relaçoes de afeto

8
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 23 A relação de afeto/desafeto em famílias de crianças com comportamento agressivo Adriane M. Netto de Oliveira * Graciela M. Loch ** Fernanda L. Lopes *** Luzia Wilma S. da Silva **** RESUMO: Este artigo aborda o subtema afetividade inserido na pesquisa “Desvelando os fatores internos e externos à família que podem influenciar no comportamento agressivo da criança”. Foi uma pesquisa de inspiração fenomenológica, realizada no período de 2001 a 2002. Atualmente, a agressividade mostra-se através de diversas formas de violência, pare- cendo ser algo comum em nossa sociedade. Em função desse problema e de realizar um tra- balho com famílias, decidimos realizar este estudo para ampliar nossa visão sobre o tema. Tivemos como objetivo conhecer os fatores internos e externos à família que podem influen- ciar na manifestação do comportamento agressivo pela criança. No subtema afetividade, emergiu um distanciamento afetivo entre pais e filhos, a separação do casal, a ausência do pai e a dificuldade da mãe para se relacionar com os filhos. Os resultados permitiram ampliar nossa visão em relação aos múltiplos fatores da agressividade e compreender algumas difi- culdades e limitações que a família enfrenta ao desempenhar sua função como cuidadora. Palavras-chave: Família. Criança. Agressividade. Enfermagem. 1 INTRODUÇÃO Atualmente, a agressividade, representada através de diversas formas de violência, pa- rece ser um noticiário relevante e comum em nossa sociedade, divulgado pelos meios de comunicação, mostrando um cenário caótico e assustador. Neste cenário, desvelam-se ho- micídios e suicídios, muitas vezes, em decor- rência da agressividade juvenil. Frente a essa situação, em função de realizar um trabalho com famílias, e conseqüente- mente, ainda, que são encaminhadas crian- ças das escolas públicas de um município do Rio Grande do Sul ao Ambulatório de Enfer- magem em Saúde Mental de um Hospital Universitário, cuja queixa principal e mais comum das orientadoras educacionais é o comportamento agressivo da criança na es- * Professora-Enfermeira do Departamento de Enfer- magem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande/FURG. Disciplinas de Enfermagem em Saúde Mental e Prática de Enfermagem em Saúde Mental Mestre em Enfermagem pela UFSC - Dou- toranda em Enfermagem pela UFSC - Bolsista PQI/ CAPES - Coordenadora da Pesquisa. End: Rua Dr. Bruno de Mendonça, 36. Bairro Jardim do Sol. Rio Grande/RS. CEP-96216-190. E-mail: cunhanet@ vetorial.net ou [email protected] ** Professora Psicóloga do Departamento de Educa- ção e Ciências do Comportamento da Fundação Universidade Federal do Rio Grande/FURG – Co- laboradora da Pesquisa. *** Bolsista PIBIC/CNPq. Na época da realização da pesquisa era acadêmica do 7º semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Fundação Uni- versidade Federal do Rio Grande/FURG. **** Professora-Enfermeira da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Área de Assistência: Disciplina Fundamentos Teórico-metodológico do Processo de Cuidar. Mestre em Enfermagem pela UNIRIO/UESB - Doutoranda em Enfermagem pela UFSC - Bolsista PQI/CAPES – Colaboradora da pesquisa. End: Rua Abílio Procópio Ferreira, 343. Centro. Jequié/BA. CEP-45200-000. E-mail : [email protected] ou [email protected]

