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N° 75 – Abril / Junho de 2003 Av. Rio Branco, n° 120, Grupo 707, Centro, Rio de Janeiro - 20.040-001 - RJ Tels.: (21) 2509-4423, 2509-2662, 2221-1524 Fax: (21) 2221-1656 E-mail: [email protected] Home Page: www.funcex.com.br POLÍTICA INDUSTRIAL A Dinâmica das Políticas Setoriais no Brasil na Década de 1990: Continuidade e Mudança Regis Bonelli e Pedro da Motta Veiga Sócios-diretores da ECOSTRAT Consultores Este trabalho tem por objetivo analisar a dinâmica das políticas setoriais no Brasil do começo dos anos 1990 até o presente para avaliar esse conjunto em comparação com a experiência pretérita e interpretar as mudanças havidas. O texto faz uma reflexão sobre as mudanças no âmbito e interpretação do significado dessas políticas procurando identificar os elementos de continuidade e mudança ao longo do tempo. Adicionalmente, traz-se também para essa análise a constatação de que as mudanças no paradigma industrial que se observam em escala mundial também têm afetado o meio em que se desenvolve essa atividade no Brasil. Entre essas mudanças, duas têm especial interesse pelo que significam em termos de uma nova política industrial – mais além da ênfase setorial – quanto a objetivos e instrumentos: a primeira é a (ainda incipiente em nosso país) emergência das indústrias baseadas no conhecimento, onde um fator cada vez mais decisivo é o uso de tecnologias avançadas. O avanço sem precedentes das tecnologias da comunicação e da informação (TCI) tem permitido a difusão rápida e extensa de informações entre empresas localizadas no país e entre empresas aqui localizadas e empresas localizadas no exterior. A habilidade para inovar, absorver e usar nova tecnologia torna-se cada vez mais uma variável chave na competição empresarial. A experiência brasileira revela conhecer a importância dessa vertente, como se depreende da ênfase crescentemente atribuída aos setores de comunicações, eletrônica e informática e, em especial, dos esforços, nem sempre bem sucedidos, para integrar estas políticas no contexto de uma visão de “tecnologias de informação”. A segunda é o ganho absoluto e relativo de importância das atividades tradicionalmente associadas ao setor produtor de serviços, onde as tecnologias modernas estão promovendo uma verdadeira revolução produtiva no interior do aparelho industrial, pois se estima que grande parte do emprego no setor industrial está dedicada à produção de serviços. No caso do Brasil, as ações específicas na direção de apoio ao setor de serviços são ainda incipientes, enquadrando-se mais diretamente na própria política industrial. No entanto: (i) as políticas públicas vêm progressivamente agregando preocupações explícitas com o Este trabalho é um resumo de documentos preparados para o projeto regional sobre “Natural resource cluster development strategies”, executado pela CEPAL e financiado pela GTZ da Alemanha. O documento original será publicado pela CEPAL em Santiago do Chile.

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Autores: Regis Bonelli, Pedro VeigaArtigo: A Dinâmica Das Políticas Setoriais No Brasil Na Década de 1990 Continuidade e MudançaRevista Brasileira de Comércio Exterior

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N° 75 – Abril / Junho de 2003

Av. Rio Branco, n° 120, Grupo 707, Centro, Rio de Janeiro - 20.040-001 - RJ

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POLÍTICA INDUSTRIAL

A Dinâmica das Políticas Setoriais no Brasil na Década de 1990: Continuidade e Mudança♦

Regis Bonelli e Pedro da Motta Veiga Sócios-diretores da ECOSTRAT Consultores

Este trabalho tem por objetivo analisar a dinâmica das políticas setoriais no Brasil do começo

dos anos 1990 até o presente para avaliar esse conjunto em comparação com a experiência pretérita e

interpretar as mudanças havidas. O texto faz uma reflexão sobre as mudanças no âmbito e interpretação do

significado dessas políticas procurando identificar os elementos de continuidade e mudança ao longo do

tempo. Adicionalmente, traz-se também para essa análise a constatação de que as mudanças no

paradigma industrial que se observam em escala mundial também têm afetado o meio em que se

desenvolve essa atividade no Brasil.

Entre essas mudanças, duas têm especial interesse pelo que significam em termos de uma nova política

industrial – mais além da ênfase setorial – quanto a objetivos e instrumentos: a primeira é a (ainda incipiente

em nosso país) emergência das indústrias baseadas no conhecimento, onde um fator cada vez mais

decisivo é o uso de tecnologias avançadas. O avanço sem precedentes das tecnologias da comunicação e

da informação (TCI) tem permitido a difusão rápida e extensa de informações entre empresas localizadas

no país e entre empresas aqui localizadas e empresas localizadas no exterior. A habilidade para inovar,

absorver e usar nova tecnologia torna-se cada vez mais uma variável chave na competição empresarial.

A experiência brasileira revela conhecer a importância dessa vertente, como se depreende da ênfase

crescentemente atribuída aos setores de comunicações, eletrônica e informática e, em especial, dos

esforços, nem sempre bem sucedidos, para integrar estas políticas no contexto de uma visão de

“tecnologias de informação”.

A segunda é o ganho absoluto e relativo de importância das atividades tradicionalmente associadas ao

setor produtor de serviços, onde as tecnologias modernas estão promovendo uma verdadeira revolução

produtiva no interior do aparelho industrial, pois se estima que grande parte do emprego no setor industrial

está dedicada à produção de serviços. No caso do Brasil, as ações específicas na direção de apoio ao setor

de serviços são ainda incipientes, enquadrando-se mais diretamente na própria política industrial. No

entanto: (i) as políticas públicas vêm progressivamente agregando preocupações explícitas com o

♦ Este trabalho é um resumo de documentos preparados para o projeto regional sobre “Natural resource cluster development strategies”, executado pela CEPAL e financiado pela GTZ da Alemanha. O documento original será publicado pela CEPAL em Santiago do Chile.

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desenvolvimento de segmentos de serviços; (ii) pelo menos no segmento das grandes empresas, observa-

se intensa adoção de novas tecnologias organizacionais a par da terceirização de atividades desde o

começo da década de 90.

Como é bem sabido, mudanças não desprezíveis na formulação e execução da política industrial e de

comércio exterior do Brasil ficam particularmente nítidas na virada dos anos 80 para os 90 com as medidas

visando a liberalização e a reforma do Estado. Porém, mais adiante, em meados da década, tem-se de novo

o recurso (e retorno parcial) de algumas iniciativas setoriais. Essas mudanças na ênfase e formulação da

política industrial brasileira não operaram em um vácuo. Ao contrário, elas se inserem em movimento

comum a diversos países, como observou recente survey:

“… (with respect to Colombia, Mexico, Brazil). First, ... what is developing before our eyes is an effort on the part of an important segment of Latin American policymakers to redefine the role and content of industrial policies in an era of greater worldwide commercial and financial integration. It is not an attempt to go back to the past. Second, while the effort builds on both own past experiences and lessons from other countries, it is in many ways unprecedented and involves a modicum of breaking new ground, experimentation, and charting of unfamiliar territory. To that extent, it can be said that the new policies are still in the stage of taking shape and gaining an identity of their own. Third, a remarkable feature of these and similar formulations is that they strive to address issues (such as productivity, efficiency, product-quality, etc.) revolving around the central question of how to raise the countries’ competitiveness. The underlying assumptions are that trade liberalization was necessary; that it is here to stay; that, on the other hand, it is not only desirable but also possible to change the prevailing world distribution of comparative advantage so as to increase the region’s exports of manufacturing goods (and even of high-technology goods and services) and decrease the dependence on primary-sector-related exports; and that the government has a role to play in this pursuit.” (Melo, 2001; ênfase nossa)

Isso não significa, de forma alguma, que a ênfase setorial tenha deixado de existir na experiência brasileira –

como ficará patente no restante desse trabalho. Isso posto, o texto seguinte está organizado da seguinte forma.

A seção 2 descreve, em grandes linhas, a evolução da política industrial brasileira nos anos 90, pondo em

destaque o fato de que o eixo setorial de política não desapareceu nem mesmo no período mais ‘liberalizante’ do

Governo Collor (1990-1992), voltando a ganhar força a partir da segunda metade dos anos 90. A mesma seção

apresenta ainda uma breve reflexão sobre as mudanças recentes no policy-making, ao passo que a seção 3

contém resenhas analíticas das ações do Estado quanto a políticas setoriais, contemplando-se não apenas o

setor manufatureiro, mas também os esforços de regulação nos recentemente privatizados serviços industriais

de utilidades públicas (public utilities) e de apoio à formação de clusters. Para tanto, apresentam-se e analisam-

se os principais componentes de quatro tipos de políticas setoriais praticadas ao longo dos anos 90: o regime

automotivo, a política para setores de tecnologia de informação, a política regulatória para setores provedores de

infra-estrutura pública e as políticas direcionadas aos “arranjos produtivos locais” ou clusters. Finalmente, a

seção 4 fecha o texto com uma reflexão sobre as mudanças no âmbito e na interpretação do significado dessas

políticas à luz da experiência brasileira prévia, buscando-se identificar os elementos de continuidade e mudança

ao longo do tempo.

