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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Carloman Cordovil Heiderich RELAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA NO PENSAMENTO DE JOÃO AMÓS COMENIUS São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Carloman Cordovil Heiderich

RELAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA NO

PENSAMENTO DE JOÃO AMÓS COMENIUS

São Paulo

2011

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CARLOMAN CORDOVIL HEIDERICH

RELAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA NO

PENSAMENTO DE JOÃO AMÓS COMENIUS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Ciências da

Religião.

Orientador: Prof. Dr. Edson Pereira Lopes

São Paulo

2011

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H465r Heiderich, Carloman Cordovil

Relação do homem com a natureza no pensamento de João Amós

Comenius / Carloman Cordovil Heiderich – 2011.

114 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

Bibliografia: f. 112-114

1. Homem 2. Natureza 3. Didática Magna 4. Pampaedia I. Título

II. Comenius, João Amós

LC LB475.C6

CDD 370.1

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CARLOMAN CORDOVIL HEIDERICH

RELAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA NO

PENSAMENTO DE JOÃO AMÓS COMENIUS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Ciências da

Religião.

.

Aprovada em __/__/__

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Prof. Dr. Edson Pereira Lopes – Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Máspoli de Araújo Gomes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________

Prof. Dr. James Reaves Farris

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Universidade Metodista de São Paulo

Aos meus Pais, Cloves e Eunice Heiderich (in

memoriam), por me ensinarem os primeiros passos na

vida cristã e pelos constantes incentivos na vida

acadêmica.

À minha amada esposa Katia Heiderich, grande

incentivadora dos meus estudos.

Aos meus filhos Mônica, Juliana, Mariana e Adam

Heiderich, que entenderam a minha ausência.

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AGRADECIMENTOS

Ao soberano Deus, o criador dos céus e da terra, sustentador e razão da minha

existência, que bondosamente me concedeu a bênção e a alegria da conclusão desta

pesquisa.

Ao Instituto Presbiteriano Mackenzie pelo incentivo à prática de investigação

acadêmica, meus sinceros agradecimentos pela concessão da bolsa de estudo que me

possibilitou a conclusão deste projeto.

Ao prof. Dr. Edson Pereira Lopes, minha sincera gratidão pela paciência e

responsabilidade com que me orientou, fazendo jus ao significado do termo orientação.

Aos professores, Dr. Antônio Máspoli de Araújo Gomes e Dr. James Reaves Farris, a

minha mais profunda gratidão por se dignarem em participar da minha banca

examinadora e pelas valorosas contribuições que deram para a conclusão desta pesquisa.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação, mestrado em Ciências da

Religião, meus agradecimentos pela humildade e lição de vida que me ensinaram.

A todos os amigos, os meus mais sinceros agradecimentos.

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RESUMO

Nos últimos anos vem crescendo a discussão em torno das questões ambientais. Prova

disto está no fato de que o ano de 2010 foi declarado, pela Organização das Nações

Unidas (ONU), o ano da Biodiversidade. Segundo seu site oficial trata-se de uma

celebração da vida na terra e a valorização da diversidade da vida. Na resposta a

pergunta quanto à razão da ONU ter escolhido o ano de 2010, explicita-se que o homem

é parte integrante da natureza e tem o poder de protegê-la ou de destruí-la. A presente

pesquisa tem como pano de fundo a reflexão que envolve o meio ambiente e o ano da

Biodiversidade. Inicialmente a intenção era utilizar o termo “meio ambiente” no

pensamento comeniano, todavia, por se tratar de um termo da sociedade atual,

entendeu-se que seria mais adequado, discorrer a respeito da relação do homem com a

natureza, tendo como foco duas obras de João Amós Comenius: Didática magna e

Pampaedia. Por conseguinte, teve como objetivo norteador da pesquisa identificar no

pensamento de João Amós Comenius a relação do homem com a natureza. Para tanto,

partiu-se do princípio norteador de que João Amós Comenius demonstrou na Didática

magna e em sua Pampaedia teve preocupação em acenar para seu mundo que uma

relação imprópria do homem com a natureza, sobretudo, quando este, dela se utiliza

para fins exploratórios e incompatíveis com a finalidade para qual foi criada, faz com

que ela sofra e com ela o ser humano.

Palavras-chave: Comenius. Homem. Natureza. Relação. Exploração.

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ABSTRACT

In recent years it comes growing the quarrel around the ambient questions. Test of this

is in the fact of that the year of 2010 was declared, for the Organization of United

Nations (ONU), the year of Biodiversity. As its official site is about a celebration of the

life in the land and the valuation of the diversity of the life. In the reply the question

how much at the rate of the ONU to have chosen the year of 2010, explicit one that the

man is integrant part of the nature and has the power to protect it or to destroy it. The

present research has as deep cloth of the reflection that involves the environment and

the year of Biodiversity. Initially the intention was to use the term “environment” in the

comeniano thought, however, for if dealing with a term of the current society, it was

understood that more it would be adjusted, to discourse regarding the relation of the

man with the nature, having as focus two workmanships of John Comenius: Great

Didactics and Pampaedia. Therefore, it had as objective principal of the research to

identify in the thought of John Comenius the relation of the man of the one with the

nature. For in such a way, it was broken of the norteador principle of that John

Comenius demonstrated in the Great Didactics and in its Pampaedia he had concern in

waving for its world that an improper relation of the man with the nature, over all, when

this of it if uses for exploratórios ends and incompatible with the purpose for which she

was servant, it makes with that it suffers and with it the human being.

Keywords: Comenius. Man. Nature. Relation. Exploration.

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SUMÁRIO

Considerações Iniciais .................................................................................................... 10

Capítulo I - Ensinos fundamentais da Didática magna de Comenius...... 14 O homem é a mais elevada e perfeita das criaturas .................................................... 17

O fim último do homem está fora desta vida.............................................................. 18

São três os graus de preparação para a vida eterna: conhecer, dominar e conduzir para

Deus a si mesmo e, consigo todas as coisas ............................................................... 19

Temos em nós por natureza as sementes da instrução, das virtudes e da religião ...... 20

O homem para ser homem precisa ser formado ......................................................... 21

A formação do homem é muito fácil na primeira infância: ou melhor, só pode ser

dada nessa idade ......................................................................................................... 23

É necessário que toda a juventude receba uma formação conjunta, na escola ........... 24

Toda a juventude, de ambos os sexos, deve ser enviada à escola .............................. 25

A educação nas escolas deve ser universal ................................................................. 26

Até hoje faltaram escolas que correspondessem perfeitamente a seus fins ................ 27

As escolas podem ser reformadas e melhoradas ........................................................ 28

A base de toda reforma escolar é a ordem exata em tudo .......................................... 29

A ordem exata da escola deve ser inspirada na natureza e ser tal que nenhum

obstáculo a retarde ...................................................................................................... 30

Princípios para prolongar a vida ................................................................................. 31

Método para ensino das ciências em geral ................................................................. 32

Método para ensino das artes...................................................................................... 33

Método para ensino das línguas.................................................................................. 34

Da disciplina escolar ................................................................................................... 36

Sobre a quádrupla divisão das escolas, segundo a idade ............................................ 36

A escola Materna ........................................................................................................ 37

A escola vernácula ...................................................................................................... 38

A escola latina ............................................................................................................ 38

A Academia ................................................................................................................ 39

A organização universal e perfeita das escolas .......................................................... 40

Requisitos necessários para começar a pôr em prática este método universal ........... 41

Capítulo II - Ensinos fundamentais da Pampaedia de João Amós

Comenius ................................................................................................................................ 43

Panscolia ..................................................................................................................... 45

Educação para todos ................................................................................................... 47

A relevância da Instituição Escolar ............................................................................ 47

Pambiblia .................................................................................................................... 48

Pandidascália .............................................................................................................. 50

Informações úteis aos pais sobre os primeiros cuidados com as crianças ainda no seio

maternal ...................................................................................................................... 54

Cuidadosa formação do filho do nascimento até os seis anos de idade ..................... 56

Classe da Escola Primária........................................................................................... 69

Segunda Classe da Escola Primária ............................................................................ 69

Terceira Classe da Escola Primária: A ética infantil aprendida pelas coisas sensíveis

.................................................................................................................................... 70

Classe quarta ............................................................................................................... 71

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Classe Quinta .............................................................................................................. 71

Classe sexta ................................................................................................................ 73

Capítulo III - A relação homem-natureza no pensamento de João Amós

Comenius ................................................................................................................................ 76

Do geocentrismo para o heliocentrismo ..................................................................... 78

A revolução do saber e da ciência .............................................................................. 79

Ciência discutida sistematicamente na procura de método ........................................ 80

O homem pode conhecer o Criador por meio da natureza ......................................... 81

A criação do homem, formado a partir da natureza ................................................... 82

Ensinar os homens a usar e fruir corretamente da natureza ....................................... 88

O método único do ensino é o que segue as leis da natureza ..................................... 92

A natureza aguarda o momento propício .................................................................... 94

A natureza prepara a matéria antes de começar a introduzir-lhe a forma .................. 94

A natureza toma um indivíduo apto e prepara-o antes, oportunamente ..................... 95

A natureza não procede confusamente, mas de modo claro ....................................... 95

A natureza começa todas as operações pelas partes mais internas ............................. 95

A natureza inicia todas as suas formações pelas coisas mais gerais e acaba pelas mais

particulares.................................................................................................................. 96

A natureza não procede por saltos, mas gradualmente ............................................... 96

Depois de iniciar uma obra, a natureza não a interrompe, mas conclui ..................... 97

A natureza está sempre atenta para evitar as coisas contrárias e nocivas................... 97

A natureza inicia pela privação .................................................................................. 98

A natureza predispõe a matéria a desejar a forma ...................................................... 98

A natureza extrai tudo de princípios pequenos em quantidade, mas válidos pela

virtude ......................................................................................................................... 98

A natureza nunca excede, mas contenta-se com pouco .............................................. 99

A natureza não se apressa, mas anda com vigor ........................................................ 99

A natureza só pare o que, tendo amadurecido em seu seio, deseja vir à luz .............. 99

A natureza ajuda-se sozinha de todos os modos possíveis ......................................... 99

A natureza só produz aquilo cujo uso logo se manifesta .......................................... 100

A natureza faz tudo com uniformidade .................................................................... 100

Princípios em que se fundamenta a solidez no ensino e no aprender ....................... 100

Princípios de um ensino rápido e conciso ................................................................ 101

Sentidos; os instrumentos naturais para o ensino do método único ......................... 102

Considerações Finais ..................................................................................................... 109

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 111

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Considerações Iniciais

Nos últimos anos têm crescido a discussão em torno das questões ambientais.

Prova disto está no fato de que o ano de 2010 é declarado, pela Organização das Nações

Unidas (ONU), o ano da Biodiversidade. Segundo seu site oficial trata-se de uma

celebração da vida na terra e a valorização da diversidade da vida. Na resposta para a

pergunta quanto à razão da ONU ter escolhido o ano de 2010, explicita-se que o homem

é parte integrante da natureza e tem o poder de protegê-la ou de destruí-la. O vocativo

do ano da Biodiversidade tem como finalidade o cuidado da vida com vistas a um futuro

melhor1.

A presente pesquisa, cujo título é: “Relação do homem com a natureza no

pensamento de João Amós Comenius” tem como pano de fundo a reflexão que envolve

o meio ambiente e o ano da Biodiversidade. Inicialmente a intenção era utilizar o termo

“meio ambiente” no pensamento comeniano, todavia, por se tratar de um termo da

sociedade atual, entende-se que é mais adequado, discorrer a respeito da relação do

homem com a natureza, tendo como foco duas obras de João Amós Comenius: Didática

magna e Pampaedia.

Por conseguinte, tem-se como objetivo norteador identificar no pensamento de

João Amós Comenius a relação do homem do com a natureza. A partir do objetivo

específico, o qual conduz ao problema da pesquisa e, conforme Azevedo (2001, p. 46),

o problema é a pergunta que a pesquisa pretende resolver, a qual deve ser apresentada

em forma interrogativa, a indagação suscitada é:

- É possível identificar, na Didática magna e na Pampaedia, o pensamento de

João Amós Comenius a respeito da relação do homem com a natureza? Parte-se da

hipótese central de que João Amós Comenius demonstra na Didática magna bem como

na Pampaedia, preocupação com uma possível relação imprópria do homem com a

natureza, sobretudo, quando este dela se utiliza para fins exploratórios e incompatíveis

com a finalidade para qual é criada. Assim, a natureza passa a sofrer e com ela o ser

humano. Isto implica acenar para o princípio de que, ainda que não seja possível utilizar

o termo “meio ambiente” no pensamento comeniano, pode-se concebê-lo, na forma

como ele apresenta a reflexão da relação do homem com a natureza. Há indícios de sua

1Para maiores esclarecimentos ler: The United Nations declared 2010 to be the International Year of

Biodiversity. Disponível em www.cbd.int/2010/welcome/. Acesso em 28/11/2010.

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preocupação com o futuro do planeta, futuro este diretamente relacionado com a

responsabilidade do homem no cuidado e proteção do seu habitat.

Sob esta perspectiva, a presente pesquisa reveste-se de suma relevância para a

sociedade atual, pois, explora um foco do pensamento de Comenius que não seja

somente o pedagógico como pode ser visto na obra, publicada, pela Editora Unicamp,

de Kulesza (1992), cujo título é: Comenius: a persistência da utopia em educação. Em

autores como Bohumila Araújo em Atualidade do pensamento de Comenius, obra

publicada pela Editora Federal da Universidade da Bahia, no ano de 1996. Não se pode

esquecer do texto de Gasparin Comênio ou arte de ensinar tudo a todos. São Paulo:

Papirus, 1994. Por fim, é necessário lembrar que Covello escreve a obra Comenius,

datada de 1999, a qual se reveste de importância por ser uma das primeiras literaturas

brasileiras a discorrer acerca da vida e principais obras comenianas.

Observa-se que há um intervalo de quatro anos entre a última obra que é a de

Covello e a de Lopes, isso implica em afirmar que as obras a respeito de Comenius

ficaram restrita a estes pensadores e suas respectivas obras, o que permite Lopes (2003)

assinalar que uma das relevâncias de sua obra consiste no princípio de que há pouca

literatura, no Brasil, que trata do pensamento de Comenius. Segundo ele, as poucas

obras que tratam das temáticas comenianas têm como foco o aspecto pedagógico e não

consideram seus pensamentos teológicos. Assim, demonstra em sua obra, “O conceito

teológico e pedagógico na Didática magna de Comenius”, editada pela Editora

Mackenzie, em 2003, o caráter teológico de Comenius. Nesta obra, o autor sublinha que

o teológico precedia, no pensamento comeniano, o pedagógico. Este foco é uma

descoberta na busca pela compreensão do pensamento, do então Comenius, conhecido

apenas como o “pedagôgo”.

Um ano após a publicação de O conceito teológico e pedagógico na Didática

magna de Comenius, Lopes defende, em 2004, sua tese de doutorado na Universidade

Metodista São Paulo, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, com o

título: A inter-relação da teologia e da pedagogia como pressuposto fundamental para

a compreensão do conceito de educação no pensamento de João Amós Comenius. Dois

anos mais tarde (2006), esta obra é publicada pela Editora Mackenzie, com o título: A

inter-relação da teologia com a pedagogia no pensamento de Comenius. Nesta obra

Lopes preconiza que para conhecer o conceito comeniano de educação é fundamental

trabalhar tanto com seus princípios teológicos quanto pedagógicos, em termos

indissociáveis.

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No momento, Lopes tem se preocupado em difundir, no Brasil, os pensamentos

de Comenius, escrevendo para periódicos religiosos e educacionais. Entretanto, nesta

prévia revisão de literatura, percebe-se que há um razoável avanço no estudo de

Comenius. Só na Universidade Presbiteriana Mackenzie os Trabalhos de Graduação

Interdisciplinar, também conhecidos como Trabalho de Conclusão de Curso são: 06.

Dissertações de Mestrado são: 05. Grupo de Pesquisa com subvenção pelo

Mackpesquisa 01.

Todavia, fica explicitado que ainda não tem sido abordado o pensamento de

Comenius sob a perspectiva da relação do homem com a natureza. Assim, esta pesquisa

se reveste de importância, porque se propõe trazer uma reflexão ainda não discutida, na

acadêmia brasileira, nos mais diferentes trabalhos que tratam de Comenius. Além disso,

é a oportunidade de revisitar a Didática magna e a Pampaedia, esta última pouco

conhecida dos pesquisadores brasileiros, talvez porque, esteja esgotada desde 1971.

Na tratativa do procedimento metodológico é possível eleger a pesquisa

bibliográfica como o caminho a ser percorrido e o procedimento adotado é o da leitura e

análise das obras Didática magna e da Pampaedia. Na fundamentação bibliográfica,

destacam-se como fontes as seguintes obras de Comenius: Didática magna (1997) e

Pampaedia (1971), e as obras que aparecem nas referências bibliográficas desta

pesquisa: GASPARIN (1994); KULESZA NARODOWSKI (2002); ARAÚJO (1996);

CAULY (1995) e RIBEIRO (2003). Como referencial teórico serão utilizados os textos

de Lopes (2003 e 2006) porque fazem interface com o pensamento teológico e

pedagógico de Comenius.

Após esta parte introdutória, como finalidade metodológica, a pesquisa se divide

em três capítulos, a saber:

No primeiro capítulo cujo título é: Ensinos fundamentais da Didática magna de

Comenius. A tônica é propiciar uma concepção panorâmica dos principais ensinos da

Didática magna. A finalidade consiste em prover, além do acesso, a oportunidade para

revisitar os principais pressupostos teológicos e pedagógicos de Comenius e, assim

identificar nesta obra conceitos tais como: homem, criação, natureza, dentre outras

temáticas.

O segundo capítulo com o título: Ensinos fundamentais da Pampaedia de

Comenius é fundamental para a pesquisa principalmente por ser uma obra pouco

conhecida, houve a necessidade de tratar dos principais conceitos comenianos relativo

ao homem; sentidos, natureza, escola, dentre outras temáticas.

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Como resultado lógico dos dois capítulos anteriores, o terceiro trata da Relação

do homem com a natureza no pensamento de Comenius. A partir das duas obras,

Didática magna e Pampaedia, é possível identificar os princípios da relação do homem

com a natureza. Com isso, alcançar o objetivo e verificar a hipótese proposta nesta

reflexão.

Explicitadas as considerações iniciais, faz-se necessário adentrar na discussão do

primeiro capítulo que trata da temática: Ensinos fundamentais da Didática magna de

Comenius.

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Capítulo I

Ensinos fundamentais da Didática magna de Comenius

Feita a parte introdutória, é mister neste capítulo propiciar uma compreensão

dos ensinos fundamentais da Didática magna de Comenius com a intenção de indicar os

principais ensinos expostos na citada obra para prover sustentação ao último capítulo

quanto à relação homem-natureza, que é o objeto de estudo desta pesquisa.

A Didática magna, inicialmente chamada de Didática theca, começa a ser

composta entre os anos 1628-1632. É razoável compreender que ocorrem algumas

motivações na vida e pensamento de Comenius que colaboram para que ele deixe sua

obra no campo teológico-pedagógico com ênfase política, dirigida a priori, ao público

theco.

Após a Batalha da Montanha Branca ocorrida 1620 (KULESZA, 1992, p. 31)

que, resulta na destruição da Boêmia, com o propósito de reconstruir, restaurar e

incentivar “o sofredor povo checo a desejar a reforma do seu mundo por meio de

educação de qualidade, que seria a única salvação do gênero humano” (LOPES, 2006,

p. 189-190), Comenius escreve a Didática tcheca, mais tarde ampliada ao seu mundo,

como Didática magna.

A Didática theca é iniciada em 1628 e pode ser considerada como uma resposta

à nova Constituição de 1627, que prescreve a instauração do catolicismo romano como

religião oficial, colocando o alemão como língua oficial, em detrimento ao theco.

Trata-se, portanto, não só de Comenius prosseguir seus trabalhos na área

educacional, mas também, de fazer pelo theco aquilo que os Habsburgos estão fazendo

pelo alemão e pelo catolicismo romano. Sua intenção demonstra a preocupação com a

evidente proposta de supressão do theco, da implantação da língua alemã e da religião

católica romana.

Escrever em língua theca não significa apenas formular o único fundamento

legítimo de uma educação nacional e aberta a todos; “seria realizar um ato de resistência

cultural contra o invasor e formular uma resposta política a uma política educativa sob a

base dos ensinos jesuítas” (CAULY, 1995, p. 128).

Uma vez compreendida a gênese política que motiva Comenius a escrever a

Didática magna, deve-se centrar a atenção, nos princípios fundamentais dos seus

ensinos. Neste caso, é relevante citar as próprias palavras de Comenius (1997, p. 13),

quando pontua seu objetivo ao escrever a Didática magna:

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Nós ousamos prometer uma Didática Magna, ou seja, uma arte

universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter

resultados; de ensinar de modo fácil, portanto, sem que docentes e

discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham grande

alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer

maneira, mas para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes, a

uma piedade mais profunda.

E, em outra parte da obra, Comenius (1997, p. 11) declara:

Didática Magna que mostra a arte universal de ensinar tudo a todos,

ou seja, o modo certo e excelente para criar em todas as comunidades,

cidades ou vilarejos de qualquer reino cristão escolas, tais que a

juventude dos dois sexos, sem excluir ninguém, possa receber uma

formação em letras, ser aprimorada nos costumes, educada para a

piedade.

Nota-se, portanto, que o objetivo último da obra de Comenius (1997, p. 11) está

em sua proposição: “[...] tais que a juventude dos dois sexos, sem excluir ninguém,

possa receber uma formação em letras, ser aprimorada nos costumes, educada para a

piedade”. O foco da educação comeniana está firmado no tripé: ensino, moral e piedade.

Infere-se daí que há uma preocupação não só com o ensino, conhecimento e cultura,

com os costumes morais, mas a tônica está na piedade. Por esta razão, a expressão final

de suas palavras: “educada para a piedade”. O pressuposto de Comenius é que a

educação constitui-se o meio para conduzir o homem à piedade.

Compreende-se assim que a preocupação de Comenius (1997, p. 14) é

demonstrar que, por meio da Didática magna, os leitores entendam que a salvação do

gênero humano somente pode ocorrer por meio da educação:

Sem dúvida a empresa é muito séria e, assim como deve por todos ser

desejada, também deve ser ponderada pelo juízo de todos, e todos em

conjunto devem levá-la adiante, pois ela diz respeito à salvação

comum do gênero humano.

No mesmo sentido, mais adiante, afirma Comenius (1997, p. 15):

Por isso peço aos meus leitores, ou melhor, em nome da salvação do

gênero humano, esconjuro todos os que me lêem, em primeiro lugar, a

que não qualifiquem de temeridade o haver alguém ousado não só

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tentar coisas tão grandiosas, mas, sobretudo, prometê-las, visto que

tudo isso é feito com um fim salutar.

Os pressupostos acima mostram a inter-relação que Comenius estabelece entre a

teologia e a pedagogia, que são indissociáveis, visto que a educação deve conduzir à

piedade e, por extensão, ao verdadeiro conhecimento de Deus (CUNHA, 2005)2.

Sendo assim, Comenius (1997) conclama aos leitores que não menosprezem o

que ele escreve, antes, que leiam sua obra e, depois, emitam juízo de valor. Ao exortá-

los para a leitura, ele está consciente de que a empresa que está determinado a realizar

não é tarefa fácil. No entanto, partindo do pressuposto de que a educação é a salvação

ou a cura para o gênero humano, segundo Lopes (2003, p. 128) duas certezas fazem

com que ele persevere neste empreendimento: o bem público e a obediência a Deus.

O bem público, conforme desejado por Comenius (1997, p. 19), refere-se à sua

intensa preocupação em colaborar para que todas as pessoas tenham acesso à arte de

aprender, pois pretende que sua obra seja de utilidade pública.

Por lei da natureza, quem souber a maneira de prestar socorro a

alguém em dificuldade não deverá deixar de prestá-lo: sobretudo

quando (como em nosso caso) não se tratar de um homem apenas, mas

de muitos, nem apenas homens, mas de cidades, províncias, reinos,

aliás, de todo o gênero humano. [...] Se alguém tiver encontrado coisas

melhores, que faça outro tanto, para que não seja acusado pelo Senhor

de pôr suas minas no cofre e de escondê-las, pois Ele deseja que seus

servos negociem e que a mina de cada um deles, posta no banco, dê

como frutos outras minas.

No princípio do bem público, percebe-se a questão teológica como tônica em

relação à questão pedagógica, pois está consciente de que, se Deus lhe tem dado uma

percepção a ponto de despertar, no seu íntimo, o desejo de buscar colaborar com a raça

humana, na questão educacional, não se pode omitir, mas assumir a responsabilidade e

ensinar tudo a todos. Este é o princípio motivador de Comenius e, por esta mesma

razão, traduz a Didática para o latim, a fim de ser mais facilmente compreendida,

estando ao alcance de um público maior.

Outra certeza motivadora de seus empreendimentos, apesar da dificuldade,

conforme acentua Lopes (2003, p. 129), relaciona-se com a obediência a Deus.

2 Para maiores esclarecimentos ler a Dissertação de Mestrado de Jonas Gonçalves Cunha com o título: A

indissociabilidade do ensino, moral e piedade nos princípios educacionais de Comenius na Didática

magna. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2005.

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Comenius (1997, p. 19) está consciente de que sua concepção pedagógica não é

resultado do acaso, ela é concedida pelo próprio Senhor, e assim, deve ser posta à

disposição de todos. “O que o Senhor me concedeu observar ponho à disposição de

todos, para que seja comum. [...] É lícito buscar coisas grandiosas, sempre o foi e será, e

não será em vão o trabalhado iniciado em nome do Senhor” (COMENIUS, 1997, p. 19).

Está explicitado, portanto, que o objetivo central de Comenius, ao escrever a

Didática magna, é prover educação a todos, uma vez que ela é o remédio divino para a

cura da corrupção do gênero humano. Todavia, ela somente cumprirá esta função se

estiver alicerçada no ensino, moral e piedade, como termos indissociáveis entre si.

Com esta síntese em mente é necessário pontuar os princípios fundamentais dos

ensinos de Comenius na Didática magna, sem perder o foco desta pesquisa que é

identificar na Didática magna e na Pampaedia o pensamento de Comenius a respeito da

relação do homem com a natureza. Com preocupação metodológica, sistematiza-se

alguns dos seus principais temas.

O homem é a mais elevada e perfeita das criaturas

Comenius faz uso da máxima de Pítaco: “conhece-te a ti mesmo”, utilizada

depois por Sócrates e colocada na entrada do templo de Delfos (LOPES, 2010, p. 23-24)

para mostrar quão importante é o homem diante de seu Criador.

Assim, começa seu trabalho com a valorização do homem, dizendo ser tal

criatura, excelsa e singular na obra da criação; e que,

por ser imagem e semelhança de seu Criador, não pode ser ignorante; ao

contrário, deve ser instruída em todas as sabedorias, e em todas as artes.

Que tudo isso não seja esculpido nas portas dos templos, nos

frontispícios dos livros, não, em suma, na língua, nos ouvidos, nos

olhos de todos os homens, mas em seus corações! Todos os que têm a

tarefa de formar homens devem educá-los de tal forma que vivam

lembrados de sua dignidade e de sua excelência: que procurem, pois,

orientar seus esforços para esse supremo fim (COMENIUS, 1997, p.

42).

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O fim último do homem está fora desta vida

Comenius (1997, p. 43-47) demonstra ser o homem a mais esplêndida criatura já

criada, e como tal deve ser instruída. Após isso, ele pontua que tão excelsa criatura não

pode ter uma existência limitada a esta vida. O homem deve gozar, em Cristo, uma vida

eterna, abundante e perfeita. A vida presente é imperfeita e insaciável, tanto na área do

poder e riqueza quanto na do conhecimento, como afirma Salomão3: “Todas as coisas

são canseiras, tais que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se

enchem os ouvidos de ouvir” (Eclesiastes 1.8).

Na concepção de Comenius, mesmo aqueles considerados como pagãos, não

tratam a morte física como fim de tudo; ao contrário, dizem que a pessoa que morre faz

uma viajem, transmigra-se para outro lugar (COMENIUS, 1997, p. 46). Conclui

Comenius (1997, p. 46) que muito maior razão tem o cristão de vislumbrar a realidade

de um mundo melhor e mais feliz, tendo Cristo como seu precursor; primogênito entre

muitos irmãos e arquétipo de todos os que devem ser reformados à imagem de Deus,

também nós que fazemos parte do seu reino não devemos permanecer aqui, mas migrar

para a vida eterna, morada que contém a perfeição e o verdadeiro gozo.

Diz Comenius (1997, p. 47):

Os israelitas foram gerados no Egito; de lá, transferidos para o

deserto, depois de superarem os obstáculos dos montes e do Mar

Vermelho, construíram os tabernáculos, aprenderam a Lei,

combateram os inimigos; finalmente – atravessaram forçosamente o

Jordão – tornaram-se herdeiros da terra de Canaã, por onde corriam

rios de leite e mel.

Na concepção comeniana, o ser humano possui três moradas: o útero materno, a

Terra e o Céu. “A primeira vida prepara à segunda; a segunda para a terceira; a terceira

é em si mesma, sem fim” (COMENIUS, 1997, p. 47). Este tema é desenvolvido mais à

frente quando afirma “esta vida não passa de preparação para a vida eterna”

(COMENIUS, 1997, p. 49).

Para Comenius, o homem por trazer em si a imagem de Deus deve desfrutar de

um gozo sem fim na eternidade e a realidade da vida presente é um meio de preparação

para a outra vida. “Esta vida sobre a terra não passa de preparação para a vida Eterna, e

3 A discussão a respeito da autoria do livro de Eclesiastes é controversa, mas Comenius, seguindo a

tradição cristã creditou este livro ao rei Salomão, filho de Davi.

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por esse motivo, não é de admirar que a alma, utilizando o corpo, procure obter o que

quer que lhe seja últil na vida futura” (COMENIUS, 1997, p. 49).

Com essa perspectiva é relevante destacar que para Comenius, todas as coisas

criadas, o mundo visível, de qualquer lado que se olhe, demonstra que só foi criado para

ser útil ao homem, conforme se percebe nesta afirmação: “tudo neste mundo é feito em

função do homem, de tal sorte que quando o número dos eleitos for completado não

haverá mais razão para a continuidade deste planeta, de tal sorte que esta vida não passa

de preparação para a outra” (COMENIUS, 1997, p. 51).

