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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 19, pp. 113 - 129, 2006 REGIÃO SUL DE GOIÂNIA: UM LUGAR VALORIZADO NA METRÓPOLE * Clorisnete Borges Marinho** *Artigo produzido em fevereiro de 2005, com base no 1º capitulo da dissertação de mestrado “Espaço urbano e valorização: a produção de lugares na Região sul de Goiânia”defendida em 21/07/04 pelo Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia/UFG-Goiânia, sob orientação da Profª. Draª. Lana de Souza Cavalcanti. **Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, IESA - Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected] RESUMO: Entre os temas que envolvem o urbano, a questão da produção de espaços valorizados segregados nas metrópoles tem sido objeto de estudo de vários profissionais da Geografia e áreas afins. A valorização do espaço urbano é ocasionada pela sua localização na cidade e pela sua qualidade de urbanização. Dessa forma, o mercado imobiliário controla o valor da terra e a questão da moradia fica submetida à capacidade financeira do citadino. Nesse sentido, a desigualdade sócioespacial é uma expressão do preço da terra urbana, sendo representada pela segregação, a qual revela-se na paisagem urbana. Conforme estudiosos na área, a estrutura das classes sociais tem determinado a estruturação espacial das metrópoles contemporâneas, sendo que a segregação espacial tem constituído um aspecto comum das metrópole brasileiras. Em Goiânia, esse fenômeno se manifesta desde a fundação da cidade, em 1933, nos contrastes norte-sul. A faixa sul da cidade apresenta peculiaridades sócioespaciais perante a expansão urbana da capital, especialmente por comportar uma concentração de investimentos públicos, de serviços e de camadas de elevado poder aquisitivo. A partir dessa problemática, o presente trabalho analisou o processo de valorização e produção da Região Sul de Goiânia. PALAVRAS-CHAVE: valorização, segregação, produção do espaço, urbano, moradia e mercado imobiliário. ABSTRACT: Among the urban themes, the issue of the production of segregated and valued space in the metropolis has been the object of research of several professionals of Geography and similar fields. Valuing the urban space is caused by its location in the city as well as its urbanisation quality. In this manner, real estate agencies control the value of the land and housing issues depend upon urban citizen´s financial status. In this sense, social spacial unequality is an expression of the urban land price, being represented by such segregation, which reveals itself in the urban framework. According to researches in this field, the social classes framework has been determining space structuring in contemporary metropolis, whereas space segregation has constituted a common aspect of Brazilian metropolis. In Goiânia, such phenomenon has been occurring since its foundation in 1933 in regards to North-South contrasts. The southern region has presented social space peculiarities in what the urban expansion is concerned, mainly due to a high concentration of public investment, service and hight social class. From such issue, this paper has analysed the valuing process of the southern region of Goiânia. KEY WORDS: valuing, segregation, space production, urban, housing and real state agencies.

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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 19, pp. 113 - 129, 2006

REGIÃO SUL DE GOIÂNIA: UM LUGAR VALORIZADO NAMETRÓPOLE*

Clorisnete Borges Marinho**

*Artigo produzido em fevereiro de 2005, com base no 1º capitulo da dissertação de mestrado “Espaço urbano e valorização: a produção de lugaresna Região sul de Goiânia” defendida em 21/07/04 pelo Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia/UFG-Goiânia, sob orientação da

Profª. Draª. Lana de Souza Cavalcanti.**Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, IESA - Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]

RESUMO:Entre os temas que envolvem o urbano, a questão da produção de espaços valorizadossegregados nas metrópoles tem sido objeto de estudo de vários profissionais da Geografiae áreas afins. A valorização do espaço urbano é ocasionada pela sua localização na cidadee pela sua qualidade de urbanização. Dessa forma, o mercado imobiliário controla o valorda terra e a questão da moradia fica submetida à capacidade financeira do citadino. Nessesentido, a desigualdade sócioespacial é uma expressão do preço da terra urbana, sendorepresentada pela segregação, a qual revela-se na paisagem urbana. Conforme estudiososna área, a estrutura das classes sociais tem determinado a estruturação espacial dasmetrópoles contemporâneas, sendo que a segregação espacial tem constituído um aspectocomum das metrópole brasileiras. Em Goiânia, esse fenômeno se manifesta desde a fundaçãoda cidade, em 1933, nos contrastes norte-sul. A faixa sul da cidade apresenta peculiaridadessócioespaciais perante a expansão urbana da capital, especialmente por comportar umaconcentração de investimentos públicos, de serviços e de camadas de elevado poderaquisit ivo. A partir dessa problemática, o presente trabalho analisou o processo devalorização e produção da Região Sul de Goiânia.PALAVRAS-CHAVE:valorização, segregação, produção do espaço, urbano, moradia e mercado imobiliário.ABSTRACT:Among the urban themes, the issue of the production of segregated and valued space inthe metropolis has been the object of research of several professionals of Geography andsimilar fields. Valuing the urban space is caused by its location in the city as well as itsurbanisation quality. In this manner, real estate agencies control the value of the land andhousing issues depend upon urban citizen´s financial status. In this sense, social spacialunequality is an expression of the urban land price, being represented by such segregation,which reveals itself in the urban framework. According to researches in this field, the socialclasses framework has been determining space structuring in contemporary metropolis,whereas space segregation has constituted a common aspect of Brazilian metropolis. InGoiânia, such phenomenon has been occurring since its foundation in 1933 in regards toNorth-South contrasts. The southern region has presented social space peculiarities in whatthe urban expansion is concerned, mainly due to a high concentration of public investment,service and hight social class. From such issue, this paper has analysed the valuing processof the southern region of Goiânia.KEY WORDS:valuing, segregation, space production, urban, housing and real state agencies.

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Introdução

A “cidade está em cena”, afirma Silva(1997), e explicá-la tem sido o desejo demuitos estudiosos. O fato da soc iedademundial estar cada vez mais organizada emfunção do espaço urbano e a complexidadeque isso acarreta para a vida humana e dop laneta, tem chamado atenção depesquisadores das mais variadas áreas doconhecimento c ient i f ico para a temáticaurbana.

Cons iderando o pensamento deCar los (1996) e Cava l cant i (2001) ,compreende-se que a cidade e o urbanoconst i tuem “dois lados de uma mesmamoeda”, ou seja, são ambos produto econdição do trabalho humano. Os indivíduos,com o seu trabalho, produzem o espaçourbano e, através da divisão técnica e socialdeste, produzem espaços des iguais . Adivisão técnica social do trabalho promoverelações e conflitos entre as pessoas na vidacotidiana, estimulando o movimento e aprodução desigual do espaço. Com basenesta reflexão, o presente artigo analisa oprocesso de produção e de valorização doespaço urbano em Goiânia, assim como asegregação resultante desse processo.

Goiânia foi fundada em 1933, sendouma das primeiras cidades planejadas doBrasil (Chaveiro, 2001) para abrigar umapopulação de cinqüenta mil habitantes, mas,ao longo dos anos, sofreu um progressivocrescimento, chegando a atingir, neste iníciodo sécu lo, uma população deaprox imadamente 1 .093.007 1 . Tal fatocontr ibu iu para a “desconst rução”2 doarranjo espac ia l implantado pe lo p lanooriginal e para uma complexa estruturaurbana que af l igem admin is t radores eestudiosos desta capital.