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A política industrial em transição e a redefinição das políticas setoriais nos anos 90

A ênfase setorial da política industrial no Brasil

Uma característica nítida das políticas públicas no Brasil foi, desde longa data, sua atuação segundo eixos

setoriais tanto nas áreas de comércio exterior como de indústria. Uma implicação disso é que os agentes

encarregados da formulação e da implementação dessas políticas também se estruturaram segundo

entidades administrativas que acompanhavam as clivagens setoriais. Da mesma forma, a estruturação e

manifestação dos interesses privados também seguiram o eixo setorial, o que provocou, naturalmente,

relações de interlocução entre setor público e agentes privados – neste caso, exclusivamente as empresas

e associações setoriais diretamente interessadas – quase que exclusivamente ao longo deste eixo de

articulação. As próprias negociações comerciais do país seguiam o figurino setorial. Mas a distribuição dos

benefícios não foi uniforme.1

A partir de meados dos anos 80, no entanto, a ênfase setorial como modelo quase exclusivo de formulação

e implementação das políticas industrial e comercial começa a dar sinais de esgotamento, no bojo da crise

fiscal e regulatória do Estado.2 Processo semelhante caracteriza diversos outros países da América Latina

(Melo, 2001, passim). No começo dos anos 90 assiste-se a mudanças fundamentais nesse paradigma,

quando novas políticas horizontais vieram a somar-se a novas (e velhas) iniciativas de âmbito setorial. Isso

significa que o eixo setorial não foi abandonado.3 Ele ressurgiria mais tarde.

Mas o principal é que os primeiros anos da década de 90 marcam, no Brasil, uma inflexão na concepção das

políticas industriais e de comércio exterior: políticas “horizontais” voltadas para o aumento da competitividade e

das exportações ganham relevância vis-à-vis políticas e medidas setoriais, que praticamente haviam

monopolizado os esforços governamentais nessas áreas de política pública até os anos 80.4

Essa crescente “horizontalização” das políticas industriais e de comércio exterior foi além dos discursos oficiais e

do estabelecimento de objetivos explícitos, traduzindo-se, inclusive, numa reorientação clara dos incentivos e

subsídios orçamentários, que migram dos incentivos tradicionais destinados a indústrias específicas para

incentivos gerais, calcados na desoneração de tributos indiretos, contribuições sobre o comércio exterior e

mecanismos públicos de financiamento ao investimento e às exportações (SPE/MF, 2000).

Mas o peso crescente de políticas horizontais – que também se traduziu numa ênfase maior em políticas de

apoio às PME e em políticas de redução do Custo Brasil – não implicou, em momento nenhum, o abandono

do “eixo setorial” de políticas. Este atinge certamente seu ponto mais baixo durante o Governo Collor (1990-

92), quando a política setorial se confunde com a instituição de Câmaras Setoriais e com objetivos

genéricos que não se traduziram em medidas concretas. A exceção aqui é o caso do setor automotivo, em

que as atividades da Câmara Setorial deram origem a uma série de medidas relacionadas à desoneração

tributária de veículos de baixa cilindrada (os chamados “carros populares”).

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O retorno das políticas setoriais a partir de 1995 resultou, ao menos em parte, da decisão de conceder

tratamento privilegiado aos investimentos de certos setores – automobilístico, têxteis, calçados – e ao

comércio exterior desses e de outros setores, como o aeronáutico (Embraer).

Os instrumentos mobilizados foram variados: na automobilística assistiu-se à formação de um regime

setorial de investimentos de comércio exterior – baseado em mecanismos tradicionais de proteção tarifária e

de isenção tributária – com um regime mais favorecido para regiões menos desenvolvidas do país;5 nos

têxteis, confecções e calçados a política governamental em geral combinou a definição de condições de

financiamento público para investimento e produção mais favoráveis, por intermédio do Bndes – Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com a adoção pontual, em produtos mais sensíveis de

confecções, de medidas de defesa comercial contra as importações de origem asiática. Tanto em um

quanto em outro caso tem-se o ressurgimento de um padrão de intervenção que combina incentivos, fiscais

ou financeiros, com proteção comercial contra os importados: os setores beneficiados conseguiram manter,

na etapa pós-liberalização, uma posição privilegiada na estrutura de proteção e de incentivos semelhante à

que ocupavam no período mais protecionista.

Mas há mudanças importantes mesmo nessa vertente setorial, especialmente quanto aos setores de

eletrônica e informática, que definem um segundo eixo de atuação setorial para as políticas públicas na

década de 90. A diferença está em que novos mecanismos e um novo enquadramento institucional da

política tornam as iniciativas nessa área distintas das de uma política setorial clássica. Entre elas, o setor de

informática e de automação foi objeto de nova lei de incentivos fiscais à P&D (em substituição aos

instrumentos de reserva de mercado, da política de informática dos anos 80), mas, ao mesmo tempo, a

política para esses setores passou a ser crescentemente influenciada, no final da década de 1990, pelos

conceitos de tecnologia da informação e de sociedade da informação e por preocupações que remetem

principalmente à política de tecnologia.

Isso implica que as preocupações que estão na origem da mudança nesses setores evoluíram de uma visão de

política que privilegiava essencialmente a dimensão setorial (crescimento da oferta doméstica) para uma visão

de política industrial e tecnológica onde preocupações setoriais devem se combinar com a visão sistêmica.

Além disso, a liberalização e quebra de monopólios associadas à privatização e às novas concessões

levaram à criação de agências reguladoras autônomas.6 Três questões surgem a partir dessa mudança

fundamental: (i) o que ela significou, nos principais setores de infra-estrutura, em termos de formulação e

implementação de políticas; (ii) quais foram os impactos da mudança regulatória sobre o perfil do setor e,

especialmente, sobre a configuração da oferta, os investimentos e o crescimento da produção de serviços; e

(iii) como a mudança afetou os setores industrias fornecedores de bens de diversos tipos mas,

especialmente, máquinas e equipamentos, para os prestadores de serviços nas áreas de infra-estrutura.

A par disso, dois outros processos representam o reforço das iniciativas setoriais no Brasil nos anos mais

recentes. O primeiro é a valorização, principalmente pelos órgãos encarregados de formular e implementar

políticas para as pequenas empresas (o Sebrae, em particular) dos “arranjos produtivos locais” ou clusters.

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O segundo é a adoção de políticas industriais por parte dos governos sub-nacionais (estaduais), que

adotaram ao longo dos anos 90 estratégias agressivas de atração de investimentos, combinando elementos

horizontais com elementos tipicamente desenhados para certos setores.7 É possível concluir que essas

políticas se revelaram particularmente ativas nos setores automobilístico, eletroeletrônico, de informática,

têxteis, vestuário e calçados – ou seja, em setores também beneficiados por programas ou regimes

específicos de incentivo no plano federal.

Mudanças no policy-making: dos setores às cadeias produtivas, clusters e iniciativas subnacionais

Depois das Câmaras Setoriais, cuja efetividade prática foi pequena, as dimensões setorial e das cadeias produtivas destacam-se como espaço de mobilização e atuação dos setores privados e público. Aliás, uma

importante tendência observada na década de 90 foi, precisamente, o deslocamento gradual da ênfase da

política industrial para a das cadeias produtivas. Ao final dessa década consolidara-se a noção de “cadeia

produtiva” como uma das unidades relevantes para a formulação de política industrial e comercial e para a

interlocução entre os setores público e privado. Esse aspecto está refletido na iniciativa do MDICE com a

criação dos Fóruns de Competitividade – Diálogo para o Desenvolvimento em 2000.8 Em setembro de 2002,

foi firmado pelo Governo e entidades participantes do Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil e de

Confecções o Contrato de Competitividade para a cadeia, instrumento que marca a conclusão do primeiro

ciclo completo da metodologia proposta pelos fóruns.

Qualquer avaliação dos resultados dessa iniciativa seria precipitada, nesse ponto. Mas é fora de dúvida que

esse tipo de iniciativa de institucionalização do diálogo entre Governo e agentes privados com base em

critérios setoriais ou de cadeia, em suas muitas variações, tem levado quase sempre à frustração, não

alcançando os objetivos propostos. Esse fato pode ser atribuído a falhas conceituais no desenho das

políticas, a deficiências institucionais do setor público ou a divergências internas nos setores envolvidos.

Nessa última hipótese, a unidade setorial obtida – em geral, nas posições de defesa do mercado interno –

não se reproduz quando se trata de gerar consensos acerca das medidas para ampliar a competitividade e,

sobretudo, quando se trata de implementar tais medidas. Assim, parece claro que o deslocamento do objeto

das políticas governamentais do setor para a cadeia soma dificuldades adicionais para a implementação

das medidas, independentemente do valor que se atribua a essa nova orientação de política.

Por outro lado, com a multiplicação de políticas setoriais em âmbito subnacional (inclusive as centradas em

clusters), houve um processo de descentralização da formulação de políticas na área de política industrial,

possibilitando que emergissem novos atores públicos e privados, assim como novas instituições

encarregadas de funções de coordenação e de articulação entre os agentes envolvidos nos programas

postos em prática nas diferentes instâncias de governo.

Em um país grande e diversificado como o Brasil, os resultados desses processos têm variado bastante.

Mas não restam dúvidas de que há exemplos de sucesso e que em vários estados e regiões do país os

agentes envolvidos nesses processos foram capazes de pôr em prática formas de fazer política industrial

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que inovam significativamente em relação à tradição brasileira do período pré-liberalização – como é o caso

das iniciativas subnacionais visando a atrair investimentos na indústria automotiva.

Os quatro eixos de formulação e implementação das políticas setoriais nos anos recentes

A indústria automobilística: do regime automotivo de 1995 ao regime comum do Mercosul

Em nenhum segmento industrial os incentivos foram tão extensos e a política setorial tão explícita, na década de

90, quanto no caso do setor automotivo. Esse segmento, além de gozar de proteção efetiva muito elevada,

dispõe de incentivos fiscais e financeiros estaduais e, especialmente, de um regime automotivo em nível federal

que lhe é vantajoso e que permitiu um acelerado crescimento do intercâmbio de autos e peças com a Argentina

na década de 1990, até o começo de 1999. A partir desse ano, a desvalorização cambial brasileira pôs a nu as

dificuldades de se manter uma união aduaneira envolvendo países com regimes cambiais tão diferentes quanto

o brasileiro (câmbio flutuante) e o argentino (à época, fixo).

