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Relações Comerciais entre a
Grande Distribuição Agro-Alimentar
e os seus Fornecedores
Autoridade da Concorrência Gabinete de Estudos Económicos e de Acompanhamento de
Mercados
Relatório Preliminar
Dezembro de 2009
Relações Comerciais entre a Grande Distribuição Agro-Alimentar e os seus Fornecedores (Preliminar) ________________________________________________________________________________________
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Índice remissivo
Sumário Executivo ................................................................................................ 4
1. Introdução: origem e objecto do Relatório ........................................................ 9
2. Antecedentes ............................................................................................. 12
3. O sector da Distribuição ............................................................................... 37
4. Uma análise dos sectores nacionais do leite UHT, arroz e massas alimentícias ..... 66
5. Relações comerciais entre fornecedores e distribuidores ................................... 88
Anexo 1 – Dados e elementos complementares ...................................................... 95
Anexo 2 – Resenha da literatura económica sobre poder de compra ........................ 100
Glossário ......................................................................................................... 138
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Sumário Executivo
1. À semelhança do ocorrido em diversos mercados internacionais (v.g., do sector
energético), os preços internacionais e europeus de alguns produtos-base
(“commodities”) do sector agro-alimentar – em especial dos cereais, bem como
de outros produtos transaccionáveis – caracterizaram-se por um período de
intensa volatilidade no recente biénio 2007-2008, tendo registado um movimento
de forte subida desde o segundo semestre de 2006 para máximos históricos no
inicio do ano de 2008 e regredido desde então.
2. Esta evolução dos preços de alguns produtos-base no sector agro-alimentar
condicionou, mesmo que só parcialmente, a evolução dos preços na produção
agro-alimentar (de produtos-base e derivados, tal como o leite) na União Europeia
(UE), tendo esta evolução nos preços na produção vindo a merecer especial
atenção por parte da Comissão Europeia (CE) e de diversos Estados Membros.
3. É importante ter presente que o pano de fundo das questões agrícolas na UE está
relacionado com as perspectivas em torno da reforma da PAC (Politica Agrícola
Comum) de 2003. Esta reforma iniciou o processo de liberalização do sector
agrícola, reduzindo o mecanismo de apoio dos preços e criando ajudas directas ao
rendimento, com a abolição definitiva do regime de quotas em 2013 e 2015.
4. A evolução dos preços na produção de diversos produtos agro-alimentares acima
descrita em muito agravou os incentivos às respectivas produções, acentuando os
efeitos da crise económica e do pessimismo gerado por esta nova reforma da PAC.
O impacto que esta situação tem tido no rendimento agrícola levou à promoção de
diversas análises a nível Comunitário, quer pela CE quer por diversos Estados
Membros, de forma a equacionar um conjunto de soluções que se compaginem
com as reformas em curso no âmbito da PAC.
5. Neste sentido a CE produziu, recentemente, uma série de documentos de trabalho
preliminares sobre o funcionamento actual da cadeia de abastecimento alimentar
na UE. Conforme consta destes documentos, é objectivo da CE prosseguir o
acompanhamento deste tema, incluindo o das relações comerciais entre a grande
distribuição alimentar (GDA) e os seus fornecedores ao nível da UE.
6. A Autoridade da Concorrência (AdC) vem acompanhando, no seio da REC (Rede
Europeia da Concorrência ou “European Competition Network”, ECN), os
desenvolvimentos das análises conduzidas pela CE e por outros Estados Membros.
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7. Em paralelo, diversas questões têm sido dirigidas à AdC sobre o alegado
enquadramento deste tipo de problemas no âmbito das relações comerciais entre
os grupos da GDA (grossista e retalhista) e os seus fornecedores que poderão,
nomeadamente, ter condicionado a evolução das margens comerciais dos
fornecedores de diversos produtos agro-alimentares.
8. O presente Relatório Preliminar deverá ser enquadrado neste contexto.
Juntamente com o Relatório Final, com conclusão prevista para Julho de 2010,
procede a uma análise mais aprofundada do que análises anteriores da AdC, quer
ao nível de práticas da GDA (contratuais ou extra-contratuais) junto dos seus
fornecedores, quer ao nível mais especifico de certos produtos, designadamente,
do leite UHT, arroz e massas alimentícias.
9. O enfoque do Relatório Preliminar nestes três produtos justifica-se pelo facto de
serem objecto de intervenção ao abrigo da PAC (existência de preços de
intervenção no leite, no arroz e no trigo duro, sendo este utilizado para o fabrico
de massas alimentícias), de serem objecto de preocupações nacionais e
Comunitárias, nomeadamente no caso do leite. Acresce que as suas cadeias de
valor ao nível nacional apresentam características suficientemente diferenciadas,
no que respeita à produção e transformação, para constituírem pontos de
referência aquando da análise detalhada do impacto do comportamento dos GGR
sobre a evolução do sector agro-alimentar, a ser apresentada no Relatório Final.
10. Este Relatório Preliminar apresenta também as linhas gerais da evolução da GDA,
em especial dos grandes grupos retalhistas (GGR) – principais operadores neste
sector –, quer ao nível do seu posicionamento no comércio a retalho, quer ao
nível da sua representatividade na procura em diversos mercados nacionais de
aprovisionamento. Consta, de igual forma, deste Relatório Preliminar, uma
descrição detalhada da literatura económica relativa aos principais conceitos
subjacentes ao tema em análise, tais como “dependência económica”, “poder de
compra” (“buyer power”), impacto do poder de compra dos GGR sobre o bem-
estar dos consumidores (efeito de “pass-through”) e efeitos colaterais deste poder
de compra sobre os fornecedores e sobre o comércio tradicional (efeito de
“waterbed”).
11. Para além de uma análise mais aprofundada dos três sectores acima indicados, o
Relatório Final de Julho de 2010 incluirá diversos outros produtos, entre os quais
outros lácteos (iogurtes, queijos e manteigas), cafés e sucedâneos, conservas e
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enlatados, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais de pequeno-almoço,
bolachas, produtos de gordura vegetal (margarinas, óleos e azeites), pescado
fresco e bacalhau, frutas e legumes, aves (frango e peru) e carne fresca, ovos,
bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.
12. Igualmente, o Relatório Final de Julho de 2010 analisará em detalhe o fenómeno
dos produtos de marca da distribuição (também designados de ‘marca própria’ ou
‘marca branca’) e do seu impacto sobre a concorrência e bem-estar dos
consumidores. Outros temas delegados para esta análise mais aprofundada são:
(i) o eventual enquadramento de algumas cláusulas constantes dos contratos
entre a GDA e os seus fornecedores no âmbito jusconcorrencial; (ii) a apreciação
jusconcorrencial das práticas da GDA elencadas pelos fornecedores como lesivas
dos seus interesses; e (iii) o impacto que a expansão dos GGR poderá ter tido, a
montante e a jusante, através de uma análise quantitativa enquadrada pelos
conceitos acima referidos.
13. No entanto, algumas conclusões podem, desde já, ser retiradas da presente
análise preliminar. Embora o Relatório tenha como enfoque toda a GDA, os
problemas potenciais em torno das relações comerciais entre esta e os seus
fornecedores respeitam, sobretudo, os GGR. De facto, atenta a expansão destes
grupos na compra nos mercados de aprovisionamento em detrimento dos demais
grupos, nomeadamente dos grossistas e de cadeias retalhistas de dimensão
regional, será pouco expectável que estes outros grupos possam beneficiar de um
poder de compra comparável ao dos GGR, a menos que integrem agrupamentos
de compra e/ou de negociação com estes GGR.
14. Em particular, a representatividade dos GGR no valor total da procura no mercado
de aprovisionamento de produtos alimentares evoluiu de 57,1% em 2002 para
72,4% em 2008. No valor global do comércio a retalho, os GGR cresceram de
77,4% em 2002 para 83,5% em 2008, tendo esta evolução resultado num reforço
do grau de concentração destes Grupos nos mercados de aprovisionamento e de
venda a retalho. A forte concentração do GGR no aprovisionamento reflecte-se, de
igual forma, na importância cumulativa dos dois principais GGR na procura neste
mercado, a qual evolui de 36,6% em 2002 para 45,6% em 2008.
15. Porém, não obstante esta forte concentração, é importante salientar que estes
grupos não se comportam como uma única entidade, mas como 9 grupos
distintos, quer no aprovisionamento, quer no retalho, revelando grande dinâmica
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ao nível das suas estratégias de concorrência entre eles (tal como aliás referido
na análise supra citada da CE).
16. De igual forma se constata que, nos casos do leite UHT, arroz e massas
alimentícias, os GGR representam entre 60% e 80% da procura destes produtos
no mercado de aprovisionamento sem que, todavia, estas percentagens per se
signifiquem que estes grupos disponham, nestes sectores, de um suficiente poder
de compra que possa contrapor o poder de mercado dos respectivos fornecedores.
17. O impacto dos GGR ao nível destes três sectores varia consoante o sector
considerado. Enquanto que existe uma produção agrícola nacional nos casos do
leite e do arroz, envolvendo um número muito significativo de produtores – sendo
Portugal auto-suficiente em leite cru e em cerca de 60% em arroz (auto-suficiente
em arroz carolino, mas quase total dependência externa em arroz agulha) –, as
massas são um produto industrial transformado, sendo a sua principal matéria-
prima (o trigo duro), essencialmente, de origem externa.
18. No que respeita aos mercados de aprovisionamento destes produtos, constata-se
existir um fraco recurso à importação de massas alimentícias e de leite UHT,
tendo estas sido de cerca de 5% e de 10%, respectivamente, no valor total dos
consumos em 2008.
19. Por seu turno, os mercados nacionais de aprovisionamento do leite UHT e das
massas alimentícias são significativamente mais concentrados do que no caso do
arroz (sendo que nos dois primeiros casos um fornecedor representa mais de 70%
dos respectivos mercados).
20. Assim, enquanto que a importância dos GGR no aprovisionamento de leite UHT e
de arroz poderá ter efeitos na respectiva actividade agrícola nacional, ao nível das
massas alimentícias estes efeitos cingir-se-ão à indústria de moagem e fabrico
deste produto.
21. De salientar que a presente análise, que será concluída em Julho de 2010, tem
como objecto as relações comerciais entre a grande distribuição agro-alimentar e
os seus fornecedores, e em que medida estas relações podem ser enquadráveis
na lei nacional da concorrência (Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho) e/ou no âmbito
de práticas comerciais restritivas (Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio).
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22. Não sendo atribuição da AdC constituir-se como um observatório de preços no
sector agro-alimentar, tarefa que, aliás, se revelaria de muito difícil execução
dada a complexidade de que a mesma se revestiria face à longa lista de produtos,
e/ou tipos de um mesmo produto, que teriam de ser considerados, bem como à
dispersão de fontes de informação e à ausência de vários dados estatísticos, a
análise da evolução de custos, preços e margens comerciais ao longo da cadeia
alimentar para cada produto objecto do presente relatório, será conduzida na
medida em que possa informar a análise das relações comerciais entre a GDA e os
seus fornecedores e a sua evolução no passado recente.
23. Saliente-se que a CE tem-se defrontado com estas mesmas dificuldades tendo,
por este motivo, sublinhado o interesse em construir ferramentas, a nível
europeu, de monitorização dos preços de pelo menos alguns produtos
alimentares, como será referido adiante.
24. Aliás, a relativa dificuldade em obter dados estatísticos de grande abrangência (ao
nível dos diferentes mercados e produtos considerados) e actualizados aponta
para a necessidade de um significativo investimento na expansão da capacidade
de recolha e de tratamento deste tipo de informação a nível nacional.
25. Por último, saliente-se que numa análise jusconcorrencial das práticas (sejam elas
contratuais ou extra-contratuais) da GDA junto dos seus fornecedores, há que
distinguir as que possam, eventualmente, ser: (i) enquadráveis na Secção II –
Práticas Proibidas – da lei nacional da concorrência (ex vi nos seus artigos 4.º, 6.º
e 7.º); (ii) enquadráveis no disposto no supra referido Decreto-Lei n.º 370/93; e
(iii) as que embora espelhando um desequilíbrio de forças negociais entre as duas
partes, não constituem um ilícito jusconcorrencial (ou uma proibição ao abrigo do
supra citado Decreto-Lei n.º 370/93), antes podendo, eventualmente, ser
mitigadas pela adopção de v.g. contratos-tipo, pela facilitação de entrada no
mercado e por outras medidas de natureza regulamentar, quer em termos de
auto-regulação sectorial, quer em termos legislativos.
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1. Introdução: origem e objecto do Relatório
26. À semelhança do ocorrido em diversos mercados internacionais (v.g., do sector
energético), os preços internacionais e europeus de alguns produtos-base
(“commodities”) do sector agro-alimentar – em especial dos cereais, bem como
de outros produtos transaccionáveis – caracterizaram-se por um período de
intensa volatilidade no recente biénio 2007-2008, tendo registado um movimento
de forte subida desde o segundo semestre de 2006 para máximos históricos no
inicio do ano de 2008 e regredido desde então
27. Em particular, os preços dos futuros a um mês dos principais lotes de trigo no
mercado de Chicago (Chicago Board of Trade) – i.e., no mercado de referência
para os cereais nos Estados Unidos (EUA) – atingiram máximos históricos no
primeiro trimestre de 2008. Na UE, os preços médios na produção de diversos
produtos-base (tal como os cereais) e derivados (tal como o leite) atingiram em
vários Estados Membros, incluindo Portugal, máximos históricos no final do ano de
2007 ou no início do ano de 2008, tendo regredido desde essa data.
28. Sem prejuízo desta evolução dos preços na produção poder ser atribuída, segundo
análises recentes da CE e do Banco Mundial, a alterações do próprio
funcionamento dos mercados, a forte queda dos preços na produção no sector
agro-alimentar europeu, observada no decorrer do ano de 2008, em muito
agravou os incentivos às respectivas produção, acentuando os efeitos da crise
económica e do pessimismo gerado por esta nova reforma da PAC. O impacto que
esta situação tem no rendimento agrícola levou à promoção de diversas análises a
nível Comunitário, de forma a equacionar um conjunto de soluções que
condicionem semelhantes evoluções futuras e que se compaginem com o conjunto
de reformas em curso no âmbito da PAC.
29. A importância de que se reveste a designada “grande distribuição alimentar”
(GDA), nomeadamente ao nível dos GGR, na revenda de produtos agro-
alimentares ao consumidor final e a relação tida entre estes grupos e os mercados
de aprovisionamento, ressuscitou, uma vez mais, a tradicional polémica das
relações desequilibradas entre estes grupos e as empresas de aprovisionamento.
30. Neste sentido, o presente Relatório, ainda numa versão preliminar, surge na
sequência de diversas questões dirigidas à AdC sobre problemas que,
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supostamente, se colocam nas relações comerciais entre a GDA (retalhista e
grossista), nomeadamente ao nível dos GGR, e os seus fornecedores.
31. Igualmente, e em paralelo, várias têm sido as notícias veiculadas pela imprensa
dando conta de algumas situações consideradas ”abusivas” por parte da GDA ou
por parte dos GGR e das eventuais repercussões negativas das mesmas na “saúde
económica” das empresas industriais fornecedoras, assim como, em relação a
alguns bens, nos produtores agrícolas nacionais.
32. Em causa estará um certo desequilíbrio nas relações comerciais entre
fornecedores e distribuidores resultante do poder de compra (ou de mercado)
detido pela distribuição, decorrente, nomeadamente, do movimento de
concentrações ao nível do mercado do aprovisionamento e da especificidade
subjacente àquelas relações comerciais, nomeadamente, da maior dependência
dos fornecedores em relação à GDA, face à necessidade de fazerem chegar os
seus produtos aos consumidores, do que dos distribuidores em relação aos
fornecedores, dada a natureza multi-produtos da actividade dos primeiros, tendo
estes cada produto mais do que uma opção de fornecedor.
33. Para o citado desequilíbrio negocial tem também sido apontado como responsável
o crescente peso das marcas dos distribuidores (MDD), com o consequente
reforço do seu poder negocial daí decorrente.
34. A actual crise económica e a concorrência ao nível da GDA tem suscitado uma
adaptação permanente das suas estratégias comerciais, algumas delas com
repercussões directas nas relações comerciais com os seus fornecedores.
35. Têm sido apontadas, como alegadamente lesivas da concorrência, várias práticas
que ocorrem com frequência no sector da cadeia de abastecimento alimentar
(v.g., agrupamentos de compra, crescente uso de MDD e pagamentos para
referenciação de produtos).
36. Numa perspectiva de política de concorrência, questões como a estrutura
concorrencial dos mercados e as barreiras regulamentares à entrada terão de ser
analisadas ab initio para, posteriormente, ser avaliado em que medida as práticas
identificadas estão correlacionadas com aquelas questões.
37. Após uma descrição de diversos antecedentes à problemática das relações
comerciais entre a grande distribuição agro-alimentar e os seus fornecedores
(capítulo 2), analisaremos o enquadramento regulamentar da GDA e dos GGR em
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Portugal, bem como o seu posicionamento nos mercados de venda e de
aprovisionamento (capítulo 3). Embora a questão da alegada dependência
económica dos fornecedores face aos grupos da GDA seja remetida para o
Relatório Final de Julho de 2010, a qual incluirá uma análise específica a vários
produtos agro-alimentares1, o presente Relatório Preliminar identifica alguns
aspectos potencialmente relevantes para este tipo de análise ao nível do leite
UHT, do arroz e das massas alimentícias (capítulo 4).
38. Neste âmbito, constata-se que, nos casos do leite UHT, arroz e massas
alimentícias, os GGR representam entre 60% e 80% da procura destes produtos
no mercado de aprovisionamento sem que, todavia, estas percentagens per se
signifiquem que estes grupos disponham, nestes sectores, de um suficiente poder
de compra que possa contrapor o poder de mercado dos respectivos fornecedores.
39. Também as principais cláusulas constantes dos contratos celebrados entre a
grande distribuição e os seus fornecedores susceptíveis de criar desequilíbrios
nesta negociação são identificadas neste Relatório Preliminar (capítulo 5).
40. Finalmente, este Relatório apresenta ainda em anexo uma resenha da literatura
económica sobre as principais questões de índole económica relacionadas com os
temas aqui em análise, a saber os conceitos de poder de compra da GDA, “pass-
through” (repercussão ao nível do bem-estar do consumidor) e “waterbed effect”
(efeitos colaterais do poder de compra da GDA). A perspectiva da literatura
económica sobre estes conceitos (Anexo 2) permitirá o devido enquadramento
dos temas aqui em análise para uma análise mais aprofundada no âmbito do
Relatório Final de Julho de 2010.
1 A amostra completa de produtos em análise – para o Relatório de Julho de 2010 – inclui produtos lácteos
(leite UHT, iogurtes, queijos e manteigas), cafés e sucedâneos, conservas e enlatados, arroz, massas alimentícias, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (óleos, azeites e margarinas), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, ovos, aves e carne fresca, bem como as bebidas não alcoólicas de alta rotação.
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2. Antecedentes
2.1. Caracterização dos grandes grupos retalhistas
41. O presente Relatório tem como enfoque a análise das relações comerciais entre a
GDA e os seus fornecedores. Neste sentido, são de salientar as seguintes três
ressalvas.
42. Primeiro, a aqui denominada GDA inclui grossistas e retalhistas, nomeadamente
os de grande dimensão, que operam enquanto redes (ou cadeias) de unidades de
distribuição. Sem prejuízo do facto de se analisarem as relações comerciais entre
a GDA e os seus fornecedores, o presente estudo tem como principal enfoque os
GGR atento o seu forte crescimento desde a década de 1980, em detrimento do
comércio tradicional e do canal grossista (vide Capítulo 3 infra).
43. Para efeitos do presente estudo, consideram-se GGR, as cadeias de
supermercados (supers) e de hipermercados (hipers) de âmbito nacional, em
oposição aos demais grupos retalhistas de âmbito regional (v.g., as cadeias
Alisuper no distrito de Faro e A. C. Santos nos distritos de Lisboa e de Leiria).
44. Actualmente, existem nove GGR em Portugal: os grupos Aldi, Auchan (insígnias
Pão de Açúcar e Jumbo), Carrefour (rede de lojas Dia%/Minipreço)2, E. Leclerc, El
Corte Inglés (lojas El Corte Inglés e Supercor), ITMI ou “Os Mosqueteiros”
(insígnias Intermarché e Ecomarché), Jerónimo Martins (doravante “JM” ou
“Grupo JM”, detentor das insígnias retalhistas Pingo Doce3 e Feira Nova e da
insígnia grossista Recheio), Modelo Continente (doravante “MC” ou “Grupo MC”,
do Grupo Sonae Distribuição e detentor das insígnias Modelo, Continente e das
lojas M24 localizadas em alguns postos Galp) e Lidl.
45. Segundo, a aqui denominada GDA inclui todos os bens de consumo corrente
escoados pelos supers, que integram não apenas o ramo alimentar – produtos de
“mercearia”, “frescos (pescado, carne, bem como frutas e legumes)”, “lácteos”,
2 A anterior rede de hipers do Grupo Carrefour foi adquirida pelo Grupo MC após decisão da AdC de não
oposição sob condições, de 27.12.2007 (cf. http://www.concorrencia.pt/Conteudo.asp?ID=1232, vide, de igual modo, subsecção 2.3.3 infra).
3 A cadeia de supermercados Plus (Grupo Tengelmann) foi adquirida pela cadeia Pingo Doce do Grupo JM
após decisão da AdC de não oposição sob condições, datada de 29.04.2008 (cf. http://www.concorrencia .pt/Conteudo.asp?ID=1232, vide, de igual modo, subsecção 2.3.3 infra).
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bem como as “bebidas” alcoólicas e não alcoólicas – mas, de igual modo, os
produtos de “higiene pessoal” e de “drogaria e bazar”.4
46. Terceiro, embora o presente Relatório se cinja aos supra referidos produtos da
“distribuição alimentar”, parte da GDA opera, de igual modo, em segmentos de
um comércio mais especializado (v.g., vestuário, material informático e
electrodomésticos), tal como é o caso, por exemplo, dos Grupos Auchan (Box), El
Corte Inglés e MC (Worten e Sport Zone). Para além destes segmentos, são,
ainda, de salientar os da reparação automóvel (Stationmarché do Grupo ITMI) e o
da venda de combustíveis líquidos rodoviários (gasóleos e gasolinas) em postos
de abastecimento ao público (casos dos Grupos Auchan, E. Leclerc, ITMI e JM).
47. Para além de uma análise genérica da evolução da GDA, e em especial dos GGR,
quer ao nível do seu posicionamento no comércio a retalho, quer ao nível da sua
representatividade na procura nos diversos mercados nacionais de
aprovisionamento, este Relatório tem como enfoque a análise das relações
comerciais entre a GDA e os seus fornecedores nos seguintes produtos: lácteos
(leite UHT, iogurtes, manteiga e queijos), cafés e sucedâneos, conservas e
enlatados, arroz, massas alimentícias, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais
de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (margarinas, óleos e
azeites), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, aves (frango e peru) e
carne fresca, ovos, bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.
48. O Presente Relatório Preliminar focará em três destes produtos: leite UHT, arroz e
massas alimentícias.
49. Este capítulo apresenta uma breve resenha da evolução da relação entre a
produção / aprovisionamento e a grande distribuição (secção 2.2), as acções
desenvolvidas no âmbito destas relações ao nível nacional, pela AdC (secção 2.3)
e de auto-regulamentação do sector (secção 2.4), bem como ao nível Comunitário
(secção 2.5) e internacional (secção 2.6).
4 Estes produtos compõem a categoria dos “groceries”, tal como denominada pelos Relatórios recentes
sobre o sector da Autoridade da Concorrência Irlandesa, de Abril de 2008 e da Comopetition Commission do Reino Unido, também de Abril de 2008 (vide secção 2.6 infra).
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2.2. Breve descrição da evolução das relações entre
produção e distribuição
50. À semelhança de outros países da UE, o sector da distribuição alimentar em
Portugal sofreu significativas mutações nas últimas décadas.
51. Como marcos de referência na evolução deste sector podemos dizer que o forte
desenvolvimento dos GGR iniciou-se em Portugal na década de 1980, tendo o
primeiro hipermercado sido aberto em 1985, em Matosinhos, pelo Grupo MC.
Recorde-se que o primeiro hipermercado na Europa foi aberto pelo Grupo
Carrefour, em França, em 1963. Em Portugal, o segmento do “hard discount”5
começou a desenvolver-se nos anos 90 com a entrada da cadeia Lidl6.
52. As mutações em causa assentaram, fundamentalmente, na expansão de novas
formas e métodos de venda, originando novos formatos comerciais, novas
estratégias que tiveram, como provável consequência, uma progressiva alteração
das preferências (ou, mais rigorosamente, da escolha) do consumidor final em
favor dos GGR, o que terá reforçado o grau de concentração dos mesmos ao nível
do retalho e do aprovisionamento. Por seu turno, este movimento de
concentração poderá, em parte, ter contribuído para o reforço do grau de
concentração da oferta, quer nos mercados de aprovisionamento, quer ao nível da
produção (vide capítulo 4 infra).
53. Esta “revolução” comercial foi, sobretudo, induzida pela evolução dos hábitos dos
consumidores, em resultado de factores demográficos, horários de trabalho,
condições de transporte, poder de compra, etc., os quais tornaram o consumidor
cada vez mais exigente, multifacetado e complexo, comportando-se de maneira
diferente na escolha do tipo de loja, consoante o produto a adquirir, a ocasião de
compra e o tipo de compra. Por outro lado, a multiplicação, diversificação e
massificação dos produtos, gerando um aumento significativo de concorrência,
tem originado diversificação dos métodos de venda e do tipo de oferta
(estabelecimentos e produtos) em função de segmentos específicos de mercado.
5 Entende-se por hard discount a distribuição no retalho caracterizada pela venda de produtos a muito baixo
preço, em que muitos desses produtos são MDD (também denominadas por “marcas brancas”), i.e., produtos fabricados ou fornecidos por uma empresa, e vendidos sob a insígnia de outra empresa.
6 J. Rodrigues (2006). “Buyer power and pass-through of large retailing groups in the Portuguese food
sector”, Documento de Trabalho (WP) n.º 14 da AdC, Setembro de 2006 (disponível em: http:// www.concorrencia.pt/Publicacoes/Autoridade.asp, secção “Working Papers”).
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54. Igualmente, a evolução da utilização de novas tecnologias na venda a retalho
propiciou importantes economias na gestão de stocks, bem como o acesso a
dados importantes sobre o tipo de despesas dos consumidores, possibilitando aos
operadores, quase em tempo real, adaptarem as suas estratégias comerciais.
55. O fenómeno tem-se centrado, sobretudo, na área da GDA, onde operam unidades
comerciais oferecendo multiprodutos num sistema de livre-serviço, se bem que se
venha igualmente estendendo à área da distribuição não alimentar, com a
crescente instalação de grandes unidades de retalho especializado (vide supra).
56. A actividade comercial deixou de ser entendida numa óptica de simples actividade
de escoamento dos produtos do fornecedor, para se passar a reconhecer o serviço
que a mesma acrescenta aos produtos (i.e., o seu valor acrescentado)
contribuindo, de maneira decisiva, para a sua valorização junto dos consumidores.
57. Neste sentido, nas relações que se estabelecem entre fornecedores e
distribuidores, estes deixam de ser entendidos como meros agentes do produtor –
permitindo uma total transparência da fileira produtor/consumidor –, passando a
sobressair o valor do seu contacto com o consumidor e a importância das
variáveis de marketing sob seu controlo – preços, promoções, exposição e gama
de produtos - cuja manipulação, segundo os seus próprios objectivos e dos
consumidores, passa a constituir uma “cortina opaca” entre fornecedores e
distribuidores.
58. Assiste-se a uma transferência para as cadeias da GDA, em especial para os GGR,
de funções comerciais que anteriormente eram assumidas exclusivamente pelos
fornecedores/produtores, em que aquelas passam a deter um elevado poder de
mercado na cadeia de valor dos produtos face ao poder destes últimos.
59. Assim, os fornecedores/produtores passam a depender, cada vez mais, da GDA
para fazerem chegar os seus produtos aos consumidores a nível geográfico
(nacional, regional ou local).
60. A gestão dos espaços disponíveis para exposição dos produtos nem sempre é
compatível com a comercialização de novos produtos ou referências, podendo
gerar conflitos de interesses entre fornecedores/produtores e a GDA.
61. Por outro lado, a evolução da capacidade e sofisticação da GDA em matéria de
marketing traduz-se no desenvolvimento da utilização das marcas do distribuidor,
passando este a concorrer directamente com os seus fornecedores.
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62. Todos estes desenvolvimentos têm contribuído para uma certa deterioração no
relacionamento entre fornecedores e distribuidores no sector agro-alimentar, que
merece ser analisada e, se necessário, corrigida.
2.3. Acções desenvolvidas pela AdC no âmbito das
relações entre produção e distribuição
63. A AdC, tal como disposto nos seus Estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.º
10/2003, de 18 de Janeiro), tem por missão assegurar a aplicação das regras da
concorrência em Portugal, no respeito pelo princípio da economia de mercado e da
concorrência não falseada, tendo em vista o funcionamento eficiente dos
mercados e a repartição eficaz dos recursos, na prossecução dos interesses dos
consumidores.
64. Para a realização desta missão, incumbe à AdC, nomeadamente, (i) velar pelo
cumprimento das leis, regulamentos e decisões destinados a promover a defesa
da concorrência; (ii) fomentar a adopção de práticas que promovam a
concorrência e a generalização de uma cultura de concorrência junto dos agentes
económicos e do público em geral; (iii) difundir, em especial junto dos agentes
económicos, as orientações consideradas relevantes para a política de
concorrência; e (iv) contribuir para o aperfeiçoamento do sistema normativo
português em todos os domínios que possam afectar a livre concorrência, por sua
iniciativa ou a pedido do Governo.
65. Para o desempenho das suas atribuições, a AdC dispõe de poderes sancionatórios,
de supervisão e de regulamentação.
66. No exercício dos seus poderes sancionatórios compete, em particular, à AdC:
identificar e investigar as práticas susceptíveis de infringir a legislação de
concorrência nacional e comunitária, proceder à instrução e decidir sobre os
respectivos processos, aplicando, se for caso disso, as sanções previstas na lei.
67. Quanto aos seus poderes de supervisão, compete à AdC, entre outros, proceder à
realização de estudos, inquéritos, inspecções ou auditorias que, em matéria de
concorrência, se revelem necessários.
68. No âmbito dos seus poderes de regulamentação a AdC pode, entre outras
medidas, emitir regulamentações e directivas genéricas.
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69. Acresce que, e ainda de acordo com os seus Estatutos (na alínea b) do n.º 1 do
artigo 5.º do Preâmbulo do supra referido Decreto-Lei n.º 10/2003), a AdC passou
a exercer as competências conferidas à ex-DGCC (Direcção Geral do Comércio e
Concorrência) pelo Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio.
70. Assim, este capítulo detalha as principais acções da AdC e de anteriores Direcções
Gerais nacionais da concorrência no âmbito das suas atribuições, no que diz
respeito a: análises (subsecção 2.3.1); recomendações (subsecção 2.3.2);
controlo de operações de concentração (subsecção 2.3.3); e práticas restritivas
(subsecção 2.3.4).
2.3.1. Análises
71. A ex-Direcção Geral de Concorrência e Preços (DGCP) procedeu, em 1995, a um
primeiro inquérito junto da GDA e respectivos fornecedores, sobre as práticas em
vigor no relacionamento comercial entre aquelas entidades.
72. O levantamento então efectuado surgiu na sequência das primeiras queixas,
nomeadamente, de associações de produtores/fabricantes de bens de consumo
corrente (alimentares e outros), sobre alegados “abusos” das cadeias da GDA em
relação aos mesmos.
73. Das conclusões do citado inquérito, salienta-se o facto de algumas empresas, à
data, dependerem em mais de 30% das suas vendas de uma só cadeia de
distribuição, sendo que em vários grupos de produtos a representatividade das
vendas para os GGR de certas empresas era na ordem dos 50%-60%.7
74. À data, as práticas mais frequentemente denunciadas foram:
Selecção de fornecedores: cobrança de avultadas verbas para constarem da
lista de potencial fornecedor;
Custos de entrada: custos de referenciação de novos produtos (entrada em
linha), variáveis e negociáveis loja a loja dentro da mesma cadeia, sendo
7 No período mais recente 2004-2008, nos casos infra analisados do leite UHT, do arroz e das massas
alimentícias (capítulo 4), constata-se que os fornecedores dependem em cerca de, respectivamente, 15% e 30% do primeiro e dos dois primeiros GGR no aprovisionamento. A representatividade das vendas destes produtos para os GGR varia, todavia e no mesmo período, entre 60% e 80%.
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novamente exigidos em situações de mudança de insígnia da loja (situações
de aquisições de estabelecimentos por outra cadeia);
Preços: exigência ao fornecedor, por parte da cadeia de distribuição, do
diferencial de preço necessário para suportar movimentos de baixa de
preços que permite a esta ser competitiva com cadeias concorrentes;
Imposição ou dilação de prazos de pagamento com a ameaça de retirada
dos produtos de todas as lojas das cadeias;
Imposição de promoções;
Imposição de “rappel incondicional” isto é, sem qualquer contrapartida em
termos de volume de vendas anual;
Marcas do distribuidor (MDD): utilização abusiva de “facings” (também
denominados por “look alike”) semelhantes aos das marcas dos
fornecedores induzindo em erro os consumidores;
75. Após este inquérito foram desenvolvidas várias acções, nomeadamente ao nível
legislativo, procurando dar resposta às questões mais problemáticas por via
regulamentar, na medida em que a aplicação das regras de concorrência não se
afigurava adequada (dada a grande relutância dos fornecedores identificarem e
apresentarem documentação sobre situações concretas, para além do difícil
enquadramento das práticas nas regras de concorrência8).
76. Dificilmente, práticas que ocorrem entre fornecedores e distribuidores no âmbito
das suas relações comerciais, decorrentes, nomeadamente, de um poder de
compra acrescido por força de um certo grau de concentração, serão
enquadráveis nos objectivos da legislação de concorrência, na medida em que as
mesmas não tenham por objecto ou como efeito restringir de forma sensível a
concorrência, condição sine qua non para aplicação da lei da concorrência.
77. Assim, foram criadas disposições regulamentares (“venda com prejuízo” e
“práticas comerciais abusivas”) no âmbito da legislação relativa a práticas
comerciais restritivas (ex vi supra referido Decreto-Lei n.º 370/93), a qual visa
regular aspectos de ética comercial e assegurar a protecção dos concorrentes
8 A título de exemplo, ver questões que se colocaram em França com a decisão do Conselho da
Concorrência Francês no caso CORA, em Vogel, Louis (1994), “Ateliers de la Concurrence: juge civil et juge commercial (DGCCRF/02) – L’articulation entre le droit civil, le droit commercial et le droit de la concurrence”, Revue d’Economie Industrielle, 68(1): 81-98.
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e/ou consumidores, aplicando-se independentemente dos seus efeitos ao nível da
concorrência no mercado.
78. Se o procedimento inerente à implementação do Código de Boas Práticas –
celebrado entre a a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) e a APED
(Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) –9 pode ter contribuído para
um melhor relacionamento comercial entre os diferentes agentes económicos das
áreas da produção/distribuição, não eliminou, todavia, um conjunto de problemas
que continuaram a ser relatados pelas empresas e associações de fornecedores.
79. Assim, posteriormente, em 1998/1999, a ex-DGCC procedeu, a um novo inquérito
junto dos principais fornecedores e dos GGR, no sentido de actualizar a
informação recolhida no Estudo anterior e, também, de avaliar a evolução
verificada no relacionamento comercial entre aqueles agentes económicos.
80. O inquérito foi realizado a 97 fornecedores, cobrindo a maioria dos sectores do
retalho alimentar e misto, cujos produtos são comercializados na GDA.
81. Basicamente, as conclusões deste inquérito apontaram no sentido de que as
práticas anteriormente identificadas como geradores de conflitos nas relações
negociais entre fornecedores e distribuidores continuavam a manter-se, por vezes
com outra designação, mas produzindo o mesmo efeito.
82. A AdC, após a sua criação em 2003, iniciou um procedimento de
acompanhamento das “Relações Fornecedores/Distribuidores no Sector da
Distribuição Alimentar”, no âmbito do qual procedeu a um Estudo relativo a
“Breve Enquadramento do Sector da Distribuição Alimentar em Portugal”
(Fonseca, 2005)10, bem como a uma análise econométrica aprofundada do poder
de compra dos GGR no período 2000-2003 (Rodrigues, 2006, cit.), tendo ambos
sido apresentados no Encontro Ibérico entre as Autoridades de Concorrência
Espanholas e Portuguesas, realizado em Ávila a 15 de Abril de 2005.