Para Comenius, Deus chama alguns por já estarem preparados como Enoque;

outros, por abusarem da longanimidade do Criador, são por Ele ordenados que sejam

arrebatados pela morte, “bem-aventurado aquele que sai do útero materno com os

membros bem formados; mil vezes bem-aventurado àquele que deixar esta vida com a

alma limpa” (COMENIUS, 1997, p. 51). Ele denomina esta vida de caminho, jornada,

porta, espera; e a nós de peregrinos, forasteiros, inquilinos, pessoas no aguardo de outra

cidade, que durará para sempre, conforme Gêneses 47.9; Salmo 39.13; João 7.12 e

Lucas 12.34.

São três os graus de preparação para a vida eterna: conhecer, dominar e

conduzir para Deus a si mesmo e, consigo todas as coisas

Se no capítulo anterior a ênfase recai sobre esta vida, no capítulo quatro

Comenius mostra, primeiro que o fim último do homem é a vida eterna com Deus. Por

outro lado, entende que o homem criado à imagem e semelhança de Deus, com

autoridade de dominar os animais (Gênesis 1.26), é uma criatura racional, pensante,

senhora das criaturas, feita à imagem de seu Criador e para seu deleite. (COMENIUS,

1997, p. 53).

Essa criatura impar é tida como tal pela capacidade de indagar, de dar nomes às

coisas e de classificá-las. Sabedoria 7.17-21: Saber a constituição do universo e a força

dos elementos, o princípio, o fim e o meio dos tempos, a alternância dos solstícios e as

mudanças das estações, as transformações anuais e as posições dos astros, as naturezas

dos animais e os instintos das feras, os poderes dos espíritos e os pensamentos dos

homens, as variedades das plantas e as virtudes das raízes. Em poucas palavras, todas as

coisas, secretas ou patentes etc. Nisto, diz Comenius, estão inclusos também o

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conhecimento das técnicas e a arte da homilética para que, como diz Salomão

(Eclesiastes 5.18), em coisa alguma, pequena ou grande, haja nada de desconhecido.

Como tal é imbuído de requisitos peculiares como: conhecer todas as coisas;

dominar todas as coisas, inclusive a si mesmo, e reconduzir a si mesmo e as demais

coisas para Deus (COMENIUS, 1997, p. 55).

Observa-se, pois, que são aspectos interligados e, portanto, inseparáveis, nos

quais se fundamentam a vida presente e a futura.

A convicção de Comenius (1997, p. 56) é a de que:

Quanto mais nesta vida obrarmos por amor à instrução, à virtude, à

piedade, tanto mais nos aproximaremos do fim último. Portanto, serão

estas três a razão de ser de nossa vida; sejam todas as outras coisas

acessórios, óbices.

Temos em nós por natureza as sementes da instrução, das virtudes e da

religião

A capacidade de indagar, inquirir e conhecer, abordada no capítulo anterior e

neste levada a proporções maiores, não está relacionada com a natureza pervertida do

homem depois do pecado, mas sim, ao estado primitivo e original para o qual o homem

deve ser reconduzido na consumação dos tempos, e assim, viver como antes

(COMENIUS, 1997, p. 57).

Segundo Comenius a capacidade de aprender da mente humana é ilimitada. Por

mais que se viva, por mais que se dedique aos conhecimentos, nunca se aprenderá tudo.

A mente humana é comparada a uma semente que, embora não exista na forma da erva

ou da planta, sem dúvida contém em si a erva ou a planta, pois que, uma vez enterrada

expande para baixo as raízes, e para cima os brotos, os ramos e os galhos, vindo a

produzir folhas, flores e frutos. Como a semente, o homem nada recebe do exterior, mas

apenas precisa expandir e desenvolver as coisas que já traz implícitas em si, mostrando

a natureza de cada uma. (COMENIUS, 1997, p. 62).

Comenius concorda com Aristóteles que compara a mente humana a uma tábua

rasa, dizendo que assim como o escritor escreve e o pintor pinta na tábua rasa, da

mesma forma o mestre deve imprimir na mente do homem o conhecimento, e ainda que

o faça, não encontrará seus limites. É como a cera que, adapta-se a todas as formas, da

mesma forma é o cérebro que abrangendo as imagens de todas as coisas, recebe em si o

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que o universo contém. Uns com maior intensidade, outros com menor, não importa,

para Comenius todo cérebro, de algum modo, as recebe, as representa e as retém

(COMENIUS, 1997, p. 63).

Comenius cita Salomão quando se admira de que todos os rios desemboquem no

oceano e, no entanto, não enchem o mar (Eclesiastes 1.7), e conclui: “e quem não

admirará o abismo de nossa memória, que engole tudo e tudo restitui, e não obstante

nunca está vazio nem cheio? Para ele, então, nossa mente é maior que o mundo”

(COMENIUS, 1997, p. 65).

Por fim, como parte inerente da conduta ideal e do homem completo, Comenius

levanta a bandeira da verticalidade, ou do relacionamento homem Deus. Cita Aristóteles

que diz: “Todos os homens têm a noção dos deuses, e todos atribuem um lugar supremo

a um nome divino” (De Coelo, liv. I cap. 3). Apropria-se, também, da contribuição de

Platão em Timeu, ao afirmar que “Deus é o bem supremo, que está acima de qualquer

substância, qualquer natureza, sendo por todos, desejado” (COMENIUS apud

CALCÍDIO, Comm. In Timaeum, p. 176).

Enfim, Comenius argumenta que até os pagãos concordam com uma vida

piedosa e santa, ou seja, “para o homem é mais natural e mais fácil tornar-se sábio,

honesto e santo pela graça do Espírito Santo do que desse progresso ser impedido pela

sobrevinda perversidade” (COMENIUS, 1997, p. 70).

O homem para ser homem precisa ser formado

Foi observado no tópico anterior que a natureza proporciona ao homem as

sementes da ciência, da honestidade e da religião, mas não concede estas coisas de

modo pronto e acabado, ou seja, a ciência, a virtude e a religião só podem ser

alcançadas com o estudo, com o esforço pessoal e com a prece.

É o que trata o capítulo VI. O homem para ser homem precisa ter conhecimento.

Com razão alguém definiu o homem como um animal disciplinável, uma vez que

ninguém pode tornar-se homem sem disciplina (COMENIUS, 1997, p. 71).

É próprio de Deus conhecer tudo sem necessidade de começo, meio e fim. Não

funciona assim com o homem, em virtude de sua finitude. Segundo Comenius, o

homem pode e deve chegar à excelência com a acuidade mental recebida, com a qual

pode indagar a obra de Deus, se deleitando com seu tesouro de inteligência, e

aprendendo com sua própria experiência (COMENIUS, 1997, p. 71).

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O homem não tem de nascença nada mais que a aptidão, necessitando assim ser

ensinado aos poucos a se sentar, a ficar ereto, a andar, a movimentar as mãos para

aprender a realizar um determinado trabalho. Precisa, pois, de preparação para a

perfeição.

Toma-se como exemplo o primeiro casal, Adão e Eva, crer-se que tinham já uma

escola onde podiam conversar, ouvir e aprender. Contudo, a experiência de Eva era

pequena. Se ela tivesse um pouco mais de conhecimento, fruto da experiência, saberia

que um animal como a serpente não era dotada de capacidade para dialogar, e, portanto,

não teria caído na conversa. É claro que no estado de corrupção as coisas se tornam bem

mais difíceis de serem aprendidas. Se o homem nasce com a mente nua, como se fosse

uma tábua rasa, que não sabe fazer, dizer ou entender coisa alguma, tudo deverá

começar dos fundamentos (COMENIUS, 1997, p. 73).

Comenius, ao demonstrar que o homem aprende na escola, usa exemplos de

alguns que, “raptados durante a infância por animais ferozes e educados em meio a eles,

não teriam mais inteligência que os brutos e tampouco aprenderiam a fazer com a

língua, com as mãos e com os pés, nada diferente do que fazem as feras, se antes não

voltassem a viver um pouco entre os homens” (COMENIUS, 1997, p. 74). Com

exemplos reais Comenius (1997, p. 74) demonstra que a educação é necessária para

todos:

Pôr volta de 1540 numa aldeia de Hessen, em meio aos bosques, um

menino de três anos perdeu-se devido à incúria dos pais. Depois de

alguns anos os camponeses viram que, com os lobos, corria um animal

de aspecto diferente, quadrúpede, sim, mas com rosto humano. Tendo

se espalhado a noticia, o prefeito do lugar ordenou que fosse feita a

tentativa de capturá-lo vivo de algum modo. Preso, foi levado ao

prefeito e, depois, ao landgrave de Cassel. Introduzido na sala do

príncipe, começou a debater-se, fugiu e escondeu-se debaixo de um

banco, de onde ficou olhando com aspecto torvo e ululando de um

modo terrível. O príncipe ordenou que fosse criado em meio aos

homens: pouco a pouco a fera foi se tornando mais mansa, depois se

ergueu sobre as patas de trás e começou a andar com dois pés;

finalmente, começou a falar de modo inteligível e a tornar-se homem.

Então, pelo pouco que conseguia lembrar, contou que tinha sido

raptado e criado por lobos e que com eles costumava sair para caçar.

M. Dresser descreve essa história, entre outras, em seu livro Sobre o

ensino antigo e moderno.

Comenius compara os ricos sem sabedoria com porcos engordados com farelo.

Os pobres, com burros de carga. Um homem de bom aspecto, mas ignorante é como um

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papagaio de bela plumagem. Ou uma bainha de ouro com um punhal de chumbo

(COMENIUS, 1997, p. 76).

Enfim, o propósito de Comenius neste capítulo é deixar claro que, para todos os

que nascem homens, a educação é indispensável, a fim de que sejam homens e não

animais ferozes, como no exemplo dado. Conclui com o texto de Sabedoria 3.11:

“Infeliz de quem despreza a sabedoria e a disciplina; vã é sua esperança (de atingir seu

objetivo), infrutíferos os esforços, inúteis as obras”.

A formação do homem é muito fácil na primeira infância: ou melhor, só

pode ser dada nessa idade

No capítulo anterior discorreu-se sobre a vertente de que, ao homem, a educarão

é sine qua non. Neste, observar-se-á que a formação do homem não se dá por acaso,

mas é constituída de norte e de rumo.

Comenius levanta a tese de que somente na primeira fase da vida é possível

aprender com facilidade. Assim como a árvore frutífera para dar frutos doces precisa ser

cultivada por um agricultor experiente, que a plante, irrigue e pode; da mesma forma, o

homem, por si só, cresce com feições humanas, sem, contudo tornar-se animal racional,

sábio, honesto e piedoso. Tais valores só podem ser adquiridos se nele forem enxertados

os brotos da sabedoria, da honestidade e da piedade. Para fazer o enxerto, tem um

tempo, e esse tempo é enquanto é jovem (COMENIUS, 1997, p. 78).

Não é só com o homem que se dá esse processo, mas é da natureza de todas as

coisas que nascem, tanto racionais, irracionais, como plantas. E mais fácil ensinar uma

criança do que um adulto, e mais fácil domar um poltro do que um cavalo adulto, e mais

fácil dobrar uma vara nova do que uma velha e nodosa.

Para a formação do homem, Deus lhe deu os anos da juventude, diferentemente

dos irracionais que com um ano de vida já vivem por contra própria. O homem

necessita de vinte a vinte e cinco anos para sua formação completa.

Diz Comenius (1997, p. 80-81):

No homem é sólido e duradouro apenas o que foi absorvido na

primeira idade, ou seja, as primeiras impressões ficam tão arraigadas

que é quase um milagre modificá-las. Por isso é extremamente

aconselhável propiciar-lhes o surgimento já nos primeiros anos

segundo as verdadeiras regras da sabedoria.

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Enfim, deixa claro ser perigoso não infundir no homem regras de vida desde o

berço, uma vez que, apreendidas coisas inconvenientes, delas dificilmente se

desvencilhará, mesmo com a ingerência de magistrados e ministros da Igreja. Conclui

mostrando a necessidade de urgência por parte da família, do governo e da religião em

salvar o gênero humano, e para tanto, deve-se começar no berço.

É necessário que toda a juventude receba uma formação conjunta, na

escola

Tendo verificado anteriormente que a juventude não pode crescer

desregradamente, mas que necessita de cuidados a partir dos primeiros dias de vida,

neste capítulo Comenius diz quem de fato tem a responsabilidade na condução da

criança, para que esta alcance a devida instrução nas letras, nos costumes e na piedade.

Tal responsabilidade é, primeiramente, dos pais, desde o começo da

humanidade. Em Gêneses 18.19, está escrito: “Porque eu o escolhi para que ordene a

seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor, e

pratiquem a justiça e o juízo, para que o Senhor faça vir sobre Abraão o que tem falado

a seu respeito”.

Ha uma recomendação geral de Deus a todos os pais tanto no Velho Testamento

quanto no Novo. Deuteronômio 6.7: “Inculcarás minhas palavras em teus filhos e delas

falaras enquanto estiveres em casa, caminhando, ao te deitares e ao te levantares”.

Efésios 6.4: “E vós pais, não provoqueis a ira de vossos filhos, mas criai-os na

disciplina e na admoestação do Senhor”.

Com a multiplicidade do ser humano e de seus problemas conjunturais, os pais

passam a dividir a responsabilidade do ensino com outros que demonstrem capacidade

para tanto. São os preceptores, pedagogos, mestres e professores, que ministram aulas

em lugares próprios chamados de escola, colégios, ginásios, academias etc. A escola

vem desde Sem, após o Dilúvio. É sabido que na Babilônia, no tempo do cativeiro de

Judá, existiam muitas escolas (Daniel 1.20), assim como no Egito no tempo de Moisés

(Atos 7.22). O povo de Israel, por ordem de Deus, cria escolas chamadas de sinagogas

para toda nação israelita. Os gregos e os romanos criaram escolas em todo o Império. A

historia relata que Carlos Magno ordenou aos bispos e doutores que fundassem

imediatamente templos e escolas junto a todas as populações pagas submetidas

(COMENIUS, 1997, p. 84).

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Este costume deve ser mantido a ponto de, em cada comunidade humana bem

organizada, ser aberta uma escola para a educação comum da juventude. E assim como

os pais de família se apropriam da colaboração de outros para as lides domesticas, como

buscar o alfaiate quando precisa de roupa ou do sapateiro quando precisa de sapatos etc,

assim também, deve buscar a escola para ajudar na educação dos filhos. Comenius

argumenta que, mesmo havendo pais inteiramente dedicados à instrução de seus filhos,

mesmo assim o ensino em grupo é mais rendoso.

Comenius (1997, p. 85-87) assevera:

É natural fazer o que os outros fazem, ir aonde os outros vão, seguir

quem nos precede e ir à frente de quem nos segue. [...] A escola é, pois,

fundamental para a instrução da juventude. E assim como se devem

preparar os pesqueiros para os peixes e os pomares para as plantas,

também se devem preparar as escolas para os jovens.

Toda a juventude, de ambos os sexos, deve ser enviada à escola

Observou-se a concepção de Comenius com respeito à responsabilidade de quem

deve ensinar – os pais e as escolas – neste, ele pontua que todos, igualmente, de estirpe

nobre ou comum, ricos ou pobres, meninos ou meninas, em todas as cidades, aldeias,

povoadas e vilarejos, devem ser levados à escola para aprender (COMENIUS, 1997, p.

89).

Apropria-se do fato de que Deus não faz acepção de pessoas, ao se posicionar

dizendo que:

Se permitirmos que apenas alguns aprimorem seus talentos, excluindo

os demais, estaremos ofendendo não só nossos semelhantes naturais,

mas a Deus mesmo, que deseja ser conhecido, amado e louvado por

todos aqueles nos quais imprimiu sua imagem (COMENIUS, 1997, p.

89).

Em havendo pessoas que pareçam imbecis ou estúpidas, em vez de servir de

obstáculo, deve-se alentar o ânimo de quem ensina, pois quanto maior for o

retardamento de uma criança, maior a necessidade de ser ajudada, uma vez que não é

possível encontrar uma inteligência tão infeliz que não tenha algum corretivo por meio

da educação, “Ninguém deve ser excluído do processo ensino-aprendizagem, a não ser

aqueles a quem Deus negou sentidos ou inteligência” (COMENIUS, 1997, p. 91).

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Numa época em que à mulher é negado o direito de estudar, visto ser ela tida

como rés, sem direitos de cidadania, nem do saber, ao ponto de Hipólito, em Eurípides,

dizer: “Odeio a mulher douta, e que em minha casa nenhuma haja que saiba mais do que

convém a uma mulher; e, no entanto a própria Vênus de Chipre à mulher douta dá

astúcia maior” (Eurípides, Hipólito, 640-643). Comenius (1997, p. 91-92) vem a

público dizer o seguinte:

Não há qualquer motivo válido para excluir o sexo feminino dos

estudos da sabedoria, uma vez que, como os homens, elas também são

imagem de Deus, participam da graça divina e do reino do século

futuro. São dotadas de inteligência aguçada e aptas ao saber, também

para elas estão abertas portas de postos elevados.

Assim, Comenius advoga que as mulheres devem ser instruídas por meio dos

livros que permitem adquirir para sempre virtudes verdadeiras e verdadeira piedade,

com o verdadeiro conhecimento de Deus e de suas obras.

A educação nas escolas deve ser universal

No capítulo anterior Comenius defende a tese de que a educação é para todas as

pessoas, homens, mulheres, ricos e pobre, sem acepção de raça ou de cor. Neste, trata da

questão de sua universalidade, onde dá sentido e expressão à sua máxima “ensinar tudo

a todos”. Isso não quer dizer que ele apregoava um conhecimento exato e completo para

todos, no que diz respeito a todas as ciências e artes, o que não seria nem útil, nem

possível a ninguém. A idéia é a de que se coloque todas as crianças na escola. É na

infância, na primeira educação que se prepara para a vida, e de que depende tudo o

mais. Se não há instrução formal na infância, dificilmente se terá uma sociedade

ajustada, boa e feliz. Conclui o capítulo dizendo:

Assim como no útero materno se formam os membros igualmente para

todos os homens, e em cada um se formam as mãos, os pés, a língua

etc., ainda que nem todos venham a ser artífices, corredores, copistas,

oradores, também na escola é preciso ensinar a todos todas as coisas

que digam respeito ao homem, ainda que depois uma delas venha a ser

mais útil a um, e outra ao outro (COMENIUS, 1997, p. 101).

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Até hoje faltaram escolas que correspondessem perfeitamente a seus fins

Tratou-se do papel fundamental que a escola tem na formação da juventude.

Observar-se-á, agora, que o propósito da escola, em si, é ser uma verdadeira oficina de

homens, onde as mentes dos alunos sejam construídas e iluminadas pelo fulgor do

saber, onde se ensina tudo a todos.

Comenius indaga: “qual a escola que se propôs a atingir tal grau de perfeição?”

E ele mesmo responde que não houve no passado, e que em seus dias ainda não

existiam (COMENIUS, 1997, p. 103).

Martinho Lutero escreve, em 1525, a todos os magistrados, prefeitos e líderes de

modo geral das cidades alemãs, orientando que encorajassem e exigissem a criação de

escolas. Entre outras coisas, manifesta, dois desejos:

Primeiro, que em cada cidade, aldeia ou vilarejo sejam edificadas

escolas para a instrução de toda a juventude de ambos os sexos, de tal

sorte que mesmo quem se dedique à agricultura e a outros ofícios,

estando na escola durante pelo menos duas horas por dia, seja

instruído nas letras, na moral e na religião; segundo, que as crianças

sejam educadas com um método mais fácil, não só para que não se

afastem dos estudos, mas, ao contrário, para que se sintam seduzidas

por eles, a fim de que, como se diz, encontre nos estudos um prazer

não inferior ao que sente, quando passa, o dia inteiro a brincar com

nozes, bolas ou a correr.

Para Comenius, o conselho de Lutero é dos mais sábios e melhores, mas que até

seus dias (de Comenius), não passa de desejo do reformador. Volta a indagar: onde

estão essas escolas para todos? Onde está esse método agradável? (COMENIUS, 1997,

p. 104).

E infelizmente, mais adiante, Comenius (1997, p. 104-106) conclui:

O que é visto é justamente o contrário, ou seja, não é em todas as

comunidades menores, aldeias e vilarejos que se encontram escolas. E

que onde se encontra uma não se destina a todos indistintamente, mas

apenas a alguns, aos mais ricos, e com um agravante, a maioria adota

um método tão duro que muitas vezes são tidas como espantalhos para

as crianças e tortura para a mente, afugentando os jovens das escolas,

levando-os para outras ocupações, ou seja, o que poderia ser colocado

diante dos olhos de modo perspícuo e claro era apresentado de modo

obscuro, incerto, intricado, como por meio de enigmas. Pelo fato de

serem caros, os mais pobres só têm acesso quando alguém assume os

custos.

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As escolas podem ser reformadas e melhoradas

Percebe-se, no capítulo anterior, a preocupação de Comenius por não haver

escola que cumpra com a finalidade para a qual existe. Neste, ele diz que embora seja

raro o tratamento de uma doença inveterada, quando se descobre um remédio, o doente

dificilmente repudia quem o inventou. Partindo desta premissa se propõe a apresentar

uma organização escolar em que:

Toda juventude nela seja educada (exceto os que não têm

inteligência); [...] Seja educada em todas as coisas que podem tornar o

homem sábio, honesto e piedoso; [...] Essa formação, que é a

preparação para a vida, seja concluída antes da idade adulta; [...] e seja

tal que se desenvolva sem severidade e sem pancadas, sem nenhuma

coação, com a máxima delicadeza e suavidade, quase de modo

espontâneo (assim como um corpo vivo aumenta lentamente sua

estatura; desde que alimentado e assistido e exercitado, o corpo, quase

sem aperceber-se, adquire altura e robustez; da mesma forma, os

alimentos, os nutrientes, os exercícios se convertem no espírito em

sabedoria, virtude e piedade); [...] Todos sejam educados para uma

cultura não vistosa, mas verdadeira, não superficial mas sólida, de tal

sorte que o homem, como animal racional, seja guiado por sua própria

razão e não pela de outrem e se habitue não só a ler e a entender nos

livros as opiniões alheias e a guardá-las de cor e a recitá-las, mas a

penetrar por si mesmo na raiz das coisas e delas extrair autêntico

conhecimento e utilidade; [...] E que essa educação não seja cansativa,

mas facílima, ou facilitadora (COMENIUS, 1997, p. 109-110).

Não há lugar para coisas difíceis na escola. Entre todos os povos, coisas antes

tidas por dificílimas provocam o riso da posteridade. Para Comenius, as sementes da

ciência, da moral e da piedade são por natureza inerentes a todos os homens, com

exceção dos monstros humanos, sendo preciso apenas um pequeno estímulo e de sábia

orientação.

Diz Comenius (1997, p. 115):

Se poucos atingem a sumidade das ciências, apesar de muitos, com

espírito ativo e ávido, nisso se empenharem, e se aqueles que

chegaram até certo ponto só o conseguem com fadiga, ansiedade, mal-

estar e vertigem, depois de tropeçarem e caírem muitas vezes, isso não

significa que haja coisas inacessíveis para o engenho humano, mas

apenas degraus mal dispostos, curtos, gastos, desastrosos, ou seja, um

método intrincado. Outrossim, é certo que se pode conduzir qualquer

pessoa a qualquer altura, dispondo de degraus bem feitos, íntegros,

sólidos, seguros.

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Por fim, Comenius cita Plutarco: “Não está em poder de ninguém a qualidade

dos filhos que nascem, mas está em nosso poder obrar de tal modo que se saiam bem

com uma educação correta”. Para Comenius toda a juventude, com diversas índoles,

pode ser educada e formada com um método único e idêntico. Certamente que as

deficiências e os excessos podem ser mais bem supridos em idade tenra.

A base de toda reforma escolar é a ordem exata em tudo

Comenius aborda a questão da má qualidade do ensino, e apresenta fundamentos

para que se tenha uma escola de boa qualidade. Neste, ele vai dizer que a ordem exata

de tudo é a base de toda reforma no ensino.

Comenius enumera uma série de coisas e de fatos onde, de modo sequencial,

demonstra a ordem contínua e permanente do universo, concluindo que tudo depende de

uma única ordem. A lógica é que, se o universo é sustentado por uma ordem superior,

que promove a disposição de todas as coisas, grandes e pequenas, durável enquanto a

ordem for mantida, argumenta Comenius (1997, p. 124-127):

[...] O fato de cada criatura se manter dentro de seus limites, conforme

a ordem dada pela natureza e a ordem de cada uma, isto contribui para

manter a ordem do universo. A imutável ordem do firmamento é que

faz o tempo girar através de séculos, com intervalos fixos de anos,

meses e dias. [...] A arte de ensinar não exige mais que uma

disposição tecnicamente bem feita do tempo, das coisas e do método.

Se a escola for capaz de estabelecê-la com precisão, ensinar tudo a

todos os jovens que vão frequentá-la, não será mais difícil que navegar

sobre o oceano e ir para o Novo Mundo. [...] Tudo ocorrerá tão fácil

como o funcionamento de um relógio perfeitamente equilibrado pelos

pesos.

O apelo do pedagogo é para que todos ajudem no ensinar tudo a todos os jovens,

ajudando às escolas, sobre quem pesa a responsabilidade de uma organização tal que

corresponda à do relógio, construído com técnica perfeita e decoração esplêndida

(COMENIUS, 1997, p. 127).

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A ordem exata da escola deve ser inspirada na natureza e ser tal que

nenhum obstáculo a retarde

Destacou-se a questão da ordem no ensino no capítulo anterior. Neste, Comenius

diz em que bases tal ordem deve ser inspirada e construída.

Nada nem ninguém podem ajudar mais no ensino-aprendizagem que a própria

natureza. Comenius se apropria de vários exemplos da criação para comprovar seu

raciocínio. Entre outros, usa o exemplo do peixe. Veja-se seu argumento:

Vê-se um peixe a nadar? Esse é um fato natural. Mas se o homem

desejar imitá-lo deverá agir com meios e movimentos semelhantes aos

do peixe, e deverá mover os braços em lugar das barbatanas e os pés

em lugar da cauda, do mesmo modo como o peixe move suas

barbatanas. Até os navios são construídos com a mesma idéia: em

lugar barbatanas, os remos ou as velas; em lugar da cauda, o timão

(COMENIUS, 1997, p. 130).

Para Comenius, os exemplos evidenciam o fato de que a ordem desejada por ele

da arte de ensinar e de aprender tudo só pode ser extraída da escola da natureza. Quando

isto acontece as coisas artificiais, ocorrerão com facilidade e espontaneidade. Cita

Cícero, em uma de suas afirmações que “se seguirmos a orientação da natureza, nunca

poderemos errar e tendo a natureza como guia, não é possível errar” e conclui com um

apelo ao dizer: “Esperamos que, observando o modo como a natureza procede para

fazer isto ou aquilo, sejamos convencidos a proceder de modo análogo” (COMENIUS,

1997, p. 131).

Encerra este capítulo com o que chama de indícios da natureza que propiciam

uma melhor aprendizagem, ou seja, para que o homem possa se aprofundar mais na

sabedoria, é preciso:

Prolongar a vida, a fim de aprender tudo o que é necessário; [...]

Abreviar as artes, a fim de aprender mais rapidamente; [...] Agarrar as

ocasiões, a fim de aprender no modo certo; [...] Despertar o engenho,

a fim de aprender facilmente; [...] Aguçar o juízo, a fim de aprender

com solidez (COMENIUS 1997, p. 135).

Como ele desenvolve estes cinco temas? Nos cinco capítulos subsequentes é o

que se pretende apresentar.

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Princípios para prolongar a vida

No capítulo anterior, Comenius cuida de dizer que a natureza é a grande mestra

para tudo. Neste, ele demonstra que a vida não é medida pela quantidade de anos que se

vive, mas pelo modo como é vivida, pelos resultados auferidos nos anos que Deus nos

concede viver.

Sêneca também pensava assim:

A vida é longa quando é plena; e é plena quando a alma consegue

atingir seu próprio bem, e tiver poder sobre si mesma. E ainda,

fazendo recomendações a Lucílio, diz: “Exorto-te, caro Lucílio, a agir

de tal modo que nossa vida, assim como as coisas preciosas, tenha

mais valor que o tempo”. E em seguida: “Portanto, é de se louvar e de

incluir no número dos felizes aquele que soube empregar bem esse

pouco de tempo, por mais breve, que lhe coube”. E: “Assim como o

homem pode ser perfeito com um corpo menor que o comum, também

a vida pode ser perfeita numa medida menor de tempo. O decurso

mais longo de vida é aquele que levamos para conquistar a sabedoria e

pô-la em prática. Quem a alcança não atinge a meta mais distante,

porém a mais importante” (Sêneca, Epistulae, XCIII, 1- 8).

Com a finalidade de reforçar seu argumento, faz referência a homens como

Alexandre Magno que morre aos 33 anos, sendo cultíssimo nas letras, tanto quanto

vencedor de batalhas, chegando a conquistar o mundo com sua sabedoria na

implementação de decisões, e não apenas com o poder bélico. Giovani Pico della

Mirandola que vive menos que Alexandre, mas nos estudos da sabedoria o supera.

Depois de outros, cita Jesus Cristo como o exemplo maior, que esteve na terra por

apenas 33 anos e realizou a grande obra da Redenção, o que, em parte, foi feito para dar

aos homens um exemplo de como a vida do homem, conquanto breve, é suficiente para

obter os recursos necessários à eternidade (COMENIUS, 1997, p. 138).

Contra os reclamos pela brevidade da vida, a receita comeniana é: “Agir de tal

modo que: Se defenda o corpo das doenças e da morte; e se disponha a mente a fazer

tudo com sabedoria”. Se para viver muito uma árvore precisa de umidade constante,

transpiração frequente e repouso periódico, de igual forma, para se viver bem e ter

saúde e longevidade, é fundamental alimentar-se com moderação, exercitar o corpo e ter

leveza de vida. Se isto for levado a sério, seguramente manterá a saúde e a vida durante

o maior tempo possível, salvo motivo superveniente. Pelo que a correta organização

escolar deve primar da cuidadosa distribuição do cansaço e do repouso, ou seja, dos

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trabalhos, das férias e das recreações dos docentes e discentes de seu quadro

(COMENIUS, 1997, p. 139).

