REGULAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL DO...

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ALEXANDRE OGÊDA RIBEIRO REGULAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ALEXANDRE OGÊDA RIBEIRO

REGULAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

São Paulo

2016

Alexandre Ogêda Ribeiro

REGULAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA

O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientador: Professor Doutor Vicente Bagnoli

São Paulo

2016

R484r Ribeiro, Alexandre Ogêda

Regulação econômica e o papel do Banco Central do Brasil para o desenvolvimento econômico e social. / Alexandre Ogêda Ribeiro. – 2016.

173 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) –

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016. Orientador: Vicente Bagnoli Bibliografia: f. 165-173 1. Banco Central. 2. Regulação econômica. 3. Sistema financeiro. 4.

Estado. I. Título

CDDir 341.38

Alexandre Ogêda Ribeiro

REGULAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA

O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Aprovado em: _______________________________________________________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Vicente Bagnoli

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Marco Antônio Ribeiro Tura

Professor Examinador Externo

À minha querida esposa, Ivanyra, e ao

meu filho, Frederico, grandes

incentivadores deste trabalho.

Aos meus colegas e professores do Curso

de Pós-Graduação em Direito Político e

Econômico da Universidade Presbiteriana

Mackenzie, por dividirem comigo seus

conhecimentos e suas motivações.

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor Vicente Bagnoli, por acompanhar o

desenvolvimento deste trabalho e por me incentivar na minha persistência em

aprender. Nossos dias foram marcados pelo compartilhar de saberes, por questões

certas nos momentos certos, pelo respeito e pela perseverança de fazer ensinar.

Aos Professores Doutores Eduardo Marcial Ferreira Jardim e Marco Antônio

Ribeiro Tura, pelo grande apoio e pelas sábias contribuições que tanto somaram

para a conclusão desta dissertação.

“Talvez não tenha conseguido fazer o

melhor, mas lutei para que o melhor fosse

feito. Não sou o que deveria ser, mas,

graças a Deus, não sou o que era antes.”

(MARTIN LUTHER KING)

RESUMO

Esta dissertação apresenta o papel do Banco Central do Brasil (BACEN) frente à

economia do país e explora o tema regulação econômica, analisando como a

referida instituição contribui para o desenvolvimento e o bem-estar econômico e

social, por meio da garantia da estabilidade de preços, do pleno emprego, da

desinflação, entre outras ações. Para tanto, relata, em um primeiro momento, a

origem da formação econômica no Brasil e o histórico do Sistema Financeiro

Nacional, apontando a sua relevância para o desenvolvimento econômico, com a

preocupação de que as instituições financeiras tornem-se mais seguras. Em

seguida, trata, especificamente, do BACEN, após fazer um breve esboço dos

Bancos Centrais de outros países, revelando a sua origem e destacando o seu

legítimo papel e as ferramentas de que se utiliza para a execução das políticas

monetária e de crédito. Aborda, ainda, de forma sucinta, o conflito de competências

entre o BACEN e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),

explanando-se quais as tarefas competentes a cada órgão, a fim de dirimir a

possível existência de impasse entre a defesa da concorrência e a defesa de

segurança e da solidez do Sistema Financeiro. Por fim, centra o seu foco

efetivamente na regulação econômica do país, revelando como o BACEN, por meio

desse mecanismo, pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social,

analisando a estabilidade de preços, a estabilização da moeda e o pleno emprego.

No que se refere nomeadamente ao pleno emprego, conclui-se, por todo o estudo,

que tal princípio requer do Estado uma série de políticas públicas voltadas à geração

de emprego, de modo que se torna necessário que o ente estatal passe a fomentar

políticas e regular a atividade empresarial, impedindo o abuso de poder econômico.

Palavras-chave: Banco Central. Regulação Econômica. Sistema Financeiro.

Estado.

ABSTRACT

This dissertation presents the role of the Central Bank of Brazil (BACEN) compared

to the country’s economy and explores the theme of economic regulation, analyzing

how that institution contributes to the economic development and social well-being,

by ensuring stability prices, full employment, disinflation, among other actions.

Therefore, it reports, at first, the origin of the economic formation in Brazil and the

history of the National Financial System, indicating their relevance to economic

development, with the concern that financial institutions become more secure. Then,

it study, specifically, the Central Bank, after making a brief outline of the Central

Banks of other countries, revealing its origin and highlighting its legitimate role and

the tools used for the implementation of monetary and credit policies. The

dissertation approaches, also, succinctly, the conflict of powers between the Central

Bank and the Administrative Council for Economic Defense (CADE), explaining to

which the relevant tasks to each agency in order to resolve the possible existence of

impasse between the defense competition and the protection of the safety and

soundness of the Financial System. Finally, it focuses effectively on the economic

regulation of the country, revealing how the Central Bank, through this mechanism,

may contribute to the economic and social development, analyzing the stability of

prices, currency stabilization and full employment. With regard in particular to full

employment, it is clear, throughout the study, that this principle requires of the State

a number of public policies aimed at job creation, so it is necessary that the state

entity begins to develop policies and regulate business activity, preventing the abuse

of economic power.

Keywords: Central Bank. Economic Regulation. Financial System. State.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANAC

ATM

BACEN

Agência Nacional de Aviação Civil

Máquina de Atendimento Automático

Banco Central do Brasil

BB Banco do Brasil

BCE

BCN

BIRD

BIS

Banco Central Europeu

Banco de Crédito Nacional

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

Banco de Compensações Internacionais

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina

CF Constituição Federal

CMB

CMN

Casa da Moeda do Brasil

Conselho Monetário Nacional

CNPC

CNSP

Conselho Nacional de Previdência Complementar

Conselho Nacional de Seguros Privados

COPOM Comitê de Política Monetária

CVM

DAC

Demab

DNC

DPDE

EUA

Comissão de Valores Mobiliários

Departamento de Aviação Civil

Departamento de Operações do Mercado Aberto

Departamento Nacional do Café

Departamento de Proteção e Defesa Econômica

Estados Unidos da América

FED

FGC

Federal Reserve System

Fundo Garantidor de Crédito

FMI Fundo Monetário Internacional

FOMC Federal Open Market Committee

GATT

IBC

INPC

IPCA

OIT

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

Instituto Brasileiro do Café

Índice Nacional de Preços ao Consumidor

Índice de Preços ao Consumidor Amplo

Organização Internacional do Trabalho

OMC

PDV

PIB

PREVIC

Organização Mundial do Comércio

Ponto de Venda

Produto Interno Bruto

Superintendência Nacional de Previdência Complementar

PROER Programa de Estímulo à Reestruturação

RAET Regime de Administração Especial Temporária

SBDC

SDE

SEAE

SEBC

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

Secretaria de Direito Econômico

Secretaria de Acompanhamento Econômico

Sistema Europeu de Bancos Centrais

Selic

SFI

Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

Sistema Financeiro Internacional

SFN Sistema Financeiro Nacional

SPC Secretaria de Previdência Complementar

STF

STJ

STR

SUMOC

Supremo Tribunal Federal

Superior Tribunal de Justiça

Sistema de Transferência de Reservas

Superintendência da Moeda e do Crédito

SUSEP

TI

Superintendência de Seguros Privados

Tecnologia da Informação

TUE

URV

Tratado sobre a União Europeia

Unidade de Reajuste de Valores

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1 DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL .............................................................. 15

1.1 A origem do Sistema Financeiro Internacional ........................................... 15

1.2 A formação econômica do Brasil .................................................................. 22

1.3 A evolução do Sistema Financeiro Nacional ............................................... 32

1.4 A estrutura do Sistema Financeiro Nacional ............................................... 35

1.5 O Sistema Financeiro e o processo de desenvolvimento .......................... 40

1.6 A Constituição de 1988 e o Sistema Financeiro Nacional .......................... 41

2 BANCOS CENTRAIS E SUA MISSÃO INSTITUCIONAL ..................................... 46

2.1 Bancos Centrais ............................................................................................. 46

2.1.1 O Federal Reserve System, dos Estados Unidos ........................................ 47

2.1.2 O Banco Central Europeu ............................................................................ 49

2.1.3 O Banco Federal da Alemanha .................................................................... 53

2.1.4 O Banco Nacional da Suíça ......................................................................... 54

2.1.5 O Banco da Inglaterra .................................................................................. 55

2.1.6 O Banco de Reservas da Nova Zelândia ..................................................... 56

2.1.7 O Banco Central do Chile ............................................................................. 58

2.2 Banco Central do Brasil e sua origem .......................................................... 59

2.2.1 O BACEN após a Constituição de 1988 e suas funções .............................. 61

2.2.2 Atuação do BACEN e a evolução da regulação bancária no Brasil ............. 63

2.3 Conflito de competências entre o BACEN e o CADE .................................. 68

2.3.1 Do parecer da Procuradoria-Geral do BACEN ............................................. 71

2.3.2 Do posicionamento da Procuradoria do CADE ............................................ 73

3 REGULAÇÃO ECONÔMICA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

SOCIAL ................................................................................................................ 78

3.1 Regulação econômica ................................................................................... 79

3.2 Regulação prudencial .................................................................................... 83

3.3 Regulação: teorias e princípios informadores para a concepção do

Estado Regulador Contemporâneo ............................................................. 85

3.3.1 Princípios do Direito ..................................................................................... 89

3.3.1.1 Princípios gerais do Direito Econômico e da atividade econômica ........ 91

3.3.1.2 Princípios gerais do Direito Financeiro .................................................. 97

3.4 Regulação e Sistema Financeiro ................................................................ 100

3.5 A regulação econômica e a intervenção do Estado .................................. 105

3.5.1 O Estado Regulador Contemporâneo Neoliberal ...................................... 109

3.6 Regulação por meio do Direito Econômico ............................................... 112

3.7 Regulação econômica capaz de buscar solidez econômica .................... 113

3.8 Concentração X Regulação econômica ..................................................... 117

3.9 Autonomia do BACEN e desenvolvimento econômico ............................ 119

3.9.1 Autonomia e os poderes constitucionais................................................... 123

3.9.2 BACEN e a autonomia operacional .......................................................... 124

3.9.3 Aprimoramento da autonomia do BACEN ................................................ 133

3.10 Regulação do Banco Central e a contribuição para o desenvolvimento

econômico e social ..................................................................................... 136

3.10.1 Estabilidade de preços............................................................................ 139

3.10.2 Estabilização da moeda .......................................................................... 144

3.10.3 Pleno emprego ....................................................................................... 150

3.10.3.1 Trabalho, ocupação e emprego ......................................................... 150

3.10.3.1.1 Trabalho ....................................................................................... 151

3.10.3.1.2 Ocupação ..................................................................................... 154

3.10.3.1.3 Emprego ....................................................................................... 155

3.10.3.2 O pleno emprego como garantia de desenvolvimento econômico e

social ................................................................................................ 156

3.10.3.3 O princípio da busca do pleno emprego no Brasil ............................ 160

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 162

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 165

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INTRODUÇÃO

Sabe-se que a intervenção do Estado no domínio econômico tem um

propósito fundamental, que é garantir o bem-estar econômico e social do país. E

para alcançar esse escopo, seria necessário que o Estado, por intermédio do Banco

Central, traçasse como objetivos principais a estabilidade de preços e a higidez

financeira.

É possível constatar que muitos países europeus e americanos, entre outros,

após crises enfrentadas, passaram a controlar as atividades monetárias por meio de

seus Bancos Centrais, conseguindo atingir a estabilidade macroeconômica. Dentro

dessa concepção, resta evidente que o Banco Central contribui para o

desenvolvimento e o bem-estar econômico e social, por meio da garantia da

estabilidade de preços, do pleno emprego, da desinflação etc.

Diante desse cenário, esta dissertação pretende explorar o tema regulação

econômica, dando ênfase ao papel do Banco Central do Brasil (BACEN) para o

desenvolvimento econômico e social do país.

Para melhor compreensão, o presente trabalho foi dividido em três capítulos:

1) Do Sistema Financeiro Nacional; 2) Bancos Centrais e sua missão institucional; e

3) Regulação econômica para o desenvolvimento econômico e social.

O primeiro capítulo abordará, de forma detalhada, o Sistema Financeiro

Nacional (SFN), destacando a sua importância para a economia do país. Contudo,

antes de aprofundar no assunto, trará uma breve explanação sobre o Sistema

Financeiro Internacional (SFI).

Em suma, o Sistema Financeiro Internacional pode ser classificado como as

relações de troca ou negócios entre moedas, atividades, fluxos monetários e

financeiros, empréstimos, pagamentos e aplicações financeiras internacionais entre

empresas, bancos, bancos centrais, governos ou organismos internacionais. Entre

as suas funções, estão facilitar o comércio e o investimento internacionais, transferir

capital para onde for mais lucrativo etc.

Já o Sistema Financeiro Nacional é responsável pelas estratégias

econômicas do país, sendo composto por instituições financeiras ou não,

interdependentes e afins, cujas funções são captar e intermediar os recursos

financeiros da economia de maneira coordenada e em uma estrutura organizada.

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Feita essa breve distinção, o capítulo seguirá com a origem da formação

econômica no Brasil e o histórico do Sistema Financeiro Nacional, apontando a sua

relevância para o desenvolvimento econômico do país, com a preocupação de que

as instituições financeiras tornem-se mais seguras, além de abordar o tratamento

recebido pelo SFN na Constituição Federal de 1988.

O segundo capítulo, por sua vez, tratará, especificamente, do Banco Central,

o qual, por ser parte integrante do Estado, tem como dever principal executar a

política monetária orientada no intuito de contribuir para o desenvolvimento

econômico e social do país. Em síntese, versará sobre o legítimo papel dessa

instituição e as ferramentas de que se utiliza para a execução das políticas

monetária e de crédito.

Cumpre mencionar que o assunto em destaque neste ponto do estudo é

objeto de grandes discussões, visto que os Bancos Centrais encontram-se no centro

do setor financeiro, conduzindo a política monetária dos países.

O capítulo abordará, ainda, de uma maneira geral, os Bancos Centrais de

outras nações, como o Federal Reserve System (FED), o Banco Central Europeu

(BCE), o Banco Federal da Alemanha, o Banco Nacional da Suíça, o Banco da

Inglaterra, o Banco de Reservas da Nova Zelândia e o Banco Central do Chile. Em

seguida, ressaltará a origem do BACEN, suas funções após a Constituição Federal

de 1988 e a sua atuação como executor da política monetária, além de trazer uma

breve síntese da evolução da regulação bancária no Brasil.

Encerrando a segunda seção, tratar-se-á do conflito de competências entre o

Banco Central do Brasil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica,

explanando-se quais as tarefas competentes a cada órgão, a fim de dirimir a

possível existência de impasse entre a defesa da concorrência e a defesa de

segurança e da solidez do Sistema Financeiro.

No terceiro e último capítulo desta dissertação, estará em foco a regulação

econômica do país, revelando como o Banco Central, por meio desse mecanismo,

pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Empreender-se-á um

estudo sobre o que é a regulação econômica, bem como sobre as suas formas de

atuação.

Ademais, serão analisadas as teorias e os princípios informadores para a

concepção do Estado Regulador Contemporâneo, enfatizando os princípios gerais

14

do Direito Econômico e os princípios gerais do Direito Financeiro, a fim de verificar

as vigas-mestras que devem comandar o ente estatal nas ações de regulação.

Estudando o Estado e a sua intervenção na regulação econômica, o Banco

Central se mostra como um dos órgãos que atuam como um ente regulador da

economia, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país,

destacando-se, nesse diapasão, três atribuições que serão examinadas mais

detalhadamente: a estabilidade de preços, a estabilização da moeda e o pleno

emprego. Antes de analisar o pleno emprego propriamente dito, será realizada uma

breve, porém relevante, exposição sobre trabalho, ocupação e emprego,

esclarecendo o conceito dado a cada um deles nos diferentes momentos da

existência humana.

Conforme já salientado, o papel do Estado é fomentar a atividade produtiva e

a criação de empregos, possibilitando a geração de renda e o bem-estar social, e,

nesse sentido, a regulação do Banco Central e sua autonomia podem contribuir para

o desenvolvimento econômico e social do país.

Por derradeiro, ainda no terceiro capítulo, discutir-se-á a questão de um

Banco Central autônomo como fator de impedimento da prática de políticas de falso

desenvolvimento, a cargo do governo, que pode e deve contrariar medidas em tal

sentido e adotar metas não geradoras da descontrolada emissão monetária. Do

mesmo modo, será evidenciada a defesa de que um Banco Central autônomo pode

equilibrar a inflação, aumentando, dessa forma, o poder de compra, entre outros

fatores.

15

1 DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Este capítulo trata, especificamente, do Sistema Financeiro Nacional.

Contudo, para a compreensão do tema, será realizada uma breve análise inicial do

Sistema Financeiro Internacional, que é de salutar importância. A seguir, tratar-se-á

da formação econômica do Brasil e da origem do SFN, bem como da sua evolução.

Após, será explanada a estrutura do SFN e analisada a sua relação com o processo

de desenvolvimento do país. Ao final, será abordado o tratamento recebido pelo

SFN na Constituição Federal de 1988.

1.1 A origem do Sistema Financeiro Internacional

O Sistema Financeiro Internacional (SFI) é a estrutura de acordos, regras,

relações de troca ou negócios entre moedas, atividades, fluxos monetários,

empréstimos, pagamentos, convenções e instituições em que os mercados

internacionais e as firmas operam.

Cumpre verificar que, no século XX, o SFI vivenciou uma grande evolução,

passando por, pelo menos, três etapas principais: o sistema padrão-ouro, o sistema

de Bretton Woods e as taxas de câmbio flutuantes.

O sistema padrão-ouro1 foi o sistema monetário vigente de 1870 até 1914.2

Nele, cada banco tinha como obrigação vinculativa a conversão das notas bancárias

que emitisse, em ouro ou prata, sempre que solicitado pelo cliente.

Esse padrão estava associado basicamente à aceitação de certo número de

países, e, segundo Paul Krugman, com obediência a três princípios básicos:

conversibilidade das moedas nacionais em ouro, liberdade para o movimento

1 “O Sistema Padrão Ouro é a chave para se entender a Grande Depressão. O padrão ouro da década de 1920 preparou o palco para a depressão econômica da década de 1930 ao aumentar a fragilidade do sistema financeiro internacional. O padrão ouro foi o mecanismo transmissor do impulso desestabilizador dos Estados Unidos para o resto do mundo. Ampliou o choque desestabilizador inicial e foi o principal obstáculo para ações de neutralização à atadura que impediu os tomadores de decisão de reverter o fracasso dos bancos em conter a difusão do pânico financeiro. Devido a todos esses motivos, o padrão ouro internacional foi o fator central da depressão econômica mundial. A recuperação só foi possível, pelas mesmas razões, após o abandono do padrão ouro.” Cf. FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 206.

2 Richard Roberts afirma que o período do sistema padrão-ouro vai de 1816 até 1933, trazendo a Grã-Bretanha como o primeiro país que adotou o sistema, em 1816. Vide Por dentro das finanças internacionais: guia prático dos mercados e instituições financeiras. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 14.

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internacional de ouro (entrada e saída sem restrições) e um conjunto de regras que

vinculavam as moedas em circulação às reservas nacionais do país.3 Logo, havia

uma paridade fixa entre cada moeda e o ouro, e entre diversas moedas

simultaneamente.

Os países comprometidos com o padrão-ouro, como os Estados Unidos da

América (EUA), por exemplo, fixavam o valor da sua moeda em relação a uma

quantidade concreta de ouro e também se responsabilizavam por realizar uma

política monetária de compra e venda do metal, de modo a preservar a semelhança

definida.

Nessa época, o Banco Central de cada país mantinha a maioria dos seus

ativos de reserva internacional sob a forma de ouro. Assim, os desequilíbrios das

balanças de pagamentos eram sanados por meio de transferências internacionais do

metal. Nota-se, dessa forma, que a função desse antigo padrão era limitar o

crescimento monetário da economia mundial, assegurando, ainda, a estabilidade

dos níveis de preços mundiais.

Se um país fosse deficitário na sua balança de pagamentos, ou seja, se a

soma de bens e serviços importados do exterior fosse superior à soma de bens e

serviços exportados, o país tinha de equilibrar o déficit exportando ouro.

Cabe observar que, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, o dólar

americano tornou-se o esteio do padrão-ouro.

Nesse período, muitos países abandonaram o padrão ouro e passaram a estabelecer medidas macroeconômicas com a intenção de suprir as suas respectivas crises internas. Para superar essa escassez de recursos em ouro no nível internacional, o Comitê Financeiro em 1922, passou a recomendar aos países menores (em desenvolvimento) que mantivessem suas reservas em moedas estrangeiras, provindas dos países desenvolvidos [...] No entanto, com o grande endividamento público registrado nesse período, o aumento da falta de credibilidade em moedas internacionais e o aprofundamento da deterioração econômica mundial com a crise de 1929, houve um abandono completo das medidas propagadas pelo padrão-ouro, e as políticas keynesianas entraram em vigor. Muitos consideram que o principal fracasso do padrão-ouro foi que os países no pós-guerra passaram a priorizar o âmbito doméstico e suas respectivas políticas internas em detrimento da política externa, levando ao fracasso o modelo vigente (devido à necessidade deste de subordinar as políticas econômicas internas aos objetivos coletivos externos).

4

Após esse período, os representantes dos Estados se voltaram às

necessidades da economia mundial. O medo do surgimento de uma nova crise

3 Economia internacional: teoria e política. 6. ed. São Paulo: Pearson, 2005 apud FERREIRA, Vanessa Capistrano. Sistema Financeiro Internacional: fracassos e necessidades de reestruturação macroeconômica. Aurora, Marília, v. 5, n. 1, p. 157-168, jan./jun. 2012, p. 159.

4 FERREIRA, Vanessa Capistrano, op. cit., p. 160.

17

internacional, como a ocorrida nos anos de 1930, levou os Estados nacionais a

buscarem medidas de regulamentação para o sistema monetário do período.

Assim, em 1944,5 representantes de 44 países se juntaram em Bretton

Woods, com o objetivo de planejar e assinar o acordo do Fundo Monetário

Internacional (FMI).

No contexto da Conferência de Bretton Woods, segundo Ícaro Ivvin de

Almeida Costa Lima, o mundo ainda respirava os ares da Segunda Guerra Mundial

quando os EUA e a Inglaterra começaram a empenhar-se em desenhar um novo

Sistema Financeiro Internacional para o pós-Guerra.6

Vivia-se, também, a ressaca da Crise de 1929, e a elevada preocupação em

inaugurar uma nova ordem econômica internacional sólida fundava-se

essencialmente em dois grandes temores: o de regresso à depressão econômica na

qual o mundo mergulhara após a Crise de 1929, e a todas as problemáticas dela

oriundas; e a aversão à possibilidade de uma “reedição” dos horrores da Guerra, a

qual foi desencadeada essencialmente sob a pressão dos flagelos econômicos e

das chagas sociais produzidas pela Grande Depressão, que levou diversos

governos ditatoriais ao poder.

Desse modo, anos antes de Bretton Woods, em dezembro de 1941, Harry

Dexter White, assistente especial do Secretário do Tesouro dos EUA (Henry

Morgenthau Jr.), e John Maynard Keynes,7 então conselheiro do Tesouro do Reino

Unido, e já um dos mais consagrados economistas da época, foram indicados para

desenvolver um projeto de novo sistema monetário internacional que pudesse evitar

a ocorrência de uma depressão, como a ocorrida nos anos de 1930, e promover um

5 No entender de Richard Roberts, o período Bretton Woods vai de 1944 até 1973, e leva esse nome devido ao local em que foi realizada a Conferência, nas instalações do Hotel New Hampshire. Cf. Por dentro das finanças internacionais: guia prático dos mercados e instituições financeiras, p. 15.

6 A governança do Sistema Financeiro Internacional: uma guinada na perspectiva pós-crise. Coimbra: Working Papers, 2014, p. 11.

7 Keynes, o maior e mais eficiente crítico do liberalismo clássico, manteve-se fiel aos objetivos fundamentais eternizados em obras, ao apresentar seu plano em Bretton Woods: um mundo sem desemprego, sem grandes desigualdades entre as classes sociais e entre as nações, com base na gestão racional da economia pelos Estados. A ideia não seria abandonar os padrões então vigentes do capitalismo, mas romper os limites do atraso e da pobreza por meio da intervenção do Estado, a fim de multiplicar as oportunidades e de promover o bem-estar. Tentava-se, nesse momento, a conciliação entre o Estado e o mercado, sendo aquele o promotor do desenvolvimento deste. Vide BORGES, Florinda Figueiredo. Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetária e creditícia. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 47.

18

crescimento econômico pós-Guerra, a ser debatido posteriormente na referida

Conferência.8

Na conferência do Atlântico (1942) as negociações acerca de um novo sistema financeiro mundial prosseguiram; ficando desde então evidentes a rivalidade e divergência de interesses entre o velho imperialismo britânico e o emergente dos Estados Unidos. Em abril de 1943, Harry D. White e Keynes publicaram os textos das suas respectivas propostas de reforma para que pudessem receber sugestões de um número restrito de países. Em abril de 1944, chegava-se aos termos de um manifesto conjunto com as balizas do que, em julho deste mesmo ano, seria debatido na Conferência de Bretton Woods. Tal manifestação recebeu a alcunha de “Joint statement of experts on the establishment of an international monetary fund”. As duas propostas divergiam essencialmente no que tange ao padrão monetário internacional e sua implementação, bem como sobre o mecanismo de ajustes na balança de pagamentos. Nesse contexto é que, em julho de 1944, as 44 nações aliadas reuniram-se na cidade de Bretton Woods, no Estado norte-americano de New Hampshire para debater a reestruturação do Sistema Econômico e Monetário Internacional.

9

Para Keynes, o Estado deveria exercer uma influência orientadora sobre a

propensão a consumir, em parte pelo seu sistema de tributação, em parte por meio

de fixação da taxa de juros, e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas.10

A tese de Harry Dexter White objetivava, em geral: auxiliar a reconstrução das

economias devastadas pela Guerra, pregar a volta ao padrão-ouro, garantir

paridades monetárias estáveis e eliminar os controles cambiais. Ele apresentou um

plano diferente, e, na qualidade de representante dos Estados Unidos, defendeu o

dólar como moeda-chave no sistema, consolidando a hegemonia norte-americana

no âmbito monetário internacional.11

O Sistema Financeiro que surgiria de Bretton Woods seria amplamente

favorável aos Estados Unidos, que, dali em diante, teriam o controle, de fato, de boa

parte da economia mundial, bem como de todo o seu sistema de distribuição de

capitais.

É necessário destacar, ainda, que a Conferência de Bretton Woods fundou a

primeira ordem internacional monetária totalmente negociada da história. Seu

principal objetivo era reestruturar o sistema capitalista mundial, a partir do

estabelecimento de um arcabouço regulatório mínimo da política econômica

internacional.

8 LIMA, Ícaro Ivvin de Almeida Costa, A governança do Sistema Financeiro Internacional: uma guinada na perspectiva pós-crise, p. 11.

9 Ibidem, p. 11-12.

10 BORGES, Florinda Figueiredo, Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetária e creditícia, p. 48.

11 Ibidem, loc. cit.

19

Outrossim, a ideia da criação de um organismo internacional responsável por

centralizar o pagamento de todas as transações (exportações e importações) de

bens, serviços e ativos – funcionando como uma espécie de Banco Central dos

Bancos Centrais Nacionais – suscitou grande resistência (principalmente dos atores

políticos) dos diversos Estados, com destaque para os EUA, uma vez que a maioria

deles não estava disposta a abrir mão da sua autonomia decisória sobre a sua

política econômica para um organismo internacional. De mais a mais, a proposta

formulada por Harry Dexter White, em 1941, apresentava grande similitude com as

ideias apresentadas por Keynes, em 1923, em sua obra “A tract on monetary

reform”, como uma sugestão de reforma monetária para os países à época.12

O acordo relativo ao FMI entrou em vigor em dezembro de 1945. Essa

instituição foi criada com a função de garantir a estabilidade do sistema monetário

internacional, tendo como principais objetivos a promoção da cooperação

econômica, a facilitação da expansão e do crescimento equilibrado do comércio

internacional, a promoção da estabilidade de câmbios, a provisão de liquidez

(quando necessário), bem como a instituição de um sistema multilateral de

pagamentos para transações correntes. A fim de exercer o seu papel de

estabilizador das taxas cambiais, o FMI poderia disponibilizar, aos países em

dificuldade, reservas monetárias; recursos esses oriundos dos demais países

membros da instituição.

Segundo Richard Roberts, no final da Segunda Guerra Mundial, os Estados

Unidos representavam, incontestavelmente, a economia predominante no mundo,

detendo 70% das reservas mundiais de ouro. Assim, o dólar americano tinha um

papel-pivô nos novos arranjos: a moeda foi ancorada ao ouro e as autoridades dos

EUA incumbiram-se de sustentar a conversibilidade do dólar no metal.13

Definiu-se, então, a substituição do padrão-ouro internacional, vigente até o

período anterior à Primeira Guerra Mundial, pelo padrão ouro-dólar. Por esse

padrão, todas as moedas nacionais seriam referenciadas pelo valor do dólar,

passando este a ser unidade contábil e padrão monetário, com uma paridade dólar-

ouro fixada em US$ 35,00 por onça de ouro.14

12

LIMA, Ícaro Ivvin de Almeida Costa, A governança do Sistema Financeiro Internacional: uma guinada na perspectiva pós-crise, p. 12.

13 Por dentro das finanças internacionais: guia prático dos mercados e instituições financeiras, p. 16.

14 LIMA, Ícaro Ivvin de Almeida Costa, op. cit., p. 13.

20

A estipulação da manutenção de taxas fixas de câmbio justificava-se

essencialmente pelo intuito de se evitar a “reedição” de um descontrole monetário

internacional, motivado pela manipulação anárquica das taxas cambiais pelos

países, nos moldes ocorridos após a Crise de 1929.

Os EUA não chegaram a ratificar o acordo do FMI, tendo em vista a sua

rejeição pelo Senado norte-americano. Nesse contexto, o Acordo Geral sobre

Tarifas e Comércio (GATT, na sigla inglesa), que havia sido firmado, em caráter

provisório, por 23 países na reunião de Genebra (1947), tornou-se o principal

instrumento jurídico de regulação do comércio internacional, funcionando mesmo

como uma organização internacional de fato até a criação da Organização Mundial

do Comércio (OMC), em 1994.

Em que pese tenha passado por alguns percalços quando da sua

implementação e funcionamento – tais como a ineficiência do Banco Internacional

para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e do FMI para auxiliarem na

promoção da reconstrução da Europa no pós-Guerra, ou, ainda, a demora para a

implementação completa do sistema multilateral de pagamentos previsto na

Conferência de 1944, que só passou a existir de fato em 1958, dentre vários outros

fatores –, o Sistema de Bretton Woods conseguiu promover uma profícua

reestruturação do sistema econômico-financeiro internacional. Patenteando tal

realidade, os dados econômicos da época apontam que, entre 1950 e o início dos

anos de 1970, o produto mundial manteve uma taxa de crescimento média de 5,5%

ao ano, o volume de comércio internacional foi quadruplicado e a taxa de inflação

dos principais países manteve-se estabilizada em níveis semelhantes aos vigentes

no período padrão-ouro.15

De 1945 até 1970, período em que vigorou a sistemática de Bretton Woods16

e do padrão dólar-ouro, com os demais países estabelecendo a paridade de suas

15

LIMA, Ícaro Ivvin de Almeida Costa, A governança do Sistema Financeiro Internacional: uma guinada na perspectiva pós-crise, p. 15.

16 O sistema de Bretton Woods ofereceu previsibilidade às decisões capitalistas e, ao cabo, permitiu a obtenção de resultados econômicos altamente favoráveis. Tratou-se, assim, de um arranjo monetário internacional que, sob a liderança americana, permitiu a construção industrial da Europa e do Japão, a industrialização periférica e o desenvolvimento de economias nacionais autônomas, sem o qual dificilmente a fase dourada do capitalismo teria ocorrido. Vide OLIVEIRA, Giuliano; MAIA, Geraldo; MARIANO, Jefferson. O sistema de Bretton Woods e a dinâmica do sistema monetário internacional contemporâneo. Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 195-219, 2008, p. 216.

21

moedas em relação à moeda norte-americana, pode-se dizer que o capitalismo

passou por uma fase de prosperidade.

Contudo, alguns fatores contribuíram para o fim do sistema Bretton Woods,

destacando-se os problemas de liquidez e de ajustamento. Devido às paridades

cambiais e às políticas econômicas, a manutenção de taxas fixas de câmbio em

situação de desequilíbrio persistente de balanço de pagamentos tornou-se uma

contradição.

Assim, a partir de 1973, o Sistema Financeiro Internacional passou a conviver

com taxas de câmbio flutuantes determinadas pelo mercado e sujeitas a

intervenções dos Bancos Centrais e acordos multilaterais.

Richard Roberts aponta que, em janeiro 1976, em reunião anual realizada em

Kingston, na Jamaica, o FMI alterou os seus estatutos para levar em conta o novo

regime de taxas flutuantes. O preço oficial do ouro foi abolido e deu-se maior

importância à participação dos direitos especiais de saque nas reservas

internacionais. Foi concedida ampla liberdade aos países-membros do Fundo para

administrar suas taxas de câmbio, embora se defendesse a supervisão firme do

FMI.17

Importante lembrar que o dólar, o iene e a libra esterlina pautaram-se pelas

forças do mercado, e as suas flutuações foram coordenadas pelos Bancos Centrais

dos respectivos países. Algumas nações em desenvolvimento ancoraram suas taxas

de câmbio no dólar especificamente.

Com a queda desses modelos apresentados, os mercados financeiros

contemporâneos encontraram-se imersos em um sistema de constante expansão

dos fluxos de capitais e das taxas de câmbio flutuantes, tidas como imprevisíveis.

O atual sistema possui como objetivo viabilizar a fluidez das relações

econômicas internacionais, proporcionando a maximização dos ganhos com o

comércio transfronteiriço e os benefícios derivados dos movimentos constantes de

capital.

17

Por dentro das finanças internacionais: guia prático dos mercados e instituições financeiras, p. 21.

22

1.2 A formação econômica do Brasil

Nesta subseção, a ênfase está na formação econômica, social e política do

Brasil, abrangendo aspectos importantes e fundamentais da história econômica,

como as raízes rurais do comércio brasileiro, o tráfico de escravos etc.

Faz-se necessário incluir o estudo da formação econômica do Brasil para

adentrar a análise do Sistema Financeiro Nacional, que surgiu para organizar e

controlar, com suas instituições, uma política econômica que cresceu de certa forma

desorganizada, almejando regularizar a economia do país.

Segundo Vicente Bagnoli, em linhas gerais, a economia se concentra nas

condições da prosperidade material, em acumular riquezas e em sua distribuição

aos que participam desse esforço social de produção. Por essa razão, na atividade

econômica, o homem aplica os seus esforços para obter, por meio de bens ou

serviços, a satisfação de suas necessidades, traduzindo-se em verdadeiro fenômeno

econômico, que, quando ocorre dentro da organização social, constitui o sistema

econômico.18

Para Fábio Nusdeo, a economia existe porque os recursos são sempre

escassos frente à multiplicidade das necessidades humanas.19 Em seu entender, o

sistema econômico tem grande importância nas Ciências Sociais, sobretudo porque

se sabe que a economia é um elemento decisivo na propulsão dos acontecimentos

sociais e históricos. Por isso, os economistas interessam-se por sua discussão e

análise.20

Para chegar ao Sistema Financeiro que o Brasil possui hoje, todo

sistematizado, com diversos órgãos, vale recordar uma história, cujo início foi bem

simples.

É importante, antes de tudo, diferenciar Economia e Finanças. Acima, viu-se a

apresentação de Bagnoli sobre Economia. Já Marcus Abraham define Ciência das

Finanças como o estudo dos elementos que influenciam a obtenção de recursos

18

Direito econômico. São Paulo: Atlas, 2013, p. 279. 19

Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 30-31.

20 Idem. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, passim.

23

financeiros, sua gestão e o emprego dos meios materiais (bens, serviços e dinheiro)

na realização de uma das atividades do Estado: a atividade financeira.21

O que será visto nas linhas abaixo guarda relação com o que explica

Abraham sobre a Ciência das Finanças. Ela interage com as demais áreas do

conhecimento humano que lhe afetam, a saber: a) Economia Política, que tem por

objetivo a explicação causal da realidade social e econômica; b) História, que estuda

os fatos passados relacionados com as finanças públicas; c) Estatística, que ensina

a registrar sistematicamente dados quantitativos referentes às finanças públicas; d)

Contabilidade, que auxilia na elaboração do orçamento público, obedecendo a uma

padronização necessária à sua utilização; e e) Direito, que cria as normas jurídicas

para a aplicação na atividade financeira do Estado.22

O Brasil Colônia se desenvolveu fora do mundo urbano. Conforme Sergio

Buarque de Holanda, foi efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da

Colônia se concentrou durante os séculos iniciais da ocupação europeia: as cidades

eram virtualmente, se não de fato, delas.23 Com simples dependências e pouco

exagero, pode-se dizer que tal situação não se modificou essencialmente até à

Abolição, em 1888, que representou o marco divisório entre duas épocas na

evolução nacional, assumindo significado singular e incomparável.

O Brasil industrial foi construído junto à urbanização. Nesse sentido, Darcy

Ribeiro entende que estes dois elementos marcham juntos: a industrialização,

oferecendo empregos urbanos à população rural; e esta entrando em êxodo na

busca de tais oportunidades de vida.24 Mas não é bem assim. Geralmente, fatores

externos afetam os dois processos, impedindo que se lhes dê uma interpretação

linear. No século XVI, foram os carneiros ingleses que expulsaram a população do

campo.25

No Brasil, foi possível observar um desenvolvimento econômico

especificamente na década de 1930, quando o país entrou na Revolução Industrial,

21

Curso de direito financeiro brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 25. 22

Ibidem, p. 26. 23

Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 73. 24

Darcy Ribeiro pontua que, no Brasil, vários processos, como o monopólio da terra e a monocultura, promovem a expulsão da população e a quantidade imensa de gente que se vê compelida a transladar-se. A população urbana salta de 12,8 milhões em 1940, para 80,5 milhões, em 1980. Agora é de 110,9 milhões. Cf. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 181-182.

25 Ibidem, p. 181.

24

e, do dia para a noite, deu um salto, muito impulsionado pela ruptura com o campo e

também com o Brasil Colônia.26

Já no campo social, a escravidão teve um papel preponderante na sociedade

brasileira, trazendo impactos para sociedade até os dias de hoje.

Segundo Roberto Cavalcanti de Albuquerque:

Pode-se dizer que, na segunda metade do século XIX, no cerne da questão social brasileira esteve sempre a escravidão, a maior das iniquidades. Joaquim Nabuco, autor de O abolicionismo, um dos textos fundadores da sociologia brasileira por articular uma visão totalizadora das raízes históricas do Brasil, vê na escravidão a instituição que formou o país, sustentando-lhe a economia; definindo sua estrutura na sociedade; influenciando fortemente a cultura nacional. E lamenta que os abolicionistas, bastando-se apenas com a cultura nacional dos negros, nos tenham legado um país confuso e incompleto: a frustrar a necessária reforma da sociedade, que deveria ter-se seguido aos 13 de maio de 1888. Mais que ela, a reforma individual de nós mesmos, assim resgatando os escravos e senhores do jugo que os inutiliza, igualmente, para a vida livre. Pois na alforria dos escravos estava também a salvação dos senhores dos vícios fortemente arraigados do escravocrata.

27

Essa questão social ainda impacta a sociedade brasileira, revelando-se como

o pontapé inicial para a desigualdade social, que será tratada mais à frente.

A questão da atual economia brasileira, com sua estrutura social e política,

está totalmente ligada ao passado, ou, como apresenta Roberto DaMatta, há duas

questões importantes para entender a economia do país: “De um lado, ela é

moderna e eletrônica, mas de outro é uma chave antiga e trabalhada pelos anos”.28

A abordagem política aqui utilizada será histórica, que é a mesma empregada

por autores como Celso Furtado29 e Sergio Buarque de Holanda30, os quais trazem

como grande marco o advento de 1888, com a Abolição.

26

Luiz Carlos Bresser-Pereira entende que a decolagem da economia brasileira tem antecedentes bem definidos, como o desenvolvimento da cultura do café, que cresceu no Brasil a partir de meados do século XIX. O ciclo do café tem características diversas do ciclo do açúcar ou do ouro. Além do açúcar e do ouro ter ocorrido em plena época colonial, a diferença fundamental está no fato de que, com o café, começa a ser usado em grande escala o trabalho assalariado, ao invés do escravo. Vide Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getulio Vargas a Lula. Brasília: Ed. 34, 2003, p. 41.

27 O desenvolvimento social do Brasil: balanço dos anos de 1900-2010 e agenda para o futuro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011, p. 23.

28 DaMatta entende que é típico do sistema brasileiro essa capacidade de misturar e acasalar as coisas como atividade relacional, de ligar e descobrir um ponto central. Conhecemos e convivemos com suas manifestações políticas (a negociação e a conciliação) e econômicas (uma economia que é estatizante e, ao mesmo tempo, segue as linhas-mestras do capitalismo clássico), mas, de certo modo, não discutimos as suas implicações sociológicas mais profundas. E, em nossa visão, essas implicações se escondem nessa ligação, ou capacidade relacional do antigo com o moderno, que tipifica e singulariza a sociedade brasileira. Cf. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 19.

29 Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2003, passim.

30 Raízes do Brasil, passim.

25

Porém, antes da Abolição, houve a colonização, em que os interesses

políticos visavam à exploração de mão de obra europeia, após a mão de obra

escrava, e à exportação de matéria-prima.31 Isso só fez acalmar alguns

acontecimentos políticos na Europa, proporcionando o crescimento político

brasileiro.

Celso Furtado esclarece que o crescimento político aumentou o problema

financeiro no país, iniciado com a decadência do ouro.32 Ocupado o reino português

pelas tropas francesas, desapareceu o entreposto que representava Lisboa para o

comércio da Colônia, tornando-se indispensável o contato direto desta última com os

mercados ainda acessíveis.

A “abertura dos portos”, decretada ainda em 1808, resultava de uma

imposição dos acontecimentos. Vieram, em seguida, os tratados de 1810, que

transformaram a Inglaterra em potência privilegiada, com direitos de

extraterritorialidade e tarifas preferenciais extremamente baixas, tratados esses que

construíram, em toda a primeira metade do século XIX, uma séria limitação à

autonomia do governo brasileiro no setor econômico. A separação definitiva de

Portugal em 1822 e o acordo pelo qual a Inglaterra conseguiu consolidar a sua

posição em 1827 são outros dois marcos fundamentais nessa etapa de grandes

acontecimentos políticos. Por último, cabe referir a eliminação do poder pessoal de

Dom Pedro I, em 1831, e a consequente ascensão definitiva ao poder da classe

colonial dominante, formada pelos senhores da grande agricultura de exportação.33

Com as mudanças no século XVII, foi alterado totalmente o rumo de Portugal

como metrópole, pois, na época que estava ligado à Espanha, perdeu o melhor de

seus entrepostos orientais.

No século XVIII, ocorreu um avanço na produção de ouro no Brasil. Celso

Furtado explica que o ciclo do ouro constituiu um sistema mais ou menos integrado,

dentro do qual coube a Portugal a posição secundária de simples entreposto.

31

Darcy Ribeiro chama isso de “A empresa Brasil”. Todo tipo de exploração foi realizada aqui, levando fortuna para Portugal. Citando Salvador, o autor sustenta: “[...] Por mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal e, se as fazendas e bens que possuem souberem falar, também lhe houveram de lhe ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam: papagaio real pera Portugal, porque tudo que querem para lá, uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para desfrutarem e a deixarem destruída”. Cf. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, p. 124 e 160.

32 FURTADO, Celso, Formação econômica do Brasil, p. 90.

33 Ibidem, loc. cit.

26

Para sobreviver como metrópole, Portugal precisou fazer uma parceria com a

grande potência da época, a Inglaterra. Os acordos concluídos com o governo inglês

em 1642-1661 estruturaram essa aliança, que marcou profundamente a vida política

e econômica de Portugal e do Brasil durante os dois séculos seguintes.

Portugal fazia concessões econômicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas. Com respeito às Índias Orientais, por exemplo, Portugal cedeu Bombaim permanentemente e à Inglaterra prometeu utilizar sua esquadra para manter a ordem nas possessões lusitanas. Os ingleses conseguiam, demais, privilégios de manter comerciantes residentes em praticamente todas as colônias portuguesas. O acordo de 1661 incluía finalmente uma cláusula secreta pela qual os ingleses prometiam defender as colônias portuguesas contra quaisquer inimigos. Se tem em conta que por essa época a Espanha ainda não reconhecera a separação de Portugal e que nesse mesmo ano se estava negociando a paz com a Holanda, é fácil compreender o que significava para o governo português uma aliança que lhe garantia a sobrevivência como potência colonial.

34

As dificuldades econômicas de Portugal não cessaram; ao contrário,

continuaram a agravar-se, e, com isso, causavam a desvalorização monetária.

Portugal precisava urgentemente encontrar uma solução para as dificuldades da

balança comercial, pois os produtos coloniais de exportação já não pareciam

suficientes.