Conforme Paula (1995, p.25), “o fatode ser um cidade planejada não eximiuGoiânia de possuir problemas característicosdas grandes cidades”. Apesar de jovem emrelação à maioria das capitais brasileiras,

Goiân ia apresenta problemas comuns aqua lquer metrópo le cap i ta l i s ta daatua l idade, como intenso t rá fego depessoas e veículos, mendicância, violência,poluição, desemprego, segregação etc..

A expansão das camadas de a l topoder aquisitivo nos bairros da Região Sulde Goiânia, a partir de 1985, contribuiu paraa constituição de um espaço valorizado e deauto-segregação na capital, fato a partir doqual este artigo analisa os elementos quedemonstram a valorização e a segregaçãosócioespacial da metrópole goianiense, bemcomo o processo que determinou essaexpansão.

O valor do espaço urbano e a valorizaçãosócioespacial em Goiânia

A cidade moderna, define Lefebvre(1991) , é um conjunto prob lemát i co ,caracterizado pela urbanidade-ruralidade,pe la centra l idade, pe lo ant igo, pe lorenovado e pelo novo. Assim, a paisagemurbana é fruto desse processo dialético queenvolve valor de troca, conflitos entre asclasses sociais, entre o campo e a cidade,entre as etnias e as raças, etc. Para ele, acidade é produto de uma mediação entreuma ordem próxima (relação entre indivíduos)e uma ordem distante (relações regidas porinst i tu ições), a qual , apesar de possuirmaior poder de se impor sobre a ordempróxima, só irá se consolidar a partir dela.Neste sentido, o autor afirma que:

a c idade é uma mediação ent re asmediações. Contendo a ordem próxima, elaa mantém; sustenta relações de produçãoe de propr iedade; é o loca l de suareprodução. Contida na ordem distante,ela se sustenta; encarna-a; projeta-asobre um terreno (o lugar), e sobre umplano, o plano da vida imediata. (LEFBVRE,1991, p. 46)

O arranjo espacial das cidades, porsua vez, traduz as re lações de poder e

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conf l i tos ent re as c lasses soc ia i s , asinstituições, o particular e o universal. Nasociedade capitalista, esse poder é reveladoa partir da apropriação do espaço.

Conforme Carlos (1996), a forma deocupação do solo está vinculada ao valor doso lo que, por sua vez, se expressa nasegregação sócioespacial. Afirma ainda aautora que é o modo do uso do solo urbanoque produzirá lugares na cidade a partir dasnecessidades sociais (produzir, consumir,morar, etc.).

O solo urbano, enquanto mercadoriacapitalista, orienta a direção, a estrutura eo arranjo espacial da cidade, como, porexemplo, a loca l i zação res idenc ia l e oconsumo das classes sociais (idem, 2001).Em suma, o solo urbano, de acordo comCarlos (ibidem), é um elemento de conflitona cidade, pois seu valor irá determinar oarranjo espacial e o perfil social do urbano.

Sob esse ponto de vista, pensar omodo de ocupação e de produção do espaçourbano na c idade s ign i f i ca pensar avalorização do solo correlato à produção deespaços segregados nas c idades,especificamente em Goiânia. O conceito devalor é bastante discutido por Marx (1974),que o entende enquanto “propriedade dascoisas”. Conforme este pensador

(...) a idéia de “valor” supõe “trocas” dosprodutos. Onde o trabalho é comunitário,as re lações entre os homens em suaprodução soc ia l não se f iguram em“valores” de “coisas”. A troca de produtoscomo mercadorias é determinado métodode trocar trabalho e de fazer o trabalhode cada um depender do trabalho dosoutros, determinado modo de trabalhosocial ou de produção ou de produçãosocial ( MARX, 1974 1185).

Para o autor, na relação comunitária,as coisas pertencem a todos. Não havendopropriedade individual, o valor das coisaspossui um caráter apenas de uso, ou seja,

de utilidade na supressão de necessidadesdo indivíduo. Porém, quando o trabalhosocial se transforma em propriedade privadadas coisas, o valor de uso passa a ter umcaráter também de troca, ou melhor, umpreço atr ibuído no mercado. O preço demercado de um produto é determinado pelasoma do capital e do tempo de trabalhoempregado na produção deste, além da taxamédia de lucro produzidos pela mais-valiaou juros.

Neste sentido, Marx (ibidem, 1215)afirma que o preço dado às coisas constituiapenas uma conversão do valor da suaprodução enquanto mercadoria em dinheiro.“Dinheiro é apenas a forma em que o valordas mercadorias aparece no processo decirculação”. Sob esse raciocínio, o autorexplica que o preço da terra apresenta umacerta irracionalidade em relação ao preço demercadorias, considerando que os objetossão fonte de lucro e a terra é fonte de rendafundiária.

No “preço da ter ra” res ide por cer toirracional idade maior que no preço docapital, mas não na própria forma, porqueaí a terra aparece como valor de uso deuma mercadoria, e a renda da terra comoseu preço. (A irracionalidade está em quea terra, que não é produto do trabalho,tenha preço, isto é, valor expresso emdinheiro, valor portanto, e por isso deveser cons iderada t raba lho soc ia lmaterial izado). Pela forma em que seexter io r i za , a ter ra , como todamercadoria, tem dois aspectos, o valor deuso e o valor de troca, e o valor de trocaé expresso idealmente como preço, algoque a mercador ia como va lor de usoabsolutamente não é (MARX,1979, p.1519).

Em suma, a capacidade de produçãoda terra (renda da terra) classifica o seupreço anual; é assim que a terra “entra naprodução como mercadoria” (idem, ibidem).Sobre a teoria da renda da terra, Villaça

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(1998, p.73), apoiando-se nas idéias deLo jk ine (1981) , a f i rma que os do ise lementos ( ins t rumento de produção esuporte passivo da produção) apontados porMarx para definir o valor da terra agrícolasão insuficientes para definir o valor da terraurbana, visto que esta “não é usada comomeio de produção”. Para o autor, alocalização do terreno é o fator crucial nadefinição do valor do espaço urbano. Noentanto esta loca l ização é determinadapelas condições da produção do espaço epela qualidade de sua acessibil idade. Ouseja, a “terra-localização” é constituída pelovalor dos produtos em si (infra-estrutura eserviços) e pelo seu acesso ao centro daselites.

Neste mesmo sentido, autores comoRodrigues (1988), Moraes e Costa (1989) eCarlos (2001) entendem que o preço daterra urbana é determinado pela qualidadeda produção soc ia l do lugar e pela sualoca l i zação em re lação ao conjunto dac idade. Em outras pa lavras , o ar ranjoespacial das cidades representa a estruturade poder entre as classes sociais na luta poruma localização “otimizada”. Isto significa,portanto, que o processo de ocupação eapropr iação da c idade é determinado econduzido pelo poder econômico e políticodas classes sociais. Este poder, por sua vez,é materializado no valor do espaço, pois éresponsável por distribuir os sujeitos nacidade, fragmentando a metrópole e, aomesmo tempo, homogeneizando eheterogeneizando seus espaços. Com esseentendimento, este estudo analisou (atravésde documentos oficiais como os dados dareceita imobiliária de 2001 e o percentualde impostos por zona fiscal) o valor dosterrenos nas diversas regiões do municípiode Goiânia, a fim de obter uma idéia da

qual idade da va lor ização dos imóveisterritoriais na capital e, em seguida, buscouentender a lóg ica e as tendênc ias daprodução do valor do espaço urbano destametrópole, especificamente da Região Sul.