Comenius termina este capítulo com considerações a respeito do crescimento

lento de uma árvore ou do próprio ser humano que não é perceptível seu

desenvolvimento, fazendo citação de uma máxima do filósofo Hesíodo: “Soma pouco

ao pouco, e mais um pouquinho a esse pouco, em pouco tempo terás acumulado um

montão” (COMENIUS, 1997, p. 143).

Ora, se um dia tem vinte e quatro horas, o homem pode usar oito horas para

dormir, oito para trabalhar e lhe sobram ainda oito para outras atividades, entre elas,

aprender pelo menos uma lição de vida por dia. Se isto acontece, com sériedade, no

final da vida cada homem é um sábio. Para Comenius, pois, a grande questão é saber

utilizar bem a vida.

Método para ensino das ciências em geral

No capítulo XIX trata-se dos princípios de um ensino rápido e conciso.

Discorrer-se-á no capítulo XX sobre método para ensino das ciências em geral. Segundo

Comenius é necessário unir, para por em prática, todas as observações esparsas sobre o

modo de ensinar as ciências, as artes, as línguas, a moral e a piedade. Comenius (1997,

p. 231-233) pontua quatro condições como sendo indispensáveis ao jovem que deseja

descortinar as partes mais abscônditas das ciências: “Aos que estudam: que o olho da

mente seja puro; que os objetos estejam próximos; que a atenção seja viva; que, com o

devido método, todas as coisas sejam oferecidas à observação interligadas. Só então

será possível aprender tudo com segurança e rapidez”.

Para os que ensinam, Comenius (1977, p. 237-240) tem uma receita recheada de

regras, as quais julgam de fundamental importância. Ao apresentar as regras, é

categórico:

Que todas as coisas sejam postas diante dos sentidos, as visíveis ao

alcance dos olhos; as sonoras, dos ouvidos; as que têm cheiro, do

olfato; as sápidas, do paladar; as tangíveis, do tato. E mais: quem

ensina as ciências deve ensinar tudo o que se deve saber; o que se

ensina deve ser ensinado como coisa atual e de inquestionável

utilidade; tudo deve ser ensinado diretamente, e não com

circunlóquios; tudo o que for ensinado seja dado antes de modo geral

e depois em partes; as coisas devem ser ensinadas uma depois da outra

e uma por vez; deve-se insistir em cada coisa, até que seja

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compreendida; e, por ultimo, devem ser ensinadas as diferenças entre

as coisas, para que o conhecimento de cada uma delas seja distinto.

Como nem todos os que labutam com a docência têm a capacidade de realizar a

tarefa impar de ensinar, conclui o capítulo XX dizendo que todas as disciplinas

ensinadas nas escolas deverão ser elaboradas segundo essas regras metodológicas

(COMENIUS, 1997, p. 242).

Método para ensino das artes

Discorreu-se sobre método para ensino das ciências em geral, abordar-se-á sobre

método para ensino das artes. Comenius (1997, p. 243), ao citar Vives, afirma: “A teoria

é fácil e breve, e proporciona apenas deleite; a prática, ao contrario, é árdua e demorada,

mas de grande utilidade”.

Para Comenius são três os requisitos da arte: “modelo, matéria e instrumentos”

(COMENIUS, 1997, p. 243). E assim para que haja o ensino, se faz necessário o uso

correto desses elementos, a orientação prudente e o exercício frequente.

Comenius (1997, p. 244-251) destaca seis cânones para o uso correto da arte;

três, no que se refere à orientação correta e dois para a elaboração de exercícios. Ele diz:

Quanto ao uso: aprender a fazer fazendo, deve haver sempre uma

forma e uma norma estabelecida dos trabalhos por fazer, o uso dos

instrumentos deve ser mostrado mais com fatos que com palavras, ou

seja, mais com exemplos que com regras, o exercício é iniciado pelos

primeiros rudimentos, e não com obras já acabadas, os primeiros

exercícios dos principiantes devem ser feitos com matéria conhecida,

e a imitação deve relacionar-se diretamente com a forma prescrita, só

depois poderá ser mais livre. Quanto à orientação: que as formas das

coisas por fazer sejam as mais perfeitas possíveis; assim, quem

conseguir imitá-las bem poderá ser considerado perfeito em sua arte; a

primeira tentativa de imitação deve ser a mais exata possível, de tal

modo que não se afaste nem um pouquinho do modelo. Quanto aos

exercícios: o professor deve corrigir imediatamente os erros e

acrescentar as observações que se chamam regras e exceções às

regras; o ensino completo de uma arte consiste em síntese e analise.

A idéia conclusiva de Comenius neste capítulo XXI é a de que em qualquer arte

sejam preparados modelos completos e prefeitos de tudo o que se deva se queira ou se

possa oferecer sobre determinada arte.

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Método para ensino das línguas

Pelo fato das línguas não fazerem parte da instrução ou do saber, não se deve

gastar tempo com todas elas, até porque não é possível aprendê-las todas, mas se deve

gastar tempo apenas com as que são necessárias, ou seja, os teólogos devem aprender

hebraico e grego, os filósofos o grego e o árabe, para a vida cotidiana as línguas

vernáculas etc (COMENIUS, 1997, p. 253).

Segundo Comenius as línguas não devem ser estudadas em toda a sua dimensão,

mas apenas para poder ler e entender os livros. Ninguém domina plenamente uma

língua; nem mesmo Cícero conhecia a língua latina em sua totalidade, ele mesmo

confessava não conhecer os vocábulos dos artesãos (Cícero, De finibus, II, 2, 4).

Comenius (1997, p. 259) tem uma receita prática para o estudo e aprendizagem,

com rapidez e facilidade de várias línguas, o qual pode ser resumido em oito regras, a

saber:

Aprenda-se uma língua por vez; cada língua deve ser aprendida em

dado tempo, para que não se torne principal o que é secundário, e não

se perca com palavras o tempo devido ao estudo das coisas; cada

língua deve ser aprendida mais com a prática que pelas regras; mas as

regras ajudam a prática e a consolidam; as regras das línguas devem

ser gramaticais, e não filosóficas; ao escrever as regras de uma nova

língua, deve-se fazer referência a uma já conhecida, para poder

mostrar apenas as diferenças entre uma e outra; os primeiros

exercícios de uma nova língua devem ser acerca de temas já

conhecidos; e, todas as línguas, portanto, podem ser aprendidas com

um mesmo método.

Apliquem-se as regras acima às quatro idades da vida: infantil, em que se

começa a falar de qualquer jeito; adolescência, em que se aprende a falar com

propriedade; juvenil, em que se aprende a falar com elegância, e a idade viril em que se

aprende a falar com vigor, que certamente, há de se aprender uma língua (COMENIUS,

1997, p. 259).

Até o capítulo XXII tratou-se do método mais rápido para ensinar as ciências, as

artes e as línguas, no capítulo XXIII abordar-se-á o ensino da moral, e no capítulo XIV,

a piedade, ensino que tem por objetivo tornar a criança mais elevada nos bons costumes,

e mais próxima de Deus. Como estes dois temas, moral e piedade serão discorridos com

maior propriedade no capítulo terceiro desta pesquisa, uma vez que naquele capítulo

abordar-se-á a respeito de ensino, moral e piedade, na Didática magna de João Amós

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Comenius, estes capítulos, XXIII e XXIV serão objeto de estudo. “Se quisermos

reformar as escolas segundo os princípios do verdadeiro cristianismo, ou retiramos das

escolas os livros de autores pagãos, ou os usamos com cautela maior que a atual”

(COMENIUS, 1997, p. 260).

Comenius é enfático, ousado e destemido, ao orientar as escolas cristãs a que

tirem de seus quadros docentes todos aqueles que não professam o cristianismo, indo à

cata de cristãos convictos para assumirem tal posto. Para ele é um censurável abuso da

liberdade cristã, chegando à raia da “profanação, o fato de se elevar e de se comprazer

mais em Plauto, Cícero, Ovídio, Catulo, Vênus, Aristóteles e outros, do que no próprio

Cristo” (COMENIUS, 1997, p. 289).

A postura comeniana é a de que os filhos do Reino devem ter uma instrução que

reflita o ensino exarado nas páginas da Bíblia. Deus é enfático na proibição explicita de

seu povo quando à cultura e os usos pagãos: “Não aprendais o caminho das nações”

(Jeremias 10.2); II Reis 1.3: “Porventura não haverá Deus em Israel para irdes consultar

Belzebu, deus de Ecrom?” Por que diz isso? “Porque toda sabedoria vem de Deus e está

sempre nele, e ainda a raiz da Sabedoria a quem foi revelada” (Eclesiastes 1.1,6). Já o

salmista afirma de si mesmo: Tu, pelos teus mandamentos, me fazes mais sábio que

meus inimigos, pois estão sempre comigo. Tenho mais entendimento que todos os meus

mestres porque medito nos teus testemunhos (Salmo 119.98-99). Também Salomão, o

mais sábio dos homens, diz: O Senhor dá a sabedoria e de sua boca expande a

prudência e a ciência (Provérbios 2.6). Comenius conclui com as palavras de João 6.68:

Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras de vida eterna.

Os pagãos não têm o que dar para o saber dos cidadãos do céu. Assim, conclui

Comenius (1997, p. 294-310):

[...] Se quisermos realmente purgar a Igreja de todas essas

inquietações, não nos resta caminho mais seguro que abandonar todas

as dissertações sedutoras dos homens e voltar-nos para as únicas e

puras fontes de Israel, tendo Deus e seu Verbo como mestre e guia

para nós e nossos filhos. Só assim poderá acontecer o que foi previsto

que Deus tornará sábios todos os filhos da Igreja (Isaías LIV.13). E

mais: não pode sustentar-se a construção do homem quando começa a

manifestar-se a cidade do Altíssimo (II Esd. 10.54). E como Deus quer

que sejamos árvores de justiça, plantadas pelo Senhor para sua Glória

(Isaías 61.3), é preciso que nossos filhos não sejam mudas da

plantação de Aristóteles, de Platão, de Túlio etc. Caso contrário, a

sentença já foi proferida: Todas as plantas que meu Pai celeste não

tiver plantado serão erradicadas.

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Da disciplina escolar

Observou-se anteriormente a postura de Comenius com respeito aos ensinos

pagãos nas escolas cristãs; nesta parte da pesquisa a ênfase será a disciplina escolar.

Ao abordar a disciplina escolar, Comenius cita um provérbio boêmio que diz:

“Escola sem disciplina é como moinho sem água”, ou seja, assim como o moinho pára

quando lhe tiram a água, também a escola procede com lentidão se lhe for retirada a

disciplina (COMENIUS, 1997, p. 311). Portanto, quem exerce a missão de ensinar tem

o dever de conhecer o fim e a forma da disciplina. Na concepção de Comenius, a

disciplina, antes de tudo, deve ser exercida contra quem erra, não porque errou, mas

para que não erre mais. Ela deve ser exercida sem paixões, sem ira, sem ódio, porém

com simplicidade e sinceridade, de tal modo que o disciplinado perceba que é para o seu

bem, e o aceite como sendo um remédio, mesmo amargo, quando medicado pelo seu

médico (COMENIUS, 1997, p. 312).

O âmago de toda disciplina encontra fundamento nas afirmações de Comenius

(1997, p. 315):

É que a disciplina deve tender a formar, a reforçar e a favorecer

sempre nos jovens que educamos uma harmonia de sentimentos

semelhantes àquela que Deus quer para seus filhos, que são confiados

à escola de Cristo, para que possam e saibam amar e reverenciar os

que educam, não apenas se deixando conduzir aonde convém, mas

desejando-o ardentemente.

Sobre a quádrupla divisão das escolas, segundo a idade

O capítulo XXVI tratou a respeito da disciplina na escola, neste abordar-se-á as

divisões da escola a partir do próprio ensino, e guia da natureza. Comenius divide o

período de crescimento em quatro momentos: infância, meninice, adolescência e

juventude; cada um tendo uma duração de seis anos e consequentemente sua escola: a

infância sendo o regaço materno; a meninice, o exercício literário; a adolescência, a

escola latina, ou ginásio; e, para a juventude, a academia.

A distribuição dessas escolas deve seguir a seguinte ordem: a escola materna

deve estar em todas as casas; a vernácula, em todas as comunidades, burgos ou aldeias;

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o ginásio, em todas as cidades; a Academia, em todos os reinos e nas províncias maiores

(COMENIUS, 1997, p. 320).

Comenius (1997, p. 322) compara esses quatro tipos de escola às quatro

estações:

A materna lembra a primavera, cheia de botões e flores cheirosas e

variegadas. A vernácula representa o verão, com suas espigas maduras

e frutos precoces. O ginásio corresponde ao outono, que reúne os ricos

frutos dos campos, dos pomares e das vinhas, guardando-os nos

depósitos seguros das mentes. A Academia, finalmente, é como o

inverno, que prepara os frutos colhidos para os vários usos, para que

sejam suficientes para todo o resto da vida.

A escola Materna

Após discorrer a respeito da divisão das escolas de conformidade com as faixas

etárias, de zero a seis anos, infância; de sete a doze, meninice; de treze a dezoito,

adolescência e de dezenove a vinte e quatro, juventude. Comenius aborda cada faixa

escolar, sendo a primeira a escola materna.

A escola materna é responsável pelos primeiros rudimentos no ensino-

aprendizagem da infância. Reveste-se de importância na medida em que tudo o que o

homem deva ser instruído durante toda a vida, deve ser semeado e plantado a partir da

escola materna.

Isso é possível ao se percorrer todos os gêneros do saber. Resume

magistralmente esse saber em vinte parágrafos, que podem ser sintetizados com uma

palavra para cada um deles, ou seja: “Metafísica, ciências físicas, princípios da óptica,

astronomia, geografia, cronologia, história, aritmética, geometria, estática, mecânica,

dialética, gramática, retórica, poesia, música, economia, política, moral (ética), e

finalmente, religião ou piedade” (COMENIUS, 1997, p. 326-330).

Ensinando essas coisas na infância, como meta e propósito da escola materna,

(COMENIUS, 1997, p. 331) se poderá dizer dos filhos dos cristãos aquilo que o

Evangelho diz de Cristo: crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e

dos homens (Lucas 2.52).

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A escola vernácula

Neste capítulo abordar-se-á a escola de língua vernácula, para onde devem ser

enviados todos os jovens, indistintamente. Qual é, então, para Comenius a objetividade

e o propósito da escola vernácula?

[...] Que todos os jovens, entre seis e doze anos (ou treze) aprendam o

que terá utilidade para toda a vida: ler perfeitamente, escrever segundo

as regras gramaticais do vernáculo, contar e calcular, medir segundo

as normas corretas, aprender a maior parte dos salmos e dos hinos,

conhecer o catecismo e as palavras mais importantes da Bíblia,

começar a aprender, a entender e a por em prática a doutrina moral,

saber em linhas gerais a história da origem, da corrupção e da

redenção do mundo, aprender as bases da cosmografia, e finalmente,

conhecer as bases gerais das artes mecânicas (COMENIUS, 1997, p.

335-336).

Se tudo isso for ensinado na escola vernácula, os jovens jamais serão

surpreendidos ao ouvir qualquer coisa, além do que, eles mesmos terão maior agudeza

quando utilizarem suas capacidades de pensar, de agir e de julgar (COMENIUS, 1997,

p. 336-337).

A escola latina

Na escola latina os jovens devem estudar quatro línguas após o que estão aptos a

serem gramáticos, com profundo conhecimento da língua latina e da vernácula, além de

conhecerem o grego e o hebraico. Também são instruídas em outras ciências, vindo a

ser conhecedores de dialética, retórica, aritmética, geometria, música, astronomia, física,

geografia, história, ética e teologia. Tudo isso em seis anos de estudo (COMENIUS,

1997, p. 343-344).

Qual o método que Comenius propõe para o aprendizado dessas escolas? Que os

alunos devem estudar quatro horas por dia, assim distribuídas: nas duas horas matutinas,

após os momentos devocionais, deve ser ensinada a ciência ou a arte que dá nome à

classe; à tarde, ocupe-se com história à primeira hora e com exercícios escritos, orais ou

manuais à segunda, de conformidade com a exigência da matéria de cada classe

(COMENIUS, 1997, p. 343-351).

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Concluídas essas escolas, com as devidas orientações e tarefas cumpridas, o

jovem estudante saberá se expressar, com propriedade, e sempre que for necessário.

Diz Comenius (1997, p. 350) que para atingir esse fim, terão a seu dispor um

instrumental nada desprezível, ou seja, um bom conhecimento de coisas de todos os

gêneros, frases, adágios, sentenças, fatos, etc.

A Academia

Às Academias cabe atingir o ápice e o arremate de todas as ciências e de todas

as faculdades superiores. Os professores devem ser os mais seletos, os mais

competentes. A Academia deve acolher os mais diligentes, os mais honestos e os mais

perspicazes. Não devem ser tolerados os pseudo-estudiosos para não contaminar o

ambiente.

Para tanto, Comenius expressa um desejo tríplice, no sentido de que nelas sejam

feitos estudos universais, ou seja, tudo das letras e do saber deve ser tratado ali; que

sejam empregados os métodos mais fáceis, seguros e eficazes; e que o acesso aos cargos

públicos seja reservado apenas aos que tenham atingido a meta estabelecida e às pessoas

capazes e dignas de ter nas mãos o governo das coisas humanas (COMENIUS, 1997, p.

352).

Sua proposta na Academia pode ser percebida nas seguintes palavras:

Agora só me resta mencionar a extrema utilidade que seria fundar em

todos os países do mundo a ESCOLA das Escolas, ou COLÉGIO

DIDÁTICO; mas se disso não houver esperança, que ela pelo menos

seja cultivada com sagrada confiança entre eruditos dedicados a

promover também desse modo a glória de Deus, a despeito das

distâncias e das diferenças. Que o trabalho deles tenda a aprofundar

cada vez mais os fundamentos das ciências, para purificar e difundir

entre o gênero humano e com maior sucesso à luz do saber, e para que

as coisas humanas progridam com novas e utilíssimas invenções

(COMENIUS, 1997, p. 358).

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A organização universal e perfeita das escolas

Discorreu-se até aqui a respeito da concepção comeniana quanto à necessidade e

modo de reformar as escolas. Buscar-se-á, neste capítulo, resumir seu desejo na esfera

educacional. Deseja ver implantado um método de ensino perfeito, de tal forma que

mostre a diferença entre a forma até então usada, e a nova forma, agora proposta. É uma

mudança tão acentuada como a que houve entre a técnica usada antigamente para

transcrever livros à mão, e a arte tipográfica em uso.

Comenius compara o método tipográfico com a arte universal de ensinar. Se,

pois, um tipógrafo usando os caracteres tipográficos chega a escrever livros elegantes

mesmo não sabendo escrever elegantemente, uma vez que não executa o trabalho com

as próprias mãos, mas com caracteres, e sem possibilidade de erros, conclui Comenius

que o mesmo acontecerá se houver um encaixe perfeito da nova e universal forma de

instrução que se propõe na Didática magna. Outra observação a ser feita é que com

menos pessoas trabalhando, assim, se produz um maior número de livros.

Usando esse exemplo comparativo Comenius faz a seguinte aplicação: seja

instruído o maior número de pessoas com o menor número de professores; que tais

pessoas sejam instruídas de maneira mais genuína; com cultura refinada e agradável;

(COMENIUS, 1997, p. 362-363).

Depois de mostrar as semelhanças existentes entre o produzir livros por meio da

tipografia e a arte de ensinar, Comenius (1997, p. 370) afirma:

Assim como a descoberta da arte tipográfica possibilitou a

multiplicação dos livros, veículos de instrução, também com a

descoberta da didacografia, é possível multiplicar as pessoas

instruídas para grande proveito da humanidade, segundo a máxima A

multidão de sábios é salvação do mundo inteiro (Sabedoria 6.26). E

uma vez que nos esforcemos por multiplicar a instrução cristã para

infundir em todas as almas a piedade, a cultura e os costumes

honestos, podemos esperar que um dia a terra se encha do

conhecimento do Senhor, assim como o mar está cheio de água Isaías

11.9.

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Requisitos necessários para começar a pôr em prática este método

universal

O capítulo XXX é ao mesmo tempo conclusão e poslúdio de um louvor.

Comenius convencido de que apresenta o método de ensino, diz: “[...] condição feliz

seria a dos reinos cristãos e dos Estados se fossem criadas escolas tais quais as

desejamos” (COMENIUS, 1997, p. 371).

Para a criação de escolas diz Comenius (1997, p. 371):

É indispensável que se tenham homens capazes de ensiná-la aos

jovens; que todos inclusive os filhos dos pobres sejam contemplados

com o ensino; que a escola seja provida de livros “panmetodológicos”;

que esse trabalho não seja feito por um só homem, porém por uma

sociedade colegiada; que é preciso contar com a autoridade e a

liberalidade de algum rei, príncipe ou Estado, com um lugar próprio,

uma biblioteca e demais coisas indispensáveis.

Termina sua Didática magna, tratado da arte de ensinar tudo a todos, com um

apelo a todos os homens de boa vontade, a que doem de si o saber que receberam,

primeiro a Deus o doador de tudo, depois ao próximo, imagem e semelhança do doador.

O chamamento decisivo e consistente de Comenius (1997, p. 374-375) é:

Vós, homens cultos, que Deus dotou de sabedoria e de sutil juízo, para

que possais julgar essas coisas e melhorá-las com vosso prudente

conselho, não tardeis a contribuir com vossas centelhas, com vossos

fachos, para tornar mais candente esse santo fogo. Lembrai-vos da

recompensa prometida pelo amor aos bons e fieis servos que

multiplicam os talentos que lhes foram entregues! E da ameaça aos

preguiçosos que enterram seus talentos (Mateus 25.14-30). E conclui:

não desejeis serem os únicos instruídos: fazei o que vos for possível

para que os outros sejam também instruídos.

Portanto, dá-se por concluído o primeiro capítulo desta pesquisa, que discorreu

sobre a proposta educacional de Comenius explicita na Didática magna. Percebeu-se

que, com sabedoria e engenho, o autor se propôs à tarefa de criar e expor, a quem

interessar e em qualquer lugar, a arte universal de ensinar tudo a todos. Na consecução

de seu projeto percebeu-se que o educador não se pertence a si mesmo, e por isso

mesmo não pode se eximir da responsabilidade de repassar o que recebeu de Deus e dos

preceptores. Cita Sêneca, conhecido por sua inteligência e máximas: “Desejo infundir,

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nos outros tudo o que sei”, e: “Rejeitarei qualquer sabedoria que me seja oferecida com

a condição de mantê-la oculta e de não poder difundi-la” (COMENIUS, 1997, p. 375).

Estudado o texto da Didática magna e entendido seus principais ensinos, é

mister, à semelhança do que foi feito aqui, trabalhar com os ensinos fundamentais da

Pampaedia, reflexão a ser feita no próximo capítulo.

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Capítulo II

Ensinos fundamentais da Pampaedia de João Amós Comenius

Compreendidos os ensinos fundamentais da Didática magna é relevante, neste

capítulo, identificar os principais ensinos comenianos expostos na Pampaedia para

igualmente prover sustentação ao último capítulo quanto à relação do homem com a

natureza.

Comenius (1992, p. 41) define o termo Pampaedia como a educação universal

de todo gênero humano de maneira que a humanidade aprenda tudo plenamente. A

Pampaedia é definida por ele como o caminho pelo qual se implanta a sabedoria nas

mentes, nas línguas e nos corações de todos os homens e a finalidade de sua obra é

enfatizar que o homem é o maior esplendor de Deus.

Assim, para que reflitam a nobreza de sua criação; cumpram sua função neste

mundo de governar sobre todas as coisas, é necessário formar plenamente a cada

indivíduo, sem se importar com a classe social a que pertencem se são ricos ou pobres,

nobres ou plebeus, homens ou mulheres: “resumindo: a todos quantos nasceram homens

[...], de qualquer idade, condição, sexo ou nacionalidade, devem ser educados”

(COMENIUS, 1992, p. 42).

A intenção educacional, ensinar plenamente a todos, é inútil, se todos aqueles

investido de autoridade e poder de decisão desejarem a formação de cada indivíduo,

mas porque muitos destes, desejam que as trevas reinem e que o povo permaneça na

ignorância, Comenius (1992, p. 47) entende que não pode se calar, uma vez que a

educação é interesse de Deus, dos homens e de sua administração junto à criação de

Deus. Portanto, por amor a Deus, a Cristo e ao gênero humano se deve desejar

“verdadeira e sinceramente expulsar as trevas e fazer crescer a luz em todas as mentes”

(COMENIUS, 1992, p. 47).

Após, deixar claro que é imprescindível que o homem seja devidamente

ensinado para que cumpra adequadamente os seus deveres como a mais perfeita das

criaturas divinas, retoma a temática: “que todos os homens sejam educados totalmente”

(COMENIUS, 1971, p. 91). Educar totalmente significa ser educado, não para a

aparência, mas para a verdade, com utilidade certa e segura para esta vida e para a

futura (COMENIUS, 1971, p. 91). O objetivo desta educação é que todos sejam

formados na sabedoria, nos bons costumes e na piedade, não para que se torne um

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sabichão, mas sabedor; não uma máscara de honestidade, mas a própria honestidade;

não um hipócrita da piedade, mas um piedoso e santo adorador de Deus em espírito e

verdade, afirma Comenius (1971, p. 91).

Para educar totalmente os homens, o ensino não pode ser dividido ou parcial,

mas total; não superficial e aparente, mas profundo e real; não amargo e forçado, mas

doce e agradável e, consequentemente, duradouro. “Deve desejar-se, porém, que todos

sejam instruídos em profundidade e não superficialmente; para a verdade e não para

opiniões ou aparências” (COMENIUS, 1971, p. 94). Devem-se educar os homens

integralmente porque quando se força a natureza humana a se fixar num determinado

pormenor, e não observa todo o conjunto das coisas, não pode manter-se em equilíbrio e

perigosamente sai do centro e, assim traz prejuízo para si, para as coisas e para os outros

homens.

Por exemplo, aqueles que desejam em excesso dominar os outros

homens, e se obstinam nesse sentido, esquecidos de tudo o resto, se

acontece que consigam realizar o seu desejo, facilmente se tornam

tiranos, para perda sua e dos outros. Outros, entregando-se apenas aos

gozos da vida, tornam-se porcos (COMENIUS, 1971, p. 93).

O remédio para esta situação é que os homens sejam ensinados totalmente. “Que

cada um prefira saber, querer e poder tudo o que Deus permitiu que se soubesse,

quisesse e pudesse, e não apenas uma parte” (COMENIUS, 1971, p. 94). Ensinar

totalmente não implica em aspereza, e sim, em espontânea perfeição e suavidade com a

finalidade de alcançar resultados duradouros. “De modo que, uma vez que se tenha

iniciado esta mais plena educação não seja abandonada de novo e os homens não voltem

a cair no habitual torpor, inércia e barbárie” (COMENIUS, 1971, p. 95).

Há pelo menos dois obstáculos que concorrem com a proposta educacional de

Comenius, isto é, ensinar todos os homens totalmente. Um desses obstáculos é o pecado

cuja preocupação é obscurecer a boa compreensão: “[...] todos fomos corrompidos, de

modo que somos cegos mesmo em presença da própria luz, somos surdos perante as

próprias vozes que nos aconselham o melhor” (COMENIUS, 1971, p. 98). O outro

obstáculo são os maus exemplos: “Um outro grande obstáculo para a sã educação do

homem é dado pelos maus exemplos dos costumes e das opiniões, que penetram

também entre os jovens (e sobretudo entre eles) e os conduzem para o mau caminho”

(COMENIUS, 1971, p. 99).

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Todas estas coisas tornam difícil a verdadeira educação, entretanto, é

incontestável que, estas dificuldades podem ser eliminadas ou diminuídas. Alguns

acreditam que a forma de diminuir ou eliminar estas dificuldades é por meio da

simplicidade das coisas. Não é assim que Comenius pensa, porque para ele, o escasso

número de objetos enche igualmente os sentidos e desvia a imaginação para as coisas

vãs, nocivas ao corpo e à alma. “Será, portanto, mais razoável o conselho de conservar a

ordem instituída pela sabedoria de Deus, isto é, dotar a mais completa das criaturas de

todo os meios preventivos para se manter afastada de todas as coisas prejudiciais”

(COMENIUS, 1971, p. 100). Por outro lado, é necessário dominar os excessos porque o

homem “suportará os freios [...] se for habituado a dominar-se a si mesmo naquela coisa

que vir que são contrárias à razão” (COMENIUS, 1971, p. 101).

Todavia, não se pode esquecer que apesar dos obstáculos, nada pode se opor ao

desejo do educador de reconduzir o homem à sua perfeição primitiva. Para ensinar tudo

a todos há necessidade de escolas universais, isto é, a Panscolia.

Panscolia

Quando Comenius (1971, p. 104) trata de escolas ele pontua que em alguns

povos, nunca houve escolas, e por isso eram bárbaros. Mais adiante assinala que, em

outros lugares existiam escolas, mas não eram boas. Mesmo as escolas que focam a

piedade, não estão bem organizadas, pelo que se assemelham mais a casas de trabalhos

forçados e a labirintos. Portanto, devem-se criar escolas por toda a parte, segundo a

vontade de Deus, a reparar os homens de maneira que sirvam novamente como jardins

de delícias para o Criador.

É relevante neste contexto, atentar para os princípios que fundamentam a

Panscolia. Comenius (1971, p. 107-121)4 assinala que cada idade é destinada a aprender

e que a morte não coloca um fim à vida do homem, porque todo aquele que nasceu

homem, depois da vida terrena, deverá ir para a eternidade, a universidade celestial.

Importa, portanto, repartir todas as fases e todas as tarefas da vida inteira para que os

homens saibam os objetivos pelos quais eles estão neste mundo e escolham o melhor e

não o pior para suas vidas.