Furtado comenta que essa política alcançou dar alguns frutos, e, durante dois

decênios, chegou-se a interditar a importação de tecidos de lã, principal manufatura

então importada. Tal política, entretanto, não chegaria a amadurecer plenamente. O

rápido desenvolvimento da produção de ouro no Brasil, a partir do primeiro decênio

do século XVIII, modificaria fundamentalmente os termos do problema. Conforme

será analisado em detalhes nos capítulos subsequentes, o acordo comercial

celebrado com a Inglaterra em 1703 desempenhou papel básico no curso tomado

pelos acontecimentos.35

O benefício para o Brasil foi que o ouro permitiu financiar uma grande

expansão demográfica, que trouxe alterações fundamentais à estrutura de sua

população, quando, então, os escravos passaram a constituir a minoria, e o

elemento de origem europeia, a maioria.

A Inglaterra foi beneficiada com o ciclo do ouro brasileiro, que trouxe grande

estímulo ao desenvolvimento manufatureiro e flexibilidade à sua capacidade para

34

Formação econômica do Brasil, p. 41. 35

Ibidem, p. 42.

27

importar, permitindo a concentração de reservas que fizeram do sistema bancário

inglês o principal centro financeiro da Europa.

Sabe-se que, para Portugal, a economia do ouro proporcionou nada mais do

que uma aparência de riqueza, repetindo a experiência da Espanha no século

anterior.

No fim do século XVIII, deu-se a decadência da mineração do ouro no Brasil e

a Inglaterra entrara na Revolução Industrial. As necessidades de mercados cada vez

mais amplos para as manufaturas em processo de rápida mecanização impuseram,

no território inglês, o abandono progressivo dos princípios protecionistas.

Celso Furtado destaca a forma peculiar como se processou a independência

da América portuguesa, que teve consequências fundamentais no seu posterior

desenvolvimento. Transferindo-se o governo português para o Brasil sob a proteção

inglesa e operando-se a independência da Colônia sem descontinuidade na chefia

do governo, os privilégios econômicos de que se beneficiava a Inglaterra em

Portugal passaram automaticamente para o Brasil independente. Com efeito, se

bem havia conseguido separar-se de Portugal em 1822, o Brasil necessitou de

vários decênios mais para eliminar a tutela que, graças a sólidos acordos

internacionais, mantinha sobre ele a Inglaterra. Esses acordos foram firmados em

momentos difíceis e constituíam, na tradição das relações luso-inglesas,

pagamentos em privilégios econômicos de importantes favores políticos.36

A Independência, do ponto de vista militar, constituiu uma operação simples;

do ponto de vista diplomático, exigiu um grande esforço. Portugal tinha em mãos

uma carta de alto valor: sua dependência política da Inglaterra. Se interpretasse a

Independência do Brasil como um ato de agressão a Portugal, a Inglaterra estava

obrigada a vir em socorro de seu aliado agredido.

Na metade do século XIX, ocorreram alguns fatos que constituíram um

período de transição durante o qual se consolidou a integridade territorial e se firmou

a independência política. Os privilégios concedidos à Inglaterra criaram sérias

dificuldades econômicas, conforme será visto em capítulo posterior. Essas

dificuldades econômicas, por um lado, reduziram a capacidade de consolidar

definitivamente o país, mas marcaram o sentido do posterior desenvolvimento.

36

Formação econômica do Brasil, p. 42.

28

Furtado afirma que, à medida que o café aumentava a sua importância dentro

da economia brasileira, ampliavam-se as relações econômicas com os Estados

Unidos. Já na primeira metade do século, os EUA passaram a ser o principal

mercado importador do Brasil. Essa ligação e a ideologia nascente de solidariedade

continental contribuíram para firmar o sentido de independência vis-à-vis da

Inglaterra. Assim, quando expirou, em 1842, o acordo com este último país, o Brasil

conseguiu resistir à forte pressão do governo inglês para firmar outro documento do

mesmo estilo. Eliminado o obstáculo do tratado de 1827, estava aberto o caminho

para a elevação da tarifa e o consequente aumento do poder financeiro do governo

central, cuja autoridade se consolidou definitivamente nessa etapa.37

Olhando pela ótica econômica, o Brasil da metade do século XIX não diferia

muito do que fora nos três séculos anteriores. A estrutura econômica, baseada

principalmente no trabalho escravo, se mantivera imutável nas etapas de expansão

e decadência. A ausência de tensões internas, resultante dessa imutabilidade, foi

responsável pelo atraso relativo da industrialização. A expansão cafeeira da

segunda metade do século XIX, durante a qual se modificaram as bases do sistema

econômico, constituiu uma etapa de transição econômica, assim como a primeira

metade desse século representou uma fase de transição política.

E foi das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que

surgiram os elementos de um sistema econômico autônomo, capaz de gerar o seu

próprio impulso de crescimento.

Segundo Luiz Carlos Bresser-Pereira, desenvolvimento é um processo de

transformação econômica, política e social, por meio do qual o crescimento do

padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de

um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de

um país sofrem contínuas e profundas transformações, cujo resultado mais

importante, todavia, ou pelo menos o mais direto, é o crescimento do padrão de vida

da população.38

O Brasil teve o seu marco desenvolvimentista em meados de 1930, quando,

então, se pode dizer, teve início a revolução nacional brasileira. O país, até essa

época, era rural e semicolonial, e passava, agora, do rural para o urbano.39

37

Formação econômica no Brasil, p. 43. 38

Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula, p. 31. 39

HOLANDA, Sergio Buarque de, Raízes do Brasil, p. 172.

29

Esse desenvolvimento representou uma mudança da atividade econômica,

que, antes da década de 1930, estava voltada para a agricultura e a exportação,

buscando um desenvolvimento produtivo interno baseado na indústria e no setor

urbano, de forma rápida e urgente.

O Brasil pegou “carona” na Revolução Industrial europeia. A industrialização

deslocava não só a mão de obra, mas também recursos empregados na agricultura

para a indústria, promovendo uma revolução social e econômica.40

Com a crescente produção em massa e a urbanização, fazia-se cada vez mais imprescindível viabilizar facilidades de distribuição, aumentar a estrutura de concessão de créditos, implantar um sistema educacional mais amplo e incumbir o governo de novas atribuições. O incremento da produtividade, ao mesmo tempo que criava novas necessidades à população, também propiciava os meios a satisfação desses anseios, elevando o padrão de vida. O consumo, o prazer, com viagens, hotéis, diversões e restaurantes, o que hoje se denomina indústria do entretenimento e do turismo, também começa a despontar. Da mesma forma que a mão-de-obra na indústria representava novos postos de trabalho, na Revolução Industrial também proliferaram os trabalhos de prestadores de serviços e profissionais liberais. Com a Revolução Industrial, portanto, tem-se uma sociedade mais rica, mas também mais complexa.

41

Bem lembrado por Vicente Bagnoli é o fato de que a ascensão social foi

viabilizada pela Revolução Industrial. Muitos camponeses não eram apenas simples

operários, mas faziam serviços diversos na indústria, comércio e setores terciários.42

Tornava-se comum não só fazerem escolhas para ocupar vagas de trabalho pela

ascendência da pessoa ou por indicação, começando a prevalecer a seleção pela

aptidão do indivíduo para o exercício do emprego, impulsionando a competição entre

as pessoas para se tornarem cada vez melhores, mais aptas.43

Bresser-Pereira pontua que, no plano econômico, as transformações foram

notáveis. Devido à industrialização, o Brasil substituiu as importações, passando a

produzir produtos manufaturados.44

Celso Furtado explica muito bem essa fase de produção interna, após a crise

cafeeira no Brasil em 1929, lembrando-se da indústria têxtil, que cresceu após a

40

BAGNOLI, Vicente. Direito e poder econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 29. 41

Ibidem, loc. cit. 42

Ibidem, p. 30. 43

Bresser-Pereira diz que, em 1930, no Brasil, surgiram duas novas classes delinearmente com mais firmeza: a burguesia industrial e o proletariado urbano. Essas duas classes virão, nos nossos dias, a marcar decisivamente a sociedade nacional. Por outro lado, a classe média expande-se rapidamente. Continua ainda em grande parte ligada ao funcionalismo público parasitário. O próprio Estado, porém, deixa sua atitude passiva, de mero instrumento de uma classe dirigente objetivando a ordem social, para participar de forma ativa do desenvolvimento nacional, tornando-se principal desencadeador. Cf. Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula, p. 31.

44 Ibidem, loc. cit.

30

crise com a capacidade de produção estendida. O crescimento da procura de bens

de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte

elevação dos preços de importação desses bens, acarretada pela depreciação

cambial, criaram condições propícias à instalação no país de uma indústria de bens

de capital.45

O Brasil era como uma criança se desenvolvendo, afirma Bresser-Pereira,

pois desconhecia a sua natureza.46 Não tínhamos noção da realidade brasileira.

Quando tomamos consciência de nós mesmos, nos vimos diante do problema básico de nossa cultura, o profundo complexo de inferioridade colonial que a avassala. Julgávamo-nos racial e intelectualmente inferiores aos povos industrializados, sem a mesma capacidade de trabalho, de iniciativa e de êxito, derivando daí as três alienações básicas de nossa formação: a alienação cultural, a institucional e a econômica. A primeira se evidenciava no caráter transplantado e inautêntico de nossa cultura. Não pensávamos por nós mesmos, mas pela cabeça dos outros. Nossos livros mediam-se em qualidade e profundidade pelo número de citações. Pretendíamos conhecer o Brasil usando simplesmente, sem nenhum critério mais cientifico as categorias da cultura estrangeira. A alienação institucional se caracterizava pela nossa insistência em transferir as instituições políticas estrangeiras para o Brasil, sem considerar as diferenças econômicas, sociais e naturais que o país apresentava. Finalmente, a alienação econômica importava na tentativa de copiar as práticas econômicas e financeiras dos grandes centros industriais.

47

A década de 1930 é tida como marco do desenvolvimento econômico no

Brasil. Talvez a crise instaurada em 1929 com o café tenha feito o Brasil se refazer

de forma extraordinária.

O significado fundamental da Revolução de 1930, que lhe confere uma

importância extraordinária no quadro da história econômica, política e social do país,

é a destituição do poder da oligarquia agrário-comercial brasileira, que, por quatro

séculos, dominou o Brasil, inicialmente em conjugação com os interesses coloniais

portugueses e, a partir da Independência, em conjugação com os interesses

comerciais dos países industrializados, particularmente a Inglaterra.48

No entender de Bresser-Pereira, foi com o café que o Brasil passou a usar em

grande escala o trabalho assalariado, no lugar do trabalho escravo,49 permitindo,

com isso, um incipiente de mercado interno.50

45

Formação econômica do Brasil, p. 90. 46

Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula, p. 39. 47

Ibidem, loc. cit. 48

Ibidem, p. 42-43. 49

Ibidem, p. 41. 50

Segundo Celso Furtado, o crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços de importação desses bens,

31

Ainda no campo econômico, como antecedentes da Revolução Industrial

brasileira, vale citar: o desenvolvimento da indústria têxtil, a partir da metade do

século XIX; o surto industrial que ocorreu nessa época, marcado pela figura do

Barão de Mauá; a instalação de um sistema de transporte ferroviário, ainda que

totalmente destinado a servir às necessidades de exportação, e não às de

integração econômica nacional; e o aparelhamento da infraestrutura econômica

geral do país, que se tornou possível com a prosperidade trazida pelo café.51

O Brasil pós-Guerra, que é desenhado por Bresser-Pereira após 1946-1955,

deixou uma herança que, nos anos seguintes, facilitaria o desenvolvimento da

economia brasileira: os grandes saldos cambiais estrangeiros que se acumularam

nesse período, face à drástica redução das importações. Esses saldos seriam em

grande parte desperdiçados com a importação maciça de bens de consumo e com a

compra de empresas europeias de serviços públicos.52

Com o fim da Guerra, caiu Getúlio Vargas, cujo governo teve o apoio da

industrialização brasileira. O governo posterior abriu o caminho para as importações,

o que deu uma alavancada na economia brasileira, trazendo consigo o

desenvolvimento.

Mas a verdadeira consolidação do desenvolvimento industrial se deu entre

1956-1961. Conforme ilustra Bresser-Pereira, um dos pontos positivos foi a liderança

de alguns personagens históricos, dentre eles Juscelino Kubitschek. Um homem

visionário, como se nota pelo registro histórico e também pela arquitetura de

Brasília, e, mais do que isso, que queria fazer o Brasil crescer 50 anos em cinco,

fazendo com que fossem realizadas as obras e mudanças a todo o vapor.

O presidente Juscelino estava rodeado de técnicos que, de acordo com

Bresser-Pereira, fizeram bastante diferença:

Temos que o novo presidente soube rodear-se de uma equipe de técnicos, particularmente de economistas, que começaram a surgir no Brasil a partir do fim da Segunda Guerra, em torno da Fundação Getulio Vargas, da SUMOC [Superintendência da Moeda e do Crédito], do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda. Essa equipe de técnicos, muitos deles formados no exterior, e sofrendo a influencia do pensamento econômico da CEPAL [Comissão Econômica para a América Latina], constitui um fato novo no Brasil. Na segunda metade dos anos 1950, esse grupo de economistas, que vinha se constituindo como uma verdadeira classe burocrática, estava em

acarretada pela depreciação cambial, criaram condições propícias a instalação no país de uma indústria de bens de capital. Cf. Formação econômica do Brasil, p. 207.

51 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos, Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula, p. 42.

52 Ibidem, p. 49.

32

condições de assumir o controle crescente da economia nacional e de planejar seu desenvolvimento.

53

Com isso, ocorreu o grande afluxo de capital estrangeiro no país, e grandes

incentivos cambiais, tarifários, fiscais e creditícios foram proporcionados pelo

governo federal.

Por fim, cumpre acrescentar que, somadas a todo esse desenvolvimento,

estavam as características marcantes do período, que, na ótica de Bresser-Pereira,

fomentaram tão grande crescimento do país: industrialização; substituição de

importações; limitação à capacidade de importar; surgimento de uma classe de

empresários industriais; alta relação marginal produto-capital; estatização;

urbanização; aumento da taxa de crescimento da população; distribuição regional da

renda desequilibrada; e aumento de salários.54

1.3 A evolução do Sistema Financeiro Nacional

A origem do Sistema Financeiro Nacional remete ao ano de 1808, com a

instalação do Banco do Brasil (BB), que executava as funções de banco central e

banco comercial. Com o passar dos anos, ocorreram algumas mudanças e fusões.

Newton Ferreira da Silva Marques narra a história da criação do BB:

Em 12 de outubro de 1808 foi criado o Banco do Brasil (BB), em função da abertura dos portos brasileiros às nações amigas; de novos acordos comerciais e da criação de relações econômicas internacionais. Em 1821 passou a ter dificuldades, e em 23 de setembro de 1829 foi decretada a sua liquidação, em razão de D. João VI ter desviado lastro metálico depositado no BB, por ter excedido em suas despesas bancadas pela instituição, além do excesso de despesas militares e gastos com a criação de um exercito e de uma marinha de guerra.

55

Com a fase de expansão da economia, devido ao crescimento das atividades

de produção e exportação de café, começaram a ser criados bancos privados:

Banco do Ceará (1836), Banco Comercial do Rio de Janeiro (1838), Banco da Bahia

(1845), Banco do Maranhão e Banco do Pará (ambos em 1847), e Banco Comercial

do Pernambuco (1851). Em 1896, o governo avocou para si toda a responsabilidade

pelas emissões bancárias. Em 1905, foi criada a Caixa de Conversão, tendo como

finalidade manter a estabilidade cambial. Em 1906, foram reativadas as operações

53

Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula, p. 56. 54

Ibidem, p. 61-74. 55

Estrutura e funções do Sistema Financeiro no Brasil: análises especiais sobre política monetária e dívida pública, autonomia do Banco Central e política cambial. Brasília: Thesaurus, 2003, p. 31.

33

do BB, o qual mantém essa denominação até hoje. Ao final da década, já existiam

21 bancos comerciais no Brasil, dos quais cinco eram estrangeiros.56

Percebe-se a expansão das atividades de intermediação financeira no país e

a primeira tentativa de integração do sistema monetário brasileiro, com a criação, em

1920, da Inspetoria Geral dos Bancos, órgão finalizador dos bancos e das casas

bancárias.

Em 1933, foi aprovada a Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 7 de abril), que

limitava os juros a 12% a.a., sendo considerada um dos principais entraves aos

financiamentos de médio a longo prazo.

Em 1945,57 foi criada a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC),

como órgão normativo, cuja finalidade era exercer o controle do mercado monetário,

por meio das seguintes funções: (i) fixação dos percentuais de reservas obrigatórias

dos bancos comerciais, das taxas de redesconto e dos juros sobre os depósitos

bancários; (ii) supervisão dos bancos comerciais; (iii) orientação sobre a política

cambial; e (iv) representação do país junto a organismos internacionais. Ou seja, o

objetivo da SUMOC era a fiscalização do Sistema Financeiro Nacional.

A ideia inicial era esvaziar a função do Banco do Brasil como autoridade

monetária, mas não obteve sucesso. As atribuições do BB eram: (i) banco dos

bancos, como depositário dos encaixes voluntários e compulsórios; (ii) fornecedor de

assistência financeira de liquidez; (iii) administrador do serviço de compensação; e

(iv) agente financeiro do governo federal, por meio dos recebimentos, pagamentos e

financiamento do Tesouro Nacional.58

Pode-se dizer que o Sistema Financeiro passou a ser controlado pela

SUMOC, como órgão normativo e supervisor; pelo Banco do Brasil, como órgão

executor; e pelo Tesouro Nacional, como órgão emissor de papel-moeda. Essa

situação se manteve até o ano de 1964, quando a SUMOC foi substituída pelo

Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central do Brasil (BACEN), que

foi criado para desempenhar o papel de banco dos bancos.

Com as mudanças, a Lei da Usura se enfraqueceu, sendo que as taxas de

juros altas e a introdução do mecanismo de correção foram condições determinantes

56

MARQUES, Newton Ferreira da Silva, Estrutura e funções do Sistema Financeiro no Brasil: análises especiais sobre política monetária e dívida pública, autonomia do Banco Central e política cambial, p. 32.

57 Marques diz que, com a SUMOC, nasceu a fase embrionária de um banco central no Brasil, que somente foi criado pela Lei nº 4.595/64. Cf. Ibidem, p. 33.

58 Ibidem, loc. cit.

34

para o direcionamento de recursos para o Sistema Financeiro. Esses mecanismos

de correção monetária evitavam que os agentes sofressem perdas geradas pela

desvalorização da moeda em decorrência da inflação.

Na década de 1970, foi estimulada a formação de conglomerados financeiros,

baseados no modelo japonês, em que a holding do grupo econômico era uma

instituição financeira, unindo interesses dos capitais industriais e financeiro. No

Brasil, inicialmente, esse estímulo visava à verticalização dos recursos financeiros.

Assim, a participação das instituições financeiras no Produto Interno Bruto

(PIB) aumentou de forma muito significativa a partir da década de 1980. Tal fato

ocorreu em virtude da relação inversa dos ativos monetários e do imposto

inflacionário, que nada mais é do que a perda de poder aquisitivo da moeda, devido

à alta inflação, onde o governo penaliza a população e sai beneficiado.

Vale observar que os altos ganhos que o Sistema Financeiro conseguiu obter

na década de 1980 se deram por meio da operação de floating, que serviu de

alavanca para a sua expansão na renda nacional, ao canalizar recursos das mais

diversas fontes para os cofres públicos. Essa operação pode ser entendida como

uma permanência de recursos transitórios dos clientes nos bancos, e é por meio

dela que tais bancos obtêm parte de sua remuneração pela prestação de diversos

serviços.

É importante considerar que os bancos sempre têm um volume de recursos

transitórios de terceiros circulando sob sua responsabilidade, que não são

remunerados (por exemplo, contas correntes). Eles podem aplicar esses recursos,

ou ao menos parte deles, em instrumentos financeiros de curto prazo com correção

monetária mais os juros reais. Outra característica importante do Sistema Financeiro

ao longo da década de 1980 foi a contração de crédito por parte do setor privado,

fazendo com que este deixasse de ser o principal financiador da produção e

tornando as instituições públicas praticamente as únicas concessoras de crédito.

Pode-se falar que foi na década de 1980 que a Constituição Federal (CF) de

1988 trouxe a reforma financeira promovida pelo CMN e pelo BACEN. Antes da sua

promulgação, foi extinta a carta patente de instituição financeira, que passava a ter

requisitos de capital mínimo.

35

1.4 A estrutura do Sistema Financeiro Nacional

No Brasil, o Sistema Financeiro Nacional é um conjunto de instituições e

órgãos que controlam e fiscalizam as medidas referentes à circulação da moeda e

de crédito dentro do país.

De acordo com Newton Ferreira da Silva Marques: “O Sistema Financeiro é o

conjunto de instituições financeiras ou não, interdependentes e afins, cujas funções

são de captar e intermediar os recursos financeiros da economia de forma

coordenada e em estrutura organizada”.59

Na verdade, o Sistema Financeiro Nacional é uma forma de as diversas

entidades se prepararem para a máquina do governo continuar trabalhando. Sua

função é de acompanhamento e coordenação das atividades financeiras.

Nas palavras de Leonardo Vizeu Figueiredo,60 o artigo 1º da Lei nº 4.595, de

31 de dezembro de 1964, expressamente prevê que o Sistema Financeiro é

constituído pelos seguintes órgãos e entidades: Conselho Monetário Nacional,

Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S.A., Banco Nacional do Desenvolvimento

Econômico, e demais instituições financeiras públicas e privadas.61

É mister observar que o atual Sistema Financeiro Nacional não sofreu muitas

alterações desde a sua concepção em 1964, nem mesmo pelo advento da

Constituição de 1988.

Assim, é válido estruturar o SFN em órgãos normativos,62 entidades

supervisoras e operadores. Aos órgãos normativos compete disciplinar,

59

Estrutura e funções do Sistema Financeiro no Brasil: análises especiais sobre política monetária e dívida pública, autonomia do Banco Central e política cambial, p. 28.

60 Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 410.

61 Para Marques, o Sistema Financeiro Nacional, segundo está disposto no artigo 192 da CF (tal artigo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 40/2003), é composto: (i) das instituições financeiras, que compreendem os bancos comerciais, múltiplos, de investimento e de desenvolvimento, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as cooperativas de crédito, as companhias hipotecárias e a Caixa Econômica Federal; (ii) das sociedades de arrendamento mercantil (leasing), agências de fomento, de sociedade de crédito ao microempreendedor e administradoras de consórcios; e (iii) do sistema de distribuição e intermediação do mercado de capitais, que é composto pelas bolsas de valores, de mercadorias e futuros, sociedades corretoras de seguros e sociedades seguradoras e de seguro de saúde, empresas de capitalização e entidades abertas de previdência privada ou entidades fechadas de previdência privada. Cf. Op. cit., loc. cit.

62 Os órgãos normativos são centros de competência despersonalizados, responsáveis por estabelecer e disciplinar as políticas públicas referentes ao Sistema Financeiro Nacional, sem quaisquer funções executivas. São, dessa forma, os principais órgãos deliberativos que propõem as políticas públicas estratégicas para o Sistema Financeiro Nacional. Cf. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Op. cit., loc. cit.

36

regulamentar e estabelecer as políticas para o setor. Por sua vez, às entidades

supervisoras compete a fiscalização dos entes operadores.63

Os órgãos normativos do SFN são: o Conselho Monetário Nacional (CMN), o

Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e o Conselho Nacional de

Previdência Complementar (CNPC). Como órgãos supervisores, estão: o Banco

Central do Brasil (BACEN), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a

Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e a Superintendência Nacional de

Previdência Complementar (PREVIC). Por sua vez, os operadores são: bancos e

caixas econômicas, administradoras de consórcios, bolsa de valores, seguradoras e

resseguradores, entidades fechadas de previdência complementar (fundos de

pensão), cooperativas de crédito, corretoras e distribuidoras, bolsa de mercadorias e

futuros, entidades abertas de previdência, sociedades de capitalização, instituições

de pagamento e demais instituições não bancárias.64

O Conselho Monetário Nacional é um dos mais importantes dentre todos os

órgãos do Sistema Financeiro Nacional. Foi instituído pela Lei nº 4.595/64, e é

responsável por expedir diretrizes gerais para o bom funcionamento do SFN. O CMN

foi criado para substituir o Conselho da extinta Superintendência da Moeda e do

Crédito, e é eficaz para tomar as decisões a fim de que o país funcione de forma

correta.

O CMN é composto por três membros, a saber: o Ministro da Fazenda

(Presidente), o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, e o Presidente do

Banco Central do Brasil.

Dentre as suas atribuições, estão: (i) adaptar os meios de pagamentos às

reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento; (ii)

regular o valor interno da moeda, prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários

ou deflacionários de origem interna e externa; (iii) regular o valor externo da moeda

e o equilíbrio do balanço de pagamentos do país; (iv) orientar a aplicação dos

recursos das instituições financeiras públicas ou privadas, de forma a garantir

condições favoráveis ao desenvolvimento equilibrado da economia nacional; (v)

propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, de

modo a tornar mais eficiente o sistema de pagamentos e mobilização de recursos;

63

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 410. 64

GIACOMET JUNIOR, Isalino Antonio. Função normativa do Sistema Financeiro Nacional nos crimes econômicos. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012, p. 28.

37

(vi) zelar pela liquidez e pela solvência das instituições financeiras; (vii) coordenar as

políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública interna e

externa; e (viii) estabelecer a meta de inflação.65

No ano de 1999, a política monetária passou a ser chamada de Regime de

Metas para a Inflação, sendo estabelecida por um decreto presidencial e servindo de

ajuste para a liquidez da economia, no intuito de alavancar o crescimento econômico

sustentado. O BACEN tem a obrigação de alcançar essas metas.

O BACEN é o responsável pela produção do dinheiro que circula no território

brasileiro. Ele desempenha, junto com o Conselho Monetário Nacional, um trabalho

de inspeção nas instituições financeiras do país. Dentre as suas funções, está a de

realizar operações bancárias, empréstimos, cobrança de crédito, entre outras

atribuições, que serão mais bem exemplificadas no capítulo 2.

Criado pela Lei nº 4.595/64, o BACEN é uma autarquia vinculada ao

Ministério da Fazenda. Pode-se dizer que é o principal executor das orientações do

Conselho Monetário Nacional, sendo responsável pelo poder de compra da moeda

nacional.

Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é uma entidade da

Administração Pública federal indireta, autarquia essa vinculada ao Ministério da

Fazenda, pela Lei nº 6.385/76, cuja responsabilidade é promover a regulamentação,

o desenvolvimento, o controle e a fiscalização do mercado de valores mobiliários do

país.

Sobre a consecução das responsabilidades da CVM, Leonardo Vizeu

Figueiredo assim se manifesta:

Para consecução de tais responsabilidades, exerce as funções a seguir listadas: assegura o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteção ao titulares de valores mobiliários; evita ou coíbe modalidades de fraude ou manipulação no mercado; assegura o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e sobre as companhias que os tenham emitidos; assegura a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; estimula a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; promove a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, além de estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas.

66

Já o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) é o órgão que fixa as

diretrizes e normas da política de seguros privados, sendo responsável por julgar os

65

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 411. 66

Ibidem, p. 413.

38

recursos e as decisões da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), bem

como pela organização, funcionamento e fiscalização das entidades que exercem

atividades subordinadas à SUSEP.

A SUSEP é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, responsável

por supervisionar e controlar a fiscalização do mercado de seguro, previdência

privada aberta, capitalização e resseguro, na qualidade de executora da política

traçada pelo CNSP.

Nessa seara, cabe acrescentar que existe, ainda, a Secretaria de Previdência

Complementar (SPC), um centro de competência despersonalizado, integrante da

Administração Pública federal direta, sendo órgão desconcentrado do Ministério da

Previdência Social. Sua principal competência se traduz na fiscalização das

atividades das entidades fechadas de previdência complementar (fundos de

pensão).

A SPC se relaciona com os órgãos normativos do Sistema Financeiro na

observância das exigências legais de aplicação das reservas técnicas, fundos

especiais e provisões que as entidades, sob o seu campo de atuação, são obrigadas

a constituir, com diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.67

Analisados os seus principais órgãos, cumpre observar que o SFN pode ser

dividido em Subsistema de Supervisão e Subsistema Operativo.68 O Subsistema de

Supervisão é responsável por fazer regras para transferência de recursos entre uma

parte e outra, e supervisionar o funcionamento de instituições que façam atividades

de intermediação monetária. O Subsistema Operativo, por sua vez, faz com que as

regras de transferência de recursos sejam colocadas em prática.

67

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 413. 68

Newton Ferreira da Silva Marques subdivide o SFN em subsistema normativo de intermediação e subsistema de instância de recursos. O subsistema normativo é composto pelo CMN, que é constituído pelo Ministro da Fazenda (Presidente), pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e de Gestão e pelo Presidente do Banco Central do Brasil. Esse subsistema também é composto pela Comissão Técnica da Moeda de Crédito, integrada pelo Presidente (coordenador) e pelos Diretores do Banco Central do Brasil, pelo Presidente da Comissão de Valores Mobiliários, pelos Secretários Executivos dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, e pelos Secretários do Tesouro Nacional e da Política Econômica; pelo MINIFAZ; pelas Comissões Consultivas de Normas e Organização do Sistema Financeiro; de Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros; de Crédito Rural; de Crédito Industrial; de Crédito Habitacional, e para Saneamento e Infraestrutura Urbana; de Endividamento Público; e de Política Monetária e Cambial. O Sistema de Intermediação é composto, além dos bancos, das instituições que criam moeda escritural e auxiliares. Esse subsistema compõe-se dos bancos múltiplos, comerciais públicos e privados e da Caixa Econômica Federal etc. Cf. Estrutura e funções do Sistema Financeiro no Brasil: análises especiais sobre política monetária e dívida pública, autonomia do Banco Central e política cambial, p. 29.

39

Segue a composição do Subsistema de Supervisão: Conselho Monetário

Nacional, Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, Banco Central do

Brasil, Comissão de Valores Mobiliários, Conselho Nacional de Seguros Privados,

Superintendência de Seguros Privados, Brasil Resseguros (IRB), Conselho de

Gestão da Previdência Complementar e Secretaria de Previdência Complementar. O

Banco Central é a autoridade que supervisiona todas as outras, além de ser o banco

emissor de dinheiro e o executor da política monetária. O Conselho Monetário

Nacional funciona para a criação da política de moeda e do crédito. A Comissão de

Valores Mobiliários tem o papel de aprovar a movimentação das bolsas de valores e

do mercado acionário; isso abrange gerar negócios relacionados à bolsa de valores,

proteger investidores e outras medidas.

Já o Subsistema Operativo é composto por: instituições financeiras bancárias,

Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, Sistema de Pagamentos, instituições

financeiras não bancárias, agentes especiais e Sistema de Distribuição de Títulos e

Valores Mobiliários. As instituições financeiras bancárias representam as caixas

econômicas, as cooperativas de crédito e os bancos comerciais e cooperativos. As

instituições financeiras não bancárias são as sociedades de crédito ao

microempreendedor, as companhias hipotecárias e as agências de

desenvolvimento.

A autoridade do Sistema Financeiro Nacional pode ser dividida em dois

grupos: autoridades monetárias e autoridades de apoio. As monetárias são

responsáveis por normatizar e executar as operações de fabricação de moeda. Já

as de apoio são instituições que auxiliam as autoridades monetárias na prática da

política monetária, possuindo poderes de normatização limitados a um setor

específico.

As deliberações adotadas pelo Conselho Monetário Nacional, e depois pelo

Sistema Financeiro Nacional, guardam relação com a situação da economia do país.

Suas mudanças são decisivas para o funcionamento do mercado financeiro. É

importante salientar que a bolsa de valores tem empresas, produtos e ações que se

transformam de acordo com o que é feito no Sistema Financeiro Nacional.

Além das funções mencionadas acima, vale ressaltar, ainda, que o Sistema

Financeiro Nacional, mediante a atuação de seus órgãos reguladores e

fiscalizadores, e das suas instituições operadoras, também representa o âmbito mais

apropriado para o Estado disciplinar, viabilizar e aplicar suas políticas econômicas.

40

De fato, os órgãos e as instituições públicas estatais que compõem o Sistema

Financeiro Nacional, cada um com suas respectivas competências normativas e

âmbitos técnicos de atuação, são criados para intervenção do Estado na economia,

com ações que venham a incidir nos diversos setores e mercados econômicos.69

1.5 O Sistema Financeiro e o processo de desenvolvimento

O Sistema Financeiro desempenha papel fundamental na economia moderna,

ao concentrar recursos dos poupadores e canalizá-los aos investidores, os quais

agregam mais produtos e serviços à sociedade. Quando os bancos se desviam

desse objetivo, podem ocorrer sérias consequências, como ficou muito claro na crise

ocorrida em 2008. A função dos bancos e sua intermediação financeira no

funcionamento do sistema econômico são muito importantes para o

desenvolvimento financeiro.

Uma das preocupações dos órgãos reguladores é tentar fazer com que as

instituições financeiras se tornem mais seguras, e, para tanto, são aperfeiçoados,

em escala mundial, os controles internos e de gestão de riscos.

Os bancos implantaram sofisticados sistemas de informação com a finalidade

de diminuir custos e agilizar atendimento e negócios. A quantidade e a velocidade

atual das operações executadas no mercado financeiro seriam difíceis de prever há

alguns anos. Os recursos investidos em Tecnologia da Informação (TI), durante

décadas, tornaram as instituições financeiras muito avançadas nessa área,

comparativamente a outros segmentos da economia.

Segundo Alessandra Dodl e José Barros, a teoria da intermediação financeira

está fundamentada na funcionalidade dos intermediários financeiros, o que remete à

existência de assimetria de informações nas relações estabelecidas entre tomadores

e credores dos recursos financeiros.70

O Sistema Financeiro também pode possibilitar, por meio dos bancos, com

transferências bancárias, o recolhimento de recursos dispersos pela população e o

direcionamento aos que necessitam de empréstimos.

69

GIACOMET JUNIOR, Isalino Antonio, Função normativa do Sistema Financeiro Nacional nos crimes econômicos, p. 28.

70 Desafios do Sistema Financeiro Nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 44.

41

Para Ademir Antonio Pereira Junior, a atividade dos bancos é caracterizada

pelo efeito multiplicador: uma vez que o capital é emprestado, é novamente

depositado. A capacidade dos bancos em incrementar o potencial de multiplicação

da moeda depende do desenvolvimento das instituições que os cercam quanto ao

desenvolvimento organizacional.71

A perspectiva não é só da população, mas também dos ofertantes de crédito,

que terão uma maior oferta de crédito. Com isso, o banco aumentará a reserva em

relação ao volume de depósitos.

Cabe notar que o financiamento das atividades produtivas é um aspecto muito

relevante no desenvolvimento, geralmente atribuído ao sistema bancário e ao

mercado de capitais. No caso brasileiro, a despeito do crescimento do mercado de

capitais nos últimos anos, ele ainda é restrito a grandes empresas, sendo o

financiamento bancário essencial para os setores produtivos.

Observa-se que o setor bancário no Brasil foi muito competente para

sobreviver à instabilidade, mas não se mostrou capaz de gerar o volume de crédito e

o investimento em condições razoáveis para estimular o crescimento econômico

sustentável.72

1.6 A Constituição de 1988 e o Sistema Financeiro Nacional

A Constituição de 1988 apresenta um marco divisor no Estado brasileiro,

tendo sido fundamental para a definição da nova institucionalidade.

Segundo Filomeno Moraes, a Carta Magna de 1988 consagra, a partir do seu

preâmbulo, a prevalência dos direitos fundamentais, de modo que os constituintes

proclamaram-se reunidos para instituir um Estado Democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução das controvérsias.73

71

Sistema Financeiro, desenvolvimento regional e Estado: a regulação jurídica do crédito financeiro. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013, p. 99.

72 Ibidem, p. 105.

73 A Constituição do Brasil de 1988 e a reforma política. Revista Jurídica, Brasília, v. 7, n. 72, p. 1-16, maio 2005, p. 6.

42

Verifica-se que a Constituição Federal reservou uma parte específica para

tratar do Sistema Financeiro Nacional, no seu Capítulo IV (artigo 192)74:

O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: A autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário.

75

Infelizmente, o período inflacionário e a incerteza econômica impediram que o

SFN cumprisse eficientemente a sua função.

Eros Roberto Grau trabalha a questão da liberdade, igualdade e fraternidade,

salientando que à idealização dessa questão se contrapôs a realidade do poder

econômico.76

A liberdade econômica, porque abria campo às manifestações do poder

econômico, levou à supressão da concorrência. O proprietário de uma coisa impõe

sua vontade, o poder sobre as coisas engendra um poder pessoal, e a propriedade,

assim, de mero título para dispor de objetos materiais, se converte em um título de

poder sobre pessoas e, enquanto possibilita o exercício do poder no interesse

privado, converte-se em um título de domínio.77

A igualdade, de outra parte, alcançava concreção exclusivamente no nível

formal. Cuidava-se de uma igualdade à moda e aos mais iguais. O próprio

enunciado do princípio – todos são iguais perante a lei – dá conta de sua

inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais

são reais.78

Segundo Tobias Barreto, “Liberdade, igualdade e fraternidade, três palavras

que se espantam de se acharem unidas, porque significam três coisas

reciprocamente estranhas e contraditórias, principalmente as duas primeiras”.79

74

Como já ressaltado, esse artigo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que modificou a redação do outrora polêmico artigo 192 da Carta Magna, privado de todos os seus parágrafos, incisos e alíneas.

75 MARQUES, Newton Ferreira da Silva, Estrutura e funções do Sistema Financeiro no Brasil: análises especiais sobre política monetária e dívida pública, autonomia do Banco Central e política cambial, p. 32.

76 A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 20.

77 Ibidem, loc. cit.

78 Ibidem, loc. cit.

79 Discurso em mangas de camisa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977 apud Ibidem, loc. cit.

43

Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, a Constituição de 1988 foi uma volta ao

passado. Foi conquistada com muita luta, porém não passou de uma volta

burocrática dos anos de 1930.80

As críticas do autor continuam. Ele chama a Constituição de arcaica e

burocrática ao extremo. Uma Administração Pública altamente centralizada,

hierárquica e rígida, em que toda a prioridade será dada à Administração direta em

vez da indireta. Em sua opinião, a Constituição de 1988 ignorou completamente as

novas orientações da Administração Pública.81

A sociedade brasileira percebeu que a Constituição não era instaurada e que

a descentralização havia dado espaço ao clientelismo, esse que se acentuara após

a redemocratização. Com isso, surgiu a necessidade de o Estado administrar com

eficiência as empresas e os serviços sociais, sendo instaurado um sistema jurídico

único.

Em síntese, o que se vê nos escritos de Bresser-Pereira82 é um retrocesso

burocrático. A Constituição de 1988 foi uma reação ao clientelismo que dominou o

país naqueles anos, mas também foi uma afirmação de privilégios corporativistas e

patrimonialistas incompatíveis com o ethos burocrático. Foi, além disso, uma

consequência de uma atitude defensiva da alta burocracia, que, sentindo-se acuada,

injustamente acusada, defendeu-se de forma irracional. Isso contribuiu para o

desprestígio da Administração Pública brasileira, não obstante o fato de que os

administradores públicos do país são majoritariamente competentes, honestos e

dotados de espírito público.83

Quanto ao papel do Estado, segundo Eros Roberto Grau, ele passou a ser

vigorosamente questionado desde a década de 1980. No que tange à sua

80

Bresser-Pereira diz que a transição democrática, fruto de uma dura luta de muitos e muitos anos, não proporcionou, porém, o espaço para uma verdadeira reforma da Administração Pública, uma reforma que consolidasse a reforma burocrática e transformasse a reforma desenvolvimentista em uma reforma gerencial. Pelo contrário, significará, no plano administrativo, uma volta às ideias burocráticas dos anos de 1930, e, no plano político, uma tentativa de volta ao populismo dos anos de 1950. Cf. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 173.

81 Ibidem, p. 175.

82 Para Bresser-Pereira, as qualidades, que eles demonstraram desde os anos de 1930, quando a Administração Pública profissional foi implantada no Brasil, foram um fator decisivo para o papel estratégico que o Estado desempenhou no desenvolvimento econômico brasileiro. A implantação da indústria de base nos anos de 1940 e 1950, o ajuste nos anos de 1960, o desenvolvimento da infraestrutura e a instalação da indústria de bens de capital nos anos de 1970, e novamente o ajuste e a reforma financeira nos anos de 1980, bem como a liberalização comercial nos anos de 1990, não teriam sido possíveis, não fosse a competência e o espírito público da burocracia brasileira. Cf. Ibidem, p. 178.

83 Ibidem, loc. cit.

44

redefinição, reclama a identificação de setores, indevida e injustificadamente, do

ponto de vista social, atribuídos ao setor privado. É a partir dessas verificações que

se haveria de orientar a política de privatização das empresas estatais. A política

neoliberal, também nessa matéria implementada, é incompatível com os

fundamentos do Brasil, afirmados no artigo 3º da Constituição de 1988, e com a

norma veiculada pelo seu artigo 170.84

Conforme salientam Claudio Lembo e Monica Herman Caggiano:

A ordem constitucional do regime militar possibilitava a participação direta do Estado na economia, a fim de atender a questões de segurança nacional ou organizar determinado setor econômico nascente ou frágil. Já a Constituição Econômica de 1988 afastou o Estado da posição de agente econômico ativo, só permitindo sua intervenção direta quando imperioso à segurança nacional ou quanto a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei. O Poder Público transformou-se de um gigantesco detentor das rédeas da economia em fiscal da iniciativa privada, a que deve prevalecer. A função do Estado passou a ser fiscalizadora, normativa, regulamentadora, fomentadora, incentivadora, planejadora da atividade econômica, a qual incumbe à dinâmica iniciativa privada.

85

Com a nova ordem econômica constitucional, reduziu-se o papel do Estado, e

a dinâmica do mercado fomentou a iniciativa privada, obrigando a reestruturação

estatal na economia, na função de agente do mercado.

Percebe-se, no desenvolver deste trabalho, que a Constituição de 1988 foi um

resultado das revoluções liberais, individuais, que são o marco da ascensão

burguesa.

Segue o entendimento de Ricardo Maurício Freire Soares para esse contexto:

Foram as Constituições entendidas como diplomas legislativos fundamentais, que se limitariam a descrever a estrutura do Estado e assegurar os direitos individuais dos cidadãos (vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança), sem prescrever normas que pudessem embaraçar a dinâmica natural do sistema econômico [...] o pensamento liberal considerou como princípio fundamental da constituição econômica, implícita nos textos constitucionais liberais, o princípio de que, na dúvida, se devia optar pelo mínimo de restrições aos direitos fundamentais economicamente relevantes, tais como a propriedade, a liberdade de profissão, indústria ou comércio.

86

Cumpre notar que, como o liberalismo está fincado na livre circulação da

riqueza, criou-se a imagem ilusória de que o Estado não teria necessidade de

84

A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 44. 85

Direito constitucional econômico: uma releitura da Constituição brasileira de 1988. Barueri: Minha Editora, 2007, p. 38.

86 A ordem constitucional econômica: balanço dos 20 anos de vigência da Constituição brasileira de 1988. Portal Ciclo, [S.l.], 2015, p. 3. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/ files/anexos/33406-42914-1-PB.pdf>. Acesso em: 10 maio 2015.

45

intervir no mercado. Isso se agravou no início do século XX, devido aos diversos

problemas sociais causados pelo sistema capitalista.

A reação veio dos liberais, que visavam a acabar com as injustiças causadas

pelo sistema capitalista. Surgiu, então, a ingerência do Estado Social (Welfare

State).

No entendimento de Norberto Bobbio, a crise do liberalismo gerou o

nascimento do Estado interventivo, cada vez mais envolvido no financiamento e na

administração de programas de seguro social, pelo que as primeiras formas de

Welfare State buscavam contrapor-se ao socialismo real, dando origem a formas

singulares de política econômica que modificaram a fisionomia capitalista do Estado

contemporâneo.87

87

Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Ed. da UnB, 2008 apud SOARES, Ricardo Maurício Freire, A ordem constitucional econômica: balanço dos 20 anos de vigência da Constituição brasileira de 1988, p. 3.

46

2 BANCOS CENTRAIS E SUA MISSÃO INSTITUCIONAL

O assunto em destaque neste capítulo é objeto de grandes discussões,

devido ao fato de os Bancos Centrais estarem no cerne do setor financeiro, com o

objetivo de conduzir a política monetária dos países. De maneira geral, os bancos

são intermediários financeiros que atingem a massa, constituindo elementos

essenciais na estrutura econômica do Estado.

Rosa Maria Lastra afirma que existem dois grandes dilemas na atividade dos

Bancos Centrais hoje em dia. O primeiro é o relacionamento entre o Banco Central e

o governo. De que maneira é possível melhor desenhar um Banco Central para

servir às necessidades econômicas e sociais em vez de estar direcionado aos

interesses políticos? Em segundo lugar, está a relação do Banco Central com outras

agências reguladoras de bancos e sistemas bancários. Diante disso, Lastra defende

a necessidade de uma independência transparente do Banco Central para prevenir o

abuso político dos seus poderes e as arbitrariedades no exercício de políticas

discricionárias.88

2.1 Bancos Centrais

A construção da estabilidade macroeconômica no Brasil está vinculada à

autonomia operacional do BACEN, a partir da efetiva atribuição de sua liberdade de

atuação. Nesse sentido, espelhar-se na atuação de outros Bancos Centrais que já

possuem experiência de uma autonomia e estabilidade financeira pode acrescentar

significativamente para que o Banco Central do Brasil possa contribuir para o bem-

estar social do país.