O acordo automobilístico que havia sido proposto em 1995 foi visto como a peça final de estímulo à

indústria de automóveis no Brasil.9 Apesar disso, o comércio de autoveículos no âmbito do Mercosul ficou

sujeito a arrastadas negociações durante a maior parte dos anos 90.10 A impossibilidade de se chegar a um

acordo e a falta de disposição das autoridades nacionais em disciplinar os incentivos nacionais ou

subnacionais levou a que em 1998 fosse feita uma proposta no sentido de prorrogar o comércio

“gerenciado” por um período adicional de transição de cinco anos.

Após intensas e prolongadas negociações, Argentina e Brasil finalmente anunciaram em 2000 os ingredientes

principais do assim chamado “regime de transição”. O acordo deveria começar a vigorar em julho desse ano,

mas Paraguai e Uruguai se opuseram aos seus termos devido a interpretações conflitantes acerca do método

usado para medir o índice de nacionalização, considerado por esses países muito elevado.11 Em dezembro de

2000, Argentina e Brasil assinaram um acordo para vigorar a partir de janeiro de 2001.12

No entanto, logo após assinar o acordo, o governo argentino pediu novas mudanças, especialmente no tocante a

uma regulamentação mais flexível para o comércio administrado (de modo a ampliar as exportações para o

Brasil, à época limitadas pela forte recessão doméstica), uma antecipação da fase de comércio livre de janeiro de

2006 para 2004 e uma redução da TEC de 35% para 25% para os automóveis e de zero para caminhões e

ônibus e equipamento agrícola. Em outubro de 2002 os governos da Argentina e do Brasil finalmente

concordaram em flexibilizar as regulamentações quantitativas para o comércio bilateral de veículos automotores,

permitindo à Argentina aumentar suas exportações para o Brasil no curto prazo. Mas, como já previamente

acordado, o comércio de veículos automotores será livre a partir de 2006.

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Esse regime criará pressões adicionais no sentido de reestruturação na indústria. A tendência, nesse

sentido, parece ser na direção de concentração da produção no Brasil. No entanto, a Argentina poderá ser

capaz de manter determinadas linhas de produção se as firmas forem capazes de compensar o pequeno

mercado doméstico e os limitados efeitos de encadeamento para trás com a especialização na manufatura de

classe mundial.

Do binômio Zona Franca de Manaus (ZFM) - Informática às Políticas para as Tecnologias da Informação

Durante a década de 90 continuaram a existir nos setores de eletroeletrônica e informática-automação os

mesmos arranjos previamente existentes: (i) da Zona Franca de Manaus; (ii) da isenção fiscal de IPI

condicionada ao requisito de processo produtivo básico (PPB); (iii) dos incentivos a atividades de P&D no

âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT); e (iv) da proteção efetiva elevada.

O dado mais relevante da evolução da política nesses setores é o da redefinição do uso dos instrumentos que os

beneficiaram, à luz de uma concepção que inclui a dimensão setorial, sem, entretanto, nela se esgotar: a política para as tecnologias de informação. Nessa nova concepção, instrumentos tradicionais, como a proteção

tarifária e os incentivos fiscais, foram também utilizados. Mas novos objetivos ganharam relevância – como o

aumento da atividade de P&D no país, o crescimento da competitividade e das exportações e o fomento de

inovações. As inovações institucionais aqui não se limitaram aos objetivos, pois novos instrumentos de política

foram introduzidos, direcionados a incentivar a consecução daqueles (novos) objetivos.

No caso dos empreendimentos industriais na Zona Franca de Manaus, a instalação de um novo projeto com

acesso aos benefícios fiscais previstos pelo Regime Aduaneiro Especial e pelas reduções de alíquotas de

impostos domésticos depende de uma espécie de “licença prévia” representada pela aprovação do

Conselho de Administração da SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus.

O setor brasileiro de informática e automação dispõe de legislação de incentivo própria desde 1984. Mas o

início dos anos 90 marcou a gradual extinção da política de reserva de mercado que beneficiava os

produtores domésticos e as empresas de capital nacional de hardware e software.13 A legislação que regula

esse setor passou por diversas alterações ao longo do tempo. Essa política procura, desde 1991, induzir a

inovação, capacitação e competitividade do setor por meio de incentivos, acompanhados de exigências de

contrapartida. A aprovação da Lei 8.248 permitiu a isenção do IPI incidente na comercialização de bens de

informática e automação para as empresas que investissem 5% de sua receita operacional bruta em P&D

no país. Além disso, para fazer jus aos principais benefícios fiscais definidos por esta política, exigia-se das

empresas as seguintes contrapartidas: (i) o atendimento às regras do PPB, que define critérios de

industrialização mínima para cada classe de produto, em substituição ao conceito anterior de índice de

nacionalização, permitindo focar em nichos da cadeia produtiva e a conseqüente seletividade de produtos,

partes e peças a serem fabricados localmente; e (ii) a obtenção de certificação ISO 9000 dos Sistemas da

Qualidade das Empresas, em prazo não superior a dois anos.14

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Em paralelo ao estabelecimento dos incentivos fiscais da Lei 8.248 e ao abandono da política de reserva de

mercado, um conjunto de ações lideradas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) foi gradualmente posto em prática sob a forma de diversos programas. Os recursos

alocados a esses programas, principalmente de fontes de cooperação técnica, foram limitados na primeira

metade dos anos 90. Isso levou o Bndes a participar das iniciativas nessa área, especialmente por meio do

Programa ENTER, que visava a permitir o financiamento de longo prazo para a venda de produtos de

tecnologias de informação, especialmente software e serviços.

O programa enfrentou dificuldades, relacionadas, principalmente, ao oferecimento de garantias reais para

empresas de pequeno porte e escasso patrimônio tangível. Essa dificuldade aponta para o fato de que a

legislação de informática e automação, assim como a instrumentalização dos mecanismos de apoio

financeiro governamental, apresentavam um viés pró-hardware e pró-indústria, em detrimento dos

segmentos de software e de serviços (Duarte e Castello Branco, 2001).

Essa percepção aliou-se à constatação de que o modelo baseado nos três Projetos Prioritários de

Informática caminhava para o esgotamento e, a partir de 1997, alguns ajustes significativos foram

introduzidos em vários programas de governo nessa área. De maneira geral, eram ajustes destinados a

aumentar a importância do desenvolvimento do software como objetivo da política.15 No entanto, o

problema da falta de recursos estáveis para a comunidade acadêmica desenvolver atividades de pesquisa

básica e de P&D relacionadas às tecnologias da informação continuou a existir, apesar dos ajustes.16

(Duarte e Castello Branco (2001)).

Mas a revisão do modelo vigente na primeira metade dos anos 90 teve uma dimensão também estratégica,

indo além de ajustes nos programas existentes. De fato, em 1997 e 1998, cerca de 150 especialistas

trabalharam na elaboração de um programa nacional de tecnologias para a sociedade da informação sob

a coordenação do MCT. O resultado desse trabalho foi o lançamento, em dezembro de 1999, do programa

Sociedade da Informação, um marco importante da gradual consolidação de um novo paradigma de política

nessa área, mais calcado em objetivos sistêmicos do que em metas de desempenho setorial.

A concepção desse programa revela uma clara consciência do papel central das tecnologias da informação

na viabilização da competitividade econômica do país, “não somente através da criação de novos produtos

e serviços, mas especialmente por meio da renovação das estruturas tradicionais de produção e

comercialização de bens e serviços” (MCT, 1999). Há, além disso, uma preocupação com a necessidade de

viabilizar a democratização do acesso à informação.

Uma avaliação dos resultados da política ao final dos anos 90 revela que os incentivos tradicionais, aliados ao

dinamismo do mercado doméstico, foram capazes de atrair novos investimentos externos nas áreas de

informática e, em menor grau, de automação. Cresceu o parque doméstico de produção, aumentaram as

exportações (especialmente para países da América do Sul) e gerou-se alguma tecnologia relevante

de processo, inclusive na Zona Franca de Manaus. Os impactos tecnológicos de programas como a RNP e o

Protem – CC também não foram pouco significativos: o número de doutores em Tecnologias da Informação (TI)

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atuando no país passou de 221, em 1991, para 820, em 2000. A parcela brasileira de domínios na Internet

passou de 0,2% do total mundial, em 1996, para 0,6%, em 2000 (Duarte e Castello Branco, 2001).

Os resultados de exportação foram medíocres na área de software, onde o programa específico, o Softex,

não conseguiu atingir suas talvez excessivamente ambiciosas metas. Ainda assim, cresceu

a participação das empresas de software e serviços no total do faturamento do setor – em boa parte em

função de investimentos externos no segmento de software na segunda metade dos anos 90 – reduzindo-se

o desequilíbrio que caracteriza o Brasil nas relações entre segmento de hardware e de software.

De forma mais geral, a evolução registrada nesta área de política pública nos anos 90 aponta para um notável deslocamento de prioridades: de uma política setorial baseada em incentivos fiscais e proteção tarifária e voltada para a produção de bens tangíveis, evoluiu-se para uma política sistêmica, agregando a instrumentos antigos diversos novos mecanismos de fomento à inovação.

A política agregou preocupações explícitas com o desenvolvimento de segmentos de serviços,

abandonando a postura exclusivamente ‘industrial’ dos períodos anteriores. Tornou-se, por este e outros

motivos, mais uma política tecnológica do que industrial, voltada para o desenvolvimento, no país, de uma

sociedade da informação. Nesse novo modelo, o desenho da institucionalidade da política também ganhou

relevância: mecanismos de coordenação e cooperação entre agentes privados, públicos e da comunidade

acadêmica foram criados e fazem parte integrante de diversos programas (sociedade de informação, fundos

setoriais de ciência e tecnologia, etc).