4 Na tratativa da Panscolia foi feita uma síntese do capítulo 5 da Pampaedia. O que segue é um resumo

indicativo deste capítulo

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Os objetivos dizem respeito aos estudos, de modo especial, aos religiosos; mas

dizem respeito também a prudência da vida; os bons costumes; as artes e as ciências e

ao conhecimento das letras. Estes estudos devem ser ensinados a todos os homens,

respeitando os limites de cada fase da vida: a infância, puerícia, adolescência,

juventude, idade adulta e velhice. Se estas fases não forem levadas em consideração,

perde-se o tempo, “uma vez que aquelas coisas que poderiam ter-se aprendido na

infância ou na puerícia, tem necessariamente que aprender-se na adolescência”

(COMENIUS, 1971, p. 109). Enfim, ou faltará tempo para as últimas tarefas ou tudo

será feito precipitadamente e mal feito. Além disso, perdem-se as ocasiões e aptidões

para fazer as coisas: “Com efeito, para a realização daquelas coisas para que foi apta a

primeira idade, não o será a segunda, muito menos a terceira etc”. (COMENIUS, 1971,

p. 109).

Vale ressaltar aqui, ecos do pensamento de Comenius em Piaget. Segundo Lopes

(2008, p. 55), Piaget ao prefaciar uma coletânea de textos de Comenius5, assinala que

ele estava à frente do seu tempo, de maneira que sua discussão relativa ao conhecimento

gradual da criança, a partir das coisas concretas para as complexas foi influência direta

de Comenius em seus estudos. Percebe-se assim, que a abordagem do processo ensino-

aprendizagem deve muito ao autor da Pampaedia.

Necessário é atentar para o princípio de que Comenius (1971, p. 109-110), ao

partir do conhecimento gradual e que saber utilizar cada fase da vida e aplicá-la ao

ensino (COMENIUS, 1997, p. 320), constitui-se em sabedoria, divide a vida humana

em: concepção e a gestação no útero materno; no nascimento e sua sequência que é a

infância; na puerícia; na adolescência; na juventude; na idade adulta e na velhice. Estas

idades correspondem às suas respectivas escolas: a Escola da formação pré-natal; a

Escola da infância; a Escola da puerícia; a Escola da adolescência; a Escola da

juventude; a Escola da idade adulta e a Escolha da velhice.

Ao comentar acerca destas escolas em termos abrangentes Comenius (1971, p.

110), afirma:

O lugar da primeira dessas escolas será em qualquer parte onde

nascem os homens; da segunda, em cada casa; da terceira, em cada

aldeia; da quarta, em cada cidade; da quinta, em cada reino ou

província; da sexta, no mundo inteiro; da sétima, em qualquer parte

onde se encontrem homens mais longevos.

5 Esta obra possui a seguinte referência: PIAGET, J. La actualidade de Juan Amós Comenio. In Páginas

Escogidas. Buenos Aires: A.Z. Editora; Orcalc, Ediciones Unesco, 1959.

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Nota-se que são sete escolas e cada uma delas, se não for possível sua fundação

em todos os lugares, que sejam estabelecidas em locais estratégicos.

Na Pampaedia percebe-se que estas escolas poderão ser privadas e acontece no

lar, sob a responsabilidade dos pais; públicas, sob a supervisão da Igreja e dos

magistrados e pessoais, uma vez que já se atingiu grau de maturidade que pode ser o

condutor da sua própria vida.

Sua preocupação ao discutir a panscolia está voltada para as escolas públicas.

Ele define escolas públicas como as assembléias onde os jovens de toda a aldeia ou

conjunto de famílias, cidade ou província, sejam exercitados coletivamente nas letras,

nas artes, nos costumes e na verdadeira piedade (COMENIUS, 1971, p. 111). Este

princípio conduz ao pressuposto da pansofia, isto é, ensinar tudo a todos, com

sabedoria. Isto significa que todos têm direito e acesso à educação e na concepção de

Comenius (1971, p. 111) que os pais sejam obrigados a enviarem os seus filhos à

escola.

A partir desse pensamento comeniano há dois princípios relevantes a serem

destacados aqui:

Educação para todos

Está explícito no pensamento de Comenius que a educação não deve ser dirigida

a um determinado grupo de pessoas, tampouco, deve haver diferença de qualidade na

educação. No estudo da Pampaedia Comenius (1971, p. 116) trata dessa questão ao

conceber que os nobres e os plebeus podem ser ensinados com os mesmos professores e

nos mesmos lugares, daí sua ênfase: “[...] onde quer que os homens nasçam, é

necessária a educação para que os dotes da natureza passem de potência a acto”

(COMENIUS, 1971, p. 117).

A relevância da Instituição Escolar

Esta existe em função de duas coisas: a primeira porque em sua maioria, os pais

não podem propiciar a educação a seus filhos em sua plenitude, “pois muitos deles

também são ignorantes” (COMENIUS, 1971, p. 111); a segunda é que no estudo

coletivo há estímulo recíproco dos alunos. Entretanto, deve-se explicitar que o objetivo

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da escola não é só aprender a ler e a escrever, mas também que aprendam conteúdos

úteis e necessários para toda a vida (COMENIUS, 1971, p. 115).

Que na escola os alunos aprendam além das letras, a se exercitarem nos bons

costumes, isto é, que as escolas empreguem todos os esforços para que seja uma oficina

pública de virtudes, para que as crianças não aprendam vícios ou malefícios para si e

para o próximo. Que nelas se aprendam a piedade, definida por ele como: “[...] coração

- impregnado pelo reto sentimento, no que se refere à fé e à religião – saber buscar Deus

em toda parte” (COMENIUS, 1997, p. 271), de maneira que as crianças ao voltarem

para suas casas, mesmo que lá haja algum desvio de comportamento por parte dos seus

pais, estas saibam identificar e não sejam corrompidos pelos seus maus exemplos.

As escolas devem possuir os seguintes requisitos essenciais: os professores, os

alunos e os bons livros. Além disso, devem possuir edifícios para as aulas, reuniões, os

meios financeiros para pagar os professores e dos diretores, que serão os responsáveis

pela manutenção da autoridade e do estímulo a todos os alunos e professores. Deve

haver ainda a preocupação com a utilização de métodos atraentes, com estudo

inteiramente práticos, que resultem no prazer da juventude em fazer parte dela. Alguns

dos métodos apontados por Comenius (1971, p. 120) são: debates, redação de cartas e

representações cênicas. Entretanto, esta reflexão será aprofundada neste trabalho,

quando for tratar da discussão em torno da Pandidascália.

Em síntese, há uma profunda preocupação de Comenius com a criação de

escolas, denominadas por ele de panscolia (escola para todos), cujo objetivo é

“conseguir que, por toda parte, haja grande abundância de homens bem instruídos”

(COMENIUS, 1971, p. 115). Em suas reflexões da escola pansófica (ensinar tudo a

todos) explicitada em toda a Pampaedia, Comenius pontua que a escola no

cumprimento do seu objetivo deve possuir bons livros, e na tratativa de sua

interpretação do que seriam, “os bons livros”, ele escreve um capítulo que discorre esta

matéria, denominando-a Pambiblia.

Pambiblia

Comenius adentra na discussão da Pambiblia porque está convicto de que os

livros, segundo a intenção proposta por ele, estão destinados à reforma do mundo, e a

partir dessa perspectiva é que ele define Pambiblia como “livros destinados à cultura

universal e elaborados segundo as leis de um método universal” (COMENIUS, 1971, p.

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123). Para que sejam instrumentos universais de cultura eles devem conter todas as

coisas úteis ao ser humano. Ao enfatizar as “coisas úteis” tem em mente que não há

necessidade de muitos livros (COMENIUS, 1971, p. 125), mas apenas os livros divinos

que são: o mundo, a mente e a Revelação feita com palavras e narrada na Bíblia.

Estes três livros, para Comenius, são a verdadeira e completa biblioteca, porque

o seu conteúdo diz respeito às coisas deste mundo e prepara o homem para a eternidade.

Os demais livros são relevantes na medida em que prepara o entendimento humano para

a compreensão dos livros divinos. Nesse contexto é que ele discorre acerca de como os

livros devem ser editados. Aqui segue apenas as linhas mais gerais de Comenius que

trata de como deveriam ser editados todos os livros da escola pansófica. Eles devem ser:

Poucos e breves. Na concepção comeniana os livros devem ser poucos e breves,

“de modo a não fazer perder a coragem pelo seu número e pelo seu tamanho, e em

alguns, privados das coisas necessárias [...] em alguns, sobrecarregados com coisas

supérfluas” (COMENIUS, 1971, p. 125). Percebe-se que Comenius não só defende a

brevidade do livro, mas que os livros não sejam sobrecarregados de coisas supérfluas.

Além disso, enfatiza que somente os livros que tragam novas e úteis descobertas sejam

publicados.

Publiquem-se apenas descobertas novas e úteis [...]. Desapareça a

perniciosa atitude de escrever livros acerca de coisas já conhecidas

(isto é, de transcrever o que outros escreveram [...]. Se alguém,

mudando apenas o estilo, quiser parecer que fez um livro e, desse

modo, vender, como suas, coisas alheias, seja considerado plagiário;

ou então ridicularizado (COMENIUS, 1971, p. 131).

Claros e verdadeiros. Esta deve ser outra qualidade dos livros da escola

pansófica: clareza na exposição do que é verdadeiro. Como visto, Comenius assinala a

importância de escrever livros que contenham apenas os conteúdos úteis. Portanto, não

podem estar carregados de coisas supérfluas. Nesta parte da Pampaedia o destaque é

que estes livros ensinem de modo claro o que é verdade.

Se expuserem todas as coisas com verdade tão clara e sólida que, por

assentimento comum, toda a humanidade tenha de reconhecer que

aqui estão as verdadeiras chaves para abrir os livros de Deus, as

chaves que abrem a compreensão de todas as coisas neles contidas

(COMENIUS, 1971, p. 125).

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Atraentes e diferentes. Diferentes no sentido de que devem ser aplicados aos

diferentes graus da idade. Atraentes, em oposição aos livros ou aos métodos utilizados

em seus dias, isto é, que provocavam tédio por causa da ênfase nas repetições e do

decorar apenas conteúdos (COMENIUS, 1971, p. 125). Para que estes livros sejam

atraentes Comenius discorre acerca de diversas formas, entretanto, sua ênfase na

Pampaedia será no diálogo.

Conseguir-se-á isso, sobretudo se a maior parte desses livros for

escrito em forma de diálogo, pelas utilizações interessantíssimas a que

tal forma se presta [...] Por este processo, todos se habituam a

interrogar inteligentemente acerca de todas as coisas e a responder

inteligentemente às coisas perguntadas inteligentemente, quer a tarefa

de interrogar seja confiada aos professores, quer seja confiada aos

alunos. Com efeito, cada um deles se habituará a desempenhar um ou

outro papel, ora fazendo-se aluno, ora fazendo-se examinador. E se

todos forem ensinados a interrogar e a responder assim,

prudentemente, acerca de todas as coisas, todos se tornarão sábios

(COMENIUS, 1971, p. 129).

Observa-se, a partir das palavras acima, que tanto as escolas (panscolia) quanto

os livros escolares (pambiblia), tem o foco de fazer com que a educação seja uma tarefa

agradável de se realizar. Infere-se daí que, sua abordagem educacional se preocupa com

o professor e com o aluno, ou seja, que o último não seja apenas um recipiente, antes,

seja parte integrante do processo ensino-aprendizagem, porque só assim, é que a

educação cumprirá o seu propósito: educar para a sabedoria.

É nesse contexto que, logo após, tratar da Panscolia e Pambiblia, volta-se

especificamente para os professores. Estes devem se preocupar em inserir e extrair

conhecimento dos seus alunos. Nessa discussão, Comenius utiliza o termo

Pandidascália, conforme será a tratado a seguir.

Pandidascália

Como se pode perceber, Comenius intenciona delinear a escola pansófica, isto é,

“ensinar tudo a todos”, a partir dessa perspectiva é que se preocupa em propor a criação

de escolas (Panscolia) e com a literatura que deve ser utilizada nesta escola

(Pambiblia). Entretanto, ainda falta em sua proposta pansófica, uma relevante figura, a

do professor.

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Em sua concepção, para ensinar todos os homens totalmente (pansofia), são

necessários professores universais que saibam inculcar em todos, todas as coisas,

designados de Pandidascália. “[...] que não faltem em nenhum lugar [...] que sejam

doutos e capazes de ensinar, que eles próprios entendam todas as coisas que tornam o

homem, homem e saibam, em todas as coisas, instruir os outros” (COMENIUS, 1971, p.

105).

Noutra parte da Pampaedia, Comenius (1971, p. 147) define o professor da

escola pansófica como: “É um professor pampédico que sabe formar todos os homens

em todas as coisas que aperfeiçoam a natureza humana, para tornar os homens

totalmente perfeitos”. O contexto próximo dessa afirmação é a comparação feita por

Comenius entre os professores e os apóstolos formados por Cristo, pois, em seu

entendimento os professores têm responsabilidades e devem ser tão valorizados como

os apóstolos são na Igreja: “depois dos tempos dos apóstolos, estão [os professores]

encarregados da formação dos homens [...]” (COMENIUS, 1971, p. 148).

Ao comparar o ofício docente com o trabalho realizado pelos apóstolos fica

demonstrado quão importante é o exercício desta função na formação dos alunos.

Ressalta-se que o objetivo específico desta “formação” é: restabelecer no homem a

imagem perdida de Deus, porque quando se estabelece no homem a imagem perdida de

Deus, este passa a escolher o bem e a reprovar todo o mal. “Lembrem-se, portanto, os

educadores dos homens que o seu dever é ensinar aos homens todas aquelas coisas que

dizem respeito à reparação da imagem divina em nós” (COMENIUS, 1971, p. 149).

Observa-se que, educar os homens, no pensamento de Comenius (1971, p. 150)

não diz respeito apenas à transmissão de conhecimento, antes disso, o foco está na

restauração da imagem divina perdida no homem. Este é o objetivo de todo educador. É

com essa perspectiva que o autor da Pampaedia explicita o perfil dos que podem

exercer tamanha responsabilidade. Segundo ele, os formadores dos homens serão os

mais seletos dentre a sociedade.

Os docentes devem ser, antes de tudo, piedosos, isto é, “totalmente dedicados a

Deus” (COMENIUS, 1971, p. 148). Além de piedosos, eles devem ser honestos, ou

“imaculados diante dos homens, sob todos os pontos de vista” (COMENIUS, 1971, p.

148). Devem ainda, serem dignos, “para que façam todas as coisas com a mais suave

severidade” (COMENIUS, 1971, p. 148); diligentes, “a fim de que nunca sintam o peso

ou se envergonhem do seu ofício, nem se deixe abater facilmente pelas fadigas”

(COMENIUS, 1971, p. 148); prudentes, “porque os espíritos humanos [...] se

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transformam em monstros multiformes, se não presos e firmemente apertados nos

vínculos da ordem” (COMENIUS, 1971, p. 148).

Este perfil resultará na competência docente, que está diretamente ligada ao

método de ensino e é uma das principais preocupações de Comenius. Este foco pode ser

percebido, além da Pampaedia, também na Didática magna: “Nós ousamos prometer

uma Didática Magna [...] de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e

discentes se molestem ou enfadem, mas, ao contrário, tenham grande alegria”

(COMENIUS, 1997, p. 13).

O objetivo educacional comeniano na Pampaedia é referente à restauração da

imagem divina perdida no homem, mas para alcançar este objetivo é necessário estar

consciente de que os professores conheçam todos os fins da sua profissão; todos os

meios educacionais possíveis e apliquem uma variedade de método de ensino. Assim,

sua didática deve se fundamentar em três princípios: universalidade, para que todos

sejam ensinados em todas as coisas; simplicidade, para que com meios adequados

cheguem à certeza e espontaneidade, para que façam tudo suavemente e

agradavelmente, como se fosse um jogo; “de modo que todo o processo da educação do

homem possa chamar-se escola-jogo (schola ludus)” (COMENIUS, 1971, p. 150).

Comenius pontua um método, composto de três partes, que devem ser utilizados

pelos professores. As partes são: análise, síntese e síncrise. Na análise ocorre a

decomposição da unidade nas suas partes. “Com efeito, as coisas indivisas e indistintas,

são confusas, perturbam os sentidos, a mente e a si mesmas” (COMENIUS, 1971, p.

155). Na síntese ocorre o inverso, isto é, a recomposição das partes no seu todo. “Ele é

vantajosa para consolidar o conhecimento das coisas” (COMENIUS, 1971, p. 156). Por

fim, a síncrise, que é a comparação das partes com as partes e dos todos com os todos.

Esta comparação esclarece o conhecimento, porque “conhecer as coisas isoladamente

(como costuma fazer o comum dos homens) é algo de parcial, mas conhecer a harmonia

das coisas e as relações comuns de todas as coisas com tudo [...] traz às mentes luz

pura” (COMENIUS, 1971, p. 156).

Nesta mesma discussão é relevante atentar para o princípio educacional de que

Comenius compreende a necessidade de, uma vez observadas todas as condições para a

educação do homem, o educador não pode fazer distinção entre a teoria (theoria), a

prática (práxis) e sua utilização, que é denominada por ele como chresis (COMENIUS,

1971, p. 160). Na prática isso implica num único método que está focado na teoria, na

prática e nos exemplos. As regras deveriam ser poucas, mas claras; a aplicação prática

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deveria ser contínua e muitíssima, até se transformar em hábito e os exemplos, seriam

ligados diretamente ao tema (COMENIUS, 1971, p. 160).

Na reflexão do método comeniano Gasparin (1994, p.154) assinala que ele pode

ser definido como sincrítico que corresponde à “ação da mente que compara uma coisa

com outra, fazendo-as passar por um crivo a fim de separar, discernir o que é o melhor

de todo resto”. Semelhantemente Lopes (2003, p. 111) define: “método que confronta

duas ou mais idéias, ou realidades, buscando compreendê-las dentro de uma totalidade”.

As definições acima contemplam pelo que se pode perceber, uma parte do

significado do método comeniano, porque ambas acentuam “a comparação entre duas

coisas ou realidade”. Entretanto, deixam de assinalar um princípio fundamental do

citado método que é o termo “exemplo”, o qual está diretamente relacionado com

método de ensino que permite a compreensão de que “exemplos” não dizem respeito à

questão moral, como pode se pensar, mas tem a ver com a utilização de recursos

práticos e visuais aplicados ao processo de ensino-aprendizagem.

Já que não se consegue prover todos os recursos visuais, que eles sejam inseridos

no livro escolar, daí, na Didática magna, ao fazer referência ao seu método de ensino,

Comenius (1997, p. 332) registra as palavras: “[...] seria muito útil para a escola [...] um

livro ilustrado com figuras [...] Nesse livro podem ser pintados montes, vales, árvores,

pássaros, peixes, cavalos [...]”. Portanto, no método comeniano há três partes

indissociáveis: a teoria, a prática e as ilustrações, as quais formam o método sincrítico

que deve ser utilizado continuamente pelos docentes em suas aulas.

Além do método comeniano, proposto acima, o docente (pandidáscalos) deve ter

em mente os seguintes princípios educacionais6:

1- Que todo homem seja submetido à educação o mais cedo possível. Além

disso, deve-se ter a consciência de que este ensino tem início, mas não tem fim, pois se

trata de algo contínuo. Por ser um ensino contínuo e ter início desde a mais tenra idade,

não pode ser enfadonho, e sim, alegre e suave em sua maneira de aplicá-lo

(COMENIUS, 1971, p. 151).

2 – Que todo homem tenha diante de si os instrumentos necessário à sua

educação. Todas as discussões dispostas à educação devem ser planejadas

antecipadamente e com os alunos. Que a estes não faltem ilustrações, livros,

6 Esta parte pode segue a estrutura proposta por Comenius (1971, p. 162-163).

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observações práticas para que os ensinos sejam incutidos na memória. Para tanto que

sejam observadas, num primeiro momento as coisas simples e depois as complexas.

3 – Que os recursos educacionais sirvam como alimento ao desejo inato de

conhecer do homem. Por conseguinte, deve-se primeiramente, apresentar todas as coisas

a serem aprendidas aos sentidos. Após isso, apresentá-los na prática e, por fim, que se

discorra a respeito da temática da aula.

4 – Que o conhecimento por ser contínuo é gradual. Por isso, deve-se partir dos

princípios mais elementares; após os elementares é mister pormenorizar mais

precisamente as partes, com a finalidade de obter o máximo de exatidão no que está

conhecido.

Observa-se que, em Comenius o processo educativo só cumpre seu objetivo que

é reparar no homem a imagem perdida de Deus, se ele respeitar o desenvolvimento

educacional dos alunos e tiver a consciência de que o processo educacional, sobretudo,

escolar deve ser revestido de satisfação e alegria por parte dos alunos. É nesse contexto

que ele, propõe que a forma popular de ensinar seja a utilizada, em detrimento do rigor

filosófico. Segundo Comenius (1971, p. 164), o método do rigor filosófico comete ou

ameaça cometer violência aos espíritos dos alunos e, por isso, atemoriza-os.

Entretanto, o método popular estimula a luz inata, para que se transforme numa

chama, e assim, “a verdade das coisas virá à luz espontaneamente” (COMENIUS, 1971,

p. 164). A partir dessa mesma perspectiva Comenius (1971, p. 170) afirma: “[...] que

nada se faça a não ser com prazer. [...] nada será difícil para quem quer, porque (como

diz Santo Agostinho), naquilo que se ama, ou não há fadiga, ou a própria fadiga é

amada”.

Isto posto, Comenius passa a se preocupar com a educação infantil, conforme

pode ser visto na continuação deste estudo.

Informações úteis aos pais sobre os primeiros cuidados com as crianças

ainda no seio maternal

O ponto de partida na reflexão da educação infantil em Comenius (1992, p. 175)

é a união conjugal, a qual, segundo ele, é imprescindível para a boa educação escolar da

criança. Por esta razão, no capítulo VIII levanta a discussão em torno da relação

matrimonial.

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Dentre as finalidades da união conjugal, Comenius destaca que ela serve para

cumprir o desejo de Deus quanto à proliferação da raça humana conforme explicitado

no texto bíblico de Gênesis capítulo 1, versículo 28: “E Deus os abençoou e lhes disse:

Sede fecundos; multiplicai-vos, enchei a terra [...]”. Segundo Comenius (1992, p. 175),

a prole humana é semente de Deus, ela se propaga por meio de semente como os

vegetais e animais e para que esta propagação seja santa, é necessário encomendar que

ela corra a cargo dos pais, como representantes de Deus, cuja semente está encarregada

de propagar.

Os pais, por considerarem um privilégio cuidar, formar e alimentar os cidadãos

do futuro mundo devem agir como homens e não se propagarem como animais, como

uma geração lasciva, mas procriar piedosa e santamente como filhos e filhas de Deus

(COMENIUS, 1992, p. 175). Para que isso ocorra é necessário ter a consciência de que

não deve haver relação sexual alguma fora do matrimônio (COMENIUS, 1992, p. 176)

e, além disso, os cônjuges devem coabitar prudentemente, cuidando-se antes de tudo de

sua própria saúde e de que as crianças nasçam dentro da igreja, isto é, que elas tenham

pais santos. Disto decorre que antes de se pensar em ter filhos, os pais devem ter

consciência da responsabilidade que lhes será exigida, dentre elas: devem tê-los com

temor de Deus, com oração, com pura, santa intenção; que a criança seja fruto de um

matrimônio, honrado e honesto; que uma vez concebida a criança seja cuidada com

piedade e santidade.

A partir das palavras acima, Comenius (1992, p. 176-177) demonstra quem deve

contrair matrimônio: 1) os que estão em idade apropriada ou madura. “Não deve ser

demasiado novo ou adolescente, porque prejudicará a si mesmo e aos seus filhos”

(COMENIUS, 1992, p. 178); 2) somente os homens e as mulheres maduras e fortes

devem ter filhos; os que apresentarem debilidade ou enfermidade devem se abster do

matrimônio (COMENIUS, 1992, p. 178).

Segundo Comenius (1992, p. 179) durante a gestação a mãe deve observar três

princípios:

1) Evitar o prejudicial, não só para a saúde, mas ao que se refere aos costumes,

porque na alma do filho repercute as impressões recebidas pela mãe e, depois de nascida

a criança elas serão manifestadas. Tais cuidados são extraídos por Comenius dos

exemplos bíblicos das mães: do nazireu Sansão (Juízes 13. 3-5) e de João Batista (Lucas

1. 15) as quais deveriam se guardar e não beber vinho ou bebida forte, nem comida

imunda. “Por isso se ela é bebedora, lasciva, iracunda [...] todas estas coisas passaram a

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seu filho [...] Por isso os filhos e às vezes famílias inteiras herdam as enfermidades do

corpo e da alma de seus progenitores” (COMENIUS, 1992, p. 179);

2) Preocupar-se com o bem estar da saúde pessoal. Devem-se praticar

exercícios físicos moderados, abster-se de comer com excesso, mas tomar vitaminas

com o propósito de assegurar a saúde, a beleza e a inteligência do feto;

3) Deve orar assiduamente a Deus, não só para que a previna de males e ter um

parto feliz, em que a prole seja bem formada, sã, robusta e vigorosa, mas

principalmente, para que o útero seja santificado pelo Espírito Santo e que a criança,

manchada pelo pecado de Adão, seja cheia de bondade (COMENIUS, 1992, p. 180).

Percebe-se a preocupação de Comenius com relação à união conjugal e ele deixa

explícito que a educação tem seu início, antes do nascimento da criança, as quais só

devem nascer dentro de uma relação matrimonial e após os pais tomarem as devidas

precauções morais e de saúde para que sua prole seja bem formada e educada para a

felicidade, pois só assim, os pais agradarão a Deus e demonstrarão sua gratidão em

terem sido abençoados como pais daqueles a quem o Senhor lhes confiou (COMENIUS,

1992, p. 180).

Cuidadosa formação do filho do nascimento até os seis anos de idade

Após, o nascimento, Comenius (1992, p. 181) enfatiza que a criança é um

homem que acaba de nascer e entrou a pouco no mundo exterior à sua mãe, portanto é

desconhecedor das coisas, necessita ser instruído nelas e a sua primeira escola é a casa

materna.

A Pampaedia pressupõe que a corrupção universal do mundo começa nas raízes

e, portanto, uma reforma universal do mundo deve também começar no mesmo lugar.

Assim, após o nascimento da criança, no devido tempo, é necessário ensiná-la os

primeiros rudimentos para que ela não seja ignorante, isto é, não seja “um material

bruto” (COMENIUS, 1992, p. 182), o que implica em ser de vazio entendimento, mãos

torpes, com mau comportamento e, sobretudo, desconhecedor de Deus. Pelo contrário, é

necessário educá-lo para que seja um homem instruído nos bons costumes, cujo coração

esteja cheio de Deus, cujo desejo seja agradá-lo e gozar de sua graça. “Esta cultura é e

deve ser o fim e o objetivo de todas as nossas escolas, especialmente das primárias, e de

toda nossa educação; e é precisamente aqui, na infância onde devem ser semeadas suas

sementes e lançados os fundamentos” (COMENIUS, 1992, p. 182-183).

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Nota-se que, para ele, toda esperança de uma reforma universal das coisas

depende da primeira educação, pelas seguintes razões:

1) Porque é demonstrado no texto bíblico e “os principais lugares das Escrituras

Sagradas são: Salmos 8.3; Isaías 28.9; Zacarias 13.7; Isaías 40.11; 60. 22; Marcos

10.14: “Deixai vir a mim os pequeninos”; Mateus 18. 3 [...]” (COMENIUS, 1992, p.

183).

2) O homem se faz na primeira infância, conforme afirmação de Comenius

(1992, p. 183): “Somos enquanto corpo, enquanto espírito, enquanto costumes,

enquanto aspirações, palavras e gestos, conforme nos fizeram a primeira educação e a

formação da adolescência”. Nesse mesmo contexto, em sua concepção deve haver todo

esforço em incutir na criança as questões morais e espirituais desde a primeira infância,

haja vista que, uma vez nelas formadas, estas permanecerão durante toda a vida

(COMENIUS, 1992, p. 183). Na atitude oposta ele afirma: “Os vícios da primeira

educação nos acompanham durante toda a vida” (COMENIUS, 1992, p. 185-191).

Está claro que o foco de Comenius é demonstrar que a educação infantil é uma

temática que deve ser levada a sério em qualquer sociedade e em qualquer época, uma

vez que a criança ao entrar no mundo, vive num lugar “cheio de perigos” e o esforço

dos pais e educadores deve ser evitar que elas procurem as trevas e busquem a luz

(COMENIUS, 1992, p. 185). Após esta afirmação cita Cícero, o qual afirma: “O

fundamento de toda República é uma reta para a educação da juventude” (COMENIUS,

1992, p. 185-186) para atestar suas palavras e completa: “E não deve ter-se em mente

unicamente à República, mas também a Igreja e ao céu, para que tudo marche bem”

(COMENIUS, 1982, p. 186).

Ele está convicto de que o fundamento de qualquer sociedade é a reta educação

da juventude, e que a Igreja não pode se omitir desta discussão. Este princípio merece

uma reflexão à luz do que foi exposto quando se demonstrou a relevância do trabalho de

Comenius. Um dos princípios ali mencionados é relativo à educação infantil nas

comunidades cristãs, que um teólogo chega a denominá-lo de “ministério esquecido”.

Esta questão, por diversas razões, aqui não pode ser aprofundada, mas no estudo de

Lopes (2008, p. 12-39) percebe-se quão distante estão as comunidades religiosas em

geral desta preocupação de Comenius.

Após as considerações acima, o autor da Pampaedia indaga: “A quem cabe a

educação das crianças?”. Na resposta a esta questão Comenius (1992, p. 186) explicita

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que o “primeiro cuidado dos filhos é de responsabilidade dos pais”, os quais, nesta

questão cometem alguns erros:

1) viverem preocupados com o seu próprio ventre; na busca de riquezas e

descuidam dos seus filhos;

2) por confiarem a educação dos seus filhos exclusivamente aos preceptores: “a

maioria dos pais cometem enormes erros [...] quão poucos são os que, como Licurgo,

estão dispostos a pagar, não mil dracmas, mas a metade de sua fortuna àqueles que

prometessem tornar melhores a seus filhos” (COMENIUS, 1992, p. 188-189);

3) acreditarem que nos primeiros anos, tudo deve ser permitido aos filhos.

Comenius, entretanto, afirma que é necessário desde o começo mostrar o caminho desde

a partida (COMENIUS, 1992, p. 189-190). “Aos pais que desejam passar os primeiros

anos sem instruir a seus próprios filhos em coisas úteis, saibam que estão perdendo uma

ocasião que não voltará [...] nunca o fruto será o mesmo” (COMENIUS, 1992, p. 191).

