a aquisição da propriedade primeiras

organizações de sociedade. Iniciando pelos mais fortes e sendo copiado pelos mais

fracos. Assim um não precisaria se apropriar da moradia do outro, evitando o

combate entre eles.

O homem natural criado por Rousseau passa a ser o homem social. Este

homem vivenciou os primeiros progressos e por consequência criou o maior dos

30

Cf. ROUSSEAU 1999. p, 89. 31

Ibidem. p, 89.

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progressos que gera desigualdade, a propriedade. Consistindo como responsável

para essa modificação do homem a capacidade de aperfeiçoamento do homem

social, em que procura a cada momento modificar e aperfeiçoar seus instrumentos,

começando as disputas entre homens.

Nesse novo estado, numa vida simples e solitária, com necessidades muito limitadas e os instrumentos que tinham inventado para satisfazê-las, os homens, gozando de um prazer bem maior, empregaram-no na obtenção de inúmeras espécies de comodidades desconhecidas por seus antepassados; foi o primeiro jugo que, impensadamente, impuseram a si mesmo e a primeira fonte de males que prepararam para seus descendentes, pois, alem de assim continuarem a enfraquecer o corpo e o espírito, essas comodidades, perdendo pelo habito quase todo seu deleite e degenerando ao mesmo tempo em verdadeiras necessidades, a privação se tornou muito mais cruel do que doce fora sua posse, e os homens sentiam-se infelizes por perdê-las, sem terem sido felizes por possuí-las32.

O espírito do homem se elevou com a constituição da família. Da convivência

entre marido e mulher, pais e filhos, da divisão de tarefas entre si, do cuidado, do

habito de viver juntos. Disto nascem doces sentimentos, que são conhecidos aos

homens. Então a família seria um modelo micro de sociedade, ainda mais unida.

O uso da palavra foi fundamental para afirmação da família. Isto aliado aos

diversos acontecimentos físicos que puderam aumentar a linguagem e acelerar seu

progresso. Dentre elas as separações continentais no globo terrestre, que fez com

que cada grupo de homens se desenvolvesse de maneira diferente dos outros

grupos. Criando idiomas comuns, pela sua proximidade, mais facilmente do que

aqueles que viviam em outros grupos, dos que viviam livremente nas florestas.

Ao aproximar-se lentamente e fixar moradias em determinado lugar, o homem

começa a criar uma nação particular, com costumes e características próprias,

conforme suas necessidades. Mantendo relações com as nações vizinhas, por força

da natureza, pela necessidade de comércio, por constituição de famílias entre si, por

frequentação mutua o homem se torna social.

32

Ibidem. p, 91.

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33

A partir deste momento valores morais surgem na vida do homem, que deixa

de viver por seu instinto natural e passa a viver por convenção social. Esta

convenção social se trata de acordos selados entre os homens que vivem em

sociedade, ela trata dos critérios estabelecidos nas relações entre os homens,

levando em conta a consideração e o apreço que um tem pelo outro. É a partir do

apreço e da consideração que os homens têm entre si que surgem os primeiros

deveres de civilidade juntos com outros sentimentos que lhes acende ao espírito,

cita Rousseau:

[...] Saíram daí os primeiro deveres de civilidade, mesmo entre os selvagens, e por isso toda afronta voluntaria tornou-se um ultraje porque, junto com o mal que resultava da injuria ao ofendido, este nela via desprezo pela sua pessoa, frequentemente mais insuportável do que o próprio mal33. [...]

Compreendemos que aqui Rousseau apresenta outro selvagem. Diferente do

bom selvagem que conservava a simplicidade no estado de natureza em sua

origem, o mau selvagem foi corrompido pelos vícios da sociedade, sem distinguir as

vantagens sociais das pertenças da natureza, este homem seria um bárbaro, um

bruto34.

Um intervalo imenso, nos diz Rousseau, separa a perda do estado primitivo e a passagem ao estado civil. Rigorosamente, o estado de natureza só terá fim no momento em que os homens estabelecerem comunidades políticas e se proporcionarem um governo. Ver-se-á então, segundo os próprios termos de Rousseau, um “segundo estado de natureza”, em que o homem está já desnaturado sem estar ainda socializado. Terá atravessado uma história antes de ser homem “civil” 35. [...]