A regulação setorial dos serviços de infra-estrutura

As dificuldades de cunho macroeconômico vividas pelo Brasil a partir do início dos anos 80 reduziram os

investimentos fixos e afetaram de modo particularmente intenso as inversões em infra-estrutura –

até meados dos anos 90 sob responsabilidade quase exclusiva do setor público. A deterioração da infra-

estrutura subseqüente ocorreu em um período em que se processava nesses setores uma radical

transformação em escala mundial envolvendo a tecnologia, os modelos organizacionais de gestão e

operação dos serviços, as regulações e a estrutura de oferta desses serviços.17

De maneira geral, essa transformação gerou para os usuários de serviços de infra-estrutura reduções em

seus custos de produção, de comercialização e de transação, de tal maneira que uma oferta adequada de

infra-estrutura passou a ser identificada como importante vantagem comparativa. Em função do quadro de

instabilidade e de um ambiente regulatório adverso à entrada de capitais privados na oferta de serviços de

infra-estrutura, o Brasil ficou, em boa medida, à margem dessas transformações. Como conseqüência,

apresentava em meados da década de 90 fatores de desvantagens competitivas e fontes de

custos adicionais frente a seus concorrentes externos na infra-estrutura.

Na tentativa de superar esse estado de coisas redefiniu-se ao longo da década de 90 o modelo regulatório

aplicável aos diferentes setores de infra-estrutura, de forma a atrair o investimento privado não somente

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para concluir projetos iniciados e depois descontinuados por falta de verbas, mas também para

reduzir o custo de implementação dos projetos de infra-estrutura.

A partir de 1995 as iniciativas do Governo Federal com esse objetivo envolveram a extensão do programa

de privatizações aos serviços de infra-estrutura, a edição da Lei de Concessões e a edição de emendas

constitucionais de supressão de monopólios estatais diversos (indústria do petróleo, telecomunicações,

distribuição de gás encanado e resseguros) e de eliminação da discriminação constitucional contra

empresas de capital estrangeiro operando no Brasil. Além disso, o desenho institucional da regulação dos

diversos setores prestadores de serviços de infra-estrutura foi profundamente transformado, com o

estabelecimento de agências reguladoras setoriais, dotadas de autonomia financeira e operacional, e com a

edição de legislação específica para cada um dos setores objeto das reformas.18

Passados mais de cinco anos do início do processo de re-regulamentação da prestação de serviços de

infra-estrutura, os resultados dessas iniciativas foram heterogêneos, variando muito entre os setores

prestadores de serviços, mesmo que possam ser considerados como globalmente positivos, em termos de

atração de investimentos, expansão da oferta doméstica e intensificação da concorrência. A evolução

recente de três setores de infra-estrutura (telecomunicações, petróleo e energia elétrica) ilustra

adequadamente essa constatação, como se vê a seguir.

Telecomunicações

No período pré-reforma, o Brasil encontrava-se atrás do restante dos países latino-americanos, no que se

refere a linhas de acesso em serviços, digitalização, linhas por funcionário e qualidade do serviço (Pires e

Goldstein, 2001). A reestruturação e privatização do setor tiveram início em 1995 com a quebra do

monopólio da Telebrás. A reorganização em bases regionalizadas e a privatização da Telebrás (1998)

marcam a conclusão do ciclo de reformas, cujo modelo pró-competitivo prevê a liberalização da prestação

de serviços nos mercados domésticos, com competição em todos os segmentos.

Esse setor é usualmente considerado no Brasil um caso de sucesso do programa de privatização pelo

desempenho das empresas privatizadas em termos de atendimento dos serviços (qualidade e quantidade).

O setor foi o principal responsável pela atração de investimento externo direto entre 1998 e 2001, trazendo

ao Brasil diversos atores internacionais. Além disso, alguns grandes grupos empresariais brasileiros

incluíram as telecomunicações em suas estratégias de crescimento, tornando-se acionistas das empresas

que emergiram do processo de reestruturação e privatização.

O sucesso do processo tem sido atribuído pelos analistas à existência de uma enorme demanda não

atendida, tanto em telefonia celular quanto em fixa, mas também ao fato de que a estratégia foi

rigorosamente desenhada para aumentar a rentabilidade dos investimentos e, ao mesmo tempo, incentivar

a competição entre os atores privados que viessem a investir.19

Como observam Wohlers e Oliva (2002), especialmente no caso da telefonia fixa, a regulamentação da Anatel

teve importantes efeitos para induzir a expansão dos investimentos. Primeiro, os investimentos foram protegidos

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por uma reserva transitória de mercado, como um duopólio, o que assegurou às empresas que compraram

partes da Telebrás e às novas entrantes condições razoáveis de rentabilidade e tempo para planejar sua

expansão. Segundo, e mais importante, as metas de universalização da rede, estabelecidas pela Anatel,

combinavam penalidades e prêmios e seu atendimento constituía pré-requisito para a expansão futura das

empresas instaladas, dentro do cronograma de liberalização progressiva da concorrência entre prestadores de

serviços. Ora, a antecipação das metas de universalização estabelecidas pela Anatel para 2003 permitia às

empresas iniciar, antes daquele ano, sua expansão para outros mercados geográficos e setoriais, atuando

aquelas metas como importante incentivo para realização, em curto espaço de tempo, de novos investimentos

por parte das empresas privadas prestadoras de serviços de telefonia fixa.

Mas, apesar de bem-sucedida no que se refere a seus objetivos diretos, a reforma regulatória não o foi na

mesma proporção no que diz respeito à meta de desenvolver tecnologicamente fornecedores nacionais de

equipamentos e de software para telecomunicações.

Na esteira do acelerado crescimento da demanda gerada pela reforma regulatória, o parque produtor de

equipamentos de telecomunicações cresceu de forma acelerada no Brasil: o faturamento desse segmento

praticamente dobrou entre 1995 e 2001 e diversos investimentos novos foram feitos no país por empresas

transnacionais, fazendo com que o Brasil passasse a abrigar, no final da década, praticamente todos os

atores relevantes no mercado mundial de equipamentos de telecomunicações.20

Petróleo

Quando se faz referência a mudanças regulatórias com impactos sobre a indústria de petróleo e gás, há que

considerar dois tipos de inovações: uma mudança regulatória horizontal – isto é, não estritamente

relacionada ao setor, que é a já citada Lei de Concessões – e uma série de alterações regulatórias, em

âmbito constitucional e infraconstitucional, que se aplicam especificamente às atividades econômicas

relacionadas ao setor.

A reforma no setor de petróleo e gás natural foi inaugurada com a nova lei de concessão de serviços

públicos (Lei No. 8987/95), de 07 de julho de 1995, que estabeleceu a base jurídica para a participação da

iniciativa privada em projetos energéticos. Esta lei, cujo projeto foi de autoria do então senador Fernando

Henrique Cardoso, submeteu todos os serviços públicos a licitações públicas prévias, introduzindo assim a

competição nos investimentos para a expansão do setor. Pouco depois, a Emenda Constitucional No. 9, de

09 de novembro de 1995, autorizou o Governo Federal a contratar empresas públicas ou privadas para

participar das atividades econômicas antes reservadas ao monopólio da Petrobrás: exploração, produção,

refino, exportação, importação e transporte. Essa Emenda Constitucional foi regulamentada pela Lei No.

9478/97, que ficou conhecida como Lei do Petróleo.

Até sua promulgação, pode-se afirmar que a Petrobrás ocupava, nos segmentos sob monopólio da União, o

centro de um triângulo cujos vértices são: política pública, regulação e operação. Com a criação, pela Lei do

Petróleo, do CNPE e da ANP, estes passaram a ocupar os vértices da política pública e da regulação,

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respectivamente. A atuação da Petrobrás ficou restrita à operação e, nesta área, a empresa perdeu a

posição de monopólio que ocupava até então.21

Em 1998, com a Rodada Zero de Licitação, foram licitadas 115 áreas para a Petrobrás. Atualmente, a

estatal possui 63 blocos, alguns deles em sociedade com outras companhias. Dos 115 blocos concedidos

na Rodada Zero, manteve 26. No momento, desenvolve parceria com empresas privadas em 42 blocos, 32

dos quais foram concedidos em rodadas posteriores. Essas parcerias ampliaram o fôlego financeiro da

estatal para investir, diversificam sua carteira de projetos e diluem seus riscos. Na relação de sócios da

Petrobrás, estão desde atores de grande porte (como Shell, Texaco e Exxon Mobil), até companhias de

médio porte (Amerada Hess e Kerr McGee), além de iniciantes nacionais (Ipiranga e Queiroz Galvão).

Desde 1999, a ANP já realizou quatro licitações, das quais a mais recente foi a Quarta Rodada, realizada

em junho de 2002, quando foram arrematados 21 dos 54 blocos ofertados. Os 38% de aproveitamento das

ofertas ficaram acima da média mundial para esse tipo de operação.

O processo de licitação permite a outorga de novos contratos de concessão, regidos pelas normas definidas

na Lei do Petróleo e nos regulamentos específicos estabelecidos – após consulta pública – pela ANP.

Essas normas incluem direitos e deveres das empresas candidatas à licitação e das empresas que se

tornam concessionárias. Destacam-se, dentre as obrigações das empresas vencedoras em cada bloco, o

cumprimento de um programa mínimo de trabalho (investimentos, por conta e risco das empresas, na fase

de exploração) e a aquisição de bens e serviços no mercado brasileiro, de acordo com percentuais definidos

pelos próprios interessados nas áreas licitadas.

Os resultados do processo de reforma regulatória, em termos de atração de investimentos, foram notáveis.