A seguir, serão analisados os maiores representativos Bancos Centrais do

mundo, quais sejam: Federal Reserve System, Banco Central Europeu, Banco

Federal da Alemanha, Banco Nacional da Suíça, Banco da Inglaterra, Banco de

Reservas da Nova Zelândia e Banco Central do Chile.

88

Banco Central e regulação bancária. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 2000, p. 17.

47

2.1.1 O Federal Reserve System, dos Estados Unidos

O Federal Reserve System (FED) possui uma estrutura diferenciada das

demais instituições do gênero, pois, na verdade, não é um Banco Central

propriamente dito, mas sim um complexo de instituições financeiras, que, de acordo

com as atividades a elas atribuídas, atuam exercendo as funções típicas de Banco

Central.

O FED foi estruturado de maneira pulverizada, e conta com unidades

divididas por regiões geográficas nos Estados Unidos. Essa formação, não por

acaso, possibilita maior proximidade com a realidade de cada região geográfica do

país, permitindo um maior conhecimento das necessidades, dos problemas e dos

anseios específicos de cada uma delas.

Atualmente, o FED é composto pelo Board of Governors, sediado em

Washington, D.C. e constituído por sete membros indicados pelo presidente e

confirmados pelo Senado, e por mais 12 Reserve Banks, regionais que funcionam

como extensões do FED. Em conjunto, o Board of Governors e os Reserve Banks

dividem a responsabilidade de supervisionar e regular as atividades desempenhadas

pelas instituições financeiras dos estados norte-americanos e de assegurar que os

consumidores recebam informações e tratamento adequados sobre o sistema

bancário.89

O principal órgão componente do FED é o Federal Open Market Committee

(FOMC), composto por membros do Board of Governors, pelo presidente do

Reserve Bank de Nova Iorque e por quatro presidentes de outros Reserve Banks

que se revezam entre os 11 restantes. O FOMC supervisiona as operações no open

market – a principal ferramenta do FED para influenciar as condições monetárias e

creditícias do país.

89

Tim Hindle apresenta, de forma detalhada, a estrutura do FED: “É o guardião do valor do dólar. O FED é o órgão regulador dos bancos nos Estados Unidos e também o controlador do fornecimento de moeda circulante. Ele funciona mediante 12 bancos de reserva federais regionais espalhados pelo território americano. Cada um é propriedade de bancos da região, tendo nove diretores em cada regional exercendo mandatos de três anos. No topo do sistema está o Conselho da Reserva Federal (Federal Reserve Board), composto por sete membros e que tem sede em Washington, D.C. Esses membros são nomeados pelo presidente dos EUA [Estados Unidos da América] com mandato de 14 anos, período muito longo para pessoas que raramente são jovens quando iniciam a função. O FED executa o papel de banco central com responsabilidade sobre questões monetárias comuns e moeda estrangeira (FOREIGN EXCHANCE). Além disso, ele supervisiona as Companhias controladoras dos bancos americanos. Na prática ele fiscaliza os bancos americanos, dos quais é o último refúgio para empréstimos”. Cf. Tudo sobre finanças. São Paulo: Nobel, 2002, p. 91.

48

Segundo Florinda Figueiredo Borges, o FED possui, em sua estrutura, alguns

comitês consultivos, sendo os principais: (i) o Federal Advisory Counsil, composto

por 12 representantes do sistema bancário, que se reúnem quatro vezes ao ano e

assessoram o FED em todos os temas que versam sobre o Sistema Financeiro dos

Estados Unidos; (ii) o Consumer Advisory Council, representativo dos interesses dos

consumidores, que se reúne três vezes ao ano, em reuniões abertas ao público em

geral, para aconselhar o Board a respeito das matérias que envolvem os

consumidores e os serviços financeiros a eles prestados; e (iii) o Thrift Institutions

Advisory Council, que se reúne três vezes ao ano para obter informações e opiniões

das instituições de crédito.90

Fundado em 1913, o FED possui os seguintes parâmetros de atuação: (i)

conduzir a política monetária, influenciando as condições tanto monetária quanto de

crédito para buscar o pleno emprego, a estabilidade de preços e taxas de juros de

longo prazo em níveis moderados; (ii) supervisionar e regular as instituições

bancárias para assegurar a higidez do sistema bancário e financeiro e proteger os

direitos de crédito dos consumidores; e (iii) manter a estabilidade do Sistema

Financeiro para instituições depositárias, para o governo norte-americano e para

instituições estrangeiras oficiais, inclusive desempenhando papel ativo no sistema

de pagamento da nação.91

Quanto à sua autonomia, entende-se que o processo de independência

ocorreu de forma natural. Em 1913, já havia menção em seus estatutos, todavia,

muitos defendem que tal independência era muito mais relacionada com a Wall

Street do que com o governo norte-americano. Na verdade, a questão sobre o FED

poder ou não ser considerado independente é polêmica: é necessário levar em

conta os critérios adotados para essa avaliação, devido à sua estrutura diferenciada

e ao comportamento, ora mais, ora menos independente adotado pelo seu corpo

diretivo.

90

Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetárias e creditícia, p. 102.

91 De acordo com Rosa Maria Lastra, “O sistema de poderes do FED abrange uma variedade de objetivos sem ordem de classificação explícita: estabilidade de crescimento econômico, pleno emprego, preços estáveis e solidez dos sistemas financeiro e de pagamento. Essa falta de prioridades explícitas significa que o FED pode frequentemente ser desafiado na avaliação de desempenho, quando suas decisões não satisfazem certos setores públicos ou parte do Congresso. O banco central que pode escolher entre metas potencialmente conflitantes deve ser responsabilizado por escolher entre metas potencialmente conflitantes e deve ser responsabilizado por escolher a meta errada ou o conjunto de metas erradas”. Cf. Banco Central e regulação bancária, p. 17.

49

De todo modo, pode-se dizer que o FED vem desempenhando as suas

atividades de forma autônoma, mas coordenada com as diretrizes traçadas pelo

governo, já que as suas decisões não são ratificadas pelo presidente nem por outro

órgão do governo norte-americano, contudo, estão sob o permanente controle do

Congresso.

Neste ponto, cabe destacar que o FED, pela estrutura que o conforma, denota

um positivo grau de proximidade com a sociedade. Além de estar dividido em

unidades regionais que se reportam a um centro de poder, conforme visto, é

assessorado por comitês consultivos especializados em determinados assuntos

considerados relevantes.

Esses comitês são compostos por membros da sociedade,92 que pertencem

às classes de pessoas afetadas diretamente por sua atuação. Assim sendo, não há

dúvidas de que, nessa estrutura, o controle e a prestação de contas tendem a ser

mais eficazes.

2.1.2 O Banco Central Europeu

O Banco Central Europeu possui uma estrutura bastante específica e recente.

Suas características ainda estão sendo postas à prova, entretanto, ele vem

modificando o conceito de autoridade monetária internacional.

Conhecido como BCE, o Banco Central Europeu foi criado em janeiro de

1999, quando 11 países europeus abandonaram suas moedas nacionais e adotaram

o euro como moeda comum, colocando a política monetária conjunta nas mãos

dessa instituição. Tornou-se, nesse momento, de maneira instantânea, uma

instituição extremamente importante: embora nenhuma nação europeia tenha uma

economia que seja próxima da economia dos Estados Unidos, o conjunto das

economias da Zona do Euro, o grupo de países que adotou o euro como moeda,

92

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa ilustra que há uma acentuada preocupação com a transparência do sistema perante a sociedade, devendo a junta de governadores, a esse propósito, publicar, semanalmente, informações sobre a situação de cada banco federal de reserva, isoladamente e de forma consolidada sobre todos eles. Tais documentos devem demonstrar, pormenorizadamente, a composição do ativo e do passivo dos bancos federais de reserva, individual e de forma consolidada, e fornecer plenas informações sobre as reservas disponíveis e a natureza e vencimento dos títulos e outros investimentos de tais instituições. Cf. Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 212.

50

tem, aproximadamente, o mesmo tamanho que a economia dos Estados Unidos.

Como consequência, o BCE e o FED são os dois gigantes do mundo monetário.93

É importante observar que os países da Europa, desde a instituição do

padrão-ouro, quando surgiram os primeiros Bancos Centrais, procuram articular-se

para proporcionar certa uniformidade no que tange à condução da política externa. A

busca por uma atuação coordenada, e muitas vezes até protecionista, dos Estados

nacionais europeus parece mesmo uma história antiga.

As inúmeras guerras enfrentadas pelo continente possuem, sem dúvida, um

conteúdo de disputa pelo poder, pela hegemonia e pela liderança, especialmente no

que tange à Inglaterra, França e Alemanha. Com efeito, a União Europeia

possibilitou que, juntas, essas potências alcançassem aquilo que sozinhas não

conseguiriam: enfrentar em pé a consolidação do imperialismo, germinado com a

eclosão da Segunda Guerra Mundial e fertilizado com a adoção da paridade do

dólar, do ouro e, posteriormente, o padrão-dólar como padrão mundial.94

Assim, a Europa, para se proteger das crises econômicas em meio à

globalização, e não ficar para trás dos Estados Unidos, a partir da segunda metade

do século passado, integrou-se para se fortalecer.

Essa estrutura é resultado de um longo e paulatino processo de integração e

maturação de ideias, e vem logrando sucesso desde os primeiros estágios de sua

formação até os dias de hoje, em que a moeda única, o euro, circula pelos países

que a adotaram, com uma política monetária emanada do organismo supranacional

mais bem-sucedido de nossa era, a União Europeia, instituído pela assinatura do

Tratado da União Europeia (TUE), em Maastricht, em 1992.95

Florinda Figueiredo Borges enfatiza que, após a assinatura do referido

Tratado, foi possível identificar três fases distintas de evolução pela qual passou a

93

KRUGMAN, Paul; WELL, Robin. Macroeconomia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. 102. 94

BORGES, Florinda Figueiredo, Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetária e creditícia, p. 103.

95 O Tratado sobre a União Europeia (TUE), firmado em Maastricht, em 17 de fevereiro de 1992, e que entrou em vigor em 1º de novembro de 1993, instaurou uma nova etapa no processo de criação de uma união mais estreita entre os Estados europeus. Seus principais objetivos são a criação de um espaço sem fronteiras internas, com o reforço da coalisão econômica e social e a instauração de uma união econômica e monetária. Visa, ainda, ao desenvolvimento de estreita cooperação nos setores de justiça e dos negócios internos, além de uma atuação de política externa e de segurança comum, incluindo uma possível defesa comum dos Estados-membros. Cf. VILLATORE, Marco Antonio Cesar. Direito Internacional do trabalho. Curitiba: Iesde, 2011, p. 32.

51

União Europeia.96 A primeira delas, entre 1990 e 1993, caracterizou-se pela

constituição de um mercado único europeu, possibilitando a livre circulação de

pessoas, mercadorias, capital e serviços na Europa. A segunda fase teve início com

a criação do Instituto Monetário Europeu e durou de 1994 a 1998. Trata-se do

período mais decisivo na formação do Bloco, tendo em vista que possibilitou a real

integração e a equiparação econômica entre os países, e foi dedicada aos

preparativos técnicos para a moeda única e ao reforço da uniformidade das políticas

monetárias dos Estados-membros. A terceira e última fase iniciou-se em 1999, com

a fixação das taxas de câmbio, a transferência da responsabilidade pela política

monetária dos Bancos Centrais nacionais para o Banco Central Europeu e,

finalmente, com o euro passando a ter um curso legal em 1º de janeiro de 2002.

Com a evolução do sistema, o número de países integrantes também cresceu

gradualmente, à medida que as etapas evolutivas do projeto foram tomando corpo e

ganhando credibilidade. Essa adesão em massa das nações europeias,

especialmente da Europa Oriental, teve de ocorrer de forma equilibrada, a fim de

não gerar desestabilizações para o Bloco. Nesse sentido, foram estatuídos os

critérios de Copenhagen, os quais propunham um sistema de convergência hábil a

determinar se os países estariam ou não prontos para ingressar na União Europeia,

passando à próxima fase.

No que tange às estratégias econômicas do Bloco, existe o Sistema Europeu

de Bancos Centrais (SEBC), composto pelo Banco Central Europeu e pelos Bancos

Centrais de todos os Estados-Membros. Como nem todos os Estados-membros

adotam a moeda única, o Conselho do BCE cunhou o termo Eurosistema para

descrever o modo como o SEBC executa as suas funções dentro da área do euro. O

Eurosistema é assim composto pelo BCE e pelos Bancos Centrais dos Estados-

membros que adotam o euro. Em virtude de disposições do TCE (artigo 122), dos

Estatutos (artigo 43) e dos Protocolos anexos ao TCE (Protocolo 25, relativo a certas

disposições relacionadas com Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, e

Protocolo 26, referente a certas disposições respeitantes à Dinamarca, ambos de

1992), várias menções ao SEBC e aos Estados-membros da União Europeia devem

96

Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetárias e creditícia, p. 106.

52

ser entendidas como se fossem, respectivamente, ao Eurosistema e aos Estados-

membros que adotam a moeda única.97

O objetivo primordial do Eurosistema é manter a estabilidade de preços, tal

como definido no artigo 105 do Tratado. Deve, também, apoiar as políticas

econômicas gerais da Comunidade Europeia.

Além disso, o TUE impõe que o Banco Central do respectivo país seja

independente. Nesse sentido, ao exercer as funções relacionadas com o

Eurosistema, o BCE não deve solicitar ou receber instruções de instituições ou

organismos comunitários, dos governos dos Estados-membros ou de qualquer outra

entidade.

No momento de definição e execução das políticas monetárias, o Eurosistema

é também independente. O BCE está autorizado a decidir autonomamente como e

quando utilizar os mecanismos hábeis a conduzir a política monetária, de acordo

com os objetivos estabelecidos para a economia do SEBC. Por fim, não é permitido

ao Eurosistema conceder empréstimos a organismos comunitários ou a entidades

do setor público nacional, pois isso poderia interferir e comprometer o seu acordo

com a independência.

De todo o exposto, no que tange ao Banco Central Europeu, verifica-se que a

estrutura supranacional gerada pela política financeira para fortalecer os países

membros da União Europeia é bastante diferenciada e passa por uma fase de

testes. Não é possível, ainda, afirmar que seus objetivos serão completamente

atingidos, tampouco que todos os países permanecerão aderentes a tal estrutura,

mesmo quando frontalmente os comandos supranacionais desagradarem seus

interesses e necessidades.

A verdade é que, em larga medida, os países integrantes da União Europeia

abriram mão de sua soberania em troca de promessa de incremento nas atividades

comerciais, do desenvolvimento e, também, da proteção de uma entidade política

mais forte e respeitada no cenário internacional. Isso porque, somente unidos, os

países da Europa poderiam concorrer em pé de igualdade com a potência norte-

americana.

97

VALERIO, Alexandre Scigliano. Direitos do Bloco de Integração: contribuição para uma teoria geral e para uma crítica com base nos princípios fundamentais da União Europeia. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013, p. 174.

53

Portanto, a partir do momento em que decidiram se unir, esses países

assumiram o ônus de agir de acordo com as determinações superiores, e de forma

coordenada, tendo deixado de possuir todas as características definidoras do Estado

Moderno como o conhecemos, uma vez que não têm mais liberdade para escolher

os seus próximos passos conforme suas necessidades e peculiaridades, a não ser

de forma coordenada com todos os outros membros.

2.1.3 O Banco Federal da Alemanha

Com o término da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tentou organizar um

sistema bancário centralizado, no qual pudesse exercer um controle monetário livre

das interferências desestabilizadoras da política, adotando um modelo bastante

semelhante ao FED norte-americano, com a criação de bancos regionais

independentes.

No ano de 1957, foi estabelecido por lei o Deutsche Bundesbank, o qual

substituiu o sistema introduzido pelo governo militar pós-Guerra, concebido como

uma instituição centralizada, na qual se integraram os 11 Bancos Centrais regionais,

com poderes independentes na área administrativa.

A constituição legal do Bundesbank assegura estritamente a autonomia tanto

institucional quanto funcional, conferindo-lhe independência do governo para o

exercício de suas funções. Seu capital é totalmente subscrito pelo governo e sua

autonomia é assegurada por lei. É exigido que ele dê suporte à política econômica

do governo federal, desde que isso não interfira na sua função de salvaguarda da

moeda.

Sobre a estrutura, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa explica que o

Bundesbank apresenta a seguinte conformação: a) Diretoria, b) Conselho Central, e

c) Bancos Centrais regionais, contando com a colaboração meramente consultiva

dos ministros do Estado. Quanto à sua administração, vale notar que é formada pelo

presidente e seu suplente, ao lado da Diretoria. Paralelamente, colocam-se os

presidentes dos 11 Bancos Centrais regionais, todos com poder de voto. Os

membros da Diretoria, incluindo o presidente e o vice-presidente, são indicados pelo

governo federal e nomeados pelo presidente da República, para o exercício de um

54

mandato de oito anos ou, excepcionalmente, para períodos menores de dois anos,

podendo ser reeleitos.98

No Conselho Central do Bundesbank, o poder federal está representado por

presidente, vice-presidente e diretores, enquanto a representação regional fica a

cargo dos presidentes dos Bancos Centrais regionais, inexistindo subordinação

hierárquica entre eles.

Dessa forma, percebe-se que a lei que rege o Banco Central alemão tem o

cuidado de proibir que o governo indique, de forma direta, a maioria dos membros

do Conselho da instituição.

Dentre as tarefas do Bundesbank, vale citar uma fundamental, que consiste

em salvaguardar a moeda, regulando a quantidade em circulação e a oferta de

crédito no sistema econômico.

Verçosa entende que o elevado grau de independência do Banco Central

alemão estaria baseado no consenso geral da sociedade alemã, que deposita

elevada confiança nas políticas econômica e monetária ali praticadas. Em última

análise, o Bundesbank seria o responsável perante o público alemão, em favor do

qual desenvolve uma política de ativa e aberta informação, que dá suporte para a

confiança nele depositada.99

O consenso geral da sociedade se justifica devido ao relacionamento e à

seriedade com o público alemão, por meio de publicações, conferências de

imprensa e palestras realizadas pelos membros da Diretoria.

2.1.4 O Banco Nacional da Suíça

Foi em 1907 que a Suíça teve o apoio político necessário para criação de um

Banco Central.

Nessa seara, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa salienta:

O Banco Nacional da Suíça foi constituído na forma de uma companhia com capital de cinquenta milhões de francos suíços, adquiridos pelos cantões, pelos Estados locais, pelos bancos cantonais e pelo público: de uma maneira geral, cidadãos suíços e entidades legais exclusivamente suíças, mantendo-se registro de propriedade dos títulos para o fim do controle da nacionalidade dos seus proprietários. O governo federal foi proibido de possuir ações daquele banco. Uma parte de seu lucro (até 2% do capital) é destinada a formar um fundo de reserva. Outra parte é dividida entre os

98

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 282.

99 Ibidem, p. 289.

55

cantões e os acionistas e, finalmente, o restando permanece aplicado como reservas para o fim de compensar as perdas cambiais com relação às reservas em moeda estrangeira.

100

Quanto à independência com relação aos interesses individualizados, sua

atuação não deve servir aos objetivos de determinadas regiões, grupos ou setores

econômicos, e menos ainda do setor público, não se envolvendo com questões

políticas, sejam elas de níveis regionais ou nacionais.

O Banco Nacional da Suíça pratica uma política monetária objetivadora,

buscando a estabilidade monetária, da qual decorre a manutenção dos preços,

fazendo com que os setores econômicos exerçam atividades dentro de um quadro

positivo para decisões mais seguras. Atua ainda nos mercados de câmbio e aberto,

com a compra e venda de títulos.

O Conselho Federal do Banco nomeia o presidente e o vice-presidente. Após

a nomeação, é realizada uma assembleia dos acionistas, que elegem 15 membros

do Conselho. O Conselho Federal escolhe os restantes 25 membros, a fim de ter

representatividade regional e econômica. Dentre os escolhidos, apenas cinco podem

pertencer ao Parlamento Federal.

O Banco Nacional da Suíça é independente, existindo coordenação em sua

atuação entre instituição e governo federal em diversos níveis. Trata-se de um

banco transparente perante a sociedade, sendo estabelecidas pelo sistema

auditorias vigentes de natureza interna e externa.

2.1.5 O Banco da Inglaterra

O Banco da Inglaterra teve a sua criação em 1694, como instituição de

natureza privada, com o objetivo determinado de financiar a guerra contra a França.

No decorrer da história, obteve o monopólio da emissão de moeda e tornou-se o

banqueiro do governo e seu contador.

Segundo narra Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:

[...] foi no final do século XIX que o Banco Central inglês deixou de operar como banco comercial e passou a exercer o papel de banco dos bancos, época em que iniciou o controle da taxa de juros [...] Em 1946, foi nacionalizado e em 1979 obteve o poder de fiscalizar os bancos e outras instituições financeiras em todo o Reino Unido.

101

100

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 290.

101 Ibidem, p. 296.

56

Como tem sido possível notar, a constituição dos Bancos Centrais europeus é

parecida. O Banco da Inglaterra é administrado por uma Junta, composta por um

governador, um vice-governador e 16 diretores nomeados pela Coroa. Desses

diretores, quatro são executivos, trabalhando em regime de dedicação integral. Os

outros 12 se originam dos bancos comerciais, da indústria e do meio acadêmico. Os

seus administradores são designados pela Coroa.

Dentre as suas funções, está a de fazer empréstimos diretos de curto prazo

ao Tesouro, para a cobertura de despesas orçamentárias correntes. Procura-se

estabelecer metas monetárias determinadas pelo período de três anos,

acompanhando-se o crescimento monetário e o fiscal, bem como os gastos do

governo, aos quais é dado grande relevo, de maneira a impedir-se o excessivo

crescimento financeiro. Ainda atua como caixa do governo, recebendo impostos e

fazendo o pagamento do seguro social, utilizando-se, para isso, da rede de bancos

do país. As negociações da moeda estrangeira e de ouro são feitas por meio da

movimentação de contas do governo.

Verçosa ilustra que existe autonomia do Banco quanto ao controle

governamental, mas que há uma estreita harmonia entre ele e o Tesouro, pois a

orientação financeira do governo depende das condições financeiras gerais. Assim,

o Banco não deixa de consultar o Tesouro sobre a política do governo, havendo

inevitável influência recíproca entre ambos.102

Outro aspecto importante no que tange à autonomia está na designação dos

seus administradores para o cumprimento de mandatos por prazo determinado. A

autonomia se completa em sua liberdade quanto ao seu quadro de pessoal, nas

contratações ou demissões.

2.1.6 O Banco de Reservas da Nova Zelândia

O Banco Central da Nova Zelândia (Reserve Bank of New Zeland) é apontado

como um modelo a ser seguido por vários países que ainda não tenham instituição

do gênero ou que desejem aperfeiçoar a que já existe.

Leandro Amaral Matta, citando The Economist, apresenta a Nova Zelândia

como a pioneira a adotar metas inflacionárias, em 1990, seguida por Canadá,

102

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 306.

57

Finlândia, Inglaterra e Suécia, países esses que acreditaram que o regime funcionou

como um regime bem-sucedido, contribuindo para a redução da inflação a níveis

que, de outro modo, não teriam sido atingidos.103

Sem precisão na definição de alternativas, o governo da Nova Zelândia, até o

período entre 1982 e 1984, mantinha uma relação com importância relativa nas

políticas de governo, sem direcionar qual seria a estratégia para alcançar a

estabilidade da moeda. Para Patrick Downes e Reza Vaez-Zadeh, o governo e a

autoridade monetária optavam, em conjunto, por bem-estar social, desenvolvimento,

promoção (crescimento) de mercado, produção, pleno emprego e manutenção de

preços estáveis no mercado interno.104

A administração do Banco Central neozelandês cabe a um governado, a um

ou dois vice-governadores e a uma Junta de Diretores. O governador é indicado pela

Junta de Diretores e nomeado pelo ministro da Fazenda, ocupando,

concomitantemente, o cargo de presidente executivo daquele órgão. Compete ao

governador assegurar que o Banco exerça efetivamente as funções que lhe foram

destinadas pelo seu estatuto, devendo agir com autoridade própria em todos os

casos quanto aos quais não haja matérias reservadas à competência da Junta de

Diretores.105

A principal função do Banco da Nova Zelândia corresponde à formulação e

execução da política monetária, com o objetivo de alcançar e manter a estabilidade

do nível de preços.

Nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:

O interesse primordial em manter-se a atuação daquele banco central na perseguição da estabilidade dos preços, por via da formulação e execução da política monetária, somente admite, como exceção, justamente a possibilidade de adequação daquele objetivo à necessidade do atendimento de políticas econômicas específicas a cargo do Estado, consideradas suficientemente importantes e justificadoras da quebra da regra geral.

106

O Banco Central neozelandês é obrigado a informar periodicamente o

ministro da Fazenda sobre os sistemas de taxas de câmbio, a administração das

103

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda. 2002. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2002, p. 31.

104 The evolving role of Central Banks. Washington: International Monetary Fund, 1991 apud Ibidem, p. 73.

105 Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 346.

106 Ibidem, p. 348.

58

reservas correspondentes às operações e outros assuntos relacionados com o

mercado de câmbio.

O Banco é favorecido com o monopólio da emissão de moeda, inclusive sob o

seu aspecto formal, sendo responsável por cancelar a emissão, fazendo certos

volumes de moeda perderem o seu curso legal.

É, ainda, responsável pela supervisão das instituições financeiras

autorizadas, a fim de manter um sólido e eficiente Sistema Financeiro. Seu papel se

inicia com o registro dos bancos, acompanhando os mesmos, inclusive na questão

de prestação pública das instituições.

Sob a ótica da independência do Banco, é ela alçada pelas regras sobre a

nomeação e a demissão dos seus administradores, respeitando a execução da

política monetária, tendo o seu estatuto procurado criar um sistema de equilíbrio

entre os interesses do governo.

2.1.7 O Banco Central do Chile

O Chile, em 1980, e as Filipinas, em 1987, estão entre os poucos países que

constitucionalizaram a independência de seus Bancos Centrais. A maioria das

nações opta por outorgar independência a seus Bancos Centrais por meio de leis.

Luiz Carlos Bresser-Pereira apresenta o Banco Central chileno, que, em

1989, sofreu uma reforma que reduziu a taxa da inflação de maneira significativa.

Muitos analistas chilenos vinculam esse resultado à independência do Banco

Central. Atualmente, o Banco Central chileno goza de grande credibilidade, a qual

não foi obtida automaticamente, ao ser assinado o decreto-lei de sua autonomia,

mas sim em 1990, quando a taxa de inflação chilena anual chegou a 2,3%, e o

Banco Central decidiu implementar, de modo explícito, a partir de dezembro de

2000, uma política associada à meta de inflação, que varia entre 2% e 4%,

centrando-se em 3% por um prazo de 12 a 24 meses. O Banco Central aplica a

política monetária sempre que há a possibilidade de a taxa de inflação se desviar da

meta estabelecida. A ideia implícita é que essa meta de inflação funcione como uma

âncora permanente da política monetária.107

107

Nação, câmbio e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2008, p. 298.

59

O seu objetivo legal resume-se no cuidado com a estabilidade da moeda e no

funcionamento dos pagamentos internos e externos. Assim, a instituição deverá

regular a quantidade de dinheiro em circulação, o crédito e a execução das

operações internacionais, estabelecendo normas em matéria monetária, creditícia,

financeira e de câmbio.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, por sua vez, explica que a administração

do Banco fica a cargo de um Conselho Central, constituído por cinco membros,

designados pelo presidente da República, com prévia aprovação dos seus nomes

pelo Senado. Os conselheiros são nomeados para exercício de mandatos de 10

anos, renováveis parcialmente a cada dois anos, podendo ser reeleitos. O

presidente do Banco é escolhido pelo presidente da República, entre os membros do

Conselho Central, devendo exercer um mandato de cinco anos, ou aquele que

corresponder ao seu tempo restante como conselheiro, facultada a sua reeleição.108

Dentre as funções do Banco Central chileno, estão: (i) abrir linhas de crédito

em benefício de instituições financeiras em geral; (ii) fixar as bases dos

recolhimentos compulsórios; (iii) negociar com títulos próprios e de instituições

financeiras; (iv) receber recursos em moeda nacional ou estrangeira; (v) emitir

títulos; (vi) operar mercado aberto; e (vii) fixar as taxas de juros.

2.2 Banco Central do Brasil e sua origem

É de grande importância para o entendimento do Banco Central do Brasil a

apresentação dos Bancos Centrais de outros países, como se deu nas subseções

anteriores. Neste momento, a ênfase do estudo será, exclusivamente, no BACEN.

O BACEN é uma autarquia federal constituída com recursos próprios, que

integra o Sistema Financeiro Nacional. Ele está ligado ao Ministério da Fazenda do

Brasil e é a autoridade monetária principal do país. Trata-se de uma entidade

autônoma, descentralizada, que auxilia a Administração Pública e se sujeita à

fiscalização e à tutela do Estado.

Nas palavras de Antonio José Maristello Porto, Antonio Porto Gonçalves e

Patricia Regina Pinheiro Sampaio:

108

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 353.

60

A criação do Banco Central do Brasil (BACEN) ocorreu em 31 de dezembro de 1964 com o Decreto-Lei n. 4.595. A iniciativa do Brasil na criação de seu Banco Central foi tardia, realizada há apenas 46 anos. O primeiro país a adotar a instituição foi a Inglaterra, em 1694. Os principais objetivos dessa criação foram os seguintes

109: 1) zelar pela adequada liquidez da economia;

2) manter as reservas internacionais do País, em nível adequado; 3) estimular a formação de poupança em níveis adequados às necessidades de investimento do país; e 4) zelar pela estabilidade e promover o permanente aperfeiçoamento do Sistema Financeiro Nacional.

110

Antes da criação do Banco Central, a Superintendência da Moeda e do

Crédito (SUMOC) exercia o controle monetário, o Banco do Brasil desempenhava as

funções de banco do governo e o Tesouro Nacional emitia o papel-moeda. A

SUMOC era responsável pelo controle monetário e por preparar a organização de

um Banco Central, e, dessa maneira, deveria supervisionar a atuação dos bancos

comerciais, orientar a política cambial etc.

De acordo com Leandro Amaral Matta, em 31 de dezembro de 1964, foi

promulgada a Lei nº 4.595, extinguindo a SUMOC, que desempenhava as funções

de autoridade monetária. A SUMOC foi criada em 1945 para ser o embrião de um

Banco Central no país. A lei também promulgou a criação do Conselho Monetário

Nacional (CMN) como órgão formulador de políticas econômicas e do BACEN como

o órgão executor e fiscalizador dessas políticas.111

Com a Reforma Monetária de 1964, a configuração da estrutura das

autoridades monetárias mudou. O Banco Central substituiu a SUMOC, com todas as

suas atribuições, e, para substituir o Conselho da mesma, criou-se o CMN. A

emissão de moeda ficou sob a inteira responsabilidade do Banco Central, assim

como as operações de crédito ao Tesouro, que seriam feitas por meio da aquisição

de títulos por ele emitidos.

Em 1985, iniciou-se um processo de reordenamento financeiro do setor

público, com o objetivo de tornar as suas contas mais transparentes e controláveis.

O reordenamento se deu com a separação das contas e das funções do Banco

Central, do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional. Em 1986, o fornecimento de

recursos do Banco Central ao Banco do Brasil passou a ser claramente identificado

109

Outros autores defendem esses mesmos objetivos para a criação do BACEN, como, por exemplo, Vicente Bagnoli (Cf. Direito econômico, p. 148), porém, neste trabalho, a ênfase encontra-se no fato de que o Banco Central também promove o pleno emprego, havendo, inclusive, adiante, uma subseção abordando esse tema.

110 Regulação financeira para advogados. Rio de Janeiro: Elsevier; Ed. da FGV, 2012, p. 69.

111 Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 7.

61

nos orçamentos das duas instituições e foi extinta a conta movimento do Banco do

Brasil.

Vale notar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu regras

importantes para a atuação do Banco Central, já que foi criado o orçamento das

operações de crédito, fazendo com que a referida instituição perdesse a sua função

de fomento. A seguir, ver-se-á um pouco mais sobre o Banco Central após a

Constituição de 1988.

2.2.1 O BACEN após a Constituição de 1988 e suas funções

Depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, ficaram bem

definidas as funções do Banco Central do Brasil.

A função principal de um Banco Central é administrar a política econômica do

país, assim como garantir a estabilidade e o poder de compra da moeda, definindo

também as taxas de juros e câmbio, e regulamentando o Sistema Financeiro.

Hoje podemos relacionar suas competências como sendo as seguintes: 1) a emissão de dinheiro seja em papel ou em moeda metálica; 2) efetivação dos serviços de meio circulante; 3) recolhimentos compulsórios dos bancos comerciais; 4) cumprir operações de desconto e empréstimos de assistências à liquidez as instituições financeiras; 5) ajustar a execução dos serviços de compensação dos cheques e dos outros papéis; 6) executar operações de compra e venda de títulos públicos federais (política monetária); 7) autorizar, normatizar, fiscalizar e intervir nas instituições financeiras; e 8) controlar o fluxo de capitais estrangeiros, garantindo o correto funcionamento do mercado cambial.

112

Cabe também ao Banco Central acompanhar as práticas adotadas pelos

participantes do mercado, com estudos e análises sobre o comportamento e as

tendências dos seguimentos livres e flutuantes, assim como monitorar as operações

de câmbio do país, para medir acordos irregulares, orientando a atuação dos

agentes de mercado.

Outras competências atribuídas ao BACEN são: conduzir os processos

administrativos instaurados contra pessoas física e jurídica que praticam desvios

com operações de câmbio, aprimorar as normas do mercado de câmbio e revisar

constantemente as matérias já regulamentadas para assegurar a adequação e a

modernidade das práticas adotadas pelas instituições que operam no mercado.

112

PORTO, Antonio José Maristello; GONÇALVES, Antonio Porto; SAMPAIO, Patricia Regina Pinheiro, Regulação financeira para advogados, p. 72.

62

Gustavo Franco ressalta que existem dois tipos de funções que também

cabem ao Banco Central:

As autoridades monetárias devem cumprir duas funções: uma função macro, que é a de administrar a moeda, no sentido de controlar sua emissão e a taxa de juros; a segunda é uma função micro, qual seja, a de cuidar da saúde do sistema financeiro. Historicamente, a função micro tem prevalecido, sendo esta a que explica a própria criação de Bancos Centrais hoje com autonomia operacional, como o Federal Reserve dos Estados Unidos. A função de emprestador de última instância é uma das mais importantes do Banco Central, e a noção, por parte das instituições financeiras.

113

Segundo Tatiane Antonoviz, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu

dispositivos importantes para a atuação do Banco Central, dentre os quais se

destacam o exercício exclusivo da competência da União para emitir moeda e a

exigência de aprovação prévia pelo Senado Federal, em votação secreta, após

arguição pública, dos nomes indicados pelo presidente da República para os cargos

de presidente e de diretores da instituição. Além disso, a Constituição Federal vedou

ao Banco Central a concessão direta ou indireta de empréstimos ao Tesouro

Nacional.114

De acordo com Leandro Amaral Matta, o fim da hiperinflação, em 1994,

impulsionou a adoção, por parte do BACEN, que ficou numa posição privilegiada, da

implementação de pacotes de socorro às instituições privadas e estaduais, pacotes

esses que, em troca de assistência financeira, exigiam reformas, visando a adaptá-

las a uma economia com baixos patamares inflacionários.115 O BACEN criou o

Programa de Estímulo à Reestruturação (PROER), o Programa ao Fortalecimento

do Sistema Financeiro Nacional e o Programa de Incentivo à Redução do Setor

Público Estadual na Atividade Bancária, buscando impedir que as instituições

realizassem operações de alto risco, contando com um eventual socorro do governo

federal.116

113

Gradualismo e dolarização. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 13, n. 2, abr./jun. 1993 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 12.

114 Contabilidade das instituições financeiras. Curitiba: Iesde, 2012, p. 36.

115 Op. cit., p. 14.

116 Segundo Eduardo Lundberg, o BACEN sinalizava às instituições financeiras a necessidade das mesmas em se ajustar aos novos tempos, já que a moeda encontrava-se estável. A seguir, decretou também o Regime de Administração Especial Temporária (RAET) em uma série de bancos estaduais, entre os quais o Banespa e o Banerj, dando início a uma longa negociação para dar solução aos recorrentes problemas dessas instituições. Cf. Saneamento do Sistema Financeiro. Rio de Janeiro: BACEN, 1999, p. 54.

63

Quanto à independência, o BACEN é, hoje, considerado como dependente,

pois é subordinado ao Conselho Monetário do Nacional.117 Entretanto, quanto ao

seu exercício, a atuação do BACEN é considerada independente. Para ser

totalmente independente, contudo, a instituição precisaria se eximir do financiamento

do déficit público, sendo isolada de qualquer tipo de pressões políticas.118

2.2.2 Atuação do BACEN e a evolução da regulação bancária no Brasil

Como executor da política monetária, o BACEN atua com instrumentos

destinados a controlar a liquidez do sistema e a quantidade de moeda em

circulação, de modo compatível com a estabilidade do nível geral de preços, a

dinâmica do produto e a estabilidade cambial.119

Desse modo, o Banco Central desempenha importante função de regulação e

supervisão do Sistema Financeiro Nacional.

Além disso, o site120 do BACEN apresenta o banco como provedor de

serviços de liquidação, e, nesse papel, ele opera o Sistema de Transferência de

Reservas (STR)121 e o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic),

respectivamente um sistema de transferência de fundos e um sistema de liquidação

de operações com títulos públicos.

117

PORTO, Antonio José Maristello; GONÇALVES, Antonio Porto; SAMPAIO, Patricia Regina Pinheiro, Regulação financeira para advogados, p. 72.

118 Leandro Amaral Matta entende que o cumprimento da função primordial do BACEN, manter a estabilidade da moeda, está intrinsecamente ligado ao cumprimento das metas inflacionárias. No entanto, apesar de sua importância, é preciso mais do que executar as decisões emanadas do CMN para cumprir sua função; o BACEN precisa abandonar sua sugestionabilidade às medidas políticas de curto prazo, e, para tanto, necessita ter: mandato fixo para seus diretores, sistema de accountability amplo, transparências em suas ações e poder para interferir nas ingerências políticas em decisões técnicas. Cf. Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 14.

119 ESTRELA, Márcio Antônio. Moeda, Sistema Financeiro e Banco Central do Brasil: uma abordagem prática e teórica sobre o funcionamento de uma autoridade monetária no mundo e no Brasil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2013, passim.

120 BRASIL. Banco Central do Brasil. Papel do Banco Central. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?SPBBC>. Acesso em: 2 mar. 2016.

121 O STR é, por assim dizer, o centro de liquidação das operações interbancárias em decorrência da conjugação dos seguintes fatos: primeiro, por disposição legal (Lei nº 4.595), todas as instituições bancárias têm de manter suas disponibilidades de recursos no Banco Central do Brasil; segundo, por determinação regulamentar (Circular nº 3.057), os resultados líquidos apurados nos sistemas de liquidação considerados sistematicamente importantes devem ter sua liquidação no final do Banco Central do Brasil, em contas de reservas bancárias; e, finalmente, também por disposição regulamentar (Circular nº 3.101), todas as transferências de fundos entre contas de reservas bancárias têm de ser feitas por intermédio do STR. Cf. MARQUES, Wagner Luiz. Diário de um empreendedor. Cianorte: Bacon, 2009, p. 126.

64

Como operador do STR, sistema no qual há a liquidação final de todas as

obrigações financeiras no Brasil, o BACEN deve executar as ordens de transferência

de fundos; observar os requisitos, inclusive os de segurança, aplicáveis às situações

de recebimento e de emissão de mensagens de transferência de fundos; assegurar

o contínuo funcionamento do sistema, observando índice de disponibilidade mínimo

de 99,8%; obedecer às disposições legais aplicáveis ao sigilo de dados; e prestar

aos participantes, tempestivamente, informações sobre o funcionamento do sistema.

O BACEN pode, também, a seu critério, suspender ou excluir participante que esteja

colocando em risco o funcionamento do Sistema Financeiro Nacional ou do STR, ou

operando em desacordo com o disposto no regulamento do STR ou nas demais

normas que regulam o funcionamento do SFN.

Wagner Luiz Marques explica que o Banco Central também tem atuado de

forma mais intensiva, no sentido de promover o desenvolvimento dos sistemas de

pagamentos de varejo, sobretudo ganhos de eficiência relacionada, por exemplo,

com maior uso de instrumentos eletrônicos de pagamento, com a melhor utilização

das redes de máquinas de atendimento automático (ATM) e de transferências de

crédito a partir do ponto de venda (PDV), bem como com maior integração entre

pertinentes sistemas de compensação e de liquidação.122

É relevante considerar que o BACEN atua como executor da política

monetária do Brasil e também como prestamista de última instância. Porém, quando

faz política monetária, o foco de sua atuação é o controle da liquidez do sistema

bancário (agregados monetários), com o objetivo de atuar sobre a taxa de juros.

Quando atua na função de prestamista de última instância, seu foco é resolver

problemas de liquidez de instituições específicas. Nesse último caso, o mercado

pode estar líquido e a instituição estar ilíquida ou insolvente, não conseguindo

financiamento no interbancário e recorrendo ao redesconto do Banco Central do

Brasil.

Cumpre mencionar que Ana Paula Mussi Szabo Cherobim, Cláudio Miessa

Rigo e Antonio Barbosa Lemes Júnior classificam o redesconto como a forma na

qual o Banco Central atua junto aos bancos comerciais, concedendo-lhes crédito

contra garantias em títulos, tanto para descasamentos de curto prazo entre suas

122

Diário de um empreendedor, p. 126.

65

operações credoras e devedoras quanto atuando como prestamista de última

instância.123

Importa salientar, ainda, que o Banco Central atua na política cambial e nas

relações financeiras no exterior, onde mantém ativos de ouro e de moedas

estrangeiras para atuação nos mercados de câmbio, de forma a contribuir para

manter a paridade da moeda e para induzir desempenhos das transações

internacionais do país, de acordo com as diretrizes da política econômica.

O BACEN atua regulando o mercado de câmbio, buscando o equilíbrio de

balanço de pagamentos, administrando as reservas cambiais do país,

acompanhando e controlando os movimentos de capitais e negociando com as

instituições financeiras e com os organismos financeiros estrangeiros e

internacionais – Fundo Monetário Internacional, Banco de Compensações

Internacionais (BIS) etc.

Urge mencionar que, quando se fala em BACEN, não se pode olvidar o papel

da Casa da Moeda do Brasil (CMB) e do Comitê de Política Monetária (COPOM).

Com relação à CMB, que é empresa pública, ela produz com exclusividade o

dinheiro brasileiro desde 1969, conforme definido em lei. O Banco Central relaciona-

se com a CMB por meio de contrato de fornecimento de cédulas e moedas, sendo

esse o seu papel direto no processo.

Quanto ao COPOM,124 trata-se do órgão decisório da política monetária do

BACEN, responsável por estabelecer a meta para a taxa Selic, cujo principal objetivo

é o alcance das metas de inflação. A respeito das metas de inflação estabelecidas

pelo CMN, faz-se necessário relembrar, como já destacado linhas atrás, que, desde

1999, a política monetária no Banco Central do Brasil é conduzida sob o Regime de

Metas para a Inflação.

Uma das missões do Banco Central do Brasil é assegurar a estabilidade do

poder de compra da moeda e garantir um Sistema Financeiro sólido e eficiente. No

exercício das suas diversas funções, e por sua atuação autônoma, pela qualidade

dos seus produtos e serviços e pela competência dos seus servidores, é uma

123

Administração financeira: princípios, fundamentos e práticas brasileiras. Rio de Janeiro: Campus, 2010, p. 71.

124 O COPOM é composto pelos oito membros da Diretoria Colegiada do Banco Central, com direito a voto, e é presidido pelo presidente do BACEN, o qual tem voto de qualidade. Também integram o grupo de discussões os chefes de departamentos, os consultores, o secretário-executivo da Diretoria, o coordenador do grupo de comunicação institucional e o assessor de imprensa. Vide COSTA, Luiz Guilherme Tinoco Aboim; SANTOS, Aguinaldo; COSTA, Luiz Rodolfo Tinoco Aboim. Análise de investimentos. Curitiba: IESDE BRASIL, 2012, p. 23.

66

instituição essencial à estabilidade econômica e financeira, indispensável ao

desenvolvimento sustentável e à melhor distribuição de renda no Brasil.

Tratando-se da política monetária, ela influencia a evolução dos meios de

pagamento e controla o processo de criação da moeda e do crédito, mediante os

seguintes instrumentos clássicos dos Bancos Centrais: a) encaixe legal (depósito

compulsório); b) redesconto; e c) operações de mercado aberto.

Maiores taxas de encaixe legal ou depósito compulsório implicam menor

capacidade dos bancos comerciais para conceder crédito e multiplicar a moeda. A

reserva legal esteriliza parte dos recursos que, de outra maneira, seriam utilizados

pelas instituições bancárias para realizar operações ativas, isto é, empréstimos ou

investimentos. Dessa forma, ao aumentar o requisito de encaixe, o Banco Central

reduz a capacidade potencial dos bancos para expandir o crédito.