83. O citado Enquadramento do Sector, para além de apresentar dados estruturais de
evolução do sector a retalho alimentar e por grosso em Portugal, faz uma breve
descrição dos principais problemas em termos de concorrência que se têm
colocado neste âmbito (em particular a constituição de centrais de
9 Vide secção 2.4 infra. 10 Fonseca, C. (2005), “Breve Enquadramento do Sector da Distribuição Alimentar em Portugal”, Documento
Interno da AdC, Abril de 2005.
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compra/referenciação e marcas do distribuidor), do enquadramento regulamentar
aplicável e da intervenção da AdC face às suas competências e atribuições.
84. A análise econométrica (Rodrigues, 2006) foi realizada com base em dados de
compras e vendas dos 5 principais GGR, recolhidos para o período 2000-2003,
desagregados por produto, marca e fornecedor. Esta análise revelou que a
centralização de compras e a integração vertical de alguns GGR originam preços
mais baixos na aquisição por estes grupos, sendo os ganhos daí decorrentes,
tendencialmente, repercutidos nos consumidores, verificando-se assim, o pass-
through dos resultados do poder de compra dos GGR para os consumidores.11
85. Em paralelo, e segundo esta análise, dados adicionais revelaram também que
esses GGR tendem a aumentar menos os seus preços de venda ao público (PVP)
do que o restante comércio.
86. Dos valores apurados nas citadas análises constatava-se que, em 2005, os GGR
representavam 53,4% do global dos mercados de aprovisionamento e 73,9% do
comércio a retalho. Por sua vez, os cinco maiores GGR detinham uma quota
conjunta de, respectivamente, 46,2% e 62,3% no global dos mercados do
aprovisionamento e do comércio a retalho.
87. No ano de 2008, os GGR representavam, respectivamente, 72,4% e 83,5% do
global dos mercados de aprovisionamento e do comércio a retalho. No mesmo
ano, os quatro maiores GGR detinham uma quota conjunta de, respectivamente,
58,8% e 66,9% do global dos mercados de aprovisionamento e do comércio a
retalho (vide subsecções 3.3 e 3.4.1 infra).
88. Quanto ao peso das MDD nas vendas dos GGR, de acordo com dados publicados
pela Revista Distribuição Hoje, a situação em 2004 era a seguinte. (i) Sonae (MC)
28,5%; (ii) JM 36,8% (Pingo Doce 26,9% e Feira Nova 9,9%); (iii) Carrefour
46,4% (Minipreço 39,6% e Hipers 6,8%); (iv) Auchan 10,4% e (v) Plus 52,4%.12
11 Vide, de igual modo, Anexo 2 de resenha do estado de arte da literatura económica sobre estes conceitos
de poder de compra e de “pass-through”, bem como sobre outros conceitos relacionados. 12 A actualização destes valores para o período mais recente 2005-2008 é remetida para o Relatório Final de
Julho de 2010.
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2.3.2. Recomendações já efectuadas pela AdC
89. Em Outubro de 2003, a AdC formulou ao Senhor Ministro da Economia uma
Recomendação sobre a legislação relativa ao licenciamento de grandes superfícies
comerciais.
90. A Recomendação surgiu num contexto em que o Governo tinha em análise a
reformulação da legislação aplicável à data sobre o licenciamento de grandes
superfícies comerciais, a qual continha critérios quantitativos limitativos de acesso
ao mercado (quotas de mercado máximas a nível nacional e local).
91. Nessa Recomendação a AdC alertou para o facto de, no caso em concreto, ser
indispensável eliminar as barreiras à entrada que pudessem constituir limitações
quantitativas de acesso à actividade, criando condições para o estabelecimento de
relações mais equilibradas nos mercados de aprovisionamento.
92. Foi igualmente referido que o licenciamento deveria ter por objectivo assegurar o
cumprimento de requisitos de ordem ambiental, de ordenamento do território e de
política urbanística.
93. A AdC considerou que deveria ser evitado todo o acréscimo de custos
administrativos desnecessários, limitando-se o sistema de autorização prévia de
instalação às unidades comerciais cuja dimensão fosse susceptível de produzir
efeitos negativos ao nível dos aspectos anteriormente referidos.
94. Por outro lado, os critérios de concessão da autorização prévia de instalação
deveriam ser objectivos, transparentes e facilmente comprováveis, eliminando-se
quaisquer critérios quantitativos, pela grave limitação à liberdade de formação da
oferta que os mesmos constituem, bem como, os critérios qualitativos cuja
aplicação envolva elevado grau de discricionariedade.
95. Este aspecto, no caso em apreço, apresentava extrema relevância, dado estar
prevista a descentralização das decisões de autorização em comissões de âmbito
regional, o que foi considerado poder constituir um factor potencialmente gerador
de assimetrias de decisão.
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2.3.3. Controlo de operações de concentração
96. Várias têm sido as concentrações de empresas do sector da distribuição
notificadas à AdC, salientando-se, pelas repercussões que tiveram no sector, a
concentração relativa à aquisição, em 2007, por parte da Sonae dos
hipermercados Carrefour (cit.), bem como a aquisição, em 2008, por parte do
Pingo Doce (Grupo JM) da cadeia de discount Plus do Grupo Tengelmann (cit.).
97. As duas operações foram aprovadas com obrigações e condições, tendentes a
assegurar o cumprimento dos compromissos apresentados pelas notificantes no
sentido de ser assegurada a manutenção de uma concorrência efectiva nos
mercados relevantes13 onde foram detectados problemas de concorrência.
98. No âmbito das análises efectuadas, a AdC avaliou, de igual modo, os efeitos sobre
os mercados de aprovisionamento, que se encontram a montante da actividade de
distribuição retalhista de base alimentar e onde actuam as empresas que
fornecem os retalhistas de base alimentar, sendo assim considerada uma
actividade relacionada com a de distribuição retalhista de base alimentar.14
99. O mercado do aprovisionamento compreende a venda de bens de consumo
corrente, pelos respectivos fabricantes, à totalidade dos seus clientes – grossistas,
GGR e outros clientes, incluindo outras cadeias retalhistas de âmbito regional15 e
o canal HORECA (Hotéis, Restaurantes e Cafés) –, localizados em território
nacional ou sedeados no exterior.
100. Não existindo um único mercado do aprovisionamento mas, antes, um conjunto
diversificado de mercados, a AdC considerou que se impunha, em face da
diversidade das estruturas de cada mercado e da especificidade própria de cada
produto ou categoria de produtos, uma análise mais desagregada.
13 A definição dos mercados relevantes foi feita com base na prática decisória da CE e da AdC em processos
anteriores; quanto ao “mercado do produto relevante”, a AdC concluiu que deveria ser o mercado de base alimentar, nos formatos hipermercados, supermercados e lojas discount; quanto ao “mercado relevante geográfico”, foi definido em termos locais, variando a delimitação das áreas em função da localização das lojas da Adquirida e do equipamento comercial da zona (isócronas correspondentes a 10 minutos ou 30 minutos de deslocação, consoante os casos).
14 Vide, de igual modo, Comunicação CE relativa à definição do mercado relevante para efeitos de aplicação
da legislação Comunitária da concorrência, Jornal Oficial n.º C 372, de 09.12.1997 e Comunicação CE relativa às linhas de orientação na aplicação do Artigo 81 do Tratado CE (Tratado que instituiu as Comunidades Europeias) sobre os acordos de cooperação horizontal, Jornal Oficial n.º C 3, de 06.01.2001.
15 O pequeno retalho ou “retalho tradicional” (v.g., mercearias e mercados locais) não se abastece, em
geral, directamente nos mercados de aprovisionamento, mas outrossim no canal grossista.
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101. Assim, com base na prática decisória da CE, a actividade do aprovisionamento é
normalmente analisada por referência a grupos de produtos, cuja homogeneidade
é função da finalidade no consumo e do grau de substituibilidade ou
complementaridade entre os produtos.
102. No processo Sonae/Carrefour, a avaliação jusconcorrencial da AdC incidiu sobre
dezasseis mercados relevantes de distribuição de retalho alimentar de âmbito
local, e ainda o mercado nacional da venda retalhista de combustível para
transportes rodoviários.
103. Na avaliação jusconcorrencial do impacto da operação de concentração analisou-
se a estrutura de todos os mercados relevantes identificados, considerando-se,
para esses efeitos, os estabelecimentos de formato “hipermercado”,
“supermercado” e discount de todos os operadores activos nas áreas de influência
consideradas.
104. Foi, ainda, desenvolvida uma análise prospectiva destes mercados, tendo em
conta a evolução previsível das respectivas estruturas de mercado, incluindo as
autorizações já concedidas para a instalação deste tipo de estabelecimentos.
105. A AdC definiu os mercados geográficos relevantes com base na identificação de
áreas de influência, em torno de cada um dos estabelecimentos da insígnia
Carrefour a adquirir, atento, designadamente a que, do ponto de vista da procura,
a substituibilidade entre diferentes localizações está limitada pela disponibilidade
de deslocação dos consumidores.
106. Dos mercados relevantes identificados pela AdC onde a operação de concentração
era susceptível de levar à criação ou reforço de posição dominante da qual
poderiam resultar entraves significativos à concorrência efectiva, os
compromissos assumidos pela notificante permitiram afastar as preocupações
jusconcorrenciais identificadas.
107. No processo Pingo Doce/Plus, a AdC, em linha com a sua prática decisória neste
sector, aceitou a proposta da Notificante quanto à definição dos mercados
relacionados de aprovisionamento.
108. A Notificante definiu 23 grupos de produtos, correspondendo cada um a um
mercado relevante distinto.
109. Quanto ao mercado relevante geográfico, a AdC, embora reconhecendo que
determinados mercados geográficos de aprovisionamento poderão apresentar um
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âmbito geográfico mais lato do que o território nacional, tanto a prática decisória
da AdC16, como a prática decisória da CE tendem a considerar o mercado
geográfico como sendo o mercado nacional.
110. Com base nos elementos recolhidos, a AdC não concluiu que a operação fosse
susceptível de resultar na deterioração das condições comerciais de
aprovisionamento dos restantes distribuidores retalhistas de base alimentar, nem
tão pouco que a operação fosse susceptível de resultar no reforço significativo do
poder negocial do Grupo JM nos mercados de aprovisionamento, pelo que concluiu
que a operação não seria susceptível de resultar em efeitos anti-concorrenciais
relacionados com os mercados de aprovisionamento.
2.3.4. Práticas restritivas
111. Nesta subsecção, serão apresentadas as acções desenvolvidas pela AdC ao abrigo
dos seus poderes sancionatórios, tal como tipificados na lei nacional da
concorrência (Lei n.º 18/2003), nos seus artigos 4.º, 6.º e 7.º, bem como no
supra referido Decreto-Lei n.º 370/93.
2.3.4.1. Artigo 4.º da Lei n.º 18/2003
112. Na sequência de denúncias efectuadas junto da ex-DGCC, sobre os efeitos de um
alegado reforço do poder de compra da UNIARME (União dos Armazenistas de
Mercearia, C.R.L.)17, resultante da adesão à mesma das empresas retalhistas
Pingo Doce, SA e Feira Nova Hipermercados, pertencentes ao Grupo JM, e, em
cumprimento de despacho do Conselho da AdC, foi aberto o processo nº. 12/05.
113. Estava em causa uma situação de duplo desconto (rappel) auferido por aquelas
empresas em resultado do reforço do poder negocial que lhes permitia negociar,
no âmbito dos contratos de fornecimento anuais, um rappel junto dos seus
fornecedores e outro rappel decorrente da adesão à UNIARME (rappel UNIARME).
16 Cf. Decisões AdC relativas às operações de concentração Sonae/Carrefour e Pingo Doce/Plus (cit.). 17 A UNIARME foi constituída em 1985 como uma central de negociação entre cadeias grossistas, tendo tido
como principais fundadores o Grupo Manuel Nunes (grossista) e a cooperativa de grossistas UNIMARK. O Grupo JM integra a UNIARME em 1986 através da sua cadeia Recheio e mais tarde, em 1998, através das suas cadeias retalhistas Pingo Doce e Feira Nova.
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114. A retroactividade do duplo rappel a todo o ano em que se processou a referida
adesão à UNIARME (Novembro de 1998), foi sancionada pela ex-DGCC por prática
negocial abusiva (em infracção ao artigo 4.º-A do supra referido Decreto-Lei n.º
370/93), tendo a decisão sido confirmada, em sede de recurso, pelo Tribunal do
Comércio de Lisboa.
115. Esta prática foi considerada abusiva na medida em que a exigência aos
fornecedores, com efeitos retroactivos, por parte das empresas Pingo Doce e Feira
Nova, de um duplo rappel sobre o mesmo montante anual de aquisições,
constituía uma condição de cooperação comercial exorbitante, por constituir um
benefício para aquelas empresas compradoras não proporcional ao seu volume de
compras (vide, de igual modo, subsecção 2.3.4.4 infra).
116. O processo AdC (n.º 12/05) tinha em vista avaliar se o acordo resultante da
adesão do Pingo Doce e Feira Nova à UNIARME se revelava restritivo da
concorrência, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da lei nacional da concorrência.
117. A avaliação jusconcorrencial efectuada ao referido acordo concluiu que o mesmo
não constituía um entrave ao livre funcionamento do mercado, quer no mercado
da compra, quer nos mercados a jusante de venda a retalho e de venda por
grosso, pelo que o processo foi arquivado.
118. Para a conclusão supra referida contribuíram vários factos, tais como: (i) forte
queda da quota de compra da UNIARME, no período 2002-2005, de cerca de 30%
para cerca de 15%; (ii) forte concorrência afecta à UNIARME no mercado de
compra dado o seu principal concorrente representar, por si só, quase o total de
compras de todos os associados desta central e os seus quatro principais
concorrentes superarem o seu cumulativo de compras, no global do mercado e
em todas as categorias de produtos; (iii) o peso relativamente enfraquecido que
os associados da UNIARME, para além do Grupo JM, representavam (e ainda
representam) nos seus mercados de venda respectivos, quer no que concerne à
evolução das suas vendas, em queda no sector grossista, quer no que concerne
ao peso crescente dos seus concorrentes directos; e (iv) a saída recente da
UNIARME de grande parte dos seus associados grossistas, que representaram, em
2005, cerca de metade do volume total de compras da nova UNIARME e um
volume de vendas por grosso superior ao desta central.
119. Em Janeiro de 2001, as empresas Modelo Continente, SGPS, S.A. (MC) e GCT –
Gestão Comercial Total, S.A. (GCT), notificaram à ex–DGCC a celebração de um
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Acordo Global de Parceria Estratégica, no âmbito do qual estavam previstos três
negócios jurídicos (duas concentrações e um acordo de franquia que integrava um
contrato de cooperação comercial).
120. Estas operações, para além do acordo de franquia, foram analisadas e permitidas
pela ex-DGCC enquanto operações de concentração. Foi, de igual forma, decidido
pela ex-DGCC que o contrato de franquia deveria ser analisado, enquanto acordo,
nos termos do disposto no artigo 2.º do então Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de
Outubro (hoje artigo 4.º da lei nacional da concorrência).
121. Com a criação da AdC, o citado processo foi remetido a esta Autoridade, o qual
veio a ser analisado no âmbito da actual lei nacional da concorrência, nos termos
do disposto no seu artigo 4.º.
122. Compulsados os elementos entretanto solicitados às empresas envolvidas, foi
constatado que os acordos de franquia e de cooperação comercial tinham sido
revogados em 2003 por vontade expressa das partes, tendo sido substituídos por
um Contrato Quadro de Franquia.
123. Quanto ao contrato de cooperação comercial, revogado em 2003, foi possível
apurar que nunca as empresas efectuaram quaisquer aquisições em conjunto pelo
que não foi verificado que o acordo tivesse produzido quaisquer efeitos danosos,
designadamente, em termos jusconcorrenciais.
124. No que se refere ao Contrato Quadro de Franquia foi feita uma análise
jusconcorrencial do mesmo à luz do artigo 4.º da citada lei, tendo sido apurado
que no seu texto não se verificava a existência de qualquer cláusula restritiva da
concorrência, sendo o processo arquivado por falta de objecto processual.
2.3.4.2. Artigo 6.º da Lei n.º 18/2003
125. Segundo o disposto neste artigo, “[é] proibida a exploração abusiva por uma ou
mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte
substancial deste, tendo por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir
a concorrência”.
126. Até à data, não foram abertas investigações no âmbito das relações comerciais
entre a distribuição alimentar e os seus fornecedores ao abrigo deste artigo, quer
pela AdC, quer pela ex-DGCC.
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2.3.4.3. Artigo 7.º da Lei n.º 18/2003
127. O número 1.º do artigo 7.º da Lei da Concorrência proíbe, na medida que seja
susceptível de afectar o funcionamento do mercado ou a estrutura da
concorrência, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de
dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer
empresa fornecedora ou cliente, por não dispor de alternativa equivalente.
128. Pode ser considerada ‘exploração abusiva’ do estado de dependência económica a
adopção de qualquer dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 4.º da
mesma lei – ‘práticas proibidas’ –, ou a ruptura injustificada, total ou parcial, de
uma relação comercial estabelecida, tendo em consideração as relações
comerciais anteriores, os usos reconhecidos no ramo da actividade económica e
as condições contratuais estabelecidas.
129. Para efeitos da aplicação do n.º 1, entende-se que uma empresa não dispõe de
alternativa equivalente, quando: (a) O fornecimento do bem ou serviço em causa,
nomeadamente o de distribuição, for assegurado por um número restrito de
empresas; e (b) A empresa não puder obter idênticas condições por parte de
outros parceiros comerciais num prazo razoável.
130. Por outro lado, e de forma simplificada, pode afirmar-se que um fornecedor é
economicamente dependente de um comprador se não é viável para o fornecedor
perder o comprador como cliente, podendo este permitir-se a perder esse
fornecedor. Para que exista dependência económica, esta terá de ser sempre
unilateral, no sentido em que não afecta o comprador.
131. A adopção do conceito de ‘dependência económica’ suscita a questão de
determinar qual o “benchmark” que identifica a sua existência e o seu grau. No
caso Rewe/Meinl a CE, tendo em conta os relatórios dos produtores
(fornecedores), estabeleceu que, em média, um comprador que contribua para
22% ou mais do volume de negócios do fornecedor só pode ser substituído a um
custo financeiro muito elevado.
132. Contudo, tem de se ter em conta a importância do bem para o próprio retalhista.
Tratando-se de um produto “âncora”, relativamente ao qual os consumidores têm
um certo grau de lealdade, é necessário ter em conta o custo que o retalhista
incorre ao não fornecer esses produtos. Os fornecedores de um produto com estas
características estarão obviamente menos dependentes. Mesmo assim, os
retalhistas, ao oferecerem uma série de comodidades aos seus consumidores
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como one-stop-shopping, uma grande variedade de produtos e outras, podem
muitas vezes reduzir a importância da disponibilização desses produtos nas
decisões dos consumidores sobre onde efectuar as suas compras (vide Anexo 2,
subsecção A2.9.3).
133. Até à data, não foram abertas investigações no âmbito das relações comerciais
entre a distribuição alimentar e os seus fornecedores ao abrigo deste artigo, quer
pela AdC, quer pela ex-DGCC.
2.3.4.4. Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro
134. O supra referido Decreto-Lei n.º 370/93 tem como objectivo a promoção do
equilíbrio e da transparência das relações entre agentes económicos que lhe estão
subjacentes, muito embora não tenham necessariamente efeitos a nível da
concorrência e/ou não envolvam um abuso de posição dominante, tal como
caracterizado no artigo 6.º da Lei n.º 18/2003.
135. Estes diplomas tipificam o que se entende como “práticas comerciais restritivas”,
designadamente, a aplicação de preços ou de condições de venda
discriminatórias, a venda com prejuízo, a recusa de venda de bens ou de
prestação de serviços e as práticas negociais abusivas.
136. Até à data a AdC interveio, ao abrigo daqueles diplomas legais, em vários casos
de venda com prejuízo. A ex-DGCC também interveio ao abrigo daqueles mesmos
diplomas, nomeadamente no caso UNIARME (vide subsecção 2.3.4.1 supra),
envolvendo a imposição de retroactividade do duplo desconto (rappel).
2.4. Código de Boas Práticas Comerciais – APED/CIP
137. As dificuldades sentidas no relacionamento entre produtores/fornecedores e a
Grande Distribuição, levaram a CIP e a APED, a elaborar e assinar, em 17 de
Julho de 1997, um “Código de Boas Prática Comerciais”18 que tinha em vista abrir
uma via de diálogo entre as duas partes.
18 Cf. http://www.cpaa.org.pt/codigo.asp
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138. Nesse documento foram estabelecidos uma série de princípios, de regras e de
procedimentos que os respectivos associados, sem prejuízo da própria liberdade
contratual, deverão observar nas suas relações comerciais.
139. No campo dos princípios foram adoptados os seguintes:
Transparência: prevê um documento com as condições básicas de
negociação, devendo ser formalizadas aquelas que vierem a ser objecto de
acordo;
Não discriminação: consiste no compromisso de oferecer a todos os
clientes as mesmas condições de partida para a negociação de prestações
equivalentes19;
Reciprocidade: dever de basear as negociações e acordos na existência de
contrapartidas efectivas e proporcionais;
Maximização do valor: dever de cooperar para proporcionarem um maior
benefício ao consumidor assegurando a maior eficácia à cadeia logística;
Cumprimento do acordado: compromisso de cumprir pontual e
integralmente os acordos celebrados, dentro dos limites da boa-fé
negocial.
140. Para além dos princípios atrás enunciados as partes aceitaram fazer
recomendações aos associados relativas ao clima de cooperação e urbanidade que
deve presidir às negociações, ao cumprimento integral dos contratos, à logística
com a observância de todas as condições de entrega e ao cumprimento dos
prazos de pagamento negociados.
141. Para supervisionar e dinamizar a aplicação desta auto-regulamentação a CIP e
APED criaram a CPAA (Comissão Permanente de Avaliação e Acompanhamento do
Código de Boas Práticas Comerciais).
142. A CPAA é constituída por dois representantes de cada parte subscritora e por uma
personalidade independente, escolhida por acordo entre as partes, que preside à
Comissão.
143. A CPAA tem por atribuições avaliar e acompanhar a aplicação do Código e propor
às partes subscritoras as alterações ao clausulado do Código que considere
necessárias.
19 Podemos interpretar este princípio como uma forma de estabelecer um level playing field entre clientes
aquando do processo de negociação, procurando neutralizar eventuais diferenças que existam entre o valor das opções-fora-do-contrato (OFC’s) dos diferentes clientes. Podemo-nos questionar se, em termos da promoção da eficiência económica, faz sentido a criação desse level playing filed.
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144. As interpretações e recomendações emitidas pela CPAA serão comunicadas às
partes subscritoras que se encarregarão de as divulgar a todos os interessados e
incentivar a sua aplicação20.
145. A CPAA funciona de acordo com um regulamento interno aprovado pelas partes
subscritoras e reúne regularmente de dois em dois meses, reunindo
extraordinariamente sempre que convocada por dois ou mais dos seus membros.
146. Até à data (2009) foram já produzidas 15 Recomendações21 pela CPAA sobre os
mais variados assuntos, tais como:
Recomendação relativa à Modificação das Condições Contratuais
Negociadas (1998);
Recomendação relativa às Tabelas de Espaços do "Pingo Doce" (1998);
Recomendação sobre o Contrato - Tipo relativo às Condições Gerais de
Fornecimento das Empresas do Grupo Sonae para 1998;
Recomendação sobre os Sistemas de Centralização de Pagamentos (2001);
Recomendação relativa à Resolução de Divergências entre as Empresas
(2001);
Recomendação sobre a Cooperação entre Produtores e Distribuidores para
a Limitação da Quebra (2003).
2.5. Acções da Comissão Europeia
147. A nível comunitário, a questão do ‘poder de compra’ do retalho alimentar tornou-
se num assunto relevante no contexto dos desenvolvimentos ocorridos na
distribuição a retalho na UE ao nível, nomeadamente, de alguns movimentos
concentrativos, quer de âmbito nacional, quer de âmbito comunitário (v.g., caso
Kesko/Tuko22).
20 Como Código de Boas Práticas que é, ele não prevê penalizações pelo não cumprimento das suas
disposições. Neste contexto, vale a pena referir que existem dúvidas sobre a eficácia do estabelecimento deste tipo de códigos. Assim, numa apresentação na Autoridade da Concorrência Irlandesa, em 22 de Outubro 2009, o seu presidente, William Prasifka, levantou dúvidas sobre a eficácia da adopção destes códigos no controlo do denominado “poder de compra” dos GGR. Por outro lado, e ainda segundo Prasifka, “planning laws and facilitating market access are the key to countering buyer power concerns”.
21 Cf. http://www.cpaa.org.pt/recomendacoes.asp. 22 Caso IV/M.784 – Kesko/Tuko, com Decisão CE, datada de 20.11.1996, declarando a operação de
concentração entre estas duas empresas finlandesas como incompatível com o Mercado Comum.
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148. Algumas Autoridades Nacionais de Concorrência iniciaram inquéritos sobre a
problemática do poder de compra da distribuição a retalho, tendo a DG COMP
(Direcção Geral da Concorrência da CE e ex-DGIV) contratado um estudo a
consultores externos sobre “O poder de compra e o seu impacto, em termos de
concorrência, no sector da distribuição a retalho alimentar na União Europeia”23.
149. O problema da evolução dos preços dos bens alimentares, bem como dos
diferenciais entre os preços ao produtor e os preços ao consumidor associado a
um conjunto de práticas comerciais seguidas pela grande distribuição alimentar,
têm vindo a preocupar as instâncias comunitárias, nomeadamente, o Parlamento
Europeu e a Comissão.
150. Vários documentos foram já produzidos sobre esta problemática de que se
salientam: (i) Declaração do Parlamento Europeu sobre a necessidade de
investigar e solucionar o abuso de poder (de compra) por parte dos GGR que
operam na UE; (ii) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao
Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de
09.12.2008 sobre “Preços dos géneros alimentícios na Europa”24; (iii)
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité
Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 20.05.2008 sobre “Fazer
face à subida dos preços dos géneros alimentícios. Orientações para a acção da
UE”25; e (iv) Comunicação da Comissão de 29.01.2008 sobre “Acompanhamento
dos resultados para os consumidores no mercado único: o painel de avaliação dos
mercados de consumo”26.
151. Na sua Comunicação de Dezembro de 2008 a CE constatou que o choque causado
pelo recente aumento dos preços agrícolas e da energia foi absorvido de modo
diferente nos Estados Membros, identificando vários factores que poderão ter
contribuído para a fragmentação do mercado interno, de entre os quais se
salientam: (i) restrições à entrada de grandes retalhistas; (ii) restrições às vendas
com prejuízo; e (iii) restrições de horários de abertura de grandes
estabelecimentos.
23 “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”,
prepared for the European Commission – DGIV by DOBSON CONSULTING – Maio de 1999. 24 COM CE (2008) 821 final de 9.12.2008. 25 COM CE (2008) 321 final de 20.05.2008. 26 COM CE (2008) 31 final de 29.01.2008.
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152. Todavia, esta Comunicação CE alerta para o facto de quando se procura avaliar o
impacto destas medidas regulamentares (restrições acima indicadas) não se
podem descurar os eventuais objectivos políticos que as mesmas procuraram
alcançar.
153. Em termos do enquadramento jusconcorrencial, a CE constatou que o poder
negocial das empresas nos diversos sectores ao longo da cadeia de valor, varia
muito conforme os produtos que comercializam.
154. Assim, produtores que oferecem marcas internacionais com um estatuto
irrecusável tendem a gozar de uma maior margem de manobra junto dos
retalhistas; em contrapartida, os produtores de marcas com estatuto
indiferenciado junto dos consumidores tendem a ficar numa posição mais fraca.
155. Ao nível dos produtores agrícolas, a assimetria do poder de negociação tem
fomentado uma certa reorganização daqueles, nomeadamente, através da
constituição de agrupamentos de produtores e cooperativas.
156. Quanto às práticas mais preocupantes em matéria de concorrência27, a Comissão
considera que as mesmas devem ser avaliadas numa base casuística, nunca
deixando de considerar o contexto em que ocorrem.
157. De entre as acções que a Comissão tem em curso nesta área, de destacar a
recente versão provisória da Comunicação CE relativa ao “Melhor funcionamento
da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”, de 28.10.2009.
158. A Comissão tem acompanhado a evolução dos preços dos géneros alimentícios no
âmbito de um exercício de monitorização do mercado lançado no contexto da
revisão do mercado único de Novembro de 2007, que tem por objectivo
apresentar soluções políticas para as causas de mau funcionamento
identificadas28.
27 São enunciadas as seguintes práticas: cartéis, acordos de compra, imposição de preços de venda, marca
única, produtos de marca privada, subordinação, acordos de fornecimento exclusivo e regimes de certificação.
28 Vide Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões “Um mercado único para a Europa do século XXI”, Bruxelas, 20.11.2007 COM(2007) 724 final.
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159. Em Dezembro de 2008, a Comissão publicou um relatório intercalar sobre “Preços
dos géneros alimentícios na Europa”29, tendo estabelecido um roteiro que
identifica as orientações chave para as acções políticas.
160. A supra referida Comunicação CE, de 28.10.2009, apresenta iniciativas políticas
concretas em consonância com esse roteiro, concluindo o exercício de
monitorização do mercado da cadeia de abastecimento alimentar.
161. Nesta comunicação a Comissão identifica três prioridades transversais comuns a
toda a cadeia de abastecimento alimentar e a serem prosseguidas pelos diferentes
Estados Membros, não obstante o facto desta cadeia ser muito heterogénea e de
os desafios enfrentados pelas partes interessadas diferirem entre subsectores e
entre Estados Membros: (i) a promoção das relações sustentáveis e baseadas no
mercado entre as partes interessadas da cadeia de abastecimento alimentar; (ii) o
aumento da transparência ao longo da cadeia para incentivar a concorrência e
aumentar a sua resistência à volatilidade dos preços; e (iii) a promoção da
integração e a competitividade da cadeia europeia de abastecimento alimentar em
todos os Estados Membros.
162. De seguida, são apresentadas diversas considerações pela Comissão com o
objectivo de dar resposta às três prioridades acima identificadas, e que
envolverão a colaboração continuada entre a Comissão e os diferentes Estados
Membros, quer seja com as diferentes autoridades da concorrência quer seja com
os diferentes institutos nacionais de estatística.
163. Em particular, e no que respeita à primeira prioridade – a promoção das relações
sustentáveis e baseadas no mercado entre as partes interessadas da cadeia de
abastecimento alimentar –, a Comissão considera que é necessário agir para
eliminar as práticas contratuais desleais entre agentes comerciais em toda a
cadeia de abastecimento alimentar e colaborará com a REC (Rede Europeia da
Concorrência) para desenvolver uma abordagem comum das questões de
concorrência pertinentes, tendo em vista um intercâmbio contínuo de
informações, a identificação rápida de casos problemáticos e uma distribuição
eficiente de tarefas entre os seus membros.
164. No que respeita à segunda prioridade – o aumento da transparência ao longo da
cadeia para incentivar a concorrência e aumentar a sua resistência à volatilidade
29 Vide COM(2008) 821, de 9 de Dezembro de 2008, e respectivos documentos de trabalho.
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dos preços – a Comissão apresentará propostas para melhorar a supervisão e a
transparência geral dos mercados de derivados dos produtos agrícolas de base no
contexto da abordagem global dos derivados e da revisão da directiva relativa aos
mercados de instrumentos financeiros; publicará uma primeira edição da
ferramenta europeia de monitorização dos preços dos alimentos, comprometendo-
se a examinar formas de a desenvolver para abranger um número maior de
produtos e de cadeias alimentares, com início no Verão de 2010; e recomendará a
todos os Estados Membros que implantem serviços de comparação de preços de
retalho dos géneros alimentícios, disponíveis na Web e de fácil acesso.
165. No que respeita à terceira prioridade – a promoção da integração e a
competitividade da cadeia europeia de abastecimento alimentar em todos os
Estados Membros –, a Comissão avaliará medidas para abordar os
condicionalismos do abastecimento territorial, na medida em que estes criam
ineficiências económicas e estão em contradição com os princípios do mercado
interno; insta o Conselho e o Parlamento Europeu a adoptarem rapidamente a
proposta da Comissão para a revisão da legislação sobre as regras de rotulagem;
reverá um conjunto seleccionado de normas ambientais e de sistemas de
rotulagem da origem que podem impedir o comércio transfronteiras e colaborará
com os Estados Membros e com a indústria para melhorar a harmonização da
aplicação das normas comunitárias em matéria de segurança alimentar;
promoverá e facilitará a reestruturação e a consolidação do sector; e adoptará
medidas para apresentar as propostas do grupo de alto nível com o objectivo de
melhorar a competitividade do sector agro-alimentar, nomeadamente das PME, e
promover a inovação e as exportações no sector.
166. Assim, e não obstante as acções e/ou recomendações que a AdC possa vir a
tomar e/ou a propor no que concerne as relações comerciais entre a GDA e os
seus fornecedores, a AdC está envolvida num esforço conjunto a nível da UE com
vista à prossecução das três prioridades transversais comuns a toda a cadeia de
abastecimento alimentar, tal como acima identificadas e referidas na
Comunicação CE, de 28.10.2009 (cit.).
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2.6. Acções de autoridades de concorrência de diversos
países e de organizações internacionais (OCDE)
167. Vários têm sido os organismos responsáveis pela política de concorrência em
Estados Membros da UE que têm desenvolvido estudos/inquéritos sobre os efeitos
do poder de compra da grande distribuição quer nos mercados a montante
(aprovisionamento), quer nos mercados a jusante (venda a retalho e por grosso).
168. Estes estudos iniciaram-se no início da década de 1990, quando se começaram a
sentir os efeitos do desenvolvimento/consolidação dos GGR.
169. Assim, o Conselho da Concorrência de França elaborou um Parecer em Janeiro de
1997 relativo às diversas questões relacionadas com a concentração da
distribuição30 onde procede a uma abordagem desta problemática com o objectivo
de definir linhas de orientação para análises concretas quer de concentrações
nestes sectores, quer de eventuais práticas restritivas.
170. O citado Parecer, para além de fazer um enquadramento histórico da
problemática, analisa as estruturas da venda a retalho de bens de consumo
corrente, a metodologia para definir os mercados da distribuição na acepção da
concorrência (venda a retalho e aprovisionamento), a concentração no sector da
distribuição, o efeito da concentração sobre a concorrência nos mercados a
montante e jusante desenvolvendo metodologias de análise na perspectiva da
concorrência (dependência económica, marcas do distribuidor).
171. Por seu lado, a Autoridade da Concorrência Irlandesa produziu, em 2008, três
relatórios sobre os sectores alimentar e de produtos de drogaria e higiene pessoal
(“groceries”), no grosso e no retalho, nesse país, em resposta a uma solicitação
ministerial. 31
30 Avis n.º 97-A-04 du Conseil de la Concurrence en date du 21 Janvier 1997 relatif à diverses questions
portant sur la concentration de la distribuition. 31 Estes três relatórios foram elaborados pela AdC Irlandesa em resposta a uma solicitação do Minister for
Enterprise, Trade and Employment da Irlanda, na sequência de alterações legislativas ocorridas em 2006. O primeiro relatório, publicado em Abril 2008, analisa a estrutura de mercado e o nível de concorrência no grosso e no retalho alimentar, de produtos de higiene e drogarias (“groceries”), entre 2001 e 2006. O segundo relatório, publicado simultaneamente com o primeiro, analisa a evolução dos preços no retalho entre 2001 e 2007. O terceiro e último relatório, publicado em Julho de 2008, analisa o sistema de licenciamento neste sector (“groceries”) entre 2001 e 2007.
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172. No Reino Unido (RU), em 1999, o Office of Fair Trading (OFT) concluiu uma
primeira investigação sobre o poder dos GGR, tendo remetido a mesma para a
Competition Commission (CC).
173. Por outro lado, em Maio de 2006 o OFT recomendou à CC a investigação, nos
termos da legislação de concorrência, das relações fornecedores/ retalhistas,
tendo aquele organismo vindo a elaborar um estudo aprofundado sobre a
questão32, cujo relatório final foi publicado em Abril de 2008.
174. As conclusões focaram, essencialmente, dois tipos de problemas: (i) que várias
cadeias retalhistas detinham fortes posições em mercados locais com
consequências negativas para os consumidores e (ii) que a transferência
excessiva de risco e de custos inesperados dos distribuidores retalhistas para os
seus fornecedores através de diversas práticas comerciais, pode ter efeitos
adversos no investimento e inovação dos fornecedores e em último caso no bem
estar dos consumidores.