Alguns pais, segundo Comenius, podem objetar dizendo que os filhos são

incapazes de receber instruções e que gastar tempo com isso é um trabalho vão.

Todavia, no texto da Pampedia pode ser lido que os filhos potencialmente já possuem

as habilidades para as diversas formas do conhecimento, “com base na opinião emitida

por Platão do eterno retorno do mundo, no qual disse que „aprender é recordar‟”

(COMENIUS, 1992, p. 191-192).

Num dos seus argumentos ele conclama que os pais devem considerar

atentamente suas atitudes, pois os filhos são formados do seu sangue, da sua própria

carne, do seu próprio espírito e, se eles enquanto estão sendo gestados são cuidados

pelos pais, também quando nascem são dignos do mesmo acompanhamento e cuidado.

“Os filhos são uma possessão preciosa, preferíveis ao ouro e às pedras preciosas e a

qualquer classe de tesouro” (COMENIUS, 1992, p. 187), e por isso “não podemos

deixar aos filhos herança melhor nem tesouro mais precioso que a sabedoria, a virtude, a

comunhão com Deus, a dignidade celestial e, depois desta vida, a herança do reino

eterno” (COMENIUS, 1992, p. 187).

Há vários exemplos bíblicos que demonstram equívocos de alguns pais que não

deram atenção à educação desde a mais tenra idade e sofreram as consequências desta

atitude. Um deles é Eli, o qual mesmo sendo um homem piedoso, descuidou de assim

fazê-lo, e quando chegaram à idade adulta, quis repreendê-los, porém foi em vão, e os

filhos não só foram ímpios, mas atraíram a maldição de Deus para si e a toda sua casa.

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Comenius (1992, p. 193) explicita que se há interesse pela salvação do gênero

humano, os dirigentes das coisas humanas no campo político e no campo eclesiástico

devem prudentemente prover educação de qualidade, desde a mais tenra idade e que

jamais se deve descuidar dela em nenhuma ocasião.

O objetivo da primeira instrução deve ser:

1) que se espalhem prontamente as brasas divinas escondidas no corpo;

2) preservar-se para que o mundo e satanás e a própria força da natureza, não os

desviem para as coisas vãs e perniciosas;

3) que lhes ensine conforme a verdade das coisas que são verdadeiramente úteis

para esta vida e para a vida futura, ou seja:

a) que se procure no mundo criado, coisas que não sejam prejudicais e que de

todas tirem proveito;

b) que lhes ensine o trato adequado com os homens do mundo cujo consórcio

não possa, nem devem evitar;

c) que se elevem a Deus e lhes ensine a viver a vida celestial.

Os meios para conseguir tais resultados são:

1) entender o mundo como um teatro, isto é, a partir dele exercitar os sentidos:

“[...] quem quiser dar aos alunos uma ciência verdadeira deverá ensinar tudo sempre por

meio da observação direta e da demonstração sensível [...] será fácil imprimir na mente

das crianças, por meio de imagens sensíveis” (COMENIUS, 1997, p. 234);

2) a própria complexidade da natureza humana, a qual uma vez corretamente

analisada mostra igualdade da natureza em todos os homens, e assim entendida,

aprenda-se a estimar aos seus semelhantes e a querer ou não para todos o que não deseja

para si;

3) o conjunto das profecias de Deus que traz conhecimento e familiaridade com

ele. Para que estas coisas se concretizem deve haver: Interesse próprio; disposição para

ajudar e receber a cooperação de outrem, pois, “O que deseja que os demais façam por ti

ou pelos teus, faça-os tu primeiro” (COMENIUS, 1992, p. 195); e que se obtenha por

meio das orações e da bênção divina: “Toda prudência humana de nada vale se falta o

olho providente de Deus” (COMENIUS, 1992, p. 195).

Assim, que haja dedicação nos próprios pais de cuidar e a formar seus filhos; os

que não tenham tempo busquem homens piedosos, porém, devem estar sob a vigilância

dos pais, aos quais pelo menos uma vez por semana devem examinar o que está sendo

ensinado; que os filhos sejam encomendados a Deus todos os dias.

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O exame dos pais deve consistir nos princípios:

1) seriedade, “pois se os primeiros passos não forem bem dados, e se não se

estabelecerem devidamente os fundamentos, o trabalho posterior será vão”

(COMENIUS, 1992, p. 195);

2) suavidade, segundo o modo de aprender das crianças. “Que se estabeleçam

jogos e recreios, porém de tal modo que, por meio deles, se aprendam o nome das coisas

e a utilidade que no momento oportuno terão” (COMENIUS, 1992, p. 195-196);

continuamente, uma vez que a educação é contínua.

É a partir de uma concepção contínua da educação que Comenius (1992, p. 196)

estabelece seis classes da escola infantil. Ressalta-se, todavia, que Lopes (2006, p. 222)

ao comentar o texto da Didática magna (1997) sintetiza a organização escolar na qual

revela que Comenius ao escrever o texto da Didática pontua a educação infantil de uma

forma abrangente, o que permite afirmar que a Pampedia é o texto em que ele procura

aprofundar conceitos, termos e concepções da educação, pois, o que se via antes era

apenas uma compreensão geral das ideias citadas acima. É com esta perspectiva que

Comenius demonstra as seis classes da escola infantil conforme segue abaixo:

1 – A classe dos recém-nascidos, a qual compreende até a idade de um mês e

meio. A primeira coisa a fazer, quando ainda as crianças são pequenas, é consagrá-las

ao serviço de Deus. “Os homens que estão destinados a serem templos de Deus, antes

de se empenharem a viver a vida, por si mesmos devem ser oferecidos a Deus para que

não se dediquem ao que é profano, e, portanto saibam o que precisam fazer”

(COMENIUS, 1992, p. 196) para agradar a Deus. “Porém como? Por meio de orações,

do batismo e de uma boa formação, a partir da primeira e mais tenra infância”

(COMENIUS, 1992, p. 196).

2 – A classe materna ou da lactância, a qual corresponde à idade até um ano e

meio. É necessário que a criança seja amamentada pela mãe (COMENIUS, 1992, p.

197), conforme afirma Comenius (1992, p. 180):

Que a mãe amamente ao recém nascido com seu próprio leite: 1) para

obedecer ao mandamento divino que ordenou este alimento para o

recém nascido; 2) para que o filho seja acostumado ao sangue

materno, receba o alimento mais conveniente para a sua saúde; 3)

porque nada mais é proveitoso para os bons costumes do filho que ser

alimentado com o espírito e sangue materno e paterno.

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Observa-se que Comenius enfatiza a necessidade da amamentação e com a

mesma intensidade, propõe que o leite espiritual, denominado por ele de “leite da graça

de Deus” (COMENIUS, 1992, p. 197), seja administrado à criança para que a formação

interior alcance as raízes espirituais: “A mãe, o pai, a babá, os cuidadores, os parentes e

toda a Igreja devem orar para que ali onde não penetra a força da atividade humana, o

Espírito de Deus, trabalhando interiormente, prepare o filho como vaso da graça”

(COMENIUS, 1992, p. 197). Dos dois ou três anos e, sobretudo, aos quatro deve

começar a dar às criaturas uma idéia de Deus, de si mesmos, da vida e da morte para

que segundo a medida de sua capacidade (COMENIUS, 1997, p. 178-320), comecem a

saber porque estão neste mundo e que devem fazer nele (COMENIUS, 1992, p. 197).

3 – A classe do balbucio e dos primeiros passos. Nesta fase se devem ensinar as

palavras, por meio das coisas, com a finalidade de “que assim se cumpra o dito de

Salomão: a sabedoria abre a boca dos mudos e faz eloquente as línguas das crianças”

(COMENIUS, 1992, p. 198). Assim, devem-se ensinar, começando pelas partes maiores

do corpo ou se “iniciar sempre pelo mais fácil” (COMENIUS, 1997, p. 251), por

exemplo, pois, é necessário, que nesse momento não aprendam os pormenores, mas a

língua e pronúncia. Para isso, conforme Comenius (1997, p. 211) defende na Didática

magna, ao discutir Princípios de um ensino rápido e conciso, a necessidade de se

“levantar problemas”, na Pampedia orienta que se devem suscitar perguntas tais como:

“Mostrando uma coisa perguntem: que é isto? E vice-versa [...] onde está a cabeça”

(COMENIUS, 1992, p. 198).

A razão desse princípio é que na concepção comeniana as coisas vistas

pessoalmente são aprendidas, mais facilmente do que as apenas ditas: “Será de grande

serventia [...] um resumo de todos os livros de cada classe [...], ilustrações pintadas [...]

com os quais os sentidos, a memória e o intelecto dos alunos possam exercitar-te todos

os dias” (COMENIUS, 1997, p. 218). Com o mesmo princípio, Comenius (1997, p.

332) afirma: “[...] seria muito útil para a escola materna um livro ilustrado com figuras,

que seria entregue às crianças”. É com essa preocupação que Comenius escreveu suas

obras: Orbis pictus (1651) e Schola ludus (1654), das quais Comenius (1997, p. 332)

comenta na Didática magna: “[...] reforçar as impressões das coisas [...]; 2) estimular as

mentes ainda jovens [...]; 3) facilitar o aprendizado da leitura. E como acima de cada

imagem esta escrito o seu respectivo nome, esse poderá ser o começo da leitura”.

À luz do exposto, fica claro uma profunda preocupação de Comenius quanto à

educação infantil e isso justifica por que ele escreve boa parte da Didática magna com

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foco num método a ser aplicado à faixa etária citada acima; igualmente ele escreve pelo

menos duas outras obras (Orbis pictus e Schola ludus) em que demonstra a preocupação

com as imagens e o aspecto lúdico a serem utilizados na educação das crianças. Daí sua

concepção em afirmar que as mães devem prover os cuidados fundamentais necessários

para a vida e as amas igualmente devem ter a mesma atitude, e estruturar a criança por

meio do lúdico, isto é, com música e fazer de todas as formas para que os meninos e

meninas se mantenham alegres em todo o tempo (COMENIUS, 1992, p. 199).

Nesse contexto, Lopes (2003, p. 120) pontua que a escola no aspecto físico deve

ser um lugar tranquilo, bonito, bem iluminado, limpo, ornado com pinturas, retratos de

homens ilustres, mapas, recordações históricas ou emblemas, e em suas imediações

deve ter um espaço não só para brincar e andar, mas também um jardim onde fosse

possível levar os alunos para que aprenderem a admirar as árvores, as flores, a relva,

pois, serviria para despertar nas crianças a alegria em ir à escola, uma vez que ali

poderiam ver ou ouvir algo de novo (COMENIUS, 1997, p. 170).

Quando as crianças começarem a se susterem em seus próprios pés, as amas

devem permitir os movimentos e o uso variado igualmente dos seus membros, de modo

que se acostumem a se movimentar.

Isso pode ser alcançado por meio de: brincadeiras, corridas, jogar bola, com

disco. Todavia, deve-se imitar “os antigos laucedemônios, que acostumavam aos filhos

aos mais duros exercícios, para que fossem: 1) de saúde mais robusta; 2) mais capazes

de suportar os trabalhos; 3) mais preparados para as vicissitudes” (COMENIUS, 1992,

p. 199). Portanto, “os filhos não devem ser educados com delicadeza, mas sim, seguir o

exemplo dos espartanos” (COMENIUS, 1992, p. 199).

Para alcançar este objetivo devem-se seguir os princípios:

1) Os preceitos, os quais devem ser breves, isto é, no momento oportuno e de

modo adequado; em pouco tempo; com clareza e eficácia. Para que as criaturas ouçam

com atenção; entendam com facilidade, recordem solidamente e ao entenderem não seja

esquecido. Ao mesmo tempo, além de mostrar-lhes por meio de imagens ou figuras é

mister que eles aprendam por meio da realização prática, a qual é denominada de

autopraxia (auto-atividade), a qual segundo sua compreensão é o “grande segredo ou a

chave de toda atividade” (COMENIUS, 1992, p. 200).

Entretanto, na concepção de Comenius (1992, p. 200), o lúdico e a auto-

atividade, devem cumprir a finalidade de educar, assim eles são prelúdios para sérios

trabalhos, a fim de que não haja perda de tempo ou talento, para tanto se devem

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empreender atividades com um objetivo preciso e que se coloquem em prática os meios

úteis aos fins que se desejam alcançar (COMENIUS, 1997, p. 225).

4 – Classe das sensações. “As crianças desta idade são novas no mundo, não

tem ainda dentro do seu entendimento nenhum conceito (nem bom, nem mau), devendo,

portanto adquiri-lo pelas portas dos sentidos” (COMENIUS, 1992, p. 201), pois, para

ele, nada há no entendimento que não passe primeiramente pelos sentidos. Observa-se

que nesta fase, a tônica de Comenius é referente aos sentidos, temática vista

anteriormente, mas aqui, ele deseja aprofundar princípios ainda não discutidos. Em sua

concepção não se deve falar abstratamente às crianças, porque elas não conseguem

abstrair os conceitos das coisas nem formar suas idéias nas mentes apenas por meio da

voz. “Porém, é mais fácil mostrar-lhes as coisas e depois chamá-las por seu nome [...],

que lhes fale da natureza, imprimindo-se e manifestando-se aos olhos, aos ouvidos, ao

nariz, ao paladar e as suas mãos” (COMENIUS, 1992, p. 201).

É com esse pressuposto, que o autor da Pampedia enfatiza a importância da

ordem de Deus quanto às diversas cerimônias da Igreja desde os tempos da Igreja

Primitiva (COMENIUS, 1992, p. 202), para ele, este modo é perfeito e o único legítimo

para que as crianças não sejam escravas de opiniões, antes que sejam candidatos à

verdadeira sabedoria, dispostas a não aceitar nada falso, vão e irracional, admitindo

somente a verdade e a sabedoria (COMENIUS, 1992, p. 201-202).

Por fim, para que os sentidos sejam corretamente formados é necessário: 1)

impedir que se distraiam, haja vista que, o primeiro indício de uma mente bem formada

é a capacidade de se concentrar; 2) dirigir unicamente a fazer o bem; 3) habituar às

coisas sólidas, para prevenir os erros.

5 – Classe dos bons costumes e da piedade. Ainda que não saibam falar, é o

momento de formar os bons costumes, pois é nesta idade que as crianças começam a

desejar, a recusar e a temer algo, por isso é que “o apóstolo proíbe que se provoquem os

filhos à ira [...] para que não sejam habituados à ira, da que depois seria difícil

desabituá-los” (COMENIUS, 1992, p. 203). Para desenvolver os bons costumes nas

crianças são necessários: o exemplo, o ensino e a disciplina.

Na questão do exemplo se deve atentar para o princípio de que não se deve

exigir de alguém algo que a própria pessoa não faça. Portanto, é necessário dar-lhes

bons exemplos. O ensino deve ser claro e com palavras conhecidas, convertidas em

parábolas para que sejam mais fáceis de serem fixados e as crianças devem ter diante

dos seus olhos o fim do homem: 1) dominar prudentemente às criaturas; 2) reger-se

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sabiamente a si mesmo e 3) por ser “imagem e semelhança de Deus” devem ser paraíso

de delícias para o Criador (COMENIUS, 1992, p. 204). Com relação à disciplina, ela é

relevante para esta idade. Não disciplina de açoite, mas aquela que consiste num

cuidado contínuo, que os encaminhe a fazer o bem, que não permitam a petulância

intencional e se isso ocorrer devem ser advertidos.

Para alcançar a piedade são necessários os mesmos princípios para a formação

da moral: os exemplos, o ensino e a disciplina. Os exemplos utilizados com foco na

piedade devem observar: 1) “todas as casas, onde há crianças, devem ser uma pequena

igreja, na qual, pela manhã e pela noite, se façam orações em comum, se dêem graças,

se cantem hinos, se leia a palavra de Deus, e se tenham conversas piedosas”

(COMENIUS, 1992, p. 205). Além disso, “comecem também a ser conduzidos pelos

pais à Igreja [...] para que aprendam a sentar-se tranquilos, a mover-se em silêncio, a

ouvir as Sagradas Escrituras e a aceitar a vontade de Deus, desde a mais tenra idade”

(COMENIUS, 1992, p. 205).

O ensino com foco na piedade deve servir para se falar em Deus em todas as

ocasiões, seja num funeral, seja na vista de um malfeitor condenado ao suplício. “Deve-

se contar-lhes as história dos juízos de Deus e como ele tem castigado sempre e sempre

castigará aos ímpios” (COMENIUS, 1992, p. 205) e é necessário lhes ensinar orações

curtas, as quais devem seguir o modelo da do Pai Nosso (COMENIUS, 1992, p. 207) e

elaboradas com palavras adaptadas à sua mentalidade (COMENIUS, 1992, p. 207),

“Durante a oração, ensinar-lhes a cruzar as mãos, levantar os olhos ao céu, sentar e

levantar-se decorosamente” (COMENIUS, 1992, p. 206).

Comenius (1992, p. 207) está convicto de que a piedade é proveniente da oração,

tanto é que, se preocupa em registrar o conteúdo das orações a serem feitas nos horário

da manhã. A oração antes das refeições, depois das refeições, ao ir para a cama, em

qualquer momento e por fim, registra o autor a necessidade de inculcar nas crianças,

desde o princípio, os fundamentos da religião cristã, a fé, a esperança e o amor.

A disciplina também é importante na tratativa da piedade, todavia, ela não deve

ser rígida, e só deve ser administrada de modo que os filhos percebam que estão sendo

observados, e que se fizerem o que não devem, poderão ser corrigidos; entretanto,

quando se comportarem bem deverão ser louvados (COMENIUS, 1992, p. 207).

Comenius (1997, p. 311), compreende a relevância da disciplina escolar e acentua que

ela deve ser exercida contra quem erra, mas não porque errou, mas para que não erre

mais:

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Portanto, deve ser exercida sem paixões, sem ira, sem ódio, mas com

simplicidade e sinceridade, de tal modo que mesmo aquele a quem for

aplicada perceba que é para seu bem e que é ditada pelo afeto paterno

de quem tem a responsabilidade de guiá-lo; assim poderá recebê-la

com o mesmo espírito com que se torna um remédio amargo receitado

pelo médico [...] Se, por vezes, for necessário instigar e estimular há

meios mais eficazes que o açoite. Por exemplo, uma palavra áspera ou

uma repreensão feita em público, ou mesmo um elogio feito a outro:

“Veja como fulano e beltrano, são sabidos! Como entendem tudo! E

tu, por que és preguiçoso?”.

Com esta mesma perspectiva, Comenius (1997, p. 314) afirma: “a disciplina

deve tender a estimular e a reforçar com a constância e a prática, em todos e em tudo, o

respeito a Deus, a dedicação ao próximo e o entusiasmo pelos trabalhos e os deveres da

vida”. No estudo do pensamento de Comenius quanto à disciplina, observa-se que seu

foco está na prevenção e não necessariamente na execução, conforme pode ser visto em

suas palavras: “É preciso estar atento para nunca recorrer a remédios extremos em

coisas de pouca monta, como frequentemente acontece, para que os remédios extremos

não cheguem antes dos males extremos” (COMENIUS, 1997, p. 315).

Por fim, destaca-se a última fase da Escola da Infância:

6 - A primeira classe coletiva ou das primeiras letras. Na idade entre os 4 e os 6

anos, as crianças se habituam a conviver, a jogar, a cantar e a cultivar os bons costumes

e a piedade e a exercitar os sentidos e a memória, e nesta fase há necessidade de se

criarem jogos com as vogais, com as consoantes até a formação de sílabas e palavras

(COMENIUS, 1992, p. 207-211). Nesta parte de sua obra discorre acerca de alguns

métodos de ensino a serem utilizados para que as crianças aprendam mais rapidamente

o latim. Após esta perspectiva pontua: “antes de terminar o tratado desta escola da

infância, é bom que nós, os adultos, deduzamos algumas advertências saudáveis que

contribuam indiscutivelmente para evitar a ruína dos homens, das famílias e dos reinos”

(COMENIUS, 1992, p. 211).

Tais advertências são:

1) o descuido da educação é a ruína dos homens, das famílias, dos reinos e do

mundo;

2) a corrupção doméstica dificulta o trabalho nas escolas, nas Igrejas e nos

assuntos políticos;

3) aqueles nas quais estão postas a esperança das pessoas devem ser educados

com muito cuidado [...];

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4) o fundamento de uma boa educação consiste em que saibam distinguir um

homem bom de um mau; e, no fim, desta vida, saibam distinguir o caminho que

conduza à bem-aventurança daquele que conduz à condenação (COMENIUS, 1992, p.

212).

Comenius (1992, p. 213) inicia sua reflexão acerca da escola infantil com a

seguinte afirmação: “as crianças, são homens de tenra idade, destinados a suceder

àqueles dos que agora estão constituídos o mundo (o Estado, a Igreja e a Escola)”.

Infere-se daí que, se são homens, logo devem ser educados plenamente; se são crianças,

logo devem ser educadas como crianças, segundo sua própria idade, isto é, ensinadas

gradualmente; se são varões do futuro, devem ser instruídos nas coisas que lhes farão

úteis.

Além disso, por se tratar de homens com tenra idade, desconhecedores ainda das

coisas, é mister professores de confiança que saibam fundamentar o conhecimento das

crianças daí: “O professor da escola primária deve ser mais sábio que os outros e

remunerado com um salário maior com relação aos outros”(COMENIUS, 1992, p. 214-

215).

O objetivo e o fim desta escola deve ser adquirir agilidade para o corpo, para os

sentidos e para a inteligência, isto é:

1) consolidar a atividade do sistema motor, o qual inclui a leitura rápida por

meio dos olhos; da língua por meio das pronúncias rápidas das coisas lidas; e as mãos

para escrever e entender todas as coisas rapidamente;

2) iniciar o uso da razão por meio dos primeiros elementos das artes (aritmética,

música) dos rudimentos da prudência (bons costumes) e os fundamentos da piedade

(COMENIUS, 1992, p. 215).

Nesta fase, à semelhança do que foi dito anteriormente, o cuidado dos sentidos é

relevante, todavia o foco será relativo aos sentidos interiores, isto é, estender a atenção

dos sentidos mais intensos sobre coisas mais profundas, aprender, imaginar e a

distinguir as coisas com mais aprofundamento e aprender de memória as coisas com

maior exatidão: “É verdade a sentença: de pequenos as coisas não são só aprendida mais

rapidamente, mas também mais perfeitamente” (COMENIUS, 1992, p. 215).

Concernente às artes e as ciências, dentre elas destacam-se as relativas à

matemática, ou seja, a diferença entre os números, as medidas e os pesos:

“Aconselhamos que sejam ensinadas desde o primeiro momento aos jovens [...] ponham

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nas mãos das crianças uma regra, um compasso, uma balança, símbolos de medidas e

dos pesos” (COMENIUS, 1992, p. 216).

No capítulo referente à Didática magna percebeu-se que Comenius discorre

acerca dos livros didáticos de uma maneira geral, enquanto que no texto da Pampaedia

ele especifica não só o formato, mas também identifica o conteúdo a ser exposto à

criança no livro didático. Nesse contexto, para se alcançar os objetivos e o fim desta

escola, segundo Comenius (1992, p. 216) são necessárias seis classes, cada um com seu

programa, fundamentados num livro:

1) Estrela das letras; 2) Mundo sensível; 3) Ética infantil, inferida das coisas

sensíveis e da análise da natureza humana; 4) História bíblica; 5) fundamentos bíblicos,

que contenham, de maneira sensível, um resumo das coisas que há que crer fazer e

esperar; 6) coleção de jogos.

Os livros a serem utilizados nesta escola devem colaborar do seguinte modo:

1) preparar o caminho àqueles que ingressaram mais tarde na escola do latim;

2) aqueles que não frequentaram as primeiras letras, mas depois, por seu próprio

esforço, conseguiram aprender satisfatoriamente o conteúdo das outras disciplinas.

Isso ocorrerá se todos os livros e cada um deles forem: Universais, isto é, conter

toda a matéria; metódicos, fazendo avançar a inteligência espontânea e

progressivamente; adornados com figuras, símbolos intercalados no texto, e com outras

coisas atraentes e agradáveis; que esses livros tenham nomes extraídos do cotidiano da

criança:

As razões destes requisitos são as seguintes:

1) Que as crianças, cativadas por esta classe de títulos, se animem mais

facilmente;

2) “Para que entendam melhor sua graduação e cada um veja claramente que há

de fazer” (COMENIUS, 1992, p. 217);

3) Que os programas contidos nos livros da infância, ocupem todo o tempo para

que não permita que a criança busque as coisas vãs e as maldades;

4) Que estejam cheios de sentenças seletíssimas, extraídas das Escrituras, isto é,

pelo menos mil palavras da Bíblia (COMENIUS, 1992, p. 218), de aforismos,

provérbios ou máximas.

Uma das críticas que pode justificar a falta de conhecimento das obras

comenianas em terras brasileiras é justamente a questão relativa ao livro didático. Lopes

(2006, p. 17-19) pontua que Éster Buffa (1986, p. 19-26), em seu texto Educação e

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cidadania burguesa, faz críticas a Comenius por ter sido ele o precursor do livro

didático e de utilizá-lo como material ideológico para difundir os ideais políticos e

educacionais da burguesia. Lopes, todavia, demonstra que esta não era a intenção do

autor da Didática magna. No estudo da Pampedia esta questão fica ainda mais explícita,

haja vista que, Comenius (1992, p. 218) afirma que o livro didático deve servir apenas

como “muletas para endireitar as pernas, porém, uma vez fortalecidos, devem ser

tirados”. Ressaltam-se as palavras de Comenius (1992, p. 218):

Finalmente estes livros didáticos (como os outros instrumentos

artificiais), não devem ser para nós como os pés, mas como muletas

para endireitar as pernas, que sustentam e dirigem aqueles que dão os

primeiros passos, porém, uma vez fortalecidos os pés, se tiram fora.

Do mesmo modo nossa inteligência, mente, vontade, mãos e língua

têm necessidade de guias, porém há que cuidar que não necessitem

sempre desta direção e que sejam utilizadas de forma que, depois,

podem prescindi-las delas.

Está claro, portanto, que o livro didático cumpre certa função, a qual uma vez

alcançada deve ser posto de lado para que um método mais agradável ocupe o seu lugar,

cuja finalidade compreenderá:

1) autopsia (ver por si mesmo);

2) autolexia (dizer por si mesmo);

3) autopraxia (fazer por si mesmo);

4) autochrestia (utilizar por si mesmo), pois, só assim poder-se-á prover às

crianças: “ver, ouvir, tocar todas as coisas; pronunciar, ler e escrever todas as coisas;

desfazer e fazer tocar todas as coisas e utilizar as coisas de maneira que lhe sejam mais

úteis” (COMENIUS, 1992, p. 218-219). Infere-se daí que, Comenius está preocupado

com uma educação reflexiva e não aquela que se fundamentada apenas no exterior

livresco. O livro apresenta uma direção, mas o importante é a reflexão desde que

respeitadas à idade mental da criança (COMENIUS, 1992, p. 219).

Após discorrer acerca de sua concepção relativa ao livro didático, Comenius

aponta quais classes devem existir para que a educação seja reflexiva e adaptada à idade

mental da criança, é o que será demonstrado a seguir.

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Classe da Escola Primária

Para a primeira classe da escola primária Comenius (1992, p. 219) pontua que

ela está constituída de três graus: principiantes, isto é, os que falam; adiantados, os que

lêem e os mais adiantados, os que escrevem. Quanto aos instrumentos didáticos, ele

deixa claro que sua preocupação é a práxis, isto é, “reflexão-ação” como termos

indissociáveis entre si, pois divide os seus conteúdos em teóricos e práticos, da seguinte

maneira:

1) Os teóricos constituídos do alfabeto, do vocabulário rítmico e sentenças e de

diálogos;

2) Os práticos são constituídos de tabela alfabética e silábica, os fundamentos da

caligrafia, isto é, se as letras estão nas linhas, e papel e quadro-negro.

São indicados alguns exercícios lúdicos para se alcançar o objetivo proposto

nesta escola:

1) O jogo do alfabeto;

2) O concurso da velocidade em que os que escrevem mais rapidamente são os

vencedores;

3) O exercício da caligrafia, cuja finalidade não é a rapidez, mas a perfeição da

estrutura das letras.

Segunda Classe da Escola Primária

Nesta classe se começa a fazer análise das coisas que se deve saber, ainda que

seja com pouca profundidade. O que importa é propiciar à criança os seguintes

conhecimentos:

1) De todo o mundo, conforme podem ser percebidos pelos sentidos;

2) De toda alma, conforme os ditames da razão;

3) De toda a Escritura Sagrada, conforme a fé apresenta.

Para alcançar tais conhecimentos deve-se fazer uma análise de todas estas

coisas, recordá-las com perguntas e respostas, adorná-las se necessário com figuras

(COMENIUS, 1992, p. 220-221).

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Terceira Classe da Escola Primária: A ética infantil aprendida pelas

coisas sensíveis

Esta classe intentará conseguir que os alunos aprendam a ser discípulos da

natureza, no sentido de colher dela lições quanto aos bons costumes. Com esta proposta,

Comenius (1992, p. 221-225), apresenta vários exemplos que podem auxiliar os alunos

neste intento. Para esta obra foram separados alguns desses exemplos, pois, a finalidade

é apenas a de ilustrar o método. “Este método de ensinar é agradável e não aborrece;

[...] os conceitos simbolizados pelas coisas penetram com mais profundidade [...] é

suficiente para educar o homem em sua integridade e para conformá-lo com as leis da

natureza” (COMENIUS, 1992, p. 223).

Da água, uma vez que “ela é igual por todas as partes, e nenhuma parte quer se

sobressair em relação às demais” (COMENIUS, 1992, p. 222), assim também os

homens precisam aprender com ela que “todos são da mesma natureza e que ninguém

procure se elevar diante sobre os outros” (COMENIUS, 1992, p. 222). Um rio quando

leva suas águas de uma parte para outra, para regar cidades e campos demonstra que

enquanto ela se movimenta é útil ao mundo. “Do mesmo modo, o homem ativo no

trabalho é querido, e o preguiçoso é menosprezado e termina por ser inútil para si

mesmo e para os demais” (COMENIUS, 1992, p. 222). Da rosa é bonita e agradável de

ver, entretanto, nasce entre espinhos. “[...] também a ciência e a virtude são belas,

porém, o esforço com que se adquire (com trabalho e disciplina), se parece aos

espinhos” (COMENIUS, 1992, p. 223).