O redesconto, por sua vez, embora esteja muito mais relacionado à função de

prestamista de última instância, como já salientado, também é considerado

instrumento de política monetária. Ao se destinar o redesconto a sustentar

instituições com problemas de liquidez ou a fomentar atividades prioritárias, injeta-se

liquidez no sistema bancário. Amplia-se a base de reserva dos bancos, sustentando

níveis de crédito de outra maneira inacessíveis, com efeitos expansionistas sobre a

oferta monetária. Ao contrário, uma diminuição do redesconto, seja por intermédio

da contração dos montantes ou por elevação das taxas correspondentes, provoca

restrição creditícia e monetária, ao diminuir a liquidez no sistema bancário.

O controle da liquidez ocorre principalmente com o uso dos instrumentos

clássicos de política monetária, que são o recolhimento compulsório ou encaixe

legal, as operações de redesconto ou assistência financeira de liquidez, e as

operações de mercado aberto (open market). Observe-se que tanto os

recolhimentos compulsórios como as operações de redesconto não afetam

imediatamente a liquidez, haja vista que as instituições financeiras dispõem de um

prazo para se adequar a eventuais mudanças no compulsório, enquanto a

realização de operações de redesconto, ou assistência financeira de liquidez,

depende da ocorrência de maior necessidade de liquidez.

Na execução da política monetária, a venda de títulos pelo Banco Central do

Brasil ao sistema bancário provoca a redução das reservas bancárias, e o contrário

ocorre no caso de compra de títulos. As intervenções (compras e vendas de títulos),

realizadas pelo Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab), são de

67

dois tipos: operações compromissadas, voltadas para ajustes de liquidez; e

operações definitivas, voltadas para mudanças de tendência. Nas operações

compromissadas, o BACEN toma (ou empresta) recursos por prazo definido,

vendendo (ou comprando) títulos com o compromisso de recomprá-los (ou revendê-

los) em data combinada, a um determinado preço. Nesse tipo de operação, o

BACEN atua no mercado por meio de instituições dealers, credenciadas

periodicamente.

Esclarecida a atuação do Banco Central do Brasil, cumpre destacar que o

Procurador-Geral do BACEN, Isaac Sidney Ferreira, traz um esclarecedor histórico

sobre a evolução da regulação bancária no país.125

Como primeira referência para a regulação bancária e financeira, incluindo o

aspecto da supervisão no Brasil, ele cita a vigente Lei nº 4.595/64, além do artigo

164 da Constituição Federal, relativo à política monetária e cambial. A respeito da

supervisão, menciona as medidas de saneamento, que foram tratadas pela Lei nº

6.024, de 13 de março de 1974, e pelo Decreto-lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de

1987.126

Ferreira ressalta que, diante das mudanças sofridas no cenário

macroeconômico, principalmente com o controle da inflação, tornou-se possível e

necessário reestruturar a regulação do Sistema Financeiro, que, segundo ele, tinha

como características “[...] significativa participação de bancos estatais, ganhos

inflacionários e ausência de diversidade de instrumento, deficiência nos controles de

riscos e limitada competitividade”.127

Nesse processo de reforma, podem ser citadas medidas que levaram ao saneamento e redução da presença do poder público no sistema financeiro, convergência aos padrões internacionais relativos a normas prudenciais, alteração das regras de acesso ao sistema, aperfeiçoamento do sistema de monitoramento, aprimoramento do Sistema Brasileiro de Pagamentos, fomento ao acesso a produtos e serviços bancários, incremento da competição no mercado financeiro e alterações importantes no mercado de câmbio para simplificá-lo e atualizá-lo [...] Relativamente ao saneamento e desestatização do sistema financeiro, lembra, inicialmente, do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional-Proer, regulado pela Medida Provisória nº 1.179, de 1995, e Resolução nº 2.208, de 1995 que cria incentivos fiscais para incorporação de instituições financeiras.

128

125

Evolução da regulação bancária no Brasil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2012. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Apresentacao_Isaac_Sidney_Seminario_Direito_Bancario .pdf>. Acesso em: 3 jan. 2015.

126 Ibidem, p. 29.

127 Ibidem, loc. cit.

128 Ibidem, loc. cit.

68

Vale registrar que também dessa época é o Decreto-Legislativo nº 15, de 19

de março de 1997, que aprovou a adesão do governo brasileiro como membro

associado do Convênio Constitutivo do Banco de Compensações Internacionais

(BIS). O Decreto nº 3.941, de 27 de setembro de 2001, promulgou o Convênio,

embora ele já estivesse em vigor desde 25 de março de 1997 para o Brasil, segundo

os termos desse Decreto.129

Ainda na linha das importantes mudanças ocorridas no Brasil, Ferreira

salienta a criação do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), regido pelas Resoluções

nº 2.197 e nº 2.211, de 1995, e nº 4.087, de 2012, além de ter sido contemplado na

Lei de Responsabilidade Fiscal.130

O Acordo de Basileia, marco da regulação prudencial, foi adotado no âmbito

brasileiro por meio da Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2.099, de 17

de agosto de 1994. Nela, foram previstas condições para acesso ao Sistema

Financeiro Nacional, normas sobre instalação de dependências e valores mínimos

de capital e patrimônio líquido ajustado, o qual deveria ser mantido em valor

compatível com o grau de risco das operações ativas.131

Da diversidade de normas voltadas à atuação prudencial preventiva, Ferreira

destacou as seguintes: a Resolução nº 3.380, de 2006, relativa ao risco operacional;

a Resolução nº 3.464, de 2007, que trata do risco de mercado; a Resolução nº

3.721, de 2008, que cuidou da estrutura de gerenciamento do risco de crédito; e a

Resolução nº 4.090, de 2012, que regulou o risco de liquidez.132

Enfim, para consolidar as medidas prudenciais preventivas de modo a impor

às instituições supervisionadas a sua observância, foi editada a Resolução nº 4.019,

de 29 de setembro de 2011.133

2.3 Conflito de competências entre o BACEN e o CADE

Ainda neste capítulo, no intuito de melhor entender as atribuições do BACEN,

faz-se necessário dirimir o aparente conflito de competências existente com o

129

FERREIRA, Sidney Isaac, Evolução da regulação bancária no Brasil, p. 30. 130

Ibidem, loc. cit. 131

Ibidem, loc. cit. 132

Ibidem, p. 31. 133

Ibidem, loc. cit.

69

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), como se passa a explanar

nas subseções a seguir.

Liana Issa Lima classifica esse conflito de competências como positivo. As

questões foram desenvolvidas por Gesner Oliveira (então presidente do CADE), em

2000, no estudo “Concorrência e regulação: o caso do setor bancário”. Porém, o

caso está paralisado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e foi apresentado

em 9 de dezembro de 2008, quando a União, o CADE e o BACEN, por meio de seus

procuradores, protocolaram a petição nº 309502/2008, defendendo o argumento de

que a existência de indefinição acerca da partilha de atribuições entre duas

autarquias geraria insegurança jurídica. Contudo, essa questão ainda não está

finalizada, apenas pacificada.134

Segundo Vicente Bagnoli, a discussão relativa à competência entre o BACEN

e o CADE para análise de casos do Sistema Financeiro teve início em 2001, quando

a Procuradoria-Geral da União emitiu um Parecer (AGU/LA-01/2001) reconhecendo

a competência exclusiva do Banco Central para analisar e aprovar atos de

concentração de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, bem como

para regular as condições de concorrência entre instituições financeiras.135

Atualmente, a matéria encontra-se em análise pelo Supremo Tribunal Federal

(STF), após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que não definiu conflito

de competência existente entre BACEN e CADE, o que vem causando insegurança

jurídica. A Primeira Seção do STJ decidiu a análise do Mandado de Segurança com

pedido de liminar no Ato de Concentração nº 08012.002381/2001-23, impetrado pelo

Banco Bradesco S.A. e pelo antigo Banco de Crédito Nacional S.A. (BCN) contra

decisão do CADE que aprovou a operação de constituição e o desfazimento da joint

venture do BCN pelo Bradesco, mas multou os bancos em R$ 127.692,00, pela

submissão intempestiva da operação à apreciação da autoridade de defesa da

concorrência.136

Bagnoli salienta que, em dezembro de 2008, CADE e BACEN assinaram um

protocolo de entendimentos, reconhecendo a competência do órgão de defesa da

concorrência para zelar pela concorrência também no setor bancário. Tanto o CADE

134

Conflito positivo de competências entre CADE e BACEN. Arcos, [S.l.], 2011. Disponível em: <ht tp://www.arcos.org.br/artigos/conflito-positivo-de-competencias-entre-cade-e-bacen/>. Acesso em: 22 fev. 2016.

135 Direito econômico, p. 245.

136 Ibidem, loc. cit.

70

quanto o BACEN entendem que cada qual possui o seu papel específico nesses

procedimentos, como expressam os Projetos de Lei nº 344/2002 (em trâmite na

Câmara dos Deputados) e nº 265/2007 (já aprovado pelo Senado e aguardando

julgamento na Câmara). Ao BACEN, caberia apreciar a operação analisando o risco

no Sistema Financeiro, enquanto ao CADE cumpriria analisar a questão

concorrencial das operações.137

Pelos projetos de lei citados, e também no entendimento do CADE e do

BACEN, fica determinado que, no caso de a operação afetar o Sistema Financeiro

(risco sistêmico), caberá somente ao BACEN decidir. Já as operações que não

ofereçam riscos ao Sistema Financeiro são de análise inicial do BACEN e,

posteriormente, repassadas ao CADE. Ao CADE, ainda caberia a competência para

aplicar as sanções previstas na Lei de Defesa da Concorrência para as práticas de

infração à ordem econômica ocorridas no Sistema Financeiro.

Como salienta Bagnoli, após o acontecimento da crise financeira de

2008/2009, internamente o BACEN adotou outra posição, e sob a justificativa de

higidez do mercado contra risco sistêmico, retomou o entendimento da sua

competência exclusiva, de modo que a Diretoria Colegiada do Banco Central do

Brasil, em sessão realizada em 24 de abril de 2012, com base no artigo 18, § 2º, da

Lei nº 4.595/64, e tendo em conta o disposto no artigo 10, inciso X, alíneas “c” e “g”,

da referida lei, resolveu publicar a Circular nº 3.590, de 26 de abril de 2012,

determinando que serão analisadas sob o ponto de vista de seus efeitos sobre a

concorrência, sem prejuízo do exame relativo à estabilidade do Sistema Financeiro,

as operações autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.138

Outrossim, por meio de Comunicado nº 22.366, de 27 de abril de 2012, o

BACEN divulgou o Guia para Análise de Atos de Concentração envolvendo

instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco

Central do Brasil.

Para Aline Lícia Klein, a solução da questão passa pela análise dos

dispositivos legais que estabelecem a competência. Porém, quando a legislação em

vigor é passível de gerar controvérsias tão intensas, acaba instaurando um ambiente

de insegurança jurídica e também econômica. Operações que já foram analisadas,

aprovadas pelo BACEN e implementadas pelas instituições poderão vir a ser

137

Direito econômico, p. 246. 138

Ibidem, p. 247.

71

questionadas pelo CADE, não se destacando que os entes de regulação setorial e

de defesa da concorrência se manifestam de modo antagônico.139

Por isso a necessidade da definição legislativa do assunto para dar clareza às

competências do ente regulador setorial e de defesa da concorrência.

2.3.1 Do parecer da Procuradoria-Geral do BACEN

O parecer da Procuradoria-Geral do Banco Central sobre a questão, após

breve relato sobre os mencionados atos de concentração, especialmente no setor

financeiro, faz uma análise de regulação das instituições financeiras, a cargo do

Banco Central, enfatizando a possível existência de impasse entre a defesa da

concorrência e a defesa de segurança e da solidez do Sistema Financeiro.140

Quanto ao artigo 192 da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional nº

40/2003, assevera-se que esse dispositivo determina que o Sistema Financeiro

Nacional seja regulado por lei complementar. Quanto à Lei nº 4.595/64, afirma-se

haver sido ela recepcionada como lei complementar, só podendo ser modificada ou

revogada por lei de igual espécie.

Em prosseguimento, refere-se o Parecer da Procuradoria-Geral do Banco Central à Lei n. 8.884/1994, que disciplina a defesa da concorrência. Anota-se, então, que os defensores da competência do CADE para apreciar os atos da concentração de instituições financeiras baseiam-se em dois argumentos: primeiro, no fato de a então vigente Lei 8.884/1994 não prever nenhuma exceção à competência do CADE para analisar atos potencialmente lesivos à concorrência, conforme dispõe seu art. 54; segundo no fato de a então vigente Lei n. 8.8884/1994 ser posterior à Lei n. 4.595/1964 e, assim, aquela derrogaria em parte as disposições desta sobre competência para a defesa da concorrência.

141

Leonardo Vizeu Figueiredo assevera que o artigo 18, § 2º, da Lei nº 4.595/64,

trata, indubitavelmente, de uma atribuição do Banco Central, qual seja a de regular

as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos,

concluindo que tal fato corrobora a proposição inicial, que pugna pela competência

do Banco Central para a análise de atos de concentração de instituições financeiras,

139

Conflito de competência entre CADE e BACEN: comentários a acordão do TRF. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamani, Curitiba, n. 8, out./2007. Disponível em: <http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=8&artigo=755&l=pt#> Acesso em: 5 set. 2016.

140 Leonardo Vizeu Figueiredo entende que, após essas considerações, passa o parecer a tratar especificamente da competência para análise e aprovação de atos de concentração de instituições financeiras. Reporta-se, então, ao artigo 192 da Constituição Federal (alterado pela Emenda Constitucional nº 40/2003) e à Lei nº 4.595/64. Cf. Lições de direito econômico, p. 371.

141 Ibidem, loc. cit.

72

por força do status de lei complementar da norma que a estabelece, sendo certo que

não poderia ser, como não foi, revogada pela vigente Lei ordinária nº 8.884/94.142

Finalizando essas considerações, Figueiredo sustenta que o parecer da

Procuradoria-Geral do Banco Central aduz que a edição da Lei nº 9.447/97

robustece os argumentos ali lançados, ao deferir ao Banco Central não apenas a

análise de atos de concentração de instituições financeiras, mas, muito mais que

isso, o poder de determinar reorganizações societárias, inclusive mediante

incorporação, fusão ou cisão, transcrevendo o artigo 5º da mencionada lei.143

Referindo-se às manifestações do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica, proferidas em processos que apreciaram atos de concentração

praticados no âmbito do Sistema Financeiro, em desacordo com entendimentos

travados entre as duas autarquias, que se somariam à insegurança jurídica antes

apontada, o parecer afirma ser urgente a necessidade de se dirimir o aparente

conflito de competências entre o CADE e o Banco Central.

Relevante se faz comentar que, no âmbito da Administração Pública, existe

uma questão que suscitou colisão de atribuições entre o Banco Central, ente

regulador do Sistema Financeiro Nacional, e o CADE. Conforme Figueiredo:

O conflito de atribuições foi oriundo das posições defendidas pelo parecer da Procuradoria-Geral do Banco Central, de um lado, e, de outro, pelos pareceres da Procuradoria Geral do CADE e da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, bem como do estudo do Dr. Gesner Oliveira. O Bacen suscitou conflito positivo de competência n. 0001.006908/2000-25, sustentando ter exclusividade para regular o setor financeiro, sendo que o CADE defendeu posição diversa, argumentando que a atividade é complementar, ou seja, os entes analisam os fatos sob ângulos diversos.

144

A seguir, apresenta-se o posicionamento da Procuradoria do CADE sobre a

questão.

142

Lições de direito econômico, p. 372. 143

“Tal artigo sobreleva a intenção do legislador de deferir ao Banco Central a responsabilidade de coordenar os atos de concentração das instituições a ele submetidas. Se, por disposição expressa da lei, o Banco Central pode, ex officio, determinar atos de concentração, que se dirá de aprová-los mediante provocação dos interessados? Ressalte-se que, com essa conclusão, não se exclui o setor financeiro da defesa da concorrência, mas tão somente se atribui à autoridade reguladora – Banco Central – o papel de analisar o aspecto concorrencial dos atos de concentração, sopesando o potencial dano à concorrência e a eficácia do sistema financeiro, para a qual a existência de um mercado competitivo é, sem dúvida, essencial.” Cf. Ibidem, loc. cit.

144 Ibidem, p. 370.

73

2.3.2 Do posicionamento da Procuradoria do CADE

A primeira legislação brasileira envolvendo aspectos de direito concorrencial

foi o Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, que tipificava como crimes

certas práticas empresariais, como os acordos visando ao aumento arbitrário dos

lucros e competitividade.

Mais tarde, foi criado o CADE, aprovado em 1962, com a promulgação, em 10

de setembro, da Lei nº 4.147, cuja finalidade é regular a repressão ao abuso do

poder econômico.

Leonardo Vizeu Figueiredo fala da estrutura do CADE:

É a entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, sendo constituído pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de Estudos Econômicos. Além da estrutura organizacional e do apoio técnico prestado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, atuam junto ao CADE uma Procuradoria Federal Especializada, vinculada a Advocacia-Geral da União, órgão que prestando-lhe, com exclusividade, consultoria jurídica, bem como um órgão do Ministério Público Federal, que oficia nos processos de apuração de infração da ordem econômica.

145

Segundo Vicente Bagnoli, o CADE também poderá considerar legítimo o ato

previsto no caput do mesmo dispositivo, quando necessário, por motivo

preponderante da economia nacional e do bem comum, desde que não implique

prejuízo ao consumidor ou usuário final, e desde que atenda pelo menos a três das

condições previstas nos incisos do artigo 54 da Lei nº 8.884/94.146

Cabe notar que o CADE não detém poder normativo, não é uma agência

reguladora, mas o controle estrutural por ele exercido significa que o órgão

desempenha não apenas a função de repressão, mas também a de prevenção na

área concorrencial.147

145

Lições de direito econômico, p. 261. 146

Direito e poder econômico, p. 168. 147

Figueiredo apresenta as inovações e polêmicas que cabem ao CADE. A primeira inovação reside no fato de que o controle passa a ser prévio, isto é, as empresas que intencionem promover união empresarial devem aguardar a decisão favorável do CADE antes de realizarem a concentração econômica. A segunda inovação permite que o CADE aprove atos de concentração econômica que causem danos graves e substanciais à concorrência, desde que eficiências econômicas sejam produzidas pela união, sendo garantido aos consumidores o repasse de parte relevante de tais benefícios. A Lei nº 12.529, de 2011, nesse sentido, em nada inovou, confiando ao Tribunal a definição da política mais adequada a cada momento histórico, político e econômico. A terceira inovação é a que altera o critério de apresentação de uniões empresariais: suprime-se o critério de apresentação na hipótese de detenção de 20% ou mais do mercado relevante, bem como se exige que a empresa a ser adquirida tenha, ao menos, faturamento de R$ 30 milhões, inaugurando-se o sistema de dupla trava cumulativa. Cf. Op. cit., p. 381.

74

Trata-se de inovação148 da Lei nº 8.884/94 em relação ao sistema que

vigorava nas leis anteriores. O artigo 54 da referida lei exige que quaisquer atos que

possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de

mercados relevantes de bens ou serviços, devem ser submetidos à apreciação do

CADE.

Cabe ao mesmo decidir pela existência ou não de condutas contrárias à

legislação concorrencial, realizando, quando necessário, multas e sanções. É o

CADE que decide sobre a legitimidade de atos jurídicos: fusões, corporações ou

quaisquer tipos de integração horizontal, que restringem ou eliminam a concorrência.

O processo administrativo que analisa tais atos jurídicos é chamado de Ato de

Concentração, ou simplesmente AC. Os atos de concentração podem ser aprovados

sem restrições pelo CADE149, aprovados com restrições ou não aprovados. O CADE

pode celebrar, quando entender que determinado ato jurídico deve ser aprovado

com restrições de ordem comportamental, o chamado Termo de Compromisso de

Desempenho.

O Parecer nº 876/2000, da Procuradoria do CADE, divide a questão, fazendo

distinção entre o controle preventivo de concentração de instituições financeiras e o

controle repressivo de condutas infrativas à ordem econômica praticadas por

instituições financeiras, concluindo que, quanto à análise dos atos e contratos, são

complementares as competências do CADE e do BACEN, e que, quanto aos

aspectos de condutas, a competência é exclusiva do CADE.

Figueiredo entende ser necessário observar o Parecer nº 876/2000, da

Procuradoria do CADE, antes das conclusões e após referir-se aos artigos 20 e 21

da então vigente Lei nº 8.884/94, relativos a condutas que representam infração à

ordem econômica, de acordo com a anterior e já revogada Lei de Proteção da

Concorrência, pois o diploma que regulamenta a atuação do Banco Central não

sanciona tal conduta, não havendo sequer delegação de competência a essa

autarquia para aplicar a Lei nº 8.884/94.150

148

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 238.

149 GRANDINO RODAS ADVOGADOS. Cartilha de direito concorrencial. São Paulo: FIESP, 2008, p. 4.

150 Lições de direito econômico, p. 374.

75

Assim, o autor afirma que esses dispositivos admitem convivência pacífica no

ordenamento jurídico por tratarem da defesa de concorrência, de forma geral e

específica.

A nova lei do CADE, Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011,151 faz

profundas alterações no controle de estruturas, com a introdução do sistema de

análise prévia de atos de concentração, há muito recomendado pelas melhores

práticas internacionais. O Brasil era um dos únicos países do mundo em que se

facultava às empresas pedir a aprovação ao CADE após a consumação da

concentração econômica. Tal procedimento, realizado a posteriori, era não só

ineficiente do ponto de vista econômico, como ineficaz na proteção e defesa do

interesse público. Com a entrada em vigor da nova lei, as operações passaram a só

poderem ser consumadas após a aprovação do CADE, e o fechamento da operação

antes de sua aprovação sujeita as partes a multas que variam de R$ 60 mil a R$ 60

milhões.152

As sucessivas legislações que disciplinaram a matéria foram a Lei nº

8.884/94, a Medida Provisória nº 1.708/98 (posteriormente convertida na Lei nº

9.873/99) e a Lei nº 12.529/2011, hoje em vigor. Então, passou-se à análise das

espécies de prescrição previstas na nova Lei nº 12.529/2011, reconhecendo-se que

esse diploma normativo cuidou, apenas, das modalidades de prescrição da

pretensão punitiva – relativa ao direito do Estado de punir o infrator –, não

disciplinando a prescrição da pretensão executória – relativa ao direito estatal de

executar a pena administrativamente imposta.

Várias são as mudanças verificadas na Lei nº 12.529/2011, quando

comparada com a Lei nº 8.884/94, a antiga Lei do CADE. É possível apontar, dentre

as diversas alterações, três pontos de destaque, referentes: (i) ao controle

preventivo; (ii) ao controle repressivo; e, finalmente, (iii) à estrutura administrativa do

CADE. Em relação ao controle preventivo, a principal mudança é que o Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) agora adotou o sistema de análise

prévia de atos de concentração.

151

A Lei nº 12.529/2011 alterou não só a estrutura do Sistema Brasileiro da Concorrência (SBDC), como introduziu o Sistema de Análise Prévia dos atos de concentração em lugar da análise posterior à sua materialização, que vigeu durante a revogada Lei nº 8.884/94. Ambas as mudanças foram materializadas como forma de dotar o Estado de mecanismos mais eficientes nas análises de mercado e no combate às condutas perpetradas em face da livre concorrência.

152 ESCOLA DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO; LEAL, Victor Nunes. A nova lei do CADE. Publicações da Escola da AGU, Brasília, ano IV, n. 19, jul./2012, p. 27.

76

Na sistemática da Lei nº 8.884/94, os agentes econômicos tinham de notificar

determinada operação econômica ao CADE no prazo de 15 dias úteis contados da

sua realização (artigo 54, § 4º). O CADE, por sua vez, tinha um prazo de análise de

60 dias (artigo 54, § 6º). Esse prazo, apesar de ter natureza peremptória, vez que a

sua não observância implicava a aprovação tácita da operação (artigo 54, § 7º), era

diversas vezes suspenso para a realização de instrução processual (artigo 54, § 8º).

Na prática, a análise de operações mais complexas podia demorar alguns anos.

Em relação ao controle repressivo, foi consideravelmente alterado o parâmetro para o estabelecimento das sanções pecuniárias por infração a ordem econômica. Segundo o art. 23 da Lei 8.884/1994, o valor da multa era, nos casos de empresas, no valor de 1% (um por cento) a 30% (trinta por cento) do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca seria inferior à vantagem auferida, quando quantificável. Pela sistemática da Lei 12.529/2011, mais especificamente do art. 37, inciso I, a multa para as empresas será de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. Ou seja, além de reduzir o valor mínimo da multa para 0,1%, a nova legislação prevê que esse valor incidirá sobre o faturamento restrito ao ramo da atividade empresarial referente à conduta sancionada. A jurisprudência do CADE precisará definir o que essa expressão significa exatamente (uma das Quanto à estrutura administrativa, o CADE deixa de ser apenas um tribunal administrativo em forma de autarquia e passa a englobar uma Superintendência-Geral, um Departamento de Estudos Econômicos e um Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (art. 5º da Lei 12.529/2011).

153

Ainda pela nova lei, a Superintendência-Geral passa a exercer funções de

investigação e de instrução de processos administrativos (função repressiva), que

antes ficavam a cargo da Secretaria de Direito Econômico (SDE), mais

especificamente do Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE), órgãos

que estavam vinculados ao Ministério da Justiça. Além disso, adquire atribuição para

instruir e oferecer pareceres em atos de concentração econômica, papel

desempenhado, sob a égide da Lei nº 8.884/94, prioritariamente pela Secretaria de

Acompanhamento Econômico (SEAE), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda.

Em síntese, diante do exposto, percebe-se que as tarefas do Banco Central

assemelham-se às de um órgão regulador, responsável pela regulação técnica e

pela observância das regras de defesa da concorrência no setor, devendo proceder

à investigação de práticas que possam ser consideradas infrativas à ordem

econômica. Do mesmo modo, deverá o Banco Central proceder à autorização de

153

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 139-140.

77

qualquer transferência societária. E, para cumprimento dessa tarefa, deverá o Banco

Central se atentar para os efeitos de tais transferências, aquisições e fusões sobre a

concorrência, elaborando parecer técnico sobre o assunto. As funções do CADE

assemelham-se à de um Tribunal154 Administrativo que, de modo independente,

procede ao julgamento administrativo dos processos que visem a apurar dano à

concorrência, bem como daqueles que visem à aprovação de ato de concentração

econômica.155

Com o conteúdo apresentado por Leonardo Vizeu Figueiredo, pode-se

concluir a natureza jurídica de competência legal de cada entidade: ao Banco

Central cabe instruir os processos administrativos visando ao bem-estar econômico

e social; já ao CADE, cabe apreciar, como instância de decisão administrativa, os

processos instaurados pelo Banco Central.

154

Em verdade, o CADE não só assemelha-se a um tribunal, como, de fato, é um tribunal. Segundo Pedro Aurélio de Queiroz, a Lei nº 12.529/2011, em seu Título II, Capítulo II, Seção I, especificamente no artigo 5º, diz que o CADE é constituído dos seguintes órgãos: I - Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; II - Superintendência Geral; e III - Departamento de Estudos Econômicos. Cf. Direito econômico. Ribeirão Preto: IELD, 2013, p. 125.

155 Lições de direito econômico, p. 375.

78

3 REGULAÇÃO ECONÔMICA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

SOCIAL

No capítulo anterior, procurou-se apresentar uma visão geral do Banco

Central do Brasil, destacando a sua importância e identificando qual o seu papel

como executor da política monetária.

Cabe, agora, explanar a sua função frente à atividade produtiva, bem como

identificar a maneira como pode fomentar a criação de empregos e melhorar a

distribuição de renda por meio de sua autonomia, possibilitando o bem-estar

econômico e social, e garantindo, assim, a preservação das relações sociais.

Entende-se que o Banco Central, por ser parte integrante do Estado, tem

como principal objetivo executar a política monetária, a fim de corroborar os

objetivos desse Estado para contribuir com a sociedade.

John B. Taylor entende que dado o conflito de curto prazo entre a

estabilização da inflação e do emprego, Bancos Centrais cujas metas incluam o

pleno emprego podem ser percebidos como decidindo arbitrariamente em favor de

uma das metas. Esses Bancos Centrais têm enfatizado, entretanto, que não existe

conflito entre a estabilização da inflação e do emprego no longo prazo, e que a

melhor maneira de o Banco Central apoiar o crescimento econômico é mantendo

uma taxa de inflação baixa. Em outras palavras, a manutenção da estabilidade dos

preços no longo prazo seria a melhor contribuição da política monetária para o

crescimento econômico.156

Na verdade, o Banco Central, associado ao Ministério da Fazenda, não deve

limitar-se a um único mandato, mas deve ter o que Luiz Carlos Bresser-Pereira

chama de mandato triplo: controlar a inflação, manter a taxa de câmbio competitiva

(neutralizando a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio) e alcançar

razoavelmente o pleno emprego.157

Para desempenhar essas tarefas, o Banco Central opera não com um único

instrumento, mas com vários instrumentos além da taxa de juros: ele pode, por

exemplo, comprar reservas e estabelecer controles de ingresso de capitais para

156

How should monetary policy respond to shocks while maintaining long-run price stability? - Conceptual issues. Achieving price stability, Federal Reserve Bank of Kansas City Symposium Series, Kansas, 1996.

157 Globalização e competição: por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier; Campus, 2009, passim.

79

evitar a tendência da taxa de câmbio a uma apreciação relativa. A taxa de juros é

um instrumento de controle da inflação, mas pode ser consideravelmente mais baixo

do que o previsto pela ortodoxia convencional.158

Diante desse cenário, este capítulo apresenta a regulação econômica por

meio do Estado, que é uma potencial fonte de recursos ou de ameaças a toda

atividade econômica na sociedade.

3.1 Regulação econômica

Por regulação econômica entende-se o ramo da Economia que estuda o

sistema econômico como um todo interativo, de forma a analisar a regularidade de

preços e de quantidades produzidas, ofertadas e demandadas, por meio da

interação entre respectivas partes que o compõem, a saber, o Estado, as empresas,

os credores, os trabalhadores, os consumidores e os fornecedores. Objetiva-se, com

a regulação econômica, prevenir e corrigir falhas de mercado, potenciais ou

efetivas.159

Segundo Richard Posner, a regulação econômica se refere a todos os tipos

de impostos e subsídios, bem como aos controles legislativo e administrativo

explícitos sobre taxas, ingresso no mercado e outras facetas da atividade

econômica.160

Posner ainda descreve a regulação econômica com mais precisão, apontando

os seus pontos fortes e as suas fraquezas. A teoria é baseada em ideias simples,

mas que o autor julga importantes. A primeira é que, dado que o poder coercitivo do

governo pode ser usado para dar benefícios valiosos a indivíduos ou grupos

específicos, a regulação econômica – a expressão desse poder na esfera

econômica – pode ser vista como um produto cuja alocação é governada por leis de

oferta e procura. A segunda ideia é que a teoria dos cartéis pode ajudar a identificar

as curvas de oferta e procura.161

158

Globalização e competição: por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não, passim 159

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 125. Há de se ter em mente que a regulação jurídica, exercida pelo Estado, se trata de um dos instrumentos pelos quais a regulação econômica se operacionaliza.

160 Teorias da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 49-80, p. 50.

161 Ibidem, loc. cit.

80

No entender de George Stigler, o Estado162 tem o poder de proibir ou

compelir, de tomar ou dar dinheiro. O Estado pode (e efetivamente o faz) ajudar ou

prejudicar, seletivamente, um vasto número de indústrias. Assim, por exemplo, ao

passo que a indústria petrolífera, um verdadeiro peso-pesado da política, é um

imenso consumidor de benesses políticas, agentes de seguro marítimo recebem

parcelas modestas de benefícios.163

Para Marco Antônio Ribeiro Tura, o Estado, para sobreviver como ordenador

supremo (último) da totalidade da vida social, necessita reformular a sua atuação

como algo menos, como um coordenador dos processos econômicos, preservando a

capacidade decisória por meio do seu compartilhamento com os grupos sociais

diretamente afetados pela decisão, unindo, a um só tempo, eficiência (cálculo de

custos) e legitimidade (cálculo de benefícios), aproximando o ser do dever.164

Com as sequentes crises financeiras, o ideal seria a implementação de

reformas e a criação de um Sistema Financeiro forte e inovador, capaz de detectar

com precisão as vulnerabilidades e melhor avaliar os riscos. Para tanto, exigir-se-á,

em alguns casos, maior regulação, e, em outros casos, um melhor direcionamento

dos poderes que as autoridades de controle já detêm.

As tarefas principais da regulação econômica são: justificar quem receberá os

benefícios ou quem arcará com o ônus da regulação, decidir qual forma a regulação

tomará e identificar quais os efeitos da alocação de recursos.

De forma ampla, pode-se conceituar a regulação como um conjunto de regras

impostas pelo Estado aos agentes privados, com as devidas limitações e punições,

em determinadas situações, em caso de descumprimento de regras, sem as quais

poderia haver danos à sociedade como um todo.

162

Marco Antônio Ribeiro Tura afirma que o Estado regulador nada mais é do que o ápice alcançado após um longo processo de adaptação ente estatal no lidar com os campos do Direito e da Economia, bem como com suas respectivas linguagens, com a finalidade única de sobreviver como poder social qualificado pela soberania decisória. O autor ressalta, ainda, que o Estado é repressor e a repressão foi primeira forma propriamente moderna assumida pelo Estado. O Estado assim caracterizado era o policial das relações sociais e, no exercício do chamado poder de polícia, limitava-se essencialmente a atuar coativamente de maneira diretiva para estabelecer uma conformação geral e abstrata de comportamentos, operando, pois, negativa e indiretamente, como último ator relevante na preservação do curso do processo econômico. Cf. A contribuição à crítica da concepção dominante da regulação da atividade econômica pela ótica de Jean Tirole. 2015. Relatório de Pesquisa (Programa de Pesquisa em Finanças Públicas) – Escola de Administração Fazendária, Ministério da Fazenda, Brasília, 2015, p. 9.

163 A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 23-48, p. 23.

164 Op. cit., loc. cit.

81

Como explica George Stigler, a regulação tanto pode ser ativamente

perseguida por uma indústria, como também pode ser imposta a ela. O autor

apresenta duas visões alternativas principais da regulação que são largamente

empregadas. A primeira é a de que ela é instituída fundamentalmente para a

proteção e benefício ou do público em geral ou de uma grande parcela dele. A partir

desse ponto de vista, as regras de regulação que prejudicam a coletividade são o

preço de uma espécie de objetivo social (no caso de defesa nacional) ou,

eventualmente, perversões da filosofia regulatória. A segunda visão é

essencialmente a de que o processo político carece de uma explicação racional: a

política é um imponderável, uma mescla de forças das mais diversas naturezas,

constante e imprevisivelmente cambiante.165

O Estado regulador da economia foi oriundo do insucesso dos modelos que

pregavam intervenção tanto econômica quanto social. Assim, houve a necessidade

de o Estado repensar e interferir no processo de geração de riquezas, bem como na

realização de políticas públicas de inclusão social e de repartição de rendas.

Conforme Leonardo Vizeu Figueiredo, o Estado Regulador caracteriza-se em

uma concepção que envolve a sua presença na economia, como ente garantidor e

regulador da atividade econômica, que volta a se basear na livre iniciativa e na

liberdade de mercado, assim como na desestatização das atividades econômicas e

na redução sistemática dos encargos sociais, com o fito de garantir equilíbrio nas

contas públicas. Contudo, não desvia o Poder Público da contextualização social,

garantindo, ainda, que esse último possa focar esforços nos serviços públicos

essenciais.166

Pode-se dizer que o principal desafio dos organismos de regulamentação é

assegurar que a busca contínua de lucros pelos bancos individuais seja efetuada em

condições adequadas, ou seja, sem ameaçar a estabilidade do sistema bancário em

seu conjunto. Pela supervisão e fiscalização estrita de normas e regras

continuamente aprimoradas, as autoridades de regulamentação devem prevenir a

ocorrência de práticas perigosas de alguns bancos que, impulsionados pela lógica

concorrencial, têm a tendência de assumir riscos excessivos.

É importante salientar que a intervenção indireta, por via de regulação da

atividade econômica, surgiu como pressão do Estado sobre a economia para

165

A teoria da regulação econômica, p. 24. 166

Lições de direito econômico, p. 51.

82

devolvê-la à normalidade, isto é, para garantir a livre concorrência, evitando-se

práticas abusivas pelos agentes mais fortes em face dos mais fracos, bem como em

detrimento do mercado e, por consequência, de toda a sociedade.

As primeiras medidas interventivas, de acordo com Figueiredo, manifestaram-

se por meio de um conjunto de atos legislativos que intentavam restabelecer a livre

concorrência. Nesse sentido, cumpre destacar que as primeiras ações estatais de

caráter intervencionista foram as Leis Antitruste, criadas no final do século XIX, no

Canadá (Competition Act) e nos Estados Unidos (Sherman Act). Outrossim, a ordem

econômica somente foi positivada com força e norma constitucional na Carta

Mexicana de 1917, marco das constituições sociointervencionistas.167

No histórico feito por Figueiredo, a regulação nos EUA como forma de

intervenção indireta implementada via Executivo surgiu em 1887, ante a

necessidade de se criar regras homogêneas para a normatização do comércio

interestadual, evitando-se, assim, a guerra fiscal entre as unidades da Federação.

Na década de 1930, avançou em virtude de se estudar e normatizar o monopólio

natural decorrente de linhas ferroviárias, bem como da necessidade de se coibir a

prática de condutas abusivas nesse mercado.168

Já na Europa, foi oriunda do processo de desestatização da economia,

decorrente da mudança do Estado Intervencionista (bem-estar social) para o Estado

Neoliberal Regulador.

A experiência reguladora no Brasil, por sua vez, data igualmente do início do

século XX. Uma das primeiras medidas intervencionistas na ordem econômica

brasileira teve origem na necessidade de se controlar a oferta e a demanda do setor

cafeeiro para o mercado externo, que resultou, por ordem do governo federal, na

queima de excedente de produção, sem, contudo, contar com um aparelhamento

estatal estruturado para a regulação do setor.169

O Estado brasileiro tomou gosto pela regulação da economia e, assim,

passou a regular o setor de transporte aéreo civil, mediante a criação de um órgão

ministerial, o Departamento de Aviação Civil (DAC), o qual foi substituído pela

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em 2005. Em 1952, o setor cafeeiro foi

167

Lições de direito econômico, p. 125. 168

Ibidem, loc. cit. 169

Ibidem, p. 126.

83

regulado pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), substituído pelo Departamento

Nacional do Café (DNC), em 1989.

Com o processo de modernização econômica da ordem jurídica pátria, ante a

necessidade de se normatizar e regular o mercado financeiro, o Estado brasileiro

passou a adotar o modelo norte-americano para regular, inicialmente, o Sistema

Financeiro Nacional, por meio da criação de um Banco Central independente e

autônomo ao governo, o qual teve como marco regulador a edição da Lei nº

4.595/64.

Como é possível notar, o Estado Regulador170 se caracteriza por reservar ao

Poder Público um papel subsidiário na ordem econômica.

3.2 Regulação prudencial

Armando Castelar Pinheiro destaca que o objetivo principal da regulação

prudencial é dar às instituições financeiras os incentivos socialmente corretos para a

assunção do risco. Isso porque, em um mercado financeiro não regulado, os bancos

têm uma tendência a correr riscos excessivos. Essa tendência advém do fato de os

bancos trabalharem de forma muito mais alavancada do que outras empresas, o

que, junto com o instituto de responsabilidade limitada, faz com que seja

interessante para o acionista participar de projetos arriscados. Afinal, ele ganhará

desproporcionalmente se as coisas derem certo, e, no pior cenário, perderá apenas

o seu capital.171

A forma encontrada para incentivar os bancos é exigir que utilizem tanto mais

capital próprio quanto mais arriscada for a composição de seus ativos; ou seja, que

o teto permitido para a sua alavancagem seja tão mais baixo quanto mais arriscados

170

Armando Castelar Pinheiro apresenta cinco maneiras principais de o Estado interferir no mercado financeiro: (i) por meio dos instrumentos usuais de política monetária, procurando suavizar o ciclo econômico, em grande parte por meio do canal da disponibilidade e do custo do crédito; (ii) estimulando o acesso ao sistema de pagamentos; (iii) reduzindo a assimetria informacional, por meio da imposição de regras contábeis uniformes e obrigações de disponibilização de informações, assim como pela manutenção de registros públicos de informação de créditos; (iv) influindo na composição dos ativos das instituições financeiras, seja alterando o retorno relativo das diversas operações financeiras, por meio de tributos e subsídios, seja obrigando a destinação de fluxos financeiros para certos setores ou devedores (crédito direcionado), ou ainda por meio de bancos públicos; e (v) como regulador prudencial e emprestador de última instancia de forma a proteger o sistema de pagamentos, estimular a intermediação financeira e proteger o pequeno poupador. Cf. Notas sobre a reforma regulatória do Sistema Financeiro. In: CARNEIRO, Dionisio Dias (Org.). A reforma do Sistema Financeiro americano: nova arquitetura internacional e o contexto regulatório brasileiro. Rio de Janeiro: LTC, 2010. cap. 2, p. 14.

171 Ibidem, loc. cit.

84

os seus negócios. Ainda que haja outras formas de influir na disposição do banco de

correr riscos com recursos de investidores pouco informados, como, por exemplo,

um prêmio de seguro de depósitos proporcional ao risco embutido nos ativos, essa

forma é o elemento central dos modelos de regulação prudencial, como os que

inspiraram os chamados Acordos de Basileia. Foi basicamente com esse modelo,

ou, mais precisamente, a forma como ele foi adotado, que a crise de 2008 mostrou

ser insuficiente para proteger os sistemas financeiros.

Fernando Cardim de Carvalho ressalta que, em junho de 2004, com

substancial atraso em relação aos planos iniciais, o Comitê de Regulação Bancária

da Basileia divulgou finalmente o documento International Convergence of Capital

Measurement and Capital Standard, conhecido com Basileia II. Esse documento,

cuja última versão atualizada foi lançada em novembro de 2005, completa a

revolução na regulação prudencial iniciada com o primeiro acordo da Basileia,

assinado em 1988.172

Vale observar que regras de regulação prudencial para o setor bancário foram

desenvolvidas historicamente em resposta à percepção de que problemas em

instituições bancárias individuais poderiam acabar causando turbulências muito mais

profundas em todo o setor e, eventualmente, em toda a economia. Em outras

palavras, dificuldades em bancos individuais envolviam o espectro de risco

sistêmico, isto é, a possibilidade de que todo o sistema fosse contagiado por aqueles

problemas.

Um colapso no setor bancário leva inevitavelmente a um colapso de toda a

economia, pela impossibilidade de liquidação de transações comerciais e financeiras

de qualquer natureza. A virtual paralisação do sistema bancário brasileiro durante o

Plano Collor, em 1990, ou, mais recentemente, na Argentina, com o corralito, ilustra

que as consequências da cessação de atividades de outro setor são tão importantes

para a operação de todos os mercados quanto as do setor bancário, e é por essa

razão que crises bancárias geram preocupações com riscos sistêmicos.173

Nesse sentido, a regulação prudencial teve como prioridades definir índices

adequados de liquidez para os bancos, por meio da obrigação de manutenção de

reservas, primárias e secundárias, e evitar a exposição a riscos, por meio, por

172

Estrutura e padrões de competição no sistema bancário brasileiro: uma hipótese para investigação e alguma evidência preliminar. In: AMADO, Adriana et al. Sistema financeiro: uma análise do setor bancário. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. cap. 5, p. 155.

173 Ibidem, p. 158.

85

exemplo, da imposição de limites ao descasamento de ativos e passivos, e da

restrição de linhas de negócios permitidas aos bancos.

Todas as prioridades acima foram importantes para o fortalecimento do papel

do Banco Central enquanto regulador prudencial, na contramão das reformas

adotadas por vários países nos últimos anos para funções típicas de política

monetária.

3.3 Regulação: teorias e princípios informadores para a concepção do Estado

Regulador Contemporâneo

Lucas de Souza Lehfeld defende que o termo regulação remete ao final da

Idade Média. Desde o momento em que a produção jurídica tornou-se monopólio do

Estado, a ele são reconhecidos poderes de natureza regulatória, uma vez que a

regulação é da própria essência do Direito.174

O termo “regulação”, para Ricardo Martins, viria do ramo da Cibernética, lá

significando a manutenção do equilíbrio de um sistema.175

Lehfeld busca a etimologia da palavra e apresenta o seguinte:

A tradução mais próxima da língua portuguesa das expressões regulation e regulator poderia ser regulamentação e regulamentador, ocorre, no entanto, que a primeira expressão já possui características específicas no direito brasileiro, razão pela qual não parece a tradução corresponder ao que realmente quer expressar regulation. Isso porque já sedimentada no sistema jurídico pátrio a ideia de regulamentação como expressão que representa o desempenho de atividade executiva, fundamentada no art. 84, IV, da Constituição Federal de 1988, e que estabelece como competência do Presidente da República, dentre outras, os atos de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. Trata-se de função normativa infralegal que especifica as condições necessárias para ampliar a eficácia de certos dispositivos legais, cuja generalidade e abstração proporcionam certa dificuldade na sua aplicação a casos concretos.