175. No que se refere à área dos produtos hortofrutícolas e à evolução dos seus
preços, para além dos desenvolvimentos que tem tido a nível comunitário como
anteriormente referido, também algumas autoridades nacionais de concorrência
têm procurado acompanhar este assunto.
176. A Direcção Geral de Defesa da Concorrência Espanhola publicou em 2004 um
relatório relativo a “Investigação da cadeia de distribuição de determinadas frutas
e hortaliças”33 onde faz um levantamento dos circuitos de comercialização destes
produtos e compara preços ao longo da cadeia de valor.
177. Das várias conclusões constantes deste relatório, salientamos a de que as
características estruturais mais salientes da cadeia de distribuição são, por um
lado, a significativa importância da intermediação (entre produtores de
hortofrutícolas e o retalho e efectuada, em boa parte, pela rede de mercados
centrais), a reduzida dimensão dos operadores na produção e/ou fornecimento e,
por outro, a existência de barreiras à entrada no retalho de hortofrutícolas em
resultado de normas autonómicas de licenciamento de novos formatos comerciais.
32 Competition Commission (2008), “The supply of Groceries in the UK - Market Investigation”, 30.04.08, RU
(em http://www.competition-commission.org.uk/ rep_pub/reports/2008/fulltext/538.pdf). Saliente-se que este relatório teve origem numa solicitação do OFT, de Maio de 2006, e foi antecedido de dois conjuntos de análises preliminares, a primeira de Janeiro de 2007 e a segunda de Outubro de 2007.
33 “Investigación de la Cadena de Distribución de Determinadas Frutas y Hortalizas”, Dirección General de
Defensa de la Competencia, Janeiro de 2004.
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3. O sector da Distribuição
178. O sector da distribuição tem estado sujeito a forte regulamentação, quer quanto a
restrições no acesso ao mercado, quer quanto a restrições a nível do exercício da
actividade.
179. Apresenta-se de seguida uma breve descrição da evolução deste tipo de
regulamentação, do seu impacto no mercado e dos eventuais efeitos restritivos
sobre a concorrência da regulamentação actualmente em vigor (secção 3.1) e da
estrutura da distribuição retalhista em Portugal (secção 3.2), bem como o
posicionamento nacional dos GGR no comércio a retalho (secção 3.3) e nos
mercados de aprovisionamento (secção 3.4).
3.1. Enquadramento regulamentar
3.1.1. Restrições no acesso ao mercado
3.1.1.1. Evolução
1989 – Sector retalhista – hipers
180. Após a abertura do primeiro hiper em Portugal, pelo Grupo MC em Matosinhos, no
ano de 1985 (vide supra), a primeira legislação que instituiu um sistema de
autorização prévia de instalação de unidades comerciais, para além do
licenciamento camarário relativo a obras particulares, surgiu em 198934, após as
reacções do pequeno comércio, entretanto ocorridas no mercado, face à abertura
de grandes unidades comerciais retalhistas.
181. Ficaram abrangidas pela obrigatoriedade de obtenção, por parte da Administração
Central,35 de uma autorização prévia de localização, todas as unidades retalhistas
de área superior a 3000m2 (designadas à data por “UCDR”, i.e. “Unidades
Comerciais de Dimensão Relevante”).
34 Decreto-Lei n.º 190/89, de 6 de Junho. 35 Ministério do Comércio e Turismo.
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182. A concessão da autorização baseava-se em critérios qualitativos tais como a
avaliação: (i) do impacto em termos de abastecimento (interesses dos
consumidores); (ii) das consequências para o tecido comercial da zona; e (iii) da
contribuição para a reestruturação e modernização da actividade comercial da
zona.
1991 – Sector grossista
183. Em 1991, face à entrada no mercado português da cadeia grossista Makro – de
unidades comerciais de maior dimensão do que as dos grupos grossistas já
presentes em Portugal (v.g., a cadeia Manuel Nunes) –, o âmbito do sistema
anteriormente referido foi alargado às unidades grossistas36.
184. Em paralelo com a instalação de grandes unidades comerciais, começaram a
surgir unidades comerciais com formatos de média dimensão (supers) – já
existentes antes de 1985 – que não estavam abrangidos pelo sistema de
autorização prévia anteriormente indicado.
1992 – Sector retalhista – supers
185. Como resposta ao desenvolvimento deste segmento de mercado, em 199237 a
legislação foi alterada, baixando o limiar mínimo de área sujeita a autorização
prévia, para 2000m2 e passando o sistema também a abranger os centros
comerciais com área superior a 3000m2.
186. Os critérios para autorização da instalação continuaram a ser de teor qualitativo e
tinham em consideração os seguintes aspectos: (i) a instalação da nova unidade
devia contribuir para a modernização e diversificação da oferta comercial na
região e aí estimular uma ‘sã concorrência’; (ii) o benefício para os consumidores
decorrente do equilíbrio entre os vários tipos de equipamento comercial; e (iii) as
características da estrutura e da actividade comercial da respectiva zona, no que
respeita à qualificação profissional, à utilização de novas tecnologias e aos
serviços prestados ao consumidor.
36 Decreto-Lei n.º 9/91, de 8 de Janeiro. 37 Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro.
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187. Em 199538, numa tentativa de “travar” a instalação de médias unidades
comerciais cujas dimensões se situavam, por norma, ligeiramente abaixo do limiar
de aplicação da lei, as áreas mínimas para aplicação da legislação foram
novamente reduzidas e definidas em função do número de habitantes do concelho
onde as unidades se instalavam.
1997 – Unidades individuais e unidades de Grupos: Limitações
quantitativas e Quotas máximas
188. Entretanto, em meados dos anos 90 surgiram em força as lojas de desconto
(discount) e pequenos supers (lojas de proximidade), os quais, não estando
abrangidos pelos limiares da legislação, facilmente se instalaram e expandiram.
189. Face a esta realidade e a uma crescente contestação do comércio instalado (lojas
tradicionais), o sistema é profundamente alterado em 199739 numa tentativa de
travar o aumento de quota de mercado da grande distribuição.
190. A nova legislação, para além de ter alterado os limiares de aplicação (ficaram
abrangidas unidades retalhistas alimentares, retalhistas especializadas e unidades
grossistas, com áreas superiores a 2000m2, 4000m2 e 5000m2, respectivamente),
passou a abranger também as unidades comerciais integradas em grupos que
dispusessem de áreas de venda acumuladas superiores a 15.000m2, 25.000m2 e
30.000m2, respectivamente).
191. O sistema de áreas acumuladas foi instituído para controlar as pequenas unidades
dos grupos, nomeadamente, os de hard discount.
192. Deixaram de estar abrangidos os centros comerciais, enquanto área de venda
descontínua, estando, contudo, abrangidas as lojas que ultrapassassem os
limiares referidos no parágrafo n.º 185 supra.
193. Foram introduzidos critérios quantitativos com carácter eliminatório para a
autorização de unidades comerciais retalhistas (quotas de mercado a nível
nacional e a nível da área de influência):
(i) Quota máxima de 35% a nível nacional (unidades abrangidas pela lei em
relação ao mercado global de retalho) e,
38 Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril. 39 Decreto-Lei n.º 218/97, de 20 de Agosto.
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(ii) Quota máxima de 45% a nível da área de influência (idem a nível da área
de influência da unidade a instalar);
194. Os critérios qualitativos constituíam um segundo patamar de decisão.
2001 a 2004 – “Congelamento” de autorizações (entradas)
195. Em virtude de as quotas nacionais terem sido atingidas, a legislação ficou
suspensa de aplicação desde Outubro de 2001 até à entrada em vigor da lei
seguinte (Maio de 2004), tendo correspondido a um verdadeiro “congelamento”
na atribuição de novas autorizações de instalação.
196. Esta situação foi fortemente contestada, sobretudo, pelos grupos que se
encontravam em fase de expansão.
2004 – Descentralização das autorizações: Taxas por
procedimento que revertem para apoio pequeno comércio
197. Em Maio de 2004 foi publicada nova legislação40 cuja regulamentação ficou
consubstanciada em quatro Portarias41 e um Despacho42.
198. Esta nova Lei introduziu alterações profundas nas regras anteriormente vigentes,
tendo alterado (reduzido) os limiares de aplicação:
500m2 para retalhistas;
5000m2 de área acumulada retalhista;
5000m2 para grossistas;
30.000 m2 de área acumulada grossista; e
6000m2 para centros comerciais
199. Os critérios de decisão passaram a ser exclusivamente qualitativos, se bem que
alguns deles relacionados com a dinâmica concorrencial da área de influência:
Enquadramento protecção ambiental e ordenamento do território;
Áreas adequadas para estacionamento;
40 Lei n.º 12/2004, de 30 de Março. 41 Portaria n.º 518/2004, de 20 de Maio; Portaria n.º 519/2004, de 20 de Maio; Portaria n.º 520/2004, de 20
de Maio e Portaria n.º 620/2004, de 7 de Junho. 42 Despacho n.º 11005/2004, de 2 de Junho.
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Contribuição para a melhoria das condições concorrenciais do sector da
distribuição, coexistência e equilíbrio entre várias formas de comércio e
adequação da estrutura comercial às necessidades dos consumidores;
Desenvolvimento do emprego; e
Integração intersectorial (sectores a montante).
200. De entre as novidades destaca-se a criação de taxas a aplicar aos actos relativos
ao processo que reverteram para um Fundo destinado a apoiar o pequeno
comércio (URBCOM43).
201. As decisões deixaram de pertencer ao Ministro e passaram a ser responsabilidade
das designadas Comissões Regionais de Equipamento Comercial (CREC), onde
estavam representadas várias entidades da Administração Central e Local, bem
como representantes das Associações de Comerciantes da zona de instalação da
nova unidade e representantes de Associações de Consumidores.
2009 – Legislação actual: Critérios qualitativos
202. Entretanto, em Janeiro do corrente ano, foi mais uma vez alterado o regime de
autorização de instalação de estabelecimentos comerciais, passando a vigorar um
novo sistema44.
203. O novo sistema, para além de pretender dar cumprimento aos objectivos do
Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa – SIMPLEX – adequou os
critérios de autorização aos imperativos comunitários em matéria de concorrência
e de liberdade de estabelecimento.
204. Como principais novidades, será de referir que a legislação actual: (i) reduziu o
universo de estabelecimentos sujeito a autorização prévia (aumento dos limiares
das áreas abrangidas); (ii) acabou com as fases de candidatura; (iii) exigiu a
prévia obtenção da informação prévia de localização favorável e de impacto
43 O URBCOM, ou Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial, foi uma medida do Eixo 2
(Medida 2.4.B2) do Programa de Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), inserido no QCA III, tendo como objectivo revitalizar e consolidar as actividades empresariais do sector do comércio e de alguns serviços, requalificar o espaço público envolvente e promover o respectivo projecto global.
44 Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico da instalação e da
modificação dos estabelecimentos de comércio a retalho e de conjuntos comerciais.
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ambiental; e (iv) criou uma única entidade decisória (COMAC45) ao nível da NUT
III, com decisões mensais.
205. Para efeitos de decisão, os projectos são pontuados em função da sua valia
(VP)46, tendo em conta parâmetros tais como: (i) a contribuição do projecto para
a multiplicidade da oferta comercial, quer em formatos, insígnias e diversidade
das actividades nos conjuntos comerciais, tendo em vista promover a
concorrência efectiva na área de influência; (ii) a avaliação da qualidade dos
serviços prestados, integração de pessoas com incapacidades; (iii) a avaliação da
qualidade do emprego e da responsabilidade social da empresa; (iv) a avaliação
da integração da unidade comercial no ambiente urbano; e (v) a contribuição da
unidade comercial para a eficiência energética ou utilização de energias
renováveis e de materiais recicláveis.
206. A metodologia para proceder à determinação da VP e as regras técnicas para
execução dos seus parâmetros foram definidas por Portaria do Ministro da
Economia e da Inovação47.
207. A pontuação é positiva quando o projecto obtém uma VP superior a 50% da
pontuação total.
208. No caso da pontuação ser negativa a decisão da COMAC é desfavorável.
209. A decisão da COMAC pode ser acompanhada da imposição de obrigações
destinadas a garantir o cumprimento de dos compromissos assumidos pelo
requerente e que tenham constituído pressupostos da autorização.
210. Das decisões das COMAC cabe impugnação para os Tribunais Administrativos de
Círculo.
211. As autorizações concedidas têm validade de três ou quatro anos, caso se trate,
respectivamente, de estabelecimentos comerciais ou conjuntos comerciais
(centros comerciais).
45 A Comissão de Autorização Comercial (COMAC) foi criada pelo Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro,
como a única entidade com competência para decidir, ao nível das NUT III e com uma periodicidade mensal, os pedidos de autorização de instalação e modificação dos estabelecimentos de comércio e retalho e de conjuntos comerciais. As suas regras de funcionamento foram estabelecidas pela Portaria n.º 417/2009, de 16 de Abril, do Ministério da Economia e Inovação.
46 Cf. Artigo 10.º, 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro. 47 Portaria n.º 418/2009, de 16 de Abril.
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212. Findo aqueles prazos sem que se tenha verificado a entrada em funcionamento
dos estabelecimentos, as autorizações de instalação caducam.
3.1.1.2. Síntese conclusiva
213. Conforme exposto anteriormente, as restrições à instalação de unidades
comerciais surgiram após se terem feito sentir os efeitos da abertura ao público
dos primeiros hipers, tendo por objectivo salvaguardar um correcto ordenamento
territorial, quanto a aspectos ambientais e à preservação do território.
214. Tinham, igualmente, subjacente evitar sobrecarga excessiva nas infra-estruturas
(rodoviárias) bem como o impacto no tecido comercial retalhista tradicional.
215. O surgimento da cadeia Makro, levou a que a legislação fosse adaptada no sentido
de abranger também unidades grossistas de grande dimensão.
216. Entretanto, o sector da distribuição continuou o seu processo de desenvolvimento,
à semelhança do que ocorria na Europa, começando a surgir novos formatos,
novas insígnias e novos conceitos de venda (discount).
217. A legislação, que inicialmente abrangia só grandes unidades comerciais (hipers),
veio sucessivamente a ser alterada procurando abranger todas as novas
realidades que foram surgindo.
218. À medida que o mercado foi evoluindo, crescendo, nomeadamente, nos formatos
não abrangidos pela legislação, a contestação por parte do pequeno comércio
tradicional foi aumentando, pelo que a legislação foi “tentando adaptar-se” às
novas realidades, tornando cada vez mais abrangente o seu campo de aplicação.
219. Assim, em 1992 o sistema de licenciamento foi profundamente modificado,
surgindo o conceito de “área de venda acumulada” para determinar o limiar de
aplicação da lei, tendo sido também introduzidos limites para as quotas (nacional
e na área de influência) dos estabelecimentos, em termos de mercado global,
limites esses que tinham carácter eliminatório.
220. Na sequência da aplicação desta regulamentação, a quota de mercado nacional foi
atingida em 2001, pelo que foi suspensa a aplicação da legislação, o que na
prática resultou num “congelamento” da atribuição de autorizações para a
instalação e/ou expansão de unidades comerciais.
221. Esta situação durou até 2004, data em que foi publicada nova legislação, sem
restrições quantitativas, mas ainda com critérios económicos na atribuição das
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autorizações, prevendo vir a ser revista passados três anos após a sua entrada
em vigor (i.e., a 15.04.2007).
222. Entretanto, a partir de 2003, começaram a chegar queixas à CE, a qual abriu um
processo48 ao Estado Português por infracção ao Princípio da Liberdade de
Estabelecimento (artigo 43.º do Tratado CE49).
223. Em causa está o cumprimento por parte da legislação dos princípios e disposições
constantes da Directiva “Serviços” 2006/123/CE.
224. A CE considerava que a legislação anteriormente em vigor (Lei n.º 12/2004)
continha restrições, na instalação de unidades comerciais, incompatíveis com as
disposições comunitárias.
225. A legislação actualmente em vigor (Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro)
procurou eliminar tudo o que fossem critérios incompatíveis com a legislação
comunitária, nomeadamente, critérios económicos, centrando a avaliação dos
projectos em requisitos ambientais e de política urbanística.
3.1.2. Restrições ao nível dos horários de funcionamento
3.1.2.1. Evolução
226. O Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, actualmente em vigor, marcou a
legislação nacional em matéria de horários de comércio.
227. Com efeito, até 1977, os horários do comércio não eram regulados de forma
autónoma, mas por via de regulamentação relacionada (legislação do trabalho) a
qual obrigava ao descanso no domingo (encerramento obrigatório).
228. A legislação publicada em 197750, veio introduzir os conceitos de abertura e fecho
dos estabelecimentos (das 8h às 22h, todos os dias da semana), deixando, assim,
de estar limitada a abertura ao domingo e, competindo às Câmaras Municipais
definirem o horário de acordo com as especificidades locais (dentro dos limites
legais).
48 Processo CE 2003/4717 – Nota de culpa ao Estado Português em 18.10.2004. Notificação complementar
para cumprimento em 04.07.2006 e Parecer fundamentado em 29.06.2007. Fica a dúvida se o Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro, terá corrigido as restrições alegadas pela Comissão Europeia.
49 Leia-se “Tratado que institui as Comunidades Europeias”. Hoje substituído pelo Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (vide Anexo 2 infra). 50 Decreto-Lei n.º 75-T/77, de 28 de Fevereiro.
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229. Em 198351, o horário sofreu um alargamento (das 6h às 24h, todos os dias da
semana), prevendo a possibilidade, nalguns casos, de funcionamento
permanente.
230. Em 199552, a legislação veio redefinir o encerramento (das 2h às 6h, todos os
dias da semana) e limitar, pela primeira vez, o horário de funcionamento das
grandes superfícies comerciais contínuas53 aos domingos e feriados, nos meses de
Janeiro a Outubro, em que apenas podiam operar por um período de 6 horas.
231. O enquadramento legal em vigor54, de 1996, permite a abertura entre as 6h e as
24h todos os dias da semana, contemplando algumas excepções, sendo a mais
relevante a das grandes superfícies comerciais contínuas com mais de 2000m2,
situadas em concelhos com mais de 30 mil habitantes, e, as com mais de 1000m2
desde que situadas em concelhos de menos de 30 mil habitantes, cujo período de
funcionamento foi reduzido aos domingos e feriados, de Janeiro a Outubro, entre
as 8h e as 13h.
232. A situação tem sido objecto de contestação por parte, nomeadamente, das
empresas de distribuição e dos seus fornecedores, sendo defendido, entre outros,
pelo comércio tradicional, sindicatos e organizações várias que defendem o
domingo como dia de descanso.
233. Em 1999, foi realizado um Estudo para o Observatório do Comércio55 que, entre
outras, produziu as seguintes conclusões:
A restrição de abertura das grandes unidades comerciais contínuas,
contrariando a lei geral, está associada a uma tentativa de contenção
crescente da quota de mercado dos grandes operadores em prejuízo do
comércio independente (tradicional);
A informação recolhida leva a crer que ninguém beneficiou com a medida
adoptada;
51 Decreto-Lei n.º 417/83, de 25 de Novembro. 52 Decreto-Lei n.º 86/95, de 28 de Abril. 53 Terminologia da legislação sobre autorização prévia de instalação de unidades comerciais. 54 Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio. 55 “Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais – situação actual e prospectiva”, Dezembro
de 1999 - realizado para o Observatório do Comércio por: I.D.E. - Instituto de Dinâmica do Espaço Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, coordenado por Prof.ª Margarida Pereira e Prof. José Afonso Teixeira.
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O crescimento e diversificação da oferta continua em curso e o reforço da
concentração tem conduzido a um aumento da quota de mercado dos
principais grupos; e
O pequeno comércio ainda se apoia no raciocínio segundo o qual o
consumidor tinha de se ajustar aos horários proporcionados pelos
comerciantes.
234. A APED tem exercido forte contestação a esta medida tendo, em 2007, entregue
na Assembleia da República uma petição com 250 mil assinaturas de
consumidores, tendo em vista a liberalização dos horários do comércio.
235. No seu site apresenta um documento56 onde enumera 12 argumentos para a
abertura ao domingo das grandes superfícies comerciais, salientando-se, de entre
elas, as seguintes:
A abertura do comércio ao Domingo vai ao encontro das necessidades da
generalidade da população trabalhadora;
A abertura do comércio ao Domingo gera emprego e evita desemprego;
A abertura do comércio ao Domingo representa a consagração de um
hábito responsável por boa parte das vendas da semana;
A abertura do comércio ao Domingo é um pressuposto básico e
determinante dos investimentos efectuados no sector.
236. A APED procedeu, também, a uma síntese da situação regulamentar dos horários
de abertura das lojas na Europa57, onde se verifica que só dois países (Suécia e
Irlanda) não têm restrições de abertura ao domingo.
237. Existem 4 países com restrição total de abertura ao domingo (Alemanha, Áustria,
França e Grécia), apresentando os outros países, situações diversas de restrições
de nível médio de abertura.
238. Entretanto, em 2007, a Roland Berger produziu um Estudo58 para a APED
intitulado “Impacto da liberalização dos horários do comércio nas grandes
56 “12 argumentos em defesa da abertura do comércio ao domingo”, APED (http://www.aped.pt/
documentacao_outra_campanha_horarios.php). 57 “Situação actual e evolução dos horários de comércio nos países da Europa”, APED (http://
www.aped.pt/pdf/Hor_rios_Abertura_Europa.pdf). 58 Cf. http://www.aped.pt/pdf/roland_berger.pdf.
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superfícies aos domingos e feriados” onde apresenta, de entre outras, as
seguintes conclusões:
A restrição de abertura das lojas com mais de 2.000m2 aos domingos e
feriados nos meses de Janeiro a Outubro foi imposta para permitir tempo
ao comércio tradicional alimentar para reinventar-se – Hoje em dia cria
desigualdades entre operadores e condiciona a escolha dos formatos de
loja mais adequados;
Face aos outros países europeus Portugal está a meio da tabela em termos
de liberalização, sendo um dos países em que o comércio tradicional tem
mais peso;
A liberalização dos horários de comércio poderá criar entre 8000 e 8300
novos postos de trabalho e gerar uma receita fiscal de 1 300 a 1 600M€
(em 10 anos – até 2017);
A indústria nacional irá beneficiar de um aumento das vendas para as
grandes superfícies alimentares, devido a estas terem maior diversidade de
oferta.
239. O supra citado Estudo veio a ser muito contestado pela CCP – Confederação do
Comércio e Serviços de Portugal59, em particular, os pressupostos para o calculo
dos novos empregos e das receitas no período de 10 anos.
3.1.2.2. Síntese conclusiva
240. As restrições existentes no horário de funcionamento das grandes superfícies
(estabelecimentos com área superior a 2 000m2), vieram favorecer os grupos de
distribuição que têm privilegiado os estabelecimentos de formato médio ou
pequeno.
241. Por outro lado, em termos de efeitos no pequeno comércio, serão estes formatos
os que, em princípio, fazem maior concorrência às lojas tradicionais, dado
funcionarem, praticamente, como lojas de proximidade.
242. De acordo com estudos efectuados e tal como salientado anteriormente, as
restrições existentes nos horários não parecem ter tido os efeitos esperados,
59 Cf. http://www.uacs.pt/fotos/noticias/CCPestudopelaAPED.pdf.
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concretamente, em termos de protecção do comércio tradicional face à quota
ganha pela grande distribuição.60
243. Contudo, será de realçar que a maioria dos países europeus têm regulamentações
que restringem o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais ao
domingo, sendo muito variável, de país para país, o grau da restrição existente.
3.2. Caracterização da distribuição retalhista
3.2.1. Caracterização da distribuição retalhista nacional actual
244. O sector nacional da distribuição retalhista actual é caracterizado por uma elevada
heterogeneidade (métodos/conceitos de venda, formatos, perfil das empresas,
grau de desempenho da cadeia de distribuição), com elevado grau de
concentração da oferta ao nível dos GGR.
245. Continuam a coexistir um grande número de empresas de reduzida dimensão, a
maioria delas pouco evoluídas a par de um reduzido número de grupos com forte
know-how e elevada capacidade de gestão, os quais têm vindo a ganhar quota de
mercado.
246. Tem-se verificado, igualmente, algum processo de concentração e formas de
cooperação entre empresas, com vista à aquisição de capacidade competitiva,
bem como procura de dimensão europeia por parte das empresas de maior
dimensão.
247. Todavia, segundo dados da A.C.Nielsen de 2002, Portugal continuava a ser dos
países europeus que dispõe do maior número de lojas per capita, 2,4 por 1000
habitantes contra 0,3 na Holanda e Dinamarca ou 0,6 na França.
248. Ainda segundo dados Nielsen de 2002, Portugal era dos países da Europa que
apresentava a maior percentagem de lojas tradicionais, em relação ao número
total de lojas dos vários conceitos de retalho misto, de 88,1%.
60 Salientar-se-á, todavia, que a devida aferição desta ilação deveria considerar o contrafactual de qual teria
sido a evolução do mercado na ausência daquela restrição, i.e. se os hipers tivessem sido autorizados a abrir aos Domingos. Não obsta porém o facto que mesmo com esta restrição de horários de funcionamento, os GGR têm conseguido ganhar quota de mercado ao comércio tradicional.
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249. Em contrapartida, considerando a repartição do volume de vendas do retalho
misto, por conceito/formato, as lojas tradicionais representavam 11,3% da
facturação total dos vários conceitos.
250. O formato hipermercado representava, por si só, uma quota de 35%.61
3.2.2. Influência a montante e a jusante dos GGR
251. Em comparação com o comércio tradicional, os GGR apresentam a principal
vantagem de concentrarem nas suas unidades de venda uma forte diversidade de
produtos, dos produtos vendidos em supers (dos produtos da denominada
“distribuição alimentar”, vide supra) à oferta mais abrangente dos hipermercados,
que incluem, de igual modo, outros segmentos de actividade, da venda de
vestuário, a electrodomésticos e a combustíveis (gasóleos e gasolinas) em postos
de abastecimento (vide supra).
252. A expansão dos GGR terá efeitos, do lado do consumo, sobre o remanescente do
comércio (v.g., mercearias e mercados tradicionais locais); e terá também efeitos
nos mercados de aprovisionamento, através de agrupamentos de compra e/ou de
negociação com outros retalhistas e/ou grossistas (v.g., os casos da UNIARME e
do recente acordo Intercompra62).
253. A expansão dos GGR nos lados do consumo e do aprovisionamento têm efeitos
sobre os demais clientes do aprovisionamento, que incluem: (a) o canal grossista,
de menor dimensão do que os GGR e cujo declínio progressivo deriva, de igual
modo, do facto deste canal ser fornecedor do comércio tradicional; e (b) sobre os
demais canais de distribuição, incluindo cadeias retalhistas de menor dimensão e
de âmbito regional (v.g., os casos das cadeias A. C. Santos nos distritos de Lisboa
e de Leiria e Alisuper no distrito de Faro) e o canal HORECA (hotéis, restaurantes
e cafés). De salientar a propósito do canal HORECA que, embora este canal possa,
ainda, não concorrer de forma significativa no retalho com os GGR, grande parte
dos supermercados e hipermercados dispõem já de serviços próprios de
restauração e de pastelaria.
61 A actualização destas percentagens para o período recente de 2005-2008 é remetida para o Relatório Final
de Julho de 2010. 62 O acordo Intercompra foi estabelecido entre a Auchan, operador no retalho, e a Makro, operador no
grosso, com o objectivo de negociar os contratos-base de fornecimento e algumas condições de compra em representação conjunta daquelas duas empresas.
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254. O forte crescimento dos GGR, quer no aprovisionamento, com detrimento das
quotas dos demais clientes deste mercado (v.g., canal grossista e outros canais,
tal como o HORECA), quer nas vendas a retalho, com detrimento das quotas de
mercado do comércio tradicional, poderá decorrer de condições de preço mais
vantajosas para o consumidor final e de uma alteração da escolha de consumo do
consumidor final.
255. Por seu turno, o aumento do grau de concentração da procura dos GGR nos
mercados de aprovisionamento poderá, de igual modo, incentivar o reforço do
grau de concentração da oferta nesses mercados (vide da indústria
transformadora / fornecedora), pelo desaparecimento progressivo de empresas
menos competitivas (vide, de igual modo, Capítulo 4 infra).
256. Nos sectores onde a produção nacional assume ainda alguma importância – tal
como nos casos do leite e do arroz (Capítulo 4 infra) –, o poder de compra
exercido pelos GGR junto do aprovisionamento poderá ter influência na
determinação dos preços na produção, i.e. na negociação mais a montante entre
as empresas de aprovisionamento (indústria transformadora) e a produção.
257. Em qualquer dos casos, quer isto dizer que, em termos jusconcorrenciais,
qualquer apreciação do comportamento dos GGR deverá ter em consideração dois
níveis, o nível material dos mercados dos produtos / serviços relevantes e o nível
espacial dos mercados geográficos relevantes63, em dois estádios da actividade:
(i) O estádio do aprovisionamento, onde os GGR concorrem, na compra, com
agrupamentos de compras entre grandes retalhistas e/ou grossistas, com
empresas grossistas, bem como com outros canais tal como o canal
HORECA e, na venda dos produtos da sua marca (MDD), com as empresas
de aprovisionamento; e,
(ii) O estádio da venda a retalho, onde os GGR concorrem com o
remanescente do comércio ou o denominado “comércio tradicional”, o qual
inclui as tradicionais “mercearias”, bem como padarias, pastelarias e os
mercados locais tradicionais (vide supra).
63 Cf. Comunicação CE relativa à definição do mercado relevante para efeitos de aplicação da legislação
Comunitária da concorrência (cit.) e Comunicação CE relativa às linhas de orientação na aplicação do Artigo 81.º do Tratado sobre os acordos de cooperação horizontal (cit.).
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258. No âmbito jusconcorrencial e atento o critério de substituibilidade subjacente à
definição de mercado relevante e segundo prática decisória da CE64, as dimensões
material e geográfica relevantes variam consoante o estádio considerado.
259. Ao nível do retalho, a dimensão material do mercado relevante respeita o serviço
prestado pelos GGR aos consumidores finais, abrangendo, por conseguinte, todo o
cabaz de bens da aqui considerada “distribuição alimentar” comercializado pelas
unidades (supers e hipers) destes grupos. Por seu turno, ao nível geográfico, os
mercados de venda a retalho são definidos em termos locais, em torno de cada
unidade de venda (num raio de curta distância e/ou curto tempo de percurso).
260. Em contrapartida, nos mercados do aprovisionamento, deverá ser feita a
destrinça, ao nível material, entre os diversos produtos comercializados pelos GGR
atento o facto da oferta e procura poderem diferir consoante o produto em causa.
Ao nível geográfico, os mercados de aprovisionamento são, em geral, definidos
como de âmbito nacional.65
261. Esta estrutura a dois níveis de mercados tem uma complexidade acrescida
derivada da existência de:
(i) Um estádio mais a montante da produção, que abastece os mercados de
aprovisionamento, estejam estes interligados ou não;
(ii) Agrupamentos de compra e/ou de negociação entre GGR e cadeias
grossistas, os quais concorrem no aprovisionamento, mas operam em
diferentes estádios a jusante da actividade, os GGR na venda a retalho e os
grossistas enquanto intermediários entre os fornecedores e o comércio a
retalho tradicional (v.g., o caso supra da UNIARME);
(iii) Acordos de integração vertical entre os GGR e empresas de
aprovisionamento (v.g., o caso da participação de 49% do Grupo JM da
Unilever Portuguesa), bem como com Agrupamentos de Produção no caso
dos hortofrutícolas; e
(iv) Os denominados “produtos da marca do distribuidor” dos GGR (MDD),
entregues pelas empresas de aprovisionamento aos GGR – e
64 V.g. Decisão CE relativa ao Caso n.º COMP/M.1684 « Non-opposition à la fusion Carrefour – Promodés »,
de 25.01.2000 (versão francesa). Vide, de igual modo, Relatório preparado para a CE pela Dobson Consulting, Buyer power and its impact on competition in the food retail distribution sector of the European Union, DG IV, Study Contract nº IV/98/ETD/078 by Dobson Consulting, Maio 1999.
65 Vide subsecção 2.3.3 supra e Anexo 2 infra.
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transformados, maioritariamente, pela produção nacional – mas vendidos
sob a marca do distribuidor em clara concorrência com os produtos de
marca das empresa de aprovisionamento.
262. A existência de agrupamentos de negociação e/ou de compra junto à integração
vertical dos GGR no aprovisionamento – através, quer dos acordos de integração
vertical, quer, nomeadamente, da venda de produtos sob as suas insígnias –
reforça o poder de compra destes grupos no aprovisionamento. Todavia, este tipo
de acordos reforça, de igual modo, a complexidade das relações comerciais entre
os GGR e os seus fornecedores, dificultando a apreciação económica do impacto
da expansão destes grupos, quer sobre o bem-estar dos consumidores, quer
sobre a eficiência dos mercados de aprovisionamento (vide, de igual modo, da
produção) em geral.
263. Uma análise recente do sector agro-alimentar nacional (Barros et al., 200666)
sugere que o aumento do grau de concentração dos GGR ao nível local do retalho
nacional contribui para um maior poder de compra destes grupos nos mercados
de aprovisionamento mas, de igual modo, para maiores preços de venda ao
consumidor final. Este estudo conclui, assim, que o aumento do grau de
concentração dos GGR no retalho nacional anula qualquer transmissão (pass-
through) do maior poder de compra destes grupos ao consumidor final.
264. Em contrapartida, uma outra análise do sector agro-alimentar nacional no período
2002-2005 (Rodrigues, 2006, cit.) conclui pela inexistência de evidência de um
elevado grau de concentração dos GGR na venda a retalho e no
aprovisionamento, desagregado por categorias de produtos. Os resultados desta
análise sugerem que o poder de compra dos GGR no aprovisionamento é, em
geral, transmitido ao consumidor final. Em particular, resulta da análise
econométrica constante deste estudo que o maior poder de compra decorrente do
agrupamento de negociação UNIARME, reflectido na redução de preços de
aquisição, é, em geral, transmitido ao consumidor, ainda que parcialmente.
265. No que respeita aos agrupamentos de compra / negociação e aos acordos de
integração vertical entre os GGR e empresas de aprovisionamento, salientar-se-á
que, embora este tipo de acordos contribua a priori para um maior grau de
concentração da procura no aprovisionamento, reduzindo assim as alternativas
66 Barros, P.P., Brito, D. e D. Lucena (2006), “Mergers in the food retailing sector: an empirical
investigation”, European Economic Review, 50(2): 447-468.
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dos fornecedores, o mesmo não é necessariamente prejudicial aos fornecedores.
Enquanto que os acordos verticais poderão contribuir para uma redução de custos
de ambos os distribuidores e fornecedores, estes últimos beneficiam seguramente
de uma redução de custos em negociarem com um único conjunto de
compradores do que com cada um deles de forma separada67.
266. Acresce que, não obstante a dimensão e elevada diversidade de oferta dos GGR,
dificilmente poderão estes grupos impor o seu poder de compra sobre todos os
fornecedores. Em particular, um estudo recente (Gohin e Guyomard, 2000)68
sugere que o poder de compra dos GGR tende a ser menor quanto maior for o
grau de concentração dos fornecedores e maior a inelasticidade preço-procura do
produto em questão. Este estudo sugere que a alocação de rendas entre os GGR/
fornecedores depende dos poderes relativos de oligopsónio / oligopólio que estes
operadores dispõem nos respectivos mercados dos produtos relevantes, sendo
ambos condicionados pelos graus de elasticidade da oferta e da procura nos
mercados em causa. 69
3.3. Posicionamento dos GGR no comércio a retalho
267. Para a estimativa do posicionamento dos GGR no comércio a retalho e nos
mercados de aprovisionamento, bem como dos totais respectivos destes
mercados e seguindo prática decisória da CE, bem como análises de outras
entidades no sector alimentar70, são consideradas as seguintes categorias de
produtos: “mercearia”, “frescos”, “bebidas (alcoólicas e não alcoólicas)”, “lácteos”,
“congelados”, “higiene pessoal” e “drogaria e bazar”.71
67 Custos de negociação deverão ser considerados como “custos de transacção” ou custos incorridos na
realização de uma transacção comercial. Este conceito foi introduzido na literatura económica por Ronald Coase, ainda que de uma forma não explícita.
68 Gohin, A. and H. Guyomard (2000). “Measuring market power for food retail activities: French evidence”,
Journal of Agricultural Economics, 51: 181-195. 69 Embora uma análise mais aprofundada deste tipo de questões seja delegada para o Relatório Final de
Julho de 2010, as secções 4 e 0 infra tecem alguns comentários mais detalhados sobre esta matéria. Vide, de igual modo, Rodrigues (2006, cit.).