Transcript of relaçoes de afeto

Page 1: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 23

A relação de afeto/desafeto em famílias decrianças com comportamento agressivo

Adriane M. Netto de Oliveira*

Graciela M. Loch**

Fernanda L. Lopes***

Luzia Wilma S. da Silva****

RESUMO: Este artigo aborda o subtema afetividade inserido na pesquisa “Desvelando osfatores internos e externos à família que podem influenciar no comportamento agressivo dacriança”. Foi uma pesquisa de inspiração fenomenológica, realizada no período de 2001 a2002. Atualmente, a agressividade mostra-se através de diversas formas de violência, pare-cendo ser algo comum em nossa sociedade. Em função desse problema e de realizar um tra-balho com famílias, decidimos realizar este estudo para ampliar nossa visão sobre o tema.Tivemos como objetivo conhecer os fatores internos e externos à família que podem influen-ciar na manifestação do comportamento agressivo pela criança. No subtema afetividade,emergiu um distanciamento afetivo entre pais e filhos, a separação do casal, a ausência do paie a dificuldade da mãe para se relacionar com os filhos. Os resultados permitiram ampliarnossa visão em relação aos múltiplos fatores da agressividade e compreender algumas difi-culdades e limitações que a família enfrenta ao desempenhar sua função como cuidadora.

Palavras-chave: Família. Criança. Agressividade. Enfermagem.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, a agressividade, representadaatravés de diversas formas de violência, pa-rece ser um noticiário relevante e comum emnossa sociedade, divulgado pelos meios decomunicação, mostrando um cenário caóticoe assustador. Neste cenário, desvelam-se ho-micídios e suicídios, muitas vezes, em decor-rência da agressividade juvenil.

Frente a essa situação, em função de realizarum trabalho com famílias, e conseqüente-mente, ainda, que são encaminhadas crian-ças das escolas públicas de um município doRio Grande do Sul ao Ambulatório de Enfer-magem em Saúde Mental de um HospitalUniversitário, cuja queixa principal e maiscomum das orientadoras educacionais é ocomportamento agressivo da criança na es-

* Professora-Enfermeira do Departamento de Enfer-magem da Fundação Universidade Federal do RioGrande/FURG. Disciplinas de Enfermagem emSaúde Mental e Prática de Enfermagem em SaúdeMental Mestre em Enfermagem pela UFSC - Dou-toranda em Enfermagem pela UFSC - Bolsista PQI/CAPES - Coordenadora da Pesquisa. End: Rua Dr.Bruno de Mendonça, 36. Bairro Jardim do Sol. RioGrande/RS. CEP-96216-190. E-mail: [email protected] ou [email protected]

** Professora Psicóloga do Departamento de Educa-ção e Ciências do Comportamento da FundaçãoUniversidade Federal do Rio Grande/FURG – Co-laboradora da Pesquisa.

*** Bolsista PIBIC/CNPq. Na época da realização dapesquisa era acadêmica do 7º semestre do Cursode Graduação em Enfermagem da Fundação Uni-versidade Federal do Rio Grande/FURG.

**** Professora-Enfermeira da Universidade Estadual doSudoeste da Bahia – Área de Assistência: DisciplinaFundamentos Teórico-metodológico do Processo deCuidar. Mestre em Enfermagem pela UNIRIO/UESB- Doutoranda em Enfermagem pela UFSC - BolsistaPQI/CAPES – Colaboradora da pesquisa. End: RuaAbílio Procópio Ferreira, 343. Centro. Jequié/BA.CEP-45200-000. E-mail: [email protected] ou [email protected]

Page 2: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 24

cola, sentimos a necessidade de fazer umapesquisa que ampliasse nossa visão em rela-ção a este fenômeno, para poder com-preender e ajudar a família que sofre com esteproblema em seu cotidiano.

A agressividade é um comportamento emo-cional que faz parte da afetividade de todos,sendo considerada como algo inerente ao serhumano. Entretanto, a maneira como as pes-soas reagem frente à agressividade varia deacordo com os valores e crenças de cada so-ciedade. Na nossa sociedade, geralmente, aagressividade é aceita quando tem o sentidode iniciativa, ambição, decisão ou coragem,mas é punida quando reconhecida como ati-tude de hostilidade ou sentimento de cólera.A agressividade não é traço de personalida-de, portanto, não existem crianças agressivas,o que existe são crianças que cometem atosagressivos, por isso, o correto seria dizer quea criança está agressiva (CORSINI, 2000).