A sociedade que se inicia necessita de homens que tivessem qualidades

diferentes das que o seu estado natural oferecia. A sociedade seria organizada por

leis e este homem, que por meio da moralidade deveria se ajustar, não poderia

comportar-se como antes, no estado de natureza, onde o terror da vingança e

33

Ibidem. p, 92 34

Cf. Rousseau, 1999. Nota de Paul Arbousse- Bastide, p, 93. 35

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguidos de sete ensaios sobre Rousseau. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p, 399.

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34

brutalidade era permitido. Deste modo, mesmo que este homem seja menos

compreensivo, a piedade natural sofrera alterações acentuadas36.

Rousseau achava que o estado em que o homem podia construir e manipular

as coisas por si e sem a ajuda de outros, eram efetivamente livres, sábios, bons e

felizes, este estado de natureza lhe propiciava tais sentimentos. A partir do momento

que o homem precisou do auxílio do outro, a dependência de alguém, desapareceu

a igualdade, e adentrou a propriedade, os homens tornaram-se cruéis, soberbos,

orgulhosos.

A propriedade, por sua vez, resulta do manejo do homem com a terra e da

necessidade de partilha dessa terra, para que cada um produzisse alimentos de

subsistência. Foi necessário criar regras justas para que cada um conquistasse as

terras que merecia. Com o entendimento de que era possível estocar os cultivos de

sua terra, a perspectiva para um futuro e o sentimento de posse de um bem que

poderia perder, este homem passou a temer o que outro poderia lhe causar para

pegar este bem. Talvez seja a origem mais natural possível, pois nos leva a pensar

que não seria possível a ideia de propriedade sem a mão de obra destes homens,

no uso continuou de determinado espaço de terra para o plantio e colheita, ano após

ano. Para isso era preciso à partilha de terras, criando uma espécie de direito de

propriedade, o que resultou em uma lei natural. Segundo Starobinski [...] Ao

obstáculo natural se opõe o trabalho; este provoca o nascimento da reflexão, que

produz “o primeiro movimento de orgulho” 37.

Este estado natural continuaria assim se os talentos destes homens não

fossem distribuídos de formas e proporções diferentes para cada um. Esta

distribuição de talentos fez com que trabalhando igualmente, um ganhava muito,

enquanto o outro tinha dificuldade de viver 38. Estas e outras coisas geraram a

desigualdade, junto com o desenvolvimento, e as diferenças entre os homens.

Dentre as qualidades naturais existentes no homem, como a razão e o amor

próprio apareceram demais como, o estabelecimento de posições de servo e

36

Piedade natural. Cf. capítulo I desta monografia. p,12. 37

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.p, 44. 38

Cf. ROUSEAU, 1999. p, 96.

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35

senhor, o homem também passou a reconhecer a noção de beleza e o que possui

maior força para a realização do trabalho, que assim poderia identificar o mais

habilidoso e competente. E sendo essas características favoráveis ao homem, por

conseguir as necessidades na vida, aquele homem que não se adequava a essa

qualidades procurava logo se ajustar. Por esse motivo de adequação as qualidades

que não lhe é próprio, surge no homem os vícios e o sentimento de enganar ao

próximo.

Como seria doce viver entre nós, se a contenção exterior sempre representasse a imagem dos estados do coração, se a decência fosse a virtude, se nossas máximas nos servissem de regra, se a verdadeira filosofia fosse inseparável do título de filósofo! Mas tantas qualidades dificilmente andam juntas e a virtude nem sempre se apresenta com tão grande pompa. A riqueza do vestuário pode denunciar um homem opulente, e a elegância, um homem de gosto; conhece-se o homem são e robusto por outros sinais __ é sob o traje rústico de um trabalhador e não sob os dourados de um cortesão, que se encontrarão a força e o vigor do corpo39.

Rousseau nos mostra que o surgimento da sociedade e o desenvolvimento do

homem, fez aparecer vícios e mentiras, ele passa a representar, a exprimir o que a

sociedade lhe impõe. A imagem vista pelos demais homens não seria a mesma que

estaria em seu interior, os homens estariam vivendo de aparências, para tentar

esconder deformidades reais.

