Relacionando a Justiça cognitiva e social

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RELACIONANDO A JUSTIÇA COGNITIVA E SOCIAL: EXPERIÊNCIAS NUMA MORADIA ESTUDANTIL UNIVERSITARIA Carlos Riádigos Mosquera - UERJ Marlon Santos - UFRJ Resumo: O presente trabalho pretende refletir sobre a relação entre os saberes envolvidos num conselho administrativo de uma residência estudantil mantida por uma Universidade pública federal, de forma a entender limites e possibilidades de sua estrutura na garantia de melhores condições de permanência do estudante na graduação. Dialogando com as contribuições de Boaventura de Sousa Santos sobre relação entre justiça social e justiça cognitiva, a partir dos registros desses encontros, das perspectivas dos integrantes do conselho expressas em suas narrativas e dos movimentos cotidianos dos moradores da residência pelo direito de colocarem suas demandas, objetivamos compreender caminhos que possam potencializar uma relação ecológica entre os saberes dos diferentes sujeitos inseridos nos processos de decisões coletivas na residência. Palavras chave: Justiça cognitiva, Justiça social, representatividade, moradia estudantil, saberes Algumas reflexões: Boaventura e a justiça social e cognitiva As realidades que encerra a expressão “Justiça Social” são tão numerosas, plurais, e variáveis que faz com que esta seja uma história com muitas possíveis leituras. O apelido que leva a expressão, “social”, faz com que o nome, “justiça” tenha que estar inexoravelmente relacionado com tudo aquilo que afete aos seres humanos, e também aos não humanos (Nussbaum, 2006). São tantas as circunstâncias por volta da justiça social que o seu estudo e cuidado prometem ir constantemente caminhando juntos com os seres humanos ao longo do seu devir, como uma tarefa em permanente melhora, reforma e manutenção. Nessa labor de permanente construção e melhora a educação ocupa uns dos pilares mais importantes para o avanço e desenvolvimento de noções mais inclusivas, respeitosas e justas com todos os seres humanos e o seu entorno.

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O presente trabalho pretende refletir sobre a relação entre os saberes envolvidos num conselho administrativo de uma residência estudantil mantida por uma Universidade pública federal, de forma a entender limites e possibilidades de sua estrutura na garantia de melhores condições de permanência do estudante na graduação. Dialogando com as contribuições de Boaventura de Sousa Santos sobre relação entre justiça social e justiça cognitiva, a partir dos registros desses encontros, das perspectivas dos integrantes do conselho expressas em suas narrativas e dos movimentos cotidianos dos moradores da residência pelo direito de colocarem suas demandas, objetivamos compreender caminhos que possam potencializar uma relação ecológica entre os saberes dos diferentes sujeitos inseridos nos processos de decisões coletivas na residência.

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RELACIONANDO A JUSTIÇA COGNITIVA E SOCIAL: EXPERIÊNCIAS NUMA

MORADIA ESTUDANTIL UNIVERSITARIA

Carlos Riádigos Mosquera - UERJ

Marlon Santos - UFRJ

Resumo:

O presente trabalho pretende refletir sobre a relação entre os saberes envolvidos num

conselho administrativo de uma residência estudantil mantida por uma Universidade pública

federal, de forma a entender limites e possibilidades de sua estrutura na garantia de melhores

condições de permanência do estudante na graduação. Dialogando com as contribuições de

Boaventura de Sousa Santos sobre relação entre justiça social e justiça cognitiva, a partir dos

registros desses encontros, das perspectivas dos integrantes do conselho expressas em suas

narrativas e dos movimentos cotidianos dos moradores da residência pelo direito de

colocarem suas demandas, objetivamos compreender caminhos que possam potencializar uma

relação ecológica entre os saberes dos diferentes sujeitos inseridos nos processos de decisões

coletivas na residência.