Dentre os fatores que influenciam a agres-sividade, encontramos o meio ambiente. Ge-ralmente, o que falta à criança é a habilidadee a capacidade para lidar com as situaçõesaversivas do meio, o que lhe provoca inúme-ros sentimentos, dentre eles, a raiva, o medoe a insegurança. Os atos agressivos tambémpodem ser aprendidos por meio da observa-ção de modelos agressivos.

A maneira pela qual a criança é cuidada e con-siderada nos primeiros anos de vida determi-na, em grande parte, a estima e o respeito queterá por si mesma quando se tornar adulta.Desde bebê, ela procura o reconhecimentodos pais e/ou cuidadores. Quando sente apro-vação, aceitação e encorajamento, encontraum estímulo para novas conquistas (LER-NER, 2000).

A falta de autoridade real dos pais, a ambi-güidade de ordens, proibições e contradições,que resultam da insegurança ou do seu esta-do de humor, deixam a criança mais despro-tegida para se adaptar à realidade.

Dentre os instrumentos essenciais na difíciltarefa de educar os filhos, encontram-se acontínua busca do diálogo e a necessidade deestabelecer limites. A falta de limites podetransformar crianças agressivas em adultosagressivos. A questão dos limites está direta-mente relacionada à agressividade, pois ascrianças que não têm limites tendem a tor-nar-se agressivas quando estes lhe são impos-tos (ZAGURY, 2000).

A agressividade infantil é resultado de umamultiplicidade de fatores em que o meio é defundamental importância. Hoje, sabe-se queos fatores genéticos associados ao meio am-biente podem contribuir para o comporta-mento agressivo ou não de uma criança. Porisso, neste estudo, objetivou-se identificar osfatores internos e externos à família que po-dem influenciar no comportamento agres-sivo da criança.

2 TRAJETÓRIAMETODOLÓGICA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de ins-piração fenomenológica, a qual não se preo-cupa com generalizações, princípios e leis. Ofoco da sua atenção encontra-se no específi-co, no singular, buscando sempre a compre-ensão e não a explicação do fenômeno estu-dado. Tivemos como proposta compreendera experiência das famílias que convivem comuma criança que tem um comportamentoagressivo.

No caminhar fenomenológico, utilizamos apalavra “trajetória”, ao invés de “método”,pois melhor expressa o caminhar em buscada essência do fenômeno. Ao interrogarmosos sujeitos, caminhamos em direção ao fenô-meno, buscando compreender aquilo que semanifesta por si, através dos discursos dasfamílias e das orientadoras educacionais dasescolas.

Page 3: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 25

A trajetória fenomenológica, no entenderheideggeriano, preconiza o desenvolvimentode momentos denominados como “estabele-cimento da posição prévia” que implica na sus-pensão do conhecimento factual e no estabe-lecimento da visão e da concepção prévia. Odesenrolar desses momentos permite mostraro fenômeno como “sentido”, com-preendidocomo modos de ser (SIMÕES; SOUZA, 1997).

A realização deste estudo adequou-se à nos-sa visão de mundo e à natureza do fenômenoque buscamos. A intenção da fenomenologiaé “ir às coisas mesmas”, numa tentativa deapre-ender o fenômeno tal como é experi-mentado pelo ser que o vivencia, sem que ainterpretação ou teorização interfira na suacaptação (CAPALBO, 1994).

Atualmente, na enfermagem, em que se evi-dencia intensa preocupação com a questão dorelacionamento, a fenomenologia pode trazercontribuições significativas para a saúde da-queles que cuidamos, possibilitando melhorcompreensão das relações interpessoais.

3 SUJEITOS E LOCAL DOESTUDO

O desenvolvimento deste estudo começou apartir do encaminhamento das crianças comcomportamento agressivo, pelas orientadoraseducacionais das escolas, para a consulta deenfermagem, sendo realizado o levantamen-to do número de participantes da pesquisaatravés do prontuário dos pacientes que apre-sentavam esta queixa, do biênio 1999 a 2001,considerando apenas as crianças que tives-sem, no máximo, 11 anos, no ano em que ini-ciamos a pesquisa. Os locais de realização dasentrevistas foram as escolas e a residência decada família. Os dados foram obtidos junto aquatro escolas e dezesseis famílias.