Cito Starobinski:

O homem se aliena em sua aparência, Rousseau apresenta o parecer ao mesmo tempo como à consequência e como a causa das transformações econômicas. De fato, Rousseau liga profundamente o problema moral e o problema econômico. O homem social, cuja existência já não é autônoma, mas relativa, inventa sem cessar novos desejos que não pode satisfazer por si mesmo. Precisa de riquezas e do prestígio: quer possuir objetos e dominar consciências. Só acredita ser ele mesmo quando os outros o “consideram” e o respeitam por sua fortuna e sua aparência40.

39

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre as Ciências e as Artes. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999. p, 191. 40

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. Tradução Maria

Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.p, 44-45.

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36

Assim, como o homem se entrega ao sentimento de engano para as

necessidades da vida, o homem também se torna dependente de outrem, seja o

pobre ou rico, o primeiro precisa do trabalho para seu sustento, assim como o

segundo necessita da mão de obra do pobre para o desenvolvimento do seu

comércio. Desta maneira, a relação de dependência entre um e outro é firmada, e

também surge o sentimento de engano para agradar um ao outro e tornar-se

interessante essa dependência. Essa dependência entre homem, em que uns são

explorados e outros enganados geram o sentimento de inveja e de prejudicar ao seu

semelhante. Os homens tornam-se rivais e competidores pelo bem do outro.

A dominação de bens ou roubos começou a surgir quando estes bens

passaram a se estender e encontraram os bens do outro e para que crescessem

ainda mais era preciso que alguém cedesse sua parte. Como os ricos dominavam

toda a extensão de bens, não sobrando nada, os pobres se viam obrigados a roubar

para seu sustento. Deste modo, os ricos dominavam e escravizavam os

necessitados.

Assim, os mais poderosos ou os mais miseráveis, fazendo de suas forças ou de suas necessidades uma espécie de direito ao bem alheio, equivalente, segundo eles, ao de propriedade, seguiu-se à rompida igualdade a pior desordem; assim as usurpações dos ricos, as extorsões dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, abafando a piedade natural e a voz ainda fraca da justiça, tornaram os homens avaros, ambiciosos e maus41.

Por conseguinte, a igualdade não mais existia, e a desigualdade já

predominava, sendo imposta pelos mais ricos e poderosos em propriedades e bens,

utilizando-se da força para dominar os mais necessitados. O estado de sociedade

que o homem passou a viver tornou-se um local de batalhas em que homens

disputam poder, valores morais, posses de bens, um estado que já não se ver

compaixão ao próximo e que a justiça não prevalece, este estado construiu homens

que se tornaram maus e cobiçadores de bens alheios. Com todas as consequências

da sociedade o homem reconhece que foi um progresso infeliz e que a voltar ao

estado natural não será possível.

41

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre

os Homens. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999. p, 98.

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[...] A sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra; o gênero humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar sobre seus passos nem renunciar às aquisições infelizes que realizara, ficou às portas da ruína por não trabalhar senão para sua vergonha, abusando das faculdades que o dignificam42.

Starobinski afirma:

O progresso é ambíguo; mas o retorno ao estado de natureza é impossível para as sociedades que dele se afastaram. A transformação é irreversível; o caminho do retorno está aberto apenas aos sonhadores. Por veemente que seja o desejo desse retorno, não é permitido retroceder. Tudo que está em nosso poder é despertar e manter viva a memória do estado de natureza43.

Segundo Rousseau, o homem foi capaz de perceber o modo de vida que

estava levando e o quanto era perigoso, sabia que sua vida era valiosa e que

poderia perder por defender seus bens, que defenderia algo que reconhece como

adquirido de forma errônea, abusiva e através da força, tendo como consequência a

perda de seus bens não poderia ser motivo de lamentação. A única maneira de sair

dessa situação seria juntarem-se aqueles que estariam passando pela mesma

ocasião e utilizar-se dos ataques dos seus adversários.

“Unamo-nos”, disse-lhe, “para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence; instituamos regularmente de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. Em uma palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna” 44.

Os homens que se sentiam afetados com as afrontas dos menos favorecidos

decidem por unir- se uns aos outros e utilizam do próprio discurso que estes homens

42

Ibidem. p, 98. 43

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p, 394. 44

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre

os Homens. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999. p, 100.