70 V.g. Decisão CE de não oposição à operação de concentração Carrefour / Promodés (cit.) e análises da
Centromarca (disponíveis em http://www.centromarca.pt/), bem como da Autoridade da Concorrência Irlandesa e da Competition Commission do RU, ambas de Abril de 2008 (cit.).
71 A secção 4 infra apresenta uma análise mais fina ao nível do leite UHT, arroz e massas alimentícias.
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268. Para este efeito, consideram-se, em acréscimo, elementos de valores de compra,
no período 2004-2008, recolhidos dos GGR que operam actualmente em Portugal,
a saber, conforme supra referido, os Grupos Aldi, Auchan (Pão de Açúcar e
Jumbo), Carrefour (Dia% / Minipreço), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI
(Intermarché e Ecomarché), JM (Feira Nova, Pingo Doce e Recheio), MC (Modelo e
Continente) e Lidl – e dos três grossistas de maior dimensão, para além da cadeia
grossista Recheio do Grupo JM – Grupos GCT, Makro e Manuel Nunes.
269. Dado que esta informação não abrange, por um lado, a rede de hipermercados do
Grupo Carrefour (adquirida pelo Grupo MC em Dezembro de 2007, cit.) e a cadeia
retalhista Plus (adquirida pela cadeia Pingo Doce do Grupo JM em Abril de 2008,
cit.), bem como, por outro lado, os restantes retalhistas, que incluem outras
cadeias retalhistas de âmbito regional (v.g., os casos das cadeias A. C. Santos e
Alisuper) e o denominado “retalho tradicional”, estes elementos são extrapolados
com base em informação anterior da Centromarca (Associação Portuguesa de
Empresas de Produtos de Marca), disponível para o período 2002-2005.72
270. Esta informação da Centromarca permitirá, de igual modo, uma estimativa, ao
nível dos mercados de aprovisionamento, do total do canal grossista – em
particular, os que integram a UNIARME para além dos Grupos JM e Manuel Nunes,
este último apenas até ao final de 2007 – e os denominados “Outros Canais” de
distribuição – que incluem cadeias retalhistas de menor dimensão e de âmbito
mais regional e o canal HORECA, bem como do total dos mercados de
aprovisionamento (vide secção 3.4 infra e Anexo 1 para detalhes).
271. Destas estimativas resulta que o valor total do mercado nacional de venda a
retalho dos produtos ditos da distribuição alimentar” terá crescido de forma quase
ininterrupta no período 2002-2008, salvo uma ligeira contracção no período 2003-
2005, de 8.217,9 M € em 2002 para 10.616,2 M € em 2008, com um aumento
cumulativo de 29,2%. O aumento do valor total de aprovisionamento no período
2002-2008 foi de 20,3% (vide Tabela 1 e secção 3.4 infra).
272. Na venda a retalho, observa-se, de igual modo, um crescimento dos GGR face aos
demais retalhistas, no global do mercado, de 77,4% em 2002 (6360,7 M €) para
83,5% em 2008 (8864,5 M €). Os GGR revelam-se, de igual modo, de maior
72 Todavia, dado que a informação recolhida no âmbito do presente estudo é mais exaustiva e mais actual do
que a da Centromarca – relativa às vendas dos seus associados, discriminados pelos principais tipos de clientes e pelas categorias de produtos supra referidas, no período 2002-2005 (detalhados em Anexo) –, a mesma permite a actualização de estimativas anteriores (em Fonseca, 2005 e Rodrigues, 2006, cit.).
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importância do que os demais retalhistas na venda a retalho, discriminada por
categorias de produtos, com percentagens que variam dos 62,5% nas bebidas
alcoólicas em 2004 para os 89,9% nos “frescos” em 2008 (vide Gráfico 1 infra).
Tabela 1 – Evolução do valor total do comércio nacional a retalho de produtos de grande
consumo, período 2002-2008
Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 8.217,9 8.401,4 8.335,7 8.612,4 9.045,3 9.866,5 10.616,2Taxa de crescimento anual 2,23% -0,78% 3,32% 5,03% 9,08% 7,60%GGR 77,4% 76,7% 76,5% 78,5% 79,9% 82,0% 83,5%Primeiros 2 44,0% 41,7% 39,0% 39,5% 40,9% 41,5% 46,5%Primeiros 4 61,2% 59,5% 58,1% 59,1% 60,3% 63,1% 66,9%Outros 16,2% 17,2% 18,3% 19,4% 19,6% 18,9% 16,7%Outros retalhistas 22,6% 23,3% 23,5% 21,5% 20,1% 18,0% 16,5%Rácios de quotasPrimeiros 2 GGR / Total dos GGR 0,569 0,544 0,511 0,503 0,512 0,506 0,556MC / JM Retalho 1,389 1,425 1,388 1,409 1,364 1,314 1,355IHH GGR 1186 1122 1094 1136 1185 1240 1413
Fonte: Estimativas (preliminares) AdC com base em informação recolhida dos GGR (vide Anexo 1). De salientar
que os “outros retalhistas” incluem o “comércio tradicional” e todos as outras cadeias retalhistas (de âmbito
regional) não consideradas nos GGR.
Gráfico 1 – Importância relativa dos GGR e dos demais retalhistas no comércio nacional a
retalho de produtos da “distribuição alimentar”, no global do mercado e discriminado por
categoria de produtos, nos anos de 2004 e de 2008
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebida
s alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácteo
s
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Droga
ria e B
azar
Total
GGR 2004 Outros 2004 GGR 2008 Outros 2008
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273. Atenta a importância decrescente dos demais retalhistas e o crescimento dos dois
e dos quatro principais GGR desde 2004 – sendo que os dois principais (MC e JM)
representam, em 2008 e no seu conjunto, cerca de 46,5% do comércio nacional
total a retalho – o grau de concentração desta actividade tem vindo a aumentar
para valores acima do limiar de 1800 de uma estrutura concentrada de mercado.
Em especial, no ano de 2008, o Índice de concentração de Herfindahl-Hirschmann
(IHH)73 atinge os valores mais elevados nas categorias “frescos” (2230), “drogaria
e bazar” (1917) e “higiene pessoal” (1830), para um IHH no global do mercado de
1413, acima dos 1094 do ano de 2004 (vide Gráfico 8 em Anexo 1). Os valores
mais baixos destes IHH verificam-se ao nível das bebidas, sendo de,
respectivamente, 1050 e 854 nas bebidas alcoólicas e não alcoólicas.
3.4. Posicionamento dos GGR nos mercados nacionais
de aprovisionamento
274. No que respeita à procura nos mercados de aprovisionamento, dado dispor-se
apenas de informação relativa aos GGR e a três grossistas (vide supra), o global
do canal grossista e dos “outros canais” – incluindo outras cadeias retalhistas de
dimensão regional (cit.) e o canal HORECA – são extrapolados através desta
informação conjugada com informação anterior da Centromarca, relativa ao
período 2002-2005 (vide Anexo 1 para detalhes).74
275. Saliente-se que o valor de aquisições relativo ao Grupo JM inclui as aquisições da
sua cadeia grossista Recheio, atento o facto deste grupo – o único GGR que
opera, de igual modo, no segmento grossista – adquirir como um todo no
aprovisionamento, sendo este valor incluído no total de aquisições dos GGR.
276. Esta secção começa por comentar o posicionamento relativo dos GGR nos
mercados de aprovisionamento, bem como a sua evolução no período 2002-2008
(subsecção 3.4.1). Atento o facto da UNIARME integrar todas as cadeias do Grupo
JM, desde 1998, e deste ser o maior agrupamento actual de negociação em
73 Segundo os critérios de concentração do índice de Herfindhal-Hirschmann (IHH), valores deste índice
abaixo dos limiares de 1000-1200 indicam uma estrutura de mercado não concentrada, valores entre 1200-1800 indicam uma estrutura de mercado com grau moderado de concentração e valores acima de 1800 definem uma estrutura concentrada de mercado, onde a existência de questões de índole jus-concorrencial é mais verosímil.
74 De qualquer forma, os globais do canal grossista e dos “outros canais” são de difícil quantificação atento,
nomeadamente, o elevado grau de atomização dos operadores que incluem estes canais.
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Portugal, o cálculo do grau de concentração (IHH) dos GGR nestes mercados
considera a quota de aquisição do total da UNIARME em substituição da quota do
Grupo JM (subsecção 3.4.2).
3.4.1. Posicionamento dos GGR nos mercados nacionais de
aprovisionamento
277. No agregado dos mercados de aprovisionamento aqui em análise, verifica-se,
primeiro, uma ligeira contracção do valor global destes mercados dos anos de
2002 a 2004, de 10.078,7 milhões de euros (M €) em 2002 para 9655,7 M € em
2004 (um decréscimo cumulativo de 4,4%). De 2004 a 2008, este valor global
evidencia, em contrapartida, um forte crescimento – de variação anual sempre
positiva e superior à taxa de inflação –, para 12.128,2 M € em 2008, i.e. um
aumento (nominal) de 25,6% em relação a 2004 (vide Tabela 4 infra).
278. De par com esta evolução, a quota conjunta dos GGR evidencia um forte
crescimento em detrimento dos demais canais de distribuição, i.e. dos grossistas
e dos outros canais. No agregado do mercado de aprovisionamento, o conjunto
dos (9) GGR evolui de 57,1% em 2002 (5754,9 M €) para 72,4% em 2008
(8780,8 M €), i.e. um aumento de, respectivamente, 26,8% e 52,6% da quota e
do valor total de aquisições. Em contrapartida, o canal grossista regride de 21,5%
em 2002 (2166,9 M €) para 11,8% em 2008 (1431,1 M €), i.e. um decréscimo de
34,0% do seu valor total de aquisições. Os demais canais regridem em menor
proporção de 21,4% em 2002 (2156,8 M €) para 15,8% em 2008 (1916,3 M €),
tendo o valor das suas aquisições regredido, assim, de 11,2% de 2002 a 2008
(vide, de igual modo, Gráfico 2 infra).
279. O crescimento dos GGR no aprovisionamento e decréscimo dos demais canais de
distribuição é comum a todas as categorias de produtos, salvo a excepção das
bebidas não alcoólicas, que representam cerca de 9,3% do valor total do
aprovisionamento, em média, no período 2004-2008 (vide Gráfico 3 infra e
Gráfico 9 em Anexo 1).
280. Nas bebidas não alcoólicas, o conjunto dos GGR no aprovisionamento evolui de
45,8% em 2004 (390,9 M €) para 43,3% em 2008 (498,3 M €), à semelhança do
observado no canal grossista, de 15,8% em 2004 (134,8 M €) para 13,0% em
2008 (149,6 M €) – embora este decréscimo de quota esteja associado com um
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aumento do valor total de aquisições destes canais nesta categoria de,
respectivamente, 27,5% e 11,0% –, observando-se, assim, um aumento da quota
dos “outros canais”, de 38,3% em 2004 (326,9 M €) para 43,7% em 2008 (502,9
M €). Em contrapartida, no total das bebidas alcoólicas e não alcoólicas, os GGR
cresceram, de 40,1% em 2004 para 48,9% em 2008, em detrimento do canal
grossista e dos outros canais que regrediram, respectivamente, de 16,4% e
43,5% em 2004 para 12,8% e 38,3% em 2008.
Tabela 2 – Evolução do total do mercado de aprovisionamento de produtos de grande
consumo, período 2002-2008
Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 10.078,7 9.918,0 9.655,7 10.111,0 10.658,6 11.238,8 12.128,2Taxa de crescimento anual -1,59% -2,64% 4,72% 5,42% 5,44% 7,91%GGR 57,1% 60,4% 62,5% 66,0% 68,3% 70,3% 72,4%Primeiros 2 (%) 36,6% 34,7% 34,7% 37,2% 39,6% 40,9% 45,6%Primeiros 4 (%) 47,6% 48,2% 49,2% 51,9% 54,0% 56,0% 58,8%Outros (%) 9,5% 12,2% 13,3% 14,1% 14,3% 14,3% 13,5%Grossistas 21,5% 19,1% 17,7% 14,9% 13,8% 13,0% 11,8%Outros canais 21,4% 20,5% 19,8% 19,1% 17,9% 16,7% 15,8%Rácios de quotasUNIARME / MC 1,686 1,423 1,342 1,098 1,182 1,217 1,089UNIARME / GGR 0,531 0,439 0,403 0,317 0,334 0,337 0,336IHH GGR c/ UNIARME 1402 1216 1162 986 1073 1129 1248
Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos e estimativas detalhados em Anexo 1. “GGR” inclui a cadeia
grossista Recheio do Grupo JM. O remanescente da UNIARME, para além do Grupo JM, integra a categoria
“Grossistas”. Os rácios “UNIARME/MC” e “UNIARME/GGR” reportam-se aos rácios de quotas de aquisição do
total da UNIARME (incluindo o Grupo JM) e, respectivamente, o Grupo MC e o cumulativo de todos os GGR.
Gráfico 2 – Repartição do agregado do mercado do aprovisionamento por tipo de
clientes, GGR, Grossistas e outros canais, anos de 2002 e de 2008
Ano de 2002
21,5%
21,4%
57,1%
GGR Grossistas Outros canais
Ano de 2008
15,8%11,8%
72,4%
GGR Grossistas Outros canais Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.
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Gráfico 3 – Importância relativa dos três canais de distribuição no aprovisionamento –
GGR, Grossistas e Outros Canais –, discriminado por categoria de produtos (anos de
2004 e de 2008)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebid
as não
alco
ólica
s
Bebid
as alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácteo
s
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Drog
aria
e Ba
zar
Total
GGR 2004 Grosso 2004 Outros 2004 GGR 2008 Grosso 2008 Outros 2008
Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.
281. No que respeita às bebidas, observa-se, assim, que enquanto que os “outros
canais” superam os GGR nas bebidas não alcoólicas em 2008 – em oposição à
situação em 2004 – estes “outros canais” regridem no total das bebidas de uma
posição relativa acima dos GGR em 2004 – respectivamente, de 43,5% contra
40,1% – para uma importância relativa abaixo destes GGR em 2008, de 38,3%
contra 48,9%.
282. Os maiores aumentos de quotas dos GGR de 2004 a 2008 ocorrem nas bebidas
alcoólicas e nos produtos de higiene pessoal, respectivamente, de 36,1% para
54,4% e de 64,7% para 81%.
283. À excepção das bebidas (alcoólicas e não alcoólicas) e dos congelados, os GGR
representam, em 2008, mais de 70% da procura neste mercado, com
percentagens de, respectivamente, 72,4% e 73,1% no agregado do mercado e
nos lácteos e percentagens superiores a 80% nos produtos de “higiene pessoal”
(81,0%), de “frescos e mercearia” (81,6%) e de “drogaria e bazar” (82,5%).
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284. A forte concentração dos GGR no aprovisionamento reflecte-se, de igual forma,
pela importância cumulativa dos dois principais GGR na procura neste mercado –
Grupos JM (Feira Nova, Pingo Doce e Recheio) e MC (Modelo e Continente) – a
qual evolui de 36,6% em 2002 (3688,8 M €) para 45,6% em 2008 (5530,5 M €).
O cumulativo de quotas destes dois GGR atinge inclusive percentagens superiores
a 50% em 2008 nos “frescos e mercearia”, “higiene pessoal” e “drogaria e bazar”,
ficando próximo dos 40% nos lácteos e congelados (vide Gráfico 4 infra).
Gráfico 4 – Cumulativo de quotas dos dois primeiros GGR no aprovisionamento,
discriminado por categoria de produtos e no período 2004-2008
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebid
as al
coóli
cas
Total B
ebida
s
Lácte
os
Cong
elado
s
Higien
e pes
soal
Droga
ria e
Baza
rTo
tal
2004 2005 2006 2007 2008
Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.
285. O cumulativo de quotas dos 4 primeiros GGR no total do aprovisionamento evolui,
em contrapartida, de quase 50% em 2002 (47,6%) para 58,8% em 2008.75 A
concentração dos 4 primeiros GGR no aprovisionamento varia consoante a
categoria de produtos (vide Gráfico 10 em Anexo 1), superando os 60% nos
produtos de “frescos e mercearia” (67,4%), “higiene pessoal” (70,7%) e “drogaria
e bazar” (72,6%), e rondando, respectivamente, os 60% e 50% nos “lácteos”
(57,8%) e nos “congelados” (48,7%).
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3.4.2. Uma apreciação preliminar do poder de compra dos GGR
286. Não obstante a forte concentração da procura pelos GGR no aprovisionamento,
tanto no agregado como quando discriminado por categorias de produtos, salvo
os casos das bebidas e dos congelados, o IHH relativo às quotas daqueles GGR no
global do aprovisionamento toma valores abaixo do limiar de 1200 de um
mercado ligeiramente concentrado no período 2007-2008 e valores abaixo do
limiar de 1000, reflectindo uma estrutura não concentrada de mercado, no
período 2002-2008 (vide “IHH GGR” na Tabela 3 infra).
Tabela 3 – Evolução do total do mercado de aprovisionamento de produtos de grande
consumo, período 2002-2008
Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 10.078,7 9.918,0 9.655,7 10.111,0 10.658,6 11.238,8 12.128,2Taxa de crescimento anual -1,59% -2,64% 4,72% 5,42% 5,44% 7,91%GGR 57,1% 60,4% 62,5% 66,0% 68,3% 70,3% 72,4%Q4 / Q2 1,299 1,388 1,418 1,395 1,366 1,371 1,291UNIARME + MC 42,4% 43,0% 43,9% 40,0% 42,1% 43,2% 46,7%Rácios de quotasUNIARME / MC 1,686 1,423 1,342 1,098 1,182 1,217 1,089UNIARME / GGR 0,531 0,439 0,403 0,317 0,334 0,337 0,336IHH GGR 945 819 783 878 964 1024 1195IHH GGR c/UNIARME 1402 1216 1162 986 1073 1129 1248IHH GGR c/UNIARME e Interc. 1484 1287 1230 1040 1120 1174 1290
Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1. As três primeiras linhas são as
reportadas na Tabela 2 supra. “Q4 / Q2” reporta-se ao rácio de quotas conjuntas entre os 4 e os 2 primeiros
GGR. Os rácios “UNIARME/MC” e “UNIARME/GGR” reportam-se aos rácios de quotas no aprovisionamento do
total da UNIARME e, respectivamente, o Grupo MC e o cumulativo dos “GGR”. Os IHH são relativos às quotas
de aquisições dos GGR, destes em conjunto com a UNIARME (em substituição do Grupo JM) e deste último em
conjunto com o agrupamento recente de negociação, a Intercompra, entre os Grupos Auchan e Makro, em
substituição do Grupo Auchan.
287. Enquanto que o aumento relativo das quotas dos terceiro e quarto GGR face aos
dois maiores, tal como reflectido pelo aumento do rácio Q4 / Q2 no período 2002-
2004 contribui para um ligeiro recuo do “IHH GGR” naquele período (vide, de
igual modo, Rodrigues, 2006, cit.), esta tendência inverte-se no período 2004-
2008. Neste último período, observa-se um aumento do “IHH GGR” no global do
mercado e em todas as categorias de produtos em análise, salvo a única excepção
das “bebidas não alcoólicas” (vide Gráfico 10 em Anexo 1).
75 Enquanto que os Grupos JM e MC são os dois primeiros compradores em todas as categorias de produtos
e anos considerados, os terceiro e quarto GGR variam consoante o período e categoria em análise. No ano de 2008 e global do mercado, estes lugares são ocupados, respectivamente, pelos Grupos ITMI e Lidl.
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288. Em particular, nos “frescos”, o “IHH GGR” evolui de 1646 em 2004 para valores
acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado a partir de 2005, atingindo
o valor de 2254 em 2008. Na aquisição de produtos de “drogaria e bazar”, o “IHH
GGR” atinge o segundo valor mais elevado em 2008, de 1778, próximo do limiar
de 1800. No global dos produtos de “frescos e mercearia” e de “higiene pessoal”,
aquele IHH supera, de igual modo, o limiar de 1200, atingindo os valores de,
respectivamente, 1567 e 1624 em 2008.
289. Embora este “IHH GGR” reflicta o grau de concentração das aquisições efectivas
dos GGR, o mesmo não quantifica o poder de compra destes grupos naquele
mercado. Para além do facto dos GGR centralizarem as suas compras –
independentemente de operarem em regime de franquia (v.g., os casos dos
Grupos ITMI e E. Leclerc) –, o seu poder de compra traduz-se pela força de
aquisição destes grupos e/ou de eventuais agrupamentos de compra / negociação
que os mesmos possam integrar. No período em análise, apenas o Grupo JM
integra um tal agrupamento de compras / negociação, a UNIARME. Assim, o
poder de compra do Grupo JM deve ser conjugado ao da UNIARME (vide supra).
290. A importância relativa da UNIARME no mercado do aprovisionamento tem,
todavia, vindo a decrescer no período em análise, tal como reflectido, quer pelo
rácio de quotas no aprovisionamento entre a UNIARME e o Grupo MC (segundo
operador neste mercado) que evolui de 1,686 em 2002 para 1,089 em 2008, quer
pelo rácio de quotas entre a UNIARME e o total de todos os GGR (incluindo o
Grupo JM), que evolui de 0,531 em 2002 para 0,336 em 2008. Acresce que a
UNIARME perde recentemente grande parte dos seus principais associados, a CMC
e grande parte da UNIMARK em 2005 (vide supra), e o grossista Manuel Nunes
em 2007. Com a saída destes associados, a importância do Grupo JM na UNIARME
evolui de cerca de 40-60% (59% em média) para mais de 80%.
291. Assim, a ligeira recuperação de quota da UNIARME, em relação ao Grupo MC e
aos demais GGR de menor dimensão, no período 2006-2007 dever-se-á ao
reforço relativo da quota do Grupo JM face aos demais GGR. A queda de quota da
UNIARME em relação ao Grupo MC no ano de 2008 poderá, por seu turno, estar
relacionada com a expansão deste grupo neste ano, derivada da sua aquisição da
rede de hipermercados Carrefour em Dezembro de 2007 (cit.).
292. Considerando os IHH relativos às aquisições dos GGR, sendo as do Grupo JM
substituídas pelo total da UNIARME, temos que estes “IHH GGR c/UNIARME”
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evoluíram de 1402 em 2002 para 1248 em 2008, ambos acima do limiar de 1200
de um mercado com grau moderado de concentração, mas em ligeira queda. Esta
evolução é semelhante entre categorias de produtos, embora os respectivos IHH
superem, por vezes, o limiar de 1800 de um mercado concentrado, nos “frescos”
desde 2004-2005 e na “drogaria e bazar” desde 2008 (vide Gráfico 5 infra).
Gráfico 5 – IHH relativos às quotas no aprovisionamento dos GGR, sendo o Grupo JM
substituído pela UNIARME, discriminados por categoria de produtos (período 2004-2008)
0200
400600
80010001200140016001800200022002400
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebida
s alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácteo
s
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Drog
aria
e Ba
zar
Total
2004 2005 2006 2007 2008
Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.
293. No que respeita ao recente agrupamento de negociação, Intercompra, constituído
entre os Grupos Auchan (retalho) e Makro (grossista), no ano de 2009, a última
linha da Tabela 3 supra estima qual teria sido o efeito sobre o grau de
concentração do aprovisionamento nacional no período 2002-2008 caso este
acordo tivesse vigorado durante este período e no pressuposto que o mesmo não
teria alterado as quotas na aquisição daqueles grupos76. Observa-se, assim, um
ligeiro aumento do IHH quando considerados os dois agrupamentos de
76 Em princípio, um agrupamento de negociação, tal como o da Intercompra, terá como efeito o aumento de
quotas individuais na aquisição de cada um dos seus associados, sendo este, aliás, o objectivo principal de um tal acordo. O facto deste acordo ser ainda recente não permite, todavia, averiguar de forma rigorosa os efeitos que o mesmo terá sobre a estrutura do mercado e/ou a posição individual no mesmo de cada um dos seus associados.
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negociação, UNIARME e Intercompra, embora o acréscimo de IHH em relação ao
“IHH GGR c/ UNIARME” se atenue no tempo, o que reflecte o decréscimo da quota
conjunta dos Grupos Auchan e Makro na aquisição.77
3.5. Evolução das margens médias brutas dos GGR
294. No que respeita à evolução das margens médias brutas dos GGR78 – i.e., da
diferença entre os valores de vendas e de compras em percentagem do valor de
vendas – constata-se, em geral, que estas têm vindo a regredir no período em
análise, no global de vendas – de 13,3% em 2004 para 7,1% em 2008 – e
quando discriminadas por categorias de produtos, à excepção dos lácteos (vide
Gráfico 6 infra). Nos lácteos, a margem média bruta dos GGR evoluiu de 9,7% em
2004 para 15,7% em 2008, tendo atingido um máximo em 2007 de 17,5%, após
o mínimo de 1,7% em 2006.
295. Esta evolução das margens médias brutas dos GGR deverá, todavia, ser objecto
de uma análise mais aprofundada no Relatório Final de Julho de 2010, dado que a
mesma pode resultar de outros factores sem alcance jusconcorrencial. De entre
estes factores, são de salientar: (i) o grau de heterogeneidade entre produtos
incluídos nas aqui consideradas categorias de produtos e (ii) o peso que os
produtos de marca do distribuidor (MDD) poderão ter sobre estas margens, sendo
os MDD caracterizados por um custo para o distribuidor inferior ao dos produtos
de marca do fornecedor.
296. Em particular, o efeito potencial dos MDD poder-se-á sentir, nomeadamente, no
caso dos lácteos, onde o leite UHT representa cerca de 40% das vendas totais
destes produtos (vide secção 4.2 infra), mais do que nas demais categorias, onde
existe uma maior heterogeneidade entre os produtos ai incluídos.
297. Acresce que, na ausência de uma análise paralela sobre a evolução das margens
das empresas de aprovisionamento, será prematuro concluir por qualquer tipo de
distribuição de rendas entre estas empresas e os GGR, incluindo uma eventual
77 No global do aprovisionamento, a quota conjunta dos Grupos Auchan e Makro regrediu de 10,4% em 2004
para 8,6% em 2008, tendo idêntica situação se verificado ao nível individual de cada um destes grupos. 78 De salientar que, embora dispúnhamos de elementos de compra e de venda para os quatro principais
grossistas, estes valores não nos permitem uma estimativa rigorosa das margens médias brutas do canal grossista em geral, embora estas quatro empresas representem mais de 50% do aprovisionamento total deste canal. A resposta a esta questão é, todavia, delegada para o Relatório Final de Julho de 2010.
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maior captação de rendas por estes grupos no caso dos lácteos, em contraponto à
elevada concentração do aprovisionamento neste sector, detendo a Lactogal uma
quota superior a 2/3 neste mercado (vide secção 4.2 infra). Remete-se, de igual
forma, esta análise para o Relatório Final de Julho de 2010, bem como uma
comparação com a situação a nível dos vários Estados membros da UE. De
qualquer forma, uma redistribuição de rendas não constitui per se um ilícito
jusconcorrencial.
Gráfico 6 – Evolução das margens médias brutas na venda a retalho, em percentagem do
valor global destas vendas no agregado dos GGR, discriminadas por categorias de
produtos e no período 2004-2008
0%
5%
10%
15%
20%
25%
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebid
as não
alco
ólica
s
Bebid
as al
coóli
cas
Total B
ebida
s
Lácte
os
Cong
elad
os
Higien
e pes
soal
Drog
aria
e Ba
zar
Total
2004 2005 2006 2007 2008
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4. Uma análise dos sectores nacionais do leite
UHT, arroz e massas alimentícias
298. A análise do capitulo anterior permite o enquadramento genérico do
posicionamento (nacional) dos GGR no global das vendas a retalho e na procura
em diversos mercados de aprovisionamento. O grau de concentração destes
grupos e, em especial, o seu poder de compra face ao poder de venda dos
fornecedores podem, todavia, diferir consoante o produto em causa.
299. Sem prejuízo da natureza multi-serviços / multi-produtos da actividade dos GGR,
no que respeita às relações comerciais entre estes grupos e os seus fornecedores
nos mercados de aprovisionamento, o mercado relevante do produto para efeitos
de apreciação jusconcorrencial de certos tipos de práticas poderá ter de ser
definido ao nível de um determinado produto, i.e. a um nível mais fino do que o
das categorias de produtos consideradas no capitulo anterior.
300. Em particular, à semelhança do que aconteceu em diversos mercados
internacionais de produtos base (“commodities”) – incluindo os sectores do
petróleo e derivados –, os preços internacionais e europeus na produção nos
sectores lácteo e cerealífero foram afectados por um forte pico de volatilidade no
biénio recente de 2007-2008, tendo fortemente aumentado do segundo semestre
de 2006 para máximos históricos no final de 2007 e regredido desde essa data.
301. Embora a forte subida destes preços, do segundo semestre de 2006 até ao final
do ano de 2007, tenha incentivado as respectivas produções e de forma algo
contra-cíclica face à crise económica da data, a sua forte queda, que se observou
de forma compensatória no ano de 2008, em muito agravou aqueles incentivos,
acentuando os efeitos da crise económica e do pessimismo gerado pela nova
reforma da PAC.
302. O impacto que a forte queda destes preços tem no rendimento agrícola e nos
respectivos incentivos à produção levaram à promoção de diversos estudos a nível
Comunitário, de forma a equacionar um conjunto de soluções, que se
compaginem com o conjunto de reformas em curso no âmbito da PAC.79
79 V.g. Comunicação CE sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”
(cit.).
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303. Assim, o presente Relatório Preliminar pretende facultar uma primeira visão sobre
a situação nacional actual ao nível das relações entre os GGR e os seus
fornecedores no âmbito de três sectores influenciados, quer por aquela evolução,
quer pela PAC, e que se compaginam com as análises ora em curso ao nível
Comunitário, a saber o leite UHT – que representa cerca de 40% das vendas
nacionais de produtos lácteos –, o arroz e as massas alimentícias.
304. A escolha destes três produtos justifica-se, de igual modo, pela importante
destrinça existente entre as suas cadeias de valor ao nível nacional e a influência
potencial que o eventual poder de compra dos GGR poderá ter sobre as mesmas.
Primeiro, enquanto que Portugal é auto-suficiente em leite cru, matéria-prima
para a produção láctea, e cerca de 60% do arroz para transformação é de origem
doméstica, a maioria do trigo duro para fabrico de massas alimentícias é de
origem externa (intracomunitária). Segundo, embora o mercado nacional de
venda de arroz à GDA seja caracterizado por alguma concentração, com IHH
próximos do limiar de 1800 de um mercado concentrado, mais de 70% de cada
um dos mercados de aprovisionamento de leite UHT e de massas alimentícias é
controlado por uma única empresa, exibindo ambos IHH superiores a 5000.
305. Assim, enquanto que nos casos do leite UHT e do arroz, o eventual poder de
compra da GGR poderá influenciar a determinação dos preços na produção
nacional, o mesmo não acontece ao nível do trigo duro atenta a sua natureza
externa. Por seu turno, será a priori mais verosímil que o poder de compra dos
GGR tenha uma maior influência sobre os preços no aprovisionamento e, por esta
via, na produção no caso do arroz do que nos casos do leite UHT e das massas,
onde a indústria transformadora é fortemente concentrada.
306. Esta primeira análise caracteriza, de forma preliminar, a cadeia de valor específica
a cada um destes sectores, da produção à indústria transformadora e da relação
entre esta, enquanto fornecedora, e a GDA, incluindo os GGR, bem como o grau
de concentração de cada uma destas actividades, incluindo o da procura pelos
GGR no aprovisionamento. Todavia, o devido enquadramento entre as
caracterizações destes sectores e os conceitos económicos de “dependência
económica” de alguns fornecedores face aos GGR e de existência ou não de um
“poder de compra” destes GGR é delegado para uma análise mais aprofundada no
âmbito do Relatório Final de Julho de 2010 (vide, de igual modo, capítulo 6 infra).
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307. Esta análise aprofundada, a ser concluída em Julho de 2010 debruçar-se-á, de
igual modo, sobre um cabaz mais diversificado de produtos para além dos aqui
em análise, incluindo outros produtos lácteos (iogurtes, queijos e manteigas),
cafés e sucedâneos, conservas e enlatados, farinhas lácteas e de uso culinário,
cereais de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (óleos, azeites
e margarinas), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, ovos, aves e carne
fresca, bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.
308. O presente capítulo é organizado do seguinte modo. Primeiro, atento o carácter
preliminar da presente análise, começaremos por salientar um conjunto de
ressalvas relativas à mesma (secção 4.1). De seguida, descreve-se o
enquadramento geral dos sectores em análise (secção 4.2) e analisa-se os casos
do leite UHT (secção 4.3) e do arroz e das massas alimentícias (secção 4.4). O
capítulo é concluído por alguns comentários finais preliminares (secção 4.5).
4.1. Ressalvas quanto à análise preliminar
309. Primeiro, os elementos estatísticos que servem de base a esta análise,
desagregados pelas empresas abrangidas, não podem ser divulgados por motivos
de confidencialidade relativos aos pedidos de elementos efectuados pela AdC no
âmbito da elaboração do presente Relatório. Assim, a informação estatística infra
é de natureza agregada e não passível de poder inferir qualquer tipo de elementos
específicos a uma determinada empresa.
310. A referência, na presente secção, a “grau de dependência” e/ou à
representatividade dos GGR na procura reporta-se à percentagem do valor de
vendas de um fornecedor afecto a um ou a vários GGR, não podendo esta medida
ser confundida com o conceito de “dependência económica”. Aliás, não existe uma
medida exacta a partir de que grau de representatividade das suas vendas face a
um determinado cliente, in casu GGR, pode um determinado fornecedor ser
legalmente qualificado no estado de “dependência económica”, tal como tipificado
no artigo 7.º na lei nacional da concorrência (vide, de igual modo, Anexo 2 infra),.
311. Em paralelo, atento o seu carácter preliminar, não pode ainda a presente análise
pronunciar-se sobre a eventual existência de poder de compra dos GGR, quer nos
sectores aqui em análise, quer nas categorias de produtos analisadas no capítulo
anterior. Todavia, conforme supra referido (capítulo 3), nos sectores com
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produção de origem nacional e onde o poder de compra dos GGR prevaleça sobre
o poder de mercado (“selling power”) dos fornecedores, poderá ser expectável
que sejam os GGR e não os produtores e/ou fornecedores que determinem os
preços na produção, sem que tal facto consubstancie per se um ilícito
jusconcorrencial.
4.2. Enquadramento geral dos sectores nacionais do
leite UHT, arroz e massas alimentícias
312. Segundo a CE,80 a forte volatilidade dos preços europeus na produção nos
sectores lácteo e cerealífero deve-se a um conjunto de diversos factores, entre os
quais se incluem o aumento da procura europeia e internacional destes produtos
em paralelo com restrições do lado da oferta na UE nos anos de 2006 e de 2007,
que reduziram de forma considerável os stocks europeus destes produtos.
Também o aumento dos custos de transporte marítimo e das cotações energéticas
(petróleo e derivados), conjugadas com a relativa fraqueza do dólar americano,
poderão ter, em parte, contribuído para uma maior volatilidade dos preços destes
produtos no biénio 2007-2008.
313. O leite e os cereais são de elevada importância em toda a cadeia de
abastecimento alimentar. Em particular, enquanto que o trigo é utilizado, em
conjunto com outros cereais no fabrico de rações para animais, importante para o
sector lácteo, o trigo mole é o principal cereal utilizado no fabrico de farinhas para
alimentação humana, bem como para panificação e produtos de pastelaria em
geral enquanto que o trigo duro é o principal cereal para o fabrico de massas
alimentícias.
314. Aos níveis nacional e Comunitário, os sectores do leite, arroz e das massas
alimentícias (provenientes do trigo duro) são, à semelhança de outros sectores
agro-alimentares na UE, fortemente influenciados pelas regras estabelecidas no
âmbito da PAC.
315. A PAC estabelece preços de garantia para os agricultores, controla as áreas para a
sua produção (set-aside) e cobra direitos aduaneiros às importações. Os preços
de intervenção estabelecidos pela PAC têm mostrado uma tendência decrescente
80 Cf. Comunicação CE “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa” (cit.).
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nos últimos anos, fruto da redução do orçamento da PAC, sendo previsto o seu
termo, bem como das respectivas quotas na produção, até 2013.