As escolas onde foram realizadas as entrevis-tas localizam-se na periferia da cidade de RioGrande/ RS e são públicas. As famílias resi-

dem em diferentes bairros da periferia domunicípio. Em relação à profissão das mãespartícipes do estudo, esta é variável, desdediarista, balconista, autônoma, do lar e apo-sentada. Quanto aos pais, três moravam coma família e têm as seguintes profissões: ca-minhoneiro, carroceiro e biscateiro. Dos paisque não moram mais com a família, apenasum ajuda financeiramente o filho, pagandopensão e mantém contato em alguns finais desemana.

Para a coleta dos dados, utilizamos entrevis-ta de inspiração fenomenológica, contendouma questão norteadora e algumas questõesde suporte, tanto para a orientadora, na es-cola, como para a família.

Iniciamos as entrevistas pela escola, para queesta servisse de veículo entre os pesquisado-res e a família, bem como, para que esta ti-vesse uma referência anterior a nosso respei-to, possibilitando, desta forma, o estabeleci-mento de relação e confiança.

Ao interrogarmos as famílias e as orien-tadoras educacionais, o objetivo foi que ou-vindo-as, compreendemos como descre-veme vêem o comportamento agressivo das cri-anças, permitindo conhecer e compreendera existência da família como ser-no-mundo eser-com e a sua interação com a criança.

A análise dos dados foi realizada a partir dautilização de alguns existenciais do referencialteórico-filosófico de Martin Heidegger e darevisão de literatura sobre agressividade nainfância e família.

Respeitando os aspectos éticos, de acordocom a Resolução nº 196/96, sobre pesquisaenvolvendo seres humanos, foi esclarecidoaos familiares e à direção da escola os objeti-vos da pesquisa, bem como, solicitamos suaautorização por escrito. A entrevista foi gra-vada, após anuência dos participantes, paraposterior transcrição e análise dos dados.Mantivemos o anonimato das famílias eorientadoras das escolas que participaramdesse estudo. Para identificarmos os discur-

Page 4: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 26

sos das famílias, utilizamos a letra “F”, segui-da do número que representa a entrevista rea-lizada com cada família, acrescido do grau deparentesco do familiar entrevistado. Quantoao nome das crianças encontrados na análi-se dos dados são fictícios.

4 DESVELANDO ASRELAÇÕES DE AFETO/DESAFETO QUEEMERGIRAM DOSDISCURSOS

O referencial teórico deste trabalho contem-pla alguns autores que estudam a família e aagressividade na infância e alguns existen-ciais de um referencial filosófico. Apenas deforma didática, optamos por definir dois te-mas nesta pesquisa, que são, “Fatores Inter-nos e Fatores Externos à Família”, que podeminfluenciar no comportamento agressivo dacriança, estando inter-relacionados entre si,ora divergindo, ora complementando-se. Porisso, torna-se difícil identificá-los isolada-mente, como responsáveis por tal comporta-mento. Por fatores internos estamos nos re-ferindo a afetividade, cuidado e comunicaçãoentre pais e filhos e por externos aqueles re-lacionados à escola, meios de comunicação econdições socioeconômicas.

As funções da família incluem: a função psi-cológica, biológica e social; estas, no entanto,dificilmente podem ser estudadas separada-mente, já que estão intimamente relaciona-das e entrelaçam-se umas com as outras, aolongo da formação da família. A função bio-lógica consiste em assegurar a sobrevivênciade seus membros, atendendo suas necessida-des humanas básicas, entre elas, a higiene e aalimentação (OSÓRIO, 1996).

Dentre as funções psicossociais, encontramoso alimento afetivo como indispensável para asobrevivência do ser humano, tanto quanto ooxigênio, a água e os nutrientes orgânicos quenecessitamos para sobreviver. Sem o afeto

ministrado pelos pais ou outros cuidadores,o ser humano pode apresentar grande difi-culdade nas relações interpessoais, manifes-tada através de um embotamento emocionalou pode exacerbar seus sentimentos de frus-tração, rejeição e raiva, por meio de um com-portamento agressivo.