No início de 1998, havia apenas uma empresa no segmento de E&P no país; atualmente são 38, entre

nacionais e estrangeiras, incluindo as grandes companhias internacionais do setor. Entre 1997 e 2001, o

faturamento da indústria do petróleo no Brasil saltou de 2,5% do PIB para quase 6%, com destaque

especial do upstream, cuja participação relativa no setor passou de 18,3% para quase 40% no mesmo

período. Entre 1997 e 2000, o investimento no setor passou de 0,32% para 0,51% do PIB.

No que se refere aos impactos da reforma regulatória nesse setor sobre a indústria fornecedora de bens e

serviços, como bens de capital e serviços de engenharia, os resultados foram mais matizados. Na realidade,

a situação pré-reforma se caracterizava por um quadro em que se registrava forte correlação entre o volume

de investimentos da Petrobrás e o desenvolvimento da indústria nacional fornecedora de bens e serviços

afins. A partir do início dos anos 90, em função da política governamental de abertura comercial, a indústria

nacional, ademais de sofrer com a redução dos investimentos da Petrobrás, viu-se diante do aumento das

compras da estatal junto a fornecedores estrangeiros. A prioridade da política de compras da Petrobrás

passava a ser a redução de custos e estímulo à concorrência entre fornecedores – internos e externos. Com

isso, a participação de compras no exterior evolui de 8% em 1990 para 18% em 1993.

Com a Lei do Petróleo, a Petrobrás passou a atuar num novo cenário de competição no mercado

doméstico. Admitiu-se a presença de empresas nacionais e estrangeiras em toda a cadeia do petróleo. Ao

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mesmo tempo, a estatal adquiriu maior autonomia decisória, em termos comerciais, financeiros e

administrativos, voltada para a geração de resultados para seus acionistas, tendo o Estado como

controlador.

Nesse contexto de mudança regulatória e estratégica, as atividades de E&P continuaram a liderar os

movimentos da Petrobrás. O total previsto no planejamento estratégico da estatal para o período de 2000-

2005 foi estimado em US$ 30 bilhões, o que representa cerca de 5% da formação bruta de capital fixo ou

1,5% do PIB esperado para esses cinco anos.

A indústria nacional fornecedora encontra-se diante de um novo desafio: atender a seu principal cliente,

agora mais preocupado com os custos e adaptar-se às necessidades comerciais dos novos agentes do

mercado doméstico, as empresas estrangeiras. Para esse novo público, muitos fornecedores brasileiros

ainda são pouco conhecidos e confiáveis e estão submetidos à concorrência de uma rede de fornecedores

das companhias estrangeiras num contexto de barreiras comerciais protecionistas inteiramente removidas.22

Frente a essas mudanças, a interseção rígida apontada inicialmente entre o desenvolvimento dos

fornecedores locais e a política de compras da Petrobrás encontra-se numa etapa de diluição. A estatal

continuará sendo o mercado mais importante para os fornecedores locais de equipamentos e serviços de

engenharia, mas novos atores entraram no Brasil, com elevada capacidade financeira e tecnológica e com

capacidade para atender à demanda dos produtores locais de petróleo.

A atuação da agência regulatória setorial na promoção do parque de fornecedores locais de bens e serviços

tem-se limitado ao estabelecimento, nos editais de licitação dos blocos, de critério relacionado ao grau de

compromisso das companhias com fornecedores nacionais, critério cujo atendimento aumenta a pontuação

da oferta de uma empresa na disputa por determinado bloco. Na Quarta Rodada, por exemplo, esse

compromisso foi, na fase de desenvolvimento, de 53%, e de 39% na fase de exploração. Note-se que são

compromissos voluntários das concessionárias, muitas das quais chegaram a oferecer 70% na etapa de

desenvolvimento. Outros países – como Reino Unido e Noruega, no tocante ao petróleo do Mar do Norte –

já adotaram ou adotam políticas semelhantes com grande sucesso, bem como apóiam fornecedores locais

na conquista de mercados externos.

Uma importante iniciativa voltada para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento no setor é a constituição do

Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural, no âmbito do programa de Fundos Setoriais de Ciência e

Tecnologia, desenhado e implementado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. O Fundo Setorial em

questão se beneficia de disposição da chamada Lei do Petróleo que, em seu artigo 49, prevê que, da

parceria total dos royalties provenientes da produção do petróleo e do gás natural, um quarto do que

exceder a 5% será destinado ao MCT para financiar programas de desenvolvimento científico e ao

desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo. O MCT administra o programa, com apoio

técnico da ANP, mediante convênios com centros de pesquisa e universidades do país.

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Em síntese, a mudança regulatória no setor de petróleo baseou-se: (i) na redefinição do papel do Estado –

agora centrado da regulação – e na redefinição do papel da empresa pública nacional atuando no setor (a

Petrobrás) e na separação das funções desempenhadas pelo Estado e pela Petrobrás; e (ii) na adoção de

regras pró-competição entre as empresas atuantes em E&P e em outras áreas de atividade da indústria do

petróleo, bem como no fornecimento de bens e serviços para as empresas do setor (por exemplo, mediante

a implementação do Repetro e a recente liberalização da importação de derivados).

A política ora implementada obedece a objetivos que não necessariamente convergem de forma

automática. O principal objetivo da política é atrair, em condições competitivas, novos investimentos,

especialmente para as atividades de E&P. O objetivo de desenvolver o parque local de fornecedores de

bens e serviços para as empresas que atuam em E&P também está presente, conforme atestam os

contratos de concessão, mas se subordina aos critérios definidos pelo objetivo maior (atração de

investimentos).

Energia elétrica

Se os dois setores anteriormente analisados ilustram casos de reformas regulatórias razoavelmente bem

sucedidas em seus objetivos de atrair investimentos e ampliar a oferta doméstica de bens e serviços infra-

estruturais, a energia elétrica é o exemplo recorrente de reforma inconclusa e mal-sucedida. A carência de

energia registrada em 2001 é apresentada como o resultado mais eloqüente do fracasso da transição entre

regimes regulatórios setoriais.

Os indicadores econômicos mais genéricos desse setor já sugerem que os resultados da reforma foram

insatisfatórios. Na origem dessa situação encontra-se o fato, já identificado por analistas setoriais em 1997,

de que “a lógica investidora pública havia sido abandonada e a lógica de mercado não tinha condições de

funcionar” (Bielschowsky, 2002), o que colocava as decisões de investimento das empresas em um “limbo”

até hoje existente.

O elemento central capaz de explicar a consolidação de tal quadro de incertezas e indefinições para o

investimento é a inexistência no início do processo de transição, no setor elétrico, de uma estratégia

governamental que tivesse clareza sobre seus objetivos e meios e que, como no setor de telecomunicações,

fosse capaz de definir os vetores condutores da reforma regulatória: o papel desempenhado pelo PASTE e pela

Lei Geral de Telecomunicações não encontra equivalente no setor de energia elétrica e a agência reguladora

setorial, a Aneel, foi criada e começou a operar sem que aquelas diretrizes de política estivessem definidas e

ademais quando o processo de reestruturação setorial já havia começado.

Na fase pré-reformas, os investimentos estatais foram fortemente reduzidos sem que estivessem dadas as

condições para que se acelerassem os investimentos privados. Estes não cresciam em função da incerteza

que cercava a operação de um mercado de longo prazo para a energia gerada – o que impedia a

estruturação de operações de financiamento de longo prazo no modelo de project finance – e da

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perspectiva de privatização, que recomendava aos investidores privados potenciais esperar os leilões

de privatização das geradoras estatais ao invés de investir em novas usinas.

As privatizações ocorridas nesse quadro atraíram investimentos externos significativos, mas não foram capazes

de gerar investimentos suficientes em ampliação de capacidade – investimentos estes que eram urgentemente

requeridos, pois a tendência à escassez de energia elétrica era perceptível já antes das reformas.

Sem uma estratégia de política delineada e implementada, a atuação governamental restringia-se à

regulação do mercado pela Aneel, mas a capacidade de enforcement desta agência – constituída quando o

processo de privatização já se encontrava em curso – sempre foi limitada e objeto de contestação

especialmente por parte dos agentes públicos remanescentes, que atuavam na geração e transmissão e

que desempenhavam, em certas áreas geográficas, funções de investidor e de regulador (Pires e Goldstein,

2001). A perda de credibilidade da agência reguladora foi o resultado líquido dessas evoluções e este fato

reforçou ainda mais o ambiente de incerteza e imprevisibilidade que afastava do setor os investimentos em

aumento da capacidade produtiva.

A crise energética de 2001 explicitou e tornou públicos esses problemas, gerando um programa

emergencial de redução do consumo de energia elétrica em todo o país e produzindo uma inovação

institucional na figura do Comitê de Gestão da Crise de Energia, vinculado à Casa Civil da Presidência da

República – que substituiu na prática tanto o Ministério das Minas e Energia quanto a Aneel no desempenho

de funções de formulação e implementação de políticas no quadro de crise.23

Mais recentemente, diversos investidores privados que adquiriram empresas estatais na segunda metade

dos anos 90 vêm enfrentando dificuldades financeiras que traduzem, em boa medida, problemas de suas

matrizes: é o caso das empresas de energia norte-americanas que investiram no setor elétrico no Brasil. Por

outro lado, o processo de privatização do setor é crescentemente contestado, em função da elevação real

dos preços da energia elétricos para os consumidores – resultante, em boa medida, da indexação de tarifas

a índices de preços sensíveis à variação cambial.