Palavras chave: Justiça cognitiva, Justiça social, representatividade, moradia estudantil, saberes

Algumas reflexões: Boaventura e a justiça social e cognitiva

As realidades que encerra a expressão “Justiça Social” são tão numerosas, plurais, e

variáveis que faz com que esta seja uma história com muitas possíveis leituras. O apelido que

leva a expressão, “social”, faz com que o nome, “justiça” tenha que estar inexoravelmente

relacionado com tudo aquilo que afete aos seres humanos, e também aos não humanos

(Nussbaum, 2006). São tantas as circunstâncias por volta da justiça social que o seu estudo e

cuidado prometem ir constantemente caminhando juntos com os seres humanos ao longo do

seu devir, como uma tarefa em permanente melhora, reforma e manutenção. Nessa labor de

permanente construção e melhora a educação ocupa uns dos pilares mais importantes para o

avanço e desenvolvimento de noções mais inclusivas, respeitosas e justas com todos os seres

humanos e o seu entorno.

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A pesares da sua relativa juventude, a Justiça Social já desfruta de uma importância

crucial como marco de referência nas interações humanas. Se bem é certo que as injustiças

são permanentes, também o é que nunca antes os Direitos Humanos foram um marco

regulador tão influente na Justiça Social e à hora de elaborar Constituições ou fazer de guia

do comportamento humano.

John Rawls (2002) apontou que para que haja um acordo sobre os princípios de justiça

deve haver acordo sobre as pautas de investigação pública e os critérios para decidir que tipo

de informação e conhecimento é relevante, o que está muito na linha do que Boaventura de

Sousa Santos aborda com sua Ecologia de Saberes, a qual se baseia no reconhecimento da

pluralidade de conhecimentos heterogêneos (Pág. 53) e é uma das principais propostas de

justiça cognitiva. Segundo Boaventura, a Ecologia de Saberes é um conjunto de práticas que

promovem uma nova convivência ativa de saberes com o suposto de que todos eles, incluindo

o saber científico, podem ser enriquecido com esse diálogo (2010, pág. 144). Esta tem uma

importância decisiva em o pensamento Pós-Abissal, que é o que racha com as formas

ocidentais modernas de pensamento e ação (2010, pág. 53). É pensar sobre o lado do abismo

tradicionalmente dominado pela gente desse lado; é aprender com o Sul, com a epistemologia

do Sul. Esse pensamento é aquele que tem que superar o abismo de conhecimentos gerado

pelo confronto da ciência moderna como paradigma de conhecimento dominante, com muitos

outros tais como a filosofia ou os saberes “populares”; toda essa separação conforma o

Pensamento Abisal, que é aquele que dá à Ciência Moderna o monopólio de saber o que é

verdadeiro ou falso mediante as Canonizacões, que é como Boaventura se refere àquelas

“verdades”, que estão assentadas e parecem impossíveis de modificar; os saberes ocidentais,

modernos e pós-modernos. Outra forma que tem o Pensamento Abissal de criar abismo é a

separação do legal, alegal e ilegal (2010, pág. 34), seguindo os critérios de quem tiver no

poder.

As diferenças entre os saberes são a desculpa do Pensamento Abissal para negar a

ecologia de saberes, mas Boaventura argumenta que através da tradução se torna possível

identificar preocupações comuns, aproximações e também contradições. É o suporte sobre o

qual as realidades invisibilizadas, excluídas e deslegitimadas dialogam entre elas, pra criar a

Epistemologia do Sul que Boaventura chama Cosmopolitismo subalterno (2010, pág. 41), este

consiste num conjunto de redes, iniciativas, organizações e movimentos que lutam contra a

exclusão econômica, social, política e cultural.

O conhecimento dominante nomeia os outros conhecimentos como conhecimentos

locais, etnociências ou superstições... Portanto, as pessoas dividem-se entre as especialistas e

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as leigas, ou o que é o mesmo, quem possui os saberes cientificistas face quem possui os não

especializados, os da cidadania “normal”, os quais estão a ser marginados e desprestigiados.