Encontramo-nos sempre em uma situaçãoafetiva, ou seja, estamos no mundo com umdeterminado estado de ânimo. As experiên-cias pelas quais os seres humanos passam nãoacontecem sem nenhum significado; muitopelo contrário, elas podem ser agradáveis,prazerosas, temíveis ou indiferentes; deter-minam o nosso modo de ser e como nos sen-timos no mundo, tristes, alegres, tranqüilosou com medo (HEIDEGGER, 1997).

Em alguns discursos evidencia-se a rejeiçãopaterna na relação de afeto com a criança. Afamília percebe o quanto este distanciamentoafetivo atinge a criança, que se entristece,mas, ao mesmo tempo, reconhece como úni-ca alternativa ignorar tal fato, possivelmen-te, para manter-se afastada de outras decep-ções afetivas, geradoras de ansiedade e sofri-mento.

Na maioria das famílias entrevistadas, encon-tramos a separação do casal como algo pre-dominante na situação existencial destas pes-soas. Através dos discursos, foi possível per-ceber que as crianças deste estudo encon-tram-se, na maior parte das vezes, fragilizadase negligenciadas, principalmente pelo pai, emfunção da sua ausência física e afetiva:

Ele convive com o pai, uma vez por mês,quando ele visita o pai. O pai dele jáchegou a passar dois meses sem falar comele (F7- Mãe).

Na última vez que fomos na cidade ondemora o pai dele, avisamos que estávamoslá, mas o pai dele não foi ver o guri, eleficou de aparecer, mas não foi. Aí, oFrançois disse: ‘- Nem precisa maisavisar, porque ele não quer me ver e nemeu quero mais ver ele (F11 – Mãe e Filho).

Page 5: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 27

Em 2001, ela foi passar a Páscoa com opai e ele disse para ela que não poderiaficar com ela, porque a vida dele já estavaestruturada, que ele tem outra família eque ela não faz mais parte da vida dele(F14 – Mãe).

A presença física e afetiva do cuidador é es-sencial à saúde mental do ser humano. O bebêe a criança que experimenta uma relação ca-lorosa, íntima e contínua com a mãe, com opai ou outro cuidador, pode encontrar satis-fação e prazer.

Os psiquiatras infantis, ao examinarem aspossíveis causas dos transtornos mentais nainfância, percebem que as situações que pre-dispõem a uma incidência significativamen-te elevada desses casos acontecem mediantea falta de oportunidade da criança para esta-belecer vínculos afetivos. Podem ocorrer,também, pelas prolongadas ou repetidas rup-turas de vínculos que já haviam sido estabe-lecidos. Na fase adulta, a personalidade psi-copata, a depressão, a delinqüência e o suicí-dio são doenças mentais precedidas por umaelevada incidência de vínculos afetivos des-feitos durante a infância (BOLWBY, 1990).

As raízes do comportamento agressivo come-çam na infância e estão alicerçadas na rela-ção de afeto com os pais. Esta relação entrepais e filhos é de extrema importância na for-mação da personalidade da criança. Nessarelação afetiva, os fatores mais envolvidos nodesencadeamento do comportamento agres-sivo são: pais ausentes, falta de relaçãoafetiva/corporal entre pais e filhos, pais dis-tantes, que têm pouco ou nenhum contatoafetivo, gerando em seus filhos uma relaçãoamor/ódio muito forte (BOLWBY, 1990). Osdiscursos a seguir evidenciam a ruptura dealguns vínculos:

A gestação dele foi bagunçada, eu me se-parei do pai dele, depois voltei. Quandoestava separada, fui morar na casa daminha mãe, vivia me incomodando como meu pai e a minha irmã (F3 – Mãe).