Além dos exemplos que podem ser extraídos da natureza na formação dos bons

costumes da criança, Comenius (1992, p. 224) oferece um pequeno compêndio de

prudência ética: Não deseje tudo o que vê e será sábio; não creia em tudo o que se ouve

e serás sábio; não diga tudo o que se sabe e serás sábio; não faça tudo o que podes fazer

e serás sábio.

É necessário ensinar as crianças a entender, julgar, a ter os olhos fixos no fim

desta vida, os motivos pelos quais nasceu e as metas que se desejam alcançar, qual seja:

“Portanto, aprenda a contemplar a Deus, e às coisas que conduzem a Deus, a manter

boas relações com Deus e com os homens e a fazer sempre qualquer coisa que seja

digna de Deus” (COMENIUS, 1992, p. 224).

Que na escola da infância todas as criaturas habituem-se a observar, a falar e a

fazer tudo o que é bom para esta vida presente e para a vida futura, “tendo como

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objetivo sempre e por todas as partes, a meta da felicidade eterna” (COMENIUS, 1992,

p. 225). Por fim, deve-se ensinar desde a mais tenra idade, a distribuir adequadamente o

tempo, “dedicando as horas da manhã aos estudos literários, às da tarde à convivência e

aos negócios e às da noite o repouso. Também aos alunos do terceiro ano se deve dar

um manual ou histórias bíblicas” (COMENIUS, 1992, p. 225).

Classe quarta

Nesta classe deve-se dar uma explicação detalhada da revelação divina, a saber:

1) Deus – é “o poder eterno, que criou e sustentou todas as coisas, é a Sabedoria

que rege tudo e a Bondade que dirige tudo a fazer o bem” (COMENIUS, 1992, p. 226);

2) O homem é a imagem de Deus, “dotado de poder, de inteligência e de

vontades limitadas, porém semelhantes às de Deus” (COMENIUS, 1992, p. 226);

3) O mundo “é o domicílio, a dispensa e a escola dos homens” (COMENIUS,

1996, p. 226);

4) As Escrituras são “o livro de Deus, escrito pelos profetas e apóstolos, para

ensinar-lhes como devem se comportar” (COMENIUS, 1992, p. 226);

5) Os profetas, “foram varões de Deus, do Antigo Testamento; os quais,

inspirados pelo Espírito Santo, mandou-lhes a pregar e escrever, em hebraico, sua

vontade” (COMENIUS, 1992, p. 226);

6) Os apóstolos “foram varões de Deus, do Novo Testamento a quem Cristo

mandou pregar e ensinar o evangelho, ao que eles fizeram, por palavras e por escritos,

na língua grega” (COMENIUS, 1992, p. 226).

Além disso, na concepção de Comenius (1992, p. 226), no terceiro e quarto ano

deve se ensinar, sobretudo, a olhar para o passado, a dirigir o presente e a pensar no

futuro, isto gradualmente e no avanço do que é melhor, tendo sempre em mente o

exemplo da árvore: “quanto mais se vive, mais profundas são as raízes, e mais se

ramifica e cresce” (COMENIUS, 1992, p. 226).

Classe Quinta

Este é o lugar para ensinar os princípios essenciais da doutrina bíblica. “É a hora

ou ocasião de preparar os alunos com todo o zelo, para a piedade” (COMENIUS, 1992,

p. 227). Estes ensinos devem ser simples quanto à intenção, isto é, “sem pedir nada fora

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da glória de Deus, da edificação da igreja, da salvação própria e da do próximo”

(COMENIUS, 1992, p. 228). Ao falar de “pedido” Comenius (1992, p. 229) tem em

mente as orações, as quais segundo ele devem ser constantes e com perseverança,

“porque unicamente aqueles que pedem que busquem e que chamam a porta, foi

prometido que receberiam, encontrariam e se lhes abririam as portas que queriam que

fossem abertas” (COMENIUS, 1992, p. 229).

Nesse contexto, Comenius traz uma importante reflexão quanto ao levar as

crianças aos cultos religiosos. Na atualidade, há ainda alguma discussão quanto aos

trabalhos infantis no horário do culto religioso. Alguns assinalam que ter um trabalho

específico para criança na hora do culto é “tirá-los” de dentro da Igreja, por esta razão

nestas comunidades as crianças “assistem” o culto dentro da Igreja. Não se pode negar

que muitas crianças dormem durante o culto neste tipo de comunidade. Outros

compreendem a necessidade de ensinar as crianças em linguagem apropriada e por esta

razão, as crianças na hora da mensagem bíblica vão para o salão social ou salas em que

ali podem aprender conforme suas respectivas idades.

O fato é que, esta questão tem sido motivo de discórdia entre as lideranças das

mais diferentes comunidades. Ao que parece era uma questão debatida nos dias de

Comenius (1992, p. 229). Para ele, há pontos positivos e negativos nesta discussão, por

isso, propõe uma solução que ele julga mais sensata: “A solução mais sensata é ensinar-

lhes a palavra de Deus na escola, separadamente, segundo sua capacidade e exercitá-los

no cântico de hinos e salmos [...]”. Infere-se daí que Comenius era a favor de que a

criança aprendesse separadamente e em linguagem apropriada. Além disso, pontua:

1) Que as crianças fossem devidamente preparadas em casa pelos pais e por eles

instruídos previamente quanto aos modos e quanto ao que se faz no templo;

2) Deve-se estimular sua atenção, tanto pelos pais, que estarão sempre com seus

olhos neles, como pelos pregadores, os quais devem encontrar sempre o modo adequado

e adaptado à sua compreensão;

3) Terminado o sermão, devem ser indagados acerca dele (COMENIUS, 1992,

p. 230).

Ao se ensinar, por exemplo, a doutrina da justificação pode-se seguir o método

de um estudo dirigido. Apenas para exemplificar, segue abaixo como seria tal método:

1) Demonstrar que para as Escrituras Sagradas todos os homens são pecadores e

estão privados da glória de Deus, conforme Romanos 3;

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2) Perguntar: De que modo você espera apresentar diante do tribunal de Deus?

Resposta: pela intercessão e pela assistência de nosso Senhor Jesus Cristo, que está

junto ao Pai;

3) Como provar que é assim? Baseado na primeira epístola de João, capítulo 2.1;

4) Por quem Cristo intercede? Por aqueles que se arrependam e por aqueles que

crêem.

Observa-se, por conseguinte, que Comenius procura atrair a atenção das

crianças, respeitados os estágios mentais, por meio de perguntas e respostas e assim,

estabelecia concurso entre os alunos e os que respondessem o maior número de questões

eram premiados.

Classe sexta

Este é o momento de se adivinhar os temas religiosos e moral, sobretudo, os

ensinados na Bíblia. Para auxiliar a criança reter o que aprende Comenius (1992, p.

232), sugere a técnica mnemônica. Outro método que pode ser utilizado é escrever um

texto e deixar espaço em branco para que os alunos preencham com exemplos,

conforme suas palavras: “um espaço de papel em branco para que os alunos coloquem

outros exemplos” (COMENIUS, 1992, p. 233).

Deve-se cuidar para que nesta classe a piedade seja enraizada nos espíritos, e

para tanto, acostumem-se a ter menos cuidado com o corpo e mais com a alma: “Será

útil, neste momento, oferecer às crianças pensamentos piedosos e seletos, para que fique

guardada na memória” (COMENIUS, 1992, p. 234). Nesta idade as crianças devem ser

conduzidas pelos pais ao templo de Deus, e não só ao externo, a Igreja visível, mas ao

templo interior que serve para a formação espiritual diante de Deus, para isso é

necessário “estimulá-los continuamente a invocar a Deus com breves orações”

(COMENIUS, 1992, p. 235).

Estas breves orações devem ser feitas: ao sair de casa, ao entrar no templo,

quando se celebra a Santa Ceia, ao dormir, ao entrar numa casa, quando ocorrer algo

alegre. Como exemplo, destacar-se-á a concepção de Comenius quanto às orações e

comportamento das crianças no templo. Ao entrar no templo, a oração deve ser: “Oh!

Senhor; confiado na grandeza de tua misericórdia entrarei em tua casa, te adorarei em

teu santo templo e confessarei teu nome” (COMENIUS, 1992, p. 235).

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No templo, as coisas que uma criança deve fazer, na concepção de Comenius,

são ensinadas por Cristo, quando diz: “Minha casa é uma casa de oração e não covil de

ladrões”. Por conseguinte, afirma Comenius (1992 p. 235):

No templo não se deve ser petulante, não se deve permitir a

insolência, não se deve cochichar, nem julgar, não se deve, enfim,

voltar os olhos de uma parte para a outra, mas que o espírito deve

estar devotamente recolhido. Quando se cantam hinos sagrados, deve

cantar-se, quando se ora, deve-se orar, quando se ouve a palavra de

Deus, deve escutar-se. Nos intervalos deve se implorar a misericórdia

de Deus, em silencioso recolhimento.

Com relação aos exercícios destinados a esta escola Comenius (1992, p. 236-

240) propõe:

1) Da caligrafia, “Há que cuidar dos fundamentos da caligrafia, isto é, deve

permitir que as crianças façam pontos, linhas e letras” (COMENIUS, 1992, p. 236).

2) Quanto à escrita, os graus a recorrer são três: “primeiro, deve-se reproduzir as

letras com proporção e medida [...] segundo, deve-se exercitar as mãos a escrever com

rapidez [...] terceiro, deve se adquirir os hábitos de observar as características de cada

letra” (COMENIUS, 1992, p. 238);

3) Quanto à matemática é necessário que as crianças saibam contar, medir e

pesar, para isso: “deve-se saber que a aritmética, a geometria e a estatística sejam

universalmente ensinadas nas escolas” (COMENIUS, 1992, p. 238).

Além do exposto, Comenius pontua ser necessário ensinar a todas as crianças a

música, “porque a música serve de um honesto recreio [...] e para louvar a Deus ao

estilo de Davi” (COMENIUS, 1992, p. 240).

Por fim, explicita que nesta idade não há fatiga, porque as crianças estão cheias

de curiosidades, facilmente entendem tudo, e porque dada a flexibilidade do cérebro,

aprendem facilmente as muitas coisas, de maneira que: “consideramos que a idade da

infância é a mais oportuna para aprender as línguas” (COMENIUS, 1992, p. 239).

É com esta perspectiva que Comenius (1992, p. 239) pontua:

Na escola da infância se deve dar uma cultura geral, sem ter em

consideração se é um nobre, plebeu, ou se chegará a ser artesão,

mercador, agricultor, ministro ou auditor, porque a escola foi feita

para ensinar coisas que sejam úteis a todos [...] e que todos tenham

uma cultura geral e se cheguem a se dedicar aos mais diversos ofícios,

possuam a cultura indispensável para ler os livros na língua vernácula,

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para escutar as mais diversas conversas, sobretudo, ler e escutar a

Palavra de Deus.

Estudado o texto da Pampaedia, entendido suas principais propostas,

fundamentadas nos sentidos, o foco seguinte será, à semelhança do que foi feito neste

capítulo, expor os princípios fundamentais da Didática magna sem perder, contudo, o

objetivo deste trabalho que é assinalar no último capítulo a relação homem-natureza no

pensamento comeniano.

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Capítulo III

A relação homem-natureza no pensamento de João Amós Comenius

Tendo analisado, nos capítulos anteriores, os ensinos de Comenius em suas

obras Didática magna e Pampaedia, a atenção, agora, volta-se para o entendimento

nestas obras a respeito da compreensão comeniana da relação homem-natureza,

sobretudo, em função de que os seus escritos são apresentados a um mundo em

transição e em busca de mentalidade científica.

Por esta razão, torna-se mister rememorar alguns pontos deste mundo para uma

compreensão mais adequada da inquietação central desta pesquisa, qual seja, identificar

o entendimento de Comenius a respeito da relação homem com a natureza, sobretudo.

Há várias formas de se estudar o contexto sociocultural que envolve o

pensamento de Comenius. Um delas é assinalar que suas ideias estão inseridas num

período de transição que possui ecos da fase final da Idade Média. Outra forma é

estudá-lo a partir da reflexão da Renascença passando pela Reforma Protestante do

Século XVI (LOPES, 2006, p. 70-85), com destaque para os reformadores Martinho

Lutero e João Calvino que certamente influenciaram seu modo de entender o mundo

(SPRINGSTED; DIOGENES, 2010, p. 180). Outra ainda é discutir o pensamento

comeniano a partir do período de tempo entre a escrita De revolutionibus de Nicolau

Copérnico em 1543, à obra de Isaac Newton, Philosophiae naturalis principia

mathematica, publicada em 1687, que na compreensão de Antiseri e Reale (1990, p.

186) é conhecido como período da “revolução científica”.

Nesta pesquisa opta-se por pensar as ideias comenianas sob esta última forma,

haja vista que, esta forma de pensar afeta diretamente a relação do homem com a

natureza. Assim, a “revolução científica” parece ser a trajetória mais adequada para essa

discussão, uma vez que, serão destacados personagens como Copérnico, Galileu e

Bacon, os quais influenciaram o mundo em que Comenius viveu, sobretudo, tendo

como foco a tratativa da relação do homem com a natureza.

Tendo como foco a relação do homem com a natureza, ao se pensar as questões

que envolvem a “revolução científica”, não se deve esquecer, ainda que de modo

brevíssimo, do humanismo, surgido num importante momento da Europa, que é o final

da metade do século XIV (NUNES, 1980, p. 1). Este século possui estreita relação com

o pensamento de Comenius que vale aqui, fazer uma digressão.

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Como o próprio nome indica o humanismo está focado na valorização dos

assuntos humanos é o que pontua Springsted; Diogenes (2010, p. 187), “O humanistas

buscavam reintegrar-nos ao mundo da natureza e história como o lugar apropriado para

a realização de nossas capacidades”.

Originalmente, o termo humanismo referia-se ao movimento literário da

Renascença, com preocupação voltada para os clássicos latinos e gregos, conforme

define Abbagnano (2000, p. 518-519): “movimento literário e filosófico que nasceu na

Itália na segunda metade do século. XIV, difundindo-se para os demais países da

Europa e constituindo a origem da cultura moderna”. No mesmo contexto, ele afirma

que o humanismo pode ser entendido como: “qualquer movimento filosófico que tome

como fundamento a natureza humana ou os limites e interesses do homem”

(ABBAGNANO, 2000, p. 518).

Em razão da definição de Abbagnano muitos cristãos associaram o humanismo

com um princípio filosófico que exclui a existência de Deus. Este princípio, porém, está

diretamente ligado ao antropocentrismo, o qual pode ser entendido como a centralidade

do homem e a exclusão de Deus com resultados numa concepção antropológica não-

cristã; (HOEKEMA, 1999, p. 12-13). Confundir, porém, o humanismo com o

antropocentrismo é uma visão reducionista, pois, na história encontram-se vários

pensadores cristãos considerados como humanistas. Dentre eles destacam-se: Erasmo de

Roterdã e João Calvino. Em relação a João Calvino não se pode entender seu

pensamento sem perceber sua preocupação humanista, daí Hooft (1970, p.7-8) afirmar:

“o ensino de Calvino sobre o humanismo cristão que, fundado sobre o humanismo de

Deus, pressupõe uma sociedade onde o homem age na qualidade de responsável perante

Deus e responsável por seus irmãos”.

No livro de Biéler (1970) encontram-se profundos argumentos que assinalam ser

Calvino um humanista. A partir disso, é possível seguir a afirmação de Springsted;

Diogenes (2010, p. 189): “O humanismo cristão é a visão de que a cultura humana é

valiosa para a vida cristã [...]”. Eles seguem no fundamento de suas afirmações da

seguinte maneira: “Ela [a vida cristã] evita tanto a atitude do filitinismo – o vulgar

denegrecimento dos genuínos empreendimentos humanos – como também a soberba de

se dar mais importância à cultura humana do que seria compatível com uma existência

de criatura” (SPRINGSTED; DIOGENES, 2010, p. 189). Por fim, Springsted; Diogenes

(2010, p. 189) explicitam:

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O fundamento teológico do humanismo cristão é que os seres

humanos são feitos à imagem de Deus. Como criaturas nós temos

objetivos naturais que são valiosos e só podem ser propriamente

alcançados dentro de uma cultura que reconheça [...] a supremacia e a

graciosidade de Deus.

Entendido desta maneira, na concepção de Nunes (1980, p. 5), o humanismo

propicia uma renovação da vida cristã que colabora para os direcionamentos da

Reforma Protestante do Século XVI. Além disso, é bom lembrar que ele foi um

importante passo no estudo da relação homem-natureza, na qual a preocupação desta

relação se tornou um elemento indispensável de vida e de sucesso apontado naqueles

dias, mas extensivo aos dias de hoje.

Com o passar dos anos a preocupação em valorizar a relação homem-natureza,

iniciada no humanismo, desencadeou uma série de movimentos que resultou na

“revolução científica”, foco da parte final deste capítulo.

A “revolução astronômica” parece ter sido um importante elemento

desencadeador desta “revolução científica”. Dentre seus representantes mais

importantes destacam-se Copérnico, Kepler e Galileu e que iria confluir para a “física

clássica” de Newton (ANTISERI; REALE, 1990, p. 185). Trata-se de um mundo em

transformação nas mais diferentes esferas, que resultam diretamente numa nova

cosmovisão social e que se liga diretamente ao homem e a natureza. Para

aprofundamento desta questão, é necessário destacar algumas dessas esferas em que

ocorrem significativas transformações:

Do geocentrismo para o heliocentrismo

A Terra, até então vista como centro do universo, deixa de sê-lo e passa a ser

mais um corpo celeste (EBY, 1970, p. 2). Há fortes oposições religiosas às ideias

heliocêntricas de Copérnico, por parte dos católicos romanos porque as autoridades

eclesiásticas jamais aceitariam a hermenêutica de Copérnico e Galileu, haja vista que,

somente o Papa possuía a interpretação final e correta das Escrituras. Os protestantes

Martinho Lutero, Melanchton e João Calvino, igualmente se opuseram ao

heliocentrismo em função de que ele contrariava a doutrina bíblica da criação do mundo

e textos bíblicos como o de Eclesiastes, capítulo 1, versículos 4 e 5: “Gerações vêm e

gerações vão, mas a terra permanece para sempre. O sol se levanta e o sol se põe, e

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depressa volta ao lugar de onde se levanta” e do livro histórico de Josué, capítulo 10,

versículo 13: “O sol parou, e a lua se deteve, até a nação vingar-se dos seus inimigos”

Antiseri e Reale (1990, p. 259) comentam as ideias de Lutero, Calvino e

Melanchton da seguinte forma:

[...] com base nesses trechos da Escritura que Lutero, Calvino e

Melanchton opuseram-se durante a teoria copernicana. Em seus

Discursos à mesa, Lutero parece ter afirmado (1539): “as pessoas

deram ouvidos a um astrólogo de dois vinténs, que procurou

demonstrar que é a Terra que gira e não os céus e o firmamento, o Sol

e a Lua [...]. Esse insensato pretende subverter toda a ciência

astronômica. Mas a Sagrada Escritura nos diz que Josué ordenou ao

Sol – e não à Terra – que se detivesse”. No seu Comentário ao

Gênesis, Calvino cita o versículo inicial do Salmo 93, que diz: “Sim, o

mundo está firme, jamais tremerá”. E se pergunta: “Quem terá a

ousadia de antepor à autoridade de Copérnico à do Espírito Santo”? E

Melanchton, discípulo de Lutero, seis anos depois da morte de

Copérnico, escrevia: “Os olhos nos testemunham que os céus efetuam

uma revolução ao longo de vinte e quatro horas. Mas certos homens,

por amor às novidades ou então para dar provas de genialidade,

estabeleceram que a Terra se mova e afirmam que tanto a oitava esfera

como o Sol não giram [...]. Pois bem: é uma falta de honestidade e de

dignidade sustentar publicamente tais conceitos. E o exemplo é

perigoso. É tarefa de toda mente sã aceitar a verdade como ela foi

revelada por Deus e a ela submeter-se”.

Está explicitado, portanto, que no campo religioso ocidental da época, imperava

o geocentrismo, e isso permite perceber quão profundo foi o confronto da religião com a

ciência, daí a compreensão de que a revolução científica percorreu um longo processo

na busca de sua afirmação e autonomia.

A revolução do saber e da ciência

A “revolução científica” não se restringe às discussões astronômicas, mas

também na revolução da ideia de saber e de ciência; busca-se investigar o mundo e

natureza com autonomia diante das proposições religiosas. A partir de Galileu encontra-

se nesta investigação a ciência experimental que se propõe a obter as mais diversas

concepções a respeito do mundo.

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Ciência discutida sistematicamente na procura de método

A investigação tendo como fundamento a ciência experimental é responsável

pelo marco da ciência moderna, qual seja a busca pelo método. A ciência passa a ser

pública e o é por questões de método. Há foco na descoberta de métodos mais

adequados para as mais diversas áreas do saber.

Diante do exposto, fica explicitado que a “revolução científica” assinala o

confronto entre duas cosmovisões diametralmente diferentes de mundo. De um lado, a

concepção de um mundo firmado fundamentalmente numa cosmovisão religiosa com

forte influência das crenças da Idade Média e, de outro, uma sociedade que busca

autonomia no conhecimento científico.

Deve-se, entretanto, atentar para o princípio de que esta “autonomia” proposta

pela “revolução científica” convive com a realidade da crença, bem presente, no Deus

que cria o mundo imprimindo nele uma ordem matemática e geométrica, mas também

não se pode negar que é impressa naquela sociedade uma nova imagem de mundo.

Antiseri e Reale (1990, p. 198) ao discorrerem acerca da revolução científica

afirmam:

O resultado do processo cultural que passou a ser denominado de

“revolução científica” foi uma nova imagem do mundo que, entre

outras coisas, propõe problemas religiosos e antropológicos não

indiferentes. Ao mesmo tempo, representou a proposta de uma nova

imagem da ciência: autônoma, pública, controlável e progressiva.

“Dizemos tudo isso para mostrar que a ciência moderna, autônoma em relação à

fé, pública nos controles, regulada por um método corrigível e em progresso, com uma

linguagem específica e clara e com as suas instituições típicas, foi resultado de um

longo e tortuoso processo” (ANTISERI; REALE, 1990, p. 190).

É neste contexto que Comenius reflete, escreve e registra em suas obras sua

impressão de mundo. É nítida sua concepção quanto à importância da cientificidade nas

diversas formas do saber, incluindo a educação. Observa-se que ele é profundamente

influenciado pelos princípios de Francis Bacon, sobretudo, na valorização da

experiência e no uso dos sentidos. E é a partir desta perspectiva que se torna possível

identificar no pensamento comeniano sua concepção quanto à relação do homem com a

natureza, conforme será visto abaixo.

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O homem pode conhecer o Criador por meio da natureza

No estudo da Didática magna e da Pampaedia, percebe-se nitidamente sua fé

explícita na defesa do criacionismo. Para ele, Deus criou todas as coisas, visíveis e

invisíveis, e a criação reflete Sua sabedoria e divindade.

E tendo feito o homem à sua imagem, dotado de mente, para que à

mente não faltasse alimento, dividiu as criaturas em muitas espécies,

para que este mundo visível fosse como um espelho finíssimo do

infinito poder, sabedoria e bondade de Deus, cuja contemplação

suscitasse admiração pelo criador, promovesse o seu conhecimento,

despertasse o amor por ele, e realmente, permanecendo invisível,

oculto no abismo profundo da eternidade, ele se manifesta em toda

parte nas criaturas visíveis, pela força, pela beleza, ao paladar

(COMENIUS, 1997, p. 50-51).

A criação do mundo possui dois objetivos fundamentais:

1) Ser paraíso de delícias para o Criador;

2) Servir de moradia e fonte de alimento para o homem (COMENIUS, 1997, p.

50). Nota-se ainda que, as coisas criadas, além destas duas funções também cumprem a

função de suscitar nos homens a admiração e o conhecimento do Criador, isto é o que

pode ser extraído da proposição acima: “para que este mundo visível fosse como um

espelho finíssimo do infinito poder, sabedoria e bondade de Deus, cuja contemplação

suscitasse admiração pelo criador, promovessem o seu conhecimento, despertasse o

amor por ele” (COMENIUS, 1997, p. 50-51).

Na escrita da Pampaedia, Comenius (1971, p. 51-52) explicita que a criação de

Deus corresponde ao “Livro do Mundo”: “Ninguém põe em dúvida o valor do Livro do

Mundo, o qual todos vêem abrir-se todos os dias diante de todos”.

Ao tratar do Livro Mundo, ele o faz numa reflexão a respeito dos Livros

Divinos, mas porque em seu tempo poucos tinham o texto das Escrituras nas mãos, ou

alguns que a tinham, não faziam sua leitura, então o Livro do Mundo se reveste de

grande importância, pois, todos podem facilmente reconhecer a pessoa do Criador. Por

causa desta possibilidade é que ele cita Isaías, capítulo 11, versículo 9, no qual Deus

promete que toda a terra se encheria do seu conhecimento (COMENIUS, 1971, p. 52).

Na mesma Pampaedia ele pontua: “[...], com efeito, Deus não criou o sol para

que o contemplássemos apenas a ele, mas também, através dele, as restantes obras de

Deus, e não para que nos cegássemos, mas para que fôssemos iluminados”

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(COMENIUS, 1971, p. 171). Está claro que a relação do homem com a natureza ou com

o mundo criado baseia-se na perspectiva de que, por meio dela, é possível alcançar o

conhecimento do Criador.

Comenius argumenta que as obras da natureza são espelhos que refletem o

Criador, em função disso, é que Deus ao criar o homem, criou-o com todos os

instrumentos dos sentidos para a compreensão de sua finalidade neste mundo

(COMENIUS, 1997, p. 97). Ainda que a questão dos sentidos seja tratada um pouco

mais à frente, aqui é mister destacar as palavras de Comenius (1997, p. 233): “O

conhecimento tem sempre início necessariamente nos sentidos [...]. As coisas, primeiro

e imediatamente, imprimem-se nos sentidos, para depois, graças aos sentidos, se

imprimirem no intelecto”.

Diante do exposto, concebe-se que a relação do homem com a natureza, isto é,

ela é um dos livros divinos deixados por Deus para que o homem reconhecesse a

existência do Criador e o reverenciasse com cultos. Nesta relação, portanto, não pode

haver da parte do homem, apenas extrair da natureza suas riquezas, mas também a

preocupação de cuidar dela e protegê-la, haja vista que, fazendo assim não ficará sem o

conhecimento de Deus.

Dando prosseguimento ao proposto nesta pesquisa que é identificar a relação do

homem com a natureza no pensamento de Comenius, e conforme visto, o homem deve

compreender que o cosmos manifesta a existência e a glória do Criador, portanto, o

homem tem a incumbência de cuidar dela para que não lhe falte o conhecimento do

Criador, deve-se ressaltar que esta relação do homem com a natureza está diretamente

ligada ao Criador, mas também a maneira como o próprio homem foi criado.

A criação do homem, formado a partir da natureza

Comenius em seus escritos enfatiza sua crença de que o texto bíblico é oriundo

da inspiração de Deus nos escritores, considerados por ele, como santos (COMENIUS,

1971, p. 124)7. Ao tratar desta temática é mister sintetizar o trabalho desenvolvido por

Lopes (2006, p. 140-156) quando trata da compreensão comeniana do texto bíblico.

Soucek (1985, p. 22) ao comentar sobre o pensamento de Comenius das Escrituras

7 Para aprofundamento desta temática, ler: Comenius, (1971, p. 123-145).

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afirma que a “revelação escrita de Deus, era a maior das três fontes de conhecimento e a

mais perfeita obra de literatura”

Este princípio pode ser visto nas próprias palavras de Comenius (1997, p. 272):

“As fontes são as Sagradas Escrituras, o mundo, e nós mesmos, ou seja, a palavra de

Deus, suas obras e nosso sentimento interior. Das Escrituras se haurem a consciência e

o amor de Deus”.

Infere-se daí, como afirma Lopes (2006, p. 141) que, o texto bíblico, para

Comenius, exercia primazia em sua vida e em qualquer matriz curricular escolar, é o

que se pode concluir das palavras do próprio Comenius (1997, p. 290): “Em primeiro

lugar, nossos filhos, nascidos no céu, renasceram por obra do Espírito de Deus;

portanto, devem receber a formação de cidadãos dos céus”.

Em sua compreensão, os autores pagãos pouco podiam contribuir para um

adequado conhecimento das coisas; ao contrário, propunha aos cristãos de sua época

que imitassem o bom exemplo da igreja grega que proíbe o uso da literatura pagã entre

seus membros e escola.

A igreja grega moderna, apesar de possuir, em sua bela língua, livros

filosóficos e gregos dos antigos conterrâneos considerados os mais

sábios do mundo, proibiu sua leitura a seus fiéis, sob pena de anátema.

Por isso, embora os gregos tenham mergulhado na ignorância e na

superstição pela enorme barbárie circundante, Deus até agora os tem

preservado de uma enxurrada anticristã de erros. Nisso devem ser

imitados para que, aumentado também o estudo das Sagradas

Escrituras seja mais fácil eliminar definitivamente as trevas da

confusão herdadas dos pagãos, pois só na luz de Deus se vê a luz. (Sl

XXXVI, 10); casa de Jacó, vinde, caminhemos à luz do Senhor (Is II,

5) (COMENIUS, 1997, p. 298).

Uma das questões relevantes neste ínterim é referente à sua linha hermêutica do

texto bíblico8. Na Didática magna, encontram-se três formas de interpretações do texto

bíblico: alegórica, anagógica e literal.

Interpretação alegórica. Lopes (2006, p. 145), ao citar Fary, afirma que

Comenius utiliza a hermenêutica alegórica, porém esta aparece apenas no uso que ele

faz da passagem de Marcos 4.26-29, cujo título corresponde à conhecida parábola do

semeador.

8 Segue nesta tratativa, uma síntese da obra de Lopes (2006, p. 140-152).

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Interpretação anagógica. Fary (1982, p. 31-33), comentando esta linha de

interpretação de Comenius, afirma que ela aparece na Didática magna, mas não reflete

exatamente sua hermenêutica. No texto de Deuteronômio 21.12 podem ser lidas as

palavras: “[...] então, a levarás para casa, e ela rapará a cabeça, e cortará as unhas”.