176

A busca da compreensão dos padrões da natureza pela Física inspirou Adam

Smith na utilização desse método para compreender o funcionamento da sociedade.

Segundo Ricardo Feijó: “O método newtoniano que influenciou Hume e Smith

174

Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008, p. 65. 175

Martins também enfatiza que essa acepção passou a ser utilizada no âmbito da Economia, onde, na visão de Adam Smith, ocorreria naturalmente, como que regida por uma mão invisível. Cf. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 85.

176 Op. cit., p. 66.

86

consiste na busca de princípios que possibilitam identificar uma ordem subjacente a

fenômenos aparentemente caóticos”.177

Robert Baldwin e Martin Cave lembram que a regulação é abordada por uma

série de teorias, como a teoria do interesse privado, a teoria do interesse do grupo, a

teoria do interesse público, a teoria da força das ideias e a teoria institucional.178

Já no entender de Johan den Hertog:

Pode-se dizer que a regulação, no campo da economia, é tratada, em síntese, por duas grandes teorias: a chamada teoria da regulação de interesse público e a teoria da regulação de interesse privado. No artigo que tratou do assunto, o autor esclarece que não há na literatura jurídica e econômica definição precisa do termo “regulação”, mas, para os fins de seu estudo, conceitua-a como “o emprego de instrumentos legais para a concretização de objetivos de política socioeconômico.”

179

Atualmente, todavia, não podem ser desconsideradas as recomendações

para que haja interferência humana dirigida a promover eficiência e equidade,

quando a mão invisível não as realiza.180

Em busca de um conceito jurídico de regulação, Jairo Saddi sustenta que a

visão mais ampla abrangeria toda forma de controle social, advinda ou não do

Estado. A intermediária abrangeria toda a ação estatal dirigida ao controle social. A

mais restrita consistiria no conjunto normativo coercitivo editado pelo Estado, sendo

somente essa acepção, segundo ele, a mais relacionada com o âmbito do Direito.181

Cabe notar que, na área econômica, o termo regulação também tem

significação própria e pressupõe dois fenômenos, os quais, mesmo com suas

peculiaridades, apresentam intrínseca relação: primeiro, a redução da intervenção

estatal direta na economia, e, segundo, o crescimento dos atos de concentração

econômica em função da flexibilização do monopólio do Estado em setores agora

privatizados.182

É importante considerar que, independentemente da postura que se adote,

não se deve deixar de compreender o significado da regulação no sistema normativo

que integra o Direito, iniciando-se pela norma maior, a Constituição Federal.

Partindo dela, assevera Ricardo Martins que a regulação abstrata autônoma

somente pode ser efetivada por meio de lei. Já quando analisa o significado de

177

História do pensamento econômico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 111. 178

Understanding regulation: theory, strategy and practice. Oxford: University Press, 1999, p. 18-33. 179

Review of economic theories of regulation. Igitur, [S.l.], v. 10, n. 18, 2010. Disponível em: <http://igitur-archive.library.uu.nl/USE/2011-0110-200311/10-18.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015, p. 3.

180 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 10-12.

181 Crise e regulação bancária: navegando por mares revoltos. São Paulo: Textonovo, 2001, p. 22.

182 LEHFELD, Lucas de Souza, Controles das agências reguladoras, p. 67.

87

“regulador” constante do artigo 174 da Constituição, o autor afirma que “[...] regular

é, nesse dispositivo, para os fins constitucionais, efetuar ponderações no plano

concreto”.183

Por isso, para Martins, “[...] nos termos do inciso IV do art. 84 da CF e do

inciso I do art. 25 do ADCT, à Administração é permitido efetuar ponderações no

plano abstrato apenas e tão somente para concretizar as ponderações legislativas e

constitucionais”. Além disso, a regulação seria “[...] uma atividade estatal voltada aos

particulares, à esfera da liberdade destes, e não à atuação do Estado”, de modo que

as atividades estatais não estariam sujeitas à regulação.184

Como se vê, então, o termo regulação não surgiu no âmbito jurídico. Talvez

porque aqui seja comum a edição de regras, de modo que, por se estar no meio do

fenômeno, sua nitidez pode ter ficado prejudicada e a necessidade de sua

delimitação pode ter sido dispensada. O que há de novo é o fato de as normas

editadas no âmbito da regulação necessitarem de constante mudança e

aprimoramento para se adaptarem ao sistema a que se destinam, além de

modelarem esse próprio sistema. Isso porque, na medida em que o sistema seja

instável, a busca do equilíbrio é uma constante.

Essa regulação é efetuada por meio da atuação estatal, e busca alcançar os

objetivos da República. Tais objetivos estão mais especificados para os âmbitos

econômico e social no artigo 170 da Constituição.185

Leandro Sarai enfatiza que não é demais lembrar que o mercado sobre o qual

incide a regulação não é uma “terra de ninguém”, em que os agentes podem

livremente perseguir seus objetivos egoísticos ou não. Em se tratando de patrimônio

nacional, assim como qualquer bem público, seu fim só pode ser público, na medida

em que ele é nada mais do que um instrumento para tanto.186

183

Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, p. 103. 184

Ibidem, p. 115, grifos do autor. 185

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

186 Notas gerais e críticas sobre o regime dos bens públicos. BDA - Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, p. 664-682, jun. 2012, p. 664.

88

Para o objeto da presente dissertação, juridicamente, importa afirmar que

regulação é a ação estatal com o objetivo de direcionar a sociedade a alcançar os

fins constitucionais, independentemente do meio lícito utilizado para tanto. Prefere-

se dizer agir em vez de editar regras, visto que uma ação estatal pode influenciar a

sociedade até mais do que uma simples norma. Basta imaginar a ação de um banco

estatal que baixa seus juros. Isso pode levar as demais instituições a também

reduzirem seus juros, ainda que não haja nenhuma norma nesse sentido.

Não se ignora, todavia, que qualquer ação estatal depende de base em

alguma norma preexistente, em razão do princípio da legalidade. Essa ação possui

um objetivo previamente estabelecido na Constituição. O que entra em questão aqui,

então, não é tanto o meio próprio para esse direcionamento, mas o cabimento ou

não da ação estatal com esse propósito.187

Isso porque, uma vez comprovado que tais fins são atingidos de forma mais

eficiente sem a ação estatal, esta não só será incabível como também

inconstitucional, justamente por violar o artigo 3º da Carta Magna. Se, por outro lado,

a sociedade se mantiver inerte na consecução desses fins, a ação estatal será

indispensável, por força do mesmo dispositivo.

Calixto Salomão Filho sustenta que a ação estatal seria necessária, em suma,

para sanar a assimetria de informações, evitar externalidades, buscar estabelecer

uma concorrência equilibrada por meio do combate à concentração do poder

econômico e garantir a estabilidade dos sistemas, tudo em busca do

desenvolvimento.188

Vicente Bagnoli, a propósito, esclarece que, ao lado das forças que movem os

agentes em concorrência em benefício da eficiência e da qualidade da produção, a

187

A lei brasileira não confere ao BACEN, única e exclusivamente, a missão de prosseguir e promover o pleno emprego, como se vê com o FED, porém, o pleno emprego faz parte do desenvolvimento de qualquer nação, que, para tanto, precisa de uma economia forte. A questão será abordada mais adiante, na subseção 3.10.3.2 O pleno emprego como garantia de desenvolvimento econômico e social, ao ser comentado que Marcio Pochmann entende que se torna necessário considerar, na análise da problemática atual do emprego no Brasil, tanto variáveis endógenas (salário, custo do trabalho, qualificação, entre outras) como exógenas (investimento, inserção internacional, inovação tecnológica, entre outras) ao funcionamento do mercado de trabalho. Sendo um processo que surge devido à globalização, é inevitável, e precisa que o Estado se valha dos órgãos competentes para manter e demandar o pleno emprego.

188 Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 200.

89

ausência do Estado pode levar a conglomerados dominantes e reverter tais efeitos

benéficos.189

Assim, sendo necessária a regulação, cabe destacar algumas de suas

peculiaridades quando aplicada no Sistema Financeiro Nacional.

3.3.1 Princípios do Direito

Os princípios são a viga-mestra do Direito, constituindo comandos gerais

dotados de alto grau de abstração, com amplo campo de incidência e abrangência,

que orientam a produção do ordenamento jurídico. Traduzem-se, portanto, em

comandos de orientação para a atividade legislativa de produção do direito positivo,

isto é, das leis escritas.

Em razão de sua função precípua, resta claro que os princípios não se

prestam, prima facie, a investir no indivíduo titularidade de direito subjetivo, uma vez

que são normas cujo campo de aplicabilidade não se encontra previamente definido

pelo legislador, em face da coletividade sobre a qual incidem seus efeitos.

Outrossim, os princípios podem estar ou não explícitos dentro do ordenamento

jurídico, servindo, muito mais, como instrumentos de interpretação e de integração

do Direito, nesta hipótese, tão somente, nos casos em que ocorram vácuos

legislativos, isto é, ausência de norma específica incidente sobre o campo de

aplicabilidade para o caso sub examine.190

Os princípios são comandos orientadores da vontade do legislador, os quais

refletem quais as diretivas que devem ser obrigatoriamente observadas quando da

produção das leis escritas, do direito positivo.

Marco Antônio Ribeiro Tura afirma que, para falar de princípios conforme uma

concepção do Direito como sistema, é necessário que se defina o que se deve

compreender com o vocábulo sistema. Para isso, ele se vale dos autores Valéria

Álvares Cruz, Claus Wilhelm Canaris e Tércio Sampaio Ferraz Junior, que entendem

que, em todo sistema, comparecem, ao menos, dois elementos: unidade e ordem.

Não há sistema que não apresente uma certa ordenação de suas partes. Mas a

ordenação de suas partes só se mostra possível, em um sistema, tendo em vista

uma certa unidade. Um sistema, por isso, pode ser definido como uma totalidade

189

Direito e poder econômico, p. 35. 190

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 19.

90

ordenada segundo uma unidade de sentido. Tal definição abrange os sistemas em

geral, e a especificação dos sistemas pode fazer com que elementos da definição,

embora sejam substancialmente os mesmos, variem adjetivamente. Assim é que os

sistemas podem ser sistemas cognitivos, isto é, sistemas de conhecimento, ou

sistemas objetivos, isto é, sistemas de objetos de conhecimento. Segundo uma tal

classificação, o Direito pode ser um sistema cognitivo e, também, um sistema

objetivo. Como sistema cognitivo, o Direito pode ser uma ciência, a Ciência do

Direito. Como sistema objetivo, pode ser objeto de uma ciência, o objeto da Ciência

do Direito.191

Os sistemas jurídicos são sistemas normativos na medida em que se compõem de normas, embora não só. E como sistemas normativos os sistemas jurídicos predispõem-se a regular as competências e comportamentos, as organizações e funções. Da regulação das competências e dos comportamentos, das organizações e das funções, um sistema jurídico, como sistema normativo que é, não pode abdicar. Entretanto, um sistema jurídico, como sistema social que também é, não pode prescindir de abrir-se às situações e aos sujeitos regulados. E é por isso que um sistema jurídico, como sistema normativo, é formado por dois tipos fundamentais de normas: princípios e regras.

192

Assim, Tura entende que, quanto à definição de princípio a partir da

caracterização e da solução do conflito normativo, a crítica sustenta que a

ponderação não é método privativo dos princípios e o peso não é dimensão dos

princípios, mas das situações; o mandado de otimização e o juízo de concorrência

não constituem o núcleo dos princípios, mas se referem ao uso dos princípios. Por

isso, conclui afirmando os princípios como normas diretamente referidas a fins e

indiretamente a condutas. Tendo em vista a tríade valor, norma e fato, o princípio

estaria imediatamente referido ao valor e mediatamente referido ao fato, enquanto a

regra estaria imediatamente referida ao fato e mediatamente referida ao valor.

Diferenças, portanto, existem entre princípios e valores, do contrário não se

refeririam aqueles a estes. Ocorre que princípios têm um caráter deontológico e

191

CRUZ, Valéria Álvares. Direito, complexidade e sistemas. São Paulo: Fiúza Editores, 2001; CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Ca-louste Gulbenkian, 1989; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001 apud TURA, Marco Antônio Ribeiro. O lugar dos princípios em uma concepção do Direito como sistema. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, ano 3, n. 1, p. 671-703, 2014, p. 674. Disponível em: <http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2014/01/2014_01_00671_00703.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2016.

192 TURA, Marco Antônio Ribeiro, op. cit., p. 678.

91

valores possuem um caráter axiológico, conforme defendem Robert Alexy e Jürgen

Habermas.193

“Princípios são, portanto, dotados de caráter normativo; dizem o que deve ser

feito, e não o que seria o melhor a ser feito.”194

Tura ainda difere princípios de axiomas, postulados e critérios:

Diferenças também existem entre princípios e axiomas, entre princípios e postulados e entre princípios e critérios (ÁVILA, 1999). Como disse, axiomas são fórmulas tidas como verdades auto-evidentes. Princípios, para serem utilizados, dependem da comprovação de sua existência. Assim, não se confundem princípios e axiomas (Idem, ibidem). Também não se confundem princípios e postulados. Postulados são condições de possibilidade de conhecimento de determinado objeto. Ora, nesse sentido, os postulados estão para a ciência do direito, como as normas estão para o direito. Inconfundíveis, pois, princípios com postulados (Idem, ibidem). Também, enfim, princípios não se confundem com critérios. Os critérios não são normas, mas dizem como devem ser aplicadas as normas. Os critérios são, portanto, meta-regras de aplicação de normas; critérios não são as próprias normas. Como princípios são normas, inconfundíveis são, portanto, com os critérios (Idem, ibidem).

195

3.3.1.1 Princípios gerais do Direito Econômico e da atividade econômica

De acordo com Leonardo Vizeu Figueiredo, os princípios têm por finalidade

precípua orientar a produção de leis, isto é, do direito objetivo, sendo de norte

imprescindível para a atividade parlamentar, servindo de diretiva para o legislador,

bem como, para o operador de Direito, de parâmetro de delimitação de

aplicabilidade do direito positivo às situações fáticas cotidianas a serem a ele

subsumidas. Em razão de seu maior campo de amplitude, os princípios admitem

maior flexibilização às situações sociais, quando da aplicação da literalidade do texto

da norma aos casos concretos.196

O referido autor faz uma distinção entre princípios e regras, dizendo ser

possível verificar que tal diferenciação se encontra em grau de abstração. Observe-

se que tanto princípios quanto regras se concretizam na medida em que vão sendo

positivados no texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior. Há de se

193

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993; HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I e II apud TURA, Marco Antônio Ribeiro. O lugar dos princípios em uma concepção do Direito como sistema. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, p. 690.

194 TURA, Marco Antônio Ribeiro, op. cit., loc. cit.

195 Ibidem, loc. cit.

196 Lições de direito econômico, p. 20.

92

ressaltar, conforme já visto, que as normas regras são comandos concretizados da

vontade do legislador, no sentido de definir, dentro do ordenamento jurídico, quem

poderá individualizar, em seu patrimônio pessoal, direitos subjetivos, exercendo-os

em face de outrem.197

No campo do Direito Econômico, em que pese a singularidade que o

caracteriza enquanto ramo de Direito Público, é possível destacar três princípios

gerais, a saber: economicidade, eficiência e generalidade, que servem como

sustentáculo desse ramo, não obstante o alto grau de regionalização que o Direito

Econômico possui em relação à política e ao sistema econômico adotados pelo

ordenamento jurídico ao qual pertence.

Os princípios gerais do Direito Econômico são fundados, norteados e

permeados, concomitantemente, tanto em valores de Direito Público quanto em

valores de Direito Privado, dado o ecletismo que caracteriza esse ramo jurídico,

concedendo aos referidos princípios traços próprios e específicos que os distinguem

de sua aplicação em outros ramos do Direito.

Figueiredo assim apresenta os três mencionados princípios:198

Princípio da economicidade: é oriundo do Direito Financeiro, com previsão

expressa no artigo 70, caput, da Constituição Federal. Todavia, a aplicação desse

princípio no Direito Econômico deve ser precedida de um exercício sistemático de

hermenêutica constitucional, sendo ainda norteada e permeada pelo ecletismo de

valores do Direito Privado que caracterizam esse ramo jurídico. Desse modo,

interpretando-se sistematicamente o artigo 70, caput, combinado com os artigos 3º,

inciso II, 170, caput, e 174, caput, todos da Carta Magna, a economicidade no

campo do Direito Econômico significa que o Estado deve focar suas políticas

públicas de planejamento para a ordem econômica em atividades economicamente

viáveis tanto em curto prazo quanto em longo prazo, garantindo, assim, o

desenvolvimento econômico sustentável e racional do país. Igualmente, esse

princípio estabelece que o ente estatal, na busca da realização de seus objetivos

fixados em sua política econômica, deve alcançar suas metas com apenas os gastos

que se fizerem necessários, de modo a não onerar excessivamente o erário e toda a

sociedade. Dessa forma, o Estado, ao estabelecer suas decisões políticas, bem

197

Lições de direito econômico, p. 21. 198

Ibidem, p. 2-24.

93

como para orientar o mercado, deve primar pelas condutas que impliquem menor

custo social, conjugando quantidade com qualidade;

Princípio da eficiência: oriundo do Direito Administrativo, com previsão

expressa no artigo 37, caput, da Constituição Federal, é aplicado no Direito

Econômico mediante exegese sistêmica do referido dispositivo com as previsões

contidas no artigo 180 e incisos da Carta Magna, mormente a livre iniciativa e a livre

concorrência. No campo do Direito, a eficiência determina que o Estado, ao

estabelecer suas políticas, deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar e

maximizar a produção de resultados da atividade econômica, conjugando os

interesses privados dos agentes econômicos que melhor atendam ao interesse

público, assegurando, assim, o êxito de sua ordem econômica; e

Princípio da generalidade: confere às normas de Direito Econômico alto

grau de generalidade e abstração, ampliando o seu campo de incidência ao máximo

possível, a fim de possibilitar a sua aplicação com relação à grande multiplicidade de

organismos econômicos, à diversidade de regimes jurídicos de intervenção estatal,

bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no mercado. O

ordenamento de Direito Econômico deve ser capaz de adaptar-se às alterações

mercadológicas de maneira célere, assegurando a eficácia de sua força normativa,

como instrumento disciplinador do fato econômico. Como exemplo de estatuto

jurídico maleável, característico do Direito Econômico, cabe destacar a lei brasileira

de proteção à concorrência (antiga Lei nº 8.884/94, e Lei nº 12.529/2011, em vigor),

cujo campo de incidência estende-se e adapta-se perfeitamente a toda a atividade

econômica na ordem nacional.

Segundo Rosemiro Pereira Leal, o Direito Econômico, como braço auxiliar da

problemática abordada, não pode abranger somente o que está contido nas normas

econômicas que venham a regular a política econômica adotada na ordem jurídica

de um Estado, mas há de ser, sobretudo, um ramo historicamente autônomo das

Ciências Jurídicas, fundado em princípios, regras, institutos e instituições, todos bem

delineados. Na sua visão, alguns princípios básicos do Direito Econômico são:

“Princípio da Intervenção; princípio do planejamento; princípio da liberdade de

iniciativa com as contentações do princípio da intervenção; princípio da expansão do

94

emprego; princípios da harmonia e da solidariedade; princípios da repressão do

abuso do poder econômico”.199

Isabel Vaz também apresenta uma lista de princípios, contendo os acima

enumerados por Leal, porém acrescenta a economicidade (também apontada por

Figueiredo), que, com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 70, caput,

adquiriu a dignidade de princípio constitucional.200

Já Modesto Carvalhosa, por sua vez, entende que a economicidade, na

esfera do Direito Econômico, não representa uma mera afirmação de princípios

jurídicos, mas se mostra como um método rigorosamente científico, no qual

prevalecem os critérios de avaliação comparativa do sacrifício efetivamente

suportável.201

Para Vicente Bagnoli, cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988,

inicialmente, em sua redação original, concentrava-se, no que se refere à atividade

econômica, em três pontos: (i) discorrer acerca dos princípios; (ii) estabelecer o

protecionismo à empresa brasileira de capital nacional; e (iii) dispor sobre a atuação

do Estado no domínio econômico.

Diante disso, Bagnoli apresenta 18 princípios gerais da atividade econômica,

os quais são de extrema importância e encontram-se elencados a seguir:

1) Ordem econômica: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização

do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”.

Bagnoli esclarece que esse artigo estabelece a estrutura geral do ordenamento

jurídico-econômico, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

cuja finalidade da política econômica adotada pelo Estado está em assegurar a

existência digna;

2) Soberania nacional: por este princípio, o referido autor entende que uma

nação que se diz soberana no campo político dificilmente conseguirá exercer em

plenitude a sua soberania se não for soberana no campo econômico, pois ela

contribui decisivamente para a independência de um Estado em relação a outros

Estados;

3) Propriedade privada: a Constituição de 1988 traz o princípio da

199

Direito econômico: soberania e mercado mundial. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 18. 200

Direito econômico das propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 256. 201

Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 331.

95

propriedade privada em seu artigo 5º, inciso XXII, como garantia ao indivíduo e

como princípio de ordem econômica, pressuposto da liberdade de iniciativa. A

propriedade privada é princípio típico da liberdade de iniciativa e das economias

capitalistas, sem o qual não existiria segurança jurídica para os agentes econômicos

atuarem nos mercados;

4) Função social da propriedade: presente na Constituição de 1988, no

artigo 5º, inciso XXIII, e no artigo 170, inciso III, tal princípio confirma o direito do

indivíduo sobre a propriedade, mas determina que ela deve cumprir a sua função

social, não mais aceitando o direito da propriedade em sua plenitude, típico do

liberalismo, como constava das Cartas de 1824 e 1891;

5) Livre concorrência: Bagnoli diz que a Constituição de 1988 prevê este

princípio, que garante aos agentes econômicos a oportunidade de competirem de

forma justa no mercado;

6) Defesa do consumidor: este princípio se apresenta de forma direta, num

contexto microeconômico e microjurídico, mas também de forma ampliada, por meio

da livre concorrência. Garantir a livre concorrência no mercado significa, numa

perspectiva de análise, defender o bem-estar econômico do consumidor, que sai

beneficiado com produtos e serviços de maior qualidade e preços mais vantajosos;

7) Defesa do meio ambiente: Bagnoli entende que o meio ambiente, início

da atividade econômica com a exploração dos recursos naturais, está estreitamente

relacionado com a ordem econômica, sobretudo a partir da análise da economia e

do desprezo à ética e à moral, que coloca o lucro máximo acima de qualquer valor

ou princípio;

8) Redução das desigualdades regionais e sociais: é importante salientar

que a redução das desigualdades regionais e sociais, independentemente de

medidas emergenciais, deve ser feita por meio da ordem econômica, cujos

fundamentos estão na valorização do trabalho e na livre iniciativa;

9) Busca do pleno emprego: o Estado, respeitando o fundamento da ordem

econômica da valorização do trabalho, deverá estruturar a sua política econômica de

modo a viabilizar o trabalho para os indivíduos. A busca do pleno emprego, portanto,

deve ser compreendida como os mecanismos colocados em prática pelo Estado

para reduzir o desemprego e, assim, garantir trabalho aos cidadãos, de modo que,

pelos proventos do seu trabalho, cada indivíduo tenha assegurada a sua existência

digna em sociedade;

96

10) Tratamento favorecido para empresas de pequeno porte: para Bagnoli,

este princípio favorece as empresas de pequeno porte desde que constituídas em

conformidade com o regime legal brasileiro e cuja sede e administração encontrem-

se no país, como uma forma do Estado de intervir na liberdade econômica,

privilegiando o empresário que está disposto a investir no desenvolvimento de sua

região e viabilizar o pleno emprego;

11) Livre exercício da atividade econômica: segundo o paragrafo único do

artigo 170, é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,

independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos

em lei. Bagnoli diz que este princípio é típico das sociedades capitalistas modernas,

sendo colocado como fundamento da ordem econômica disposta no artigo 170;

12) Empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional: o

protecionismo à empresa brasileira nacional de capital nacional ficava evidente no

texto constitucional de 1988, nos parágrafos do artigo 171 e em seus incisos e

alíneas, que dispunham que a lei poderia conceder benefícios a tal empresa em

detrimento da empresa nacional. Era, portanto, uma proteção à empresa brasileira

contra a concorrência global que se iniciava, de fato, no Brasil;

13) Capital estrangeiro: de acordo com o artigo 172 da Constituição de 1988,

a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital

estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessas de lucros;

14) Atuação do Estado no domínio econômico: os artigos 173 e 174 da

Constituição de 1988 são muito importantes, pois traçam a nova forma pela qual o

Estado deve atuar no domínio econômico. Não se trata mais de um Estado agente

econômico e monopolista em muitas situações, tampouco de um Estado ausente

nos padrões liberais, deixando que a concorrência entre agentes privados, por si só,

regulasse a economia;

15) Outras formas de atuação do Estado no domínio econômico: a

Constituição de 1988, nos artigos 175 a 181, apresenta outras formas da atuação do

Estado, como a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão, a

propriedade de jazidas, o monopólio do petróleo e do gás natural, transportes aéreo,

marítimo e terrestre, e o turismo;

16) Política urbana: nos artigos 182 e 183, a Constituição de 1988 prescreve

que a política de desenvolvimento urbano é executada pelo Poder Público municipal,

conforme as diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo ordenar o pleno

97

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes;

17) Política agrícola, fundiária e reforma agrária: dispõe a Constituição de

1988, nos artigos 184 a 191, que é competência da União desapropriar por interesse

social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo a sua função

social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária; e

18) Sistema Financeiro Nacional: de acordo com o artigo 192 da Constituição

de 1988, o SFN é estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado

do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o

compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, e será regulado por leis

complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro

nas instituições que o integram (Redação do artigo 192 dada pela Emenda

Constitucional nº 40, de 19 de maio de 2003).202

São esses os princípios que presidem a atividade econômica, segundo

Bagnoli. Alguns deles serão mais bem detalhados no decorrer deste trabalho, como

ordem econômica, redução das desigualdades regionais e sociais, pleno emprego,

atuação do Estado no domínio econômico e Sistema Financeiro Nacional.

3.3.1.2 Princípios gerais do Direito Financeiro

Nesta subseção, será apresentada a visão de Eduardo Marcial Ferreira

Jardim sobre os princípios constitucionais de índole financeira. O referido autor

trabalha os seguintes princípios: estrita legalidade, anualidade, universalidade,

unidade, proibição de estorno, especialização e publicidade.203

O primado da legalidade, em sua feição genérica, comunica efeitos a todo o

Direito. Sem dúvida, é um dos princípios sobranceiros do sistema normativo

brasileiro, daí representar, também, um dos vetores do Sistema Constitucional

Financeiro.

Genericamente considerada, a legalidade significa que apenas a lei pode criar

direitos e deveres, consoante preceitua o artigo 5º, inciso II, da Carta Magna.

A função administrativa, verbi gratia, traduz hipótese de atividade infralegal,

portanto, sujeita à preeminência da legalidade lato sensu. Exemplifica hipótese do

202

Direito econômico, p. 76-103. 203

Manual de direito financeiro e tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.

98

princípio em apreço a disposição legal que investe a Administração Pública de

poderes para exercer a atividade censória relativa a espetáculos teatrais ou

cinematográficos, pois, nesses casos, a lei formula um conceito indeterminado que

deve ser aquilatado e implementado pelo Executivo, segundo critérios subjetivos.

Igual sorte se verifica, amiúde, nos mais variados campos do Direito.204

No Sistema Financeiro, por outro lado, a legalidade assume foro de intenso rigor, donde adjetivar-se como estrita, pois nessa seara não basta a lei criar um dado direto ou dever apenas em tese, mas é de mister fazê-lo de modo exaustivo e pormenorizado, emitindo conceitos determinados, de que falam Larenz e Roxin, em contranota aos comandos incompletos ou elásticos. Como corolário, temos que a estrita legalidade não deixa espaço para o Executivo expedir decretos que introduzam critérios subjetivos na aplicação da lei, vedando, ainda, a edição de atos administrativos discriminários.

205

A legalidade estende-se aos programas, às operações de crédito, à

transposição de recursos de uma dotação orçamentária para outra, à abertura de

crédito suplementar etc.

Jardim classifica a anualidade como comportando dois sentidos, pois tanto

pode significar o lapso temporal de vigência da lei orçamentária como pode dizer

respeito ao pré-requisito que autoriza a cobrança dos tributos num dado exercício,

na medida em que estejam eles incluídos no orçamento.206

Ilmo José Wilges sustenta que o princípio da anualidade orçamentária indica

que o Poder Legislativo deve exercer o controle político sobre o Executivo pela

renovação anual de permissão para a cobrança de tributos e a realização de gastos,

sendo inconcebível a perpetuidade ou a permanência da autorização para a gestão

financeira.207

Por sem dúvida, a anualidade representa uma expressiva manifestação do postulado da segurança jurídica. Nesse sentido, constitui um limite ao poder interventivo do Estado Democrático de Direito, pois a cada ano os mandatários do povo votam e aprovam o respectivo orçamento. Com isso, evita-se a adoção de um período mais amplo, que poderia desequilibrar a atuação do Estado, que pela estipulação de poderes excessivos ao Executivo, como meio de tornar exequível um orçamento a longo prazo, quer, na hipótese inversa, pela restrição dos poderes do Executivo, comprometendo, assim, o próprio interesse público. Sobremais, um período menor do que um ano seria insuficiente para a realização dos objetivos públicos.

208

De acordo com esse princípio, o orçamento pode subordinar-se ao regime de

caixa, ao orçamento de gestão ou ao regime de competência.

204

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira, Manual de direito financeiro e tributário, p. 67. 205

Ibidem, loc. cit. 206

Ibidem, p. 68. 207

Finanças públicas: orçamento e direito financeiro. Porto Alegre: AGE, 2006, p. 106. 208

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira, op. cit., p. 69.

99

Jardim salienta que, no Brasil, o princípio da universalidade foi adotado com a

postura preconizada na doutrina francesa, que entrevê, no aludido princípio, não só

a obrigatoriedade de registro de todas as receitas e despesas, mas a não afetação

das receitas públicas como um aspecto mais profundo a prescindir o orçamento

público.209

Wilges ressalta que o princípio da universalidade estabelece as parcelas da

receita e da despesa que devem figurar em bruto orçamento, isto é, sem quaisquer

deduções. Esse princípio, hoje, tem sentido de globalização orçamentária,

significando a inclusão de todas as rendas e despesas dos Poderes, fundos, órgãos,

entidades da Administração direta e indireta etc.210

Vale notar que a contabilização de todas as receitas e despesas, conquanto

represente algo aparentemente óbvio, exprime um importante avanço na

contabilidade pública, em termos de rigor técnico e de moralidade administrativa.

Já o princípio da unidade, conforme Jardim, estava consagrado na

Constituição de 1934, por meio do seu artigo 50 e, na Carta Magna de 1937, pelo

artigo 68, assim como no Estatuto Político de 1946, por intermédio do artigo 73. Para

o autor, a unidade ganhou cores novas e passou a denotar a existência de um

orçamento básico, em torno do qual se agregam orçamentos miniaturas, que, ao

cabo de contas, se incorporam e se integralizam ao aludido orçamento-base,

compondo um todo indivisível. Essa é a visão atual do postulado da unidade.211

Como salienta Wilges, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 165, § 8º, a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão

de receita e à fixação de despesa, não se incluindo na proibição a autorização da

abertura de créditos suplementares e a contratação de operações de crédito,

inclusive por antecipação da receita, nos termos da lei.212

Para Jardim, trata-se de um princípio positivado na Lex Suprema, o qual já

fora constitucionalizado em Textos anteriores. Com efeito, o aludido comando proíbe

expressamente que a lei orçamentária contenha disposições estranhas a receitas e

despesas.213

Quanto à proibição de estorno, em resumo, Wilges entende que esse

209

Manual de direito financeiro e tributário, p. 70. 210

Finanças públicas: orçamento e direito financeiro, p. 108. 211

Op. cit., p. 72. 212

Op. cit., p. 103. 213

Op. cit., p. 73.

100

princípio proíbe a transferência de recursos de uma dotação orçamentária para

outra, sem que, para tanto, haja uma prévia autorização do Poder Legislativo.214

Por fim, os princípios de especialização e publicidade. O primeiro, de acordo

com Jardim, é tido por alguns autores, como José Afonso da Silva, e na doutrina

francesa, como o primado da especialização, cujo significado compreende a

obrigatoriedade de pormenorização de todas as receitas e despesas públicas, vale

dizer, a lei do orçamento haverá de especificá-las e identificá-las, sublinhando

rigorosamente a sua origem e sua destinação. O segundo não representa um

princípio orçamentário exclusivamente, mas um postulado magno de índole

genérica, como tanto se conhece, e, por isso mesmo, aplicável a todo o Direito.215

3.4 Regulação e Sistema Financeiro

Especificamente em relação aos bancos, Hyman Minsky aponta que, segundo

a literatura sobre sistemas bancários, banqueiro prudente seria aquele que “aceita

apenas a quantidade certa de risco”.216

Embora a busca pelo lucro seja uma constante, a forma como ela é realizada

se altera conforme a evolução da economia. Com as intervenções governamentais

nos bancos insolventes e com a criação de seguros aos depositantes, estes

passaram a acreditar que seria desnecessária a fiscalização da ação do banqueiro,

fato que acabaria lhe dando mais liberdade de ação. Da mesma forma, o controle do

mercado também seria amenizado quando se conta com o auxílio governamental.

Minsky assinala que as mudanças na economia ocorridas ao longo da história

levaram a alterações na teoria econômica. Nesse sentido, logo após a crise de

1929-1933, estava legitimada a regulação financeira. A literatura bancária tradicional

se consolidou no sentido de que os bancos deveriam ser solventes e com liquidez.

Já a partir da década de 1970, essa tradição foi deixada de lado, sendo

acompanhada por um movimento de desregulamentação, e os bancos passaram a

se expor demais, em parte em razão da expectativa de socorro pelas autoridades

governamentais, por meio de injeções de liquidez (bail-outs).217

214

Finanças públicas: orçamento e direito financeiro, p. 113. 215

Op. cit., loc. cit. 216

Estabilizando uma economia instável. Tradução de Sally Tilelli. Osasco: Novo Século, 2009, p. 325.

217 Ibidem, p. 277.

101

A atuação estatal provocaria instabilidade, na medida em que interromperia

um fluxo natural da estrutura capitalista. Essa instabilidade acabaria gerando

incerteza, que, por sua vez, inibiria investimentos de longo prazo.218 Em um

ambiente de incerteza, o instrumento mais adequado para defesa é o mais líquido, o

instrumento financeiro. Em última análise, a instabilidade levaria a um ambiente

propício à especulação financeira, em busca de ganhos no curto prazo, prejudicando

a atividade produtiva. Um elemento-chave da crise seria a fuga de capitais. A

solução para essa crise, com a injeção de liquidez pelos financiamentos de última

instância, gera potencialidades para a inflação.219

Segundo Minsky, restaria apenas o controle da análise bancária, com

técnicas contábeis superficiais que não conhecem a realidade de cada negócio.

Enfim, de acordo com o autor, a ausência de controles efetivos, aliada à pressão por

lucros, leva ao alavancamento e a desajustes no fluxo de caixa.220

José Xavier Carvalho de Mendonça já mencionava que havia muita discussão

sobre a necessidade de fiscalização dos bancos. Em sua visão, haveria,

fundamentalmente, duas posições:

A que defendia a total liberdade, fundada principalmente no fato de que os tomadores de crédito seriam já pessoas do comércio, da indústria e profissionais que não necessitariam de tutela; e a corrente que afirmava a necessidade de uma completa regulamentação, para manter o grau de crédito e garantir os depósitos, além de pregar que essa regulamentação deveria ser específica, em razão da peculiaridade da atividade bancária, cuja falência afetaria a vida da sociedade. Com relação a essa segunda corrente, haveria a teoria de que a regulamentação deveria ser rígida e uniforme para todos os bancos e a teoria que admitiria uma disciplina facultativa, com vantagens para os que a ela se submetessem.

221

Após mencionar essas teorias, Mendonça expressa a opinião de que a

fiscalização dos bancos meramente comerciais geraria dois problemas. De um lado,

218

Por outro lado, “[...] com a recessão nas vendas, nem mesmo com taxa de juros mínima, ninguém acha que pode tomar empréstimos, investir e ganhar dinheiro. O dinheiro simplesmente se acumula nos bancos, pois deixa de haver demanda de crédito. Quando surge a ‘armadilha da liquidez’, é aplicável a grande descoberta keynesiana: o governo deve não apenas emitir dinheiro, mas também assegurar sua aplicação e sua velocidade, gastando-o. Foi dessa maneira que o mundo saiu da Grande Depressão de 1929.” Cf. COSTA, Ana Clara; FERNANDES, Talita. O Banco Central e o extraordinário mundo das fraudes. Revista Veja, São Paulo, 4 nov. 2012, p. 479. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/o-banco-central-e-o-extraordinario-mundo-das-fraudes>. Acesso em: 7 jan. 2015.

219 MINSKY, Hyman P., Estabilizando uma economia instável, p. 364.

220 Dentro dessas transformações, a criatividade dos agentes econômicos para fugir das normas que restringem a sua atuação dá início ao surgimento de derivativos. Esses instrumentos, contudo, não eliminariam o risco de variação abrupta dos ativos, mas apenas o repartiriam e ampliariam o risco sistêmico. Para complicar, até então, eles não ficariam registrados nos balanços, dificultando a fiscalização. Cf. BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Antecedentes da tormenta: origens da crise global. São Paulo: Unesp, 2012, p. 62.

221 Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. v. VI, p. 94.

102

poderia acarretar a responsabilidade estatal, além de passar a falsa imagem de que

a União garantiria os depósitos. De outro, causaria entraves ao normal

funcionamento das operações bancárias.222

A respeito da ação estatal e das formas de gerir crises, Charles Kindleberger

e Robert Aliber mencionam que, em um primeiro momento, um remédio seria a

inércia, isto é, deixar a crise se resolver sozinha, por meio de ajustes na economia.

O fundamento para essa postura seria afastar um risco moral, ou seja, evitar que

investidores, acreditando que haveria uma ajuda governamental para minorar suas

perdas, deixassem de ter uma conduta mais cautelosa em suas operações

especulativas. Além disso, uma eventual ajuda poderia representar uma

recompensa indevida e injusta àqueles que especularam por sua conta e risco. Mas

o problema se complica quando a crise se alastra e atinge também quem não

especulou e tem sólidos empreendimentos, fazendo o dinheiro simplesmente sumir,

ainda que tenha o seu preço elevado.223

Ainda no entender de Kindleberger e Aliber, cumpre observar que há um

grande dilema quanto à liberdade da autoridade para injetar liquidez. De um lado,

quanto maior a liberdade, mais adequada pode ser a atuação em cada caso

concreto. Porém, essa mesma liberdade, quanto mais ampla, mais abre caminho

para arbitrariedades e punições ou favorecimentos indevidos. Em princípio, somente

os agentes solventes deveriam ser atendidos. Da mesma forma, em relação ao

momento certo para agir, para os referidos autores, deve-se procurar proteger os

agentes sólidos, deixando perecer os falidos, mesmo porque se trata de socorro de

liquidez, e não de insolvência. O tema do credor de última instância também é

tratado no âmbito internacional, em razão de a deflação de um país poder atingir

outros. Nesse cenário, seu papel é possibilitar a adaptação da taxa de câmbio

conforme as necessidades de cada economia.224

Para Rosa Maria Lastra:

Considerando a peculiaridade da atividade financeira, a ação estatal, de modo amplo, seria concretizada pela regulação. Fazendo uma análise dos argumentos favoráveis e contrários à regulação bancária, constata que, historicamente, a ação estatal sempre aparece como uma resposta governamental a uma crise ou a um conflito [...] também aponta as externalidades causadas pelas quebras dos bancos como perdas adicionais à economia, donde a necessidade da atuação do governo e, por outro lado,

222

Tratado de direito comercial brasileiro, p. 95. 223

Da euforia ao pânico: uma história das crises financeiras. Tradução de Leonardo Abramowicz. São Paulo: Gente, 2009, p. 236.

224 Da euforia ao pânico: uma história das crises financeiras, p. 280.

103

lembra que eventual sistema de proteção oficial pode induzir bancos a condutas mais arriscadas, isto é, o abuso moral ou moral hazard.

225

Ao lado dos argumentos econômicos, Lastra cita ainda os seguintes

fundamentos utilizados para justificar a regulação: (i) a responsabilidade assumida

pelo governo na manutenção da solidez do Sistema Financeiro; (ii) a forte vinculação

da atuação dos bancos na execução da política monetária, também conduzida pelo

governo; (iii) a preocupação de certos governos com os depositantes individuais e

investidores, em razão da hipossuficiência ou vulnerabilidade de alguns; (iv) o

interesse de alguns governos em limitar a desnecessária concentração de recursos

financeiros e poder econômico; (v) a preocupação de alguns governos em direcionar

a alocação de crédito; (vi) a intenção de alguns governos em manter a autonomia

nacional em relação a empresas internacionais; e (vii) o eventual interesse histórico

em preservar certas instituições financeiras.226

E a autora complementa, dizendo que a atuação do Estado na crise, como

doador de última instância, por meio de seguro de depósito governamental ou por

diversos tipos de pacotes de salvamento, “[...] é uma das maiores razões que

justificam a regulamentação e supervisão públicas”.227

Tratando dos fundamentos da regulação do mercado financeiro, Jairo Saddi

sustenta que as peculiaridades desse mercado demandam uma “justificativa própria

e específica”. Segundo assevera o autor, a função da intermediação financeira de

propiciar poupança e investimento se torna mais eficiente quando há uma

organização e coordenação dos intentos dos agentes que possuem recursos

disponíveis e daqueles que necessitam de tais recursos.228

Não obstante a regulação desse mercado objetive corrigir falhas, ela vai além,

na medida em que a atividade bancária consiste em operar recursos de terceiros, ao

225

Banco Central e regulação bancária, p. 63-64. 226

Na conclusão do capítulo relativo à regulação, sobre o seu cabimento, sustenta Lastra: “A despeito dos méritos dos argumentos econômicos e lógica padrão que justificam a regulamentação bancária governamental, hoje em dia a liberalização financeira e desintermediação, uma certa hostilidade à regulamentação pública e uma tendência intrínseca da autoridade de super regular – independente de quem esteja com poderes de regular – nos conduz a um tratamento mais cuidadoso sobre as vantagens e desvantagens de tal regulamentação. Se a regulamentação deixa de ajudar a melhoria do mercado ou, ainda pior, se ela prejudica o mercado, então ela deveria ser revisada ou repelida. A regulamentação deve ser eficiente e benéfica para o mercado como um todo. A regulamentação não pode ser o controle absoluto, excessivamente trabalhosa ou uma colcha de retalhos. Mesmo considerando que as autoridades deveriam sempre se preocupar com a segurança e solidez dos bancos e a ameaça de risco sistêmico, elas deveriam se ocupar menos – ser menos ‘intervencionistas’ – no detalhamento das regras de proteção ao consumidor, que geralmente impõem um custo regulatório elevado aos bancos.” Cf. Ibidem, p. 126-127.

227 Ibidem, p. 128.

228 Crise e regulação bancária: navegando por mares revoltos, p. 60.

104

passo que o capitalista, conforme certa acepção desse termo, trabalha com seus

próprios recursos. Os depositantes não possuem condições de avaliar a solvência

da instituição financeira, assim como não podem reaver seus recursos, se todos os

demais correntistas pretenderem fazer o mesmo simultaneamente.229

Por sua vez, Calixto Salomão Filho salienta que uma preocupação importante

existente em áreas como o Sistema Financeiro Nacional é a conciliação dos

objetivos de manter a concorrência e, ao mesmo tempo, garantir a higidez do

sistema. Isso porque a proteção da estabilidade acabaria criando condições

propícias à concentração do poder econômico. Dessa forma, seria ilógica a defesa

de formações monopolísticas e oligopolísticas do sistema, fundadas na busca da

estabilidade, na medida em que isso poderia ser conseguido com normas de

organização interna, como capital mínimo e alavancagem, entre outras. Já as

normas relativas à concorrência seriam um elemento externo às estruturas das

instituições financeiras, que impediria a concentração de poder e levaria à proteção

ao consumidor, por inibir abusos. Além disso, a diminuição desse poder faria reduzir

o risco de contágio ou o risco sistêmico decorrente de problemas de uma instituição

específica.230

Ana Clara Costa e Talita Fernandes afirmam que “[...] não haveria mercado

em funcionamento sem a presença ativa do Estado”, e, no caso de instituições

financeiras, “[...] por trabalharem com um bem público universal, composto pelos

meios de pagamento, os interesses corporativos necessariamente devem se

submeter a alguma forma de regulação da chamada autoridade monetária”.231

No que diz respeito ao papel do Banco Central dentro da atuação estatal,

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa traz um interessante panorama, em que

apresenta as posições favoráveis e também as contrárias à existência daquele ente.

A corrente que defende a inexistência de um Banco Central, denominada “free

banking”, seria minoritária e sustentaria, com base nas ideias do livre comércio de

Adam Smith, que deveria haver um sistema bancário competitivo, sem uma

autoridade com poder monopolista de emissão, pois não haveria necessidade de um

controle externo especial em relação aos bancos. Para essa corrente, o governo não

229

SADDI, Jairo, Crise e regulação bancária: navegando por mares revoltos, p. 60. 230

Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 59-60. 231

O Banco Central e o extraordinário mundo das fraudes. Revista Veja, p. 409.