As formas de conhecimento invisibilizadas são os populares, os leigos, plebeus, indígenas,

entre outros (pág. 34), os quais para o pensamento moderno não são “conhecimento” senão

crenças, opiniões ou magia.

O trabalho de M. Foucault (1988) sobre a transformação do ser humano em sujeito,

bem como das lógicas de poder geradas nelas, supôs uma análise decisiva à hora de entender

estes processos de interação humana. Assim, o poder põe em jogo as relações entre os

indivíduos (ou entre grupos). O termo "poder" designa os relacionamentos entre "colegas", e

o que define uma relação deste tipo é que este é um modo de ação que não opera direta ou

imediatamente sobre os demais. Em mudança, o poder atua sobre as ações dos outros; uma

ação sobre outra ação.

As lógicas do poder estão necessariamente relacionadas entre sim e interconectadas.

Os processos de dominação em diferentes campos sociais, a pesar de ter características

próprias e definitórias, conservam o fator estrutural do poder. Em um momento histórico em

que a exclusão de pessoas e coletivos em as tomadas de decisões comunitárias não são

politicamente corretas, os processos de invisibilização hoje em dia são inclusive mais

importantes que a exclusão (Santos, 2010). Pra que essa invisibilização não se produza, as

pessoas deveriam ser capazes de desenvolver suas próprias caraterísticas, tanto a nível

individual como grupal, o que suporia o direito à diferença e que esta seja tida em conta. Ao

mesmo tempo, isto não pode ser assim se não partimos de uma base igualitária que nos dê a

todas as ferramentas básicas para esse desenvolvimento diferenciado.

Comunicar é uma forma de atuar sobre as demais pessoas, pelo que as relações de

poder estão muito presentes nos relacionamentos que transmitem informação por meio dá

linguagem ou qualquer outro sistema simbólico. A linguagem pode assim ser um veículo que

transporte essas desigualdades sem exercer discriminações de forma explícita.

É chave ter em conta que o conhecimento, a cultura, são contribuições de muitos seres

humanos ao longo da história, não de alguns poucos em momentos determinados. Ao mesmo

tempo, está construído da mão das emoções, desejos e sentimentos, os quais nos acompanham

sempre, sendo impossível que fiquem à margem do processo de construção desse

conhecimento. É por isso que a multiplicidade de visões e perspectivas é imprescindível para

obter um conhecimento o mais fiável que seja possível.

A ciência moderna, que teve sua origem em a Ilustração europeia, é assinalada por

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Boaventura de Sousa Santos (2005b) por sua contribuição à hora de dominar o conhecimento

e a cultura, universais, através de seus postulados. Mas as visões monolíticas do

conhecimento, como acontece em este caso, têm que enfrentar às interrogações que se lhes

propõem tanto desde um ponto de vista interno (é capaz a ciência e seu método de definir e

analisar o mundo por si mesma e sem nenhum tipo de erro?) como externo (é capaz de beber

de outras fontes e relacionar com outros conhecimentos?). Assim, a insistência em a

metodologia empírica da ciência moderna como única via para analisar todo tipo de

realidades, sejam ou não sociais e multi-variáveis, pode ser um exemplo de como se tenta

compreender a complexidade do mundo mediante a simplicidade de uma única perspectiva.

Portanto, é necessário um modo razoável aberto e amplo, no que a revisão contínua de tudo o

que se vai edificando é fundamental. As discussões exigem compromissos avaliativos e

interpretativos por parte das pessoas implicadas em diferentes níveis, com a necessidade da

paridade participativa para isto.

A razão em a que se apoia a ciência moderna para sustentar seus postulados é chamada

por Boaventura de Razão Indolente (2006). Caracteriza-se basicamente porque as suas

argumentações estão dirigidas a negar a possibilidade de realizar mudanças e transformações

na sociedade, não há alternativa possível. Além disso, existem cinco fatores que concretam ou

nos que se manifesta a razão indolente (2006): 1. a monocultura do saber, 2. a monocultura do

tempo linear, 3. a lógica da classificação social (naturalizar a desigualdade), 4. a lógica da

escala dominante, a do universal e o global, 5. a lógica produtivista que assume que o

crescimento econômico é um objetivo racional inquestionável. A alternativa proposta pelo

autor à razão indolente é a cosmopolita, que entende que a justiça social global não é possível

sem uma justiça cognitiva global.