É raro ele vir, faz uns 3 meses que ele nãovê o pai. Quando o pai vem buscar ele,não é para ficar. Ele vai e volta no mesmodia; nunca foi e ficou um final de semana,foi sempre assim: vai e volta. O pai delecasou de novo e tem outra filha (F4 –Mãe).

Durante a gravidez, teve os problemas dasfamílias e depois que ele nasceu, era brigasobre briga, que eu e o meu marido aténos separamos (F5 – Mãe).

As características pessoais e as qualidades dorelacionamento marital estão diretamenteassociadas ao modo como os pais se relacio-nam com seus filhos. As dificuldades de rela-cionamento entre os pais podem fazer comque estes se tornem menos sensíveis à per-cepção das necessidades de afeto dos filhos.

Uma das funções afetivas da família é servirde suporte para as ansiedades existenciais,durante o seu processo evolutivo. A supera-ção das chamadas crises vitais, ao longo daexistência humana, é indubitavelmentefavorecida por um adequado suporte famili-ar à desestabilização que tais crises acarre-tam. No entanto, nas famílias deste estudo,parece que a maioria dos pais não conseguiusuprir a necessidade de segurança afetiva dosseus filhos, nem tampouco controlar suasansiedades, possibilitando, com isto, que fi-cassem tão envolvidas quanto os adultos, noconflito familiar:

Ele tomava medicação, mas continuavaatacado como hoje, mas eu acho que issopuxa de família. [...] O médico disse queele era louco (F5- Mãe).

Eu sou muito nervosa. Comecei a ficarmais na gravidez, tinha umas crises denervos, começava a adormecer as minhaspernas, os meus braços e depois eu nãome lembrava das coisas. Então, a gravidezfoi muito complicada, eu não podia meagitar. Ele nasceu bem nervoso (F15 –Mãe).

A família pode exercer um papel importantecomo agente etiológico da agressividade da

Page 6: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 28

criança, bem como, situações de instabilida-de na convivência familiar podem gerar de-pressão nesta, em que um dos sintomas podeser a agressividade.

A maioria das crianças deste estudo tem difi-culdades nos relacionamentos interpessoais,incluindo-se, com os colegas da escola, a pro-fessora e os pais. Os discursos, a seguir, pare-cem mostrar tais dificuldades:

Era uma criança quieta, não fazia danos.Mas, depois que foi para a escola,começou a brigar e bater nos colegas. Noinício, ela chorava muito, mas depois seacostumou. Em seguida, começou abrigar com os colegas, inclusive chegandoem casa com marcas das brigas (F1 –Avó).

Ele é brigão, brigão, briga muito com oirmão mais velho, ele briga, dá, é violentoe é agitado (F2 – Mãe).

Ele é muito enrolado, ele se fecha, é difícilele falar contigo (F2 – Mãe).

Na escola, o comportamento é péssimo.Com as crianças, ele xinga, responde. Naescola, ele responde direto prasprofessoras. Ele trocou de sala, porque aprofessora não agüentou, ele não ficaquieto nunca.

As crianças que manifestam um comporta-mento agressivo, mais freqüentemente ten-dem a buscar menos o apoio em outras pes-soas. Apresentam baixa auto-estima e têmdificuldade para estabelecer uma relação deconfiança ao interagir com os outros, porque,geralmente, sentem-se ameaçadas. A dificul-dade que apresentam no âmbito das relações“as impedem de, no momento que enfrentamum problema, recorrer aos adultos para lhesajudar” (LISBOA, 2001, p. 96). Por isso, é

importante que na interação familiar, princi-palmente, os adultos atentem para as altera-ções de comportamento da criança, de formaa contribuir preventivamente no desencadea-mento de possíveis transtornos mentais nainfância, que poderão repercutir na sua faseadulta.

5 CONSIDERAÇÕESFINAIS

A realização deste estudo possibilitou ampli-ar nossa visão em relação aos múltiplos fato-res que podem influenciar no comportamen-to agressivo da criança. Permitiu maior apro-ximação com o cotidiano vivenciado pelasfamílias e compreender algumas de suas di-ficuldades e limitações que enfrentam no de-sempenho do seu papel de cuidadora/educa-dora.