316. Em particular, a Reforma da PAC de 2000 no sector cerealífero estabeleceu uma
redução de 15%, a ocorrer em dois anos (2001-2002), dos preços de intervenção,
que viria a ser fixada em 3% em 2005, 4% em 2006 e 5% a partir de 2007 na
Reforma da PAC de 2003.81 Também, no caso do leite, os preços de intervenção
da PAC têm vindo a diminuir de forma considerável.82
317. Em resultado da PAC, o sector nacional tem vindo a especializar-se na produção
de arroz em detrimento de outros cereais, tal como o trigo (mole e duro). Por seu
turno, o sector nacional é auto-suficiente em leite cru para a produção láctea.
318. Segundo o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
(MADRP)83, da proposta de reforma em curso da PAC é esperada uma redução
significativa da produção nacional de leite cru, de arroz e de trigo duro. No que
respeita ao trigo, está apenas a ser equacionada a eventual manutenção das
quotas e preços de intervenção actuais ao nível do trigo mole, utilizado na
panificação e nos produtos de pastelaria em geral.
319. A produção agro-alimentar nacional é, em geral, caracterizada por sistemas
fortemente atomizados, embora por vezes dominados por estruturas
cooperativistas, tal como no caso dos lácteos. Em particular, a recolha de leite cru
em território nacional é assegurada por um número limitado de grandes
cooperativas (caso da Serraleite na região do Alentejo) ou uniões de cooperativas
(caso da Lactogal no Centro e Norte do Continente, bem como na RAA), sendo
estas, em geral, integradas mais a jusante na indústria transformadora.
81 V.g., Culturas Arvenses: Diagnóstico Sectorial, Ministério da Agricultura (cit.) e Evolução da Politica
Agrícola Comum (PAC) no Sector dos Cereais, CONFAGRI, 02.07.2008 (cit.). Consta, todavia, deste último documento que uma das propostas para a futura da PAC é a da manutenção dos preços de intervenção apenas no caso do trigo mole.
82 Cf. Comunicação da Comissão ao Conselho: Situação do mercado do leite e dos produtos lácteos – 2009,
COM(2009) 385 Final, de 22.07.2009, Gráficos pp. 4 e 5. 83 Cf. Leite e Lacticínios: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas do MADRP, 2007.
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4.3. Sector lácteo e leite UHT
4.3.1. Caracterização do sector lácteo nacional84
320. Segundo a ANIL (Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios), Portugal é
auto-suficiente no aprovisionamento de matéria-prima (leite cru), embora esta
auto-suficiência possa vir a ser comprometida em resultado da proposta de
reforma da PAC até 2013 (cit.), caso os preços nacionais na produção de leite
percam em competitividade face a outros Estados Membros em resultado do
termo dos preços de intervenção estabelecidos no âmbito da PAC.
321. Todavia, a crise no sector dos lacticínios ao nível da UE (cit.) gerou diversas
discussões aos níveis Comunitários e de diversos Estados Membros no sentido de
aligeirar os efeitos da crise no sector através de auxílios de Estado. Uma análise
detalhada de propostas neste sentido consta, em particular, das conclusões
recentes da CE relativas ao “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento
alimentar na Europa” (cit.) 85.
4.3.1.1. Produção primária de produtos lácteos
322. Segundo o MADRP, a produção nacional de leite cru é caracterizada por uma
estrutura fundiária atomizada, embora a dimensão das explorações tenha
aumentado desde meados da década de 1990, em resultado de uma redução do
seu número, nomeadamente, das de menor dimensão e de uma maior
concentração destas explorações na proximidade da indústria transformadora
(Norte, Centro, Alentejo e RAA).
323. Grande parte da produção nacional de leite cru é, conforme supra referido,
organizada em cooperativas, sendo a maioria destas cooperativas integradas mais
a jusante na indústria transformadora. Em particular, este facto confere a esta
industria um poder de influência sobre os preços na produção.
84 O referido nesta subsecção, bem como na secção 4.4 infra, provém, nomeadamente, de informação da
ANIL (Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios) – v.g. Comunicado da ANIL, Audiência com o Exmo. Sr. Secretário do Estado do Comércio, dos Serviços e da Defesa do Consumidor, Lisboa, 11.07.2008, bem como Newsletters da ANIL (http://anilact.pt/content/view/60/100/) – e do MADRP (cf. Leite e Lacticínios: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas do MADRP, 2007).
85 Vide também o Comunicado CE relativo à distribuição de um auxilio adicional de 300 M € para a produção
láctea na UE, cabendo 4,08 M € a Portugal (em http://ec.europa.eu/agriculture/newsroom/en/373.htm).
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324. As quatro maiores uniões de cooperativas nacionais de produtores integram a
FENALAC (Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite)86, a saber
a Agros, Proleite, Lacticoop e Serraleite. As três primeiras (Agros, Lacticoop e
Proleite)87 constituíram, por fusão, a Lactogal (Lactogal – Produtos Alimentares,
SA), em 1996, sendo as suas accionistas desde essa data. A Lactogal é, segundo
informação do MADRP, responsável por cerca de 2/3 da recolha de leite em
território nacional (Norte, Centro e RAA), sendo a Serraleite88, segundo
nformação da própria, a principal responsável pela recolha de leite na região do
cerca de 75% do total
Alentejo.89
325. A Lactogal e a Serraleite, operam, de igual modo, na indústria transformadora,
sendo esta representada pela ANIL. Segundo a FENALAC, os cerca de 8000
produtores que esta federação reagrupa representam
nacional (Continente e RAA) de produção de leite cru.
326. No período 2000-2005, embora se tenha assistido na UE15 a uma redução do
número de vacas leiteiras90, de 7% em Portugal (de 355 mil em 2000 para 330
mil em 2005) contra 11% na UE15, e de explorações, de 38% em Portugal (de
23,9 mil em 2000 para 14,7 mil em 2005) contra 9% na UE15, o volume (em
milhares de ton) de produção de leite em Portugal aumentou no mesmo período
em 1,9%, de 2060 no ano de 2000 para 2100 em 2005. A este aumento está
associado um aumento da produtividade bovina, de 9% em Portugal (de 5787 ton
de leite/vaca em 2000 para 6287 ton/vaca em 2005) contra 12% na UE15, bem
como da produtividade por exploração, de 59% em Portugal (de 79
ton/exploração em 2000 para 126 ton/exploração em 2005) contra 10% na UE15.
327. Salientar-se-á, de igual modo, que o rendimento líquido bovino se situa, em
média, nos 29% do rendimento total por animal. Os custos bovinos são,
86 Cf. http://www.fenalac.pt/#/a-fenalac/. 87 Formalmente, estas uniões de cooperativas são designadas por: AGROS – União das Cooperativas de
Produtores de Leite de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, UCRL, LACTICOOP – União das Cooperativas de Produtores de Leite de Entre Douro e Mondego, UCRL e PROLEITE / MIMOSA, SA (cf. http://www.lactogal.pt/presentationlayer/Home _00.aspx).
88 SERRALEITE – Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite de Portalegre, CRL (http://
www.serraleite.pt/quem_somos.htm). 89 No biénio 2005-2006, a produção nacional de leite está repartida entre as regiões de: Entre-Douro-e-
Minho (35%), RAA (27%), Beira Litoral (14%), Ribatejo (10%), Alentejo (7%), Trás-os-Montes (4%), Beira Interior (3%) e Algarve (<1%).
90 Segundo estatísticas do INE, a grande maioria do leite cru nacional provém da vaca (em cerca de 98%),
sendo o remanescente proveniente de ovelha e de cabra (vide Tabela 4 infra).
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maioritariamente, devidos à alimentação (51,6% do custo total) e a juros e
amortizações (32,9% do custo total). Assim, a evolução das taxas de juro e dos
preços dos cereais utilizados para fabrico de rações para animais, terá um
impacto não negligenciável na evolução dos custos no sector lácteo.
0 M €) do total de VABpm gerado pela
ção mundial,
consumo de leite cru,
at (Parmalat e Ucal), Fromageries 92
(Loreto); e nos
Portugal, detendo uma quota na produção e na revenda de produtos lácteos
4.3.1.2. Indústria transformadora de produtos lácteos
328. Segundo o MADRP, a produção láctea (de leite e de derivados) representava no
biénio 2005-2006 cerca de 11% (120
indústria agro-alimentar e de bebidas.
329. Em comparação, na UE como um todo, mais de um milhão de produtores escoam,
actualmente, cerca de 48 M de tons de leite por ano, com um valor aproximado
de 41 mil M € à saída da exploração. Por outro lado, a produção láctea na UE gera
um VABpm de cerca de 120 mil M € anualmente. Note-se, igualmente, que a UE é
o maior produtor mundial de leite com cerca de 27% da produ
seguido da Índia com cerca de 20% e dos EUA com cerca de 16%91.
330. Nesta indústria (transformadora de leite cru), operam em território nacional
empresas nacionais e grandes multinacionais, sendo o seu
maioritariamente, de origem nacional (Continente e RAA).
331. Os principais produtores de leite UHT em Portugal são: a Lactogal (insígnias
Agros, Gresso, Matinal, Mimosa e Vigor), Parmal
BEL (Terra Nostra) e a Serraleite (Serraleite).
332. Nos demais produtos lácteos, são de destacar, nas manteigas: a Lactogal
(Milhafre, Mimosa e Primor), Parmalat (Ucal), Fromageries BEL
queijos: a Fromageries BEL (Limiano), Lactogal e Queijo Saloio.
333. Enquanto que a Lactogal e a Serraleite são as principais responsáveis pela recolha
de leite em território nacional (vide supra), a Fromageries BEL é o principal
operador na recolha de leite na RAA. A Lactogal é líder no sector lácteo em
91 Dados da International Dairy Federation, “Production of cow milk”, 2007, http://www.fil-icif.org. 92 A Fromageries BEL integra o Grupo francês BEL (http://www.groupe-bel.com/bebel/fr/accueil.html).
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superior a 2/3. Esta liderança é apenas contraposta no segmento dos queijos, o
qual é liderado pela Fromageries BEL, em especial, através dos queijos Limiano.93
334. Grande parte do leite cru (47%) é destinado à produção de leite UHT, o qual
representa cerca de 77% do volume total de produção nacional de produtos
lácteos frescos. Dos demais produtos lácteos de origem doméstica, são de
destacar: (i) os iogurtes, que consomem cerca de 5,5% do total nacional de leite
cru e representam cerca de 9% do volume nacional total de produtos lácteos
frescos; (ii) os queijos, que consomem cerca de 3,5% do total nacional de leite
cru e representam cerca de 50% do volume nacional total de produtos lácteos
transformados; e (iii) as manteigas, que consomem cerca de 1,5% do total
nacional de leite cru e representam cerca de 20% do volume nacional total de
produtos lácteos frescos (vide Tabela 4 infra).
Tabela 4 – Principais produtos lácteos de fabrico nacional
Ton. % Ton. % Ton. %1. Leite cru 1.954.432 100% 1.889.547 100% 1.871.643 100%
De vaca 1.920.643 98,3% 1.850.836 98,0% 1.836.543 98,1%2. Produtos frescos 1.164.527 59,6% 1.169.864 61,9% 1.141.676 61,0%
Leite para consumo 958.988 49,1% 962.927 51,0% 917.812 49,0%
Leite cru 17 0,0% 57 0,0% 39 0,0% Leite UHT 930.322 47,6% 919.524 48,7% 883.912 47,2%
Outros leites 28.649 1,5% 43.346 2,3% 33.861 1,8%
Natas 17.167 0,9% 17.382 0,9% 17.367 0,9%Iogurtes 101.671 5,2% 105.986 5,6% 108.109 5,8%
Bebidas lácteas 62.828 3,2% 68.780 3,6% 74.037 4,0%
Outros lácteos frescos 23.873 1,2% 24.789 1,3% 24.360 1,3%3. Produtos transformados 130.882 6,7% 141.451 7,5% 139.529 7,5%
Leite em pó 16.216 0,8% 16.421 0,9% 14.418 0,8%
Manteiga 26.971 1,4% 28.694 1,5% 27.695 1,5%Queijos 66.282 3,4% 66.244 3,5% 69.269 3,7%Soro de leite 22.413 1,1% 30.091 1,6% 28.146 1,5%
2005 2006 2007*
Fonte: MADRP e INE (Instituto Nacional de Estatística). Os valores relativos ao ano de 2007 referem-se a
estimativas.
335. Todavia, dado que o sector nacional é deficitário em iogurtes e queijos, sendo
excedentário em leites e em manteigas, estas percentagens não correspondem à
importância relativa destes produtos nas vendas nacionais totais (em €) de
produtos lácteos (vide Gráfico 7 infra).
93 De salientar que operam, de igual modo, no sector lácteo nacional, outras grandes multinacionais tais
como a Nestlé (leite em pó) e a Milupa (leites infantis). Realçar-se-á ainda o facto da Lactogal e a Parmalat operarem, em paralelo, no sector dos sumos e néctares.
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336. Segundo informação do MADRP, enquanto que o sector nacional é excedentário
em leite cru, ao nível dos produtos lácteos finais, esta capacidade excedentária
verifica-se apenas nos produtos de menor valor acrescentado (leite, natas e
manteiga), sendo o sector nacional deficitário nos produtos de maior valor
acrescentado (“iogurtes & quefir” e “queijos & requeijão”). O principal destino das
saídas é o espaço UE, com excepção dos queijos onde existe alguma colocação
em Angola e nos EUA.
337. Ao nível do consumo per capita e no cômputo geral do período 2000-2006,
verificou-se uma relativa estagnação no consumo nacional de leite e queijos e um
ligeiro aumento do consumo de manteigas. Segundo estatísticas do INE relativas
às despesas das famílias no ano de 2005,94 o consumo de leites UHT (magro,
meio gordo e gordo) representava nesse ano cerca de, respectivamente, 4,6% e
32,7% do consumo nacional total de produtos alimentares e de produtos lácteos,
i.e. da rubrica “leite, queijo e ovos” (vide Tabela 5 infra).
Gráfico 7 – Repartição do total nacional de vendas (em €) de lacticínios em 2007
Gelados2,8%
Leite UHT40,5%
Leite em pó1,8%
Manteiga6,9%
Nata3,2%
Queijos21,9%
Iogurtes22,9%
Fonte: Inquérito Anual à Produção Industrial, INE, 2007.
94 De notar que estes inquéritos do INE são quinquenais, de onde o próximo inquérito será efectuado apenas
em 2010.
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Tabela 5 – Importância dos principais produtos lácteos nas despesas das famílias,
inquérito do INE relativo ao ano de 2005
Categoria
Total de produtos lácteos ("leite, queijo e
ovos")
Total de "Produtos
Alimentares"
Leites UHT 32,7% 4,6%Iogurtes, Leites Fementados e Similares 28,8% 4,0%
Queijo 25,7% 3,6%
Outros Produtos Lácteos 5,6% 0,8%
Manteiga 3,8% 0,5% Fonte: Cálculo AdC com base em informação facultada pelo INE.
338. Dado que o total de “Produtos Alimentares” representa, segundo as mesmas
estatísticas, cerca de 14,8% do total de despesas de consumo (em 2005), o
consumo de leites UHT representa, assim, cerca de 0,7% do total de despesas de
consumo. Em contrapartida, os “iogurtes, leites fermentados e similares” e os
“queijos” representam, respectivamente, 0,6% e 0,5% do total de despesas de
consumo. Estas percentagens em muito excedem os 0,1% que o arroz e as
massas alimentícias representam no total de despesas de consumo (vide infra).
4.3.2. Representatividade da procura dos GGR em leite UHT
339. Dos elementos apurados relativos aos principais fornecedores de produtos lácteos
no mercado nacional, verifica-se que no global de vendas de leite UHT relativo ao
ano de 2008, cerca de 60% é escoado para os GGR, sendo cerca de 15%
exportado e cerca de 4% destinado ao canal HORECA (vide Tabela 6 infra).
Enquanto que no período 2004-2008, esta última percentagem se manteve
estável, verificou-se um ligeiro aumento das exportações – de cerca de 10% em
2005 para cerca de 15% em 2008 – em detrimento das vendas aos GGR. O
remanescente de cerca de 21% de vendas de leite UHT é destinado aos demais
clientes do aprovisionamento, incluindo o canal grossista.
340. De igual modo se constata que do total de vendas de leite UHT dos principais
fornecedores aos GGR, cerca de 50% são destinados, de forma quase equitativa,
aos dois principais GGR. Assim, estes GGR adquirem, no seu conjunto, cerca de
30% do valor total do aprovisionamento nacional em leite UHT.
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341. Embora cerca de 60% do total de vendas de leite UHT se destinem aos GGR no
ano de 2008, no global do volume de negócios (VN) destes fornecedores – o qual
inclui a venda de outros produtos lácteos – aquelas vendas de leite UHT afectas
aos GGR representam 25%. Percentagem esta que contrasta com 30% no ano de
2005. Assim, no agregado dos fornecedores considerados, o total de vendas de
leite UHT representou, em 2008, cerca de 41,5% do VN destas empresas (vide
Gráfico 7 supra).
342. Resulta, assim, como primeira ilação desta análise que, sem prejuízo de um
ligeiro aumento das exportações de leite UHT pelos principais fornecedores de
produtos lácteos e atenta a importância do leite UHT no global de vendas dos
produtos lácteos, a forte importância que revestem os GGR nas aquisições totais
de leite UHT no mercado nacional poder-lhes-á conferir um poder de compra não
negligenciável neste produto, sendo este poder potencialmente acrescido pela
possibilidade destes grupos recorrerem à importação deste produto.
Tabela 6 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de leite
UHT, em % dos valores de vendas no global deste produto e do VN dos fornecedores
2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de leite UHTGGR n.d. 66,1% 68,8% 66,4% 60,7%HORECA n.d. 4,0% 4,0% 3,6% 4,6%
Outros canais n.d. 19,6% 16,9% 17,2% 19,7%Exportações n.d. 10,3% 10,2% 12,8% 15,0%Maior GGR n.d. 14,0% 15,8% 13,7% 15,9%
Dois maiores GGR n.d. 27,0% 30,0% 25,9% 29,0%Em termos do VNGGR n.d. 29,3% 31,3% 30,7% 24,9%Maior GGR n.d. 6,2% 7,2% 6,3% 6,5%
Dois maiores GGR n.d. 12,0% 13,6% 12,0% 11,9%Mercado do aprovisionamentoImportações n.d. 12,6% 13,0% 13,0% 9,9%IHH n.d. 6490 6521 6425 7034
Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade
de informação para o ano de 2004 justifica-se pelo facto desta não ter sido fornecida pela integralidade das
empresas abrangidas pelo Estudo.
343. Também não é menos negligenciável o facto de existir um elevado grau de
concentração nas vendas de leite UHT no mercado nacional. Em consistência com
a supra referida informação do MADRP, na amostra de (21) fornecedores
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considerada no presente Relatório AdC, a Lactogal dispõe de uma quota superior a
2/3 do total de vendas de leite UHT no mercado nacional, constatando-se, ainda,
que nenhuma outra empresa atinge os 10% de quota.
344. Nesta amostra do aprovisionamento nacional de leite UHT, o IHH relativo às
vendas deste produto neste mercado supera valores na ordem dos 5400, bastante
acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado. Todavia, este grau de
concentração tem mostrado alguma tendência decrescente no período 2004-2008
com um ligeiro aumento do recurso à importação, de cerca de 12% em 2004 para
cerca de 17% em 2008.
345. No mesmo sentido se verifica que o valor total de aquisições de leite UHT pelos
dois principais GGR representa cerca de 12% do VN dos fornecedores aqui
considerados, sendo esta percentagem repartida de forma quase equitativa entre
estes dois GGR.
4.3.3. Influência dos GGR na determinação dos preços na produção
nacional de leite cru
346. Resulta da análise supra que a representatividade dos GGR na procura de leite
UHT, na ordem dos 60% em 2008, poderia a priori ser mitigado: (i) por o que as
vendas de leite UHT destas empresas representam no seu VN e (ii) pelo elevado
grau de concentração no mercado nacional de aprovisionamento deste produto.
347. Todavia, a verosimilhança que aquele “grau de dependência” se estenda, de
forma análoga, a outros produtos lácteos (v.g., iogurtes, queijos e manteigas)95,
poderá reduzir o impacto que o VN tem sobre o “grau de dependência” especifico
a um determinado produto, concedendo a priori um maior poder aos GGR em
influenciar os preços na produção nacional de leite cru, através do processo
negocial entre estes grupos e a indústria transformadora (fornecedora).
348. Não obstante o peso que os GGR representam no total de compras de leite UHT,
este está repartido entre os GGR de uma forma pouco concentrada. Embora cerca
de 60% e 30% das vendas de leite UHT no aprovisionamento relativo ao ano de
2008 estejam condicionadas ao conjunto dos nove GGR e dos dois principais GGR,
respectivamente, o IHH relativo ao peso dos GGR no aprovisionamento em
95 Conforme supra referido estes outros produtos lácteos integram a análise esperada para o Relatório Final
de Julho de 2010.
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produtos lácteos atinge, no período 2004-2008, valores abaixo de 1200,
compatíveis com uma estrutura não concentrada de mercado (vide supra).
349. Todavia, embora a aquisição de leite UHT pelos GGR seja caracterizada por uma
estrutura menos concentrada do que a da venda de leite no aprovisionamento, os
lácteos – da qual o leite UHT representará cerca de 40% (vide supra) –
constituem a única categoria de produtos da “distribuição alimentar” onde se
observa um acréscimo, significativo, da margem média bruta global no agregado
dos GGR, nomeadamente, no biénio 2007-2008 (vide secção 3.5 supra).
Conforme acima referido, no âmbito do Relatório Final de Julho de 2010 será
avaliada a forma como este alegado aumento da margem média bruta de revenda
de produtos lácteos pelos GGR se compara à evolução das margens das empresas
de aprovisionamento, em especial, no caso do leite UHT.
4.4. Arroz e massas alimentícias
350. As indústrias do arroz e das massas alimentícias dependem da produção de
cereais, respectivamente, arroz para transformação e trigo duro.
351. Segundo informação do MADRP96, a produção nacional anual de cereais (incluindo
arroz) representava, em média no quinquénio 2000-2004, cerca de 378 M € a
contrastar com cerca de 475 M € de importações/ano, sendo cerca de 75% destas
“importações” de natureza intracomunitária, ascendendo o valor anual de
exportações a cerca de 31 M €, na sua quase totalidade destinado à UE. Estes
produtos contribuíram, nesse mesmo quinquénio, em 15% para o défice da então
balança comercial de produtos agrícolas. O VABpm gerado pelo conjunto das
indústrias de transformação de cereais (i.e., da moagem,
descasque/branqueamento de arroz, produção de amidos, alimentos compostos
para animais, panificação e pastelaria, bem como massas alimentícias)
representava cerca de 25% do conjunto das Indústrias Alimentares e de Bebidas,
totalizando 2325 M € em 2004.
96 Cf. Culturas Arvenses: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas, do MADRP, 2007 (em
http://www.gppaa.min-agricultura.pt/pbl/diagnosticos/Arvenses_Diagnostico_Sectorial.pdf).
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4.4.1. Caracterização dos sectores nacionais de arroz e de trigo
4.4.1.1. Produção nacional de arroz e de trigo duro
352. Segundo o MADRP e o Eurostat, a área nacional de produção cerealífera (cereais e
arroz) regrediu em quase 50% de 1990 a 2006, de 750 mil hectares (ha) para
390 mil.
353. As reformas da PAC contribuíram para uma forte redução da área de produção do
trigo duro, de 19 mil ha em 1990 para 3,2 mil ha em 2006 (após a reforma da
PAC de 2003)97.
354. A área de produção de arroz regrediu em cerca de 25% entre 1990 e 2006, de
33,8 mil ha para 25,0 mil ha. A distribuição desta área entre as duas principais
subespécies, Japónica (arroz “Carolino”) e Indica (arroz “Agulha”), manteve-se
relativamente estável, embora em claro favor da cultura Japónica. De salientar, a
este propósito, que enquanto Portugal é auto-suficiente em arroz do tipo
“Carolino”, grande parte do consumo nacional de arroz do tipo “Agulha”, bem
como de todo o tipo de trigo duro, é de origem externa maioritariamente
intracomunitária. Em particular, as importações nacionais de arroz “Agulha”
representam cerca de 80% do total nacional de importações de arroz, sendo o
remanescente em novos tipos de arroz (v.g., dos tipos “vaporizado” e “basmati”).
355. A área nacional afecta à produção de trigo duro e de arroz reparte-se no ano de
2005, respectivamente, entre as regiões do Alentejo (83% e 41%), Ribatejo e
Oeste (12% e 35%) e Beira Litoral (5% e 23%).
356. Enquanto que a cultura de arroz deve cingir-se às áreas de exploração
especializadas neste cereal, as áreas de especialização arvense podem ser afectas
à cultura de diversos cereais de sequeiro, sendo a cultura de milho a que
apresenta a maior rentabilidade nestas últimas áreas. As áreas de especialização
em arroz apresentam quase o quadruplo da rentabilidade unitária das áreas de
especialização arvense de cerca de, respectivamente, 399 € e 117 €/ha de SAU
(Superfície Agrícola Útil), embora o custo unitário da exploração de arroz seja
quase o triplo do relativo à exploração arvense de cerca de, respectivamente,
1206 € e 415 €/ha de SAU (MADRP, 2007, cit., pp. 22-24).
97 A reforma da PAC de 2000 terá, todavia, contribuído para um forte crescimento das áreas de exploração
de trigo duro, tendo a sua dimensão atingido os 188 mil ha em 2002.
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357. A produção nacional de cereais e de arroz é, em geral, estruturada em
cooperativas sob forma de Agrupamentos de Produtores, em grande parte
constituídos na década de 1990. Estes agrupamentos terão contribuído para uma
maior concentração da produção na presente década e representavam, no ano de
2005, cerca de, respectivamente, 30% e 38% da produção nacional total de arroz
e de cereais.
4.4.1.2. Indústria transformadora de arroz e de trigo duro
358. Segundo um inquérito do INE relativo ao ano de 2004, o tecido empresarial
nacional da indústria de arroz (descasque e branqueamento de arroz) era
composto por 17 empresas (11 e 6 de pequena e média dimensões,
respectivamente) enquanto que a indústria de massas alimentícias (fabrico de
massas alimentícias, cuscuz e similares) era composta por 7 empresas (uma
grande, uma média e cinco de pequena dimensão).
359. Segundo informação mais recente obtida pela AdC, relativa ao ano de 2008, a
Cerealis (insígnias Nacional e Milaneza) representou mais de 80% da produção
nacional de massas alimentícias enquanto que nas actividades nacionais de
produção e de comercialização de arroz, destacam-se três grandes empresas – a
Arrozeiras Mundiarroz (insígnia Cigala), a Ernesto Morgado (insígnia Pato Real) e
a Saludães (insígnia Saludães) – em concorrência com outras empresas de menor
dimensão (v.g., Orivárzea e Valente Marques),98 bem como com o arroz
proveniente do exterior.
360. A transformação de cereais e leguminosas, fabrico de amidos, féculas e produtos
afins representava, no seu conjunto e no ano de 2006, cerca de 3,1% (140,9 M €)
do VABpm do conjunto das Indústrias Alimentares e de Bebidas. O fabrico de
alimentos compostos para animais assume um peso maior, de cerca de 5,8%,
correspondente a um VABpm de 878 M €.
361. Segundo o Inquérito Anual à Produção Industrial do INE, relativo ao ano de 2007
(cit.), o valor de vendas em território nacional de produtos de arroz ascendeu a
138,1 M € – do qual o de “arroz semi-branqueado, branqueado e glaceado”
representava 92,1% – enquanto que o de massas alimentícias ascendeu a 56,0 M
98 Vide, de igual modo, Associação Nacional dos Industriais de Arroz (ANIA, em http://www.ania.pt/).
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€. Em comparação, o valor de vendas de leites UHT ascendeu, no mesmo ano, a
533,3 M € (Gráfico 7 supra).
4.4.1.3. Consumo nacional de arroz e de trigo duro
362. O grau de auto aprovisionamento nacional de cereais – excluindo o milho e o
arroz – é bastante reduzido, sendo de cerca de 19% em média no quinquénio
1999/2000 a 2004/2005. Em média neste período, as importações de trigo duro
representaram cerca de 65% do consumo nacional total deste cereal (161 mil ton
para um consumo total de 247 mil ton), para um grau de aprovisionamento
nacional de cerca de 13%.99
363. No caso do arroz, em média no mesmo período, as importações representaram
34% do consumo nacional total (75 mil ton para um consumo total de 218 mil
ton), para um grau de aprovisionamento de 55%.
364. Enquanto que naquele período, o consumo anual per capita de trigo duro exibiu
alguma volatilidade – de 42kg per capita em 1999/2000 para 76kg em 2004/2005
e 59kg em média no período de 1999/2000 a 2004/2005 – o consumo anual per
capita de arroz manteve-se relativamente estável, em torno dos 16kg. Este último
é cerca de triplo do consumo anual per capita médio na UE deste cereal, sendo
cerca de dobro do espanhol, o segundo maior na UE.
365. Não obstante a estabilidade do consumo nacional per capita de arroz, observou-se
na década de 1990 uma certa alteração dos hábitos de consumo do arroz do tipo
Carolino para o arroz do tipo Agulha, embora se estime que, actualmente, estes
dois tipos de arroz repartam equitativamente cerca de 90% do consumo nacional
total de arroz, sendo os 10% remanescentes dos novos tipos, “vaporizado” e
“basmati”.
366. Segundo o último inquérito do INE relativo às despesas das famílias, realizado no
ano de 2005 (cit.), o arroz e de massas alimentícias representavam ambos cerca
de 0,1% do total de despesas de consumo e, respectivamente, 0,9% e 0,8% do
total de despesas em produtos alimentares, e 5,5% e 4,9% do total da sua
categoria de “Cereais e Produtos à base de Cereais”.
99 Em contrapartida, as importações de trigo mole representavam, em média no mesmo período, cerca de
95% do consumo nacional total (1531 mil ton para um consumo total de 1606 mil ton – 87,7% do consumo nacional total no agregado dos trigos mole e duro), para um grau de aprovisionamento nacional de cerca de 7%.
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4.4.1.4. Comércio internacional de arroz e de trigo duro
367. Na UE e em média no biénio 2005-2006, os dois maiores produtores de arroz
eram a Itália e a Espanha com cerca de 50% e 30% da produção total de arroz
respectivamente. A subespécie Japónica (Carolino) é a principal na UE,
representando cerca de 60% da produção UE no total das duas subespécies de
arroz, Japónica e Indica (Agulha). A produção nacional total de arroz representa
cerca de 5% do total da UE, sendo, respectivamente, de 7% e de 2% nos casos
das subespécies Japónica e Indica. Em contrapartida, a Itália e a Espanha
contribuem para a produção total da UE em, respectivamente, 61% e 29% na
subespécie Japónica e 42% e 39% na subespécie Indica.
368. Os maiores produtores mundiais de arroz são a China e a Índia com,
respectivamente, 128 e 91 M ton, em média no biénio 2006-2007, em
comparação com 6,1 M ton nos EUA e 1,7 M ton na UE.
369. Na produção mundial de trigo (mole e duro) no biénio 2006-2007, a liderança é
assumida pela UE, com 117,2 M ton, seguida da China (103,5 M ton), da Índia
(68 M ton), dos EUA (49,3 M ton) e da Rússia (43,5 M ton).
370. As principais origens do consumo nacional de trigo duro são europeias, em
especial, a Espanha, Reino Unido e Turquia, embora os dois maiores produtores
deste cereal na UE sejam (no biénio 2005-2006) a Itália e a Grécia.100
4.4.2. Representatividade da procura dos GGR no arroz e nas massas
alimentícias
4.4.2.1. Caso do arroz
371. Em relação ao leite UHT, constata-se que o mercado nacional de
aprovisionamento de arroz (vide Tabela 7 infra) é menos concentrado, embora o
IHH relativo à amostra de 20 fornecedores considerados, nacionais e estrangeiros,
ascenda a valores acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado, embora
em ligeiro decréscimo no período 2004-2008. De igual forma se constata um
maior recurso à importação de arroz do que no caso do leite UHT, em aumento
100 Em contrapartida, o consumo nacional de trigo mole provém, mormente, de França e da Alemanha, em
cerca de, respectivamente, 66% e 18% (vide Relatório AdC sobre os Sectores da Moagem de Trigo Mole e da Panificação em Portugal, Setembro de 2009).
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desde 2004 e tendo a sua percentagem no consumo total sido em 2008 cerca do
dobro da relativa ao leite UHT, de 31,8% contra 16,7% respectivamente.101
372. Em contrapartida, a procura de arroz no aprovisionamento está mais concentrada
nos GGR do que no caso do leite UHT, em percentagens superiores a 70% no
período considerado, salvo no ano de 2006. Todavia, os dois principais GGR
representam uma percentagem no global de aquisições, idêntica à observada no
caso do leite UHT, de cerca de 30%.
373. No que respeita aos canais alternativos aos GGR para escoamento de arroz,
constata-se, primeiro, que as exportações de arroz são, em oposição às de leite
UHT, despiciendas e, segundo, que o canal HORECA tem vindo a assumir uma
importância crescente desde 2005, de 0,4% nesse ano para 7,4% em 2008.
374. Em suma, à semelhança do leite UHT, esta análise preliminar sugere um a priori
forte grau de representatividade da procura de arroz pelos GGR. Todavia, em
termos do VN destas empresas, o valor global de compras de arroz pelos GGR
contribui para cerca de 49% em 2008 no agregado destas empresas.
Tabela 7 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de
arroz, em % dos valores de vendas no global deste produto e do VN dos fornecedores
2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de arrozGGR 82,7% 71,0% 61,9% 72,4% 72,5%HORECA n.d. 0,4% 0,5% 3,6% 7,4%
Outros canais n.d. 26,6% 37,4% 23,8% 19,3%Exportações 0,1% 1,9% 0,2% 0,3% 0,9%Maior GGR 17,4% 26,4% 14,8% 17,5% 18,3%
Dois maiores GGR 27,7% 39,7% 26,0% 27,5% 28,0%Em termos do VNGGR n.d. 44,8% 40,8% 52,9% 49,0%Maior GGR 16,3% 16,7% 9,8% 12,8% 12,4%
Dois maiores GGR 26,0% 25,0% 17,2% 20,1% 18,9%Mercado do aprovisionamentoImportações 15,9% 13,0% 16,8% 24,3% 31,8%IHH 2235 2235 1987 1893 1892
Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade
de parte da informação relativa ao ano de 2004 justifica-se pelo facto desta ter sido fornecida não pela
integralidade das empresas abrangidas pelo Estudo.
101 Salientar-se-á, todavia, que a percentagem de importações de arroz aqui referidas estão enviesadas por
defeito dado respeitarem apenas o arroz vendido em território nacional à distribuição alimentar por empresas estrangeiras e não o arroz importado comercializado por empresas nacionais, tais como os do tipo “Agulha”, “Vaporizado” e “Basmati” não proveniente da produção doméstica.
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375. Em oposição ao caso do leite UHT, a importância relativa que a venda de arroz
aos GGR tem no VN destas empresas, em especial, nas arrozeiras, especializadas
na venda deste produto, na ordem de 49% em 2008, pode traduzir a importância
de outros tipos de actividade, para além da relativa à venda de arroz à GDA,
destas empresas, questão esta que delegamos para o Relatório de Julho de 2010.
4.4.2.2. Caso das massas alimentícias
376. No caso das massas alimentícias (vide Tabela 8 infra), constata-se, primeiro, um
fraco recurso às importações, fortemente aquém dos observados nos casos do
leite UHT e do arroz, na ordem dos 1-2% no período 2004-2007 e com um ligeiro
aumento, até 4,6% em 2008. À semelhança do leite UHT e em oposição ao caso
do arroz, o aprovisionamento nacional de massas alimentícias é, de igual forma,
fortemente concentrado, com valores do IHH acima de 6700, neste caso numa
amostra de 26 empresas consideradas (19 estrangeiras).
Tabela 8 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de
massas alimentícias, em % do global de vendas deste produto e do VN dos fornecedores
2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de massas alimentíciasGGR n.d. > 90% > 80% > 80% > 80%HORECA n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.
Outros canais n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.Exportações n.d. < 10% < 10% 5-15% 5-15%Maior GGR n.d. < 20% < 20% < 20% < 20%
Dois maiores GGR n.d. 25-35% 25-35% 25-35% 25-35%Em termos do VNGGR n.d. < 50% < 50% < 40% < 40%Maior GGR n.d. < 10% < 10% < 10% < 10%
Dois maiores GGR n.d. < 20% < 20% < 20% < 20%Mercado do aprovisionamentoImportações 1,5% 1,7% 1,2% 1,2% 4,6%IHH 7412 6768 7439 7368 7318 Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade
de parte desta informação justifica-se pela sua potencial confidencialidade.