Resumo dos pontos mais importantes das atas dos conselhos em relação a justiça social e

cognitiva

1.REGISTRO-15-06-11. Registro da instalação do conselho de administração da residência

estudantil

- O Magnífico Reitor da Universidade... presidiu a cerimônia de instalação

- O Magnífico Reitor terminou a cerimônia de instalação e retirou-se da reunião, passando a

coordenação dos trabalhos ao Presidente, prof. A.

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- O prof. A ainda ressaltou a iniciativa da representação discente... A representação

estudantil manifestou-se favoravelmente.

- A partir dessas considerações, foi dada a palavra a todos os membros, para que fizessem

suas 66 apresentações e considerações.

- O prof. A perguntou aos alunos sobre o horário que fosse mais conveniente...

2.REGISTRO-29-06-11. Registro da visita dos membros às dependências da residência

estudantil

- Existência dos problemas... que por diversas vezes foram denunciados pelos próprios

moradores, direção ou representantes discentes da Residência Estudantil...

- … a instalação pelo Magnífico Reitor B atribuíram status oficial às atividades do Conselho

- Profa. C, Coordenadora do Sistema de Alimentação

- Solicitaram ao presidente, prof. A, que intercedesse junto à futura Pró-Reitora de Graduação,

profa. D, para que, no caso de uma eventual mudança administrativa, o corpo discente (ou sua

representação) fosse ouvido...

- Alguns alunos também se mostraram ansiosos e temerosos... O prof. A deixou claro que o

próprio Regimento da Residência Estudantil, em seu Art. 21, estabelece...

- Entretanto o prof. A salientou que a Residência Estudantil se destina, exclusivamente, a

estudantes da Universidade... Lembrou também aos alunos que tem representação diversificada...

- … Nesse sentido, o(a) Diretor(a)/Administrador(a) estará sujeito(a) às diretrizes apontadas e

aprovadas pelo Colegiado, que será o elo entre a Residência Estudantil e a Administração

Central

- O professor A também se dispôs... para apresentar ao corpo discente as propostas de

estruturação da Superintendência de Políticas Estudantis e, obviamente, ouvir dos alunos as

demandas que ultrapassem as questões específicas da Residência Estudantil.

3.ATA-11-07-11. Ata da primeira sessão ordinária do conselho de 1 administração da residência

estudantil

- … caberá ao novo reitor, professor E, a designação da Direção da Residência Estudantil.

- … o presidente também solicitou aos membros que enviassem sugestões, propostas ou

demandas dos estudantes moradores para composição das futuras pautas das sessões

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4.ATA-15-08-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- (Aluna) expôs ao Conselho uma proposta de reformulação do “Projeto Atividade Física”

5.ATA-12-09-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- Incluir em suas reuniões alguns convidados fixos, com voz e sem voto, sendo eles: um

representante discente do Grupo de Trabalho (GT) de Assistência Estudantil do CEG/

SuperEst; um representante da Divisão de Saúde do Estudante (DISAE); um representante

discente do Conselho de Ensino e Graduação (CEG); um representante da União Nacional

dos Estudantes (UNE)

- O Prof. A pediu a (aluno) uma lista de todos os funcionários da Residência Estudantil...

- O Prof. A afirmou a marcação de uma reunião com (aluna), (aluna) e Diretor da EEFD

- (Aluna) falou sobre uma horta que os moradores da Residência irão preparar e pediu

colaboração com materiais.

- (Aluna) leu um extenso documento, assinado pela Assembléia dos Moradores da Residência

… O Prof. A pediu que o documento fosse encaminhado à Ouvidoria da Universidade.