105

teria autoridade nos assuntos relativos à moeda, e os Bancos Centrais, em sua

origem, teriam servido para beneficiar o governo.232 Por outro lado,

A corrente majoritária denominada central banking, estaria escorada em cinco aspectos. Em primeiro lugar, as quebras dos bancos causariam prejuízos principalmente à população mais carente e menos informada, fato que não seria devidamente tratado no outro sistema. Em segundo, o Banco Central seria um melhor instrumento para controlar a inflação. Em terceiro, o Banco Central, em situação de crise, teria como servir de apoio, por meio de empréstimos de última instância, contendo o pânico que se alastraria em um sistema sem esse instrumento. Em quarto, o desenvolvimento da política monetária de forma racional exigiria um ente centralizador, sem o que os agentes econômicos perseguiriam apenas os próprios interesses em prejuízo da sociedade. Por fim, a existência de um Banco Central possibilitaria a integração e colaboração internacional, que não ocorreria no sistema do free banking. Assim, a melhor postura seria a adoção do sistema do central banking, porém com controles para evitar abusos governamentais.

233

Na evolução da abordagem regulatória, Gustavo José Marrone de Castro

Sampaio menciona que, em um primeiro estágio, a preocupação estaria em

restringir determinadas práticas, com foco no passivo das instituições. Em seguida,

com a passagem da atenção para o lado ativo das operações bancárias e o risco

das operações a ele ligadas, entra em cena o Acordo de Basileia de 1988. O

próximo estágio se relaciona à constatação da insuficiência dos riscos considerados

na abordagem anterior. Por fim, o foco das autoridades supervisoras se voltaria ao

procedimento das instituições na gestão de seus riscos.234

3.5 A regulação econômica e a intervenção do Estado

Por volta do século XVIII, o Estado cumpria a sua missão, editando leis que

disciplinavam genericamente a ação dos agentes privados. Ocupava-se do manejo

do poder de polícia e de atividades de relevância social e elevadas à condição de

serviços públicos. Posteriormente, no início do século XX, essa intervenção passou

a ser vista na própria exploração de atividade econômica pelo ente estatal, com as

empresas estatais e as sociedades de economia mista, entre outros agentes.

232

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 31-32.

233 Ibidem, p. 32-34.

234 O princípio da subsidiariedade como critério de delimitação de competências na regulação bancária. 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 83-84.

106

Como leciona Luís Roberto Barroso, “o Estado passou de protagonista na

execução dos serviços a planejador, regulamentador e fiscalizador das empresas

concessionárias”.235

Nessa seara, cabe citar o artigo 174 da Constituição Federal, que trata da

intervenção indireta do Estado na economia, fazendo com que o Estado Regulador

transfira aos particulares diversas atividades que satisfaçam a necessidade ou a

conveniência de caráter geral, sem abandonar esses setores, pois remanescerá

regulando e pautando a conduta privada.236

O Estado passa a ser entendido como um conjunto de órgãos e entidades

públicas a serviço de políticas econômicas constitucionalmente adotadas para a

implementação dos seus fins, e, assim, sua atuação no domínio econômico pode se

manifestar de diversas formas, sempre com a finalidade de implementar suas

políticas econômicas.

Nas palavras de Giovani Clark:

O Estado passou a adotar uma nova técnica de ação na vida econômica, ou seja, o neoliberalismo de regulação. O poder estatal continuou a intervir indiretamente no domínio econômico, por meio das normas legais (leis, decretos, portaria); assim como de forma intermediária, via agências de regulação. Todavia, diferentemente das empresas estatais, as agências não produzem bens nem prestam serviços à população, mas somente fiscalizam e regulam o mercado ditando “comandos técnicos” de expansão, qualidade, índices de reajuste de preços etc. É, porém, prudente frisar que a técnica intervencionista de regulação permite a existência de algumas empresas estatais, em menor número, atuando no âmbito do mercado. Mas sem desempenhar o papel anterior e possuindo uma reduzida capacidade de ingerência na vida econômica.

237

O Estado age diretamente como sujeito atuante no mercado, por intermédio

das empresas públicas, das sociedades de economia mista e subsidiárias.

Paula Joyce de Carvalho Andrade de Almeida238 entende que o Estado

também pode atuar sob o regime de monopólio legal (artigo 177 da CF) ou como

agente regulador pelo regime econômico privado, conforme o artigo 173, §§ 1º e 2º,

da CF. Assim, diz o caput do artigo 173 da Constituição que “[...] a exploração direta

de atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da

segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

235

O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993 apud ALMEIDA, Paula Joyce de Carvalho Andrade de. O controle da atuação das agências reguladoras federais brasileiras. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007, p. 19.

236 CLARK, Giovani. Política econômica e Estado. Estudos Avançados [online], v. 22, n. 62, p. 207-217, 2008, p. 212.

237 Ibidem, p. 209.

238 Op. cit., p. 20.

107

A atuação indireta do Estado é feita pela normatização ou regulação da

economia e pela intervenção, que, por sua vez, apresenta-se como a produção de

normas de transformação da economia, com o objetivo de instrumentalizar a

realização das políticas econômicas adotadas pela Constituição.

Almeida vê a regulação como a forma de atuação estatal mais condizente

com o regime político brasileiro, democrático constitucional, e a que mais se

coaduna com os princípios da subsidiariedade e da eficiência, norteadores do Direito

Econômico.239

A fiscalização é exercida pelo poder de polícia do Estado, que atua como

repressor de condutas contrárias aos fundamentos e princípios da ordem econômica

estabelecidos em lei e regulamentos.

O Estado, enquanto garantidor da ordem social e regulador das transações

que se realizam no seio dessa sociedade, é também interventor em diversos

assuntos. Desse modo, a sua intervenção vai desde o controle de transações

financeiras, com agências específicas ligadas à regulação do Sistema Financeiro

Nacional, até a questão da compra de um bem próprio que deve ser registrado em

cartório específico para que se dê publicidade ao ato e o Estado possa estar a par

da transação.

Dessa forma, o desenvolvimento econômico e o processo de industrialização

observados ao longo do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, tornaram

evidente a necessidade de intervenção dos poderes públicos nos domínios

econômico e social, apesar da ausência de previsões constitucionais nesse sentido.

Como muito bem assinalam Lênio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Morais, quando

abordam o surgimento do intervencionismo estatal:

Evidentemente que isto trouxe reflexos que se expressaram nos movimentos socialistas e em uma mudança de atitude por parte do poder público, que vai se expressar em ações interventivas sobre e no domínio econômico, bem como em práticas até então tidas como próprias da iniciativa privada, o que se dá por um lado para mitigar as consequências nefastas e por outro para garantir a continuidade do mercado ameaçado pelo capitalismo financeiro [...].

240

239

ALMEIDA, Paula Joyce de Carvalho Andrade de, O controle da atuação das agências reguladoras federais brasileiras, p. 20.

240 Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000 apud CRUZ, Paulo Márcio. Intervenção e regulação do Estado. Florianópolis, 2000, p. 7. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32828-40714-1-PB.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2015.

108

É entendimento comum que a industrialização deu lugar ao aparecimento de

amplos setores sociais que reclamavam melhores condições de vida, cuja atuação

conduziu a conflitos sociais cada vez mais intensos. A expansão da indústria, por

outro lado, só era possível com o Estado providenciando políticas de criação de

infraestruturas e de estímulo econômico. Isso tudo junto com a concentração da

atividade industrial e a criação de monopólios, o que dificultava, muitas vezes, o bom

funcionamento do mercado, tornando inexorável a intervenção e regulação do

Estado.241

A intervenção do Estado, ao longo do século XIX, foi levada a cabo, em que

pese a falta de previsões constitucionais, por meio da atividade legislativa,

principalmente nos países industrializados, com uma atividade que cobria os mais

diversos âmbitos da vida econômica.242

Assim, a regulação das condições de trabalho nas fábricas, com o primeiro

diploma legal nesse sentido tendo sido a Lei de saúde e moralidade para regular o

trabalho infantil nas fábricas de algodão, na Inglaterra, em 1802, seguida da Lei do

horário de trabalho, estabelecendo a jornada de 12 horas diárias na França, em

1848, e da Lei do seguro de doença para os trabalhadores, na Alemanha, em 1883,

é um bom exemplo disso. Por outro lado, a atividade estatal de promoção de setores

da economia, como ferrovias, comunicações telegráficas, entre outros, foi muito

intensa em todos os países europeus.243

Tratavam-se, porém, como se viu, de medidas legislativas e governamentais,

sujeitas ao humor do momento político e sem garantia de permanência. Além disso,

cobriam somente aspectos parciais da vida e das relações econômicas. A

intervenção do Estado nos domínios econômico, social e cultural, prevista nas

Constituições do século XX, corresponde a um movimento principalmente

programático. É como escreve Paulo Bonavides: “a ordem econômica e social

durante a primeira fase de aceitação positiva do princípio do Estado social nas

Constituições do século XX corresponde em grande parte a uma pauta

programática.244

241

CLARK, Giovani. Política econômica e Estado. Estudos Avançados, p. 212. 242

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de, Tratado de direito comercial brasileiro, p. 66. 243

Ibidem, loc. cit. 244

Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995 apud CRUZ, Paulo Márcio, Intervenção e regulação do Estado, p. 8.

109

A Constituição brasileira de 1934, que teve vida curta, tendo sido revogada

em 1937, seguindo essa tendência, estabelecia amplas disposições que

possibilitavam a intervenção estatal. Essa tendência do constitucionalismo fez-se

ainda mais evidente depois da Segunda Guerra Mundial.

É a ideia de Welfare State, que se comporá efetivamente no pós-1945,

quando o aspecto promocional passa a integrar definitivamente o vocabulário

político do século XX, como assinala Ubiratan Borges de Macedo.245

Deve-se anotar que regulação e intervenção são categorias diferentes. A

intervenção dos poderes públicos como agentes econômicos, produzindo ou

comercializando, diretamente, insumos e bens, ou prestando serviços típicos da

iniciativa privada, é que caracteriza a intervenção do Estado na economia. Regular

ou regulação é outra coisa, bem distinta.246

3.5.1 O Estado Regulador Contemporâneo Neoliberal

Lucas de Souza Lehfeld247 classifica Welfare State como um sistema estatal

intermediário entre o liberalismo e o marxismo248. Também chamado de “Estado do

Bem-Estar Social”, surgiu com o propósito de amenizar os problemas sociais do pós-

Guerra, como miséria e fome, e, consequentemente, o fracasso do Estado Liberal.249

Os partidos socialdemocratas que assumiram o poder em vários países da

Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial pareciam oferecer a resposta

245

Liberalismo e justiça social. São Paulo: IBRASA, 1995, p. 189. 246

MAIA, Rodolfo Tigre. Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (anotações à Lei Federal nº 7.492/86). São Paulo: Malheiros, 1999, p. 90.

247 Controles das agências reguladoras, p. 57.

248 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. 2.

249 O Estado Liberal que emergiu da Revolução Francesa e que predominou durante o século XIX operou uma dissociação bem nítida entre a atividade econômica e a atividade política. O representante típico do liberalismo econômico, qual seja Adam Smith, em 1776, considerava que, de acordo com o sistema de liberdade natural, o soberano tem somente três deveres a cumprir. Três deveres de grande importância, na verdade, mas claros e inteligíveis ao senso comum: o primeiro, o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão por outras sociedades independentes; o segundo, o dever de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade da injustiça e da opressão de qualquer outro membro, ou o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; e, em terceiro lugar, o dever de erigir e manter certas obras públicas e certas instituições públicas que nunca serão do interesse de qualquer indivíduo ou de um pequeno número de indivíduos. Erigir e manter, porque o lucro jamais reembolsaria as despesas para qualquer indivíduo ou número de indivíduos, embora possa frequentemente proporcionar mais do que o reembolso a uma sociedade maior. Cf. VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: o direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 5.

110

definitiva à superação desses problemas nos marcos do regime capitalista.250 Assim,

esses partidos implantaram no pós-Guerra o denominado Welfare State em vários

países da Europa Ocidental. O seu principal objetivo era o de impedir a emergência

da revolução socialista nos moldes soviéticos na Europa Ocidental. Tal fato

contribuiu decisivamente para que, nesses países, os detentores do capital fizessem

concessões, nos planos político, econômico e social, aos trabalhadores e ao povo

em geral.

Em verdade, o Welfare State surgiu como resultado das grandes críticas do

liberalismo econômico, que já era observado desde o século XIX.

Nesse diapasão, Lehfeld salienta que:

O Estado passou a atuar como empresário, utilizando-se de entidade da Administração Pública indireta, como as empresas estatais e sociedades de economia mista, para intervir na economia, concorrendo com a iniciativa privada. Por outro lado, também se valeu da criação de normas, especialmente constitucionais, para assegurar os objetivos de uma política econômica que atribui à iniciativa privada a propriedade e a atividade econômica, sem esquecer de regular e incentivar a economia com o objetivo de suprir as deficiências do mercado (para o seu bom funcionamento) e estabelecer mecanismos de concorrência.

251

A Constituição de Weimar (1919) e também a Constituição Mexicana (1917)

apresentavam com clareza esse assunto, trazendo princípios democráticos nas

áreas econômica e social.

Nas palavras de Fábio Nusdeo:

Assim, a dualidade centros decisórios começa a se impor a partir da primeira conflagração europeia e, logo após a mesma, forma o seu marco jurídico com a Constituição de Weimar, de 11.8.1919, quando surge um título especialmente dedicado à vida econômica. Não é necessário ressaltar aqui que dois anos antes, em 1917, a Constituição Mexicana já havia inaugurado essa nova matéria constitucional tratando extensamente de diversos aspectos da atividade econômica, inclusive reforma agrária e outros tópicos. No entanto, o fato passou praticamente despercebido dos estudiosos do assunto que debruçaram em maior profundidade, dado o peso politico e cultural da civilização teuta e a influência por ela exercida sobre as letras jurídicas do mundo civilizado.

252

No final da década de 1920, nos Estados Unidos, também ocorreu a

repercussão dessas ideias intervencionistas, em razão da enorme crise econômica

que culminou com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque (1929), acarretando

projeção internacional. Houve a necessidade de intervenção direta e agressiva do

governo norte-americano na economia.253

250

ALCOFORADO, Fernando. Globalização. São Paulo: Nobel, 1997, p. 120. 251

Controles das agências reguladoras, p. 58. 252

Curso de economia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997 apud Ibidem, loc. cit. 253

LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., loc. cit.

111

Essa política intervencionista, conhecida como New Deal,254 implantada pelo

então presidente Franklin D. Roosevelt, somente se efetivou com o apoio da

Suprema Corte norte-americana.255 E o intervencionismo fez o Estado padecer de

nova crise, pela excessiva oneração de suas prestações sociais e pela falta de

recursos para supri-las.

A partir desse momento, uma nova forma do capitalismo liberal foi instaurada,

em substituição ao Estado do Bem-Estar Social, que, já desprovido de recursos, não

conseguia cumprir tudo aquilo que tinha prometido. O neoliberalismo, ao contrário do

modelo estatal anterior, nada promete, mas parece tudo cumprir, com uma mudança

do papel do Estado fomentador da atividade econômica, que passa agora a ser

regulador.

O Estado Neoliberal tem uma proposta de um comércio livre, com ampla

circulação de capital, mas com uma liberdade voltada, à época, a toda e qualquer

manifestação da vida humana.

Lehfeld afirma que o Estado agora se preocupa com a não intervenção na

vida de seus cidadãos, entretanto, sem deixar de manifestar as suas atenções ao

mercado e a atribuições menores.256

Ficou perceptível que o Estado neoliberal, diferentemente do liberalismo, preocupa-se com uma economia de mercado com menor controle de capital. Busca-se uma maior liberdade por parte da iniciativa privado no campo da economia, reduzindo o intervencionismo estatal até então preponderante em razão do chamado Estado do Bem-Estar Social. Na realidade o neoliberalismo conduz a uma modificação do papel do Estado, que deixa de ser fomentador da atividade econômica e passa a ser regulador, preocupando-se de forma direta apenas com relação àquelas atividades essenciais, inerentes à sua criação, como segurança, saúde, habitação, educação (exemplos: previdência social, assistência social e gratuidade da saúde e educação). Esse é o denominado Estado mínimo (seria melhor Estado diferente, em razão da dificuldade de aplicação dessa política econômica neoliberal na prática, como será abordado oportunamente).

257

Marçal Justen Filho entende que a solução dita neoliberal reflete o

desengajamento do Estado como instrumento utilizado pelos trabalhadores em favor

254

LEHFELD, Lucas de Souza, Controles das agências reguladoras, p. 60. 255

Lehfeld diz que, embora muito reticente no início, com o posicionamento de se tratar de uma atuação estatal atentatória à garantia da liberdade, posteriormente aceitou sua necessidade por meio de uma alteração no critério interpretativo referente à liberdade econômica. Essa política exercida nos EUA consistia em um conjunto de medidas com três objetivos delineados: a busca do equilíbrio do mercado, a promoção do pleno emprego e o aumento da capacidade aquisitiva dos trabalhadores. O Estado funcionava como incentivador do ritmo da economia, especialmente com os gastos públicos. Cf. Ibidem, p. 58.

256 Ibidem, p. 60.

257 Ibidem, p. 61.

112

da realização de seus interesses, em uma permanente e interminável luta contra os

proprietários do capital. A solução regulatória reflete a concepção de que a luta de

classes deve prosseguir fora do aparato estatal e desenvolver-se no âmbito do

domínio econômico propriamente dito. É uma vitória política dos titulares do capital,

o que evidencia uma derrota dos trabalhadores.258

Vale notar que a própria iniciativa privada não vislumbrou, no perfil regulador

do Estado Neoliberal, uma restrição à liberdade.259 Ao contrário, essa participação

estatal acabou por se revelar altamente benéfica para os detentores de capital, já

que o Estado passou a ser consumidor de grande porte e protetor dos mecanismos

de livre concorrência, seja ela em âmbito interno ou em seara internacional.260

3.6 Regulação por meio do Direito Econômico

O Direito sempre buscou regular a vida em sociedade. E por meio dessa

vertente é possível dizer que o regulamento das atividades econômicas está

intrinsecamente ligado à questão do poder, uma vez que o poder está relacionado à

economia de alguma forma.261

Ainda é possível constatar que, segundo os estudiosos Abraham Kaplan e

Harold Lasswell, o poder é um valor de deferência que interessa particularmente à

Ciência Política; ele pode ser descrito em termos de seu domínio, alcance, peso e

coercitividade. É possível distinguir formas de poder, conforme o valor sobre o qual

ele está baseado. Também se classificam relações de influências para as quais o

poder é uma base.262

258

Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005 apud LEHFELD, Lucas de Souza, Controles das agências reguladoras, p. 61.

259 LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 63.

260 Lehfeld entende que a necessidade de mudança de papel do Estado, que se disseminou no continente europeu e também nas Américas, produziu no Brasil efeitos relevantes para a atividade econômica, a qual sofreu intensa abertura à iniciativa privada recentemente, em razão de um plano nacional de desestatização implantado na década de 1990, em que houve flexibilização do monopólio estatal de diversas áreas estratégicas, como energia elétrica, petróleo e telecomunicações. Cf. Ibidem, loc. cit.

261 Para Thomas Piketty, a maneira mais simples de comprovar a evolução do papel do Poder Público na vida econômica e social consiste em examinar a importância que o conjunto de impostos e arrecadações passou a exercer na renda nacional. O autor demonstra isso por meio de gráficos, usando como exemplo países desenvolvidos. Cf. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 462.

262 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência: Brasil-Globalização-União Européia-Mercosul-ALCA. São Paulo: Singular, 2005, p. 23.

113

Dessa feita, o Direito Econômico, cujo preceito fundamental é a tentativa de

regulação da economia como um todo, tem o seu fundamento na política econômica,

para que, diante dela, possa desenvolver os mecanismos necessários à consecução

dos seus objetivos.

Dentre as formas do poder manifestar-se, tem-se o poder econômico, conforme a explicação de Abraham Kaplan e Harold Lasswell: “[...] Em situações concretas, é importante distinguir claramente entre o poder como valor e os valores sobre os quais o poder está sendo exercido. Uma pessoa pode ter poder sobre a riqueza (“poder econômico”), por exemplo, sem ocupar uma posição correspondente favorável com relação à própria riqueza – é o caso, por exemplo, de poderosos líderes sindicais. Uma pessoa pode controlar a distribuição do respeito sem ser respeitada - esse pode ser o caso de um editor ou publicista. E assim por diante”.

263

Seguindo-se o contexto do poder econômico, é possível afirmar que, quando

o ser humano presta-se a observar a troca de produtos como forma de sustento,

volta-se ao contexto do mercado comercial. Ou seja, a questão social perde

relevância perante o fator econômico. Nesse sentido são as palavras de Max Weber

a respeito do tema: “a troca é a forma especificamente pacífica de obter poder

econômico”.264

Ainda com relação ao poder, e sua força perante às relações comerciais e

jurídicas, pode-se dizer que o Estado, enquanto mantém-se apático a essa

realidade, promove o dissabor de ver as regras serem impostas pelas partes. No

entanto, a partir do momento em que se inicia a interferência do Estado perante as

relações individuais, por meio de leis e regulamentos de setores da economia,

mostra-se com força e virtudes para promover o correto e bom andamento das

negociações bilaterais. A fiscalização do Poder Público é inerente aos atos

praticados pelos entes comerciais privados e não compreende a negociação em si.

3.7 Regulação econômica capaz de buscar solidez econômica

Pode-se asseverar que o Direito Econômico e as primeiras concepções

acerca de regulação surgiram em contraposição aos ideais da não intervenção

estatal proposta pelo liberalismo econômico. Portanto, não se pode falar em Direito

Econômico sem que se fale em República de Weimar e em Primeira Guerra Mundial.

Sobre o tema, Vicente Bagnoli ensina que:

263

BAGNOLI, Vicente, Introdução ao direito da concorrência: Brasil-Globalização-União Européia-Mercosul-ALCA, p. 23.

264 Economia e sociedade. 4. ed. Brasília: Ed da UnB, 2000. v. 1 apud Ibidem, loc. cit.

114

Antes mesmo da celebração do armistício da Primeira Guerra de 11 de novembro de 1918, a Alemanha foi palco de diversas disputas internas que culminaram na República de Weimar. Na noite de 7 de novembro, proclama-se na Baviera uma República Democrática e Socialista por meio dos partidos de esquerda mais radicais. Aos 9 de novembro, o partido socialista alemão proclama a República na chancelaria de Berlim. No final de 1918, já com uma nova lei eleitoral, realizam-se as eleições para formar o congresso dos representantes das províncias imperiais, que, eleito, vota em janeiro de 1919 pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte.

265

O fim da Primeira Guerra Mundial coincidiu com o surgimento da Primeira

República Alemã, instituída e elaborada na cidade da Saxônia: Weimar. Gilberto

Bercovici entende existir três níveis de organização econômica na Constituição de

Weimar. O primeiro nível seria o dos direitos fundamentais, sociais e econômicos,

como o direito ao trabalho (artigo 163), a proteção ao trabalho (artigo 157), o direito

à assistência social (artigo 161) e o direito de sindicalização (artigo 159). Outro nível

social seria o do controle da ordem econômica capitalista por meio da função social

da propriedade (artigo 153) e da possibilidade de socialização (artigo 156).

Finalmente, o terceiro nível seria o mecanismo de colaboração entre trabalhadores e

empregados por meio de Conselhos (artigo 165).266 Com essa organização, a ordem

econômica de Weimar tinha o claro propósito de buscar a transformação social,

dando um papel central aos sindicatos para a execução dessa tarefa.

Percebe-se, assim, por meio da Constituição de Weimar, uma nova proposta:

a de se construir uma atividade econômica voltada para o bem-estar social. Na

época, outros textos também exaltavam o mesmo objetivo, tais como a Constituição

do México, de 1917, e a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, de 1891, que

tratava da condição dos operários e lhes propunha auxílio.

Esses ideais começaram a surgir como crítica ao Estado Liberal, que, por sua

vez, surgiu em contraposição ao Estado Absolutista e, pautado nos ideais

iluministas, contando com a força da burguesia, tinha por base a igualdade, a

liberdade e a propriedade. Todavia, a liberdade proposta pelo Estado Liberal devia

ser considerada como meramente formal, mera liberdade de mercancia, uma vez

que a propriedade era privada – ou seja, o favorecido era a própria burguesia.

Para Washington Peluso Albino de Souza, as Constituições (ditas) liberais

brasileiras – tanto a do Império, de 1824, quanto a (dita) Republicana, de 1981 –

265

Introdução ao direito da concorrência: Brasil-Globalização-União Européia-Mercosul-ALCA, p. 3. 266

Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005, p. 18.

115

declaravam adotar a linha de abstenção do Estado na atividade econômica. Sendo

assim, a técnica de legislar foi a de não se referir ao fato. Havia, portanto, um

conjunto de princípios garantidores da liberdade de iniciativa e de uso pleno da

propriedade privada, sendo que tanto o conceito de livre iniciativa quanto o de

propriedade privada eram tidos como definidores das bases ideológicas necessárias

e dos fundamentos da definição liberal.267

Influenciado por esses princípios, o Brasil copiou o modelo europeu de

exploração da atividade econômica na época do surgimento e exaltação do

liberalismo. Posteriormente, notou-se a tendência da transferência do poder de

direção da economia para o Estado, o que se intensificou no contexto pós-Segunda

Guerra.

O cenário requeria a figura de um mantenedor do equilíbrio econômico,

político e jurídico. Surgiu, então, um novo Estado, o Estado Social. A verdade é que

o modelo liberal sempre encontrou diversas críticas, mas a conjuntura econômica

mundial era muito mais forte, de modo que a crise econômica gerou um sentimento

antissemita e antimarxista. Instaurou-se, assim, o Partido Nacional Socialista

Trabalhador Alemão, liderado por Adolf Hitler, um dos maiores fomentadores da

Segunda Guerra Mundial. É por isso que a intervenção do Estado no domínio

econômico só existiu, de fato, no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, momento

que inaugurou, a partir da perspectiva do Direito Econômico, a intervenção

regulatória, cujo intuito é estabelecer limites jurídicos ao poder econômico.268

A noção de intervenção regulatória está amparada pelos conceitos de neoliberalismo e de keneysianismo das décadas de 50 e 60, e é verificada como ato político e de natureza originariamente política, politizando, assim, o ato econômico. Tal intervenção, contudo, exige um aperfeiçoamento crescente do comando da área econômica. A agência reguladora, nesse aspecto, tem-se feito elemento importante para o desempenho da atividade de normalização, uma vez que garante a referida especificidade. Ou seja, a interferência da agência reguladora é pressuposto para que exista a atividade regulatória.

269

Bagnoli enfatiza que o poder econômico representa uma concepção de

“natureza política”, já que é uma das manifestações do poder. Direitos e obrigações

se contrapõem, desde a imposição do domínio absoluto até os relacionamentos

mais democráticos e igualitários.270

267

Primeiras linhas de direito econômico. São Paulo: LTr, 2005 apud BAGNOLI, Vicente, Direito e poder econômico, p. 270.

268 BAGNOLI, Vicente, op. cit., loc. cit.

269 Ibidem, loc. cit.

270 Ibidem, loc. cit.

116

O poder, ou seja, a capacidade de agir, tem como elemento fundamental

a ação. Não necessariamente essa ação deve ser praticada, podendo se assinalar

apenas como potencial. Assim, o poder pode se materializar por ambas as formas,

sem nenhum prejuízo para a sua distinção.

No Direito da Concorrência, não se pode falar na existência de apenas um

mercado, e sim de vários, inter-relacionados, em maior ou menor grau. Desse modo,

ao falar de um mercado de alimentos, a menção pode ser a um mercado de carnes,

e mais ainda, ao de carne bovina, ao de carne suína, ao de aves, mercados esses

em que há um maior ou menor nível de concorrência entre os agentes econômicos.

Nessa mesma linha de raciocínio, o produtor de automóveis, por exemplo, não

integra esse mercado de alimentos e, por isso, não tem possibilidade de exercer

poder econômico nele.

Ressalta-se que a oferta e a procura são elementos de grande importância

para a caracterização do mercado relevante. A possibilidade de substituição de

produtos, bem como a facilidade para a entrada de novos concorrentes,

indubitavelmente interferem no mercado relevante.

A maior ou menor intensidade com que os consumidores exerçam a sua

opção entre um ou outro produto, segundo variações de preço, será expressa pelo

índice de elasticidade cruzada da procura, ou seja, a razão das variações da procura

por um determinado produto em função de variações no preço de outro produto.

Já em relação à oferta, o mercado relevante poderá sofrer interferência de

duas formas diferentes. A primeira, por meio da inclusão no mercado relevante de

agentes que, mesmo não participantes do mercado, possam facilmente redirecionar

a sua produção, passando a produzir bens semelhantes, atraídos por um eventual

aumento de preços. A segunda, quando tais agentes não sejam incluídos no

mercado relevante, mas a facilidade de seu ingresso em tal mercado seja

considerada sob o aspecto de baixas barreiras à entrada, limitadoras do poder

econômico do player analisado.271

Dessa forma, a apuração do grau de participação de mercado, principal

elemento em que se baseia a análise antitruste, é complexa em decorrência de

inúmeras nuances. A previsão dos impactos anticoncorrenciais não faz parte de uma

271

BAGNOLI, Vicente, Direito e poder econômico, p. 270.

117

ciência exata, pois uma série de fatores devem ser levados em conta, muitos dos

quais podem ser avaliados aproximadamente.

3.8 Concentração X Regulação econômica

Comumente, a doutrina associa as origens da concentração econômica no

Brasil com o processo de colonização, o qual foi baseado na forte apropriação de

renda por um pequeno grupo da sociedade. A desigualdade e a pobreza estão no

cerne desse processo e, mais do que um resultado indesejado do processo

concentrador, constituem elementos definidores da própria colonização.272

Nesse período, o papel desempenhado pelo Direito limitava-se a legitimar o

processo de concentração do poder econômico, contribuindo fortemente para

acentuar a extração de renda e, por consequência, fixando uma das bases em que

se sustenta o subdesenvolvimento do país.273

Modernamente, as características da concentração econômica estão relacionadas ao sistema de mercado do capitalismo, voltadas ao aperfeiçoamento das relações de mercado e dos produtos e serviços. Isso não significa afirmar que a concentração deixou de possuir alguns dos traços do período colonial (principalmente no que tange à potencialidade de extração de renda e criação de pobreza). Vê-se, porém, uma mudança na postura do Direito, que passa a disciplinar o poder econômico com esteio em princípios constitucionais, como a livre iniciativa, a livre concorrência, a valorização do trabalho humano. Nesse percurso jurídico-legal, também se percebem mudanças no posicionamento do legislador com relação ao fenômeno da concentração econômica no que tange à sua (i) licitude. Essa análise demonstra a evolução do direito brasileiro diante da transformação das relações de mercado impostas pelo sistema capitalista, o que fez mudar a natureza jurídica dos atos de concentração bem como a forma do seu controle.

274

Em um primeiro momento, Vicente Bagnoli entende que, mais precisamente

no contexto do Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, a fusão de empresas

que visasse a impedir ou dificultar a concorrência era considerada um crime contra a

economia popular, que deveria ser duramente reprimido.275

272

BAGNOLI, Vicente, Introdução ao direito da concorrência: Brasil-Globalização-União Européia-Mercosul-ALCA, p. 1.

273 Idem, Direito e poder econômico, p. 268.

274 Conquanto hoje não mais se enquadre a concentração de poder econômico no Direito Penal (tipificado como “crime”), vê-se que já havia a preocupação das autoridades com relação ao fenômeno concentracionista que então tomava volume. Apesar da força com que esse decreto procurava punir possíveis violações à livre concorrência, Benjamin M. Shieber pondera que esses dispositivos não tiveram efetiva aplicação, provavelmente em decorrência da inexistência de um órgão público específico para tratar dessas situações. Cf. Ibidem, loc. cit.

275 Ibidem, loc. cit.

118

Uma operação de concentração de empresas é geralmente definida como um

ato ou contrato, cujas partes envolvidas deixam de ser centros decisórios

autônomos, passando a atuar no mercado como um único agente em suas

atividades econômicas de forma permanente. Isso significa dizer que tanto o

comportamento do agente no mercado quanto a forma interna de produção devem

sujeitar-se a um único centro decisório – ou seja, uma unidade de comando ou

controle –, de modo que seja possível considerá-las um único agente em todas as

operações econômicas por elas realizadas.

Tal situação demanda uma alteração na estrutura dessas empresas que seja

duradoura e que permita verificar uma verdadeira uniformidade econômica. O fato

de a unificação dos centros decisórios nas concentrações empresariais referir-se a

todas as atividades econômicas desempenhadas pelas empresas constitui o

elemento central na distinção das situações de concentração daquelas de

cooperação empresarial.

O elemento essencial para a caracterização de uma concentração econômica consiste na existência de uma alteração estrutural e duradoura das empresas envolvidas na operação. Na fusão e na incorporação de empresas essa alteração estrutural é bastante evidente, pois, mais do que econômica é física e jurídica. A fusão consiste na forma mais perfeita de concentração por promover a integração econômica de forma total e definitiva. Haveria uma absorção completa da individualidade econômica das empresas envolvidas, de forma que a nova empresa, resultante dessa operação, ficaria sujeita a um único.

276

Nos casos do exercício de controle de empresas, vê-se que a unidade de

comando também se faz presente, envolvendo não apenas as empresas controlada

e controladora, mas também aquelas empresas que eventualmente estejam

controlando ou sendo controladas pela primeira.

Por fim, cumpre observar que a regulação econômica tem um papel crucial na

busca pelo pleno funcionamento da sociedade, e mais que isso, que essa seja

dotada de valores e princípios humanos e civis.

As atividades econômicas, predominantemente de cunho capitalista, têm

como ponto fulcral o mercado financeiro, e este, por sua vez, volta-se à operação

por meio do poderio econômico de empresas particulares e governo, que,

atualmente, desponta como poder público estatal e também como agente

econômico, quando atua por meio de suas empresas públicas, sejam estatais ou

autarquias etc.

276

BAGNOLI, Vicente, Direito e poder econômico, p. 268.

119

A busca pela construção ou transformação da sociedade de forma a aplicar-

se a justiça social e a solidez econômica é uma constante, e assim o deveria ser.

Isso porque, a exemplo do que aconteceu em 2008, quando por conta de problemas

oriundos do mercado financeiro estourou a bolha nos Estados Unidos, o país inteiro,

e quiçá o mundo, sofreram ou sofrem, ainda hoje, em decorrência dessa

problemática.

Sinal de que, tanto o crescimento da economia quanto a sua estagnação

estão ligados com o mercado econômico-financeiro e o Estado, de modo que a

apatia do Estado nas ações de grande vulto do mercado econômico pode

transformar o país, enquanto Estado poderoso, em um Estado falido.

Percebe-se que o controle econômico das atividades comerciais e financeiras

por parte do Estado, assim como das grandes negociações e do mercado

internacional, constitui uma necessidade latente, e mais ainda nos dias atuais, tendo

em vista as facilidades promovidas pelo desenvolvimento de novas tecnologias que

permitem o investimento financeiro por meio de computadores.

Tem-se, ainda, que os limites de atuação do Poder Público, em detrimento do

ente privado, vão continuar crescendo e assim o devem ser, tendo em vista que,

sem a regulamentação, o Estado permite a ocorrência de certos atos, como a

concorrência desleal ou a formação de cartéis etc.

Os controles sobre a economia vão desde os Bancos Centrais atuando nas

intermediações financeiras até as transações empresariais de compra e venda de

empresas, em que há a atuação do CADE. Contudo, as preocupações pela

construção de uma sociedade economicamente mais sólida e justa do ponto de vista

social vão muito mais além do que o simples controle estatal sobre as operações,

devendo haver aprendizado do próprio ser humano em constituir-se perante seus

pares e entender que todos participam da mesma cadeia produtiva e de consumo.

3.9 Autonomia do BACEN e desenvolvimento econômico

A concessão de autonomia aos Bancos Centrais em todo o mundo capitalista

transformou-se, sobretudo a partir da década de 1990, em tema de acalorados

120

debates que passaram a mobilizar não apenas o mundo político, mas também parte

significativa dos círculos acadêmicos.277

De forma geral, o termo autonomia, quando aplicado a Bancos Centrais,

significa que eles dispõem de liberdade operacional para cumprirem o seu papel,

seja de combater a inflação, como no Brasil, seja, também, da manutenção do

crescimento econômico e de baixas taxas de desemprego, como nos Estados

Unidos.278

Os Bancos Centrais autônomos são mais eficientes quanto à tarefa de manter

baixos índices de inflação, uma vez que os governos, pela sua própria natureza

política, temem, principalmente nos períodos eleitorais, adotar medidas impopulares,

como aumentar as taxas de juros, o que afetará o crescimento econômico, elevando

o nível de desemprego.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa assevera a necessidade de atribuição da

autonomia aos Bancos Centrais, porque acredita que o isolamento das pressões

políticas de curto prazo permite-lhes uma atuação mais eficaz quanto ao alcance de

metas econômicas de longo prazo. Essa opinião é unânime, acreditando-se, de

outro lado, que manter as autoridades políticas responsáveis pela realização dos

objetivos econômicos representa uma melhor garantia de resultado do que passar

essa responsabilidade para os Bancos Centrais.279

Alguns autores, como o citado Verçosa e Mario Henrique Simonsen,

entendem que o Banco Central deve estar desvinculado do Ministério da Fazenda,

gozando a autonomia bastante profunda, a partir do estabelecimento de mandatos

fixos para os seus administradores, exercendo um quarto poder, o emissor

monetário, ao lado dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Ao Banco

Central do Brasil, assim constituído, caberia a responsabilidade pelo comando da

política monetária, pelo controle das taxas de juros, pela negociação da dívida

277

RAPOSO, Eduardo. Banco Central do Brasil: o leviatã ibérico, uma interpretação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Hucitec, 2011, p. 219.

278 Ibidem, loc. cit.

279 Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 79.

121

externa, funcionando como um freio contra a inflação e obrigando o Estado a definir

suas prioridades e orçamentos.280

Verçosa diz que tem sido contestada a ideia de um Banco Central autônomo

para países que se encontram em fase de desenvolvimento econômico. Nessas

situações, é pela posição estritamente monetarista daqueles órgãos que muitos

Bancos Centrais têm exercido um significativo papel desenvolvimentista.

Verifica-se, no entanto, que o elevado preço da inflação recai sobre as

classes economicamente menos favorecidas, podendo ocorrer um desenvolvimento

global com crescimento do PIB, mas gerando o nascimento a seríssimas distorções

no campo da distribuição da renda nacional, cuja maior parte fica nas mãos de

pequena parcela da população, e dando-se, além disso, grande força aos setores

financeiros, em detrimento dos demais, como seja, indústria, comércio e serviços.

Nesse contexto, o Banco Central autônomo é fator de impedimento da prática de

políticas de falso desenvolvimento, a cargo do governo, podendo e devendo

contrariar medidas em tal sentido e adotar metas não geradoras da descontrolada

emissão monetária.281

O renomado autor ainda salienta que o desenvolvimento não pode estar

baseado em emissões deficitárias de moeda, pois essa prática causa inflação, a

qual, como se sabe, atinge justamente as classes sociais economicamente mais

fracas, que não têm condições mínimas de defesa contra a perda do valor

monetário, como o fazem outros segmentos mais abastados da sociedade, por meio

da aplicação de recursos financeiros em operação de curto prazo.282

Mas não se deve esquecer que o tema do desenvolvimento tem sido também

utilizado para a justificativa da existência de bancos públicos, federais e estaduais.

Nesse diapasão, por conhecidas razões históricas e econômicas, as primeiras

decorrentes da maneira pela qual o sistema bancário brasileiro foi criado, e as

280

Posição em sentido contrário apresenta José Serra, para quem existe um equívoco nas propostas que tentam garantir a autonomia do Banco Central do Brasil, mediante a sua caracterização como uma espécie de quarto poder da República. Segundo o economista, o Banco Central é, constitucionalmente, uma entidade vinculada e subordinada ao Poder Executivo, não representando um novo poder e não sendo órgão auxiliar do Congresso Nacional. Merecendo tratamento especial, devem estar previstas em lei as suas particularidades em relação aos demais órgãos do Executivo, não se podendo, no entanto, excluí-lo das normas gerais previstas para toda a Administração Pública federal. Cf. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 79.

281 Ibidem, p. 109.

282 Ibidem, loc. cit.

122

últimas relacionadas ao fato de o país ter sido retardatário no processo de

industrialização, os bancos públicos foram largamente utilizados, entre outros

instrumentos legais, a exemplo dos benefícios fiscais e do crédito subsidiado, como

substitutos da inexistência de sistema bancário privado adequado e de satisfatório

mercado de capitais, para o fim de financiamento à produção.283

Jean-Paul Veiga da Rocha diz que estamos vivendo a mais grave crise

financeira, dando visibilidade para algumas características dos sistemas econômicos

e políticos contemporâneos. Segundo o autor, em primeiro lugar, não é necessário

ser economista para compreender que os bancos e as demais instituições

financeiras exercem papel sui generis na economia moderna; em segundo lugar,

percebeu-se a importância de um maior acompanhamento, por parte de

especialistas e da opinião pública em geral, dos efeitos colaterais das deliberações

de política monetária, como o possível incentivo a bolhas econômicas; e em terceiro

lugar, constatou-se o atual grau de integração financeira, ao mesmo tempo em que

se viabilizou um aumento extraordinário de eficiência e rentabilidade.284

O controle social, se entendido como o poder desfrutado pela sociedade para

intervir nas decisões estatais a respeito da regulação de determinado setor da

economia, constitui-se em um dos elementos fundamentais para que as agências de

regulação não se submetam às investidas dos setores regulados.

Nesse sentido, Veiga da Rocha salienta:

Embora o Estado-nação já não possua capacidade para desenhar de forma autônoma seu sistema financeiro, os bancos centrais e demais órgãos reguladores do sistema financeiro, que já eram historicamente dotados de amplo poder de intervenção na economia e em empresas financeiras, saem da crise ainda mais robustecidos.

285

Assim, a política monetária e a regulação financeira, funções estatais

distintas, porém imbricadas, tornam-se objeto de intenso debate prático e

acadêmico.

283

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 111.

284 Regulação financeira, direito e democracia. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Regulação, direito e democracia. São Paulo: Perseu Abramo, 2002. p. 27-42, p. 27.

285 Ibidem, loc. cit.

123

3.9.1 Autonomia e os poderes constitucionais

É evidente que a autonomia dos Bancos Centrais está ligada à existência de

um sistema democrático, no qual se respeite a interdependência harmônica dos

poderes.

Cumpre observar que o problema em causa tem uma abrangência extrema,

pois não se reduz às relações entre os Bancos Centrais e o governo ou o

Congresso. Para falar-se em efetiva autonomia dessas instituições, deve-se colocar,

como condição prévia, no plano democrático, o funcionamento equilibrado e estável

dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, onde haja interdependência e

harmonia. Esses fatores devem estar ajustados no Brasil, ao menos por enquanto,

ao regime presidencialista, conforme estabelecido pelo plebiscito realizado anos

atrás.286

O ponto de partida necessário para o alcance de tal situação ideal reside na

solução dos problemas existentes no Legislativo, a começar pela instituição de

mecanismos de real representatividade perante a população e pelo funcionamento

dos partidos políticos estáveis, dotados de programas perfeitamente definidos, a

cujos ditames os seus membros deveriam estar obrigatoriamente vinculados,

proibindo-se a troca gratuita por agremiação durante o período de mandato.

Na esfera governamental, dever-se-á ter um chefe de governo forte, eleito por

um partido efetivamente representativo, condição ideal para a deflagração de

políticas sociais e econômicas voltadas para o bem-estar da coletividade, do que

decorrerá que um governo dessa natureza não fará pressões indevidas sobre

políticas monetária, creditícia e cambial adotadas pelo Banco Central.

Conforme Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, a referida autonomia do Banco

Central deve ser a expressão de uma clara tomada de posição pela sociedade,

encetada por um Congresso Nacional verdadeiramente representativo, no sentido da

outorga de poderes plenos para alcançar-se a estabilidade da moeda, colocando-se,

em certa medida, acima das interferências do governo, do próprio Poder Legislativo

e do Judiciário.287

286

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 101.

287 Ibidem, p. 102.

124

O verdadeiro regime democrático é caracterizado pela existência de um

sistema de freios e de contrapesos entre os diversos poderes e, no caso dos Bancos

Centrais, pela utilização de alguns mecanismos necessariamente existentes e

conjugados entre si, começando pelo estabelecimento de fronteiras muito bem

definidas quanto às atribuições do próprio órgão do governo e do Congresso, e

passando pela impossibilidade da demissão ad nutum dos seus diretores pelo chefe

de governo que se julgar contrariado no exercício de sua política ou nos seus

caprichos pessoais.