Esc larecendo a d i ferença entre ovalor e o preço da terra, Villaça (ibidem)afirma que o valor de um terreno envolve aqualidade de sua infra-estrutura, de sualocalização e do nível social de ocupação dasua área adjacente, sendo o seu preçoapenas a expressão monetár ia desteselementos. Sob este ponto de vista, osva lores monetár ios ana l i sados nestetrabalho constituem apenas um meio deexpressar a qualidade de infra-estrutura, delocalização e de ocupação social das regiõesdesta metrópole.

Como se pode observar a partir dosvalores médios do imposto territorial pagoao município de Goiânia (tabela 1, gráfico 1),os moradores das Regiões Central e Sulpagam um imposto com valor bem superioraos das demais regiões, fato que leva àinferência de que seus terrenos são maisvalorizados.

Considerando o raciocínio de que amédia do valor do imposto pago por regiãoreve la o grau de va lor i zação dos seuster renos 3 , tem— se uma ordem devalorização territorial em Goiânia (tabela 1,gráfico 1). Assim, de acordo com a média dosimpostos pagos, os terrenos da RegiãoCentra l são os mais va lor i zados dametrópole, estando os da Região Sul emsegundo lugar, os de Campinas, em terceiroe os da Região Noroeste, em último. Nota-se também que, sob esse ponto de vista,as Reg iões Centra l e Su l possu i poucadiferença entre si em termos de valorização,embora seu valor seja superior aos dasdemais regiões.

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Outro meio de analisar a valorização territorialdas regiões da capital é o percentual de impostoestabelecido por zonas fiscais4 pela Secretaria deFinanças da Prefeitura (tabela 2).Observa-se que na1ª zona, onde é cobrada a maior alíquota (4%), estãoapenas setores das Regiões Central e Sul, como opróprio centro da cidade e os setores intitulados

“nobres”, indicando, desta forma, que as terras maiscaras estão nessas áreas. Atenta-se, também ,parao fato de os bairros dessas duas regiões que nãose encontram na primeira zona, estarem na 2ª zona,onde a alíquota é de 3%. Isso sugere que o preçodos seus terrenos, fora os da primeira zona, sãomais elevados do que no resto da cidade.

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Gráfico 1- Valor médio do imposto territorial de Goiânia por Região- 2001

Fonte: SEFIN/COMDATA - 2002. Dados organizados pela Seplam/DPSE/DVPE. Gráfico organizado por MARINHO, C. B.

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Conforme a tabela 2, alguns setores dasRegiões de Campinas, Sudoeste, Norte, Vale do MeiaPonte e Sudeste possuem valores pouco maiselevados, talvez compatíveis com os setores dasRegiões Central e Sul que estão na segunda zona.Considerando apenas a tabela 1, de média deimpostos por regiões, a Região Central é a quepossui terrenos mais caros, visto que contribui commaior taxa de impostos e com uma contribuiçãopouco inferior, está a Região Sul. Por outro lado,levando em conta a tabela 2, de percentual por zonafiscal, percebe-se que na 1ª zona há concentraçãomaior de bairros da Região Sul, indicando que osterrenos mais caros estão nesta parte da cidade.

Apesar desta constatação, pela média de impostos,a Região Central ainda é a mais valorizada, isto é,bairros desta região, como o Centro, Setores Sul,Oeste e Aeroporto, em que as alíquotas aplicáveisao cálculo de imposto são da 1ª zona ainda sãomais valorizados que os da Região Sul.

Ao contrário dos setores da Região Centralque vem sendo ocupados desde a fundação deGoiânia, os bairros da Região Sul possuem ocupaçãorecente, mais precisamente a partir da década de1980, de forma que o seu processo de valorizaçãotambém é recente, mais precisamente na décadade 1990, como se pode ver no gráfico 2.

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Gráfico 2 – Valorização do terrenos dos bairros da Região Sul de Goiânia (1983-2002)

Fonte: Planta de Valores Imobiliários de Goiânia, 1983, 1994 e 2002. Gráfico organizado, MARINHO, C.B.

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O gráfico acima mostra que mesmo quealguns bairros da Região Sul tenham valorizadomais que outros, todos tiveram uma valorizaçãosignificativa no período de duas décadas, entre1983 e 2002, demonstrando, assim, umaascensão do mercado imobiliário dessa região.Segundo matéria de O Popular (24/02/2003), avalorização dos terrenos em Goiânia tem sidoocasionada por três fatores:

· 1º - as regras da lei da oferta e daprocura;

· 2º - os investimentos privados epúblicos;

· 3º - o gabarito para construção deprédios de alta densidade5 .

A grande procura por lotes paraconstrução em setores como Oeste, Bueno eJardim Goiás, que possuem poucos terrenosdisponíveis, e por áreas com densidade deprédios comerciais ( shopping centers) eresidenciais (condomínios fechados, horizontaise verticais) e vias de acesso têm contribuindopara o encarecimento do solo nestes locais.Outro fator que tem influenciado a valorizaçãode áreas em Goiânia, principalmente na RegiãoSul, é a disponibilidade de terrenos paraconstruções de edifícios, como é o caso, porexemplo, do Setor Parque Amazônia que, “alémde ser residencial, é de alta densidade” (OPopular 24/02/03).

Neste sentido, será possível afirmar quea valorização dos setores da Região Sul temocorrido devido à saturação de lotes nas áreascentrais, à concentração de investimentospúblicos e privados sofisticados no seu seio e,por último, à liberação de suas áreas para aconstrução de prédios verticais de altadensidade?

Sobre a produção do valor no espaçourbano, há que se reportar à teoria do espaçoraridade discutida por Carlos (2001), segundoa qual a falta de espaço disponível no centrourbano faz deste uma raridade, obrigando asempresas a buscarem uma nova espacialidadeque atenda a esta demanda. Dessa forma,

surge uma nova localização e uma novacentralidade, que é produto da articulação entreo poder público, o mercado imobiliário e ofinanceiro. A reportagem de O Popular relataem Goiânia uma manifestação desse fenômeno:

Os terrenos que tiveram as maioresvalorização foram justamente aqueles quetêm gabarito para a construção de prédios(...). No Setor Oeste, já não existem maislotes vagos. As construtoras que têm projetospara aquela região são obrigadas a adquirircasas e demoli-las, encarecendo ainda maiso preço final da obra. (...) Dario Fernandescita o exemplo [...]das áreas no ParqueAmazônia, que tiveram surto de valorizaçãoapós a construção do Buriti Shopping. Aregião, além de ser residencial, é de altadensidade. Ou seja, as áreas têm gabaritopara construções de prédios, são cercadasde avenidas largas, garantindo o fácil acesso,e os lotes são grandes, acima de 400 metrosquadrados” (O POPULAR 24/02/2003).

Conforme a matéria, setores da RegiãoCentral, como o Setor Oeste, possuem uma baixadensidade de terrenos disponíveis paraedificações de prédios, enquanto ,na Região Sul,setores como o Parque Amazônia, entre outros,apresentam um quadro mais “folgado” nestesentido, de forma a favorecer a constituição denovas centralidades. Assim, o artigo, de certaforma, atesta a hipótese levantada sobre avalorização dos terrenos da Região Sul.