6.ATA-10-10-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- O Prof. A informou ao Conselho que a Profa. F está deixando em função de não ser mais

conselheira do CEG

- O Prof. A reuniu-se com o Diretor G e a Procuradoria da Universidade para uma conversa

sobre agregados, irregulares, quartos trancados etc.

- O Prof. A explicitou sua intenção de reivindicar 6 (seis) bolsas estudantis à PBPD...

- O Prof. A diz que, de acordo com o Regimento, cabe ao Diretor encaminhar registros de

ocorrências para a abertura de processos de sanções e penalidades quando necessário.

7.ATA-16-11-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da

universidade federal do rio de janeiro

- O Prof. A comprometeu-se a tentar apoio na Reitoria.

- A moradora (aluna) relatou transtornos com os quais convive... (Aluno), (aluno) e (aluna)

apoiaram a discussão sobre o caso de (aluna moradora) ainda que não estivesse previsto na

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pauta da reunião. O Prof. A afirmou que a aluna está sendo assistida...

- No caso de ausência do Superintendente, o Diretor da Residência Estudantil presidirá

8.ATA-13-12-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da

universidade federal do rio de janeiro

- O Prof. A falou sobre “judicialização do Estado e das instituições de ensino”...

- O Prof. A solicitou a (aluno), de imediato, um documento à Prefeitura Universitária...

- O Prof. A falou sobre o conjunto de requisições que a Superintendência realizou...

- O Prof. A partiu da leitura do Memorando... em resposta ao Ministério Público...

- (Aluna) apresentou e entregou ao Conselho as seguintes propostas para elaboração e

desenvolvimento de projetos...

9.ATA-12-03-12. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da

universidade federal do rio de janeiro

- Prof. A mencionou a falta da representação da Prefeitura Universitária

- (Aluno) levantou a necessidade do Sistema de Alimentação pensar em alternativas para que

se possa atender aos alunos que estudam à noite...

- Prof. A argumentou sobre o aumento das demandas... sobre a política de moradia para os

estudantes. (Aluna) sugeriu que haja alojamentos provisórios para alunos que venham de

outros estados...

10.ATA-09-04-12. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- Prof. A deu informes sobre o Decreto Nº que dispõe sobre a utilização de transporte oficial

que não pode ser utilizado de forma regular para atendimento aos alunos. Afirmou que,

mesmo assim, ele como gestor concorda e autoriza...

- Diante desta informação a professora H solicitou o registro em ata... para atendimento a

servidores e alunos no que se refere ao transporte em caso de situações de saúde

- Prof. A falou da questão da relação dos estudantes representantes. Falou também das

reuniões marcadas com ele, ou com os diretores, a pedido dos alunos representantes...

- Prof. A informou que o momento é de pedir bolsistas para atuar como monitor e,

respondendo à (aluna), quanto as necessidades de pessoal, que o (aluno) precisa passar esta

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informação para a Superintendência o que não foi feito na última reunião de diretores.

- (Aluno) informou sobre os problemas em relação à falsificação de assinaturas... Prof. A

solicitou ao Prof. I levar a questão... Os alunos informaram que isto não resolve o

problema... informando que os alunos voluntários continuam sendo a melhor alternativa.

Pensando e analisando as atas do conselho da moradia

A aproximação de um conselho recém criado por uma Universidade pública federal

para servir de consulta em questões acerca da moradia de estudantes ao Conselho de

graduação da mesma instituição, dá-se numa tentativa de análise das relações de saberes

envolvidos na constituição deste órgão e em seus encaminhamentos. Para tal análise, o grupo

que o compõe foi distinto entre os que vivenciam o espaço na condição de morador e os que

se utilizam do espaço para tarefas pontualmente laborais. A constituição de tal conselho surge

a partir da criação de um grupo de trabalho de assistência estudantil, que trabalhou na

construção para o regimento da moradia estudantil da Universidade que há mais de 30 anos

estava em funcionamento sem tal regulamentação.