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pobres faziam contra os ricos, fazendo uso das próprias armadilhas que eram

utilizadas contra os ricos. Os homens que temiam a tomada de seus bens passam a

fazer uso do sentimento de engano para com seu adversário, porque seria melhor

juntar-se a eles do que sofrer a vingança pela desigualdade de bens. Deste modo,

surge a tentativa de igualdade, imposta pelas leis, que colocariam homens pobres e

ricos na mesma condição de direitos e deveres. O acordo submetido pelas leis foi

aceito, acreditando ser o inicio de uma vida tranquila e de paz, o que estes homens

não sabiam é que um surgimento político, como as leis, poderia acarretar perigos.

São homens que em busca de uma liberdade, pela igualdade de bens e direitos

estão presos e submetidos pelas leis, que nem sempre são postas em ação,

deixando na maioria das vezes os mais desprovidos a margem de seus direitos.

Compreende assim, que o surgimento das leis não foi o esperado e mais

adequando aos homens em sociedade, através das leis a desigualdade se tornou

mais acentuada, os pobres que já enfrentavam dificuldades precisaram submeter-se

ao trabalho excessivo para seu sustento, sendo que os ricos, por possuírem fortuna

consideravam capaz de ultrapassar qualquer lei. Assim este homem tem agora

como regra comum o direito civil. Este seria para Rousseau a origem de um contrato

social para toda a sociedade, a afirmação do direito civil, para que todos pudessem

reclamar, por direito, a posse das coisas e da propriedade.

Ao criticar a tese Hobbesiana de que a origem das sociedades políticas se

daria pela conquista do mas potente, Rousseau afirma que tal conquista não

representa, de modo algum, um direito, pois esta nação ficaria em constante estado

de guerra, até que uma nação reposta em liberdade escolhesse livremente seu

vencedor. Pois estas nações conheciam, até o momento, a violência e não poderia

haver ai uma sociedade política, mas apenas a prevalência da lei do mais forte. Do

mesmo modo não faria sentido dizer que esta sociedade seria formada pela união

do mais fraco, pois os termos fortes e fracos não corresponderiam a tais problemas,

mas sim os termos rico e pobre. Estes dariam melhor sentido às leis, pois antes o

homem não teria outra maneira de dominar seus iguais, senão pela força, atacando

seus bens. E pra que serviria as leis, senão para estabelecer meios de proteção

para que o rico não perca os seus bens, do qual ele é tão apegado; ou para que o

pobre, que já não tendo nada a perder, senão a sua liberdade, não tomassem partes

desses bens para si?

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O autor deixa claro que desde o instante em que o homem teve necessidade

do auxílio de outro, desde que se percebeu que seria útil a um só possuir previsões

parar dois, a igualdade desapareceu e a propriedade se introduziu. A ideia de

propriedade, porém, não se formou de repente no espírito humano, foi preciso muito

progresso antes de chegar ao último termo do estado de natureza.

A concorrência e a rivalidade, a oposição de interesses e o desejo oculto de

alcançar proveito à custa de outros, são para Rousseau os primeiros efeitos da

propriedade e da desigualdade nascente. A passagem do homem ao estado social

surgiu a partir do momento que houve um ser de plena inteligência ou esperteza

delimitando o seu pedaço de terra e forte o suficiente para elaborar um complô com

aqueles que se levantassem contra sua posição, teria assim dado inicio ao estado

social. E as coisas das quais não eram apreciáveis aos olhos do indivíduo no seu

estado de natureza, hoje em seu estado civil o homem se tornou prisioneiro (do

dinheiro).

Pois, o homem social está ligado aos bens materiais, ao acumulo de riquezas,

à aparência, a família e tudo o que o convívio em sociedade possa criar. O indivíduo

no seu estado primitivo não se preocupava com nada supérfluo que não a sua

subsistência e preservação da vida, pois todo mundo era dono de tudo então não

havia a necessidade de tais coisas.