Em relação a esta questão, Vaz (2002)observa que boa parte da cidade empresarial6e dos prédios do setor publico construídos nasdécadas de 1980 e 1990 se concentraram naRegião Sul da cidade. Assim, a autora chama aatenção para a nova centralidade que vem seformando nesta parte da metrópole, “reforçandocada vez mais a sua valorização imobiliária”(idem, ibidem, p. 43).

Segundo Villaça (1998), são as camadasde média e alta renda que ocupam as terrasurbanas valorizadas, mesmo que seja emcondomínios verticais, em que um lote éocupado por várias famílias, economizando,

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assim, o solo. Afirma ainda que o preço doterreno urbano expressa as classes sociais epossibilita a segregação 7 nas grandesmetrópoles, dominando sua estruturaçãourbana. Partindo desta reflexão, pode-se dizerque os espaços valorizados em Goiânia tambémsão segregados?

Ao pesquisar sobre a segregaçãosócioespacial em metrópoles brasileiras, como:Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, PortoAlegre, Recife e Salvador, o autor (idem, p. 327)chegou à conclusão de que a segregaçãoespacial das camadas de alta renda é um traçocomum presente em todas as metrópoles e quevem sendo produzida há mais de um século. Deacordo com reflexões de alguns estudiosos comoCavalcanti (2001), Chaveiro (2000), Vaz (2002)

e Moysés (2001) este fenômeno também seconfirma em Goiânia e tem sido identificado deforma mais acentuada dentro do contrastesócioespaciais noroeste/sul. A Região Noroestetem sido apontada como subequipada ehabitada pela população mais pobre dessacidade, enquanto a Região Sul tem sido alvo daexpansão das camadas de média e alta renda.Em síntese, em toda a cidade pode ser notadaa presença de bairros habitados por camadasde baixa, média e alta e alta renda, mas é, semdúvida, entre as Regiões Noroeste, Central eSul que existem os maiores contrastes, conformepode ser observado no gráfico 3, que traz aporcentagem dos responsáveis por domicíliosem Goiânia com renda superior a vinte saláriosmínimos por região.

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Gráfico 3– Renda mensal acima de 20 salários mínimos (%) dos responsáveis pelosdomicílios de Goiânia por Região- 1991 e 2000

Fonte: Censos demográficos 1991 e 2000. Elaboração: SEPLAM/DVPE

Conforme os dados levantados nesteestudo 8 , concluiu-se que a Região Sulrepresenta uma área de valorização imobiliáriae de segregação das camadas de alta e média

renda em Goiânia, considerando que a capitaltem apresentado um crescimento significativoa partir da década de 1980, aproximando-sedos elementos que qualificam a Região Central,

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embora ainda ocupe uma posição um poucoinferior a esta. Em suma, os terrenos da RegiãoSul de Goiânia têm apresentado grandevalorização a qual tem gerado uma novacentralidade, concentrando serviços eequipamentos urbanos. Neste sentido, faz-sepertinente a busca por uma nova organizaçãodo espaço e do processo de produção urbanadesta Região de Goiânia para que se possacompreender a sua constituição enquanto lugarvalorizado e segregado na metrópole.

A produção do espaço urbano de Goiânia e aexpansão a sul

A paisagem da Região Sul é caracterizadapelo adensamento de construçõesverticalizadas, das quais fala Vaz (2002), ehorizontais, marcadas por casas luxuosas eatividades comerciais voltadas para as camadasde média e alta renda. Praças floridas e bemcuidadas, como a Praça do Ratinho, do Chafarize da Nova Suíça dão um toque de beleza àsavenidas largas e movimentadas, como a 85, aT-63, a T-64, entre outras. Os shoppings centerse os grandes supermercados marcam tambéma paisagem desta Região. Porém setores comoo Serrinha e o Parque Amazônia, emboraestejam passando por um surto de valorização,ainda são ocupados por camadas de baixarenda.Ao falar sobre “as paisagensgoianienses”, Chaveiro(2001) assim descreve afaixa a sul da Avenida Anhanguera9

Olhando paranomicamente, a faixa sulda cidade é o lugar de maior adensamentoocupacional. (...) Centro histórico, setoresocupados pelas faixas de rendas altas dacidade, em que estão inclusos fazendeiros,empresários, profissionais liberais etc, como éo caso do setor Oeste, do setor Sul, do setorBueno, do Jardim Bela Vista, e uma pequenafaixa do Jardim América, do Parque Amazônia edo Sudoeste, constituem o subcentro de rendaalta como é o setor Bueno no limítrofe com oNova Suíça e o Bela Vista.

Destaca-se ainda, os quatro maiores

shoppings centers da cidade, os dois principaisestádios de futebol, o carrefour-sul com maioroferta de produtos, a maior quantidade debancos e suas sedes, os escritórios antigos enovos , as linha de maiores de fluxos como aAvenida Goiás, a Avenida 85, a Av. Anhanguera,a Av. Assis Chateaubriand e o seuprolongamento com a Castelo Branco, a Av. 90,a Alameda do Botafogo (Chaveiro, 2001, p. 224).

O autor chama atenção para aconcentração dos grandes equipamentospúblicos e privados nesta parte da capital,dentre os quais estão o Goiânia Shopping, oestádio de futebol Serra Dourada e PaçoMunicipal. A imagem de uma área privilegiada epróspera também é divulgada pelos jornais. Sobo título “Eldorado do adensamento urbano” e osubtítulo “Privilegiado e rico o Setor Buenoabsorve os empreendimentos mais sofisticadoda cidade”, uma matéria publicada pelo jornalO Popular retrata a prosperidade do SetorBueno.

(...) Desde a administração de Nion Albernaz,os observadores políticos parecem terdiagnosticado uma esquizofrenia urbana,sugerindo a existência de “duas Goiânia” emum só município. Ou seja, chamavam aatenção para o fato de que existe umaGoiânia pobre, sem asfalto, praças e jardins,localizada na periferia. Em contrapartida,existiria uma outra Goiânia privilegiada peloPoder Público com todos os seus benefícios,esbanjando ruas limpas e jardins cheios deflores e equipamentos de lazer. O setorBueno certamente faz parte dessa “Goiâniarica”. É a constatação simplória que umasimples olhadela por suas ruas podeconfirmar e, ao mesmo tempo, enganar.Realmente suas mansões às vezes sãomelhores do que as que aparecem em outrosbairros nobres da cidade. Do ponto de vistade valorização imobiliária, não há comoesquecer o extremo sul do bairro – umaespécie de Eldorado para as construtorasimobiliárias. A expansão do setor de serviçosé também uma realidade: osempreendimentos mais sofisticados preferem

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se instalar em suas grandes quadras (OPOPULAR, 06/03/94).

Os parques Vaca Brava e Areião, tambémlocalizados na Região Sul, são uns dos cartõespostais de Goiânia e reforçam a idéia de regiãoprivilegiada e próspera, incrementada noimaginário dos goianienses. Entretanto, paraentender a especificidade desta Região e asmuitas perguntas que a envolvem, é precisocompreender sua produção enquanto lugar nametrópole, ou melhor, buscar sua produçãoespacial no contexto da totalidade deconstituição desta cidade.