Como bem lembra Verçosa, a Constituição Federal, nos incisos XII e XIII do

seu artigo 48, atribuiu ao Congresso Nacional competência para legislar sobre

matérias financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações,

bem como sobre a moeda, seus limites de emissão e o montante da dívida

mobiliária federal.288

Entende-se que não basta criar um Banco Central autônomo, mas torna-se

necessário rever o equilíbrio dos poderes constitucionais, no tocante à competência

legislativa atualmente prevista nos dispositivos acima mencionados, evidentemente

não para criar um poder supremo nas mãos do Banco Central, mas com o fim de

proteger o exercício de suas funções das ingerências externas, nem sempre

preocupadas com a estabilidade da moeda.

3.9.2 BACEN e a autonomia operacional

Segundo Jairo Saddi, a palavra autonomia advém do grego autós (próprio,

peculiar) e nomos (lei, regra), pressupondo a ideia composta de direção própria, de

agir ou deixar de agir, de possuir a faculdade de organização, administrativa e

jurídica. A noção de autonomia pode ser expressa também como a direção própria

daquilo que é próprio.289

Na verdade, a autonomia é apenas uma faculdade dada a um órgão da

Administração para regrar-se, proporcionando, assim, a visão de que não é possível

a existência de um Banco Central com autonomia operacional para todos os países,

288

Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 102.

289 Crise e regulação bancária: navegando por mares revoltos apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 14.

125

mas só para os que já atingiram um padrão mínimo de ordem financeira e

administrativa, capaz de permitir o seu funcionamento eficaz.

Marco Antônio Ribeiro Tura apresenta a etimologia do termo autonomia, que

é expressiva de um dos três pilares da liberdade antiga, ao lado dos termos

autocrinia e autarquia. Autocrinia expressa a capacidade judiciária própria, a

possibilidade de julgar a si mesmo. Autarquia expressa a capacidade administrativa

própria, a possibilidade de governar a si mesmo. E autonomia expressa a

capacidade legislativa própria, a possibilidade de regular a si mesmo. A precisão do

termo, verificada a linguagem antiga, contudo, perdeu-se. O substantivo autonomia

tem-se feito acompanhar de diversos adjetivos, como uma estratégia para conferir

ao termo uma precisão perdida. Fala-se, por isso, em autonomia pública, autonomia

privada, autonomia estadual, autonomia municipal, autonomia funcional, autonomia

pessoal, autonomia individual, autonomia didática, autonomia científica, autonomia

financeira etc. Não obstante isso, em todas essas adjetivações da autonomia, algo

substancialmente idêntico se encontra: a ideia de um âmbito de organização e de

atuação exclusivas, livres de quaisquer interferências externas.290

Leandro Amaral Matta lembra que, no período compreendido entre os anos

de 1980 e 1990, a proposta de autonomia operacional para o BACEN ganhou

impulso, em especial, por causa da observação das pressões políticas sofridas pelos

Bancos Centrais, tidos como vítimas delas, já que se desviavam da sua função

natural de defender o poder de compra da moeda.

Alguns pontos da autonomia operacional de um Banco Central podem ser

definidos por meio das seguintes características: (i) existência de respaldo político

para operar com autonomia; (ii) a responsabilidade pela condução da política

monetária é responsabilidade das lideranças políticas eleitas; e (iii) caso as

lideranças políticas decidam delegar tal responsabilidade para o Banco Central, esta

deverá estar atrelada a uma ação transparente, com metas preestabelecidas e com

objetivos de longo prazo.291

Cabe considerar que o conceito de Banco Central com autonomia

operacional, nas diversas acepções do termo, com o arcabouço teórico que o

subsidia, sugere a implementação nas diversas visões no âmbito da questão, entre

290

Agências reguladoras no Brasil, p. 12. 291

Ibidem, loc. cit.

126

elas situações favoráveis e desfavoráveis, dependendo do sentido e da direção da

política econômica balizada pelo governo.

Alan Blinder acrescenta que o argumento a favor da autonomia operacional é

baseado no conflito existente com os incentivos políticos de curto prazo e a meta

permanente da estabilidade monetária. Quando se consegue tal autonomia, não se

desvincula totalmente o Banco Central do governo, pois ele não se toma

independente.292

Para Lourdes Sola et al., a discussão sobre a possibilidade da criação de um

Banco Central autônomo no Brasil foi possível somente após a estabilização de

preços e o sucesso do Plano Real, momento em que as circunstâncias econômicas

e políticas passaram a propiciar condições para o seu estabelecimento.293

Dentro da perspectiva de condutor de políticas econômicas de um país, o

Banco Central tem o importante papel de manter uma postura perante a sociedade,

contando com o depósito de confiança dado pela mesma, devendo ter como

contrapartida não o silêncio, mas sim a prestação de contas e a divulgação pública

dos critérios que norteiam suas decisões.

O procedimento autônomo que permite ao Banco Central manter a

credibilidade e preservar a discrição necessária para lidar com choques

inesperados, sem sacrifício da estabilidade, sugere a conciliação entre credibilidade

e flexibilidade, requerendo o desenvolvimento de novas molduras institucionais e a

criação de novos processos decisórios.

Para António José Avelãs Nunes, o Banco Central sem autonomia

operacional, submetido a razões de Estado e, consequentemente, a razões

eleitorais, não consegue impedir que as variáveis naturais sejam afastadas de sua

trajetória nem evitar as pressões políticas que surgem para manter a taxa de juros

abaixo do patamar condizente com a estabilidade de preços. Do mesmo modo, não

consegue elevar a emissão de base monetária como forma de financiamento do

déficit do setor.294

Assim, a atuação do Banco Central com autonomia operacional deve adquirir

uma postura transparente em seu gerenciamento-operacional. Segundo Matta, uma

292

Bancos centrais: teoria e prática. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 72. 293

Banco Central, autoridade política e democratização. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2002, p.118. 294

Nota sobre a independência dos Bancos Centrais. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, c. 103, 1996 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 58.

127

das características de um Banco Central com autonomia operacional é o sistema de

carta aberta, que implica um maior grau de transparência e é reforçado pelo

aumento da comunicação entre a autoridade monetária e o público, revelando-se

como fundamental por três razões: (i) deixa claro que o Banco Central e o governo

estão comprometidos com uma política de baixa inflação ao longo do tempo; (ii)

trata-se de um mecanismo de prestação de contas e de responsabilidade, podendo,

inclusive, levar à substituição de sua Diretoria; e (iii) reconhece a amplitude arbitrária

do intervalo de tolerância. A carta aberta permite ao Banco Central, sob o escrutínio

da sociedade, lidar com choques de oferta intensos e inesperados, sem impor à

sociedade sacrifícios desnecessários.295

Para Eric Roll, o Banco Central com autonomia operacional deve ter a sua

área de ação bem definida, assim como as suas metas a serem atingidas pela

política monetária também devem ser explicitadas. Para tanto, promulgar uma lei é o

primeiro passo para estabelecer normas operacionais, estabelecendo a forma de

prestação de contas da instituição – accountability – e seu comportamento em

algumas situações – guerras externas e outras –, estas últimas, épocas em que a

política monetária não pode confrontar iniciativas do Executivo.296

É importante acrescentar que a lei também deve estabelecer normas para

nomeação e demissão da Diretoria, determinando mandatos longos, não

coincidentes com os da Presidência da República. Apesar das limitações e do

controle jurídico, a lei ampara o Banco Central, permitindo-lhe maior arbítrio

operacional, não o deixando dependente das medidas políticas de cunho de curto

prazo do Executivo.297

Quanto ao nível de autonomia a ser conferido ao BACEN, ele dependerá de

quanto se queira flexibilizar a política monetária, adotada para assegurar a

estabilidade da moeda, retraindo as ingerências de ordem política. O BACEN deve

ser poupado de pressões políticas para financiar o Tesouro Nacional. Embora

alguns Bancos Centrais com autonomia operacional atuem comprando títulos de

seus governos, essa forma de financiamento tem sido mal empregada no Brasil.

Matta salienta que o caráter de autoridade monetária foi outorgado ao BACEN

295

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 59.

296 Independent and accountable: a new mandate for the Bank of England. Londres: Center of Economic Policy Research, 1993 apud Ibidem, p. 61.

297 MATTA, Leandro Amaral, op. cit., p. 61.

128

pela Constituição Federal de 1988, preservando-o como autarquia com atribuições

determinadas que, em resumo, lhe concedem a responsabilidade pela estabilidade

da moeda no Brasil. Todos os ganhos obtidos com o BACEN, que atua com uma

postura que promove autonomia operacional em seus atos, podem facilmente ser

perdidos mediante uma nova administração, uma vez que tais atos não estão

consubstanciados em lei que rege a sua atuação.298

Em todo o processo que envolve a discussão pela qual se enseja a autonomia

operacional do BACEN, é necessário, em especial, abstrair ideologias adversas que

se constituem em medidas de cunho político, buscando apenas o objetivo

fundamental de um Banco Central, ou seja, garantir a estabilidade da moeda e obter

baixas taxas de inflação.

Verifica-se que já houve um grande avanço nas funções do BACEN desde a

Constituição de 1988, época em que ocorreu uma definição estruturada de seu

papel, perdendo funções que nada tinham a ver com a autoridade monetária e

garantindo liberdade de atuação. Só que essa estruturação tem sustentação frágil,

devido à influência do Executivo, que pode trazer interrupção, a qualquer momento,

pelo presidente da República.

Para Matta, o modelo de autonomia operacional deve abranger, basicamente,

os seguintes aspectos: (i) mandato por prazo determinado para a sua Diretoria,

como forma de garantir continuidade de ações, maior autonomia operacional e

credibilidade à condução da política monetária; (ii) objetivo estatutário claramente

definido e o mais restrito possível (manter a estabilidade da moeda); (iii) imposição

de limites ao financiamento direto ao Tesouro, garantindo maior disciplina fiscal e

evitando que o financiamento de déficits governamentais, por parte do Banco

Central, comprometa a estabilidade da moeda; (iv) sólido mecanismo de

accountability, como forma de mostrar-se transparente em suas ações, garantindo a

justificativa e a coerência com os objetivos estatutários, e permitindo a prestação de

contas; (v) autonomia orçamentária como aspecto fundamental, principalmente para

evitar pressões ou retaliações nas despesas de custeio do Banco Central, em

função da adoção de medidas que contrariem determinados interesses de curto

prazo em relação ao governo; e (vi) estrutura institucional (o aparato jurídico-

institucional que dá respaldo às ações do Banco Central), pois, é por meio da

298

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 76.

129

adequação ou não da estruturação institucional que a independência formal e a real

serão mais ou menos próximas.299

No entendimento de Marcos Holanda e Leonardo Freire, é possível

estabelecer duas interpretações para essa discussão quanto ao caráter da

autonomia operacional. A primeira encontra-se mais ligada ao conceito de “não

subordinação” ao Executivo, em que um Banco Central com autonomia operacional

é tido por sua habilidade em manter-se afastado da influência do governo, no

sentido financeiro e político, mantendo a governabilidade dos atos que lhe são

próprios. A segunda liga-se ao conceito de “não conexidade”, pelo qual um Banco

Central com autonomia operacional é aquele que administra a política monetária

sem considerar os objetivos, às vezes conflitantes, da autoridade fiscal.300

Holanda e Freire entendem que ambas as interpretações sobre a autonomia

operacional do Banco Central residem no objetivo de possuir capacidade de buscar

prioritariamente a estabilidade da moeda, mesmo que seja por meio de medidas de

política monetária de pouco cunho político, não agradando o governo, podendo, até

mesmo, tais medidas ocasionarem o aumento no índice de desemprego.301

Cristina Terra diz que, num contexto de inflação e desemprego, a

independência dos Bancos Centrais é a forma de resolver esse problema. Com uma

forte preferência por taxas baixas de inflação, o Banco Central estaria imune às

pressões políticas para inflacionar, com o intuito de estimular a atividade econômica,

gerando expectativas baixas de inflação. Esse exemplo aconteceu com o Banco da

Alemanha. Frente a esse problema, o Banco Central brasileiro, com certa

autonomia, poderia se posicionar diante da crise que o país está passando com forte

pressão inflacionária e desemprego em crescimento.302

Para Matta, de uma maneira geral, a caracterização do Banco Central com

autonomia operacional envolve aspectos institucionais, organizacionais e legais, que

abrangem: (i) objetivos institucionais; (ii) responsabilidade e monitoramento das

299

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 79.

300 Medindo a independência do Banco Central do Brasil, Revista Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 133-146, jan./jun. 2003, p. 139.

301 Ibidem, p. 140.

302 Finanças internacionais: macroeconomia aberta. São Paulo: Elsevier, 2013.

130

políticas monetárias; (iii) limites de financiamento ao governo; e (iv) instrumentos de

política disponíveis e restrições ao seu uso.303

No que se refere aos aspectos organizacionais, no entendimento de Matta,

eles envolvem:

(i) função, composição, designação e demissão do presidente e dos diretores

do Banco Central. De maneira geral, considera-se que um mandato mais longo e

com prazo prefixado de seu presidente e diretores, de preferência desencontrado do

mandato do Poder Executivo, contribui para conferir grande independência ao Banco

Central; e

(ii) financiamento das atividades do Banco Central. O ideal em um Banco

Central seria ter o poder de elaborar e aprovar o seu próprio orçamento. Os Bancos

Centrais com autonomia operacional, geralmente, têm melhor gerenciamento

financeiro em relação aos governos e quase sempre determinam seus próprios

gastos orçamentários.304

Sylvia Maxfield enfoca a ótica das fontes políticas à independência do Banco

Central, apresentando a força política de diferentes grupos setoriais que privilegiam

a estabilidade de preços ou o emprego. Os primeiros preferem um Banco Central

independente, enquanto os segundos optam por um controle político do Banco. A

natureza das instituições políticas e o sistema partidário, ou seja, a extensão da

competição política, moldam o custo da mudança e a necessidade de financiamento

do governo.305 No entanto, na perspectiva da importância das condições

internacionais de autonomia operacional, pode-se constatá-la, uma vez que os

detentores de ativos financeiros internacionais podem inclinar-se a investir em

países com Bancos Centrais autônomos.

Lourdes Sola et al. explicam que, no início do ano 2000, o Comitê de Política

Monetária (COPOM) aprovou a Resolução nº 2.685, visando a disciplinar mais

estritamente a capacidade dos bancos de utilizar as linhas de redesconto e de

assistência de liquidez. As instituições precisam demonstrar a real necessidade

303

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 80.

304 Ibidem, loc. cit.

305 Gatekeepers of growth: the international political economy of Central Banking in developing countries. Princeton: Princeton University Press, 1997 apud Ibidem, p. 81.

131

financeira, e, ainda, a taxa de redesconto foi delegada ao COPOM, de modo que a

utilização desenfreada do sistema acarreta a punição com altas taxas de juros.306

Para os referidos autores, a adoção do sistema de metas inflacionárias pelo

BACEN trata-se de um item impulsionador na reforma institucional do mesmo,

aumentando a transparência da autoridade monetária.307 As metas de inflação

adotadas para a estabilização das expectativas inflacionárias conferem maior

previsibilidade à política monetária. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada pelo

Congresso no início de 2000, passou a ter um impacto sobre os trabalhos da

autoridade monetária.

Sola et al. acrescentam que o mencionado diploma legal impõe limites para o

gasto público em todos os três níveis de governo, além de uma série de penalidades

para eventuais violações. Essa lei exige do Banco Central relatórios periódicos sobre

os custos incorridos em suas operações, incluindo a sua participação no mercado de

taxa de câmbio. A discussão sobre a estrutura e o funcionamento do Banco Central

e o seu papel institucional deve ocorrer no âmbito do artigo 192 da Constituição

Federal de 1988 (alterado pela Emenda Constitucional nº 40/2003), que remete a

matéria à lei complementar.308

Cabe considerar que uma transformação assumida pelo Banco Central foi o

caráter transparente que a instituição passou a assumir perante a sociedade, indo

além do exigido pela lei vigente. A preocupação com a transparência é relevante,

por exemplo, porque, ao reduzir as incertezas dos agentes econômicos em relação à

política monetária, o Banco Central contribui para uma maior eficácia da sua própria

política.

Segundo Andréa Fernandes Andrezo e Iran Siqueira Lima, a maior

transparência por parte do Banco Central permite uma maior eficácia da política

monetária, com base no argumento de que, atualmente, a maior parte dos Bancos

Centrais controla alguma taxa de juros de curto prazo para alcançar os seus

objetivos de política econômica. Esta exerce uma significativa influência sobre as

expectativas do mercado acerca das demais taxas futuras de curto prazo, que, por

306

Banco Central, autoridade política e democratização, p. 191. 307

Ibidem, loc. cit. 308

Ibidem, loc. cit.

132

sua vez, afetam outras taxas importantes da economia, tais como as taxas de médio

e de longo prazos, taxa de câmbio etc.309

A autonomia operacional se dá a partir da necessidade da aplicação de

medidas eficazes de combate à inflação. Constata-se, pela história do BACEN, que

o seu direcionamento se deteve inicialmente na relação com o governo,

essencialmente financiando o déficit público.

O cenário de combate à inflação embutiu no imaginário da sociedade a ideia

de que estabilidade de preços se trata de um bem de primeira ordem a ser

perseguido. Com a implementação do Plano Real, em 1994, a inflação foi debelada

gradativamente, e a política monetária foi centralizada no Banco Central. No entanto,

com o fim da inflação, as finanças dos governos estaduais ficaram debilitadas,

impondo dependência ao governo federal.

O grande desafio agora para o BACEN seria a definição da velocidade com

que tentaria trazer a inflação para os níveis definidos na meta de inflação, uma vez

que a regra desse sistema é a antecipação de percentuais de inflação que se deseja

alcançar.

Uma vez que a autonomia operacional possibilita o discernimento de que a

autoridade monetária se pautará pela transparência de seus atos, adicionando

credibilidade à moeda, devido ao seu maior grau arbítrio na implementação da

política monetária, percebe-se que o BACEN já atua com certo grau de autonomia

operacional, visto que a instituição adotou um processo de amadurecimento na

busca efetiva da estabilidade da moeda.

Observa-se que não existe nenhum vínculo automático entre autonomia e o

baixo nível de inflação, ao mesmo tempo em que não há evidências teóricas e

empíricas claras de que o Banco Central deva ou não ter autonomia operacional.

Tampouco é possível afirmar que a autonomia do Banco Central seja suficiente para

evitar crises econômicas ou pressões políticas. O que se tem, com base em

experiências positivas de outros países, é que essa forma de conduta para a política

monetária representa forte mudança institucional.

São criados elementos formais a favor de uma política voltada para a

estabilidade de preços. No entanto, vale ressaltar que a experiência brasileira

309

Mercado financeiro: aspectos históricos e conceituais. São Paulo: Thomson Learning, 2002 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 88.

133

agrega argumentos particulares a esse debate, mostrando que, em virtude das

condições históricas e institucionais que marcaram a atuação do BACEN, adotar a

autonomia operacional só poderia trazer resultados positivos para a economia

brasileira, visto que existiria mais chance de sucesso para as estratégias de longo

prazo, defendendo a política monetária dos desejos momentâneos do governo.

3.9.3 Aprimoramento da autonomia do BACEN

Muito bem experimentada no Velho Continente, a autonomia dos Bancos

Centrais em países em desenvolvimento é algo novo.

No caso do Brasil, um plano de autonomia do BACEN diminuiria

significativamente a inflação. Normalmente, quem mais sofre com a inflação nas

alturas são as classes economicamente menos favorecidas, posto que esse

fenômeno pode causar um desenvolvimento do PIB, mas, ao mesmo tempo, trazer

algumas distorções no campo da distribuição da renda nacional, cuja maior parte

fica nas mãos de pequena parcela da população.

O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, declarou em entrevista ao

Portal G1, ser favorável à autonomia do Banco Central, inclusive com a previsão de

mandato para o presidente, mas afirmou que não concorda com a sua

independência em relação ao governo. Segundo Goldfajn, é

[...] imprescindível manter e aprimorar a autonomia do Banco Central [...] Não se trata de ambição ou desejo pessoal, mas de medida que beneficia a sociedade mediante a redução das expectativas de inflação, da queda do risco país e da melhora da confiança, todas essenciais para a retomada do crescimento de forma sustentada.

310

Cabe lembrar que o BACEN já contribui muito com a sociedade. E, como

autônomo, a facilidade para manutenção de um Sistema Financeiro sólido e

eficiente, capaz de prestar serviços adequados à população, de permitir o

gerenciamento de riscos financeiros de consumidores e de empresas, e de

intermediar recursos com eficácia entre poupadores e tomadores, seria

potencializada.

310

MARTELLO, Alexandro. Em Sabatina, Goldfajn defende mandato fixo para diretoria do BC. Portal G1, Rio de Janeiro, 7 jun. 2016, sem paginação. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noti cia/2016/06/indicado-para-o-bc-goldfajn-diz-que-vai-buscar-inflacao-de-45-no-brasil.html>. Acesso em: 4 set. 2016.

134

O Banco Central conta com uma regulação prudente e com uma supervisão

abrangente e profunda, reconhecidas por sua eficácia e sucesso, conforme foi

demonstrado no passado e o tem sido no presente.

Segundo Goldfajn, o BACEN possui duas dimensões na manutenção e no

aprimoramento do Sistema Financeiro no curto, no médio e no longo prazo:

A primeira dimensão é a resiliência do sistema. O sistema financeiro se encontra sólido, líquido e bem capitalizado. Nossa tarefa, mesmo frente a cenários por vezes desafiadores, será manter a solidez e a resiliência desse importante setor da economia. Tenho a consciência da importância das áreas de regulação, de autorização e de supervisão para a preservação dos atuais níveis de solidez e de resiliência do Sistema Financeiro Nacional. À frente do Banco Central, trabalharemos para aprimorar continuamente a atuação dessas áreas, de forma equivalente para bancos públicos e privados. A segunda dimensão é o trabalho contínuo do Banco Central – em conjunto com outras instituições – de aprimorar o sistema financeiro, corrigindo distorções que reduzem sua eficiência e simplificando as regras. Os objetivos são melhorar e reduzir o custo da intermediação dos recursos da sociedade, elevar a poupança na economia, principalmente de longo prazo, e aumentar a eficiência da política monetária, reduzindo os custos das ações do Banco Central.

311

Ao contrário do que ocorreu no Brasil e ocasionou o impeachment da ex-

presidente Dilma, um Banco Central autônomo é fator de impedimento da prática de

políticas de falso desenvolvimento, a cargo do governo, podendo e devendo

contrariar medidas em tal sentido e adotar metas não geradoras da descontrolada

emissão monetária.

No entender de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, o desenvolvimento não

pode estar baseado em emissões deficitárias de moeda, pois essa prática causa

inflação, a qual, como se sabe, atinge justamente as classes sociais

economicamente mais fracas, que não têm condições de mínima defesa contra a

perda do valor monetário, como o fazem outros segmentos financeiros em

operações de curto prazo. Ora, assim sendo, a inflação provocada com fins

desenvolvimentistas tem efeito justamente oposto ao desejado, visto que acarreta

um processo de deterioração acentuada da distribuição de renda. Por esse motivo,

com maior razão, devem os países em desenvolvimento adotar o modelo da

distribuição de renda.312

O aprimoramento na autonomia do Banco Central ideal se dá quando

consegue cumprir o seu papel no combate à inflação, que é um dos objetivos do

311

MARTELLO, Alexandro. Em Sabatina, Goldfajn defende mandato fixo para diretoria do BC. Portal G1, sem paginação.

312 Bancos centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 110.

135

novo presidente do BACEN, Ilan Goldfajn, englobando a manutenção ou a volta do

crescimento econômico do país e o pleno emprego. Mas, para que esse último seja

realidade, é necessário um equilíbrio que só possivelmente virá com a autonomia, já

conquistada por alguns Bancos Centrais ao redor do mundo, como se vê nas

bibliografias utilizadas neste trabalho.313

Conforme analisado neste capítulo 3, a autonomia do Banco Central deve ser

a expressão de uma clara tomada de posição pela sociedade, encetada por um

Congresso Nacional verdadeiramente representativo, no sentido da outorga de

poderes plenos para se alcançar a estabilidade da moeda, colocando-se, em certa

medida, acima das interferências do governo, do próprio Poder Legislativo e do

Poder Judiciário. Isso já seria o bom começo para o aprimoramento da autonomia,

visto que os poderes estão enfraquecidos pela corrupção, o que coloca em xeque

qualquer alteração quanto ao futuro do Banco Central.

Outro ponto que precisa ser julgado pelo STF e finalizar a história para o

aprimoramento da referida autonomia é o conflito de competências entre CADE e

BACEN, o qual também foi tratado neste capítulo e necessita de um

acompanhamento de perto dos poderes.

Vale acrescentar que alguns pontos da autonomia operacional de um Banco

Central precisam ser revistas para o aprimoramento, como: desenvolver um respaldo

político para operar com autonomia; entender que responsabilidade pela condução

da política monetária é responsabilidade das lideranças políticas eleitas; e, caso as

lideranças políticas decidam delegar tal responsabilidade para o Banco Central, é

necessário utilizar uma forma bem coordenada e supervisionada pelo Ministro da

Fazenda e pelo Presidente da República.

A exemplo de outros Bancos Centrais, o aprimoramento sempre se deu com a

desinflação, como foi o caso do Banco Central Europeu, do FED e também dos

Bancos Centrais da Nova Zelândia e do Chile, cujas propostas foram ousadas e

313

Ciente da importância do funcionamento harmônico e do complemento das instituições brasileiras, o presidente Michel Temer, na recente reforma da estrutura administrativa do Governo Federal, estabeleceu como requisito para a retirada da condição de ministro do presidente do Banco Central a aprovação de uma Emenda Constitucional que sedimente, na Carta Magna, a autonomia operacional (ou técnica) dessa autarquia para perseguir os objetivos estabelecidos pelo governo e que façam parte do seu mandato, como as políticas monetária e cambial e a estabilidade do Sistema Financeiro. Para esse fim, será relevante também discutir, com o restante da equipe econômica, a autonomia orçamentária do Banco Central. Cf. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Discurso de Ilan Goldfajn na cerimônia de transmissão de cargo de Presidente do Banco Central. Brasília, 13 jun. 2016. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Discurso_Ilan_Gold fajn_transmissao_cargo13060216.pdf> Acesso em: 3 set. 2016.

136

servem de modelo para o aprimoramento da autonomia do Banco Central brasileiro,

incluindo:

realizar a divisão geográfica nos estados brasileiros, o que, a exemplo do

FED, possibilitará maior proximidade com cada região do país;

fragmentar o poder entre vários membros e formar uma Diretoria com

membros indicados pelo Senado, Câmara, presidente da República e órgãos

financeiros;

salvaguardar a moeda, com a manutenção dos preços; e

aplicar a política monetária sempre que a taxa de inflação se desviar da

meta estabelecida, como é o caso chileno na atualidade.

As propostas acima tiveram origem na observação minuciosa dos Bancos

Centrais mundiais, os quais obtiveram a autonomia e melhoraram seus índices

inflacionários, desenvolveram o pleno emprego, entre outros benefícios.

3.10 Regulação do Banco Central e a contribuição para o desenvolvimento

econômico e social

Até o momento, neste capítulo, deu-se ênfase para a importância da política

econômica, tratando da regulação econômica de maneira geral. A partir de agora, a

ideia é mostrar como essa regulação pode contribuir para o desenvolvimento do

Brasil.

A política econômica consiste na atuação do Estado nas relações financeiras,

no intuito de organizá-las, possibilitando o enriquecimento de forma equilibrada.

Assim, o Estado regula e intervém, aplicando recursos para o cumprimento de

objetivos socialmente necessários, tais como controlar a distribuição de renda,

conter crises e garantir o bem-estar econômico e social.

Eugênio Gudin relata que a ênfase da política econômica de 1930 para cá

passou a destacar o incremento da produção e do volume de emprego. O objetivo

geral da política econômica passou a ser o de maior e melhor aproveitamento dos

fatores de produção, assim como a maior e melhor utilização possível dos recursos

materiais e do potencial humano, de modo a maximizar a renda nacional e o padrão

de vida. Tal política importa forçosamente no combate às oscilações gerais da

137

atividade econômica, por meio de medidas tendentes a manter em alto nível a renda

nacional e o volume de emprego.314

A política monetária se dá por intermédio do Banco Central, que detém o

monopólio da emissão da moeda no país. Desse modo, essa política pode ser

identificada como a ação do Estado, via Banco Central, para controlar a moeda,

garantindo a sua estabilidade e contraindo e expandindo o crédito no mercado, de

forma coordenada com as políticas fiscal e cambial, com o objetivo de promover o

bem-estar econômico e social.

A política monetária pode promover o bem-estar por meio do crédito, que

também é um elemento para o desenvolvimento, pois, sendo um meio de adquirir

bens e serviços, traduz-se em um veículo que permite aos empresários

aprimorarem as suas atividades por meio da inovação.

Em sua obra “A teoria do desenvolvimento econômico”, Joseph Schumpeter

consolida a importância do crédito:

Nesse sentido, portanto, definimos o cerne do fenômeno do crédito da seguinte maneira, o crédito é essencialmente a criação de poder de compra com o propósito de transferi-lo ao empresário, mas não simplesmente a transferência de poder de compra existente. A criação de poder de compra caracteriza, em princípio, o método pelo qual o desenvolvimento é levado a cabo num sistema com propriedade privada e divisão do trabalho. Através do crédito, os empresários obtêm acesso a corrente social dos bens antes que tenham adquirido o direito normal a ela. Ele substitui temporariamente, por assim dizer, o próprio direito por uma ficção deste. A concessão de crédito opera nesse sentido como uma ordem para o sistema econômico se acomodar aos propósitos do empresário, como um comando sobre os bens de que necessita: significa confiar-lhe forças produtivas. É só assim que o desenvolvimento econômico poderia surgir a partir de mero fluxo circular do equilíbrio perfeito. E essa função constitui a pedra angular para a moderna estrutura de crédito.

315

Outra forma tradicional de adquirir bens e recursos é o redesconto, por meio

do qual a instituição financeira apresenta e redesconta títulos em seu nome perante

o Banco Central, e permanece responsável pela cobrança dos deveres originais

desses títulos, comprometendo-se a recomprá-los em data previamente acordada.

Esse mecanismo funciona em razão do valor da taxa cobrada pelo Banco Central

para realizar o redesconto, ou seja, se for uma taxa inferior à adotada no mercado,

as instituições financeiras são incentivadas a elevar o seu crédito no Banco Central

e a expandir a concessão de créditos ao mercado, o que, por sua vez, aumenta a

quantidade de moeda em circulação.

314

Princípios de economia monetária. Rio de Janeiro: Agir, 1954, p. 3. 315

A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 74.

138

O BACEN também se vale do mecanismo de open market, o qual serve como

instrumento de atuação sobre o nível de liquidez da economia, comprando e

vendendo títulos públicos da sua própria carteira, o que enseja o ajuste do saldo de

reservas bancárias das instituições financeiras.

Ao comprar os títulos, o Banco Central influencia a expansão da base

monetária, aumentando os meios do pagamento, e, ao vendê-los, promove a

diminuição da quantidade de moeda no mercado.

Conforme José Tadeu De Chiara, oferecendo os títulos públicos no mercado

financeiro a taxas atraentes, ou recompensando-os em condições de compensadora

liquidez para os respectivos detentores dos mesmos, obtém o Estado o resultado de

aumentar ou diminuir o volume de dinheiro em circulação, ou, mesmo, de disciplinar

a velocidade de circulação da moeda, nas épocas próprias em que não há

exagerada demanda de crédito, e retirando-o de circulação sempre que haja

circunstância evidente de uma situação de utilização do crédito em formas

propiciadoras de inflação monetária.316

O Banco Central fixa e determina a taxa de juros para que os bancos possam

obter financiamento e cobrir seus desequilíbrios de caixa. É a taxa de juros básica

que informa globalmente ao mercado qual a expressão da equivalência entre as

disponibilidades monetárias e a preferência em manter a liquidez. A taxa de juros

influenciará os juros cobrados pelos bancos ao concederem crédito ao mercado, e,

portanto, se for extremamente alta, dificultará a circulação dos meios de pagamento

e acarretará maior custo de produção e, consequentemente, desaquecimento

econômico.

Considerando a premissa de que o Estado deve atuar na economia, nos

termos das conclusões alcançadas no primeiro capítulo, este trabalho presta-se a

defender que a busca pelo pleno emprego e crescimento nunca deveria ter sido

substituída pela estabilidade de preços, que não é fim em si mesmo, não devendo

ser um objetivo, mas um meio para alcançar determinados fins. Nesse sentido, o

Estado e seus organismos, entre eles o Banco Central, têm o dever de concentrar

suas forças na busca pelo desenvolvimento social.317

316

Disciplina jurídica das instituições financeiras. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 41-42, p. 289-307, 1977, p. 292.

317 BORGES, Florinda Figueiredo, Intervenção estatal na economia: o Banco Central e a execução das políticas monetária e creditícia, p. 84.

139

Uma questão importante para que o Banco Central possa atuar no

desenvolvimento social e na economia do país é a autonomia, como apontado

páginas atrás.

Rosa Maria Lastra destaca, ainda, que, se fosse independente, o Banco

Central estaria livre das pressões políticas, especialmente no período próximo às

eleições, em que os políticos, a fim de elegerem seus sucessores, determinam a

implantação de uma política expansionista, com baixas taxas de juros e redução do

desemprego, e, logo após o pleito, sujeitam a nação a grandes sacrifícios pelo

estabelecimento de política contracionista, a fim de conter a inflação.318

Em 1993, os economistas Alberto Alesina e Larry Summers publicaram um

artigo seminal, argumentando que a independência de um Banco Central mantém a

inflação sob controle, sem consequências negativas para o desempenho

econômico.319

Como já salientado, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa entende que o

elevado preço da inflação recai sobre as classes economicamente menos

favorecidas, podendo ocorrer um desenvolvimento global com o crescimento do

PIB, mas dando nascimento a seríssimas distorções no campo da distribuição da

renda nacional e gerando, além disso, grande força aos setores financeiros, em

detrimento dos demais, quais sejam indústria, comércio e serviços.320

Nesse diapasão, um Banco Central autônomo configura-se como fator de

impedimento da prática de políticas de falso desenvolvimento, a cargo do governo,

podendo e devendo contrariar medidas em tal sentido e adotar metas não

geradoras da descontrolada emissão monetária.

As subseções a seguir trazem atribuições do BACEN, dentro da regulação

econômica, que contribuem para o desenvolvimento econômico do país.

3.10.1 Estabilidade de preços

Não se pode afirmar qual foi e quando surgiu a primeira moeda. Sabe-se que

surgiu na Antiguidade e que a sua utilidade foi percebida rapidamente. Na verdade,

318

Banco Central e regulação bancária, p. 23. 319

DAVIES, Howard. A independência dos Bancos Centrais. Valor, São Paulo, 28 ago. 2015, p. A15. 320

Bancos Centrais no direito comparado: o Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação), p. 31-32.

140

surgiram alguns bens que, por terem aceitação geral, passaram a ser usados como

moeda.

Segundo Leandro Amaral Matta, os metais preciosos tiveram uma aceitação

geral e passaram a se sobressair, mas, como era preciso a pesagem para se

determinar o seu valor, precisou-se superar esse problema com as cunhagens, por

meio das quais se imprimia na moeda uma figura para mostrar o seu valor.321

Matta salienta que, a partir daí, surgiu um novo problema, a recunhagem:

quando um governante necessitava de dinheiro para pagar suas contas, aproveitava

uma efeméride qualquer para retirar de circulação as moedas existentes e lançar

outras com nova efígie. Entretanto, como as recunhagens tinham o objetivo de

financiar o Tesouro Real, de cada 10 moedas antigas retiradas, eram lançadas 11

novas, ficando uma para o soberano.322

Normalmente, o resultado dessa operação era a inflação, pois, para a mesma

quantidade de bens existentes, havia agora uma maior quantidade de moeda,

acarretando acréscimo na demanda e elevação dos preços.

Mario Henrique Simonsen e Rubens Cysne acrescentam que, no processo de

evolução da moeda, destaca-se, ainda, o papel-moeda e a moeda escritural.323 O

papel-moeda surgiu com o natural desenvolvimento econômico, passando por três

etapas: inicialmente como certificado de depósito dos bancos comerciais; em uma

segunda etapa, como certificado transferível de depósito; e, finalmente, como

certificado inconversível, na forma do papel-moeda. Nesse momento, a existência do

papel-moeda representa uma mudança importante, pois a moeda passa a valer não

por sua utilidade intrínseca, mas por sua capacidade de adquirir bens e serviços.

Quanto à moeda escritural, ela teve origem com o desenvolvimento dos

bancos comerciais. Especificamente, é representada pelos depósitos bancários à

vista, que possuem liquidez equivalente à moeda legal.

Eduardo Lundberg ressalta que a moeda, mesmo atualmente, cumpre não só

as tradicionais funções de meio de troca, de unidade de conta das transações e de

reserva de valor, mas também, pelo seu preço (juros) e por sua estabilidade interna

(inflação/deflação) e externa (câmbio), influencia e serve de referência importante

para avaliar as condições e as perspectivas econômicas do país que a emite. A

321

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 21.

322 Ibidem, loc. cit.

323 Macroeconomia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1992 apud Ibidem, p. 22.

141

evolução dos mercados monetários começa pelo sistema de troca direta, pela busca

de uma unidade de troca capaz de facilitar as relações comerciais, servindo como

referência de valor para as transações – a moeda.324

Segundo Regina Maria Arruda Bastos Machado, o uso generalizado da

moeda, dada a confiança generalizada em sua plena conversibilidade, abriu

caminho para as primeiras emissões de certificados ou notas bancárias desprovidas

de encaixe metálico, denominadas papel-moeda. A partir de então, não mais

existiam plenas garantias de conversibilidade, e, desse modo, se as casas bancárias

não agissem com prudência, evitando o excesso de emissões, todo o sistema

bancário desmoronaria. Dessa constatação, surgiu um dos motivos que levaram à

criação dos primeiros Bancos Centrais, com o dever de centralizar a emissão da

moeda.325

A inflação trata-se de uma mazela para os Estados, podendo-se constituir em

uma enfermidade crônica. Ela pode ser entendida sob vários critérios, entre os quais

se destacam a emissão monetária, a mudança de preços e o crédito bancário,

resultando em uma grande incerteza para o futuro de um país.326

A inflação se tornou um problema bastante característico na economia

brasileira, e, em particular, na década de 1950 e início dos anos de 1960, a principal

fonte de inflação era déficit do Tesouro, lastreado pela necessidade do governo em

suprir a infraestrutura adequada de transportes, energia, saneamento etc., para

fazer face ao desenvolvimento acelerado da época.

André Franco Montoro Filho et al. explicam que, como o governo não podia

elevar os impostos, já bastante excessivos, optou pelas emissões de dinheiro,

constituindo uma típica inflação de demanda. Quanto mais dinheiro corria na

economia, maiores eram as compras, em um momento em que a economia ainda

não estava preparada para produzir um volume correspondente ao do aumento de

procura.327

A partir de 1964, o governo brasileiro passou a adotar medidas para a

contenção da escalada inflacionária. Em um primeiro momento, com o chamado

324

Histórico e organização de Bancos Centrais. Rio de Janeiro: BACEN/CFS, 1993 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 22.

325 Bancos Centrais: Banco Central do Brasil. Rio de Janeiro: BACEN/CFP, 1993 apud Ibidem, p. 23.

326 MACHADO, Regina Maria Arruda Bastos. Bancos Centrais: Banco Central do Brasil. Rio de Janeiro: BACEN/CFP, 1993 apud MATTA, Leandro Amaral, op. cit., p. 22.

327 Manual de economia. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 19.

142

tratamento de choque, por meio de uma rígida política monetária, fiscal e salarial,

passando por uma política gradualista, correspondendo ao combate por etapas

planejadas.

A estratégia adotada pelo governo, ao longo da década de 1970, foi de

utilização das autoridades monetárias como bancos de fomento, no processo de

desenvolvimento econômico, como forma de atender à meta de crescimento com

endividamento. Grandes volumes de recursos eram levantados sem elevação na

carga tributária, ou seja, sem desestabilizar o regime vigente.328

Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti reforçam a questão, afirmando

que a inflação brasileira era provocada pela combinação de déficits públicos

elevados, financiados predominantemente com senhoriagens; indexação

generalizada de preços e salários; e passividade monetária. E essa passividade era

gerada pelo procedimento do BACEN de operar fixando a taxa real de câmbio.329

A autoridade fiscal primeiro decidia o nível dos gastos, para depois buscar os

recursos, e, nesse sentido, os procedimentos seguidos pelo BACEN garantiam o

necessário financiamento inflacionário. O Tesouro somente poderia financiar o déficit

emitindo dívida pública, mas, devido às regras operacionais do BACEN, ele, de fato,

o fazia com expansão monetária.

Conforme Rosa Fontes e Marcelo Arbex, ao longo do ano de 1993, o principal

instrumento de política econômica utilizado para conter essa escalada de preços foi

a taxa overnight,330 principal sinalizador de política monetária do governo e o

referencial diário da taxa primária de juros do mercado, que fechou o ano 22% acima

da inflação. Resultado fortemente influenciado pelas taxas de juros de final de ano,

quando o BACEN foi obrigado a tornar a política monetária ainda mais ativa, no

intuito de conter o recrudescimento inflacionário causado pelas pressões de

demanda.331

328

MONTORO FILHO, André Franco et aI., Manual de economia, p. 19. 329

Inflação e estabilização: algumas lições da experiência brasileira. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1999, p. 26.

330 Segundo Maura Montella, as operações overnight foram aplicações de curtíssimos prazos que rendiam juros da noite para o dia. Esse tipo de aplicação costumava ser mais procurado quando a inflação era tão alta que o poder de compra do dinheiro chegava a ser corroído em poucas horas. Cf. Descomplicando a economia: 305 perguntas e respostas. São Paulo: Clube de Autores, 2013, p. 91.

331 Credibilidade das políticas econômicas no Brasil: uma análise empírica do período 1991-1998. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 1-115, jan./mar. 1999, p. 40.

143

O mecanismo operacional do BACEN, no período pré-Real, consistia

basicamente na fixação do patamar de juros em um nível igual à taxa esperada de

inflação para o próximo mês, acrescida da taxa real de juros que se objetivava

praticar. As autoridades monetárias fixavam a taxa real de juros no nível mínimo

necessário para garantir a demanda por títulos públicos, evitando a fuga maciça de

recursos para ativos financeiros estrangeiros. O objetivo não era reduzir

significativamente a inflação, mas somente evitar a hiperinflação.332

Em 1994, o Plano Real, segundo entendimento de Pastore e Pinotti, eliminou

a indexação quase que instantaneamente. A taxa cambial passou a funcionar como

uma âncora monetária a partir do momento em que o BACEN adotou o regime de

crawlingpeg, alterando os regimes monetário e cambial, entre março e junho de

1994, na fase que antecedeu a reforma monetária. Foram separadas duas funções

da moeda, a de unidade de conta e a de meio de pagamento. A de unidade de conta

foi assumida por um novo índice (baseado em três índices de preços): a unidade de

reajuste de valores (URV).333

A moeda corrente do país, o cruzeiro real, manteve a função de meio de

pagamento. Pastore e Pinotti acrescentam que todos os preços, os valores nominais

de contratos e a taxa de câmbio passaram a ser reajustados diariamente pela URV.

Ocasião em que a adesão voluntária aos reajustes pela URV havia atingido grande

abrangência.334

Para Leandro Amaral Matta, a reunificação eliminou a indexação

simultaneamente em todos os preços, nos contratos e na taxa de câmbio, tratando-

se de um artifício que permitiu o declínio da taxa de inflação de forma imediata.335

Já Lourdes Sola et al. entendem que o Plano Real interrompeu a renovação

de um ciclo hiperinflacionário, combinado com a expansão da demanda e o

crescimento do PIB, dando origem a um excessivo otimismo. Com a crise mexicana

de dezembro de 1994, evidenciou-se a contrapartida do uso da âncora cambial,

ainda que flexível, induzindo ao déficit em conta corrente.336

332

FONTES, Rosa; ARBEX, Marcelo A. Credibilidade das políticas econômicas no Brasil: uma análise empírica do período 1991-1998. Revista de Economia Aplicada, p. 40.

333 Inflação e estabilização: algumas lições da experiência brasileira, p. 10-19.

334 Ibidem, loc. cit.

335 Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 29.

336 Banco Central, autoridade política e democratização, p.104.

144

As medidas adotadas nos quatro anos de vigência do referido programa anti-

inflacionário, no âmbito das políticas monetária e cambial, contribuíram para o

alcance e a consolidação da estabilização de preços.

Vale notar que dois episódios evidenciaram a suscetibilidade da economia

brasileira, dificultando a conduta posterior da política macroeconômica: a crise

asiática de 1997 e a moratória da Rússia em 1998. Tais episódios provocaram uma

crescente fuga de capitais do país e, consequentemente, uma redução das reservas

cambiais.337

A perda de credibilidade gerada por esse cenário levou novamente o governo

a utilizar a política monetária restritiva como forma de convencer o público, interno e

externo, do seu compromisso com a estabilização macroeconômica. Não foram

adotadas modificações na área cambial, mantendo-se a regra de não

desvalorizações, tendo o governo optado por uma elevação da taxa de juros.

O Banco Central, como meio de preservar a estabilidade do mercado,

precavendo-se, inclusive, de uma eventual corrida dos bancos, e também como

meio de executar sua política monetária, determina que parcela dos valores detidos

pelos bancos comerciais, como resultado das atividades de intermediação financeira

que realizam, seja mantida em seu poder a título de reserva compulsória, o que

interfere diretamente no efeito multiplicador dos depósitos.