Comenius (1997, p. 306) dá a seguinte interpretação a esse texto:

Mas mesmo esses livros deverão ser dados aos jovens depois que seus

espíritos estiverem bem firmes na fé cristã, feitas algumas emendas,

para que não fiquem nomes de deuses pagãos ou rastro de superstição.

Do mesmo modo, Deus permitiu tomar por mulheres as virgens pagãs

depois de lhes raparem a cabeça e cortarem suas unhas (Dt XXI. 12).

Para sermos bem entendidos, diremos que não queremos proibir

totalmente aos cristãos os escritores pagãos, pois não ignoramos que

Cristo deu a quem crê o privilégio celeste de poder tratar sem perigo

com peçonhas e serpentes.

Comenius faz uma hermenêutica que parece se distanciar do sentido do texto,

haja vista que, os versículos 13 e 14 do mesmo texto, versam a respeito de como tratar a

mulher prisioneira, não possuindo qualquer ênfase com livros pagãos.

Das duas formas hermenêuticas apontadas acima, a que elucida o pensamento

comeniano é a interpretação literal. Tanto na Didática magna como na Pampaedia,

constata-se a quantidade de uso da interpretação literal no pensamento de Comenius.

Para Lopes (2006, p. 146) a interpretação literal da Bíblia aparece com média de 90%

das citações bíblicas. Isto significa que Comenius procura explicar o texto bíblico a

partir de sua utilização comum e usual, não se importando necessariamente, com o

contexto histórico e com o sentido da palavra na época em que foi escrita, não adotando,

por extensão, a interpretação bíblica da Reforma Protestante, isto é, histórico-

gramatical.

Ressalta-se, porém, que ainda que Comenius tenha utilizado o princípio

hermenêutico alegórico, anagógico e o literal, não se pode negar sua crença na

inspiração das Escrituras, consideradas por ele, como “sagradas” (COMENIUS, 1971,

p. 51). Ao declarar fé explícita na doutrina da inspiração cristã das Escrituras, Comenius

(1997, p. 277) reconhece que Deus cria o homem, a partir do material já existente, o

“barro”, conforme o texto de Gênesis, capítulo 2, versículo 7: “Então, formou o

SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o

homem passou a ser alma vivente”.

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Neste contexto, é relevante a palavra de Reimer (2010, p. 35): “Para qualquer

israelita, o termo Adam necessariamente estabelece uma relação semântica com o termo

adamah, que significa terra ou solo [...] os humanos são „seres saídos da terra‟”.

Entendido assim, concebe-se que os homens são feitos de húmus, daí humanus, que por

sua vez estabelece a relação indissociável do homem com a natureza.

Este pensamento pode ser percebido em Comenius, cuja tônica recai, então, no

fato de que o homem deve manter uma adequada relação com a natureza em função de

que ele não está à parte dela, pelo contrário, saiu e faz parte dela, daí o próprio

Comenius 1997, p.21-22 afirmar:

No princípio, Deus, formando o homem da lama da terra, instalou-o no

Paraíso de delícias, que implantara no Oriente, não só para que o

guardasse e cultivasse (Gn II, 15), mas também para que fosse um

jardim de delícias mesmo para seu Senhor. Assim como o Paraíso era

a parte mais amena do mundo, também o homem era a mais delicada

das criaturas. O Paraíso foi posto no Oriente; o homem era feito à

imagem daquele que existe desde o início dos dias da eternidade [...]

no homem foram reunidos todos os elementos materiais e todas as

formas e seus graus, para exprimir toda a arte da divina Sabedoria.

A antropologia, segundo Kavká (1992, p. 247) é o coração da filosofia de

Comenius. O próprio Comenius indica que o homem é a tônica da Didática, pois

reserva pelo menos seis capítulos para discorrer a respeito do ser humano, afirmando

que ele é um microcosmo, isto é, “a síntese do universo, que em si encerra

implicitamente todas as coisas que se vêem esparsas por todo o macrocosmo”

(COMENIUS, 1997, p. 59). No estudo da Pampaedia também se verifica claramente

que esta é a tônica da obra:

Pampaedia é a educação universal de todo o gênero humano [...] o

que se deseja é que assim se consiga educar plenamente para a

plenitude humana, não apenas um só homem [...] mas todos [...]

deseja-se que cada homem seja rectamente formado [...] para tornar

todos [...] o mais possível semelhante à imagem de Deus (segundo a

qual foram criados) (COMENIUS, 1971, p. 37-38).

Na visão comeniana o homem é compreendido como um micromundo

(COMENIUS, 1997, p. 59), mas, distinto das demais criaturas, pois possui

características específicas, como ser criado para ser “imagem e semelhança de Deus”.

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Uma das características que distingue o homem dos demais animais refere-se ao

modo como ele foi criado. Desde sua criação, este apresenta características distintivas

em relação às outras criaturas de Deus, ou seja, a essência, a vida, o sentido, a razão.

Por essa razão, afirma que o homem é a mais elevada, perfeita e excelsa das criaturas e

que o próprio Deus veio em forma humana, sendo esta uma maneira de enaltecer o

gênero humano.

Destinei-te a compartilhar comigo a eternidade; para ti criei o Céu e a

Terra e tudo o que contêm; em ti somente reuni todas as naturezas, que

são distintas nas outras criaturas, a essência, a vida, o sentido e a

razão. Fiz-te soberano das obras de minhas mãos, tudo pus aos teus

pés, ovelhas e bois, animais da terra, pássaros do ar, peixes do mar:

por esse motivo te coroei de glória e honra (Salmo 8). Finalmente,

para que nada te faltasse, dei-te a mim mesmo em união hipostática,

jungindo para a eternidade a minha natureza com a tua: sorte que não

coube a nenhuma das outras criaturas, visíveis ou invisíveis. Que outra

criatura, no Céu e na Terra, pode ufanar-se de que Deus manifestado

na carne apareceu aos Anjos? (1º. Tm 2.16) [...] Entende, pois, que és

o termo absoluto, a síntese admirável, o Deus que representa minhas

obras, a coroa da minha glória (COMENIUS, 1997, p. 41-42).

À luz dessas palavras, pode-se compreender que, para Comenius, o homem é a

mais importante das criaturas de Deus. Isto porque a sua criação foi de forma totalmente

distinta das outras criaturas, de maneira que fez dele a coroa da criação e representante

das obras de Deus, um ser racional, que traz consigo o privilégio de Deus haver se

encarnado como homem, conforme declaração do texto bíblico do evangelho de João

capítulo 1.14: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade,

e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”.

Ainda na discussão antropológica, não pode ser esquecida a afirmação de

Comenius (1971, p. 44):

É de desejar que Deus atinja o objectivo que se propôs ao criar o

homem. Quero dizer, o objectivo que o próprio Deus (após ter tomado

a decisão de criar o homem) exprimiu com as seguintes palavras:

„Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos

peixes do mar, e às aves do céu, e aos animais selváticos e a toda a

terra‟ (Gênesis 1. 26). E quando disse ao homem depois de o haver

criado: „sujeitai a terra e dominai-a‟ (Gênesis 1. 28).

Da citação acima, colhe-se a informação de que o homem é senhor de si e goza

do direito de sujeitar, no hebraico kabash, e dominar, radah, no hebraico, a terra. Aliás,

é com esse objetivo que Deus cria o homem:

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De onde se conclui que se algum homem se torna dissemelhante de

Deus (isto é, não sabendo ou não podendo agradar ao seu Criador,

dominar as criaturas e governar-se a si mesmo) afasta-se do objectivo

que o Criador lhe determinou e, em vez da glória de Deus, daí resulta

a sua ignomínia. E nós devemos precisamente desejar e aplicar-nos a

que Deus não seja frustrado no objectivo que se propôs ao criar o

homem, isto é, a sua glória (COMENIUS, 1971, p. 45).

Visto assim, parece que a concepção de Comenius parte do princípio

exploratório da natureza, ou que ele estivesse fundamentando o pensamento ocidental

moderno para um dominium terrae irrestrito, todavia, afirma ele que o homem foi

criado para cultivar e cuidar da criação, preocupado com cada estação própria da

natureza (COMENIUS, 1971, p. 84). Tratando do “mundo natural”, isto é, a natureza,

Comenius (1971, p. 54) contrapõe àqueles que somente exploram a natureza e fazem

dela coisas horríveis: “Se todos forem ensinados a observar isto devidamente, será

possível libertar o mundo de muitos abusos horríveis e abomináveis”.

As palavras comenianas são relevantes, sobretudo, se comparadas às ideias de

Reimer, quando define os termos kabash e radah. Para Reimer estes verbos aparecem

em outras partes das Escrituras com diferentes interpretações, entretanto, em seu núcleo

comum está a dominação, sujeição, possessão, no sentido de “tornar a terra algo

aproveitável” (REIMER, 2010, p. 39). Por conseguinte, não deve utilizar os verbos

acima para um domínio irrestrito e predatório da natureza, pelo contrário, o homem

como vice-gerente da criação deveria ser fecundo e protetor de toda a criação visível de

Deus (BARBOZA, 2010, p. 145).

Hoekema (1999, p. 101) afirma que o homem, após sua Queda, conforme o

relato do texto bíblico de Gênesis, capítulo 3, rompe seu relacionamento com Deus,

com o homem e com a natureza. Na perversão desta terceira relação ele ao invés de

dominar a terra em obediência e para a glória de Deus, usa a terra e seus recursos para

os seus próprios propósitos egoístas. Explora os recursos naturais sem se preocupar com

o futuro; derruba florestas sem se preocupar com reflorestamento; planta sem rodízio de

culturas, e assim, deixa de tomar medidas para evitar a erosão do solo. As fábricas

poluem rios e lagos, suas chaminés poluem o ar, e por aí se vai.

Destaca-se que este retrato significativo de Hoekema parece ter sido a

preocupação de Comenius, já no século XVII, por isso ele afirma: “Acrescentemos

agora que é também do interesse das próprias coisas sujeitas ao domínio humano não

serem administradas senão por homens sábios” (COMENIUS, 1971, p. 73).

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Um pouco mais adiante, Comenius, refere-se à terra como a casa do homem

dada por Deus: “[...] Deus construiu tão opulentamente a casa (o mundo) que nos foi

concedida para habitarmos que todas as coisas necessárias são abundantemente

suficientes para todos, se formos doutros” (COMENIUS, 1971, p. 76). A partir da

compreensão acima é possível acenar que, ele, mesmo não utilizando o termo

“ecologia”, parece ser um dos seus precursores, haja vista a semelhança de suas ideias

com a definição de “ecologia” de Reimer (2010, p. 15): “Em tempos de globalização

fala-se cada vez mais de „aldeia global‟ ou „casa global‟. Com isso, busca-se entender

todo o nosso planeta Terra, ou melhor, todo o Universo como uma grande casa”.

Esta constatação colabora para com o foco da presente pesquisa, isto é,

compreender nas obras comenianas, se em seu pensamento o homem e a natureza

devem viver em harmonia, não sendo opostos entre si, pelo contrário, ambos são obras

da criação do Criador e seres viventes da mesma grande casa.

Ensinar os homens a usar e fruir corretamente da natureza

A partir das palavras acima, vale destacar as relevantes considerações de

Comenius que não pretende deixar dúvidas acerca da relação do homem com a natureza

e, por isso, apela para que todos os homens tenham acesso à educação. Em sua

concepção, a educação de todos não só redunda em torná-lo “paraíso de delícias” para a

glória do Criador (COMENIUS, 1971, p. 66); beneficiar a si mesmo e ao próximo, mas

também resultará em benefício para as coisas que estão sob seu domínio.

A educação do ser humano é do interesse de Deus, de cada homem é do

interesse das coisas sujeitas ao domínio humano. Nota-se, aqui, uma preocupação com

as questões relativas ao meio-ambiente, palavra que emprestada da atualidade. Percebe-

se a atualidade do pensamento comeniano, uma vez que esta é uma temática mundial

atual, porém, só enfatizada, há poucos anos atrás.

Entretanto, o autor da Didática magna e da Pampaedia já demonstra ser esta

uma preocupação pertinente a sobrevivência do ser humano e do seu habitat. Quando o

homem não exerce o seu domínio sábio sobre a natureza, esta sofre violência e geme

sob o jugo humano. O resultado disso é que a natureza fica sujeita à inutilidade, pois,

não conseguirá servir ao homem como deveria (COMENIUS, 1971, p. 73).

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Ao afirmar que a natureza geme e espera ser libertada da escravidão iníqua

imposta pelo homem (COMENIUS, 1971, p. 50) utiliza o texto em que o apóstolo Paulo

escreve aos Romanos, capítulo 8, versículos 19-22:

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de

Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas

por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria

criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da

glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só

tempo, geme e suporta angústias até agora.

O texto paulino aponta para o princípio de que, no momento presente, a criação

geme e suporta angústias, todavia, há uma ardente expectativa de que não só o homem

seja restaurado, mas igualmente toda a criação de Deus. Tratada esta passagem assim, é

possível afirmar que o autor da Pampaedia tinha em mente questões: uma escatológica

e a outra pensada para ser executada em seus dias.

Os pressupostos escatológicos de Comenius são apreciados no texto de Lopes

(2006, p. 182-187), que entende que a escatologia comeniana se baseia na ideia de

eternidade. A eternidade é algo real porque o homem é composto de corpo e alma, e esta

possui como característica fundamental, a eternidade. Por esta razão, Comenius (1971,

p. 78) faz questão de enfatizar que esta vida é uma preparação para a eterna e que o fim

último da existência humana não está nesta vida terrena, mas na eternidade.

A própria razão nos mostra que uma criatura tão excelsa está destinada

a um fim mais excelso que o de todas as outras criaturas: a

regozijarem-se junto a Deus, sumidade de todas as perfeições, glórias

e bem-aventuranças [...] tudo o que fazemos ou sofremos nesta vida

mostra que não atingimos aqui o fim último, mas que todas as nossas

ações, assim como nós mesmos tendem para outro lugar

(COMENIUS, 1997, p. 46-47).

Ainda na Didática magna encontram-se as palavras de Comenius (1997, p. 47-

49):

Por tender para outra vida, esta vida não é vida (propriamente dita),

mas um preâmbulo para a vida verdadeira e eterna [...] esta vida sobre

a terra não passa de preparação para a eterna, e por esse motivo, não é

de admirar que a alma, utilizando o corpo, procure obter o que quer

que lhe seja útil na vida futura. Assim que terminam esses

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preparativos, migramos daqui, porquanto não são mais suficientes as

coisas de que nos ocupamos aqui.

Lopes (2006, p. 184), ao citar Kucera, afirma que o conceito linguístico de

Comenius se apoia em sua inclusão no contexto histórico salvífico-escatológico. A

partir deste raciocínio é possível compreender a hermenêutica que Comenius faz do

texto paulino de Romanos, capítulo 8, versículos 18-22, qual seja, a realização plena da

criação de Deus só ocorrerá na eternidade, mas por outro lado, todos os homens, criados

por Deus, são sacerdotes, chamados a servir a Deus, seu criador, no cuidado de toda a

Sua criação (COMENIUS, 1971, p. 59).

Este cuidado é necessário porque no estudo escatológico comeniano encontram-

se indicativos de que ele acreditava num paraíso terrestre restaurado pela ação divina.

Para ele, a implantação deste paraíso não demoraria muito, daí suas palavras: “O fim

está próximo” (COMENIUS, 1971, p. 60).

Nisto percebe-se a influência dos milenaristas hussitas-taboritas no pensamento

comeniano, os quais, mesmo sendo um pequeno exército e, em condições menos

favoráveis que o exército da Casa de Áustria o vence várias vezes, e a principal razão é

a concepção de que há uma salvação coletiva, terrestre, iminente, total e sobrenatural,

ou seja, a implantação de um paraíso terrestre, cheio de felicidade, o qual acontece após

o fim do mundo, inaugurando o novo céu e nova terra.

O próprio Comenius deixa transparecer sua crença em um paraíso terrestre, e

talvez este tivesse sido um dos grandes motivadores de seus escritos ou produções

literárias. Somado a isto, não se pode esquecer da influência de Alsted, que escreve uma

obra intitulada De Mille Annis Apocalypsis, na qual prediz o advento do reinado milenar

para 1694, na sua Magna reformatio (LOPES, 2007).

LEE (1986, p. 150), comentando a respeito da concepção milenarista de

Comenius, afirma:

Comenius acreditava que Jesus Cristo voltaria novamente a esta terra

para consolar e salvar todas as pessoas, e então estabeleceria seu

reinado por mil anos [...] Comenius concebia que a volta de Jesus

Cristo colocaria o fim na injustiça e a vitória final de Deus livraria

todos do poder do mal.

Com a concepção de um paraíso terrestre, implantado nesta terra, é permitido

afirmar que deve haver harmonia na relação do homem com a natureza, do contrário, a

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terra gemerá debaixo da servidão iníqua dos homens. Por isso, ele conclama que os

homens sejam educados, inclusive na valorização de todas as coisas.

Com efeito, do mesmo modo que um jardim se torna melhor com um

bom que com um mau jardineiro, um ofício se torna melhor com um

bom que com um mau artesão, uma família se torna melhor com um

prudente que com um mau pai de família, um reino se torna melhor

com rei sábio que com um rei ignorante, um exército se torna melhor

com um general experimentado, etc., assim também acontece com

quaisquer outras coisas sob a direcção de homens que as possuem e as

utilizam segundo o seu direito, desde que saibam utilizá-las

legitimamente.

No final das palavras acima é registrada a proposição: “desde que saibam utilizá-

las legitimamente”. O uso legítimo não é só relativo ao direito, mas é, sobretudo, ao

cuidado, conforme Comenius (1971, p. 49) acena, ao citar o livro de Provérbios de

Salomão, capítulo 12, 10: “O homem justo preocupa-se até com a vida do seu jumento;

mas o ímpio é cruel”.

Com o mesmo raciocínio ele afirma: “Por conseguinte, deve desejar-se que

todos os homens sejam ensinados a bem conhecer e a bem compreender as coisas e a

usá-las e a fruí-las correctamente” (COMENIUS, 1971, p. 50). No mesmo contexto,

vale lembrar as palavras de Comenius (1971, p. 56, 57):

E, desse modo, conseguir-se-á que o Paraíso perdido seja

reencontrado, isto é, que o mundo inteiro se torne, para Deus, para nós

e para as coisas, um jardim de delícias. Sabemos que isso se realizará

plenamente na eternidade; mas que isso aconteça ao menos

incoactivamente, também no limiar da eternidade, no fim do mundo

que se avizinha, é o que é necessário desejar, esperar e procurar

realizar, com a ajuda de Deus Amém.

Diante do exposto, também na concepção escatológica de Comenius está a base

para afirmar que a relação do homem com a natureza colabora para a compreensão de

que o homem foi criado para proteger a criação de Deus e, dentre suas tarefas, está a de

restaurar novamente esta terra no paraíso terrestre do Criador.

Não há lugar para abusos, nem ações puramente exploratórias fruto da ganância

humana, pelo contrário, ele é o sacerdote de Deus encarregado por cuidar das coisas que

lhes foram confiadas, deve-se, por conseguinte ter em mente o amor, a vida e todas as

coisas, “de modo que, se há qualquer coisa que se lhe siga, seja também vida e não

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morte. De outro modo, se, pela vida, se devesse chegar à morte, teria sido preferível não

ter nascido” (COMENIUS, 1971, p. 67-68).

Há ainda outro importante argumento que explicita a relação do homem com a

natureza no pensamento comeniano, trata-se do método de ensinar todas as coisas.

O método único do ensino é o que segue as leis da natureza

Com foco na relação do homem com a natureza, na leitura tanto da Didática

magna quanto na Pampaedia, Comenius dá uma abundância de exemplos emprestados

da natureza, conforme as palavras de Kulesza (1992, p. 106) em seu comentário a

respeito da ordem da escola: “[...] a ordem que deve reinar na escola não é constituída

por uma elaboração teórica, mas deve ser emprestada da natureza, pois „a arte nada pode

fazer, a não ser imitando a natureza‟”. Assim, concebe-se “que o método único de

ensino é o que segue as leis da natureza” (GASPARIN, 1994, p. 147).

Está explícito que há uma profunda consideração de Comenius pela natureza,

por esta razão, pode-se afirmar que mesmo em algumas partes da Didática magna como

da Pampaedia que transparece o pensamento de “exploração da natureza”, quando há

um estudo aprofundado de suas obras o equívoco se desvanece. Um exemplo disso é a

discussão em torno do termo “útil” com referência à natureza.

Na leitura da Didática magna, ao comentar a respeito da criação do mundo, e

por considerar o homem a mais elevada, perfeita e excelsa das criaturas (COMENIUS,

1997, p. 41) explicita que a verdadeira vida humana não está na atual, mas na futura

que, é a eterna. Para ele, o fim último do homem está fora desta vida, de maneira que,

por mais que o conhecimento seja adquirido nesta vida ainda não é suficiente para saciar

o desejo de conhecer do homem. Este desejo somente será saciado na eternidade

(COMENIUS, 1997, p. 43-47).

Bem próximo ao pensamento de Platão9, Comenius (1997, p. 50) demonstra que

em sua concepção esta vida não passa de preparação para a eterna, e por esse motivo,

não é de admirar que a alma, utilizando o corpo, procure obter o que quer que lhe seja

útil na vida futura. O termo “útil” é digno de destaque nesta parte da Didática, pois,

9 Para a compreensão das proximidades do pensamento de Comenius com Platão na tratativa desta

temática ler: LOPES, Edson Pereira. O cuidado com a alma imortal nos diálogos Fédon, Fedro e

República, de Platão. In Estudos de Religião. São Bernardo/SP: Universidade Metodista de São Paulo,

ano XXII, nº 35, p. 178-194, julho/dez 2008.

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assinala o princípio de que para Comenius, o mundo visível, foi criado para ser útil ao

homem.

Ele justifica a variedade das espécies criadas pelo Criador, considerando que

tudo foi criado para que nada faltasse em termos de alimento à mente do homem e que

ao mesmo tempo servisse para lhe fazer refletir a respeito do infinito poder, sabedoria e

bondade de Deus (COMENIUS, 1997, p. 50). Infere-se daí que, para ele o “mundo é tão

somente o lugar onde nascemos e nos alimentamos” (COMENIUS, 1997, p. 51). Um

pouco mais adiante ele explicita: “Tudo, pois, existe em função do homem, inclusive o

tempo” (COMENIUS, 1997, p. 51).

Estudado apenas por este prisma, pode-se ter uma conclusão não muito segura

sobre do pensamento de Comenius a respeito da relação do homem com a natureza. Em

função disso, é que vale destacar que na Pampaedia demonstra sua ideia quanto ao

significado de “utilidade”. Para ele, as coisas são “úteis” quando são utilizadas

corretamente a fim de atingir o objetivo próprio de sua natureza. “É do interesse das

coisas, para que não corram o risco de serem perpetuamente inúteis, porque

incorretamente utilizadas pelos homens, ou seja, nem para glória de Deus, nem para

salvação sua” (COMENIUS, 1971, p. 44).

Almeida (2007) em sua reflexão intitulada A crise do meio ambiente e a teologia

de Leonardo Boff: uma perspectiva da teologia evangelical, explicita que uma das

razões para a instauração desta crise é a ganância do homem, quando este se utiliza da

natureza sem a preocupação de fazer o seu uso correto. Aí está uma concepção que

Comenius já assinalava no século XVII, quando afirma: “[que os homens] sejam

ensinados a englobar dentro dos limites da prudência os negócios da vida presente, de

modo que, mesmo neste mundo, todas as coisas estejam (o melhor possível) em

completa segurança” (COMENIUS, 1971, p. 40). Pode-se ler em suas palavras,

indicativos de sua preocupação com a segurança do cosmos quando ocorre o uso

impróprio da natureza. Talvez, por causa disso, ele profere estas palavras:

Se conseguirem [...] disporão de antídotos contra a sua infelicidade os

pobres mortais, a maioria dos quais não se preocupa com o futuro, põe

em perigo o presente, todos estão em desacordo e lutam com todos e

cada um, consigo mesmo (nos seus pensamentos, palavras e acções) e,

pela discórdia, arruínam-se e perecem (COMENIUS, 1971, p. 40).

Por conseguinte, seu princípio de utilidade difere do utilitarismo, uma vez que,

ele não parte de uma concepção “exploratória da natureza”, e sim, o uso devidamente

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adequado das coisas visíveis. A natureza deve ser alvo de observação e de imitação. Isto

pode ser evidenciado quando Comenius utiliza a natureza como exemplo e modelo para

a arte de ensinar e aprender.

A natureza aguarda o momento propício10

O pássaro não inicia a reprodução no inverno, nem no verão, nem no outono,

mas na primavera, quando o sol dá vida e vigor a todas as coisas. As escolas contrariam

esse princípio de duas maneiras: não aproveitando o tempo oportuno para exercitar os

engenhos; e não organizando cuidadosamente os exercícios de modo que tudo avance

gradualmente e sem erros. A criança não pode ser instruída enquanto é pequena demais,

assim como não é de bom alvitre instruir o homem, nem na idade adulta, nem na

velhice. Deve ser feito no vigor da vida e da mente. Deve-se, pois, dar início à formação

do homem durante a idade primaveril, durante a infância (COMENIUS, 1997, p. 148).

A natureza prepara a matéria antes de começar a introduzir-lhe a forma

A partir do exemplo citado acima, observa-se que primeiro ele desprende uma gota

de seu sangue, depois o ovo, para só depois vir o filhote. De forma análoga, as escolas

precisam ter à sua disposição os instrumentos necessários para que os jovens possam

aprender com desenvoltura, tais como, livros, quadros, exemplos, modelos etc. Que

devem ser aplicados por profissionais competentes para que os resultados sejam bons.

Comenius entende que as escolas usam métodos errados, como ensinar primeiro

as palavras antes das coisas, ensinar regras abstratas para só depois virem a ser

esclarecidas etc. Para corrigir métodos equivocados, desde sua origem Comenius (1997,

p. 151) diz ser necessário:

Primeiro, ter prontos os livros e todos os outros instrumentos didáticos.

Segundo, que o intelecto seja formado antes da língua. Terceiro, que

não se aprenda nenhuma língua a partir da gramática, mas apenas a

partir de autores apropriados. Quarto, as disciplinas reais devem

preceder as lógicas. E por último, os exemplos devem preceder as

regras.

10

Os subtítulos a seguir foram extraídos literalmente da Didática magna, capítulo XVI.

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A natureza toma um indivíduo apto e prepara-o antes, oportunamente

O pássaro coloca no ninho para chocar um ovo, objeto próprio para dele, nascer

um passarinho. No processo de chocar o ovo ele não só o aquece como vai revirando-o

até que o passarinho esteja pronto para sair daquele recipiente. Isto significa que é

preciso predispor as mentes dos alunos para depois ensiná-los, é que pode ser visto na

afirmação de Comenius (1997, p. 152-153):

Na maioria das vezes, tenta-se enxertar as mudas da ciência, dos

costumes e da piedade antes que a planta tenha lançado raízes, antes de

estimular o amor pelo estudo naqueles que a isso não foram estimulados

pela própria natureza. Os arbustos e as estacas não foram limpos antes

da plantação: as mentes não foram liberadas das ocupações supérfluas,

nem foram submetidas à ordem.

Nota-se nas palavras acima a preocupação dos envolvidos com o processo

ensino-aprendizagem quanto ao momento mais apropriado para a iniciação educacional.

Isto, na concepção comeniana pode ser aprendido com a natureza.

A natureza não procede confusamente, mas de modo claro

Ao formar um pássaro, antes de fazê-lo voar, ha um processo constitutivo de

ossos, nervos, veias, carne, pele, penas, etc. Para Comenius (1997, p. 154) as escolas

erram quando, não seguindo a sabedoria da natureza, abarrota as mentes dos alunos com

muitos conhecimentos de uma só vez, ou ao mesmo tempo. A ideia é que se ensine e se

aprenda uma coisa por vez em dado momento da vida.

A natureza começa todas as operações pelas partes mais internas

Primeiro forma as vísceras para depois a natureza formar as unhas, as penas etc,

do pássaro. A planta alimenta-se por meio dos poros das partes internas. O arboricultor

rega a raiz, não os ramos. Para Comenius o instrutor erra quando incentiva o decorar

sem cuidadosa explicação, quando tenta explicar sem conhecer devidamente o método,

não sabendo ir até a raiz para nela inserir o enxerto das ciências. Pode prejudicar o

aluno, assim como o jardineiro pode destruir a planta se usa um bastão para poda-la em

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vez de usar uma ferramenta própria. Antes se forme o entendimento das coisas, depois a

memória e, depois a língua e as mãos (COMENIUS, 1997, p. 156).

A natureza inicia todas as suas formações pelas coisas mais gerais e

acaba pelas mais particulares

Na concepção de Comenius (1997, p. 156-157) ao se educar, há que se aprender

com a natureza também quando ela inicia todas as suas formações pelas coisas mais

gerais e termina nas particulares. Eis algumas de suas afirmações:

Para produzir um pássaro a partir de um ovo, não delineia nem forma

logo de início a cabeça, os olhos, as penas, as unhas, mas aquece toda

a massa do ovo e estende veias por toda parte graças ao movimento

produzido pelo calor, de tal modo que o passarinho fique totalmente

delineado (ou seja, a cabeça, as asas, as pastas em embrião) e por fim

todas as partes se desenvolvam gradualmente, até atingirem a

perfeição.

Um pouco mais à frente, Comenius (1997, p.158) esclarece:

O arquiteto também imita a natureza e concebe em sua mente a idéia

do edifício todo [...] o pintor [...] esboça o todo do homem [...] Segue-

se que o ensino das ciências será mal conduzido se for particularizado,

se antes não forem propostas as linhas mais simples e gerais de todo

ensinamento; nem é possível instruir ninguém perfeitamente numa

ciência sem relacioná-la com as outras.

Neste contexto, a partir dos exemplos da natureza, ele concebe: “que qualquer

[...] arte seja ensinada no início apenas por meio de rudimentos simples, de modo que

delas se tenha uma idéia geral para depois se aprimorar [...] por meio de sistemas

completos” (COMENIUS, 1997, p. 158-159).