Goiânia, enquanto espaço produzido,apresenta um caráter diferenciado da maioriadas cidades brasileiras, considerando que suaprodução foi elaborada de acordo com asestratégias políticas da época e que seu arranjoespacial representava as concepções urbanasda arquitetura moderna, a qual idealizavacidades funcionais e prósperas. Ou seja, Goiâniaé uma cidade que surgiu enquanto espaçoplanejado, produzido fora do lugar, isto é, seuarranjo espacial é fruto das estratégias políticasda época, externas ao âmbito específico dolugar.

A futura capital goiana foi encomendadapelo então governador do estado Goiás, PedroLudovico Teixeira, ao arquiteto Attílio CorrêaLima, o qual ficou responsável por elaborar umprojeto de cidade funcionalista e moderna(Bernardes, 2000). O traçado de Goiânia feitopor Attílio Corrêa Lima seguiu as orientaçõesda Carta de Atenas10 , “que defendia a divisãoda cidade em zoneamento harmonicamenteinterligados” (Bernardes, 2000, p. 159). Nessesentido, a cidade foi dividida em cinco zonas:administrativa, comercial, industrial, residenciale rural.

A zona administrativa ficaria no centroda cidade e constituiria o lugar dos prédiospúblicos administrativos: municipais, estaduaise federais. A zona comercial , para a qual foitraçado um conjunto de ruas e avenidas largas,com o intuito de viabilizar uma circulação maistranqüila, também ficaria no centro. Para à zona

industrial foi reservado o norte da cidade, porser uma área mais baixa e próxima à estradade ferro, fato que facilitaria o escoamento daprodução. Em relação à zona residencial, oarquiteto reservou as áreas mais afastadas docentro. Para tanto, dividiu a cidade em cincosetores: central, norte, sul, oeste e leste. Onorte, como iria sediar as indústrias, ficoureservado para sediar também os bairrosoperários. Por fim, a zona rural, constituiria umaárea reservada para o exercício da pequenaagricultura.

O engenheiro Armando de Godoy foicontratado para continuar o plano da cidadeabondonado por Attílio Correia Lima, em 1934,devido às dificuldades de pagamento elocomoção (Bernardes, 2000). Godoy fezalgumas alterações no projeto de Attílio, comoa “redefinição de bosques e jardins, quepassaram a formar um anel verde em torno dacidade. Os novos bairros deveriam localizar-seem regiões posteriores ao anel, formando ascidades-satélites” (Bernardes, 2000, p. 164). Oengenheiro também fez modificações nozoneamento proposto por Attílio Corrêa Lima.No setor Sul (bairro residencial) incluiu o sistemacul de sac de ruas internas, baseado nascidades-jardins européias e americanas e noqual as fachadas das casas se voltam para aspraças internas, saindo os fundos para vielas,onde é recolhido o lixo. Com o desenvolvimentoda cidade, no decorrer dos anos, esse sistemainverteu-se, contrariando o planejamento deGodoy.

O mesmo aconteceu com a parte oesteda cidade, área também residencial, que foireservada para a localização da zonauniversitária. Neste local atualmente está oSetor Aeroporto, enquanto a zona universitáriaencontra-se a leste e a norte da cidade. Aconstrução da capital goiana foi realizada pelaempresa Coimbra Bueno & Cia, que começouas obras nos Setores Central e Norte,estendendo-se, seis anos mais tarde, aosSetores Sul e Oeste, com o objetivo de obteruma boa distribuição dos serviços urbanos.

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Para a construção de Goiânia foramcontratados trabalhadores de várias localidadesdo Brasil. Sem condições financeiras para arcarcom moradias, nem mesmo no Bairro Popular,estes instalaram-se às margens do CórregoBotafogo, fundando as primeiras invasões dacapital, que correspondem, atualmente, aosSetores Universitário, Vila Nova, Nova Vila,Fama, Pedro Ludovico e Criméia.

Bernardes (2000) ressalta que asinvasões refletem a falta de elaboração deespaços no plano de Goiânia para a ocupaçãode trabalhadores, chamando a atenção paraquestão da exclusão social e da segregaçãoespacial. Silva (2000) também compartilhadessa mesma opinião ao afirmar que asegregação sócio-espacial em Goiânia foipremeditada no plano diretor elaborado porAttílio Corrêa Lima, que planejou à margemesquerda do rio Meia Ponte 11 , enquanto amargem direita ficou sujeita à invasão e àmiséria. O autor denúncia que a cidade expandiusuas fronteiras para atender a interesses, emvez de seguir um planejamento justo ecoerente.Com base nos estudos de Moraes(1991), Visconde (2002), Paula (2003), entreoutros, pôde-se divide à produção do espaçourbano de Goiânia, em quatro fases:

· 1ª - 1933 a 1950 – criação do lugar;

· 2ª - 1950 a 1964 – ampliação do espaço;

· 3ª - 1964 a 1975 – a concentração doslugares;

· 4ª - a partir de 1975 – expansão urbana.

Na primeira fase, os loteamentos eramcontrolados pelo Estado, o que significa quesomente este poderia parcelar os terrenos.Dessa forma, o governo estadual poderiaimpedir a desconfiguração do plano original edirecionar a expansão urbana da cidade. Asterras ao sul do núcleo inicial pertenciam aoEstado, fato que induziu a expansão da cidadenesta direção, num movimento praticamente“automático”.

Como as terras adquiridas pelo Estado seprolongavam ao sul e se limitavam a norte,próximo à confluência dos córregos Botafogoe Capim Puba, era de esperar que fosse dadauma ênfase às propostas de expansão ao sul,conforme projeto de Armando Augusto Godoy(Moraes, 1991, p. 35).

Para o autor (idem, ibidem), este detalhefez a diferença na produção do espaço urbanoda capital, pois foi determinante na definiçãoda sua expansão. Isto é,

(...) a explosiva expansão ao sul de Goiâniase deu como poderia ter se dado em qualqueroutra direção, dependendo só da disposiçãoe interesse dos empreendedores imobiliáriose de sua articulação com o Estado (MORAES,1991, p. 85).

A aprovação da Lei 176, de março/1950,que liberou a responsabilidade do loteador pelaimplementação de infra-estrutura no loteamentoe autorizou o loteamento de novas áreas,promoveu uma descaracterização sem controleda configuração proposta pelo plano original.Ou seja, conforme o Plano Diretor de Goiânia(PDIG):

até 1950, a nova cidade cresceu e sedesenvolveu de acordo com as previsões,do plano original, graças principalmente aorigoroso controle exercido pelas autoridadesadministrativas do Município e do Estado. (...)A cidade experimentou cerca de 20 anos decrescimento acelerado (...). As pressõesdemográficas, tanto quanto as pressões daespeculação imobiliária, acabaram levando acidade a desviar-se das rotas dedesenvolvimento orgânico e harmônico,introduzindo no seu processo dedesenvolvimento graves deformações. (PDIG,1992, p. 14).

O intenso crescimento demográfico, apartir desse período, fez surgir novasconfigurações, tanto no aspecto horizontal comono vertical. A expansão desordenada atingiuseu limite quando Goiânia encontrou-se comas cidades vizinhas. Por fim, o Estado

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influenciou a produção do espaço urbano deGoiânia até 1950. Após este período, estapassou a ser determinada pelo capitalimobiliário que deu início a uma nova fase naformação urbana da capital, identificada pelaexpansão da malha urbana, pelo predomínio dosvazios urbanos e pela desconfiguração do planooriginal.