Assim, se o Banco Central aumentar ou diminuir o volume de reservas

compulsórias, automaticamente diminuirá ou expandirá a quantidade de moeda no

mercado e, consequentemente, de crédito.

3.10.2 Estabilização da moeda

O principal papel de um Banco Central é zelar pela estabilidade da moeda, o

que significa manter a inflação tão baixa que faça com que os consumidores aceitem

reter a moeda sem percepção de perda significativa do seu poder de compra.

Segundo Antonio Delfim Netto, até a década de 1980, a política econômica

era basicamente entendida como um problema mecânico de controle. Existiam os

objetivos da política econômica – crescimento econômico, estabilidade dos preços e

337

MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 30.

145

equilíbrio externo – e a autoridade manejava discricionariamente os instrumentos –

política fiscal, monetária, cambial etc. –, de forma a atingi-los.338

Atualmente, a política econômica monetária mudou, tratando-se de um jogo

entre a autoridade e os agentes, em que a primeira deve dizer clara e honestamente

o que pretende, e os segundos, se acreditarem nela, aceitam o objetivo e entendem

como irá atingi-lo. Para o referido autor, o esperado de um sistema de metas

inflacionárias é a baixa da inflação e a pequena volatilidade, ajudando a acelerar o

crescimento econômico, permitindo uma melhor alocação dos fatores de produção,

uma escolha mais adequada dos investimentos e, consequentemente, um aumento

da produtividade.339

Um dos problemas que se colocam para acompanhar o desenrolar da inflação

consiste em estabelecer um core, ou seja, um “âmago da inflação”, que seja

relativamente estável e capaz de distinguir as perturbações produzidas por efeitos

transitórios sobre os preços (quebra de safra, choque de preços da energia,

aumento de impostos e de tarifas alfandegárias ou públicas) daquelas que resultam

de pressões estruturais de oferta e procura que podem ser influenciadas pela

política monetária.340

No entender de Arnaldo Galvão, tanto as perturbações produzidas por efeitos

transitórios quanto as que resultam de pressões estruturais de oferta e procura são

acompanhadas pelo BACEN, na análise de suas metas inflacionárias. Alguns

aumentos de preços são provocados por fatores temporários, não fazendo sentido o

BACEN elevar a taxa básica de juros como consequência dessas situações, uma

vez que o aumento de juros desacelera a economia e provoca elevação do

desemprego.341

Galvão ainda atenta que o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA)

é utilizado pelo BACEN para o acompanhamento dos objetivos estabelecidos no

sistema de metas inflacionárias, balizando a política monetária. O índice mede as

variações de preços ao consumidor ocorridas em regiões metropolitanas, como

Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,

338

Sobre as metas inflacionárias. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 3, n. 3, jul./set. 1999 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 38.

339 Op. cit., p. 30.

340 Sobre as metas inflacionárias. Revista de Economia Aplicada apud Ibidem, loc. cit.

341 Política econômica: meta de inflação do BC. Valor Econômico, São Paulo, 8 abr. 2002 apud MATTA, Leandro Amaral, op. cit., p. 38.

146

Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Goiânia, refletindo a variação de preços das cestas

de consumo de todas as famílias que recebem aproximadamente entre 1 e 40

salários mínimos ao mês.342

Para Vera Saavedra Durão, o atual sistema de metas inflacionárias utilizado

pelo BACEN tem tolerância de dois pontos percentuais para baixo e para cima, e os

preços administrados representam 30% do Índice Nacional de Preços ao

Consumidor (INPC). Em julho de 2001, o Comitê de Política Monetária decidiu que a

definição de preços administrados passaria a incluir um conjunto ampliado de itens

com peso de 30,7% no INPC, e esse conjunto é integrado por eletricidade, gasolina,

telefone fixo, ônibus urbano, plano de saúde, água e esgoto e gás de botijão etc.343

As metas inflacionárias objetivam a estabilização das expectativas

inflacionárias e a construção de um mecanismo de coordenação dos preços. Com a

manipulação da taxa de juros nominal de curto prazo – que é variável sob controle

do BACEN –, espera-se influenciar a taxa de juros real de longo prazo e a taxa de

câmbio real, para controlar a demanda.

O núcleo de inflação, ou core inflation, é imune aos efeitos primários de

oferta. Esse é um bom medidor de preços, porque registra somente os efeitos

secundários das variações de preços, coincidindo com a política adotada pelas atas

do Comitê de Política Monetária no mês de abril de 2002, não levando em conta na

trajetória da política monetária os aumentos do petróleo, ou seja, os impactos

primários de oferta.344

O respeito às metas inflacionárias, de fato, é a essência do regime, e a

tentativa contínua de sua observância é a chave da credibilidade do BACEN, mas

tais metas não são um fim em si mesmas, e sim um instrumento para alcançar a

estabilidade.

No entanto, nessa linha de pensamento, deve-se observar que a condução do

BACEN rumo às metas inflacionárias é vulnerável quando sobrevêm choques que

estão além do alcance da política monetária, valendo a representatividade do

contexto econômico adotado pelo Executivo.

342

Política econômica: meta de inflação do BC. Valor Econômico, São Paulo, 8 abr. 2002 apud MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 40.

343 O core inflation do BC. Valor Econômico, São Paulo, 10 abr. 2002 apud Ibidem, loc. cit.

344 MATTA, Leandro Amaral, op. cit., p. 41.

147

Para Leandro Amaral Matta, a Nova Zelândia tornou-se um modelo de país

que mantém a estabilidade de sua moeda. Precursor no uso da conduta de meta de

inflação, viabilizando mudanças quando necessário, mostrou que a flexibilidade

representativa do sistema não o tornou estático.345

No Brasil, já existe um consenso de que, a partir da introdução do regime de

metas inflacionárias em 1999, houve uma satisfatória autonomia operacional do

BACEN na condução da política monetária. O BACEN pôde, nesse período, ajustar

a sua política monetária de forma a perseguir o seu objetivo principal de meta

inflacionária, mostrando que essa autonomia pode ser benéfica do ponto de vista

econômico.

É importante destacar, contudo, que existem mais atribuições ao BACEN,

além da busca pela estabilidade da moeda, tratando-se do zelo pela liquidez e pela

solvência das instituições financeiras, e, também, da condição de emprestador de

última instância no âmbito do mercado financeiro doméstico, além da busca do pleno

emprego e melhor distribuição de renda.

A representatividade de um BACEN com autonomia operacional já foi

alcançada em outros países. No caso brasileiro, a representatividade caminha na

teoria, embora efetivamente, na prática, essa condução já se estabeleça,

necessitando avançar mais. A autonomia no Brasil, em um primeiro momento, se

contrapõe às questões políticas que os legisladores desejam conduzir.346

A conquista da credibilidade se constitui como fator preponderante na

condução de qualquer política de médio e longo prazo. Assim, com o distanciamento

da interferência política, a atuação do BACEN se prolongará com efeitos no

gerenciamento da moeda brasileira.

Para Alan Blinder, instituir concomitantemente o conceito de credibilidade ao

BACEN é um fator relevante, visto que, quando se investe nesse aspecto, é possível

alcançar mais vantagens em curto prazo.347 Tome-se, como exemplo, uma situação

em que, em um dado momento, o BACEN queira abandonar uma meta inflacionária

de crescimento monetário, sem que se pense que mudaram sua estratégia de longo

prazo. Com credibilidade, terá margem suficiente para atuar.

345

Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 42.

346 Ibidem, p. 43.

347 Bancos Centrais: teoria e prática, p. 82.

148

A adoção do BACEN com autonomia facilitaria a execução de suas

estratégias de longo prazo, no entanto, a destreza operacional da instituição

colidiria, muitas vezes, com medidas econômicas de caráter imediato do governo,

constituindo um dos dilemas com que o BACEN se depararia. Em caso especial, o

dilema é ter de optar entre as medidas econômicas capazes de favorecer a

estabilidade de preços em longo prazo e os efeitos negativos dessas medidas sobre

o crescimento econômico em curto prazo.

A autonomia do BACEN é desejável para funcionar como mecanismo

preventivo, após estabilizações bem-sucedidas, vide alguns exemplos de países que

optaram por esse sistema operacional.

Um Banco Central autônomo é um instrumento importante para a

estabilidade. Ele será tanto mais eficiente quanto mais responsável for a política

fiscal. Sua efetivação envolve a capacidade de autoajuste da economia e a

concepção de moeda até a coordenação entre políticas econômicas e a interação

economia-política.348

Para António José Avelãs Nunes, é relevante transitar, neste momento, pelo

real significado da palavra autonomia operacional da autoridade monetária quando

são estudadas as suas dimensões. Podendo ser independente, mas devendo haver

discussão sobre a necessidade da existência de limites para a utilização dos

instrumentos monetários ou de quaisquer outros instrumentos.349

A autonomia pode ser acompanhada da imposição de normas legais que

impeçam o financiamento monetário de gastos públicos, como, por exemplo,

restrições ao uso dos recursos do BACEN pelo governo, mas, fundamentalmente,

confere ao BACEN um poder discricionário quase absoluto.

Segundo Matta, para que o BACEN possa perseguir o seu objetivo, qual seja

o de assegurar a estabilidade de preços e o poder de compra da moeda, o processo

institucional de determinação da política monetária e o monitoramento do seu

desempenho devem impedir a sua sujeição às pressões do governo. Ou seja, deve

haver autonomia operacional.350

348

MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 45.

349 Nota sobre a independência dos Bancos Centrais. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, c. 103, 1996 apud Ibidem, p. 43.

350 Op. cit., p. 47.

149

A autonomia operacional, por sua vez, consiste na existência de um

orçamento próprio para o BACEN, com incorporação dos resultados operacionais da

instituição no seu próprio patrimônio. Esse ponto surge também em oposição à

transferência de resultados ao Tesouro, como contrapartida da receita de

senhoriagem, que é criticada por alguns como mantenedora do financiamento

monetário à política fiscal.

O BACEN não deve ficar ao sabor do ciclo político ou permitir que a gestão da

moeda obedeça aos desejos e impulsos das mudanças do governo. Deve-se

ressaltar a importância do controle político da instituição. Todo o processo

operacional do BACEN deve ser transparente tanto para o governo quanto para

seus eleitores. Do contrário, a democracia perde sua razão, dado o predomínio do

mercado financeiro em relação aos demais setores econômicos da sociedade.351

O princípio da autonomia é basilar para que o BACEN possa cumprir o seu

papel. Assim, além de manter personalidade jurídica própria, a instituição pode

controlar as suas medidas de gestão administrativa, sem a ingerência de medidas

políticas.

Do ponto de vista técnico, a autonomia do Banco Central conduz a uma

grande dependência de personalidades e a uma ênfase indevida no ponto de vista

dos banqueiros, sugerindo a adoção de regras fixas de conduta para as autoridades

monetárias, dando ao público maior controle sobre estas, por intermédio da

autoridade política, sem submeter a política monetária às interferências diárias dos

políticos.352

Em contraste a isso, o estabelecimento de metas explícitas de inflação ancora

as expectativas de preço de maneira muito mais direta, pois combina um regime

transparente e baseado em regras com a garantia de alguma liberdade de ação

tática ao BACEN.

351

MATTA, Leandro Amaral, Em busca da autonomia operacional do Banco Central do Brasil como instrumento de estabilidade da moeda, p. 47.

352 As finanças públicas brasileiras antes de 1980. [S.l.], 2000. Disponível em: <http://www.economiabr.net/economia/7_financas-antes80.html>. Acesso em: 26 nov. 2015 apud Ibidem, p. 49.

150

3.10.3 Pleno emprego

Antes de se falar em pleno emprego propriamente dito, se faz necessário

discutir, nesta parte do trabalho, o entendimento que foi dado, ao longo da história,

às questões pertinentes ao trabalho, à ocupação e ao emprego, procurando

esclarecer o conceito que se deu a cada um deles nos diferentes momentos da

existência humana.

3.10.3.1 Trabalho, ocupação e emprego

O objetivo econômico de qualquer nação, como de qualquer indivíduo, é

alcançar bons resultados. Todo progresso econômico da humanidade consiste em

obter maior produção com o mesmo trabalho.

Verificou-se que, nos últimos, as sociedades industrializadas conviveram com

crescimento econômico, progresso material, avanço da ciência e da tecnologia, e

melhoria geral das condições de vida. Porém, esse desenvolvimento gerou muitos

empregos, mas as crises, principalmente a imobiliária nos Estados Unidos, e agora a

chinesa, deixaram os governos ainda mais endividados, e as economias estão cada

vez mais longe de proporcionarem condições de emprego àqueles que já estão ou

acabaram de entrar no mercado de trabalho.

Segundo Aimoré Woleck, paradoxalmente, esses fatos estão acontecendo em

um período de crescimento e de elevada produtividade. Por outro lado, são poucos

os países que fogem dessa condição crítica, pois quase todos enfrentam a crise do

desemprego e a degradação social por ela causada. O declínio do emprego retrata,

portanto, a possibilidade objetiva de um cenário social caótico nos países em que

ele se torna agudo, a não ser que surjam alternativas que permitam às pessoas o

exercício do trabalho autônomo e outras formas de ocupação que lhes propiciem

meios de vida. Essas foram as alternativas consagradas ao longo da história, uma

vez que o emprego é um fenômeno da Modernidade.353

Urge notar que, após a década de 1970, os países cêntricos experimentaram

um grande desemprego, que afetou também o Brasil.

353

O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Revista de Divulgação Técnico-científica do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, Vale do Itajaí, p. 33-39, 2002, passim. Disponível em: <http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev01-05.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2016.

151

Marcio Pochmann salienta que, por sofrer diversas influências, como o

processo de globalização produtiva e financeira, a redefinição do papel do Estado na

economia e o novo ciclo de inovações tecnológicas, o nível de qualidade de

emprego relaciona-se, no mundo do trabalho, com a precarização das condições e

relações de emprego e a permanência de elevadas taxas de desemprego, não

devendo ser desassociado do movimento geral do capitalismo contemporâneo neste

século.354

Em 1994, diante da estabilização da moeda, o Brasil se inseriu na nova

divisão internacional do trabalho, contudo, o tímido crescimento econômico

comprometeu a geração de empregos, o que resultou na ampliação do desemprego

e dos postos de trabalho informal.

Do ano 2000 até o atual momento, o processo de reestruturação produtiva

combinou a ampliação do saldo comercial com a elevação do nível geral de

emprego. No entanto, as crises dos últimos anos citadas acima aumentaram o

desemprego no Brasil, com a economia mergulhada numa grande recessão, a qual

se revela como a maior dos últimos 25 anos.355

3.10.3.1.1 Trabalho

Na Antiguidade, o trabalho era entendido como a atividade dos que haviam

perdido a liberdade. O seu significado confundia-se com o de sofrimento ou

infortúnio. Isso porque o homem, no exercício do trabalho, sofre ao vacilar sob um

fardo. O fardo pode ser invisível, pois, na verdade, é o fardo social da falta de

independência e de liberdade, como entende Robert Kurz.356

Nas palavras de Aimoré Woleck:

Os gregos utilizavam duas palavras para designar trabalho, a palavra ponos, que faz referência a esforço e à penalidade, e ergon, que designa criação, obra de arte. Isso estabelece a diferença entre trabalhar no sentido de penar, ponein, e trabalhar no sentido de criar, ergazomai. Parece que a contradição “trabalho-ponos” e “trabalho-ergon” continua central na

354

O emprego no desenvolvimento da nação, p. 10. 355

Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo, o mercado de trabalho brasileiro passou por uma significativa piora em 2015, com reflexos sobre o emprego, a renda e a formalização do trabalho. Cf. PAMPLONA, Nicola. Taxa de desemprego do Brasil cresce para 8,5% na média de 2015. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1750059-taxa-de-desemprego-do-brasil-cresce-para-85-na-media-de-2015.shtml>. Acesso em: 20 mar. 2015.

356 A origem destrutiva do capitalismo: modernidade econômica encontra suas origens no armamentismo militar. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 mar. 1997, p. 3, c. 5.

152

concepção moderna de trabalho. Pode-se observar em diferentes línguas (grego, latim, francês, alemão, russo, português) que o termo trabalho tem, em sua raiz, significados: esforço, fardo, sofrimento e criação, obra de arte, recriação.

357

O referido autor ainda salienta que é por meio do trabalho que o homem cria

coisas a partir do que extrai da natureza, convertendo o mundo num espaço de

objetos partilhados.358

O trabalho, na Antiguidade, não se desvinculava do entendimento da

escravatura, que foi um recurso usado para excluí-lo da condição de vida do

homem. Essa exclusão só podia ser viabilizada pela institucionalização da

escravatura, dadas a capacidade de produção e a concepção de vida e de

sociedade vivenciadas no período. Já no final da Idade Média, expressava-se o

trabalho com o sentido positivo que passou a incorporar: era encarado como uma

ação autocriadora, e o homem, em seu trabalho, como senhor de si e da natureza.

Deu-se valorização positiva ao trabalho, considerado, então, como um espaço de

aplicação das capacidades humanas.359

No século XVIII, com a ascensão da burguesia, o desenvolvimento das fontes

produtivas, a transformação da natureza e a evolução da técnica e da ciência,

enfatizou-se a condenação do ócio, sacralizando-se o trabalho e a produtividade. Na

Idade Moderna, passou-se a fazer diferenciação entre o trabalho qualificado e o não

qualificado, entre o produtivo e o não produtivo, aprofundando-se a distinção entre o

trabalho manual e o intelectual. Essas concepções diferenciadas não deixam de ser

o entendimento subjacente à distinção fundamental entre labor e trabalho do período

helênico. O que ocorreu foi o deslocamento do labor, que possui, tanto na esfera

pública como na esfera privada, uma produtividade própria, por mais fúteis ou pouco

duráveis que sejam os seus produtos e seu consumo. Nessa era, o trabalho tornou-

se uma atividade compulsiva e incessante; a servidão tornou-se liberdade, e a

liberdade, servidão.360

O trabalho é a categoria que funda o desenvolvimento do mundo dos homens

como uma esfera distinta da natureza; não é apenas a relação dos homens entre si

no contexto da reprodução social, visto que o seu desenvolvimento exige o

357

O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Revista de Divulgação Técnico-científica do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, p. 3.

358 Ibidem, loc. cit.

359 Ibidem, p. 4.

360 KURZ, Robert, A origem destrutiva do capitalismo: modernidade econômica encontra suas origens no armamentismo militar. Folha de S. Paulo, p. 3, c. 5.

153

desenvolvimento concomitante das relações sociais. O modo antigo de produção

baseia-se no trabalho do escravo; o feudal, no trabalho dos servos da gleba; o

capitalista, no trabalho do empregado assalariado.361

Tecidas essas considerações, relevante se faz discorrer um pouco sobre o

trabalho na Constituição Federal de 1988.

O trabalho é inerente à condição humana, que necessita dele para a

subsistência. Desse fato fundamental, é possível induzir, de imediato, a necessária

correlação dos direitos fundamentais dele decorrentes.

A necessidade histórica do direito ao trabalho, como garantia da efetividade

dos direitos fundamentais individuais, afirma-se na proteção constitucional. Pois a

Constituição prescreve ordens de proteção do trabalho no Título I, nos princípios

fundamentais; no Título II, no rol de direitos e garantias individuais, sociais e

coletivos; no Título VII, quando trata da ordem econômica e financeira, assentada na

livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, em vista da garantia da

existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social, por meio da busca

do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); e no Título VIII, ao cuidar da

ordem social, colocada sob o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e da

justiça social (artigo 193).

Cabe ao Estado o compromisso político definitivo de proteção do direito ao

trabalho. Interessa, aqui, estabelecer que o mesmo dever também cabe à

sociedade. E isso decorre não só da dimensão objetiva do direito ao trabalho,

obviamente de eficácia universal própria das normas jurídicas, base para a sua

irradiação sobre todos os âmbitos, e, portanto, também sobre o Direito Privado.362

Robert Alexy afirma que a Constituição adotou os princípios da livre iniciativa,

da liberdade individual de trabalho e da economia de mercado (artigo 1º, inciso IV;

artigo 5º, inciso XIII; e artigos 170 e 173), reconhecendo aos particulares a liberdade

que constitui a razão pela qual sobre o objeto do Direito do Trabalho “o Estado tem

controle apenas limitado”, não lhe sendo possível, desse modo, obrigar alguém a

prestar trabalho. 363

Segundo Carmén Camino, o Direito do Trabalho se materializa nos contratos

de trabalho, em geral, e nos contratos de emprego. No plano das relações entre

361

WOLECK, Aimoré, O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Revista de Divulgação Técnico-científica do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, p. 5-6.

362 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 101.

363 Ibidem, loc. cit.

154

empregado e empregador, a Constituição Federal, buscando alcançar um maior

equilíbrio na relação contratual, tanto individual quanto coletiva, esmerou-se em

determinar o denominado contrato mínimo – o que evoca a garantia do mínimo

existencial –, em seus artigos 7º a 11, além de incluir, indiretamente, no artigo 114, a

judicialização de outros direitos individuais, sociais e coletivos.364

3.10.3.1.2 Ocupação

Para os gregos, havia as ocupações de caráter inferior e as de caráter

superior. As atividades superiores estavam vinculadas à participação do homem na

pólis. As ocupações eram entendidas como atividades que visavam à satisfação

pessoal e eram desenvolvidas por escolha própria.

O aparecimento da economia monetária acentuou a distinção entre ocupação

como meio de ganhar a vida e ocupação como meio de manter o status quo. Cada

sociedade, na sua dinâmica estrutural e conjuntural, cria e recria a ocupação

humana. A estrutura das ocupações nas sociedades modernas é resultante do

avanço e da aplicação da ciência ao processo de produção; é consequência,

portanto, do desenvolvimento da tecnologia, da divisão e organização do trabalho,

da expansão dos mercados e do crescimento de polos comerciais ou industriais.365

O principal uso do termo ocupação, em Ciências Sociais, segue o sentido

comum, que é o de emprego, negócio ou profissão. A ocupação de uma pessoa é a

espécie de trabalho feita por ela, independentemente da indústria em que esse

trabalho é realizado e do status que o emprego confere ao indivíduo. Trabalho não é

ocupação; todas as classes sociais detêm a sua forma de ocupação, e todas as

pessoas mantêm a sua ocupação.366

A percepção do status ocupacional é mutante, acompanhando a dinâmica da

sociedade e a evolução do sistema produtivo. Assim, a ocupação humana, numa

dada sociedade, também leva em conta as crenças e os valores que perpassam a

vida humana associada, e não é por acaso que a lógica subjacente às relações

sociais reduziu e circunscreveu a ocupação ao trabalho e ao emprego na sociedade

atual.

364

Direito individual do trabalho. 3. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 232. 365

WOLECK, Aimoré, O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Revista de Divulgação Técnico-científica do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, p. 5.

366 Ibidem, p. 6.

155

3.10.3.1.3 Emprego

Nas palavras de Paulo Renato Souza, a conotação moderna do termo

emprego reflete a relação entre o indivíduo e a organização onde uma tarefa

produtiva é realizada, pela qual aquele recebe rendimentos, e cujos bens ou

serviços são passíveis de transações no mercado.367

No passado pré-industrial, antes que as fábricas transformassem o trabalho

em rotina, as pessoas trabalhavam arduamente, mas não utilizavam um emprego

para estruturar e conter suas atividades. Anteriormente ao século XIX, as pessoas

não tinham empregos no sentido fixo e unitário; faziam serviços na forma de um

fluxo constantemente mutante de tarefas. “Seus empregos não eram supridos por

uma organização, mas pelas exigências de suas condições de vida, pelas

exigências de um empregador e pelas coisas que precisavam ser feitas naquele

momento e lugar”.368

Na sociedade centrada no mercado de hoje em dia, o emprego passa a ser o

critério que define a significação social dos indivíduos. Com o estabelecimento da

divisão do trabalho, o homem vive numa base de troca. Isso lhe garante, por meio

do exercício do emprego, os bens e serviços de que necessita, pois recebe em troca

um salário com o qual compra o que é necessário para sobreviver ou, pelo menos, o

que seja possível adquirir para viver. Contudo, muitos deles, atualmente, não

conseguem mais viver com dignidade com os salários que recebem. Na verdade, os

empregos tornaram-se tanto comuns quanto importantes; passaram a ser, nada

menos, do que o único caminho amplamente disponível para a segurança, para o

sucesso e para a satisfação das necessidades de sobrevivência.369

Para a economia, como concebida em suas origens, o emprego formal é

pedra angular para o seu funcionamento. Vale afirmar que não é apenas o emprego

que passa por profundas transformações; como já se viu neste trabalho, a economia

em si também passa.

367

O que são empregos e salários. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 26. 368

BRIDGES, William. Mudanças nas relações de trabalho: como ser bem-sucedido em um mundo sem empregos. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 38.

369 WOLECK, Aimoré, O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Revista de Divulgação Técnico-científica do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, p. 8.

156

Segundo Jeremy Rifkin,370 com o passar do tempo, as pessoas foram

aprendendo ofícios que as tornaram detentoras de empregos, passando, a partir daí,

a ser parte do tipo de força de trabalho que emergia. Dentro da lei da oferta e da

procura, proporcionar-se-ia emprego a todos os indivíduos que estivessem dispostos

a trabalhar. Portanto, não é de estranhar que, durante toda a Idade Moderna, as

pessoas tenham sido medidas por seu valor no mercado de trabalho, uma vez que

esse valor se expressava, também, no potencial de consumo que elas

representavam. Agora que a mercadoria valor do trabalho humano está se tornando

cada vez mais tangencial e irrelevante, em um mundo cada vez mais automatizado,

novas maneiras de definir o valor humano e os relacionamentos sociais precisão ser

exploradas.371

Na segunda metade do século XX, o trabalho “de massa” no mercado, ou o

emprego, decresceu em praticamente todas as nações industrializadas do mundo.

Máquinas inteligentes estão substituindo seres humanos em incontáveis tarefas,

empurrando milhões de operários e trabalhadores de escritórios para as filas do

desemprego, para as filas do auxílio-desemprego ou, ainda, para outras formas de

ocupação que lhes garantam a sobrevivência.

3.10.3.2 O pleno emprego como garantia de desenvolvimento econômico e social

De acordo com Marcio Pochmann, com o pleno emprego, os países cêntricos

registraram um desempenho econômico satisfatório, o que significou alta taxa de

crescimento do produto nacional, estabilidade monetária, melhor distribuição da

renda e redução do nível de pobreza. Ao mesmo tempo, os adicionais de

produtividade e os avanços decorrentes da continuada difusão do progresso técnico

não foram prejudiciais à geração de emprego e à qualidade das ocupações.372

Um conjunto somado pela redistribuição do tempo de trabalho, pelo aumento

dos ganhos de produtividade e pela manutenção de elevado nível da demanda

370

Segundo João Marcos Rainho, os profetas do Apocalipse do antigo mundo do pleno emprego são Jeremy Rifkin e William Bridges. Rifkin, para ele, é um dos pensadores que mais influenciaram a política americana, com a publicação do livro o “Fim dos empregos”, em que defende que as tecnologias ocupariam o lugar dos homens. Cf. Jornalismo freelance: empreendedorismo na comunicação. São Paulo: Summus, 2008, p. 33.

371 O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 41.

372 O emprego no desenvolvimento da nação. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 9.

157

agregada e, por consequência, do nível de emprego conformaram os reconhecidos

anos de ouro do capitalismo.

Cabem, aqui, as palavras de Jeremy Rifkin, ao dizer que, em menos de um

século, o trabalho em massa será eliminado em todas as nações do mundo e o

homem será substituído por máquinas inteligentes. Toda essa situação provoca

sentimentos de aflição e desespero nos indivíduos. As mulheres e os homens estão

preocupados com o futuro; os jovens sentem-se frustrados em relação à incerteza

de suas vidas, podendo desencadear comportamentos agressivos; e os homens

com mais de 60 anos de idade estão confusos e resignados frente a lembranças de

um passado próspero e um futuro sombrio.373

Pochmann destaca que o aumento substancial das importações, do

endividamento público e da internacionalização do parque produtivo interno

contribuiu para a contenção dos empregos e, em contrapartida, para o avanço do

desemprego aberto nacional.374

Isso é uma realidade instituída pelo capitalismo, onde as máquinas

substituem os homens. Além disso, o trabalho, nos últimos dias, está agregado à

subsistência material, que é o emprego. Por outro lado, há as permanentes

mudanças nos modos da produção econômica, impostas pelo sistema neoliberal.

O pleno emprego é a manutenção e geração de novos empregos, na medida

em que se deseja diminuir o nível de pobreza e desigualdades na sociedade

brasileira.

Na visão de Anita Kon, o pleno emprego, de modo geral, pode significar que,

em determinado momento, a população economicamente ativa realiza o volume de

atividade máxima que é capaz de realizar. Ademais, o pleno emprego se traduz

numa situação em que todo o indivíduo que se apresenta no mercado de trabalho à

procura de ocupação a encontra. O conceito de pleno emprego, em Economia, tem

como base uma situação em que não existe qualquer forma de desperdício, seja do

capital ou do trabalho. O pleno emprego significa a utilização da capacidade máxima

de produção de uma sociedade e, evidentemente, deve ser usado para elevar a

qualidade de vida da população.375

373

O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho, p. 5.

374 O emprego no desenvolvimento da nação, p. 15.

375 Pleno emprego no Brasil: interpretando os conceitos e indicadores. Revista Economia & Tecnologia, Curitiba, v. 8, n. 2, p. 5-22, abr./jun. 2012, p. 7-8.

158

O conceito de pleno emprego teoricamente pode ser abordado quer com base

na análise neoclássica, quer na keynesiana, e ainda sob o ponto de vista da

conceituação mais atualizada definida por vários países, sob a égide da

Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para os neoclássicos, o conceito de

pleno emprego, em Economia, tem como base o estado de equilíbrio entre a oferta e

a demanda dos fatores de produção, com capacidade máxima de produção da

sociedade instalada. Nessa situação, não existe desperdício, em qualquer de suas

formas, nem do capital nem do trabalho, e como a oferta de trabalho era igual à

demanda de trabalho, no equilíbrio não existe o fenômeno do desemprego.376

Para os neoclássicos, só existiam dois tipos de desemprego: o “friccional” e o “voluntário”, em que o volume de emprego é determinado pela oferta e demanda por trabalho a um salário de equilíbrio. O desemprego friccional ou natural ocorre em um período de tempo em que um ou mais indivíduos se desempregam de um trabalho para procurar outro, ou quando o trabalhador está em um período de transição de um trabalho para outro. Portanto, resulta da mobilidade da mão de obra. De outro lado, o desemprego voluntário designa a condição do trabalhador que não quer trabalhar a preços de mercado, ou seja, prefere não trabalhar do que receber o salário que lhe é oferecido no mercado ou está mudando de emprego. Keynes, por sua vez, tentando entender a situação de crise econômica iniciada no final da década de 1920, questiona o fato de que esta teoria não explica o chamado desemprego involuntário, quando pessoas dispostas a trabalhar pelo salário de equilíbrio não encontram emprego. Para o autor, o ciclo econômico não é autoregulado como salientam os neoclássicos, uma vez que é determinado pelo “espírito animal” (animal spirit no original em inglês) dos empresários. Conclui que os salários não são os determinantes do emprego e que a rigidez dos salários não pode ser a responsável pelo desemprego involuntário, assim como a flexibilidade dos mesmos não garante a automaticidade da economia à posição de pleno emprego, o que quer dizer que a posição “normal” de uma economia capitalista corresponde ao ponto em que prevalece o equilíbrio com desemprego involuntário.

377

Dessa forma, Keynes considera a incapacidade do sistema capitalista

conseguir empregar todos os que querem trabalhar, pois podem acontecer situações

na economia em que há um excesso de poupança, em relação ao investimento, e,

consequentemente, a demanda efetiva se mantém abaixo da oferta, tendo como

resultado uma situação de redução do emprego até um ponto de equilíbrio em que a

poupança e o investimento se igualem. 378

Keynes prossegue com a ideia de que, para a obtenção do pleno emprego,

nessas condições, o Estado deveria intervir, imprimindo moeda e aumentando a

demanda efetiva por meio de déficits governamentais. Sua conclusão lógica era de

376

KON, Anita, Pleno emprego no Brasil: interpretando os conceitos e indicadores. Revista Economia & Tecnologia, p. 8.

377 Ibidem, loc. cit.

378 Ibidem, p. 9.

159

que, quanto maior fosse a produção da economia, maior seria o volume de emprego

demandado, e, portanto, o volume de emprego oferecido num país dependia do

volume de sua produção, que é determinada pela demanda efetiva.379

Vale acrescentar que E. F. Costa entende por pleno emprego aquele estado

em que o número de indivíduos efetivamente empregados é igual ao número de

indivíduos que desejam estar ocupados, menos o contingente de desemprego,

supondo-se que não existem vagas para serem ocupadas.380

O pleno emprego está associado à utilização da capacidade produtiva

instalada, ao aquecimento da economia e a uma atitude proativa do governo na

implementação de medidas que favoreçam o bom desempenho da economia e

permitam a geração de empregos.

Segundo a OIT, o pleno emprego é fundamental para a erradicação da

pobreza e da fome. A população tem direito ao pleno emprego e cabe à sociedade

estabelecer as leis e as normas que possibilitem a utilização integral da oferta de

trabalho, considerando que o pleno emprego é uma condição necessária para a

restauração da dignidade dos trabalhadores e uma condição essencial para a

estabilidade e o progresso da sociedade. Anita Kon, ao citar a OIT, diz que a

organização busca melhores condições de vida para os indivíduos, o que implica a

existência de: (i) oportunidades para encontrar um emprego produtivo com

rendimento justo, que garanta aos trabalhadores e suas famílias desfrutar uma

qualidade de vida decente; (ii) liberdade para a escolha do trabalho e a livre

participação em atividades sindicais; (iii) condições de tratamento justo aos

trabalhadores, sem discriminação, de modo a que sejam capazes de conciliar

trabalho e responsabilidades familiares; (iv) condições de segurança para proteger a

saúde dos trabalhadores e proporcionar-lhes a proteção social adequada; e (v)

condições de dignidade humana para que todos os trabalhadores sejam tratados

com respeito e possam participar na tomada de decisão sobre suas condições de

trabalho.381

Não há dúvidas de que as questões de políticas públicas contemporâneas

requerem um tratamento especial pela visão microeconômica da Macroeconomia.

379

KON, Anita, Pleno emprego no Brasil: interpretando os conceitos e indicadores. Revista Economia & Tecnologia, p. 9.

380 Comentários breves à Constituição Federal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1989, p. 242.

381 Op. cit., p. 10.

160

Tão relevante quanto definir o conceito de pleno emprego a ser tomado como base,

é entender o que representa o pleno emprego para a economia.

Kon assevera que a população ativa do Brasil inclui indivíduos alocados em

situações favoráveis de trabalho e remuneração e protegidos por contratos

registrados em proporção inferior do que a proporção de indivíduos em condições

insatisfatórias de trabalho e de baixa remuneração. Trabalho precário e diferenças

regionais impedem o Brasil de ser considerado um país com pleno emprego no

sentido de possibilidade de elevação do nível de bem-estar da população.382

Verifica-se que o princípio do pleno emprego requer do Estado uma série de

políticas públicas voltadas à geração de emprego. Assim, o Estado deixa de ser um

agente econômico e passa a fomentar políticas, regulando a atividade empresarial e

impedindo o abuso de poder econômico.

3.10.3.3 O princípio da busca do pleno emprego no Brasil

Nas palavras de Leonardo Vizeu Figueiredo, o subtema acima se refere à

expansão das oportunidades de emprego produtivo, conforme positivado na Carta

Política de 1967, que tem por fim garantir que a população economicamente ativa

esteja exercendo atividades geradoras de renda, tanto para si quanto para o país.383

O autor supracitado ainda ressalta que, quanto maior o número de cidadãos

economicamente ativos laborando de forma rentável, maior será a renda per capita

do país e maior será o volume de arrecadação com tributos, diminuindo-se os gastos

com despesas oriundas da Seguridade Social, que poderá focar seus esforços e

recursos, notadamente para previdência e assistência, tão somente naquele que é,

de fato, necessitado.384

Cuida-se da maximização de resultados no que tange ao uso do fator da mão

de obra, dentro dos parâmetros estabelecidos pelas normas jurídicas legisladas pelo

Estado. Cumpre destacar que, dessa forma, busca-se, por corolário, garantir-se a

382

Pleno emprego no Brasil: interpretando os conceitos e indicadores. Revista Economia & Tecnologia, p. 10.

383 Lições de direito econômico, p. 79.

384 Ibidem, loc. cit.

161

maximização de resultados por parte do exercício das atribuições sociais do Poder

Público.385

O Estado, em qualquer esfera, deve cumprir os mandamentos legais, prestar

contas à sociedade e também gerar trabalho, como prevê o artigo 170 da

Constituição Federal de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VIII - busca do pleno emprego. O legislador constituinte ao colocar o pleno emprego como um princípio estava indicando uma direção a ser seguida ao gestor de política econômica. Entendimento diferente desse dispositivo é o mesmo que interpretá-lo como letra morta, o que não seria o caso por tratar-se de um princípio norteador da ordem econômica.

386

Para a nação, quanto mais pessoas estiverem ativas trabalhando, gerando

rendas, maior será o volume de arrecadação do Poder Público, via receitas

derivadas, sendo menores os gastos com o setor de Seguridade Social, uma vez

que menos cidadãos vão ter que se valer do assistencialismo social, por não

necessitarem de auxílios externos para o seu sustento e o de sua família. Diante

dessa conjuntura, Figueiredo entende que o Estado pode focar seus gastos em

atividades promotoras de desenvolvimento tecnológico, pesquisa científica, cultura,

dentre outras.387

Todavia, a contrario sensu, quanto menor o número de indivíduos exercendo

atividades produtivas e geradoras de renda, menor será o volume de arrecadação

do Poder Público, sendo maiores os gastos com a Seguridade Social para atender à

demanda dos necessitados e hipossuficientes que não conseguem, por si só,

adquirir o conjunto mínimo de bens para a sua subsistência digna, fato que, tão

somente, contribui para o aumento do déficit público.

Observe-se que, para tanto, o Estado deve adotar políticas anti-inflacionárias,

com o fito de preservar o real valor dos rendimentos dos trabalhadores, mantendo

seu poder aquisitivo, atuando, ainda, no sentido de garantir condições dignas de

trabalho.

385

Cabe ao Poder Público, também, fazer valer o que se vê na Constituição Federal de 1988, em que os direitos humanos são acolhidos como princípios e garantias. No que tange ao trabalho, a Carta Magna de 1988 o reconhece como um direito social, pautado em um Estado Democrático de Direito que tem como alicerce o que denomina de valor social do trabalho. Ademais, busca-se a redução das desigualdades sociais e o pleno emprego. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Poder Legislativo, 1988, p. 73, art. 170.

386 Ibidem, loc. cit.

387 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico, p. 80.

162

CONCLUSÃO

A atuação do Estado como promotor da ordem econômica é fundamental e

imprescindível para o bem-estar econômico e social do país. É seu dever atuar

como o formulador de políticas que visem ao desenvolvimento da nação, de acordo

com os interesses da sociedade.

Diante disso, a presente dissertação foi dividida em três capítulos, os quais

convergiram e levaram ao entendimento de que Banco Central, como regulador da

economia, pode trabalhar para o bem-estar econômico e social do Brasil.

O primeiro capítulo analisou o Sistema Financeiro Nacional, revelando que a

Constituição Federal de 1988 se tornou um marco divisor no Estado brasileiro, tendo

sido fundamental para a definição da nova institucionalidade. Foi a partir do seu

preâmbulo, que prega a prevalência dos direitos fundamentais, que os constituintes

proclamaram-se reunidos para instituir um Estado Democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social,

e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução das controvérsias.

A análise do SFN foi de salutar importância para o tema, pois as suas funções

englobam controlar todas as instituições que são ligadas às atividades econômicas

dentro do país, inclusive o Banco Central, que é o responsável pela produção do

dinheiro que circula no território brasileiro. Ele desempenha, junto ao Conselho

Monetário Nacional, um trabalho de inspeção nas instituições financeiras do país. É

relevante salientar a atuação do Sistema Financeiro Nacional, mediante a atuação

de seus órgãos reguladores e fiscalizadores, e das instituições operadoras,

representando o âmbito mais apropriado para o Estado disciplinar, viabilizar a aplicar

suas políticas econômicas.

O Banco Central, por sua vez, ao conquistar, no século XX, a posição de

executor da política monetária e creditícia, deve agir em consonância com os

objetivos do Estado, proporcionando condições adequadas de desenvolvimento para

a sociedade, pois somente assim será capaz de executar a verdadeira política

monetária.

Avançando no tema, nos segundo e terceiro capítulos, verificou-se que o

BACEN deve agir no sentido de utilizar adequadamente os mecanismos de controle

163

e execução de política monetária e creditícia que estão à sua disposição. Para

controlar a moeda, garantindo a sua estabilidade, deve contrair e expandir o crédito

no mercado de forma coordenada com as políticas fiscal e cambial, ou, ainda, fazer

uso do redesconto.

Especificamente no capítulo 2, o Banco Central foi apresentado de forma

sucinta, deixando claro que se trata de uma autarquia federal executora da política

monetária, que atua com instrumentos destinados a controlar a liquidez do sistema e

a quantidade de moeda em circulação compatível com a estabilidade do nível geral

de preços, a dinâmica do produto e a estabilidade cambial.

Restou claro que as funções do Banco Central não se limitam apenas ao

crédito e ao redesconto, visto que pode também aumentar ou diminuir o volume de

reservas compulsórias, automaticamente diminuindo ou expandindo a quantidade de

moeda no mercado, e, consequentemente, de crédito.

Um dos instrumentos poderosos do Banco Central é o open market, que

serve como instrumento de atuação sobre o nível de liquidez da economia,

comprando e vendendo títulos públicos da sua própria carteira, o que enseja o ajuste

do saldo de reservas bancárias das instituições financeiras.

Além disso, o Banco Central fixa e determina a taxa de juros para que os

bancos possam obter financiamento e cobrir seus desequilíbrios de caixa,

informando globalmente ao mercado qual a expressão da equivalência entre as

disponibilidades monetárias e a preferência em manter a liquidez.

A literatura apresentada avalia uma questão importante para que o Banco

Central possa atuar no desenvolvimento econômico e social do país, que é a

autonomia. Mostrou-se notável a relação entre a independência do Banco Central e

a desinflação, a exemplo de outros Bancos Centrais, principalmente europeus e o

FED, que constataram episódios desinflacionários relacionados à maior

independência do Banco Central.

Alguns autores, principalmente Rosa Maria Lastra, ressaltam que, se fosse

independente, o Banco Central estaria livre das pressões políticas, especialmente no

período próximo às eleições, quando os políticos, a fim de elegerem seus

sucessores, determinam a implantação de uma política expansionista, com baixas

taxas de juros e redução do desemprego, e, logo após o pleito, sujeitam a nação a

grandes sacrifícios, pelo estabelecimento de política contracionista, no intuito de

conter a inflação.

164

Foram analisadas, também, dentro do terceiro capítulo, as ações de

regulação que podem ser realizadas pelo BACEN, visando a contribuir para o

desenvolvimento econômico e social do país. Assim, foram destacados a

estabilidade de preços, a estabilização da moeda e o pleno emprego.

Nomeadamente com relação ao último, após uma diferenciação entre trabalho,

ocupação e emprego, a qual serviu de base para trabalhar a questão, chegou-se à

conclusão de que esse princípio requer do Estado uma série de políticas públicas

voltadas à geração de emprego. Garantindo o pleno emprego, o Estado passa a

fomentar políticas e regula a atividade empresarial, impedindo o abuso de poder

econômico.

Verificou-se, ao final de todo o estudo, que as sociedades industrializadas

conviveram com crescimento econômico, progresso material, avanço da ciência e da

tecnologia e melhoria geral das condições de vida. Porém, esse crescimento gerou

muitos empregos, mas as crises, sobretudo a imobiliária nos Estados Unidos e

agora a chinesa, deixaram os governos ainda mais endividados, e as economias

estão cada vez mais longe de proporcionarem condições de emprego àqueles que já

estão ou acabaram de entrar no mercado de trabalho.

Desse modo, o Estado deve intervir na economia de forma mais expressiva

para priorizar questões centrais, a fim de garantir não só empregos, mas também o

desenvolvimento e a melhor distribuição de renda e riqueza. Nesse sentido, a

política monetária, especialmente quando voltada aos interesses nacionais de

coletividade, ao ser bem formulada e executada, seguramente pode contribuir para a

consecução de tais objetivos.

Diante de todo o exposto, o presente trabalho buscou dar um tratamento mais

cuidadoso ao Banco Central como regulador da economia, destacando como pode

contribuir para promover o bem-estar econômico e social do país. A partir dos

resultados encontrados, algumas conclusões principais foram obtidas, como

controlar a inflação (principalmente por meio da autonomia), ampliar o crédito e

promover o pleno emprego.

Nessa linha de raciocínio, vê-se que o Banco Central tem um longo caminho a

percorrer, mas, se conseguir executar essas funções, o sucesso logo virá para o

país. O Brasil é capaz de conceder maior autonomia ao BACEN, a fim de que

priorize os itens acima, sem trazer custos adicionais à sua atividade.

165

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