Tal medida, foi pensada a partir do reconhecimento da necessidade de uma

administração menos centralizada na figura de um diretor, situação que se apresentou

insustentável para uma estrutura de qualidade nas condições de moradia estudantil. Com o

intuito de tornar a composição mais diversa, foi pensado uma estrutura de conselho que

congregasse diferentes setores da Universidade envolvidos com a manutenção de condições

propícias de moradia estudantil. A assembléia dos moradores da residência universitária já

existia enquanto entidade representativa dos moradores, mas não foi pensada enquanto uma

das entidades relacionadas à moradia estudantil a serem representadas no conselho. Este fato

viabilizou a constituição de uma representação de moradores através de um processo eleitoral

corrido e com aspectos de tradicionais práticas político-partidárias que culmina numa

representação contestada pelos moradores organizados em assembléia.

No que diz respeito à tentativa de descentralização das responsabilidades nas decisões

da residência sobre a figura do diretor, as manifestações contra arbitrariedades da

administração sobre políticas cotidianas da residência mostra que a criação do conselho ainda

não consegue inibir tal atuação. Todavia, a presença desses setores nas reuniões que ocorrem

na residência à portas abertas permite uma integração mínima dos moradores com os setores

envolvidos com as demandas de manutenção e melhoria das condições de moradia na

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residência.

Em função do estudo realizado das atas das reuniões do conselho administrativo da

residência estudantil de uma Universidade pública federal, podemos estabelecer vínculos de

união com as propostas anteriormente analisadas de Boaventura de Sousa Santos e outros

autores. Assim, a análise das mesmas nos valerá para tentar estudar estas propostas em as

interações que se deduzem das atas.

Em primeiro lugar é importante saber como está conformado o grupo. E na segunda

reunião do mesmo, a posterior a sua formação, teve o maior número de participantes e é onde

pode ser visto com mais nitidez como este está conformado. Teve a seguinte representação: -

Professor dá Pró-Reitora de Graduação, - Professor presidente, - Diretora da Residência

Estudantil, - Representante da PR-3, - Assistente Social representante da Divisão de

Assistência ao Estudante (DAE-PR1), - Representante do Conselho de Ensino de Graduação

(CEG), - Representante efetiva dois moradores da Residência não Conselho, - Discente

representante efetivo dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante

suplente dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante suplente dois

moradores da Residência não Conselho, - Discente representante designado cabelo Diretório

Central duas Estudantes, - Representante da Prefeitura Universitária. Pelos componentes do

grupo podemos ver que há uma boa quantidade de pessoas com cargos administrativos e que

não estão habitualmente na residência de estudantes. São mais e ocupam locais de maior

poder que os que têm os estudantes. Por outro lado, as reuniões levam-se a cabo com a

participação da representação de estudantes, ficando em verdadeiro modo fechadas à

participação de qualquer residente que não passe pelos filtros da representação. Assim, a

participação direta própria de alguns sistemas assembleários e da democracia direta não se vê

refletida.

Em segundo lugar, parece que a forma de participar nas assembleias da residência não

é independente dos cargos ocupados. Em a análise das atas parece claro que as pessoas que

ocupam lugares de maior responsabilidade levam a iniciativa e sua participação poderia ser

definida de ativa (tomam a palavra, abrem sessões, cedem turnos, etc.), enquanto os

estudantes pelo geral ocupam um papel mais secundário e passivo. Portanto, os requisitos de

participação paritária por indivíduos afetados dos que, por exemplo, fala Nancy Fraser (2008)

poderiam não se ver satisfeitos:

− Tomando a palavra o Magnífico Reitor deu as boas vindas aos membros (1º Registro)

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− A partir dessas considerações, foi dada a palavra a todos os membros, para que

fizessem suas 66 apresentações e considerações (1º Registro)

Em terceiro lugar, a frequência nas atas das figuras que ocupam lugares com poder é

maior que as das não “importantes”. Em um resumo realizado das atas, em o que se

recolheram a maior parte das ocasiões às quais se fazia referência às pessoas participantes, se

contabilizaram 48 aparecimentos de pessoas com cargos de direção, enquanto teve 43 sem

cargos. Além disso, é necessário ter em conta que a maioria das pessoas afetadas sobre o

debate são estudantes, pelo que talvez fosse desejável uma representação conforme isto.