Em 1935,conforme já foi referido, o planopiloto original, elaborado por Atílio Corrêa Lima,foi reformulado pelo engenheiro urbanistaArmando Godoy, que sugeriu ao governoestadual o incentivo à expansão da cidade paraa direção sul. As razões para tal sugestão nãoestão muito bem explicadas no PDIG-92, massupõe-se que tenha sido por causa dascondições topográficas daquela área. Segundoo próprio PDIG (1992, p.56), esta região eracaracterizada por “relevo mais suave e cortadapor vasta rede hídrica”. Tal idéia foi facilmenteacatada, pois, como se viu, as propriedades doEstado se estendiam ao sul e se limitavam aonorte da capital.

Em relação ao relevo de Goiânia, Casseti(1992) explica que esta encontra-se situada sobdois complexos geológicos diferentes: ocomplexo Goiano e o Grupo Araxá. O ComplexoGoiano, situado ao sul da cidade, écaracterizado por relevo alto e suave e porrochas resistentes (granulitos, hornblenda,gnaisses, quartzitos) e solos profundos. O grupoAraxá, ao contrário, possui relevo ondulado,composto por micaxistos e granulitos, com solomenos profundo. Diante desses dados, conclui-se que o Complexo Goiano constitui um localpropício à expansão urbana, o que pode explicara sugestão de Godoy. A transferência dogoverno de Goiás de Pedro Ludovico Teixeirapara o engenheiro Gerônimo Coimbra Bueno em1947 implicou em mudanças na produção doespaço da capital, pois

até 1950, a formação do espaço urbano deGoiânia obedeceu ao plano de urbanizaçãodesenvolvido pelos urbanistas Correia Limae Godoy, com a interferência da firma CoimbraBueno e Cia Ltda, que aprovou em julho de

1938 a Vila Coimbra (...). Com forte controledo Estado, a cidade se expandiu ao sul, emdireção às áreas do Estado e a Oeste, emdireção à área da firma de Coimbra e Buenoe Cia Ltda. (MORAES, 1991, p.36).

Com a aprovação do Setor Coimbra,constituiu-se o primeiro loteamento privado emGoiânia, de propriedade da firma Coimbra Bueno& Cia. Localizado entre a Capital e Campinas,acabou por promover a inclusão desta,enquanto bairro de Goiânia. Assim, a partir dosloteamentos feitos pelo mercado imobiliário, oespaço urbano da capital sofreu um aceleradocrescimento. Enquanto o Estado levoudezessete anos para construir 10.000habitações, o mercado imobiliário precisouapenas de quatorze anos para construir três“Goiânias”, isto é, a cidade triplicou de tamanho(idem, ibidem, p.37).

Os loteamentos desenfreadosestimularam a instituição da lei 1.566 desuspensão dos loteamentos particulares e aadoção do primeiro plano diretor da capital em1959, sob a direção do arquiteto Luis Saia. Oplano tinha como objetivo acompanhar econtrolar o crescimento populacional e territorialda capital. Para isto, o plano identificou asbarreiras, as atrações e a homogeneização dacidade, de forma que a sua estrutura urbanapudesse ser dividida em seis regiões: Central,Campinas, Dergo, Macambira, Universitário eMeia Ponte. Para cada região foram apontadassoluções “localizadas de zoneamento e de usodo solo, ao mesmo tempo em que se buscavaestruturas gerais, como a preservação da BaciaHídrica e do Sistema Viário expresso”(idem,ibidem p. 42).

O plano diretor foi concluído em 1962,mas logo foi embargado pelo golpe militar de1964, quando os loteamentos privados quehaviam sido proibidos em 1959 foram liberadospela administração dos militares. De acordo como PDIG (1992), 52% dos bairros foram fundadosna década de cinqüenta e tiveram como linhade frente a especulação imobiliária na parte sul.Exemplo disto é o loteamento do Setor Parque

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Amazônia que foi aprovado em 1954.Depoimentos de antigos moradores desse setorrevelam que sua fundação coincide com a debairros vizinhos como Nova Suíça, JardimAmérica, Setor Pedro Ludovico, Bueno e outros.

Embora a expansão da cidade tenhaocorrido em todas as direções,acentuadamente, a partir dos anos cinqüenta,foi na direção sul que prevaleceu a concentraçãoda população de maior poder aquisitivo, alémda instalação nesta Região deempreendimentos, serviços públicos e privados.“... A expansão da cidade, a partir do plano pilotooriginal, se deu predominantemente ao Sul.Esta tendência começou a tomar corpo e noperíodo seguinte, de 1964 a 1975, seintensificou, para atingir sua expressão máximano período de 1975 a 1985.” (Moraes, 1991, p.43).

A intensidade de loteamentos tinha comoobjetivo atender o contigente populacional quechegava à capital constantemente. Para se teruma idéia da imigração para Goiânia, entre1950 e 1964, a população urbana saltou de 53mil para 260 mil. Este fato estimulou os ânimosdo mercado imobiliário, tanto que as habitaçõesneste período também sofrerem um salto de 10mil para 40 mil. Essa intensa imigração para acapital de Goiás é explicada por diversos fatoresque envolviam o Estado e o país nesta fase,dentre os quais: a construção da ferrovia nacidade em 1951, da BR-153 e da rodovia Belém-Brasília; as políticas de interiorização de Vargase a desenvolvimentista de JK; a implantação daRepresa Rochedo, de Cachoeira Dourada e dosistema de telecomunicações Telegóias (atualBrasil Telecom); a construção de Brasília.

Conforme o PDIG 1992, as atividadescomerciais, industriais, artesanais e serviços,dentre outras instaladas em Goiânia ao longode sua produção espacial, principalmente apartir da década de cinqüenta, concentraram-se na Região Sul, como: a instalação daTELEGOIÁS (1962) e a construção do ShoppingCenter Flamboyant (1981), no Jardim Goiás, nasmargens da BR-153; a construção do Shopping

Bougainville (1990) no Setor Marista; do GoiâniaShopping (1991), no Setor Bueno12 ; do ShoppingBuena Vista (2003); a transferência da rede decomunicação Jaime Câmara do núcleo centralpara o Bairro da Serrinha (1980); a implantaçãodos parques de lazer Vaca Brava (Setor Bueno)e Areião (na divisa entre o Setor Marista e PedroLudovico) na década de 1990; e, para completar,a inauguração recente do Paço Municipal (2000)no Jardim Goiás, nas proximidades da BR-153.A Região Sul foi privilegiada em relação àimplantação de infra-estrutura na cidade.Baseando-se no PDIG (1992), até a década de1970, apenas 40% da área urbana de Goiânia,a qual correspondia ao núcleo central, erapavimentada.

A terceira fase da produção do espaçourbano de Goiânia, segundo Moraes (1991), foimarcada pelo Golpe Militar em 1964 que mudouo cenário da política nacional e estadual e,portanto, a atuação do empreendedorimobiliário. Nesta fase, o governo federal lançouprojetos de financiamentos de casa própria,através de programas como o Banco Nacionalde Habitação (BNH) e a CooperativaHabitacional Brasileira (COHAB), que servirampara impulsionar o crescimento e ametropolização de Goiânia.