377. No caso das massas alimentícias, a importância das exportações é semelhante à
do leite UHT, tendo sido observado um ligeiro acréscimo das mesmas no biénio
2007-2008.
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378. A representatividade da procura deste produto pelos GGR é, de igual modo,
superior à observada nos casos do leite UHT e do arroz, superando os 80% em
2008, sendo que os dois principais GGR representam, à semelhança dos produtos
anteriores, uma representatividade entre 25% e 35% no período em análise.
379. Quando ajustado pelo VN dos fornecedores, este grau de representatividade da
procura de massas alimentícias pelos GGR reflecte a possibilidade, como nos
casos supra do leite UHT e do arroz, das empresas aqui consideradas
comercializarem outros produtos para além das massas alimentícias, sem,
todavia, significar que as vendas destes outros produtos não estejam no mesmo
“grau de dependência” em relação aos GGR do que os aqui considerados.
380. Em oposição aos casos do leite UHT e do arroz, o sector nacional de massas
alimentícias tem, todavia, a característica do eventual poder de compra dos GGR
ter impacto apenas no processo de negociação com as empresas de
aprovisionamento, não tendo o primeiro nem estas últimas qualquer influência
sobre os preços de aquisição do trigo duro, atenta a sua origem externa.
4.5. Síntese conclusiva
381. No cômputo geral destes três sectores – leite UHT, arroz e massas alimentícias -
constata-se um forte grau de representatividade da procura destes produtos pelos
GGR nos respectivos mercados de aprovisionamento. Embora este grau de
representatividade seja mitigado pelo volume de negócios dos fornecedores,
atento o facto destas empresas comercializarem outros produtos potencialmente
escoados para os GGR, não poderá este facto atenuar per se o eventual “grau de
dependência” destes fornecedores em relação aos GGR.
382. Em particular, a AdC averiguará no Relatório Final de Julho de 2010: (i) se no
caso dos lácteos, a representatividade das vendas do global de todos os produtos
lácteos aos GGR difere ou não da representatividade aqui encontrada para o caso
do leite UHT e (ii) se este “grau de dependência” das vendas dos fornecedores em
análise face aos GGR não confere per se um poder de compra a estes grupos que
contraponha o poder de mercado dos fornecedores de maior dimensão, em
especial, nos sectores concentrados do leite UHT e das massas alimentícias.
383. Sem prejuízo da necessidade de uma análise mais aprofundada deste tipo de
questões, os resultados deste capítulo sugerem, primeiro, que no caso do arroz, o
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eventual poder de compra da GGR é susceptível de ter uma forte influência ao
nível dos preços na produção, sendo este acrescido pela capacidade destes grupos
em recorrerem ao arroz importado, quer do tipo Carolino (Japónico) – existente
em Espanha –, quer do tipo Agulha (Indico) – onde a produção nacional é
deficitária –, bem como dos novos tipos (basmático e vaporizado), para os quais
não existe produção nacional.
384. O possível recurso à importação pelos GGR é, de igual modo, susceptível de
conferir a estes grupos um poder de compra acrescido, com maior verosimilhança
de contrapor o elevado grau de concentração dos mercados nacionais de
aprovisionamento de leite UHT e de massas alimentícias detendo, assim, os GGR
no caso dos lácteos, um maior grau de influência dos preços na produção
nacional.
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5. Relações comerciais entre fornecedores e
distribuidores
385. O presente capítulo apresenta uma resenha das práticas da GDA – contratuais ou
extra-contratuais – elencadas pelos fornecedores como potencialmente lesivas dos
seus interesses. Assim, após uma breve descrição das principais características
dos contratos de fornecimento celebrados com a GDA (secção 5.1), apresentamos
as práticas da GDA elencadas pelos fornecedores como lesivas dos seus interesses
(secção 5.2). A análise aprofundada do eventual enquadramento destas práticas
no âmbito jusconcorrencial é remetida para o Relatório Final de Julho de 2010.
5.1. Contratos de fornecimento
386. Todos os Grupos da Grande Distribuição Alimentar (GDA) – retalhistas e
grossistas –, os Agrupamentos de Compras e as Centrais de Negociação, celebram
anualmente acordos comerciais, suportados em contratos, com os seus
fornecedores.
387. Os tipos de contratos, em especial os estabelecidos com os fornecedores de bens
da indústria alimentar, são semelhantes entre os vários Grupos, destacando-se:
(i) CGF – Contratos Gerais de Fornecimento, (ii) Contratos de Prestações de
Serviços, (iii) Contratos Pontuais de Promoções, (iv) Condições Comerciais,
Condições Gerais de Fornecimento e Condições Específicas de Fornecimento, (v)
Acordo de Cooperação Comercial, (vi) Acordo de Parceria Comercial, e (vii)
Contrato/Acordo Logístico.
388. Para além destes contratos-base, alguns GDA celebram, ao longo do ano,
aditamentos/complementos/adendas aos acordos/contratos gerais, relativos a (i)
acções promocionais pontuais, (ii) contratos de aberturas de lojas, (iii)
aniversários.
389. O contrato-base (clausulado) de cada Grupo, é igual para todos os fornecedores,
sendo negociados, cada ano, alguns dos valores das clausulas pré-estabelecidas,
bem como as condições comerciais.
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390. Assim, alguns fornecedores consideram que estão perante contratos de adesão,
na medida em que existem cláusulas inegociáveis.
391. Genericamente, os contratos de fornecimento anuais, estabelecem as principais
cláusulas de fornecimento (prazos e modo de pagamento, regras sobre as
entregas, prazos de validade dos produtos, devoluções, requisitos das
embalagens, penalizações por incumprimentos, desconto comercial, rappel,
qualidade dos produtos, etc.), havendo ao longo do ano, aditamentos/adendas
onde são regulamentadas acções de promoção, aberturas de lojas, aniversários,
etc.
392. Alguns contratos definem também, o número de vezes que o distribuidor aceita
variações dos preços base do fornecedor, sendo que alguns estipulam que, no
caso de baixas de preços, o fornecedor é obrigado a suportar o diferencial de
preços dos stocks existentes no distribuidor.
5.2. Práticas consideradas lesivas pelos fornecedores
393. Várias têm sido as práticas comerciais referenciadas pelos fornecedores, como
habitualmente seguidas pelas empresas da distribuição alimentar no
relacionamento comercial entre as duas partes, que consideram lesivas dos seus
interesses.
394. Enquanto algumas das práticas identificadas se reportam e ocorrem durante o
processo negocial dos contratos de fornecimento anuais, outras verificam-se ao
longo do período de fornecimento (ano civil), muitas vezes sem ligação directa a
transacções concretas de produtos.
395. Algumas práticas consideradas lesivas pelos fornecedores surgem como resultado
da desigual relação da força negocial entre fornecedores e distribuidores,
motivada por vários factores (ex: mercados atomizados do lado da oferta versus
mercado concentrado do lado da procura).
396. A CE, no âmbito da sua Comunicação sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de
abastecimento alimentar na Europa” (cit.), no seu documento de trabalho sobre
“Competition in the food supply chain” integrante daquela Comunicação, refere
que um poder desigual de negociação nem sempre representa um problema de
poder de compra em termos da legislação de concorrência.
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397. Em particular, enquanto que o poder de compra e os abusos decorrentes do
mesmo, poderão ter implicações nefastas do ponto de vista da concorrência,
nomeadamente, no bem-estar dos consumidores, algumas das práticas
resultantes do desequilíbrio da força negocial das partes, surgem como práticas
consideradas “injustas”, “desleais” ou “indesejáveis” de outros pontos de vista.
398. No âmbito destas práticas poder-se-ão enquadrar os “atrasos de pagamento”,
“cláusulas não negociáveis”, “alteração unilateral de certas condições contratuais”,
“pagamentos de topos, aniversários”, etc.
399. Alguns países têm regulamentado, através de legislação específica, certas
condições de transacção entre distribuidores e fornecedores, procurando tornar o
ambiente negocial entre as partes mais transparente e equilibrado.
400. Também têm surgido alguns Códigos de Boas Práticas definindo regras para a
negociação entre os fornecedores e as empresas de distribuição.
Exemplos de práticas consideradas lesivas
401. Contrato-tipo: Os grupos da distribuição dispõem de minutas de contratos de
fornecimento, iguais para todos os fornecedores, não sujeitas a negociação
(contratos de adesão).
402. Em princípio, não existe negociação das cláusulas constantes do contrato,
respeitantes a regras de fornecimento (prazos e locais de entrega, prazos de
pagamento, devoluções, prazos de validade dos produtos fornecidos, etc.), só
havendo negociação quanto aos valores a considerar como descontos comerciais,
descontos de volume (quantidades), rappel incondicional.
403. Alguns fornecedores (de maior poder negocial, v.g. multinacionais e/ou
detentores de certas marcas líder), negoceiam alterações/revogações de algumas
das cláusulas base.
404. Penalizações de serviço: Os contratos contêm as regras para o fornecimento do
produto encomendado nas centrais logísticas dos distribuidores.
405. Os prazos de fornecimento dos produtos, após a encomenda, são fixados e variam
entre os vários distribuidores, podendo ir desde 6 horas até 2 a 3 dias, sendo em
média de 24 horas.
406. O não cumprimento do prazo estipulado implica, regra geral, uma penalização
(em regra um valor percentual da encomenda que pode ir até 20%).
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407. Normalmente, não existe reciprocidade para situações de rupturas de stocks nas
prateleiras dos estabelecimentos, derivadas de falhas das centrais de entrega.
408. Prazos de validade dos produtos: Só são aceites produtos que não tenham
ultrapassado, em média, 2/3 do prazo total de validade recomendada,
independentemente desse prazo ser 1 ano ou 30 dias com as inerentes
repercussões em termos dos stocks dos fornecedores.
409. Emissão de débitos indevidos: Notas de débito, não justificadas, e imediatamente
descontadas nos pagamentos efectuados pelo distribuidor.
410. Retroactividade: Os distribuidores impõem que as condições dos contratos de
fornecimento negociados, muitas vezes só concluídos no final do ano, tenham
efeitos retroactivos a 1 de Janeiro.
411. Acordos de compra/negociação conjunta: alinhamento das condições de venda, de
vários operadores, através de “agrupamento de negociação" que não oferece
qualquer contrapartida adicional para os produtores/fornecedores, só melhorando
as condições comerciais das entidades que integram o agrupamento.
412. Estes casos de acordos de compra/negociação conjunta traduzem-se num reforço
do poder negocial da Grande Distribuição face aos seus fornecedores.
413. Comparticipações desproporcionadas para abertura de novas lojas: Normalmente,
o valor exigido a cada fornecedor não é ajustado ao potencial de vendas das lojas
e, em certos casos, sem evidente contrapartida (ex: quando a loja muda
meramente de insígnia, continuando a pertencer ao mesmo grupo da
distribuição).
414. Cláusulas penais nos CGF: Em regra, os Contratos definem penalizações para
incumprimentos do fornecedor, sem possibilidade negocial.
415. Práticas de retaliação: o distribuidor corta ou limita as compras durante a
negociação das condições de fornecimento, como forma de forçar a conclusão do
acordo.
416. Também, no caso de existirem no mercado preços de venda ao público, para
produtos do fornecedor, inferiores aos praticados por aquela cadeia, o distribuidor
segue, por tempo indeterminado, os PVP praticados pela concorrência e exige do
fornecedor consequente compensação da margem, ameaçando com retirada de
produtos de linha como retaliação.
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417. Pressão negocial através da retirada injustificada de linha de produtos de forma
inesperada.
418. Acordo de margem garantida: Por vezes existe um acordo verbal de margem
garantida, pelo fornecedor ao distribuidor, com débitos mensais, como condição
necessária para estar presente na cadeia.
419. Descontos globais ou antecipados: sem qualquer relação com os volumes de
vendas (descontos incondicionais).
420. Pagamentos relacionados com promoções não acordadas previamente.
421. Pagamentos por incumprimento de expectativas de vendas (em volume e valor)
ou de lucros do distribuidor.
422. Contratualização de prazos de pagamento excessivos: Em especial para produtos
perecíveis, são definidos, em geral, prazos muito alargados, face à data de
entrega dos produtos às empresas de distribuição, face ao curto prazo de validade
desses produtos e face à data da sua venda ao consumidor, que em termos
médios não ultrapassa 10 dias.
423. Atrasos nos pagamentos: Atrasos face aos prazos contratualmente definidos, sem
pagamento de penalizações.
424. Retirada unilateral e não justificada de linha de produtos relativamente aos quais
tinha havido pagamento de um fee de entrada.
425. Incumprimento de serviços de reposição em loja: O serviço é normalmente pago
pelo fornecedor (% em função das vendas).
426. Alguns distribuidores diminuem, por vezes, o nível de reposição obrigando alguns
fornecedores a contratarem pessoal para realizarem esse serviço, duplicando,
assim, os seus custos com o mesmo.
427. Utilização da localização das marcas próprias (MDD) no linear de venda como
instrumento negocial: Verificam-se dificuldades crescentes no que diz respeito à
localização e espaço concedido às marcas da indústria, em detrimento dos MDD,
independentemente da sua efectiva aceitação pelos consumidores.
428. Cópias parasitárias: Os GDA procuram replicar sob as suas próprias insígnias
quaisquer produtos que obtenham sucesso no mercado.
429. Este comportamento sistemático é alavancado no facto dos GDA disporem, por
um lado, de toda a informação estatística relativa às vendas de produtos de
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marca e, por outro lado, da possibilidade de influenciarem (o que se tem
verificado na prática através de extensos espaços reservados nos expositores aos
próprios produtos) a performance comercial dos produtos dos fornecedores.
430. A conduta supra referida é especialmente gravosa relativamente aos novos
produtos/linhas de produtos que são objecto de apresentações do “plano de
negócio” pela empresa produtora, por forma a atingir a sua comercialização, o
que constitui um instrumento relevante para uma subsequente replicação e
comercialização destes produtos enquanto produtos MDD.
431. Várias vezes, os GDA lançam exactamente o mesmo tipo de produto (de carácter
inovador) do fornecedor, com acentuadas semelhanças físicas, pouco tempo
depois do seu lançamento original (pago).
432. O distribuidor tem, simultaneamente, marcas próprias e tem acesso e usa a
informação comercial sensível do fornecedor (ex: preços, planos de lançamento,
investimentos promocionais, campanhas de promoção, etc.).
433. A política de gestão de stocks dos distribuidores, em relação aos produtos dos
fornecedores, é definida por estratégias que vão contra os interesses das marcas
da indústria, pois sempre que existe a necessidade de escoar um produto de
marca própria são feitas alocações obrigatórias às lojas, reduzindo o stock das
marcas industriais, chegando por vezes ao ponto de ruptura.
434. Os produtos MDD têm uma visibilidade privilegiada nos lineares, não proporcional
à sua quota de mercado, regra que é, normalmente, utilizada para as marcas
comerciais do fornecedor.
435. Os distribuidores, por vezes, não validam claims promocionais que valorizem as
marcas industriais, sempre que entendem que esse claim coloca em causa as suas
marcas próprias.
436. Comercialização de look alikes.
437. Os distribuidores no desenvolvimento da imagem das suas marcas próprias
copiam todo o universo da marca líder e colocam-nas lado a lado para que assim
o consumidor seja confundido e seja levado a escolher, só via factor preço, único
em que as marcas da distribuição têm, normalmente, vantagem.
438. Os distribuidores adoptam políticas agressivas de preços nas marcas próprias
financiando esta baixa de preços através do aumento das margens obtidas nas
marcas dos fornecedores.
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439. Desta forma, são as marcas da indústria que subsidiam o crescimento dos seus
maiores concorrentes, as marcas da distribuição (MDD).
440. Os distribuidores impedem que os fornecedores pratiquem preços promocionais
nas suas marcas, abaixo dos preços das marcas próprias, para não haver hipótese
de uma marca da indústria ser mais barata que a marca branca similar.
441. Alavancagem nas margens auferidas nos produtos de marca: É convicção de
alguns fornecedores que a estratégia dos vários operadores da grande distribuição
alimentar passa por extrair dos produtores de marca o rendimento/margem
suficiente na distribuição dos seus produtos, que lhes permita oferecer preços
muito competitivos nas suas marcas próprias.
442. Esta estratégia tem um objectivo claro por parte dos distribuidores que é o de
criar uma fidelização dos consumidores às respectivas marcas, que não consegue
obter com as marcas de produtores, em regra disponíveis em toda a GDA.
443. Os fornecedores não controlam parte significativa da promoção efectuada em loja,
a exposição nos lineares, não controlando o posicionamento dos seus produtos
face aos dos seus concorrentes – nomeadamente as marcas da distribuição.
5.3. Síntese conclusiva
444. Na análise jusconcorrencial das práticas, contratuais e extra-contratuais, da GDA
junto dos seus fornecedores, há que distinguir as que possa, eventualmente, ser:
(i) enquadráveis na Secção II – Práticas Proibidas – da lei nacional da
concorrência (ex vi os seus artigos 4.º, 6.º e 7.º); (ii) enquadráveis no disposto
no Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (na redacção dada pelo Decreto-Lei
n.º 140/98, de 16 de Maio); e (iii) as que embora espelhando um desequilíbrio de
forças negociais entre as duas partes não constituem um ilícito jusconcorrencial
(ou uma proibição ao abrigo do supra citado Decreto-Lei n.º 370/93), antes
podendo, eventualmente, ser mitigadas pela adopção de v.g. contratos-tipo, pela
facilitação de entrada no mercado e por outras medidas de natureza
regulamentar, quer em termos de auto-regulamentação, quer em termos
legislativos.102
102 Cf. Comunicação CE sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”
(cit.), pp. 5-7.
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Anexo 1 – Dados e elementos complementares
445. Apresentam-se neste anexo os dados recolhidos pela AdC, ao abrigo dos seus
poderes de supervisão (ex vi artigo 7.º dos seus Estatutos, aprovados pelo
Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de Janeiro), para elaboração do capítulo 3 do
texto (secção A1.1), bem como os Gráficos complementares apresentados
naquela secção (secção A1.2).
A1.1. Dados e extrapolações
446. No âmbito do presente Relatório, foi solicitada informação a 18 empresas de
fornecimento, a três grossistas (GCT. Makro e Manuel Nunes), para além da
cadeia grossista (Recheio) do Grupo JM e aos GGR: Aldi, Auchan, Dia%/Minipreço
(Grupo Carrefour), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI, JM (insígnias Pingo Doce,
Feira Nova e Recheio), MC (insígnias Modelo e Continente) e Lidl.
447. A informação relativa aos grupos da GDA (grossistas e retalhistas) inclui, em
particular, os seus valores totais anuais de vendas e de compras (em €),
desagregados pelas categorias de produtos “frescos”, “mercearia”, “bebidas não
alcoólicas”, “bebidas alcoólicas”, “lácteos”, “congelados”, “higiene pessoal” e
“drogaria e bazar”, bem como no agregado destas categorias, relativos ao período
2004-2008.
448. Todavia, esta informação não é exaustiva no que respeita, quer ao global do
comércio a retalho – que abrange, de igual modo, outras cadeias retalhista de
âmbito regional (v.g., os casos das cadeias Alisuper e A.C. Santos) e o comércio
tradicional, não existindo informação relativa às vendas deste último atento,
nomeadamente, o seu elevado grau de atomização –, quer ao global da procura
nos mercados de aprovisionamento da GDA. A procura nos mercados de
aprovisionamento é, em geral, desagregada entre três principais canais: (i) os
GGR, (ii) o canal grossista; e (iii) os “outros canais”, que incluem outras cadeias
retalhistas de âmbito regional que se abastecem directamente junto dos
fornecedores103 e o canal HORECA.
103 Conforme referido no texto (secção 3), o pequeno comércio (ou “comércio tradicional”) não se abastece,
em geral, directamente junto dos fornecedores, mas outrossim no canal grossista, não sendo, por este motivo, considerado para efeitos de quantificação da procura nos aqui considerados mercados de aprovisionamento.
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449. Enquanto que os GGR e os grandes grossistas dispõem de informação fiável
relativa aos valores acima referidos, este tipo de informação é de quase
impossível recolha junto de empresas de menor dimensão e/ou do canal HORECA
atento o elevado grau de atomização destas entidades.
450. A única informação que pode, de algum modo, colmatar, em parte, este problema
provém da Centromarca. Esta Associação colige informação directamente junto
dos seus associados (53 empresas de produtos de marca) relativa aos seus
valores anuais de vendas discriminados pelos supra referidos canais de procura no
aprovisionamento. A informação de que dispomos da Centromarca é, todavia,
relativa ao período 2002-2005, menos recente do que o aqui considerado.
451. Acresce que, para além desta informação, não existem elementos recentes
(período 2006-2008) relativos à cadeia de supermercados Plus (adquirida pela
cadeia Pingo Doce do Grupo JM, em Abril de 2008, cit.) e à cadeia de
hipermercados Carrefour (adquirida pelo Grupo MC, em Dezembro de 2007, cit.).
452. O conjunto de informação não disponível, desagregada pelas supra referidas
categorias de produtos e no agregado destas, foi, assim, extrapolada da forma
que de seguida se descreve. Atento o carácter algo ad hoc destas extrapolações,
uma análise mais aprofundada do sector deverá equacionar uma forma alternativa
de obtenção de estatísticas mais fiáveis para devida quantificação dos mercados
em análise.
Hipermercados Carrefour, cadeia Plus e vendas dos Grupos ITMI e E. Leclerc
453. Os valores de compras dos hipermercados (hipers) Carrefour relativo aos anos de
2006 e de 2007 – dado que no ano de 2008 estes hipers estavam já integrados
no Grupo MC – foram extrapolados da informação da Centromarca, disponível
para os anos 2002-2005, assumindo a mesma taxa de crescimento que a relativa
à evolução do ano de 2004 para 2005 e ajustados por um factor de correcção.
Este factor corresponde ao rácio entre os elementos disponibilizados à AdC pela
rede Dia%/Minipreço (no global das suas compras) e os elementos desta rede
constantes da informação restrita ao universo Centromarca.
454. Os valores de vendas dos hipers Carrefour, no período 2002-2007, são
extrapolados das suas compras assumindo a mesma margem percentual de
revenda que a da rede Dia%/Minipreço. Esta estimativa de vendas estará
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potencialmente enviesada por defeito atento o facto da rede Dia%/Minipreço
praticar, em geral, um nível de preços inferior ao da rede de hipers Carrefour.
455. Os valores de compras da cadeia Plus no período 2006-2008 são extrapolados da
mesma forma que no caso dos hipers Carrefour, embora seja apenas considerado
um terço do total do ano de 2008 (primeiros 4 meses) dado esta cadeia ter sido
adquirida pelo Grupo JM no final de Abril de 2008 (cit.). Os valores de vendas
desta cadeia são extrapolados dos seus valores de compras assumindo a mesma
margem percentual de revenda que a do Grupo Lidl, cuja politica de preços era
semelhante à da cadeia Plus.
456. Por seu turno, atento o facto dos Grupos ITMI e E. Leclerc operarem no retalho
em regime de franquia, estes grupos dispõem apenas de elementos fiáveis de
compra, tal como disponibilizados pelas suas centrais de compras respectivas.
Assim, os valores de vendas destes Grupos foram extrapolados através dos seus
elementos de compras e com base no pressuposto que as vendas E. Leclerc e
ITMI têm a mesma margem de revenda que as cadeias Lidl e Pingo Doce
respectivamente.
Valores de compras do canal grossista e dos “outros canais”
457. Os valores de compras do canal grossista no período 2006-2008 foram
extrapolados dos valores disponíveis para este canal no período 2002-2005, tal
como coligido pela Centromarca, e ajustados por um factor de correcção
semelhante ao supra referido, entre a média dos valores existentes para os
grossistas GCT, Makro e Manuel Nunes e a média destes valores no universo
Centromarca, no período 2002-2005.
458. Os valores de compras dos “outros canais” no período 2006-2008 foram
extrapolados com base nos valores existentes do universo Centromarca,
assumindo para os anos subsequentes a 2005, a mesma taxa de crescimento que
a do canal grossista.
Valores de vendas dos outros retalhistas para além dos GGR
459. Os valores de vendas dos outros retalhistas para além dos GGR – que incluem o
denominado “comércio tradicional” e todas as cadeias retalhistas de dimensão
regional, necessários à estimativa do global do comércio a retalho na área
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“alimentar” da GDA, foram fixados ao valor de compras do canal grossista
acrescido da margem média de revenda do agregado das cadeias grossistas GCT,
Makro e Manuel Nunes.
460. Embora possa existir algum enviesamento por excesso destas vendas do canal
grossista, este enviesamento poderá ser compensado ao nível das vendas a
retalho atento o facto de tal estimativa pressupor que os retalhistas que adquirem
junto daqueles grossistas não têm qualquer margem de revenda.
A1.2. Gráficos complementares ao capítulo 3 do texto
Gráfico 8 – IHH relativos à importância dos GGR no comércio nacional a retalho,
discriminados por categoria de produtos e no período 2004-2008
0
200400
600
8001000
1200
140016001800
20002200
2400
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebida
s alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácteo
s
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Droga
ria e B
azar
Total
2004 2005 2006 2007 2008
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Gráfico 9 – Importância relativa das categorias de produtos no global dos mercados de
aprovisionamento, período 2004-2008
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebida
s alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácte
os
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Droga
ria e B
azar
2004 2005 2006 2007 2008
Gráfico 10 – Quota conjunta dos 4 principais GGR no aprovisionamento, sendo a do
Grupo JM substituída pela do total da UNIARME, discriminados por categoria de produtos
e no período 2004-2008
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Fres
cos
Merce
aria
Fres
cos +
Merce
aria
Bebida
s não
alco
ólica
s
Bebida
s alco
ólica
s
Total B
ebida
s
Lácteo
s
Cong
elado
s
Higien
e pe
ssoa
l
Droga
ria e B
azar
Total
2004 2005 2006 2007 2008
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Anexo 2 – Resenha da literatura económica sobre
poder de compra
A2.1. Introdução
461. O sector da distribuição alimentar em Portugal, à semelhança do sucedido em
toda a Europa, tem sido alvo de profundas alterações estruturais induzidas por
mudanças significativas nos hábitos dos consumidores relativamente aos horários
e subsequente generalização do one-stop-shopping, pela banalização da utilização
do automóvel como meio de transporte, e pelo aumento do poder de compra. A
tais comportamentos não é alheio o processo de consolidação e concentração da
actividade de venda a retalho e do comércio grossista, que se traduz na
implantação das grandes cadeias de distribuição alimentar104.
462. A vantagem comparativa das grandes cadeias de distribuição alimentar, decorre
da exploração de economias de escala que surgem com a aplicação de novas
tecnologias na gestão de stocks, e da compreensão dos hábitos de despesa dos
consumidores, que lhes confere neste contexto um papel decisivo no processo de
valorização dos produtos junto destes. Tal decorre da assimetria de informação
entre fornecedores e grande distribuição, em que estes têm mais informação
sobre as preferências dos consumidores finais do que aqueles. Esta nova função
desempenhada através do marketing, das campanhas promocionais etc., produz
uma transferência de poder de negociação para as grandes cadeias de distribuição
alimentar, que está na origem do fenómeno denominado por “poder de compra”.
463. O acréscimo de poder de compra associado ao processo de consolidação e
concentração do sector do retalho é acentuado pela cada vez maior participação
das cadeias de distribuição no processo de produção (verticalização), através da
promoção de marcas próprias que concorrem directamente com as dos
fornecedores. Este acréscimo de concorrência é, contudo, desigual já que as
marcas dos fornecedores não têm controlo sobre as decisões de exposição e
promoção dos seus produtos nos espaços comerciais, em condições idênticas à
104 Vários artigos e estudos caracterizam a evolução recente dos mercados retalhistas em Portugal; Fonseca
(2005, cit.), Rodrigues (2006, cit.) Barros et al. (cit.); Os estudos realizados em 2009 pela Nielsen e pela Roland Berger (cit.); enquanto que a nível europeu refira-se, entre outros, o artigo de Dobson, P. et al. (2001), “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”, Journal of Industry Competition and Trade, 1(3): 247-281; Competition Commission (2008), “The Supply of Groceries in the UK Market Investigation” (cit.); e o Relatório CE “Food supply chain” (cit.).
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dos produtos de marca da distribuição. De facto, a grande distribuição exerce
para muitos fornecedores e produtores uma função de “gatekeeper” dos seus
produtos, o que lhe confere ainda maior poder de negociação.
464. Paralelamente ao movimento de consolidação do sector do retalho, a constituição
de Grupos de Compras, onde retalhistas independentes se juntam para negociar
com os fornecedores, tem acentuado, ainda mais, o grau de concentração da
procura e o correspondente poder de negociação nos mercados de
aprovisionamento105.
465. Além dos Grupos de Compras de acção nacional, tem-se assistido à criação de
“alianças” de compras compostos por grandes retalhistas de nacionalidades
diferentes, não concorrentes entre si, que partilham informação sobre os preços
de compra, agindo como uma única unidade económica perante fornecedores e
que colaboram na contratação de fornecedores para as suas marcas próprias106.
Esta questão, que será alvo de análise neste artigo, levanta o problema de se
acordos entre compradores numa cadeia vertical são tratados de uma forma mais
benévola pelas políticas de concorrência do que acordos entre vendedores.
466. Como resultado desta revolução, o poder de mercado do produtor deu lugar ao
poder de compra do retalhista, onde este, através da escala das suas operações e
a dimensão das suas compras, adquire maior capacidade para impor as condições
de compra que lhe sejam favoráveis e, eventualmente, impor restrições verticais
com o intuito de não só se apropriar da renda económica dos fornecedores mas,
também, limitar a liberdade destes fornecerem outros retalhistas em condições
concorrenciais.
467. Neste capítulo é feito o enquadramento das relações bilaterais que se estabelecem
entre fornecedores e compradores em geral e grande distribuição alimentar (e
bebidas) em particular, no contexto do exercício de poder de compra destes.
Interessa aferir sob o ponto de vista da política de concorrência quais as
consequências deste exercício ponderando, nomeadamente, os efeitos positivos
105 É comum referir-se ao espaço onde decorrem as negociações bilaterais entre grande distribuição e
fornecedores como “jaulas de negociação”, enfatizando-se o carácter intimidatório e pouco amigável com que são conduzidas.
106 Dobson, P. (2003), “Buyer Power in Food Retailing: The European Experience” proceedings from the
Conference on Changing Dimensions of the Food Economy: Exploring the Policy Issues”, 6-7 Fevereiro 2003, The Hague, Netherlands, debruça-se sobre o impacto nas relações entre fornecedores e grande distribuição dos “grupos de compras” que operam nos mercados internacionais, alertando para as consequências do excessivo poder de negociação destas alianças.
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de curto prazo decorrentes do expectável pass-through para o consumidor, com
outros efeitos dinâmicos potencialmente lesivos da concorrência e do bem-estar
geral (e do consumidor em particular) como por exemplo os resultantes do
denominado “waterbed-effect” (WBE), menor diversidade de produtos e menor
inovação no médio e longo prazos.
468. A este respeito o Relatório Preliminar CE sobre o “Food supply chain” (cit.), vem
enfatizar a ideia de que “(…) quando se afere do impacto do exercício de poder de
compra sobre os consumidores, o bem-estar do consumidor deve ter em conta, os
preços, a diversidade e a qualidade (dos produtos)”.
469. No contexto desta nova estrutura do mercado retalhista, o problema de
regulamentar o poder de mercado dos grandes retalhistas sobre os seus
fornecedores tem suscitado diversos desafios quanto à interpretação dos
objectivos da politica de concorrência.
470. Embora a consolidação no retalho esteja associada a um aumento de eficiência e
de qualidade do serviço, o aumento da concentração daí decorrente pode facilitar
a capacidade dos retalhistas exercerem poder de mercado como compradores
(i.e., poder de compra) – muitas vezes com recurso a práticas que só são
possíveis devido ao desequilíbrio de poder negocial entre este e os fornecedores –
e como vendedores (poder de venda ou de mercado, “seller power”, SP), com
impacto sobre o bem-estar geral e do consumidor em particular.
471. A questão que se coloca à política de concorrência é a de como lidar com o poder
de compra dos grandes retalhistas, especialmente quando ele não é exercido
apenas aquando da negociação de preços, mas se reflecte em toda uma série de
contrapartidas contratuais muitas vezes consideradas desproporcionais e não
justificadas107.108
472. No que diz respeito a esta matéria a CE, no contexto do seu Relatório Preliminar
sobre o “Food Supply Chain” (cit.), veio clarificar a sua posição relativamente ao
fenómeno do poder de compra. Na sua perspectiva deve-se distinguir entre poder
107 Na UE existem as orientações da Comissão na aplicação do artigo 102 TFUE, relativas ao comportamento
de exclusão abusivos por parte de empresas com posição dominante, e em Portugal os decretos de lei nº370/93 sobre vendas com prejuízo e práticas negociais abusivas.
108 Vide Dobson, P. Waterson, M. and A. Chu (1998) “The Welfare Consequences of the Exercise of Buyer
Power”, Office of Fair Trading, Research Paper 16. De referir que nos EUA, à semelhança do que sucede com os vendedores, o Robinson-Patman Act proíbe todas as formas de discriminação de preços praticadas pelos fornecedores.
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de negociação desigual (“Unequal Bargaining Power” ou UBP) e poder de compra.
O primeiro diz respeito a situações em que “…uma das partes (o vendedor ou o
comprador), consegue impor à outra termos e condições contratuais que são
desfavoráveis à outra parte.(…) UBP geralmente conduz a negociações comerciais
que parecem injustas, ou indesejáveis do ponto de vista social. O segundo, “(…)
pode ter efeitos benéficos ou perversos sobre os consumidores. poder de compra
é geralmente imposto por compradores como um countervailling power para obter
melhores preços e termos dos fornecedores”. Por isso, a Comissão parece
distinguir entre o exercício de poder de mercado do lado da procura (poder de
compra) que se traduz em alterações dos preços, e o exercício de poder de
mercado através de outras práticas negociais que não envolvem directamente os
preços.
473. De qualquer forma, com a crescente concentração do sector do retalho, há cada
vez uma maior preocupação de que o poder de compra exercido pelos grandes
retalhistas junto dos fornecedores possa ter efeitos adversos sobre a viabilidade
económica destes e o nível de eficiência da afectação dos mercados a jusante
(quando está associado ao mero exercício de poder negocial e independente da
eficiência produtiva) e que, paralelamente, esteja associado a um aumento do SP
com efeitos nefastos para o consumidor.
474. A questão da aplicação da lei da concorrência neste sector levanta vários desafios.
Aparentemente, os artigos 101 e 102 TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia)109 e correspondentes orientações para a sua aplicação seriam
suficientes para regulamentar as relações comerciais entre fornecedores e
distribuição. Contudo, mesmo quando não existe uma posição dominante à la
artigo 102 TFUE e correspondentes disposições nacionais (artigo 6.º da Lei n.º
18/2003, de 11 de Junho) alguns retalhistas podem ainda exercer poder de
compra de formas que podem ser interpretadas como lesivas para a concorrência.
O problema reside na interpretação e aplicação do conceito de posição dominante
no contexto das relações entre retalhistas e fornecedores110.
109 Substitui o Tratado CE. 110 No artigo 7.º, n.º 3, da lei nacional da concorrência (Lei n.º 18/2003, cit.) está contemplado o conceito de
dependência económica que vem explicitamente referir a questão da dependência de fornecedores que não têm uma alternativa equivalente.
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475. Por exemplo, de acordo com Warwick and Murray (2009)111, a análise da
regulação do sector do retalho alimentar no Reino Unido veio, de acordo com a
interpretação da Competition Comission (CC), alertar para a insuficiência dos
artigos 101 e 102 TFUE para garantirem que esses mercados funcionem
concorrencialmente. De acordo com estes autores, a falha existe quando certas
características dos mercados indiciam que a concorrência não está a funcionar
correctamente. Esta falha de mercado não ocorre devido à existência de ilícitos
jusconcorrenciais, quer ao abrigo do artigo 101 TFUE, quer ao abrigo do artigo
102 TFUE, mas outrossim devido à natureza estrutural do mercado retalhista
caracterizado por um elevado grau de concentração112.
476. As questões relativas ao poder de compra de um operador de mercado suscitam
três tipos de potenciais problemas: (i) operações de concentração entre grandes
compradores, potencialmente conducentes a um elevado índice de concentração
no mercado retalhista e, consequentemente, a um excessivo SP; (ii) agentes
independentes que fazem acordos de compras conjuntas (centrais de compras); e
(iii) compradores poderosos que exercem abusivamente o seu poder de compra
para extraírem vantagens sobre os fornecedores sem contrapartidas
proporcionais113.