Em quarto lugar, adiante das figuras importantes sempre costuma ir um título

acompanhando o nome, tal como “Magnífico Reitor”, “Professor”, etc. O alunado é nomeado

por seus nomes de pilha ou de forma genérica (aluno, morador, etc.):

− O Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro... presidiu a

cerimônia de instalação (1º Registro)

− O prof. A ainda ressaltou a iniciativa da representação (1º Registro)

− Profa. C, Coordenadora do Sistema de Alimentação (2º Registro)

− A representação estudantil manifestou-se favoravelmente (1º Registro)

− O Prof. A solicitou a (aluno), de imediato, um documento (8º Registro)

− (Aluna) leu um extenso documento, assinado pela Assembléia dos Moradores da

Residência Estudantil (5º Registro)

Em quinto lugar, as figuras com mais poder são nomeadas individualmente enquanto

as que têm menos, como coletivo:

− O Prof. A reuniu-se com o Diretor G... (6º Registro)

− Alguns alunos também se mostraram ansiosos e temerosos (2º Registro)

− Prof. A solicitou ao Prof. I,... levar a questão... Os alunos informaram que isto não

resolve o problema porque... (10º Registro)

Conclusões

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A proposta de dimensionar limites e possibilidades da atuação deste conselho para

uma ecologia de saberes, não nos permite perder de vista as condições impostas por órgãos

fiscalizadores de uma instituição pública. Desta forma, seria possível pensar a autogestão da

residência como alternativa de gestão democrática sem considerar os pressupostos jurídicos

implicados na gestão governamental do erário público? Boaventura nos aponta a clivagem

entre o Estado inimigo ou aliado potencial como algo a ser superado, a aprendemos que “a

desregulação é uma regulação social como qualquer outra, e, portanto, um campo político

onde se deve agir para isso” (Santos, 2005a p. 94). Também ainda não é possível dimensionar

o quanto o morador ou um grupo destes está interessado em assumir responsabilidades de

organização e consequente administração do espaço, pois uma das críticas feitas à

organização da assembleia dos moradores é a estimativa de atuação inferior à 10 % do total

de moradores nas reuniões.

Mas como desconsiderar o legado de organização política dos moradores numa

assembléia que foi se estendendo por anos a fio com inúmeras conquistas para o coletivo? As

reflexões dos moradores sobre o espaço em que vivem está expressa em diversos trabalhos de

conclusão de curso. Além disso, a mobilização dos moradores para iniciativas para além da

gestão oficializada que denotam apropriação do espaço e capacidade de gestão coletiva está

expressa em espaços que são absolutamente autogestionados, tal como o acesso à internet nas

dependências dos prédios, organizado exclusivamente em esquemas de voluntariado.

Entendemos que o potencial das contribuições de diferentes segmentos da

Universidade envolvidos na manutenção e melhoria das condições de moradia universitária

são interessantes do ponto de vista da pluralidade, mas que não garantem uma “democracia

enquanto uma obra de arte político-cotidiana que exige atuar no saber de que ninguém é dono

da verdade e que o outro é tão legítimo quanto qualquer um” (Maturana, 1999 p. 95). Os

saberes tecidos no viver cotidiano da residência estudantil não podem estar expressos num

conselho cujo os representantes em sua maioria não vivenciam o espaço, portanto, um

movimento interessante para a valorização deste saber seria a agregamento dos sujeitos do

conselho à Assembleia dos moradores da residência estudantil. Do contrário, a presença de

moradores no conselho poderia ser entendida apenas como um instrumento para referendar as

decisões intransigentes de quem entende saber o que é melhor para um outro subestimado na

sua capacidade de discutir soluções para questões inerentes à sua própria condição de

morador.

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BIBLIOGRAFIA

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