A natureza não procede por saltos, mas gradualmente

Para que o passarinho esvoace o céu, há um processo paulatino e contínuo, desde

sua formação dentro do ovo, à alimentação, à formação das penas, ao vôo. Essas ações

exigem o momento oportuno e uma série de graus, conforme compreende Comenius

(1997, p. 160):

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É absurdo que os mestres não distribuam os estudos, para si e para os

alunos, de tal modo que não só uns se sucedam naturalmente aos

outros, mas que cada matéria seja completada em dado limite de

tempo. Se não se estabelecerem bem os fins, os meios para atingir

esses fins e a ordem dos meios, será fácil esquecer ou inverter alguma

coisa, e todo estudo de algum modo será prejudicado.

Depois de iniciar uma obra, a natureza não a interrompe, mas conclui

“O pássaro que, por natural instinto, começou a chocar os ovos não pára

enquanto eles não se abrem” (COMENIUS, 1997, p. 161). Assim como o pássaro não

interrompe a chocação dos ovos e o aquecimento dos filhotes até expô-los ao tempo, de

igual forma seria prejudicial mandar as crianças para a escola com intervalos de meses e

de anos, distraindo-as com outras ocupações. O preceptor erra se inicia, com o aluno,

ora uma coisa, ora outra. Onde falta calor, tudo se esfria. Em função disso, Comenius

registra (1997, p. 162) “quem se dedica aos estudos devem frequentar a escola até se

tornar homem instruído”.

A natureza está sempre atenta para evitar as coisas contrárias e nocivas

No aquecimento dos ovos o pássaro os defende do vento, da chuva, do granizo,

das cobras, das aves de rapina e de outros perigos. Comenius (1997, p. 163) pontua:

Seja, pois, deliberado que: não se deve dar aos jovens nenhum livro, a

não ser os de sua classe; que sejam livros inspiradores de sabedoria,

virtude e piedade; que não se devem tolerar as más amizades nas

escolas ou em suas imediações. Se forem observados tais princípios as

escolas certamente alcançarão seu fim.

Isto posto, está claro que no pensamento comeniano, o homem tem muito a

aprender com a natureza. Seu uso da natureza não é exploratório, mas sim de

observação e imitação, isto é, deve-se ter uma relação harmônica do homem com a

natureza. Com este pensamento em mente, é mister avançar este estudo, relacionando-o

com as questões educacionais. Afirma Comenius (1997, p. 165):

Se iniciada cedo, antes que as mentes se corrompam; se ocorrer com a

devida preparação dos espíritos; se proceder das coisas mais gerais para

as particulares; e das mais fáceis para as mais difíceis; se nenhum aluno

for sobrecarregado com coisas supérfluas; se em tudo se proceder

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lentamente; se as mentes só forem compelidas para as coisas que

naturalmente desejarem por razões de idade e de método; se tudo for

ensinado por meio da experiência direta; se for para utilidade imediata;

e com um método imutável, único e assíduo. Assim, todas as coisas

fluirão de modo suave e agradável.

A natureza inicia pela privação

O pássaro usa ovos frescos para chocar; o construtor usa área vazia para

construir; o pintor pinta melhor sobre uma parede limpa; se alguém quiser guardar

unguento é melhor um frasco vazio e limpo; o arboricultor planta melhor as mudas

novas, e assim por diante. De igual forma, as mentes jovens absorvem melhor o estudo

do saber, pois que quanto mais tarde o processo educativo for iniciado, mais cansativo

será, uma vez que a mente já foi ocupada com outras coisas (COMENIUS, 1997, p.

167).

A natureza predispõe a matéria a desejar a forma

No ovo, o passarinho já formado desloca-se, rompe a casca com o pico, e liberta-

se. Agrada-lhe ser aquecido pela mãe, alimentado, olhar para o céu e voar.

Erram na educação das crianças quem as obriga a estudar a contragosto.

Comenius (1997, p. 169) cita Isócrates: “Se tiveres vontade de aprender, serás muito

instruído”. Nas crianças o amor pelo estudo deve ser suscitado pelos pais, professores,

escola, métodos e pelas autoridades.

A natureza extrai tudo de princípios pequenos em quantidade, mas

válidos pela virtude

Tudo o que deverá formar o pássaro está contido no ovo; a arvore está incluída

por inteiro no caroço de seu fruto. Nas escolas os mestres devem semear sementes em

vez de ervas, plantar mudas em vez de arvores. Quando o principio é invertido, o aluno

fica com a mente pulverizada de tratados inteiros em vez de princípios basilares

(COMENIUS, 1997, p. 172). De modo que, toda arte deve encerrar-se em regras

brevíssimas, mas absolutamente exatas; toda regra deve ser concebida com palavras

brevíssimas, mas muito claras; toda regra deve ser exemplificada com muitíssimos

exemplos esclarecedores.

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A natureza nunca excede, mas contenta-se com pouco

Não exige que nasça de um ovo dois passarinhos. Constitui distração para o

aluno ensinar varias coisas ao mesmo tempo, como gramática, dialética, retórica, poesia

e língua grega no mesmo ano (COMENIUS, 1997, p. 175).

A natureza não se apressa, mas anda com vigor

O pássaro não coloca os ovos no fogo a fim de que os passarinhos nasçam logo,

mas aquece-os lentamente com o calor natural. Não os empanturra de comida para que

cresçam depressa, mas alimenta-os pouco a pouco. Semelhantemente, é tortura para a

criança ficar ocupado durante sete, oito horas por dia com aulas e exercícios coletivos;

ter de fazer ditados, exercícios e aprender de cor o maior numero possível de coisas, até

a loucura. Torna-se inepto quem se põe a ensinar aos alunos o que lhe apraz, e não o que

eles entendem (COMENIUS, 1997, p. 177).

A natureza só pare o que, tendo amadurecido em seu seio, deseja vir à luz

Não obriga o pássaro a romper o ovo enquanto seus membros não estão bem

formados, nem a voar antes de ter pena, etc. De igual forma, as mentes não devem ser

forçadas. Veja-se o que ele diz a este respeito: “As mentes são forcadas sempre que

submetidas a coisas superiores à idade e à capacidade; sempre que obrigadas a aprender

de cor ou a fazer coisas que não foram antes explicadas, esclarecidas ou ensinadas”

(COMENIUS, 1997, p. 177).

A natureza ajuda-se sozinha de todos os modos possíveis

A cegonha carrega seus filhotes nas costas, leva-os a dar voltas em torno do

ninho, enquanto bate as asas. A ama procura de toda maneira ajudar a criancinha.

Ensina a manter a cabeça reta, a sentar-se, a ficar em pé, a movimentar os pés para

andar, a dar os primeiros passos e a avançar devagar até a chegar a andar com destreza.

É inconcebível a missão do preceptor que sem explicar devidamente obriga o

aluno a executar determinada tarefa, enfurecendo-se quando a mesma não é feita a

contento. A natureza ensina a tolerar a fraqueza enquanto o vigor não chega

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(COMENIUS, 1997, p. 179). Para ensinar não se deve aplicar nenhuma chicotada, e

tudo que se queira ensinar deve ser exposto e mostrado de modo claríssimo.

A natureza só produz aquilo cujo uso logo se manifesta

Ao pássaro a natureza dá asas com a finalidade de voar, patas com a finalidade

de correr etc. Com respeito ao aluno deve se dá o mesmo. Facilitará seu estudo quem

lhe mostrar como usar na vida cotidiana aquilo que está sendo ensinado (COMENIUS,

1997, p. 180).

A natureza faz tudo com uniformidade

A geração de um pássaro é a mesma para todos os pássaros, alias isso acontece

com todos os animais. O mesmo ocorre com as plantas: o modo como uma erva nasce e

cresce de uma semente ou uma arvore, é o mesmo para todas ervas e plantas em todos

os tempos e lugares.

Para Comenius a diversidade de métodos didáticos confunde os jovens e torna os

estudos intrincados demais. Daí se tornar necessário que todas as ciências sejam

ensinadas com um único e mesmo método, assim como as artes e as línguas. Que a

ordem e o modo sejam idênticos, que as edições dos livros para uma mesma matéria

sejam as mesmas (COMENIUS, 1997, p. 181-182).

Princípios em que se fundamenta a solidez no ensino e no aprender

Observou-se meios de se ensinar e de se aprender com facilidade. Observar-se-á

princípios concernentes a solidez no ensinar e no aprender. A grande questão da

aprendizagem pode ser resumida em duas causas: ou as escolas negligenciam as coisas

mais consistentes e se preocupam com as superficiais e frívolas, ou os alunos esquecem

o que aprenderam porque tiveram contato rápido com muitas matérias, sem que nelas se

detivessem. Ora, como a memória não nos devolve o que decoramos, memorizar é como

pegar água com uma peneira.

Comenius indaga: haverá remédio para esse mal? E responde afirmando que isso

só será obtido com a escola da natureza. Comenius (1997, p. 183-184) diz:

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Se só forem estudados assuntos de inquestionável utilidade; [...] E

todos juntos, sem separação entre eles; [...] Se a tudo forem atribuídos

sólidos princípios; [...] Se esses princípios forem muito aprofundados;

[...] Se tudo se apoiar nesses fundamentos; [...] Se tudo o que precisar

ser distinguido, for distinguido de modo bem claro; [...] Se tudo o que

é posterior se fundamentar no que for anterior; [...] Se tudo o que tiver

relação for relacionado para sempre; [...] e se a tudo for dada uma

ordem que tenha relação com o intelecto, a memória e a língua; e, por

fim, se tudo for consolidado com exercícios constantes.

Princípios de um ensino rápido e conciso

No capítulo XVIII discorreu-se sobre como ensinar e aprender. Observar-se-á

princípios de um ensino rápido e conciso. A grande indagação a principio é: serão

necessários quantos professores, quantas bibliotecas, quanta labuta para que se tenha

uma educação de qualidade?

Como encontrar o remédio se antes não se detectar a enfermidade e

principalmente as causas da doença?

Comenius (1997, p. 204-205) aponta as mais verdadeiras:

Nunca foram estabelecidas as metas às quais os escolares deveriam

chegar todos os anos, meses, dias; portanto, sempre houve incertezas;

[...] Nunca foram estabelecidos os caminhos capazes de conduzir

infalivelmente às metas; [...] As coisas interligadas por natureza

sempre foram consideradas sem seus nexos, aliás, nitidamente

separadas; [...] As artes e as ciências eram ensinadas de modo

enciclopédico, em poucos lugares, e mesmo assim de modo

fragmentário; [...] Os métodos eram múltiplos e variados. Cada escola,

aliás, cada preceptor tinha o seu; e, por fim, faltava um método para

ensinar ao mesmo tempo todos os alunos de uma mesma classe, etc.

Entende Comenius que só há uma saída, uma possibilidade para se corrigir os

desvios do ensino nas escolas, e este se encontra, por incrível que pareça na natureza.

Desta feita usa o sol como princípio norteador a ser imitado Comenius (1997, p. 207):

O sol não se ocupa com objetos em particular, como uma árvore ou

um animal, mas ilumina, aquece e ergue vapores sobre toda a terra;

[...] com os mesmos e únicos raios, dá luz a tudo; [...] ao mesmo

tempo, produz em todas as regiões a as quatro estações, faz germinar,

florir e frutificar; [...] mantém sempre a mesma ordem: a de hoje será

a mesma de amanha; a deste ano será igual ao próximo, etc. [...] faz

nascer cada coisa de sua própria semente e não de outra; [...] faz

nascer as coisas que devem ficar juntas: o tronco com a cortiça e o

cerne, a flor com as folhas, o fruto com a casca, o pecíolo e o caroço;

[...] faz tudo gradualmente, para que uma coisa abra caminho para a

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102

outra e elas se interliguem; [...] e, finalmente, nada produz que seja

inútil.

Qualquer um, a qualquer tempo, em qualquer lugar, pode verificar essa

sabedoria ministrada pela natureza. E, como se propõe o autor da Didática magna, o

ensino da natureza é universal, nivelador e não discriminatório. Para agir imitando o sol

diz Comenius (1997, p. 208) o seguinte:

Para cada escola, ou ao menos para cada classe, deverá ser designado

apenas um professor; [...] Para cada matéria, um só autor; [...] Um

único e idêntico trabalho deverá constituir empenho comum de toda a

classe; [...] Todas as disciplinas e línguas devem ser ensinadas com

um único e idêntico método; [...] Tudo deve ser ensinado a partir de

princípios primeiros de modo breve e essencial, para que o intelecto se

abra, como com uma chave, e todas as coisas se exponham diante

dele; [...] Tudo o que for interligado deve assim continuar; [...] Tudo

deve ser ensinado segundo gruas ininterruptos, de tal modo que o que

for aprendido hoje reitere o de ontem e abra caminho para o de

amanha; [...] E, finalmente, tudo o que for inútil deverá ser descartado.

De acordo com Comenius, se essas regras forem introduzidas nas escolas, com

certeza, o âmbito das ciências será abarcado com mais facilidade e rapidez, assim como

o sol completa todos os anos sua trajetória em torno do mundo.

Está explicitado que Comenius utiliza-se da natureza, mas não parte de uma

concepção “exploratória da natureza”, e sim, o seu uso devidamente apropriado. Para

ele, conforme visto, ao invés de explorá-la deve-se utilizá-la como digna de imitação,

sobretudo, no processo ensino-aprendizagem. No processo ensino-aprendizagem o

método único que, está calcado na natureza, é concebido por meio do uso dos sentidos.

A partir desta perspectiva, observa-se a compreensão de Comenius a respeito da relação

do homem com a natureza.

Sentidos; os instrumentos naturais para o ensino do método único

Conforme visto, o que distingue os homens das demais criaturas de Deus é a sua

aptidão inerente para entender as coisas por meio da mente. Deus o dota de

características que o torna enaltecido. Essa característica é ensinada pelo autor da

Didática e da Pampaedia, ele distingue alguns desses sentidos:

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103

A mente cultiva-se e aperfeiçoa-se para que saibamos muitas coisas

verdadeiras e fugindo das más. A mão, juntamente com as outras

faculdades em nós existentes, é cultivada para que possamos fazer

aquelas coisas que devem ser feitas e superar com a nossa operosidade

as deficiências das coisas. A língua cultiva-se para que as nossas

relações com os homens sejam racionais, agradáveis e fecundas

(COMENIUS, 1971, p. 265).

Ele ainda registra ao perguntar quanto ao significado de conhecer:

Significa não ignorar que as coisas existem, o que se consegue vendo,

ouvindo, cheirando, gostando e apalpando as coisas [...] o objectivo da

Escola [...] será ordenar em formas seguras a selva das noções

recolhidas pelos sentidos para uma utilização mais plena e mais clara

do raciocínio, uma vez que a dignidade do homem, acima dos animais

depende da razão (COMENIUS, 1971, p. 265-266).

Infere-se das palavras acima, duas ideias centrais no pensamento comeniano:

1) que o homem exercita os seus sentidos, quando está numa relação com a

criação do Criador. Portanto, cuidar dela e protegê-la é alimentar sua constante busca

pelo conhecimento. Isto significa que deve ser uma relação do homem com a natureza

não exploratória, mas harmônica.

2) pelo fato de o homem ter sido criado à “imagem e semelhança de Deus”,

como Comenius afirma constantemente, ele foi dotado com a capacidade de adquirir a

ciência das coisas e aprender as diversas formas do conhecimento. Isto pode ser lido em

Comenius (1997, p. 58):

Todo homem nasceu com capacidade de adquirir a ciência das coisas,

antes de qualquer coisa, porque é imagem de Deus. De fato, a imagem,

se acurada, representa necessariamente as feições do arquétipo, ou não

seria imagem. Portanto, uma vez que entre as outras propriedades de

Deus sobressai a onisciência, necessariamente algo semelhante

resplenderá no homem.

Na continuação de seu argumento, Comenius assinala que a forma do homem

chegar ao conhecimento é por meio de uma mente lúcida, visto que ela é semelhante a

um espelho, que recebe as imagens de todas as coisas, não só as que estão próximas,

mas também, aproxima as imagens que estão distantes de si.

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Na verdade nossa mente não apreende só as coisas próximas, mas

também aproximam de si as distantes (em lugar e tempo), alça-se às

mais difíceis, indaga as ocultas, descobre as veladas, esforça-se por

investigar também as imperscrutáveis; é algo infinito e sem limites. Se

fossem concedidos ao homem mil anos, durante os quais, adquirindo

sempre novos conhecimentos, ele passasse de um conhecimento a

outro, ainda assim teria novos objetos para conhecer, tal é a

inexaurível capacidade da mente humana, que no conhecimento é

como um abismo. Nosso pequeno corpo é circunscrito por limites

muito exíguos: a voz pouco alcança a visão só circunscreve a altura do

céu, mas à mente não se pode impor limite algum, nem no céu nem

além do céu; ela ascende além dos céus dos céus assim como desce ao

abismo dos abismos, ela seria capaz de penetrá-los com incrível

velocidade. E queremos negar que tudo lhe seja acessível? Queremos

negar que ela seja capaz de tudo conter? (COMENIUS, 1997, p . 59).

Comenius afirma que a mente humana já possui a semente do conhecimento, de

forma que o homem nada recebe do exterior, mas que a semente do conhecimento parte

de dentro para fora (COMENIUS, 1997, p. 59). Lopes (2006, p. 160) sugere que este

princípio se aproxima da filosofia socrática no método da maiêutica. Na argumentação

de que a mente humana já possui a semente do conhecimento, Comenius recorre ao

pressuposto de Pitágoras. Pitágoras, segundo ele, afirmava que qualquer criança de sete

anos, sendo interrogada convenientemente sobre qualquer problema filosófico, estaria

em condições de responder com segurança a tudo (COMENIUS, 1997, p. 60).

Sendo assim, o conhecimento é inato ao homem, pois no homem é inerente o

desejo de saber. O próprio Comenius (1997, p. 60) pontuou que os sentidos são

acréscimos ou acessórios à alma racional que cooperam para o alcance do

conhecimento:

Ademais, à alma racional que temos em nós foram acrescentados

órgãos, que servem de emissários ou observadores; são elas a visão, a

audição, o olfato, o paladar e o tato, e por seu intermédio ela chega a

todos os objetos externos, para que nada possa ficar oculto. Como no

mundo sensível nada existe que não possa ser visto, ouvido, cheirado,

degustado ou apalpado e cujas essências e qualidade não possam ser

conhecidas, segue-se que nada há no mundo que um homem dotado de

sentidos e razão não possa compreender.

Na concepção de Comenius, Deus, ao criar o mundo e tudo o que existe, e ao

dotar o homem de uma mente, objetivou prover alimento não só para o corpo, mas

também para a mente humana a fim de que esta tivesse a oportunidade de adquirir as

diferentes formas do conhecimento, resultando no inerente desejo humano pelo saber.

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No homem é inerente o desejo de saber e também de enfrentar (e não

apenas de suportar) os esforços que isso implica. Tal já ocorre na

primeira infância e nos acompanha por toda a vida. Quem não deseja

escutar, ver, fazer sempre algo de novo? A quem não agrada ir todo

dia a um lugar qualquer, conversar com alguém, fazer perguntas ou

contar coisas? Assim é que: os olhos, os ouvidos, o tato e a própria

mente, buscando sempre alimento, estão sempre sendo levados para

fora de si, e para a natureza vivaz nada é mais intolerável que o ócio e

a preguiça. E, além disso, para maior prova disso, por que os indoutos

admiram os doutos, senão porque sentem os agradáveis atrativos de

um desejo natural e também gostariam de ser partícipes, se possível?

Mas como não têm esperança, anseiam e admiram os que consideram

superiores (COMENIUS, 1997, p. 60).

Neste mesmo contexto, Comenius (1997, p. 62) afirma que a mente humana é

infinita e que quanto maior a diversidade do conhecimento, mais agradável será a vida

humana:

[...] quanto maior a variedade, mais agradável é o espetáculo para os

olhos, mais suave o perfume para as narinas, maior o consolo para o

coração. Aristóteles comparou o espírito do homem a uma tábua rasa

na qual nada está escrito, mas onde tudo pode ser escrito [...] e há uma

diferença, pois numa tábua só é possível traçar linhas até onde as

margens o permitam, enquanto na mente nunca se encontrarão limites,

ainda que se escreva ou grave o tempo todo, porquanto, como já foi

dito, ela não tem limites.

Outra forma de argumentar a favor do conhecimento como inato, são os

autodidatas, que, na concepção de Comenius (1997, p. 61), jamais necessitam de

preceptores, mestres ou professores, mas aprendem com os carvalhos, passeando pelos

bosques e meditando.

Os exemplos dos autodidatas mostram com muita clareza que o

homem, com a orientação da natureza, tudo pode alcançar [...] alguns

[...] tendo como professores os carvalhos e as faias (ou seja, passeando

pelos bosques e meditando), aprenderam mais que outros através do

laborioso ensino dos preceptores. Isso não nos ensina que tudo

realmente está no homem? [...] São inatas em nós as sementes de todas

as artes, e Deus, nosso mestre, extrai engenhos do oculto.

É na mente, portanto, que estão todas as capacidades e condições necessárias ao

homem para alcançar o verdadeiro conhecimento, e ela só exerce essa função porque o

homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Presume-se, assim, que Comenius

não tem uma visão puramente antropocêntrica, como alguém pode objetar, mas

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teológica, visto que, se o homem é tão exaltado, deve-se ao fato de ter sido criado com a

atenção singular do Criador. Portanto, para Comenius, o homem é enaltecido não por

suas próprias forças ou méritos, mas porque Deus enalteceu-o no ato da sua criação.

Percebe-se ainda que, para Comenius, Deus não somente criou o homem com

uma mente infinita, mas adicionou os órgãos do sentido que servem para ajudá-lo na

questão do conhecimento. É por intermédio desses órgãos que a mente chega a todos os

objetos externos, para que nada possa ficar oculto. Segue, assim, que “nada há no

mundo que um homem dotado de sentidos e razão não possa compreender”

(COMENIUS, 1997, p . 60).

Não obstante, ser a nossa mente infinita e receber milhares e milhares de

imagens, o impressionante, é que a massa do nosso cérebro não é muito grande. Nisso,

pode-se notar, na compreensão de Comenius, a sabedoria e onipotência de Deus, visto

que as informações adquiridas com a leitura e a experiência estão todas no cérebro.

[...] O que é essa imperscrutável sabedoria da onipotência de Deus?

Salomão admira-se de que todos os rios desemboquem no oceano e, no

entanto, não encham o mar (Eclesiastes 1.7); e quem não admirará o

abismo de nossa memória, que engole tudo e tudo restitui, e não

obstante nunca está vazio nem cheio? Por isso, em verdade nossa

mente é maior que o mundo, do mesmo modo que o continente é

necessariamente maior que o conteúdo (COMENIUS, 1997, p . 63).

Nas palavras de Comenius, observa-se que, para ele, o próprio cérebro humano

foi criado por Deus e, com Sua sabedoria, o Criador fez com que o cérebro jamais fosse

“completado”; antes, criou-o como uma espécie de abismo na questão do conhecimento.

Somado ao cérebro, depara-se com os olhos, comparados por Comenius, como a

alma. O olho é representante de mente e não se cansa em ver, tampouco é obrigado a

abrir-se, mas isso é seu processo natural, como a mente humana que é sequiosa por

conhecer, está aberta para o conhecimento, deseja ardentemente explorar, compreender,

é incansável (COMENIUS, 1997, p. 63-64).

Todavia, à luz desse argumento, alguém poderia objetar quanto à razão pela

qual, algumas pessoas, aparentemente, não conseguem aprender as coisas. Responderia

Comenius que a mente humana, por natureza, tem a semente do conhecimento,

entretanto, deve-se despertá-la para tal fim.

Na concepção comeniana, tudo realmente está no homem: “Estão lâmpada,

candeeiro, óleo e pavio, e tudo o que é necessário: quem souber produzir a centelha,

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acolhê-la, acender a luz poderá ver – belíssimo espetáculo – os maravilhosos tesouros

da divina sabedoria” (COMENIUS, 1997, p. 61).

Em outra parte de sua Didática, Comenius (1997, p. 62) afirma:

Aristóteles comparou o espírito do homem a uma tábua rasa na qual

nada está escrito, mas onde tudo pode ser escrito. Então, assim, como

numa tábua rasa o escritor pode escrever o que desejar e o pintor que

não ignore a arte pode pintar o que quiser, também para quem não

ignora a arte de ensinar é fácil gravar o que quiser na mente do

homem. Se isso não ocorrer não será por culpa da tábua (mesmo que

seja grosseira), mas por ignorância do escritor ou pintor.

Isso se deve ao fato de que a mente humana é como a terra e como a cera. Como

a terra, pois ela está sempre disposta a receber todo tipo de semente e, “quanto maior a

variedade, mais agradável é o espetáculo para os olhos, mais suave o perfume para as

narinas, maior o consolo para o coração” (COMENIUS, 1997, p. 62).

Portanto, a mente está sempre disposta a apreender as variedades do

conhecimento, desde que seja arada e despertada. Quanto à cera, esta é comparada ao

cérebro (COMENIUS, 1997, p 62). A cera pode ser moldada e remoldada, da mesma

forma que a mente, pode compreender, aprender e reaprender as diferentes formas de

conhecimento, de modo que, o homem possui toda esta capacidade, e não se aprender, o

erro só pode estar no pintor (preceptor).

Comenius afirma que, depois do pecado, nossa mente ficou “obscurecida e

involuída e não é capaz de expandir-se livremente; e aqueles a quem caberia a sua

libertação estão inibindo-a cada vez mais” (COMENIUS, 1997, p. 60). Com esse

pressuposto, afirma que “no mesmo instante em que nascemos e somos reconhecidos,

estamos já envolvidos em toda espécie de mal, de tal modo que parecemos quase sugar

os erros com o leite da ama” (COMENIUS, 1997, p. 64).

Diante disto, pode-se indagar se a não aprendizagem é proporcionada pelo

preceptor ou pelo pecado do homem. A resposta de Comenius refere-se ao preceptor,

visto que a sua função é despertar a mente dos discentes para o conhecimento: “[...] para

quem não ignora a arte de ensinar é fácil gravar o que quiser na mente do homem. Se

isso não ocorrer não é por culpa da tábua (mesmo que seja grosseira), mas por

ignorância do escritor ou do pintor” (COMENIUS, 1997, p . 62).

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Por conseguinte, pode-se ter a compreensão da valorização da natureza no

pensamento de Comenius. Sua preocupação é que a proteção e o cuidado com a

natureza devem ser alvos de todos os homens. Por ela o homem é incitado a conhecer o

Criador; por ela, a partir de sua imitação, o homem pode encontrar o momento propício

para o início educacional e, igualmente, baseado em sua observação ele pode aprender e

ensinar de maneira mais correta. No cuidado da natureza, jamais lhe faltará alimento e

oportunidade de chegar às mais diversas variáveis do conhecimento.

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Considerações Finais

Na atualidade uma das temáticas mais importantes é a que diz respeito ao Meio-

Ambiente. Ainda que não seja possível aplicar tal termo a João Amós Comenius, por ser

uma palavra diretamente relacionada com os tempos modernos, por outro lado, não se

pode negar que ele já apontava para esta preocupação, estando em pleno século XVII.

Por si, esta constatação pontua que ele estava à frente do seu tempo e que é um autor

clássico, uma vez que suas idéias perpassam por várias gerações, que resulta em sua

sempre atualidade. Novamente, percebe-se ao permitir a reflexão da relação do homem

com a natureza, a atualidade do seu pensamento.

Sua atualidade se deve ao princípio de que ele estava preocupado com seu

mundo, mas também de olho no futuro, por isso, à semelhança dos filósofos gregos,

como Aristóteles e outros, estava preocupado com a felicidade, não em termos

egocêntricos, porém, em descobrir antídotos contra a infelicidade,

[...] se conseguirem [...] disporão de antídotos contra a sua infelicidade

os pobres mortais, a maioria dos quais não se preocupa com o futuro,

põe em perigo o presente, todos estão em desacordo e lutam com

todos e cada um consigo mesmo (nos seus pensamentos, palavras e

acções) e, pela discórdia, arruínam-se e perecem (COMENIUS, 1971,

p. 40).

Pois bem, partindo desta visão futurista de Comenius e por causa de sua busca

pela restauração e implantação do paraíso na terra, a presente pesquisa tinha como

objetivo específico:

Identificar no pensamento de Comenius sua compreensão a respeito da relação

do homem com a natureza.

A partir deste objetivo a indagação, por sua vez consistia, em saber se ele

concebia apenas uma relação exploratória da natureza, já que a hipótese se

fundamentava no princípio de que o autor da Didática magna e da Pampaedia pareceria

diferir do pensamento de alguns de sua época que viam na natureza apenas uma

oportunidade de benefício próprio.

Após as tratativas, conforme dissertadas nesta reflexão, o que pareceria ser

apenas uma hipótese, agora se reveste de convicção, isto é que nas obras Didática

magna e Pampaedia, Comenius deixa claro que o homem e a natureza devem viver em

harmonia. Não opostos entre si, pelo contrário, ambos são obras do Criador. Fato é que

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o homem é o ápice da criação e a ele foi dada a responsabilidade de cuidar e proteger

toda a criação de Deus, conforme visto, nos primeiros capítulos.

A ênfase comeniana de que a criação está sob o domínio do homem, não o

coloca na posição de explorador com finalidades gananciosas ou qualquer outro fato

motivador que não seja utilizar de forma adequada as riquezas da natureza para a glória

do Criador, e sim, faz dele um sacerdote encarregado de cuidar das coisas de Deus. Ele

compreendia esta relação desta maneira porque em sua concepção, a natureza e o

homem são parceiros na glorificação do Criador, no que tange especificamente a relação

do homem com a natureza, destacam-se os seguintes princípios de Comenius:

A possibilidade de o homem conhecer o Criador, por intermédio das coisas

criadas.

Enfatiza que o homem foi formado a partir da natureza. Portanto, faz parte dela e

não é seu inimigo.

As leis da natureza propiciam ao homem o método único do ensino, porque

todas as coisas são postas e funcionam exatamente em ordem.

Que os homens foram criados com a possibilidade de conhecer todas as coisas

por meio dos sentidos, de maneira que, este ao cuidar bem da natureza não lhe faltará

jamais as mais e infinitas formas do saber.

Ressalta-se, por fim, que esta pesquisa não teve a pretensão de esgotar o assunto,

em função disso, deixa o caminho aberto para futuras pesquisas tais como: o Meio-

Ambiente no pensamento de Comenius; educação voltada para um método que valorize

o estudo do meio; a comparação entre o pensamento de Comenius na Didática magna e

na Pampaedia a respeito do meio ambiente.

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