Rousseau mostra que, de livre e independente o homem passa a ser, devido

às novas necessidades, submetida a toda natureza das leis sociais e principalmente

a seus semelhantes, dos quais em certo sentido é escravo mesmo quando deles é

senhor. Do mesmo modo, após destruírem para sempre a liberdade natural e

fixarem para a eternidade a lei da propriedade e da desigualdade, sujeitaram todo o

gênero humano ao trabalho, a servidão e a miséria, para proveito de alguns

ambiciosos. Vê-se como o estabelecimento de uma única sociedade tornou

indispensável o de todas as outras. Para fazer frente às outras precisaram unir-se,

por sua vez, as sociedades.

O autor segue expondo o estabelecimento do corpo político como um

verdadeiro contrato entre o povo e o chefe que ele escolhe. Em tal contrato as duas

partes ficam obrigadas a obedecer às leis aí são estipuladas e que constituem o laço

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da sua união. Concluindo que a desigualdade, sendo quase nula no estado de

natureza, deve sua força e sua expansão ao desenvolvimento de nossas faculdades

e dos progressos do espírito humano. Tornando-se, enfim, estável e legítima pelo

estabelecimento da propriedade e das leis.

Rousseau diz que, são as necessidades que faz com que os homens se

aproximem isso porque o homem é bom por natureza. Mas tal aproximação dos

homens fez com que se sentissem fracos, isso significa que o homem no estado de

natureza é bom, as necessidades é que fez como se aproximassem, só que essa

aproximação faz com que os homens se corrompam, então acontece que se tornam

fracos.

No momento que os homens suprem as necessidades, eles passam a ter

outras, que já podem ser consideradas excessivas, ele deixa de usar o suficiente e

passa ao uso exagerado, chegando assim ao consumismo sem limites. A

necessidade de fato é que tenhamos aquilo que precisamos, e quando essa

necessidade é suprida os homens entram em consenso, quando isso ocorre surgi à

segunda necessidade, que é manter todos em paz, essa paz é preciso porque os

homens quando passaram a consumir exageradamente entraram em guerra e se

tornaram inimigos. Então, é preciso neste momento as leis para manter a paz, sendo

assim, o homem que é bom por natureza também podendo ser mau e se tornar um

verdadeiro lobo em sociedade.

O homem no estado de natureza também era independente, mas o fato dele

não viver em sociedade não a conhecia, era preciso que ele conhecesse, mas a

partir do momento que ele passa a conhecer é porque ele firmou um contrato e já

está inserido na sociedade. No entanto, no momento que ele passa a conhecer a

independência não pode usufruí-la, porque foi firmado um contrato, o homem

passou a viver sobre regras e leis. Para conviver em sociedade é preciso seguir

essas regras, então quando o homem tinha independência não a conhecia e quando

passou a conhecer não pode desfrutar.

Rousseau coloca o contrato como via de mediação, sendo algo externo ao

homem, no sentido de que o contrato não está intrínseco a natureza do indivíduo,

mas sim fora. Isso é o que ele fala da moralidade, que na verdade é um pacto

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imposto pela sociedade, é algo que vai unir os particulares, que faz com que os

homens vivam em paz. Desse modo, a moralidade é que perpetua o pacto entre os

homens, diferenciando-se da ética, em que o homem tem um olhar pra si. A ética é

individual, onde o homem percebe o seu erro sem que precise do juizado de outro.

Por outro lado, a moralidade é algo imposto pela sociedade, que julga as ações

deste homem.

Para Rousseau, os homens que habitam a sociedade civil tem uma liberdade

condicionada, não podendo fazer a vontade particular, mas a vontade que vise o

bem de todos. Então o homem que possui uma liberdade independente está no

estado natural, porém ele não tem consciência dessa independência, ele vive por

instinto, por um sentimento natural. Quando ele passa à sociedade civil, embora

tenha consciência da sua dependência, está condicionado a outros.

Os homens na sociedade civil delega alguém para dirigir e por ordem,

transferindo a sua liberdade. Nesse caso torna-se o papel do legislador, Rousseau

coloca que quando as leis não são visadas para o bem comum e sim para o

particular, para o interesse próprio, é nesse momento que atua o tirano, que seria

uma força negativa que atua sobre o povo, já o legislador passa a valer o todo, o

bem geral, no mundo atual o tirano seriam as leis que muitas vezes não atinge a

maioria da população, onde uma pequena parcela da sociedade é beneficiada e

detém todo poder, deixando todo resto na miséria, o tirano não está revestido de

uma forma humana, mas há um modelo econômico que é selvagem e tem atitude

perante essa mudança do homem no seu estado natural para o estado civil, o

legislador seria um condutor perante essa mudança, mas para que aconteça o bem

comum o tirano deve esquecer seus interesses e buscar o bem de todos.