477. A política de concorrência preocupa-se em primeiro lugar com distorções no
mercado que afectam o bem-estar do consumidor final, privilegiando por isso a
intervenção nos mercados a jusante.
478. Por outro lado, refira-se que a política de concorrência não tem uma finalidade
redistributiva, entendida como um instrumento para salvaguardar a sobrevivência
dos retalhistas mais pequenos. Contudo, embora este não possa ser um fim, ele
pode, em certas circunstâncias, ser um meio necessário para garantir que, no
longo prazo, um excessivo grau de concentração no retalho não prejudique o
111 Warwick, N. and Murray, D. (2009), “Regulation of UK Supermarkets: The Saga Continues”. European
Competition Law Review, Vol. 30(8), pp. 376-378. 112 Este argumento surge na sequência da deliberação do Competition Appeals Tribunal (CAT) contra aspectos
do relatório da Competition Comission (CC) sobre os mercados retalhistas no Reino Unido que limitavam a capacidade de expansão ou abertura de novas lojas a estabelecimentos com quotas de mercado elevadas. O recurso interposto pela TESCO e aceite pelo CAT baseou-se no argumento de que a CC não considerou os potenciais efeitos nefastos sobre os consumidores, nem aferiu correctamente da proporcionalidade da medida.
113 Vide Bundeskartellamt, “Buyer Power in Competition Law- Status and Perspectives”, Meeting of the
Working Group on Competition Law, 18 Setembro 2008.
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consumidor final, especialmente quando este processo é fruto do mero exercício
de poder negocial.
479. Apesar da legislação nacional incluir disposições que contemplam as situações de
venda com prejuízo e práticas comerciais abusivas (Decreto-Lei n.º 370/93, de 29
de Outubro, coma redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio), são
sobretudo os efeitos dinâmicos e logo a médio e longo prazo do exercício do poder
de compra, ou seja, a visão prospectiva da politica de concorrência que estão em
causa, e a adequabilidade da “actual” interpretação das leis da concorrência.
A2.2. Definição e origens do conceito de poder de
compra
A2.2.1. Poder de compra como resultado da existência de rendas
económicas
480. Uma condição necessária para a existência do fenómeno de poder de compra é a
presença de rendas económicas do lado da oferta do mercado114. Por sua vez,
elas existem se, na sua globalidade, os fornecedores do produto em causa
auferem mais receitas do que o mínimo necessário para induzi-los a fornecer a
mesma quantidade do produto115. Segundo Noll (2005), existem três tipos de
renda económica do lado da oferta que podem ser apropriadas pela procura no
mercado se esta detiver poder de compra (nomeadamente sobre a forma de
monopsónio): rendas Ricardianas – associadas a diferenças de produtividade ou
nos custos unitários entre os factores produtivos; quase-rendas – definidas como
a diferença entre as receitas totais e os custos de curto-prazo; e os lucros de
monopólio (ou oligopólio), definidos como a diferença entre as receitas e os custos
totais de produção de longo prazo, decorrentes da existência e exercício do poder
de mercado pelos vendedores.
481. No primeiro caso, o poder de compra do lado da procura apropria a renda dos
fornecedores mais eficientes; no segundo, absorve a renda que seria destinada a
114 Vide Noll, R. (2005) “Buyer Power and Economic Policy”, SIEPR Discussion Paper No. 04-08, sobre rendas
económicas e poder de compra na forma de monopsónio. 115 A não existirem estas rendas do lado da oferta, a procura nada poderia extrair dos seus fornecedores, já
que qualquer tentativa de pagar um preço abaixo do custo marginal em que estes incorrem apenas resultaria na sua saída do mercado.
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cobrir os custos afundados (sunk costs) da sua actividade não sendo, portanto,
uma situação sustentável no longo-prazo; no terceiro caso, o poder de compra
pode contrabalançar o poder de mercado do fornecedor monopolista (ou
oligopolista), produzindo um resultado de mercado mais eficiente e com
melhoramentos no bem-estar líquido do consumidor caso haja pass-through.
A2.2.2. Visão tradicional: Poder de compra e monopsónio
482. A visão tradicional do conceito de poder de compra associa este fenómeno a uma
situação de monopsónio que é em tudo análoga à estratégia do monopolista, só
que no lado da procura. Da mesma forma que os vendedores monopolistas sobem
os preços ao restringir a oferta, o comprador monopsonista consegue baixar o
preço ao restringir a procura.
483. Esta visão de poder de compra é apropriada quando aplicada a mercados de
“commodities” competitivos, onde existe apenas um preço de transacção, e
compradores e vendedores interagem de acordo com regras comuns e pré-
determinadas. Neste contexto, o exercício deste tipo de poder de compra
prejudica o bem-estar global na medida em que a quantidade transaccionada é
menor do que no modelo competitivo, e gera à semelhança do monopólio uma
perda líquida de bem-estar (v.g., Noll, 2005).
A2.2.3. Visão da teoria da negociação (“Bargaining Theory”)
484. Esta interpretação do conceito de poder de compra não é a mais apropriada para
descrever as relações que se estabelecem entre fornecedores e distribuidores no
sector alimentar. Aqui, existem relativamente poucos distribuidores/retalhistas
que interagem bilateralmente com os fornecedores de produtos de marca e
produtores de marcas-próprias. Neste contexto, podem haver diferenças
substanciais nos preços médios pagos por diferentes compradores e o poder de
compra manifesta-se, sobretudo, pela magnitude dos descontos e outras
condições de transacção que cada comprador consegue obter116.
116 Note-se que vendas com diferentes preços nem sempre são sinónimo de exercício de poder de compra
(então são sinómnimo de quê?) Para um fornecedor monopolista a prática de discriminação de preços é (pode ser?) uma estratégia óptima.
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485. É no contexto das teorias de negociação bilateral que se deve analisar esta
situação117. Estas teorias assentam no princípio de que o poder de negocial de
cada uma das partes aumenta com o valor da sua opção-fora-do-contrato (OFC).
Por um lado, o comprador tem a opção de encontrar outro fornecedor e retirar os
produtos do actual, enquanto que o fornecedor pode procurar canais alternativos
para fazer escoar os seus produtos.
486. Qualquer evento que aumente o valor da OFC do comprador e não aumente a do
vendedor, permitirá ao comprador apropriar-se de uma fracção maior do lucro
conjunto gerado pelo contrato, via aumento do seu poder de compra. Por
exemplo, o comprador pode passar a ter conhecimento da estrutura de custos dos
seus fornecedores e, assim, estar em melhor posição para extrair rendas destes.
Note-se que o resultado das negociações entre qualquer um fornecedor e um
retalhista impõe uma externalidade aos demais retalhistas, tanto no mercado a
jusante (se houver pass-through) como a montante se houver por exemplo um
waterbed-effect118.
487. Por outro lado, há que salientar que o poder de negociação de cada uma das
partes é função não só do valor da OFC de cada uma delas, mas também da
“estrutura de conhecimento” das partes em relação ao valor e ao conhecimento
da OFC de ambas.
A2.2.4. Definição de poder de compra
488. Embora não exista apenas uma definição de poder de compra, regra geral todas
elas envolvem os conceitos de monopsónio, contrapoder (da oferta), poder de
negociação, reflectindo vários aspectos do problema. Em todas elas, poder de
compra diz respeito a uma situação em que de acordo com Noll (2005) “… o lado
da procura do mercado é suficientemente concentrado de forma a permitir aos
compradores exercer poder de mercado sobre os vendedores”.
117 Vide Inderst, R and N. Mazzarotto (2006) “Buyer Power in Distribution”, Issues in Competition Law and
Policy, Capitulo XX (W.D. Collins ed., em http://personal.lse.ac.uk/inderst/buyerpower_in _distribution_chapter.pdf) e Chen, Z. (2007) “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy” Research in Law and Economics, 22: 17-40, sobre como a teoria de negociação dá o enquadramento teórico adequado para descrever as relações bilaterais entre fornecedores e distribuidores.
118 Note-se que caso não ocorra um WBE, pode existir uma externalidade pecuniária decorrente de uma
redução nos preços pagos ao fornecedor por todos os compradores.
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489. Ainda de acordo com este autor, enquanto imagem do monopólio do lado da
procura, poder de compra pode ser definido “…como a capacidade dos
compradores exercerem o seu poder de mercado para fixarem (com lucro) os
preços abaixo do seu valor competitivo”. Como já referido, no caso de uma
situação de monopsónio, em que o lado da oferta é competitivo e assumindo que
a curva de oferta tem declive positivo, o poder de compra é exercido através da
contracção da procura. Esta definição é, contudo, redutora porque quase sempre
o exercício de poder de compra vai além da fixação de preços baixos, incluindo a
exigência de outro tipo de contrapartidas por parte dos compradores.
490. A definição proposta pela OCDE, por sua vez, afirma que “… um retalhista tem
poder de compra se, relativamente a pelo menos um fornecedor, pode ameaçar
de forma credível a imposição de um custo de oportunidade de longo prazo (i.e.
prejuízo ou reter um benefício) que, caso a ameaça fosse executada, seria
significativamente desproporcionada em relação a qualquer custo de oportunidade
de longo prazo em si mesmo”.
491. Esta definição, refere-se a poder de compra como “capacidade de negociação
bilateral”, e difere de poder de monopsónio porque o preço mais baixo resulta de
uma ameaça e não propriamente do acto de redução da quantidade procurada em
mercado. Isto implica que o poder de negociação só pode ser exercido se as
empresas fornecedoras, na ausência de exercício de poder de compra, operarem
com preços acima dos custos marginais, e por isso, se existir concorrência
imperfeita entre fornecedores, geradora de rendas. Quando o poder de compra é
exercido neste contexto, constitui uma forma de contrapoder relativamente ao
poder de mercado dos fornecedores.
492. Chen (2007, 2008)119 dá uma definição de poder de compra que incorpora as
duas problemáticas preço: “ poder de compra é a capacidade de um comprador
reduzir o preço de forma proveitosa abaixo do preço normal de venda do
fornecedor, ou mais genericamente, a capacidade de obter termos de
fornecimento mais favoráveis que os termos normais do fornecedor. O preço
119 Chen (2007). “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy”. Research in Law and Economics,
Vol.22, pp.17-40; Chen (2008). “Defining Buyer Power”, The Antitrust Bulletin, Vol.53(2), pp.241-249.
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normal de venda, por sua vez, é definido com o preço do fornecedor que
maximiza o lucro na ausência de poder de compra”120.
493. Apesar das diferentes estruturas competitivas do lado da oferta originarem
diferentes conceitos de poder de compra, as várias definições envolvem quase
sempre o conceito “termos de troca” em lugar de preços, enfatizando o facto de
que os contratos entre fornecedores e retalhistas, regra geral, envolverem outras
contrapartidas que não o preço (em alguns casos é possível traduzir essas
contrapartidas num efeito preço). Segundo Dobson, P. et al (2001)121 “… poder de
compra pode manifestar-se nas obrigações contratuais que os retalhistas
consigam impor aos seus fornecedores, tais como: pagamentos para espaço na
prateleira, custos de entrada, descontos de quantidade, contribuições para
despesas promocionais, cláusulas de cliente mais favorecido, e acordos de
exclusividade”.
A2.3. Formas de exercício do poder de compra
494. No contexto das relações entre distribuidores e fornecedores, o exercício de poder
de compra é o resultado da capacidade de alguns retalhistas obterem dos
fornecedores termos de troca mais favoráveis do que aqueles disponíveis a
outros, ou que seriam expectáveis em condições normais de mercado i.e., em
mercados concorrenciais. Isto inclui não só os descontos, mas toda uma série de
obrigações contratuais que podem ser encaradas como restrições verticais,
impostas pelos retalhistas aos fornecedores. Tais restrições podem traduzir-se nos
comportamentos que de seguida se descrevem.
495. Selecção de fornecedores: os compradores exigem pagamentos para que
determinados produtos façam parte da lista de potencial fornecedor;
496. Custos de entrada; custos de referenciação de novos produtos (entrada em linha)
são variáveis e negociáveis loja a loja da mesma cadeia sendo novamente
120 Esta definição levanta porém a questão de como determinar o preço normal de venda, já que o exercício
de poder de compra é uma característica “normal” do mercado. Por outro lado, o termo definido, “poder de compra” é incluído na sua própria definição, o que levanta um problema lógico.
121 Dobson, P., Roger, C., Davies, S. and M. Waterson (2001) “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”, Journal of Industry Competition and Trade, 3(1): 247-280.
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exigidos em situações de mudança de insígnia da loja (situações de aquisições de
estabelecimentos por outra cadeia);
497. Espaço na prateleira: são cobrados montantes para que os produtos dos
fornecedores possam ser expostos nas prateleiras dos retalhistas;
498. Descontos retroactivos: são pedidos descontos sobre transacções já efectuadas;
499. Cláusula de cliente mais favorecido: obrigação contratual que impossibilita o
fornecedor de vender a qualquer outro retalhista a um preço mais baixo;
500. Contribuição para despesas de promoção não justificadas;
501. Insistência na exclusividade de fornecimento;
502. Imposição de rappel incondicional: sem qualquer contrapartida em termos de
volume de vendas anual;
503. Imposição ou dilatação de prazos de pagamento com a ameaça de retirada dos
produtos de todas as lojas da cadeia;
504. “look-alike”: utilização abusiva de “facings” dos produtos de marca dos
distribuidores semelhantes aos das marcas dos fornecedores induzindo em erro os
consumidores.
A2.4. Origens do poder de compra no retalho
A2.4.1. Dimensão
505. Regra geral, a origem de poder de compra no retalho está associada a uma série
de inovações tecnológicas que permitiu às grandes cadeias da distribuição
alimentar, usufruir de economias de escala e de gama. Estes avanços tecnológicos
estão associados a um movimento de consolidação e concentração do lado da
procura, que conferiu poder de compra aos compradores perante os fornecedores.
Por isso, um factor crítico para o exercício de poder de compra é a dimensão do
retalhista.
506. De acordo com Inderst e Mazzarotto (2006), a dimensão aumenta o valor da OFC
do retalhista de várias formas: ele pode ameaçar integrar a sua actividade a
montante - nomeadamente mediante a produção de marcas próprias - tornando o
fornecedor redundante; pode ameaçar de forma credível mudar de fornecedor; ou
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pode ajudar a criar condições para a entrada de novos fornecedores, através da
participação nos custos de arranque e garantindo a sua viabilidade económica
com o seu volume de compras.
507. Simultaneamente, a dimensão do retalhista, medida pelo seu peso no lado da
procura no mercado de aprovisionamento, pode diminuir o valor da OFC do
fornecedor. Mediante a capacidade que o fornecedor tenha de encontrar canais
alternativos, substituir um contrato de grandes dimensões pode requerer uma
redução significativa no preço e logo nos seus lucros. Na verdade, não é só um
problema de dimensão mas sim da estrutura da procura no mercado de
aprovisionamento. Por exemplo, um retalhista pequeno (em volume ou valor de
vendas122) mas monopolista pode ser mais difícil de substituir que um grande
retalhista que opere num mercado competitivo.
508. Por isso, o nível de concentração no lado da oferta do mercado de aquisição é um
factor fundamental: quanto menos concentrado for, mais fácil será para o
fornecedor encontrar canais alternativos. Logo, fornecedores com quotas de
mercado elevadas podem libertar-se do poder de compra dos retalhistas com
menores custos ou, alternativamente, os retalhistas têm menor poder de compra
junto destes fornecedores.
A2.4.2. Dependência económica
509. O conceito fundamental para a determinação de poder de compra é o grau de
dependência económica: “Um fornecedor será tanto mais dependente
economicamente de um comprador quanto menos puder correr o risco de o
perder como cliente e quanto mais este o puder dispensar enquanto fornecedor”.
Uma medida directa desse grau de dependência do fornecedor relativamente ao
retalhista, é a proporção das compras do retalhista nas vendas totais do
fornecedor. Além disso, como medida do efeito real do exercício de poder de
compra, é importante comparar a perda percentual nos lucros do fornecedor
relativamente à perda percentual do lucro do retalhista em caso de ruptura de
122 O que nos remete para a importância de considerar a “dimensão” de um determinado operador de
mercado no contexto do mercado relevante em que opera.
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contrato: o poder de negociação do retalhista será tanto maior quanto menor
(eventualmente nula) for a sua perda relativa.123
510. Na aplicação dos conceitos de poder de compra e dependência económica do
fornecedor relativamente a um retalhista devem se ter em conta como factores
agravantes: o grau de vulnerabilidade financeira do fornecedor; a sua capacidade
de reduzir a escala da sua produção na eventualidade de ruptura de contrato, ou
de encontrar alternativas equivalentes.
A2.4.3. Comercialização de marcas próprias
511. É comum assumir-se que quando um retalhista vende uma marca própria (ou
marca do distribuidor, MDD), o seu preço de aquisição iguala o custo marginal,
porque este ou encomenda a uma franja competitiva da indústria ou integra
verticalmente a sua actividade. Neste contexto, existem duas teorias que
explicam em que condições a venda de MDD confere aos retalhistas poder de
compra perante os fornecedores de marca124. A primeira, assume estruturas de
custos variáveis iguais (já que os produtos de marca têm custos fixos maiores
associados à promoção e publicidade), mas qualidades diferentes (Mills,
1995)125; a segunda assume que para a mesma qualidade os custos marginais
são superiores na produção da MDD (Bontems, Monier and Réquillart, 1999)126.
512. Na primeira teoria, as características físicas dos bens são idênticas mas a
percepção que os consumidores têm deles – qualidade subjectiva – é diferente.
Quando a qualidade da MDD é muito baixa, o retalhista não a introduz no
mercado porque ela é considerada como sendo um substituto fraco do produto de
marca. Neste caso, o retalhista não consegue através da sua MDD exercer poder
123 A determinação do benchmark a partir do qual se considera haver uma relação de dependência económica
constitui um problema para a aplicação desta definição como discutido em Pozdnakova, A. (2009) “Buyer Power in the Retail Sector: Evolving Latvian Regulation”, European Competition Law Review, 8: 387-392.
124 Bergés-Sennou, F., Bontems, P., and V. Réquillart (2004). “Economics of Private Labels: A Survey of the
Literature”, Journal of Agricultural and Food Industrial Organization, 2(1), article 3. 125 Mills, E. (1995) “Why Retailers Sell Private Labels”, Journal of Economics and Management Strategy, 4(3):
509-528. 126 Bontems, P., Sylvette, M., and V. Réquillart (1999) “Strategic Effects of Private Labels”, European Review
of Agricultural Economics, 26(2): 147-165.
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de compra sobre o fornecedor127. Se a qualidade está acima de um dado nível,
então o retalhista pode ameaçar, de uma forma credível, a introdução da MDD e,
assim, forçar o produtor a reduzir o seu preço. A redução será tanto maior quanto
maior for esse nível de qualidade. Acima de determinado nível de qualidade, o
fornecedor não consegue impedir a entrada da MDD e concorre directamente
fixando um preço cujo diferencial relativamente ao preço da MDD será tanto
menor quanto maior for a qualidade do produto de MDD, ainda que inferior à
qualidade do produto de marca. No limite, se os produtos são idênticos, o preço
do fornecedor igualará o custo marginal de produção da MDD e o lucro do
fornecedor será nulo128.
513. Na segunda teoria, assume-se que para a mesma qualidade os custos marginais
são superiores na produção da MDD. Se a qualidade do bem é fraca, o fornecedor
não consegue impedir a entrada da MDD a baixo custo. Se a qualidade da MDD
for bastante fraca e consequentemente o preço também for baixo, e se os
consumidores não tiverem dispostos a pagar o diferencial de preço para comprar
o produto de marca, estes podem, no limite, sair do mercado.
514. Regra geral, a entrada da MDD motiva uma redução no preço do produto de
marca que será tanto maior quanto maior a qualidade do MDD. Contudo, dada a
hipótese sobre a relação com os custos marginais, um aumento da qualidade da
MDD conduz a um aumento dos custos, que pode levar a um aumento do preço
do produto de marca. Para valores intermédios de qualidade da MDD, o
fornecedor fixa um preço que impede a entrada do produto, e que é crescente
com a qualidade. Acima de um certo patamar de qualidade, a MDD não é
suficientemente competitiva. Neste caso o preço do produto de marca não é
limitado pelo poder de compra do comprador.
515. Em qualquer dos casos, se a estratégia da MDD confere poder de compra ao
fornecedor, produzindo uma ruptura (temporária) no fornecimento do produto de
marca, parte das vendas deste serão capturadas pela MDD, aumentando por isso
o valor da OFC do retalhista.
127 Note-se que a estratégia dos “look-alike” pode, pelo menos durante algum tempo, favorecer a MDD,
mesmo sendo esta de qualidade inferior ao produto de marca. 128 Nesta teoria embora a qualidade subjectiva do produto seja um conceito definido pelo consumidor final, é
o retalhista que toma a decisão do nível de qualidade do produto que irá oferecer.
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516. A comercialização de marcas próprias pode aumentar substancialmente o poder
de compra do retalhista e, simultaneamente, gerar distorções significativas na
concorrência de três formas129: (i) através da capacidade que os grandes
distribuidores têm de explorar a sua dupla condição de compradores e
concorrentes dos produtos de marca; (ii) através de concorrência “desleal”
mediante o uso (abuso) de estratégias de “look-alike”; (iii) e através do potencial
de crescimento de marcas próprias para reduzir a concorrência entre retalhistas.
517. Relativamente à primeira forma, a grande distribuição tem a capacidade de
controlar as condições de acesso ao mercado dos produtos de marca
relativamente a variáveis tão importantes como: espaço de prateleira, preço no
consumidor, promoções etc., além de ter a capacidade de exigir informação sobre
as estratégias de marketing e planos de novos produtos de marca. O acesso a
esta informação pode ser usado para posicionar estrategicamente as MDD de
forma a se anteciparem a essas inovações.
518. Na segunda forma, a MDD pode induzir o consumidor em erro, ao pretender fazer
passar a ideia de que o produto é idêntico, é produzido pela mesma empresa ou é
de qualidade igual ao produto de marca. Isto distorce a concorrência entre
retalhistas e fornecedores, mas também pode afectar a concorrência entre
retalhistas (ver Dobson, 1998)130.
519. A terceira forma de distorção na concorrência deriva do facto da MDD poder,
eventualmente, reduzir a capacidade dos consumidores compararem as ofertas de
diferentes retalhistas, contribuindo assim para uma limitação da concorrência via
preços entre diferentes retalhistas. Esta análise assenta no pressuposto que só os
produtos de marca podem ser directamente comparáveis, já que a MDD produz
algum grau de diferenciação no produto. Contudo, apesar da existência dessas
diferenças, regra geral os consumidores têm a capacidade de comparar MDD de
diferentes retalhistas com base nos preços e, após aquisição, com base na
qualidade.
129 “Working paper on the competitive effects of own-label goods” da CC do RU (http://www.competition-
commission.org.uk/Inquiries/ref2006/grocery/pdf/working_paper_own_label.pdf). 130 Dobson, P. (1998) “The Competition Effects of Look-alike Products”, University of Nottingham.
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A2.5. Consequências do poder de compra: Análise do
bem-estar
A2.5.1. Consequências do monopsónio
520. A análise do impacto sobre o bem-estar do poder de compra deve ter em conta
que, embora exercido nos mercados a montante, afecta também o equilíbrio dos
mercados a jusante no que respeita a preços e quantidades.
521. Considere-se, primeiro, os efeitos do monopsónio, em que o comprador enfrenta
um mercado competitivo. Neste caso simples, o poder de compra é exercido
mediante restrição da quantidade procurada produzindo uma redução no preço.
Como consequência, existe uma transferência de bem-estar do vendedor para o
comprador, mas uma perda líquida de bem-estar (equivalente ao do monopólio)
associado à redução da quantidade transaccionada. Esta perda de eficiência,
verifica-se independentemente da estrutura competitiva do mercado a jusante
enfrentada pelo monopsonista.
522. Existem, por isso, três razões porque o monopsónio é ineficiente: (i) se a oferta
não for perfeitamente elástica o nível de produção é muito baixo em relação ao
regime competitivo; (ii) pode assistir-se a uma utilização ineficiente de substitutos
imperfeitos; (iii) se o bem em monopsónio, enquanto input, não tiver substitutos,
os produtos que o utilizam serão também produzidos em quantidades inferiores
relativamente à situação de não monopsónio e, por isso, vendidos a um preço
mais elevado.
523. A perda de eficiência associada à perda líquida de bem-estar pode ser mitigada,
ou até anulada, se as partes acordarem na adopção de um esquema de fixação de
preço não linear, de modo a capturar o bem-estar social perdido.
524. Desde que a curva de oferta seja crescente e as transacções sejam baseadas num
preço único (fixação de preço linear), os resultados anteriores podem ser
extensíveis a um mercado oligopsonista, onde um número reduzido de grandes
compradores exerce poder de compra sobre um grupo de vendedores
competitivos. Nesta estrutura de mercado, o exercício de poder de compra requer
que se verifiquem três condições: (i) os compradores contribuírem, de forma
substancial, para as compras no sector; (ii) a existência de barreiras à entrada de
novos compradores; (iii) e as curvas de oferta serem crescentes. Esta última
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hipótese é necessária para a existência de perda líquida de bem-estar tal como no
caso de um monopsónio.
525. Nesta situação, os consumidores finais beneficiam de um aumento de bem-estar
desde que a redução obtida no preço (assumindo que existe pass-through) mais
do que compense a redução na quantidade vendida. Além disso, o efeito líquido
global deve ter em conta não só a transferência de renda dos fornecedores para
os compradores, mas também uma perda de eficiência devido à redução da
procura dos fornecedores noutros mercados.
526. Por fim, nada garante que o exercício de poder de compra do monopsonista se
repercuta, favoravelmente, sobre o bem-estar do consumidor.
A2.5.2. Consequências do contrapoder da procura
527. As análises de Ungern-Sternberg131 e de Dobson & Waterson132 sobre os efeitos
do contrapoder da procura (countervailing power), são motivadas pela tendência
verificada para a concentração dos mercados de venda a retalho e o surgimento
de poderosos retalhistas. Ambos concluem que o aumento da concentração no
retalho não conduz, necessariamente, a uma diminuição dos preços mas pode,
sob certas condições, levar a uma subida dos mesmos.
528. O primeiro mostra que quando no mercado se encontram um produtor
monopolista e um grupo de retalhistas oligopolistas que oferecem os mesmos
serviços e concorrem à Cournot, uma diminuição do número de retalhistas conduz
a um aumento nos preços de equilíbrio. Estes só descerão se aquela diminuição se
der num contexto em que o lado da procura do mercado de aprovisionamento é
competitivo. Os segundos consideram um mercado com a mesma estrutura, mas
em que os serviços prestados pelos retalhistas são substitutos imperfeitos. Neste
contexto, os preços no consumidor descem com a redução do número de
retalhistas, apenas se os seus serviços forem substitutos.
529. Em ambos os argumentos, é evidente o conflito entre as duas forças geradas pelo
processo de consolidação no retalho. Com a redução do número de retalhistas
131 Von Ungern-Sternberg, T. (1996). “Countervailing Power Revisited”, International Journal of Industrial
Organization, 14: 507-520. 132 Dobson, P. and M. Waterson (1997) “Countervailling Power and Consumer Prices”, Economic Journal, 107:
418-430.
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imposta pela consolidação, os sobreviventes ganham poder de compra sobre os
fornecedores, o que tende a reduzir os preços grossistas, mas ganham poder de
mercado sobre os seus clientes, e por isso capacidade para aumentar as suas
margens. O efeito total dependerá do nível de concorrência na oferta do mercado
a retalho. Em qualquer dos casos e nesta perspectiva, o contrapoder da procura,
tem sempre o efeito positivo de melhorar a eficiência económica ao exercer uma
pressão para a redução dos preços grossistas. Resta saber em que condições é
que existe pass-through para o consumidor e até que nível ele ocorre.
530. Em outros contextos Chen (2003)133 mostra que contrapoder não melhora
necessariamente a eficiência. Numa situação em que o fornecedor monopolista
enfrenta uma procura composta por um retalhista dominante e uma “franja
competitiva”, um aumento do poder de compra do retalhista dominante tende a
reduzir o preço pago pelos consumidores. Esta redução pode porém, ocorrer às
custas de uma perda de eficiência no aprovisionamento dos serviços de retalho, já
que os demais retalhistas competitivos terão de baixar as quantidades adquiridas
para fazer face ao preço mais baixo. Como consequência, a quantidade total
aprovisionada no retalho poderá baixar conduzindo a um resultado ineficiente.
Além disso, se o exercício de poder de compra não está relacionado com uma
maior eficiência a jusante, a redistribuição da quota de mercado no retalho é
artificial e, por isso, introduz uma distorção nesses mercados.
531. Se na situação anterior o retalhista dominante tem dimensão nacional e os
restantes têm uma dimensão local, perante o aumento do poder de compra o
fornecedor pode aumentar os preços aos retalhistas locais e, neste caso, o
countervailling power melhora o bem-estar de uns consumidores mas piora o de
outros (Erutku, 2005)134.
532. Uma outra situação em que existe poder de mercado dos dois lados sucede
quando um monopsonista enfrenta fornecedores com uma estratégia de
diferenciação de produto. Na ausência de exercício de poder de compra, cada
fornecedor vende ao preço que iguala o custo médio de longo prazo. Quando o
monopsonista impõe o seu poder de compra, oferecendo ao fornecedor um preço
inferior ao por ele fixado mas ainda superior ao custo marginal, estes aceitarão o
133 Chen, Z. (2003). “Dominant Retailers and Countervailing Power Hypothesis”. RAND Journal of Economics,
34: 612-625. 134 Erutku, C. (2005). “Buying Power and Strategic interactions”. Canadian Journal of Economics. 38: 1160-
1172.
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proposto e, a concorrência entre eles encarregar-se-á de igualar o preço ao custo
marginal. Como resultado, o monopsonista consegue extrair as quase-rendas dos
fornecedores. No longo prazo, este resultado pode forçar alguns fornecedores a
sair do mercado, conduzindo a uma bilateralização do mesmo e,
subsequentemente, a uma inversão nos termos de troca já que os sobreviventes
têm agora mais poder de mercado e paralelamente a OFC do retalhista baixa.
Além disso, neste caso a eventual descida do preço no retalho tem, como
consequência uma redução na variedade de produtos e, por isso, o resultado
sobre o bem-estar líquido do consumidor é, assim, ambíguo.
A2.5.3. Agrupamentos de compras e/ou de negociação
533. Quais os incentivos para formar um grupo ou central de compras e/ou de
negociação (GC)135 Um primeiro argumento, afirma que os GC se formam como
resposta às ineficiências geradas pelos mercados de aprovisionamento
monopolistas, que produzem um número significativo de produtos que são
vendidos a preços excessivamente elevados. Este resultado de mercado é
suficiente para incentivar os compradores a colectivamente oferecerem contractos
de exclusividade a um subconjunto de fornecedores, em troca de preços mais
baixos. Enquanto que os compradores no GC e os consumidores finais que deles e
abastecem sairão beneficiados, os compradores fora do GC podem enfrentar
preços mais elevados e menos fornecedores em virtude dos contractos de
exclusividade, tendo como consequência a perda de bem-estar dos seus
consumidores.
534. De acordo com Dana (2003)136, os GC podem criar poder de compra ao
anunciarem comprar apenas ao fornecedor que oferecer o preço mais baixo,
induzindo um nível de concorrência mais elevado entre os fornecedores. Se
houver algum grau de diferenciação nos produtos dos diversos fornecedores,
embora alguns membros do grupo possam acabar por adquirir o produto que
valorizam menos, o benefício esperado da redução de preço supera a perda
associada à aquisição do produto errado.
135 Se o único objectivo do Grupo de Compras (GC) é obter poder de compra então toda a análise anterior é
aplicável neste contexto. 136 Dana, (2003). “Buyer Group as Strategic Commitments”. Mimeo. Northwest University, EUA.
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535. Finalmente, os GC podem surgir como o resultado de economias de escala na
tecnologia de distribuição do fornecedor, que torna mais vantajoso agregar as
compras de vários clientes. Neste contexto ele pode oferecer descontos de
quantidade, de forma a encorajar encomendas de maior dimensão, criando,
assim, um incentivo para os pequenos compradores juntarem as suas
encomendas.
536. Do ponto de vista da concorrência, os GC levantam outro tipo de questões para
além do exercício de poder de compra. A sua constituição pode criar um ambiente
propício para que as negociações sobre os preços de aquisição se estendam,
também, numa prática colusiva, às quantidades adquiridas por cada um dos
membros, com o intuito de condicionar a oferta total nos mercados a jusante.
Mesmo se essa prática não decorre de forma explícita, com os GC estão criadas as
condições para que se observe uma colusão tácita dado que, neste caso, os
concorrentes têm custos idênticos. Isto é tanto mais grave, quanto maior a quota
detida pelos GCs no mercado a jusante.
A2.5.4. Poder de compra e “Waterbed Effect”
537. Quando o poder de compra é exercido como countervailing power pode, em
muitas circunstâncias, ter como consequência um aumento do bem-estar do
consumidor, desde que o retalhista faça o pass-through pelo menos parcial dos
ganhos. Interessa, contudo, questionar se o aumento de poder de compra de
certos retalhistas pode prejudicar a concorrência de tal forma que no final os
consumidores sejam prejudicados. O que está em causa é a necessidade de se ter
em conta ambas as dimensões vertical e horizontal do exercício de poder de
compra sobre os fornecedores.
538. Interessa por isso definir o conceito de poder de compra diferencial (“Differential
Buyer Power” ou DBP), em que à melhoria nos termos de troca de uns retalhistas
com poder de compra está associada a perda nos termos de troca de retalhistas
com menor capacidade de negociação, produzindo uma redução na concorrência
dos mercados a jusante que pode, no limite, prejudicar o conjunto dos
consumidores em termos líquidos. A este potencial efeito colateral do exercício de
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poder de compra de um retalhista sobre os seus concorrentes, denomina-se
waterbed effect (WBE)137.
539. O potencial WBE induzido pelo exercício de poder de compra por parte de um
retalhista é, cada vez mais, um motivo de preocupação, por induzir um efeito em
espiral em que os retalhistas mais fracos, ao verem os seus preços de aquisição
aumentarem e as suas quotas e margens diminuírem, são no limite forçados a
sair do mercado contribuindo, simultaneamente, para um reforço do poder de
compra dos grandes retalhistas. Além disso, nesse processo, se o WBE for
suficientemente forte, pode mesmo no curto prazo prejudicar alguns
consumidores via aumento dos preços de alguns retalhistas.
A2.6. Teorias de “Waterbed Effect”
A2.6.1. “Waterbed Effect” induzido pela reacção do fornecedor
540. Quando um retalhista exerce poder de mercado sobre um fornecedor, extraindo
termos de compra mais vantajosos e reduzindo, por isso, o lucro do fornecedor,
este pode reagir oferecendo termos de venda menos favoráveis aos restantes, de
forma a compensar as perdas e recuperar os lucros perdidos. Existem várias
reservas relativamente a esta teoria: por um lado, este mecanismo pressupõe que
o fornecedor tem capacidade de em qualquer momento discriminar entre
compradores, o que não é inteiramente óbvio; e por outro lado, não é racional
supor que um fornecedor que maximiza o lucro só a posteriori, e sem nenhuma
alteração nas quantidades transaccionadas, exerce a sua capacidade de impor um
preço mais elevado aos clientes sem poder de compra. É questionável que o facto
de ter de conceder termos de compra mais vantajosos a um fornecedor, lhe
confira capacidade para extrair vantagem sobre os outros retalhistas.
541. Contudo embora de difícil racionalização, este tipo de efeito pode ocorrer se o
fornecedor tiver uma visão “limitada” e concentrada apenas no curto prazo,
preocupando-se apenas em obter uma determinada margem ou em cobrir os
custos fixos. Esta interpretação é suportada por evidência empírica.
137 A presença de um WBE deveria conduzir à existência de uma correlação negativa entre os termos de troca
dos retalhistas com poder de compra e os termos de troca dos restantes, o que sugere uma forma quantitativa de detectar a sua presença após a determinação de uma medida para o “termo de troca”.
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542. Nas duas teorias que em seguida se apresentam, o WBE resulta da interacção dos
efeitos do exercício de poder de compra nos mercados a montante e a jusante,
tendo por isso em conta o impacto das relações verticais entre fornecedores e
distribuidores na estrutura dos mercados. Em ambas as teorias o mecanismo é tal
que os distribuidores com poder de compra crescem em detrimento dos menos
poderosos.