Neste período, a capital eracaracterizada pela carência de moradias e infra-estrutura (asfalto, luz, água tratada etransporte) e os conjuntos habitacionaisfinanciados pelos programas federais atuavamcomo meio de suprir estes problemas. Para seter uma idéia dessa carência, apenas o EixoAnhanguera possuía infra-estrutura e apenasos setores Centro e Campinas possuíamdensidade de construções. Em síntese, após

a primeira fase, a criação do lugar, o Estadoe o empreendedor imobiliário se confundiramcomo única instituição até 1950, na segundafase, até 1964, o empreendedor predominano ramo fundiário de loteamento, havendo aexpansão do espaço urbano, sem definiçãode lugares além do pioneiro.

De 1964 a 1975 – 3ª fase, há a

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industrialização da construção civil e oempreendedor imobiliário se especializa. OEstado retoma o financiamento da 1ª fase,através do S.F.H. e seus agentes (MORAES,2001, p. 51).

A partir de 1975, iniciou-se uma quartafase, que foi caracterizada pela atuação doEstado na estruturação da rede de transportee viária da capital e, também, pela suaconseqüente fragmentação sócioespacial.Através dos recursos da Empresa Brasileira deTransporte Urbano e do Programa de Cidadede Porte Médio, o governo estadual passou ainvestir no sistema viário (circulação etransporte) de Goiânia, criando, em 1975, oSistema Integrado de Transporte em massa eos Eixos de Serviços13 .

A execução destes investimentos teveinício em 1976, através da pavimentação de105 Km de vias, das quais 90% foi empregadoao sul da Av. Anhanguera pelo fato de aíconcentrar-se um fluxo maior de veículosparticulares e de densidade de construções.O resultado disso “foi um grande estímulo àexpansão da região sul. Os terrenos junto àsvias recém-pavimentadas atingiram elevadospreços pela valorização.” (idem, ibidem, p.64).

A pavimentação das vias da faixa suldinamizou a sua acessibilidade, contribuindo,assim, para a produção de uma localizaçãootimizada na capital. Foi a partir deste momentoque a segregação sócioespacial da cidade seconsolidou. Em outras palavras, as diferençasdas classes sociais em Goiânia encontraram nofundo de financiamento de habitação doGoverno Federal o veículo de sua explicitaçãoespacial, pois para cada faixa de renda haviaum tipo de construção. Conforme Carlos (1992,p. 24), “desigualdade que pode ser percebida‘no olhar-se a paisagem’ é conseqüência doscontrastes decorrentes do processo deprodução do espaço urbano”.

Na década de 1980, morar emapartamentos compunha o sonho de consumodas camadas de renda média e alta, seespecializando os empreendedores imobiliários,

assim, em dois tipos de construções, cada umpara uma classe social (Moraes, 1991): osconjuntos habitacionais, para as camadas debaixa renda e os condomínios verticais, paraas camadas de média e alta renda. Souza (1994)esclarece que os primeiros condomínios verticaisno Brasil foram construídos em São Paulo nadécada de 1920, período em que se desenvolveutecnologia avançada na construção civil nospaíses industrializados e a indústria de bensde produção em São Paulo. Apesar de ter seiniciado na década de 1920, a verticalização sóse intensificou e se expandiu para outrascidades do país a partir da década de 1970, coma implantação de programas de financiamentohabitacional do governo federal.

Conforme Souza (ibidem), para a elitepaulista da década 1920, a verticalizaçãorepresentava a adequação da cidade àmodernidade. Assim, a construção de edifíciosem São Paulo proporcionou a valorização dosterrenos adjacentes e intensificou a segregaçãosócioespacial na capital. A construção decondomínios verticais, financiados pelosprogramas do governo federal a partir de 1970,tinha como finalidade resolver o problema demoradia da classe média, porém acabou poratender às necessidades também da classemédia alta. Souza (ibidem) observa que osplanos de construção de apartamentos, atravésdo financiamento do governo ou de particulares,sempre foram inacessíveis à população maiscarente. Dessa forma, a verticalização instituiu-se enquanto instrumento de segregaçãosócioespacial.

Em Goiânia, a cultura de morar emedifícios teve um forte impacto na estruturaçãosocial do seu espaço. Conforme Moraes (1991),das 57 mil novas unidades habitacionaisconstruídas na metrópole, entre 1975 e 1985,4.304 eram condomínios de alto porte (acimade 4 andares), com um total deaproximadamente 17.220 apartamentos. Estesse concentraram na faixa sul (principalmente emSetores como Oeste, Bueno, Nova Suíça, JardimAmérica e Bela Vista) onde havia uma certainfra-estrutura, maior densidade populacional e

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vias pavimentadas. Já os condomínios verticaisde baixo porte (até 4 andares) e os conjuntoshabitacionais tendiam a se concentrar em áreasmais distantes do centro, levando consigo infra-estrutura para aquelas regiões.

A distribuição de renda entre as classessociais de Goiânia, em 1985, organizava-se daseguinte forma: “os 10% mais ricos detinham48% da renda global, enquanto os 80% dapopulação pertencente às três classes de rendamais baixa, 32% do bolo total de rendas; os30% mais pobres detinham 3,8% da rendaglobal e constituíam por outras fontes osexcluídos socialmente...” (Moraes, 1991 p. 58).Neste sentido, o espaço urbano de Goiâniaapresentava-se dividido também em classes, ouseja, a sul aglomerava-se a população de altae média renda, dispersas nas diversas regiõesda cidade estavam as populações de rendabaixa; nas invasões encontravam-se posses elotes clandestinos (também distribuídos pelacidade, mais acentuadamente na RegiãoNoroeste) estavam os excluídos.

Cabe ressaltar, entretanto, que a maiorinfra-estrutura e acessibilidade da Região Sulproporcionou a ocupação e a expansão deloteamentos populares até o limite de AparecidaGoiânia, bem como neste município (idem,ibidem). Este fato desencadeou, a partir demeados da década de 1980, um novo aspectoda produção do espaço urbano destametrópole: a reprodução urbana de espaçosperiféricos na Região Sul.

A cidade de Aparecida de Goiânia é asegunda mais populosa do estado e compõea região metropolitana de Goiânia. O povoadode Aparecida foi fundado em 1920, masapenas em 1968 foi reconhecido enquantomunicípio, passando a chamar-se Aparecida deGoiânia (AGEPEL, 2003). A expansão do espaçointra-urbano de Goiânia, ao sul ocasionou aconurbação espacial entre as duas cidades.Conforme matéria publicada no jornal Diárioda Manhã (26/06/1988 ),

A cidade de Aparecida, por estar muitopróxima à capital goiana, é obrigada a pagar

um pesado ônus que o crescimentodesordenado e a explosão de bairros novosque surgem a cada dia. “As pessoas mudamdo campo para a cidade e, chegando emGoiânia, não encontram condições de morar.Então eles compram um lote em algum bairrode Aparecida, sem boas condições demoradia e passam a viver uma vida dedificuldades”, diz o prefeito Norbeto JoséTeixiera.

É grande a quantidade de bairros queforam loteados sem projeto aprovado pelaprefeitura, ou seja, na clandestinidade. Osempresários fazem parcelamentos e nãoimplantam qualquer tipo de infra-estrutura. Oscompradores são penalizados e a Prefeitura nãotem condição de cobrir o que deixou de ser feito(DIÁRIO DA MANHÃ 26/06/1988).