As políticas para arranjos produtivos locais ou clusters

Os clusters ou “arranjos produtivos locais” constituem um tipo de configuração que apresenta elevado

potencial de desenvolvimento (i) de relações verticais entre produtores e fornecedores de insumos e

equipamentos, que reduzem riscos associados à inovação e custos de informação; e (ii) de cooperação

horizontal entre empresas do mesmo setor e de portes diferentes que podem gerar “eficiências coletivas”

especialmente por meio da redução dos custos de transação. Essas aglomerações geram externalidades

positivas sob a forma de disponibilidade de informações técnicas sobre a produção e gestão de empresas,

bem como sobre os mercados domésticos e externos, disponibilidade de mão-de-obra qualificada nas

atividades do setor, oferta de infra-estrutura para essas atividades etc.

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Há clusters que são gerados espontaneamente, ou seja, como resultado da interação entre as firmas,

vantagens locacionais não decorrentes da intervenção das políticas públicas e clusters diretamente

produzidos pelas políticas públicas, como os parques tecnológicos, as incubadoras de empresas etc. No

caso dos clusters espontâneos, as políticas públicas visam principalmente a incentivar o desenvolvimento

do potencial do cluster, em termos de capacitação produtiva gerencial e de comportamento inovativo, indo

além do estágio de desenvolvimento que se pode caracterizar como de relações informais entre agentes,

em que a geração das externalidades positivas de aglomeração pode ser muito limitada.

m diversos estados brasileiros as políticas industriais locais procuraram incentivar a constituição de uma

rede local de fornecedores de sistemas de peças automotivas. Nesse caso, os incentivos fiscais e

financeiros do estado desempenharam papel central na montagem da rede local de fornecedores e, mais

recentemente, a própria montadora patrocina um programa de incentivos para fornecedores locais, com

recursos provenientes de parte dos créditos fiscais da montadora junto ao estado.

Esse tipo de política atraiu especialmente as agências públicas que atuam na promoção e no apoio às

pequenas e médias empresas, confrontadas com a necessidade de adequar suas políticas ao novo

ambiente econômico definido pela liberalização da economia, no início dos anos 90.24 Nesse novo

ambiente, cresciam os riscos para as empresas de pequeno porte e, ao mesmo tempo, novas

oportunidades não se materializavam automaticamente, dependendo, para se concretizar, de capacitações

e recursos não disponíveis para a pequena empresa individualmente.

As políticas de apoio aos “arranjos produtivos locais” se desenvolveram no Brasil dos anos 90, a partir de

uma avaliação positiva, por parte de policy-makers situados em diferentes agências públicas e níveis de

governo (federal, estadual e local), da experiência internacional de políticas de apoio aos clusters. A esta

avaliação positiva se agregava a constatação (i) de que os hábitos e práticas da grande maioria das

pequenas empresas não induziam a consolidação de “arranjos produtivos locais”; e (ii) da existência, não

obstante a validade da constatação acima, de um conjunto de clusters espontâneos e caracterizados por

limitadas interações entre agentes produtivos, instituições de apoio, etc. Essa dupla constatação sugeria

que as políticas públicas poderiam ser necessárias para dinamizar clusters espontâneos e incentivar o

surgimento de novas aglomerações desse tipo.

Gradativamente, os clusters tornaram-se objeto de políticas públicas. Estas se voltavam seja para

consolidar e dinamizar processos espontâneos de formação de clusters, maximizando seu potencial para

gerar economias de aglomeração, seja para fomentar a implantação de projetos de clusters orientados para

objetivos específicos, como os parques tecnológicos, as incubadoras de empresas etc.

O apoio a “arranjos produtivos locais” constitui uma área relevante de atuação do Sebrae desde pelo menos

meados dos anos 90. Naquela época o Sebrae patrocinou, juntamente com a Universidade de São Paulo,

uma iniciativa denominada “Pólo de Modernização Empresarial para a Eficiência Coletiva”, visando à

implantação de redes de cooperação horizontal em algumas regiões do estado de São Paulo.

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Mais recentemente o Sebrae tem apoiado financeiramente o projeto “Sistemas Produtivos e Inovativos

Locais de MPME: Uma nova estratégia de ação para o Sebrae”, executado pela UFRJ, que visa a subsidiar

a atuação crescente do órgão em apoio a clusters. De fato, entre as metas estabelecidas pelo Sebrae para

os anos 2001 – 2002, encontra-se “a de ampliar a abrangência do PATME – Programa de Apoio

Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas, conduzido juntamente com a Finep – e priorizar o atendimento

de demandas oriundas de cadeias produtivas e de setores organizados em clusters ou pólos tecnológicos”

(Botelho e Mendonça, 2002).

Ainda na área de atuação de políticas para pequenas empresas, em novembro de 1997, foi instituída, no

âmbito do Sebrae, a Agência de Promoção de Exportações – Apex, com o objetivo de implementar uma

política de promoção das exportações. Como o Sebrae só pode apoiar empresas de pequeno porte, a

atuação da Apex também fica, em princípio, restrita a esse tipo de empresa.25

A Apex tem crescentemente priorizado os consórcios de exportação e Programas Setoriais Integrados, que

buscam atuar sobre todos os fatores condicionantes das exportações de um determinado setor, inclusive

aqueles relacionados com a qualidade e quantidade da oferta, com os encadeamentos produtivos etc.

Esses dois tipos de projetos dominam amplamente o portfólio da Apex.26

A Finep – Financiadora de Estudos e Projetos do MCT desenvolveu, em sua Área de Inovação para o

Desenvolvimento Regional, programa de apoio financeiro a APL – Arranjos Produtivos Locais com o duplo

objetivo de: (i) promover o desenvolvimento regional por meio do estímulo à cooperação entre empresas,

instituições de pesquisa e agentes de desenvolvimento, com vistas à dinamização dos processos locais de

inovação; e (ii) promover o desenvolvimento de APL por meio do adensamento tecnológico (...) bem como pelo

estímulo à cooperação entre os agentes envolvidos e pela consolidação de mecanismos de governança.27

A experiência brasileira parece sugerir que clusters estruturados a partir da lógica de funcionamento de

grandes empresas – dos setores siderúrgico e automotivo, por exemplo – se desenvolvem com menos

dificuldades e têm maiores probabilidades de receber a atenção dos governos estaduais e locais, traduzida

em incentivos, criação de instituições dedicadas etc.

Clusters que se desenvolveram gradativamente ao longo do tempo e que contam com presença significativa

de pequenas empresas e onde as “empresas âncora” não desempenham papel estruturante têm maiores

dificuldades para se engajar numa dinâmica sustentável de capacitação produtiva e de geração de

inovações, sendo o grau de geração de externalidades positivas, além de limitado, instável, pois que sujeito

a oscilações da conjuntura e a mudanças nas políticas econômicas federais que afetam de forma

diferenciada as empresas do arranjo (Vargas e Alievi, 2000).

Em todos os casos, porém, o policy-making da política para clusters tem como características centrais a

descentralização da formulação e implementação das políticas, a multiplicidade de agentes e instituições de

diversos níveis de governo, além das instituições privadas envolvidas com estas políticas e os esforços para

produzir instrumentos de coordenação e aperfeiçoamento compatíveis com as duas primeiras características.

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Conclusões

A ênfase na intervenção setorial deixou de ser o locus praticamente único da política industrial brasileira nos

anos 90. Novas visões sobre o processo de industrialização e sobre os obstáculos a superar no caminho do

desenvolvimento industrial que não poderia mais ser dinamizado, segundo a lógica da substituição de

importações, enfatizaram seja políticas horizontais destinadas a reduzir custos de investimento, produção e

exportação, seja políticas verticais integradas, nos marcos do conceito de “cadeia produtiva” (Motta Veiga,

2002). Na prática, políticas horizontais foram efetivamente implementadas, enquanto as propostas de

desenvolvimento de cadeias produtivas pouco avançaram.

No entanto, se a política setorial perdeu o monopólio que detinha na área de política industrial, ela não

deixou de existir nesta década de reforma do Estado e conseqüentes (e concomitantes) transformações

estruturais e regulatórias. Na realidade, a política setorial se manteve em diversos nichos nos anos 90 e até

mesmo se diversificou com o surgimento de novas variedades ligadas diretamente aos processos de

transformação (liberalização e integração mais profunda com a economia internacional, privatização e

concessão de serviços públicos etc).

Dessa forma, ao apagar das luzes do milênio, a distinção entre políticas horizontais e setoriais não parecia

suficiente para dar conta da vasta gama de políticas ‘industriais’ praticadas no Brasil. Os últimos anos são

de continuidade do processo de mudança. É preciso ir mais além na análise, diferenciando entre os vários

tipos de políticas setoriais vigentes. Mas não se trata, certamente, do mesmo formato das políticas públicas

vigentes até os anos 70.

Em primeiro lugar, as políticas setoriais aplicadas durante a industrialização protecionista visavam

internalizar a produção de setores ou segmentos inteiros da indústria, substituindo importações: tratava-se,

essencialmente, de políticas setoriais extensivas, que preenchiam os vazios da matriz industrial brasileira.

Em que pese as recorrentes propostas para que se pratiquem políticas de substituição de importação em

segmentos industriais que registram altos déficits comerciais, esse tipo de política setorial ainda não adquiriu

contornos nítidos nos tempos atuais e, ainda que venha a fazê-lo, tenderá a ser muito mais localizado e pontual

do que durante a fase que se esgotou nos anos 70. Na realidade, as atuais políticas setoriais se orientam por

preocupações relacionadas, seja ao aumento da competitividade e da produtividade dos setores e da economia

como um todo, seja a objetivos de regulação setorial (caso dos setores de infra-estrutura).