A2.6.2. “Waterbed Effect” induzido pelo ajustamento da oferta nos
mercados a montante
543. A primeira teoria resulta de um processo de ajustamento na estrutura dos
mercados a montante. O WBE está associado ao surgimento de um retalhista mais
poderoso que, ao exercer o seu poder de compra, impõe descontos sobre os
fornecedores, causando uma consolidação do mercado a montante que tenderá,
com o passar do tempo, a assumir uma estrutura oligopolista.
544. O que despoleta o WBE é o surgimento de retalhistas poderosos, associados a um
movimento de consolidação e concentração do sector do retalho, cujo maior poder
de compra exerce pressão sobre as margens dos fornecedores. Quantos mais
fornecedores existirem num mercado competitivo (ou com pouca diferenciação) e
com capacidade para aumentarem a sua produção em reacção a uma maior
procura, maior a OFC dos retalhistas com poder de compra.
545. O exercício constante deste poder de compra, conduz a um processo de
consolidação no mercado a montante, via saída da indústria, fusões e restrições à
entrada, que tem como consequência a sobrevivência de apenas alguns
fornecedores138. Os sobreviventes, que agora coabitam num mercado
predominantemente oligopolista, com um grau crescente de diferenciação do
produto, e por isso menos competitivo, vêem restaurados os seus níveis de
rentabilidade com quotas de mercado mais elevadas.
546. Como consequência da nova estrutura de mercado, os retalhistas têm agora uma
menor capacidade de exercer poder de compra. Por outro lado, mais diferenciação
e eventualmente menos capacidade produtiva permite aos fornecedores
138 O processo de consolidação será tanto mais rápido quanto maior o nível de concorrência a montante, em
resultado das reduzidas rendas que existem nesse lado do mercado.
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aumentarem os preços. Como resultado, a consolidação do mercado a montante
tende a reduzir o valor da OFC do comprador.
547. O resultado final sobre os termos de compra dos retalhistas depende da sua
dimensão. Os mais pequenos, que em momento algum tiveram poder de compra
sobre os fornecedores, verão os seus termos de compra deteriorados. De facto,
todos os compradores no mercado a montante mais consolidado serão
negativamente afectados – este é um resultado específico desta teoria. Contudo,
a menos que o efeito de consolidação a montante seja desproporcionado, o
aumento de poder de compra dos retalhistas de maior dimensão, que
desencadeou a consolidação do mercado a montante, deveria garantir no final
uma melhoria nas suas condições de compra.
548. O impacto imediato do exercício de poder de compra recai sobre os produtores.
De acordo com Dobson et al. (2001, cit.) a concorrência ao nível da produção
pode ser distorcida. Os pequenos produtores, ao não conseguirem resistir à
redução nos preços impostas pelo poder de compra dos distribuidores, terão de
sair do mercado e apenas os mais eficientes sobreviverão. Contudo, no longo-
prazo até a viabilidade dos produtores eficientes será posta em causa, já que o
poder de compra tenderá a fixar os preços ao nível dos custos marginais,
impossibilitando-os de recuperar os seus custos fixos. Neste contexto, mesmo os
grandes produtores, podem deixar de investir e inovar os seus produtos.
A2.6.3. “Waterbed Effect” como resultado da interacção entre poder
de compra e poder de venda
549. A segunda teoria assenta no argumento de como alterações nas vendas a retalho
criam e ampliam DBP, e como nesse processo os retalhistas mais pequenos são
colocados em desvantagem competitiva em relação aos retalhistas maiores. Nesta
teoria o processo que origina o WBE é mais rápido.
550. O WBE neste caso é desencadeado, por exemplo, por uma fusão, ou qualquer
outro evento que conduz ao aumento na quota de mercado de um retalhista mas,
pelo menos, parcialmente, em detrimento das quotas de mercado dos restantes
retalhistas.
551. O mecanismo de WBE resulta de a conquista de maior quota de mercado conferir
ao retalhista maior ainda mais poder de compra permitindo-lhe, por isso, negociar
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melhores termos de troca que serão, pelo menos parcialmente, passados aos seus
clientes. Simultaneamente, a perda de quota dos retalhistas mais pequenos,
agora com um menor volume de compras, diminui o seu poder de negociação
perante os fornecedores, resultando em novos termos de compra ainda menos
vantajosos. Enquanto um retalhista consegue obter condições de venda cada vez
mais vantajosas, outros verão os seus preços cada vez menos competitivos. É
neste ciclo vicioso que consiste o WBE.
552. Nesse contexto o WBE reside na interacção do poder de compra com SP desde
que haja pass-through para o consumidor. Os dois tipos principais de WBE
considerado não são mutuamente exclusivos e podem reforçar-se e ampliar-se um
ao outro. Se existe um WBE motivado pelo ajustamento no mercado a montante
que deteriora o valor da OFC dos compradores na negociação com os
fornecedores, então, este efeito de natureza dinâmica tende a reforçar e ampliar o
efeito mais imediato estático que, opera mediante a deslocação do volume de
vendas e logo de encomendas dos retalhistas mais fracos para os mais poderosos.
A2.6.4. Factores que determinam a dimensão do “Waterbed Effect”
553. Como, de acordo com a segunda teoria, o WBE resulta de ambos os tipos de
retalhistas obterem preços (e descontos) relacionados com o volume das suas
compras, o efeito será tanto maior quanto maior for a relação entre essas duas
variáveis, já que quanto maior for a relação, pior serão as condições de aquisição
dos retalhistas que perdem quota de mercado.
554. Quanto maior a diferença entre os preços grossistas nos diferentes retalhistas
maior o WBE. Esta observação está relacionada com a capacidade do fornecedor
discriminar os preços, ou seja, com o seu poder de mercado. Quanto maior for
esse poder, mais capacidade terá para infligir uma deterioração nos termos de
compra de um retalhista, associada a uma redução no volume de compras.
555. A dimensão do efeito depende também da sobreposição das áreas de influência
dos retalhistas em causa. O WBE é tanto maior quanto mais um retalhista crescer
à custa dos outros. Por isso uma condição para que esse efeito se faça sentir, e
tenha uma magnitude considerável, é que a áreas de influência dos retalhistas
sejam sobrepostas. Se existir bastante sobreposição então a transferência de
quota de mercado será maior potenciando por isso o WBE.
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A2.6.5. Anti-“Waterbed Effect”
556. A obtenção de melhor condições de compra por parte de um retalhista, pode
originar um “me-too-effect” em que os restantes fornecedores exigiriam que
também lhes fosse concedido o mesmo desconto. Neste caso teríamos um anti-
WBE. Este só ocorre se a concessão do desconto for tornada pública, e apenas
para os retalhistas que têm uma capacidade negocial idêntica. Para os restantes,
o WBE prevalece. Isto significa que o WBE é um fenómeno associado a estruturas
de mercado assimétricas, e que num mercado a retalho oligopolista, WBE são
menos prováveis de ocorrer do que quando existe um retalhista dominante que
enfrenta uma franja competitiva.
557. Outro tipo de anti-WBE pode ocorrer se os fornecedores decidirem conceder
descontos aos retalhistas mais fracos de modo a “keep-them-in-business”. Os
fornecedores podem achar vantajoso garantir a competitividade dos pequenos,
como forma de evitar a perda de canais alternativos, e consequentemente
garantir algum poder negocial através da preservação da sua OFC.
A2.6.6. Implicações para a política de concorrência
558. Em qualquer dos casos, como consequência do WBE, os retalhistas mais fracos
verão a sua posição competitiva mais afectada. Interessa, por isso, analisar as
consequências sobre o bem-estar do consumidor e o bem-estar social da
ocorrência de tais efeitos.
559. Em resultado da asfixia competitiva imposta pelos retalhistas que exercem poder
de compra sobre o fornecedor, os pequenos retalhistas podem optar por sair do
mercado, reduzir ainda mais a sua dimensão, ou adaptar a sua oferta de forma a
evitar competir directamente com os rivais mais poderosos.
560. Como consequência, embora no curto prazo os preços possam baixar em virtude
da pressão competitiva dos retalhistas maiores, no longo prazo pode haver uma
subida nos preços, em virtude da nova estrutura de mercado oligopolista ou até
(localmente) monopolista. Por isso, nada impede que a redução de preços que
levou ao processo de consolidação possa ser, de tal forma invertida que no final
os preços são mais elevados.
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561. Adicionalmente, se a capacidade competitiva estiver condicionada pela
possibilidade de usufruir descontos significativos junto dos fornecedores, os
efeitos de um WBE podem funcionar como uma barreira à entrada de novos
retalhistas no mercado, a menos que estes o façam a uma escala suficientemente
grande, que lhes permita usufruir das mesmas condições de compra por parte dos
fornecedores. Como consequência o WBE pode contribuir para a monopolização
(pelo menos a nível local) da actividade do retalho.
562. Se o WBE é suficientemente forte, mesmo no curto prazo os consumidores (em
média) podem ser prejudicados. Em resposta à descida nos preços dos grandes
retalhistas, os restantes retalhistas, têm duas alternativas como resposta ao WBE:
ou fazem “pass-through” para os seus clientes reflectindo o aumento dos custos
sobre os seus preços, ou cedem à pressão competitiva e acompanham a sua
diminuição. Quanto maior a magnitude do WBE maior a probabilidade dos preços
dos retalhistas pequenos subirem, não sendo de excluir a hipótese desse aumento
superar a descida nos preços do retalho dos compradores maiores, produzindo
uma perda para o consumidor médio no curto prazo139.
A2.7. Poder de compra e afectação eficiente
563. Chen (2003) refere que o exercício de countervalling power pode, em algumas
circunstâncias, produzir um equilíbrio de mercado ineficiente. O argumento é
simples: se o exercício de poder de compra cria assimetrias entre compradores
que não são justificadas por diferenças nos custos, a deslocação de quota de
mercado de retalhistas sem poder de compra para retalhistas com poder de
compra conduz a uma afectação ineficiente. Contudo, este argumento também se
aplica no sentido inverso. Se a capacidade de obter poder de compra por parte
dos grandes retalhistas advêm de maiores níveis de eficiência, então o exercício
de poder de compra, ao permitir a apropriação de quota de mercado aos
retalhistas mais pequenos, contribui para aumentar o nível de eficiência do
mercado a jusante.
564. O WBE pode ainda ter consequências negativas sobre o funcionamento eficiente
do mercado de venda a retalho: primeiro, descontos concedidos a alguns
139 Este efeito tem subjacente a existência de um grupo de consumidores sem acesso (fácil) aos grandes
retalhistas, estando dependentes dos que enfrentam o WBE.
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compradores que não estão relacionados com os custos podem conduzir a
distorções na afectação de recursos; segundo, na medida em que a consolidação
do retalho é induzida pelo exercício de poder de compra associado ao aumento do
volume de compras num dado fornecedor, este processo pode gerar uma redução
na variedade oferecida; terceiro, as decisões de investimento dos retalhistas
podem, por um lado, ser adiadas devido à redução na concorrência ou ser
objectivamente direccionadas para diminuir a quota de mercado e o crescimento
dos rivais, provocando um WBE140.
565. Por outro lado o acréscimo na disciplina concorrencial é sempre um incentivo para
os retalhistas aumentarem os seus níveis de eficiência ou, alternativamente,
venderem as suas actividades a retalhistas mais eficientes.
566. Do ponto de vista do consumidor, a saída de mercado de pequenos retalhistas
provocada pelo WBE, pode obrigar os consumidores a deslocações maiores141. Por
outro lado, se retalhistas com poder de compra entram em novos mercados
forçando os incumbentes a reduzir o espectro de produtos oferecidos, ou mesmo a
sua retirada do mercado, fica por determinar qual o impacto final sobre o bem-
estar do consumidor.
567. Quando o retalhista com poder de compra também tem poder de mercado a
jusante, este contrapoder de compra (“countervailling buyer power”) é susceptível
de criar problemas de concorrência porque: (i) o exercício de poder de compra
pode, em certas condições, causar dano para o consumidor já que, na ausência de
concorrência no mercado a jusante não existem incentivos para que os ganhos
sejam passados para os consumidores, e em caso de monopsónio gera uma perda
líquida de bem-estar para a economia; e (ii) o retalhista pode abusar da sua
posição dominante conferida pelo poder de compra, impondo ao fornecedor a
prática de termos de troca menos vantajosos aos seus concorrentes (cf. Chen,
2007, p. 36).
568. Por outro lado, se o retalhista enfrenta um nível de concorrência elevado no
mercado a jusante, o poder de compra por parte de uma grande retalhista
140 Os retalhistas poderosos, podem exercer o seu poder de compra de formas não legais, nomeadamente,
condicionando os termos de venda que os fornecedores impõem aos demais retalhistas. 141 Na verdade, os pequenos retalhistas fecham porque os consumidores já se estão a deslocar.
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permite obter preços mais baixos, mas a concorrência a jusante força o retalhista
a passar uma parte dessa poupança para os consumidores (Chen, 2007)142.
A2.8. Poder de compra e efeitos dinâmicos
569. Até agora, o efeito do exercício de poder de compra em geral e de countervailling
power em particular tem incidido, prioritariamente, sobre os preços. Interessa
analisar qual o impacto do poder de compra sobre variáveis de longo prazo, como
diversidade de produtos, investimento e inovação. Por exemplo, Chen (2004)143
chega ao resultado de que, embora o exercício de countervailling power possa,
como esperado reduzir, os preços a jusante pode, por outro lado, causar uma
redução na variedade dos produtos nos mercados a jusante tal que, a perda de
bem-estar dos consumidores daí decorrente pode ser suficientemente grande de
modo a gerar um bem-estar agregado (que tem em conta o efeito da redução de
preços e da redução da variedade nos produtos) mais baixo.
570. Por outro lado, Inderst and Wey (2005)144 afirmam que o exercício de poder de
compra pode aumentar a eficiência do fornecedor (produtor). De facto, de acordo
com a teoria de negociação bilateral que serve de suporte à análise das relações
entre fornecedores e distribuidores, o que confere poder negocial a cada uma das
partes é a OFC. Por isso, o fornecedor tem incentivos em realizar investimentos
que conduzam a inovações e/ou reduções nos custos dos seus produtos, que
causam uma perda de poder de negociação do comprador com poder de compra
em relação aos seus concorrentes, reduzindo por isso a sua OFC.
571. Regra geral, na ausência de um acordo contratual entre fornecedores e
compradores que vise partilhar as despesas em investimento e inovação do
produto, são os primeiros que suportam estas despesas, na expectativa de que
serão rentabilizadas aquando das negociações com os segundos. Isto sugere que
se os compradores têm poder de compra e, por isso, capacidade para se
142 Chen (2007). “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy”, Research in Law and Economics, 22:
17-40. 143 Chen (2004). “Monopoly and Product Diversity: The Role of Retailer Countervailing Power”. Carleton
Economic Papers 04-19. Carleton University. 144 Inderst, R., and C. Wey (2005). “How Strong Buyers Spur Upstream Innovation”. Mimeo. London School
of Economics.
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apropriarem de uma parcela importante dos lucros futuros, então o fornecedor
pode não ter incentivos suficientes para inovar e/ou investir.
572. A existência destas dificuldades contratuais, não significa que os incentivos para
inovar ou investir sejam reduzidos. Eles dependem não do nível absoluto dos
lucros, mas dos lucros incrementais que são gerados com o investimento e estes
não são, necessariamente, mais baixos se existirem compradores com poder de
compra (Inderst and Mazzarotto, 2006)145.
573. O investimento e inovação podem ser uma “arma” importante que possibilita abrir
canais alternativos e assim reduzir o nível de dependência económica. Além disso,
ao tornar o seu produto mais atractivo ou o seu processo produtivo mais eficiente,
o fornecedor diminui o valor da OFC do retalhista, ao poder ameaçar fornecer
apenas os seus concorrentes.
574. Para aferir do impacto do poder de compra sobre a capacidade de investimento e
inovação, interessa distinguir entre investimentos incrementais e inovação em
produtos já existentes, de investimentos não incrementais tais como decisões de
entrar em novos mercados ou fornecer um produto novo. No primeiro caso, que o
poder de compra funciona como um incentivo, enquanto que no segundo caso,
considerações sobre o valor absoluto dos lucros futuros são os factores
relevantes.
575. Outra questão prende-se com a origem do poder de compra. Se o poder de
compra tem origem na exploração de marcas próprias por parte dos retalhistas,
então os fornecedores de marca têm um incentivo muito forte a investir e inovar
de modo a diferenciar suficientemente os seus produtos e assim garantir algum
poder de negociação junto dos retalhistas. De facto, relativamente a uma situação
em que só existem produtos de marca, a introdução de marcas próprias produz
uma concorrência vertical forte entre as empresas a jusante e a montante, sobre
a capacidade de inovação, de marketing, de produção etc., na cadeia da oferta e
nas margens associadas.
145 Inders, R. and N. Mazzarotto (2006) “Buyer Power in Distribution”. Issues in Competition Law and Policy.
Capitulo XX.
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A2.9. Poder de compra e política de concorrência
576. Só recentemente é que o fenómeno do exercício de poder de compra tem
despertado o interesse da teoria económica. O problema de poder de compra no
contexto da política de concorrência tem sido considerado de menor importância
relativamente às preocupações com o abuso de “seller power” e seus efeitos sobre
o bem-estar social. Contudo recentemente, a questão do exercício de poder de
compra e os seus potenciais efeitos nocivos para o bem-estar social, tem
levantado várias outras questões relativas à interpretação da aplicação da política
de concorrência.
577. A política de concorrência tem como principal enfoque a maximização do bem-
estar do consumidor. Restrições à concorrência do lado da procura a montante
não têm merecido tanta atenção como do lado da oferta a jusante, porque nem
sempre têm um efeito negativo no consumidor final.
578. Contudo recentemente, tem-se assistido ao surgimento de um novo paradigma da
política de concorrência que tende a dar mais enfoque às relações entre
fornecedores e retalhistas em geral e à forma como estes exercem o seu poder de
compra sobre aqueles. A tal não é alheio o facto de que, muitas vezes, o poder de
compra estar associado e reforçar o poder de venda (SP), permitindo aprofundar
posições dominantes que poderão ser prejudiciais para o consumidor.
579. O próprio conceito de bem-estar do consumidor pode ser entendido numa
perspectiva mais ampla do que a associada ao consumidor final no mercado a
jusante, para representar o bem-estar agregado de longo prazo146.
580. De acordo com Warwick and Murray (2009) a excessiva concentração da
actividade do retalho a que o fenómeno de poder de compra está associado, tem
suscitado um novo debate sobre a aplicação da política de concorrência. Por
exemplo, o caso Tesco, em que a CC impôs um remédio que limitava a
capacidade de expansão das lojas daquela insígnia, subsequentemente anulado
pelo Competition Appeal Tribunal (CAT) em virtude de poder ter efeitos nefastos
sobre os consumidores, vem sublinhar a importância de ponderar os efeitos de
longo prazo sobre o bem-estar e os eventuais problemas estruturais causados
146 Esta discussão foi levantada pelo Supremo Tribunal de Justiça na sua decisão no caso Weyerhaeuser Co.
V. Ross-Simmons hrdwood Lumber Co. Inc. 127 S. Ct. 1069 (2007); cf. Werden, monpsony and the Sherman Act: Consumer Welfare in a New light (http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm ?abstract_id=975992) sobre a análise do poder de compra nos termos da lei Antitrust norte americana.
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pela excessiva concentração do sector do retalho, que não têm origem nos
comportamentos anti-competitivos previstos no artigo 101 do TFUE nem podem
ser atribuídos a condutas de abuso de posição dominante descritas no artigo 102
do TFUE.
581. A questão das restrições verticais e outras obrigações contratuais impostas aos
fornecedores pelo poder de compra dos grandes distribuidores têm sido objecto
de (re)análise por parte das autoridades nacionais da concorrência e pela CE.
582. Por exemplo, Competition Commission do Reino Unido elaborou um código de
conduta – “Groceries Supply Code of Practice” (GSCOP), com o objectivo de
promover a eliminação de certas práticas relacionadas com: negociação justa;
alterações retrospectivas de condições; preços e pagamentos; promoções; etc.
Como exemplo de uma prática abrangida por este código, um retalhista não pode,
directa ou indirectamente, exigir que um fornecedor financie os custos de uma
promoção; um retalhista não pode, excepto em certas condições pré-definidas,
directa ou indirectamente exigir a um fornecedor que faça qualquer tipo de
pagamento como condição para que os seus produtos sejam expostos, etc.
583. Alguns países, nos quais se inclui Portugal (Decreto-Lei nº370/93, de 29 de
Outubro), têm legislação que visa proteger os fornecedores de certas práticas
negociais abusivas. São os casos de por exemplo a França e a Alemanha. Contudo
a aplicabilidade destas disposições, “esbarra” com a dificuldade de se provarem as
práticas em causa e com a ausência de denúncias por parte dos fornecedores que
têm receio de represálias que possam sofrer.
A2.9.1. Definição do mercado relevante
584. A análise de um caso de antitrust é constituída por pelo menos três partes:
definição do(s) mercado(s) relevante(s), determinação de poder de mercado em
cada um deles, e verificação dos efeitos anti-competitivos.
585. Um caso de poder de compra requer uma análise em dois níveis da cadeia
vertical: Por um lado, a definição do(s) mercado(s) a jusante, que pode ser
efectuada da forma convencional usando o teste do monopolista hipotético, já que
um retalhista é um vendedor no mercado a jusante. Por outro, a definição do(s)
mercado(s) a montante onde se exerce o poder de compra tem de ser efectuada
do lado do comprador e não do lado do vendedor, mas é definida simetricamente:
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O mercado relevante é definido como o grupo mais reduzido de produtos e a área
geográfica mais pequena na qual um único hipotético comprador (monopsonista)
imporia e sustentaria uma redução significativa e não transitória do preço abaixo
do seu nível normal (interpretado como o nível de preço competitivo). No fundo é
o mercado com menor dimensão, em área e em termos de produtos incluídos,
onde o retalhista consegue exercer o seu poder de compra.
586. Do lado do comprador aquela definição suporta-se no conceito de substituibilidade
do lado do vendedor, ou seja, na capacidade que o vendedor tem de encontrar
compradores alternativos. Interessa por isso considerar os factores que
determinam os custos de “switching” para o fornecimento de outros clientes.
A2.9.2. Conceito de posição dominante: Visão tradicional
587. O critério fundamental que permite a um comprador exercer poder de compra não
é apenas a sua dimensão relativamente aos seus fornecedores, mas também se
ele enfrenta concorrência efectiva, actual ou potencial, na aquisição dos produtos
do fornecedor. Por isso, para quantificar o poder de um fornecedor deve recorrer-
se ao cálculo da quota do retalhista no(s) mercado(s) a montante tendo em conta
as vendas para todos os compradores nesse mercado relevante, e não apenas
aqueles compradores que concorrem com o retalhista no mercado a jusante.
588. Uma quota elevada não é condição suficiente nem necessária para a existência de
poder de compra. Há que ter em conta a existência de barreiras à entrada no lado
da compra no mercado a montante. Se estas existirem o retalhista incumbente,
mesmo não tendo uma quota muito elevada, terá de se preocupar menos com a
OFC dos seus fornecedores.
589. Contudo em dois casos envolvendo o retalho alimentar, Carrefour/Promodes (cit.)
e REWE/ADEGK147, a Comissão usou o critério de dimensão relativa para aferir da
posição dominante do comprador. Em ambos os casos a Comissão considerou que
se o comprador detém uma quota nas vendas de um fornecedor que ultrapasse os
22% então ele era tido como indispensável para o fornecedor.
147 Decisão de 23 de Junho 2008, COMP/M.5047-“REWE/ADEGK”.
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A2.9.3. Conceito de posição dominante e de dependência económica
590. O conceito de dominância é fundamental na determinação da existência de poder
de compra por parte de um comprador. De uma forma simplista, pode afirmar-se
que um fornecedor é economicamente dependente de um comprador se não é
viável para o fornecedor perder o comprador como cliente, podendo este permitir-
se a perder esse fornecedor. Para que exista, ela terá de ser sempre unilateral, no
sentido em que não afecta o comprador.
591. É por isso necessário estabelecer se um fornecedor tem acesso a canais de
distribuição alternativos. Isto requer que se tenha em conta a dimensão do
comprador a substituir e a dos compradores alternativos potenciais148. O
fornecedor terá tanto mais dificuldade em substituir um comprador quanto menos
compradores ou canais alternativos existirem. Neste contexto, é importante aferir
qual a quota de mercado (relevante para ao fornecedor) do retalhista em causa.
592. Outro factor a ter em conta na determinação do grau de dependência económica é
o eventual exercício da função de “gatekeeper” dos produtos do fornecedor por
parte do comprador. Neste caso o fornecedor depende do retalhista para fazer
chegar os seus produtos ao consumidor final. Nestas circunstâncias, poder ser
mais difícil para o fornecedor substituir um retalhista pequeno mas monopolista
no seu mercado do que um grande retalhista inserido num contexto competitivo.
Por outro lado, a dependência será menor se, por exemplo, os fornecedores
venderem, pelo menos parcialmente, a sua produção, directamente aos
consumidores nos seus outlets.
593. Dobson, Waterson and Chu (1998)149, comparam o exercício da função de
“gatekeeper” e o nível de dependência que daí advém com o problema de acesso
a uma infra-estrutura essencial. A questão é que para determinados fornecedores
as grandes superfícies são fundamentais para que os seus produtos cheguem aos
consumidores. Estes não têm outra forma economicamente viável de colocar os
seus produtos que lhe ofereça o mesmo benefício económico. Esta linha de
raciocínio, mais do que teoricamente justificada, constitui claramente um alerta
para o grau de vulnerabilidade dos fornecedores em relação à grande distribuição
148 Note-se que a obtenção de novos contratos com compradores alternativos, requer que o fornecedor
apresente uma proposta mais vantajosa do que aquela de que actualmente usufruem. 149 Dobson, P., Waterson, M., and A. Chu (1998). “The Welfare Consequences of The Exercise of Buyer
Power”. Office of Fair Trading, Research Paper No. 16.
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nos mercados europeus, e sugere que o grau de dependência económica é maior
do que o sugerido pelas medidas usualmente utilizadas.
594. Na determinação dos canais alternativos há que ter em conta a rapidez com que o
fornecedor consegue encontrar outro comprador caso haja ruptura de
fornecimento. Esta questão está associada à existência de barreiras à entrada no
sector. Se estas não existirem ou forem suficientemente baixas, pode ser
relativamente fácil para o fornecedor encontrar novos clientes. Contudo, em
sectores onde existem grandes retalhistas as barreiras à entrada são tipicamente
elevadas, ora por razões legais, ou porque a entrada no mercado requer níveis de
investimentos muito elevados, nomeadamente na criação de uma rede de
distribuição e logística ou em publicidade e marketing.
595. A existência de canais de distribuição alternativos não é suficiente para reduzir o
grau de dependência, se ao fornecimento do bem ou serviço estão associados
custos afundados que dificultam a capacidade do fornecedor reduzir o volume de
vendas, em resposta a uma proposta menos vantajosa da parte do retalhista.
Nesse caso, pode ser preferível para os fornecedores incorporar essas condições
de venda ou, caso tenha poder de mercado, passá-las aos seus próprios
fornecedores150.
596. De acordo com Pozdnakova (2008)151, o critério principal para aferir se um
fornecedor é economicamente dependente de um retalhista é a proporção das
compras do retalhista nas vendas totais do fornecedor152. Quanto maior esta
quota, maior o grau de dependência do fornecedor. Contudo, é também
necessário comparar a perda nos lucros de ambos associada à ruptura do
contrato, i.e., o valor das OFC de fornecedor e retalhista. O poder de negociação
do comprador será tanto maior quanto menor a perda nos lucros decorrente da
OFC.
597. Como sempre, a adopção deste tipo de critérios suscita a questão de determinar
qual o “benchmark” para a determinação do grau de dependência. No caso
150 Isto sucede com os bens perecíveis, cujas características impedem que hajam atrasos na venda motivados
pela tentativa de obtenção de melhores condições de venda. 151 Pozdnakova, A. (2009) “Buyer Power in the Retail Trading Sector: Evolving Latvian Regulation” European
Competition Law Review, 8: 387-392. 152 Esta interpretação não tem presente a existência de canais alternativos.
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Rewe/Meinl153 a CE tendo em conta os relatórios dos produtores (fornecedores)
estabeleceu que, em média, um comprador que contribua para 22% ou mais do
volume de negócios do fornecedor só pode ser substituído a um custo financeiro
muito elevado.
598. Contudo, tem de se ter em conta a importância do bem para o próprio retalhista.
Tratando-se de um produto “âncora”, relativamente ao qual os consumidores têm
um certo grau de lealdade, é necessário ter em conta o custo que o retalhista
incorre ao não fornecer esses produtos. Os fornecedores de um produto com estas
características estão obviamente menos dependentes. Mesmo assim, os
retalhistas, ao oferecerem uma série de comodidades aos seus consumidores
como one-stop-shopping, uma grande variedade de produtos etc., podem muitas
vezes reduzir a importância da disponibilização desses produtos nas decisões dos
consumidores sobre onde efectuar as suas compras.
153 Decisão de 3 de Fevereiro 1999, COMP IV/M.1221 – “REWE/Meinl”.
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A2.10. Poder de compra: Síntese conclusiva
599. Os últimos anos têm assistido a uma verdadeira revolução na indústria da grande
distribuição alimentar, que tem no aprofundar da internacionalização o seu
próximo episódio. A grande escala a que operam os grandes retalhistas, possível
mediante a introdução de tecnologias de ponta na gestão logística e de
distribuição permitiu a obtenção de ganhos de eficiência. Regra geral estas
alterações alteraram de forma positiva a forma como os consumidores se
relacionam com o comércio a retalho. A possibilidade de efectuar “one-stop-
shopping”, com disponibilidade de uma oferta de produtos bastante alargada, a
possivelmente preços mais reduzidos, são benefícios assinaláveis.
600. O peso crescente das grandes cadeias de distribuição é acompanhado por um
aumento bastante significativo do seu poder de mercado perante os fornecedores.
De facto, as relações comerciais nos mercados de aprovisionamento, agora
caracterizadas por níveis de dependência económica bastante elevada por parte
de alguns fornecedores, é uma característica preocupante desta nova realidade.
601. A questão do poder de compra no contexto da politica de concorrência, do ponto
de vista do bem-estar social tem merecido menos atenção do que as
preocupações de abuso de poder de venda. Até à data, as autoridades de
concorrência da EU não têm aberto casos de abuso de poder de compra. Contudo
o facto do poder de compra estar no actual contexto do mercado da grande
distribuição, cada vez mais associado a poder de compra nos mercados a jusante,
através da vantagem comparativa que os grandes retalhistas conseguem obter
pela negociação de condições de compra cada vez mais vantajosas junto dos
fornecedores, e as possíveis consequências no nível de eficiência e equidade da
afectação do mercado, tem suscitado um debate em torno do papel da politica de
concorrência neste contexto.
602. O poder de compra, que pode estar associado à capacidade de exploração de
poder de mercado a jusante, pode ser prejudicial para o bem-estar geral se
colocar em causa a viabilidade dos fornecedores e/ou a sua disponibilidade para
investirem em novos processos e produtos. De facto, o acréscimo de poder de
compra tem como situação limite, a sobrevivência apenas das marcas fortes,
sendo que todos os demais produtos cuja identidade para o consumidor é fraca,
tenderão a ser ver as suas margens reduzidas e eventualmente a serem
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substituídos por produtos de marca própria. No final a diversidade na oferta será
comprometida o que constitui uma perda para o consumidor.
603. Apesar do exercício do poder de compra poder afectar negativamente tanto os
mercados a jusante como a montante, do ponto de vista das regras de
concorrência é difícil ignorar que podem existir ganhos económicos importantes.
Sob certas condições já discutidas, a obtenção de melhores termos de troca nos
mercados de aprovisionamento podem ser passados aos consumidores,
traduzindo-se em preços mais baixos.
604. Os potenciais problemas concorrenciais causados pelo poder de compra, têm sido
tomados em consideração, como atestam as decisões sobre fusões nos casos
Rewe/Meinl (cit.) e Kesko/Tuko (cit.), em que foi considerado que o aprofundar da
consolidação no sector do retalho iria causar, no espaço europeu, uma redução
ainda maior no nível de concorrência local.
605. Este aspecto particular da consolidação do sector do retalho deve ser objecto de
vigilância por parte das autoridades, não sendo de excluir a sua intervenção no
sentido de impor desinvestimentos em certas lojas, de modo a garantir a
existência de concorrência efectiva (ver Dobson (2003)). De facto os modelos de
contrapoder mostram, que a eventual redução nos preços decorrente do exercício
de poder de compra, pode facilmente ser compensada pelo aumento nos preços
decorrente do reforço de “selling power” (ver Dobson and Waterson (1997)). Esta
tem sido a evidência no sector de retalho alimentar no UK.
606. O processo de internacionalização dos Grupos de compras, agora efectuadas num
contexto global com parceiros transnacionais, que com o seus volumes de compra
aprofundam o grau de dependência económica dos fornecedores, e exercem um
grau de poder de compra sem precedentes é passível de a médio prazo
redesenhar de novo o relacionamento entre os dois agentes nesses mercados.
607. Uma concentração da oferta nos mercados a montante, que tenderá a laborar de
acordo com as exigências da grande distribuição, quer a nível das características
dos produtos, quer a nível de determinação de preços e condições de venda,
nomeadamente no que diz respeito a restrições verticais que conduzam entre
outros contratos de exclusividade. Este tipo de relação é já frequente no sector
dos produtos agrícola e frescos e constitui uma forma de “integração vertical”.
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608. Outra tendência associada a esse processo, será o aumento da oferta de marcas
próprias, que tenderá a “substituir” os produtos com uma fraca identidade perante
os consumidores.
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Glossário
AdC – Autoridade da Concorrência
APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição
CC – Comissão da Concorrência (Competition Commission) do Reino Unido
CE – Comissão Europeia
Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca (cf. http://
www.centromarca.pt/)
CIP – Confederação da Indústria Portuguesa
CPAA – Comissão Permanente de Avaliação e Acompanhamento do Código de Boas
Práticas Comerciais
DBP – Differential Buyer Power (Diferencial de poder de compra ou diferença entre poder
de compra)
DGCC – anterior Direcção Geral do Comércio e Concorrência
DG COMP – Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia
DGCP – anterior Direcção Geral da Concorrência e Preços
GDA – Grande distribuição alimentar, que reagrupa empresas retalhistas e grossistas no
âmbito da distribuição de produtos de grande consumo, do ramo alimentar
(mercearia, frescos, bebidas, lácteos e congelados) e não alimentar (produtos de
higiene pessoal e de drogaria e bazar)
GGR – Grandes Grupos Retalhistas, detentores de cadeias de supermercados e de
hipermercados da insígnia da cadeia de âmbito nacional. Actualmente, operam 9
GGR em Portugal, a saber os Grupos Aldi, Auchan (Jumbo e Pão de Açúcar),
Carrefour (incluindo a rede Dia%/Minipreço), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI
(Intermarché e Ecomarché), Jerónimo Martins (Feira Nova e Pingo Doce no retalho
e a cadeia Recheio no comércio por grosso), Modelo-Continente e Lidl. Estes grupos
são a distinguir de grupos retalhistas de dimensão regional (v.g., os casos do Grupo
A. C. Santos nos distritos de Lisboa e de Leiria e Alisuper no distrito de Faro).
ha – Hectares (medida de área de exploração cerealífera)
HORECA – Canal dos Hotéis, Restaurantes e Cafés.
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IHH – Índice de concentração de Herfindahl-Hirschman, o qual corresponde à soma dos
quadrados das quotas de cada operador de mercado. Valores deste índice entre
1000 e 1800 indicam um grau moderado de concentração e valores acima de
1800 definem um mercado concentrado, onde a existência de práticas
anticoncorrenciais é mais verosímil.
JM – Grupo Jerónimo Martins, detentor das cadeias retalhistas Feira Nova e Pingo Doce,
bem como da cadeia grossista Recheio
MC – Grupo Modelo-Continente (Sonae Distribuição), detentor das cadeias retalhistas
Modelo (supermercados) e Continente (hipermercados)
MDD – Produtos de marca do distribuidor (também designados por produtos de “marca
branca”), que são a contrastar com os produtos de marca dos produtores /
fornecedores.
OFC – Opção-fora-do-contrato
OFT – Office of Fair Trading do Reino Unido
RAA – Região Autónoma dos Açores
RU – Reino Unido
SAU – Superfície Agrícola Útil (expressa em hectares)
SP – Seller power (poder de venda)
TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (substitui o Tratado CE)
Tratado CE – Tratado que instituiu as Comunidades Europeias
UNIARME – União de Armazenistas de Mercearia, CRL
VN – Volume de negócios
WBE – Waterbed Effect (vide Anexo 2).