Na verdade, a expansão urbana e odesenvolvimento ao sul de Goiânia acabou porpromover a ocupação de Aparecida pelaspopulações de baixa renda, impossibilitadas deadquirir moradia na capital. A expansão dascamadas de média e alta renda nos bairrospopulares da Região Sul, a partir da década de1980, constituiu um aspecto desta Região,redefinindo, de certa forma, a distribuição dasclasses sociais na área metropolitana deGoiânia. Este novo aspecto, para reforçar a idéiade Moraes, pode ser apontado enquanto umaquinta fase: a reprodução de lugares, tendocomo um dos pontos de apoio a implementaçãoda Avenida T-63, nos meados da década de1980. Conforme Moraes,

o eixo T-63 foi alargado, por desapropriação,e prolongado, alcançando uma certa ocupaçãodo uso do solo ao longo de toda via,especialmente chamando a atenção ascentenas de prédios de apartamentosconstruídos no Setor Bueno, junto às quadrasprevistas para maior densidade junto ao eixo.(...)

O processo de ocupação do solo, criandolugares com grande intensidade de usosintensificou, assim como a ocupação rarefeita eextensiva dos loteamentos a sul que já atingem

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então o município após Aparecida, o deHidrolândia” (MORAES, 1991, p. 68).

A Avenida T-63 passa por mais de vintebairros, cortando as Regiões Sul e Sudoeste deGoiânia no sentido leste-oeste. Criada emmeados da década de 1980 dentro do plano de“Diretrizes Básicas para o Planejamento deGoiânia”, a implementação da Avenida noextremo sul da Região Sul marcou uma novaetapa de ocupação desta área, pois contribuiupara a valorização do lugar e para a expansãoda nova centralidade. Por fim, a implementaçãodo eixo T-63 e a reforma da Avenida 85 (nomesmos período) compuseram apenas mais umaetapa de investimentos públicos nessa Regiãode Goiânia, o que permitiu uma continuidade nodesenvolvimento de zonas econômicas já emprocesso na capital desde sua construção.

Conclusão

A valorização e auto-segregação doespaço urbano de Goiânia tem se dado nosentido Sul. A valorização e a segregação daRegião Sul de Goiânia tiveram sua origem como planejamento urbano da capital, elaboradopor Attílio Correia Lima e Armando de Godoy,que privilegiou o sul da cidade, onde estavam

as terras que, além de possuírem um relevo altoe suave, pertenciam ao governo do Estado.Assim, o sul foi, desde a fundação da cidade,“atraente” para os investimentos dosequipamentos urbanos.

Dessa forma, a Região Sul, ao longo daprodução do espaço urbano da capital, sofreuintensa ocupação populacional e atraiu ainstalação de atividades econômicas. Issofavoreceu a implantação de infra-estrutura e osinvestimentos da construção civil no seu espaço,a partir da década de 1970. A estruturação e averticalização da Região acabaram por promovera valorização dos terrenos aí localizados e,consequentemente, reforçaram sua posição delugar “nobre” no imaginário do goianiense.

Essa posição começou a se consolidarcom a criação do Setor Sul por Attílio Corrêa Lima.Este setor, um dos bairros residenciais do planode Attíl io, foi reformulado em 1934 peloengenheiro Armando de Godoy e construído noestilo das cidades-jardins européias eamericanas. Em 1967, apesar da baixadensidade em relação aos setores Central eCampinas, o Setor Sul era “o mais bemposicionado no imaginário da população” (Vaz,2000, p. 28). Em suma, foi a partir do Setor Sulque surgiu o fetiche14 , que perpetua até os diasatuais, em relação ao sul da cidade.

Notas1 IBGE 2000, Radiografia Sócio-Econômica de

Goiânia, 2002.2 Chaveiro (2001), chama de desconstrução a

desconfiguração do plano original de Goiânia pelaprodução social do espaço desta cidade.

3 Os impostos de imóveis são cobrados sobre seuvalor. Assim, quanto mais caro o imóvel, maiorserá o valor do imposto.

4 As zonas fiscais englobam os bairros de Goiâniaconforme alíquotas aplicáveis ao cálculo deimposto, que tem como base os valores da plantade valor imobiliário do município.

5 Conforme a lei de zoneamento complementar deGoiânia nº 031 de 29 de dezembro de 1994, a

ocupação e o uso do solo urbano depredominância residencial em Goiânia estadividida em três zonas:? de alta densidade (690 habitantes por ha),correspondente aos bairros: Faiçalville, JardimAtlântico, Vila Rosa, Parque Amazônia e Serrinha;? de média densidade (430 habitantes por ha),e de alta densidade., correspondente aos bairros:Goiânia II (parte), Vila Alpes (parte) , setor PedroLudovico, setor Bela Vista, setor Bueno e setorNova Suíça;? de baixa densidade (250 habitantes por ha),correspondente aos demais bairros não citadosnas zonas anteriores.

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6 Como os Shopping Centers, os hipermercados e aproposta do teleporto.

7 Refere-se a segregação sócioespacial, que écompreendida como desigualdades espaciaisproduzidas pelo modo de vida da sociedadecapitalista. Este modo de vida, define a ocupaçãoda cidade e se expressa nas formas espaciaisproduzidas pelas classes sociais.

8 Valor médio de imposto territorial municipal,alíquota territorial por zona fiscal, número deescolas privadas, números de alunosmatriculados em escolas privadas, porcentagemde chefes de famílias com renda superior a 20salários mínimos e porcentagem de concentraçãode apartamentos (ver original MARINHO,Clorisnete Borges . Espaço urbano evalorização: a produção de lugares naRegião Sul de Goiânia (dissertação demestrado). Goiânia: IESA/UFG,2004).

9 A Avenida Anhanguera foi criada pelo planoarquitetônico de Attílio Corrêa Lima, do qualoriginou Goiânia. A avenida corta a cidade emsentido leste-oeste e compõe um dos seusimportantes eixos de serviços.

10 A Carta de Atenas é um documento síntese do IV

CIAM (Congrés Internationaux d’ArchitetureModerne), a qual faz um esboço da cidademoderna e racional, chamado de urbanismofuncionalista.

11 O rio Meia Ponte corta Goiânia de leste a oeste,sendo que a sua margem direita localiza-se asregiões Norte e Leste e a sua margem esquerdalocaliza-se as regiões Central e de Campinas.

12 Os shoppings centers de alta renda em Goiâniasó existem na Região Sul, o que confirma aobservação feita por Vil laça (1998) que oshopping é apenas mais um aspecto do capitalimobiliário que produz o ponto e instala-sepróximo de quem pode consumir.

13 Os Eixos de Serviços são definidos por umconjunto de vias principais que tem como funçãointerl igar a cidade na sua totalidade e deviabilizar o sistema integrado de transporte.Assim foram criados três grandes eixos paralelos:o eixo Anhanguera, a via Perimetral e a AvenidaT-63, os quais são complementados pelo eixo Nortee Sul.

14 Na concepção de Marx (1978) fetiche é o poderde fascinação que uma mercadoria exerce sobreum indivíduo ( JOHNSON, 1997).

BibliografiaBERNARDES, Genilda Darc. Considerações sobreo plano de Goiânia. In: SILVA, Luiz Sérgio Duarteda (org.). Relações cidade-campo: fronteiras.Goiânia: Ed. UFG, 2000, pp.155-180

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CASSETI, Valter. Geomorfologia do município deGoiânia-Go. Boletim Goiano de Geografia, 12(1):1992.

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Trabalho enviado em março de 2006

Trabalho aceito em abril de 2006

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