Em segundo lugar, as políticas setoriais diferem das vigentes na fase de substituição de importações

também por sua institucionalidade. De fato, desenha-se, em diversas experiências setoriais, um novo modo

de fazer política, em que a interlocução e a coordenação entre agentes públicos diversos e entre estes e

agentes privados desempenham papel central: o policy-making passa por período de intensas

transformações, com casos de experiências bem-sucedidas e de dificuldades recorrentes para passar do

conceito – cadeia produtiva, por exemplo – à prática da política industrial. A persistência, nas empresas, nas

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associações setoriais de empresários e no setor público, de hábitos e práticas que tendem a reproduzir os

padrões de política setorial tradicional certamente contribui para explicar algumas dessas dificuldades.

Portanto, ao se iniciar o novo século, as políticas setoriais praticadas no Brasil se transformaram – em

relação ao paradigma gerado na fase protecionista – e se diversificaram. Assim, estão em vigor políticas

setoriais típicas do período da industrialização protecionista, das quais o melhor exemplo é o regime

automotriz. São políticas fortemente discriminatórias em termos intersetoriais, apoiadas em isenção fiscal e

em proteção nominal e efetiva elevada. No entanto, essas mesmas características tornam a política

custosa, em termos fiscais, e conflituosa, impedindo que sirva de paradigma para políticas semelhantes e

que o ‘modelo’ se difunda para outros setores.

Há políticas, como a vigente na área de tecnologias da informação, que combinam novos e velhos

instrumentos, explicitando a presença simultânea de diferentes modelos de política: os instrumentos

de apoio à Zona Franca de Manaus, típicos da década de 70, convivem com instrumentos modernos

de apoio ao desenvolvimento da infra-estrutura de uma sociedade da informação.

A mudança, neste caso, está em que novos mecanismos e um novo enquadramento institucional da política

tornam as iniciativas distintas de uma política setorial clássica. Entre elas, o setor de informática e

automação, que foi objeto de nova lei de incentivos fiscais à P&D (em substituição aos instrumentos de

reserva de mercado da política de informática dos anos 80). Mas, ao mesmo tempo, a política

para esses setores passou a ser crescentemente influenciada, no final da década de 1990, pelos conceitos

de tecnologia da informação e de sociedade da informação – em que os serviços têm papel relevante – e

por preocupações que remetem principalmente à política de tecnologia.

Na área de infra-estrutura, novas políticas e uma nova institucionalidade de regulação foram desenhadas e

postas em prática em bases estritamente setoriais, o que reflete essencialmente a constatação de que o

setor é a unidade pertinente de regulação e que a complexidade de cada setor, em termos de atores

envolvidos, características regulatórias, volumes de investimentos etc, justifica o tratamento de cada setor

por uma agência tecnicamente especializada.

Finalmente, as políticas de apoio aos “arranjos produtivos locais” também se vinculam às transformações em

curso e constituem, principalmente, uma resposta de política às mudanças no ambiente em que atuam as

pequenas empresas: maior grau de competição, relevância crescente do conhecimento e da inovação como

armas da competição etc. Esse tipo de política parte da constatação de que tais mudanças ambientais ampliam

simultaneamente os riscos e oportunidades com que se defrontam as empresas de pequeno porte e de que há

formatos de organização industrial e institucional que permitem às pequenas empresas reduzir os riscos que

enfrentam individualmente e, ao mesmo tempo, as capacitam para aproveitar novas oportunidades.

Para concluir, é oportuno observar ainda que as mudanças por que passou a política industrial brasileira

nas duas últimas décadas não foram, como vimos, únicas ao país. De fato, como se observa em recente

survey das políticas industriais na América Latina:

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“This survey … makes two basic claims, namely: 1) that the late 1980s and the entire decade of the 1990s represented a transition from the industrial policies of the import substitution model to industrial policies suitable for open national economies in a more integrated world economy; and 2) that this transition period has not concluded and, consequently, it is premature to pass judgment on the effectiveness of the still emerging set of policies (...) The ensuing turn in the direction of industrial policies has several remarkable features. First, the adoption of the new industrial policies was almost simultaneous in a significant number of countries and can roughly be dated to the three-year period 1994-1996. Second, in most leading countries this took the form of explicit, medium-to-long-term plans, programs, and/or strategies for the industrial sector. Third, the policy turn was generally the outcome of (or, at the very least, was broadly related to) a public debate about the effects of the structural reforms and the need to improve the domestic industry’s competitiveness in the new context of a more open national economy” (Melo, 2001).

A transição no Brasil é particularmente complexa: de um lado, o Brasil é certamente, entre os países latino-

americanos, aquele em que a estratégia de montagem de uma estrutura industrial diversificada foi mais

bem-sucedida. De outro, as políticas setoriais que concretizaram o modelo de substituição de importações

foram desenhadas e implementadas sem qualquer atenção seja a considerações relacionadas à

competitividade internacional da produção doméstica (aspecto estático), seja a desenvolver condições

que tornassem a produção doméstica capaz de avançar nos mercados internacionais (aspecto dinâmico).

“It would be unfair to condemn past industrial policy makers (in Brazil) … as their strategies reflected the prevailing philosophy of their time and were indeed masterfully implemented at least until the 1970s. Industrial policy makers in countries like Korea did very much the same thing. However, they never neglected industries in which their country had a comparative advantage to the extent their Brazilian colleagues did…. In Brazil, competitive advantage was never an issue anyway as the industrialization drive mainly aimed at the domestic market….” (Meyer-Stamer, 2003).

Negligenciar esse aspecto em um mundo mais integrado comercial e financeiramente, como é o nosso

nesse começo de milênio, pode significar a diferença entre ações públicas bem sucedidas e fracassos.

Mudou a política industrial, certamente. Esse diagnóstico já havia sido feito para os países da América

Latina por Peres (1997) ao apontar para o novo foco das políticas públicas: os ganhos de competitividade

necessários para sobreviver nesse novo mundo. As iniciativas mais recentes no Brasil não fazem senão

confirmar isso, em que pese a permanência de alguns instrumentos antigos. Afinal, continuidade e mudança

se fundem não só aqui como alhures. A questão central está no mix entre esses dois processos e na

rapidez do processo de mudança.

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Notas:

1 Na área da política de exportação, por exemplo, avaliações da distribuição dos incentivos revelam que, embora todos os setores tenham sido beneficiados pela política comercial, ocorreu uma elevada heterogeneidade intersetorial na alocação dos incentivos, que beneficiaram principalmente os setores de material de transporte, de material elétrico e de comunicação, química e metalurgia, ou seja, em boa medida, aqueles setores que estavam entre os mais protegidos pelas tarifas de importação.

2 Ainda assim, diversas tentativas de implementação de políticas industriais de cunho setorial foram feitas na segunda metade dos anos 80 — mas não tiveram sucesso devido a divergências internas no Governo Federal quanto à importância dessas iniciativas.

3 Assim, por exemplo, as diretrizes do Governo Collor (1990-92) incluíam prioridades setoriais de política industrial em relação a apenas dois grupos de produtos: (i) indústrias de alta tecnologia (informática, química fina, mecânica de precisão, biotecnologia e os chamados novos materiais), que seriam beneficiadas por medidas, não explicitadas, de proteção enquanto indústrias nascentes; e (ii) indústrias necessitando de reestruturação. Na verdade, tudo indica que se tratava mais de uma indicação de prioridades futuras do que de uma política de apoio propriamente dita: nenhuma medida específica seria efetivamente adotada em relação a essas indústrias naquele período.

4 Na área da política industrial, a iniciativa do Governo Collor que melhor traduz essa inflexão é o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade que, aliás, obteve um razoável sucesso em sua implementação.

5 Posteriormente, os regimes automotivos nacionais do Brasil e da Argentina foram complementados com um regime Mercosul.

6 O papel e a autonomia dessas agências reguladoras têm sido vistos criticamente pela equipe de governo que assumiu o poder no Brasil no começo de 2003. Esse é um tema que deve merecer atenção pelo potencial de revisão das práticas anteriormente adotadas, desde o final dos anos 90.

7 No caso da indústria automobilística, por exemplo, alguns Estados aportaram capital diretamente à empresa criada. No caso dos produtores de bens tradicionais, esquemas de contratação da mão-de-obra, capazes de reduzir os custos laborais, parecem ter desempenhado um papel relevante na competição entre os Estados do Nordeste. A posteriori, é possível afirmar que essas políticas se revelaram particularmente ativas nos setores automobilístico, eletroeletrônico e informática, têxteis, vestuário e calçados — ou seja, em setores também beneficiados, no plano federal, por programas ou regimes específicos de incentivo.

8 Um grupo de oito cadeias prioritárias foi identificado em uma primeira rodada, em função de critérios como o potencial de ganhos de competitividade, o aumento dos níveis de emprego e renda e o desenvolvimento regional. As cadeias são as seguintes: construção civil, têxteis e confecções, plásticos, complexo eletrônico, madeiras e móveis, couro e calçados, transporte aéreo e turismo. Em dezembro de 2002, a Decisão 23/02 do GMC criou o Programa de Fóruns de Competitividade para Cadeias Produtivas do Mercosul. Além de transplantar para o âmbito sub-regional a metodologia adotada no Brasil, a criação dos fóruns de competitividade trouxe novamente à tona uma idéia antiga no Mercosul (os acordos setoriais de complementação industrial), herdada do enfoque adotado pelo Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil (PICAB) de 1986.

9 Depois de negociações com o setor privado e os países parceiros do Mercosul, o regime teve sua versão definitiva publicada na Medida Provisória 1235, de 15 de dezembro de 1995.

10 Em parte, isso se deveu ao fato de que logo depois de instituir o Decreto 29/94 o governo brasileiro introduziu o seu regime automotivo nacional com o objetivo central de atrair novos investimentos, subsidiariamente competindo com o regime de incentivos argentino. Antes do fim de 1996 o governo brasileiro instituiu um pacote de incentivos ainda mais ambicioso para encorajar as empresas a localizarem seus investimentos em áreas relativamente atrasadas do país (regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país). Os incentivos eram amplificados pelas generosas isenções tributárias (ICMS) dadas pelos governos locais. Uma fonte importante de conflito desse sistema está no fato de que muitas das benesses ultrapassavam em muito o prazo estabelecido para adotar um regime comum.