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CONCLUSÃO

Chegando ao fim desta dissertação podemos coligir que os caminhos que

levaram o homem do estado natural ao estado civil, agora esquecido, são longos e

precisou de bastante tempo para ser percorrido. Estes fizeram suprimir tantas outras

coisas ao longo de sua história, que o Rousseau não pôde apresentar em sua obra,

talvez por alguma limitação imaginária.

Nesse tempo cursado, em que as coisas se deram que se apresentam as

soluções para os problemas morais. Isso demonstra que todos os homens são

falíveis e, obediente às leis, passiveis de punição pelos seus erros. E, sendo este

homem único para sua época, não poderá encontrar semelhança com os que

viveram no estado de natureza, acusando-o de insanidade ou algo deste tipo. Assim

fez Diógenes, ao procurar um entre seus contemporâneos o homem de uma época

já passada45.

Este sábio identifica que nesta sociedade não vive o homem natural, mas um

homem artificial, que é regido pelas paixões factícias, pelas necessidades de

atender aos prazeres mutáveis com o decorrer do tempo e que não tem nenhuma

ligação com a natureza. Falamos de um homem policiado, que perdeu sua

liberdade, diferente do homem natural, tanto no coração como nas suas inclinações.

Este homem não reconhece como felicidade, a vida que o homem natural leva, pelo

contrário, nesta situação ele desesperaria.

Somos levados a concordar, depois de uma analise do Discurso, que é

correto à afirmação de Rousseau de que o selvagem vive em si mesmo; o homem

sociável, fora de si [...] 46

. Pois o segundo prende-se as opiniões e seu sentimento

de pertença no mundo se dá pelo reconhecimento dos outros homens.

Vendo essas diferenças, podemos concluir que a obra de Rousseau, usada

como referência desta dissertação, trata de exibir a origem e o desenvolvimento da

desigualdade, ponderando as causas e o estabelecimento da sociedade política.

Afirmando que esta desigualdade não caberia no estado de natureza, e pôde se

45

Cf. Rousseau 1999. Nota 2 de Paul Arbousse-Bastide. p, 114. 46

ROUSSEAU 1999. p, 115.

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desenvolver pela faculdade humana e aos progressos do espírito humano através

da ampliação da perfectibilidade, evidenciados no estabelecimento da propriedade e

das leis.

Atentando ao fato de que a desigualdade moral é permitida pelo direito

positivo e contrário ao direito natural. Esta desigualdade nos leva a pensar como

estes povos policiados se manifestam contra as leis da natureza, justificando ações

danosas ou a submissão de uma população a um punhado de pessoas que detém o

poder. Evidenciando a desigualdade pela abundância de riqueza obtida por uns,

enquanto outros morrem pela necessidade de coisas básicas a sua subsistência. Eis

a condição do homem na sociedade disforme, corrupta e hipócrita, que fecha os

olhos a realidade de seus homens para garantir o direito à propriedade (de terras e

bens) dos que criam e conservam as leis.

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REFERÊNCIAS

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CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo; Editora ática, 2006.

LEOLPODI, José Sávio. Rousseau- estado de natureza, o “bom selvagem” e as sociedades indígenas. Disponível em: http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n4_Leopoldi.pdf

MONTEAGUDO, Ricardo. Entre o direito e a história: a concepção do

legislador em Rousseau. (Capítulos 1-2 e 3). São Paulo: Editora UNESP, 2006.

NADER, Paulo. Filosofia do direito. (Capitulo 14- A Filosofia do Direito na

Idade Moderna). 21 ed. Rio de Janeiro: Fonseca, 2012.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre as Ciências e as Artes. São Paulo; Editora Nova Cultura Ltda., 1999.

SANTOS, Girlene Aparecida dos. A ideia de natureza em Rousseau: introdução a um debate. 1998. 162 f. Dissertação (Mestrado em geografia) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.

SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2009.

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguidos de sete ensaios sobre Rousseau. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.