11 O Uruguai também fez pressão para conseguir incluir no acordo um regime de quotas que o permitiria manter uma pequena base de produção (que sobrevive no comércio administrado entre o Brasil e a Argentina). O objetivo do Paraguai, por sua vez, era o de manter seu regime nacional de importação de carros usados.

12 O Paraguai aderiu ao acordo em julho de 2001, mantendo temporariamente seu regime de importação de automóveis usados e obtendo uma quota de exportação para os outros membros do Mercosul de modo a atrair investimento estrangeiro para o setor automotivo.

13 A atual política beneficia empresas produtoras de bens e serviços de informática e automação e tem por base a Lei 8.248/91, alterada pela Lei 10.176, de 11 de janeiro de 2001.

14 Note-se que, quando das negociações para a edição da Lei 10.176 (em substituição à Lei 8.248), travou-se intenso debate entre produtores de informática e automação baseados dentro e fora da Zona Franca de Manaus. Até então, os benefícios mais amplos concedidos às empresas de informática e automação estavam reservados aos produtores da Zona Franca. Após a edição da Lei 10.176 esses mesmos benefícios foram estendidos a produtores de outras regiões do País (concretamente, produtores baseados no Estado de São Paulo).

15 Assim, o programa Genesis objetivava a criação de uma segunda rede de núcleos Softex, junto a várias universidades, voltados para a incubação de pequenas empresas de tecnologia de informação. Ao mesmo tempo, o Sebrae passou a atuar mais intensivamente na criação e manutenção de parques tecnológicos e incubadoras de empresas de pequeno porte, inclusive no setor de software. Em 1998, o BNDES colocou em operação o programa Prosoft, para financiamento de risco às pequenas e médias empresas (firmas com receita operacional bruta anual de até US$ 20 milhões) de software e serviços. Ainda no âmbito do BNDES, foi criado, em 1998, o CONTEC – Condomínio de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica, destinado a apoiar pequenas e médias empresas enquadráveis no conceito de firmas de base tecnológica por meio de capital de risco. Embora não explicitamente

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direcionado ao setor de tecnologias da informação, firmas de software e informática estão entre os principais clientes do programa. Também nessa direção apontou a iniciativa da Finep em apoio ao setor de tecnologia da informação: esta instituição criou, em parceria com o BID, o Sebrae e o fundo de pensão Petros, um fundo de capital de risco para viabilizar a capitalização e os investimentos de empresas de pequeno porte de base tecnológica.

16 A instituição dos Fundos Setoriais de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico no final dos anos 90 constituiu uma tentativa – aparentemente bem-sucedida até o momento – de superar o crônico problema de escassez e instabilidade de recursos para a comunidade acadêmica envolvida em P&D para os diferentes setores industriais e de serviços. Embora não exclusivamente direcionados para as tecnologias da informação, esses fundos setoriais incluem os setores a elas ligados como prioridades para a aplicação de recursos.

17 No caso dos transportes, por exemplo, o desenvolvimento da intermodalidade levou ao crescimento da escala ótima de operações, aumentou o grau de concentração da oferta nos tráfegos internacionais, determinou o uso intensivo das ferramentas de telemática e levou à emergência de novos fatores de competitividade no setor.

18 As emendas constitucionais aprovadas prevêem a participação privada, inclusive de capitais estrangeiros, em diversas atividades antes controladas pelo Estado - e, em especial, na provisão de serviços de infra-estrutura - por meio de concessões ou regimes de permissão. A Lei de Concessões define critérios específicos para cada setor de atividade sob os quais o governo poderá autorizar terceiros a proverem serviços públicos. Essas concessões só podem ser outorgadas por entidades públicas (Governo Federal, Estados, Municípios e o Distrito Federal). Qualquer entidade legal ou sociedade, incluindo empresas públicas, pode ser uma concessionária.

19 Na realidade, a estratégia governamental nesse setor começou a ser posta em prática antes mesmo da privatização: a recomposição de tarifas e a contenção dos custos das operadoras estatais, a partir de 1995, aliaram-se à demanda reprimida para gerar uma “explosão inversora pré-privatização”, que permitiu à rede pública e à holding estatal (a Telebrás) expandir-se e modernizar-se antes do processo de privatização (Wohlers e Oliva, 2002). Por outro lado, a abertura do mercado de telefonia celular, por meio da chamada Lei Mínima, incentivou os investimentos privados antes mesmo do big bang que viria a representar a privatização da Telebrás reestruturada em bases regionais.

20 No entanto, a privatização e a entrada de grandes operadoras internacionais no mercado doméstico parecem ter tido como efeito principal, no que diz respeito às relações com fornecedores, o crescimento das importações de bens e serviços ofertados por fornecedores externos que, muitas vezes, mantêm vínculos de longa data com os entrantes no mercado brasileiro. O crescimento do déficit comercial nesse segmento, na segunda metade dos anos 90, atesta a relevância crescente das importações de equipamentos de telecomunicações para o atendimento das necessidades das concessionárias de serviços públicos do setor. Exceto no que se refere aos aparelhos de telefone, os incentivos à aquisição de bens e serviços domésticos não perecem suficientes para induzir as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações a mudar suas estratégias de compras, principalmente quando estão envolvidos equipamentos e serviços de maior valor agregado. De maneira geral, essa situação reproduz o quadro identificado no setor de petróleo.

21 A Lei do Petróleo assegurou à Petrobrás prioridade nas concessões de campos para exploração e produção em três casos: os campos que se encontrassem em efetiva produção na data da entrada em vigência da lei; as descobertas comerciais não desenvolvidas e as áreas em que tivessem sido feitos investimentos significativos na exploração.

22 As condições de competição entre fornecedores domésticos e externos de equipamentos para E&P de petróleo são definidas essencialmente pelo Repetro - Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa e Lavra das Jazidas de Petróleo e Gás Natural. Instituído pelo Decreto No. 3.161, de 2 de setembro de 1999, o Repetro busca aumentar a atratividade do setor perante os investidores privados, eliminando os impostos indiretos sobre os bens de capital importados para a indústria do petróleo, mediante a figura da “admissão temporária especial”. Neste sentido, um conjunto importante de máquinas e equipamentos destinados ao offshore – inclusive partes e peças sobressalentes – passaram a ser importados com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II), além do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mediante acordo com os estados da Federação. No tratamento aos bens de capital brasileiros destinados à indústria do petróleo, o Repetro baseia-se numa nova figura jurídica: a “exportação ficta”, que vem a ser, do ponto de vista operacional, uma “equiparação à exportação” para fins de isenção de impostos e de acesso a certas linhas de crédito específicas para vendas ao exterior. A mercadoria nacional é exportada “ficticiamente” e, no mesmo instante, readmitida temporariamente, passando assim a ficar desonerada de IPI, II e ICMS – tanto na “ida” – quando da exportação – quanto na volta – mediante a “admissão temporária”. Com isso, estaria caracterizada uma situação de “isonomia tributária” entre os bens nacionais e os importados. Na prática, persistiriam problemas na concessão de isenção do ICMS por alguns estados no que tange aos bens de capital made in Brazil, além da cobrança de PIS/COFINS apenas às empresas nacionais. Assim, o Repetro é acusado de privilegiar fiscalmente os bens importados frente aos nacionais. Os fabricantes nacionais reclamam, ainda, da impossibilidade de usarem o mecanismo de drawback verde e amarelo para as compras que realizam junto à cadeia industrial doméstica, enquanto as partes e peças importadas não estão sujeitas às mesmas restrições.

23 Segundo Pires e Goldstein (2001), as decisões adotadas no âmbito desse Comitê explicitaram também o baixo grau de coordenação existente entre as duas agências setoriais com atribuições diretamente relacionadas ao setor energético: a ANEEL e a ANP.

24 Essa idéia é compatível com a observação de Mytelka e Farinelli, (2000), em relação á funcionalidade específica dos clusters para políticas voltadas para empresas de pequeno porte: “for SMEs, clustering is believed to offer unique opportunities to engage in a wide array of domestic linkages between users and producers and between the knowledge producing sector (universities and R & D institutes) and the goods and services producing sectors of an economy that stimulate learning and innovation”.

25 Já no ano de 2003, a APEX foi formalmente desvinculada do SEBRAE, passando a estar diretamente ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

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26 No final de 2001 havia 46 projetos setoriais integrados (em âmbito nacional e estadual) e 39 projetos de consórcio, todos locais. Alimentos, cerâmica, calçados, autopeças, carnes, calçados, móveis, têxteis e rochas estão entre os principais usuários dos PSI da APEX. Já têxteis e confecções, calçados, componentes para calçados, máquinas e equipamentos e jóias e pedras são setores envolvidos com programas de formação de consórcios.

27 Os instrumentos financeiros mobilizados pelo programa incluem, no caso de projetos envolvendo apenas empresas e organizações privadas com fins lucrativos, financiamento padrão (TJLP + spread variando entre 2% e 6%, conforme mérito tecnológico e riscos), financiamento reembolsável com cláusula de equalização de taxa de juros, subvenção econômica vinculada aos programas de desenvolvimento tecnológico e bolsas para a contratação temporária de pesquisadores e auxiliares de pesquisa. No caso de projetos cooperativos de empresas envolvendo universidades e instituições sem fins lucrativos, prevê-se, além dos instrumentos acima descritos, apoio financeiro parcialmente não reembolsável. Para projetos de universidades e centros de pesquisa sem fins lucrativos, prevê-se o apoio financeiro não reembolsável de até 100% do valor do projeto.