Este estudo revelou que a ausência ou poucamanifestação de afeto e os problemas na co-municação entre pais e filhos foram os prin-cipais sinalizadores do desencadeamento docomportamento agressivo na criança. Talmodo de se relacionar, provavelmente, inten-sifica a baixa auto-estima das crianças, geran-do medos e inseguranças, as quais reforçamsua dificuldade para relacionar-se com osoutros.

A falta de afetividade na relação pais-filhos,representada por carícias, afagos, respeito,abraços, beijos, diálogo, dentre outros, podeexercer um papel importante como agenteetiológico para a agressividade da criança.Mais do que isto, poderá, ainda, levar à ma-nifestação de doenças mentais graves ao lon-go do ciclo vital.

Page 7: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 29

The relation of affection/disaffection inchildren’s families with aggressive behavior

ABSTRACT: This article broaches the subtheme affectivity inserted in the research “Unveilingthe internal and external factors to the family, which can influence in the child’s aggressivebehavior “. It has been a phenomenological inspiration research released in the period of2001 through 2002. Currently, the aggressively shows through several forms of violence,looking to be something common in our society. As a result of this problem and to release awork with families, we have decided to do this study to broaden our vision about the theme.We have had like an objective to know the internal and external factors to the family, whichcan influence in the manifestation of aggressive behavior by the children. In the subthemeaffectivity, it has surfaced an affective distance among parents and children, the coupleseparation, the father’s absence and the mother’s difficulty to relate to the children. The resultslet us broaden our vision in relation to the multiple factors of aggressively and comprehendsome difficulties and limitations that a family faces to play its function as rearer.

Keywords: Family. Children. Aggressively. Nursing.

La relación de afecto/desafecto en familiasde niños con comportamiento agresivo

RESUMEN: Este artículo aborda el subtema de afectividad incluido en la investigación “Des-velando los factores internos y externos a la familia que pueden influir en el comportamientoagresivo del niño”. Fue una investigación de inspiración fenomenológica, realizada en elperiodo del 2001 al 2002. Actualmente, la agresividad se muestra a través de diversas formasde violencia, pareciendo ser algo común en nuestra sociedad. En función de ese problema yde realizar un trabajo con familias, decidimos hacer este estudio para ampliar nuestra visiónsobre el tema. Tuvimos como objetivo conocer los factores internos y externos a la familia quepueden influir en la manifestación del comportamiento agresivo del niño. En el subtemaafectividad, emergió un distanciamento afectivo entre padres e hijos, la separación de lospadres, la ausencia del padre y la dificultad de la madre para relacionarse con los hijos. Losresultados permitieron ampliar nuestra visión en relación a los múltiples factores generadoresde la agresividad y comprender algunas dificultades y limitaciones que la familia enfrenta aldesempeñar su función como cuidadora.

Palabras-clave: Familia. Niños. Agresividad. Enfermaría.

REFERÊNCIAS

BOLWBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: MartinsFontes, 1990.

CAPALBO, Cleusa. Abordando a enfermagem a partir da fenomenologia. Revista Enfer-magem UERJ, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1 , p. 70-76, maio 1994 .

Page 8: relaçoes de afeto

R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1/2, p. 23-30, 1./2. sem. 2005. 30

CORSINI, Cristina Felipe. É agressivo ou está agressivo??? eis a questão! 2000.Disponível em: <http://2000.intermol.com.br/saúde-comportamento>. Acesso em: mar.2000.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

LERNER, Lea. Uma questão de respeito! 2000. Disponível em: <http://2000.intermol.com.br/saúde-comportamento>. Acesso em: mar. 2000

LISBOA, Carolina S. de M. Estratégias de coping e agressividade: um estudo compa-rativo entre crianças vítimas e não vítimas de violência doméstica. 2001. Dissertação(Mestrado em Psicologia)—Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.

OSÓRIO, Luiz Carlos. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

SIMÕES, Sônia M. F; SOUZA, Ives Emília de O. Um caminhar na aproximação da entrevis-ta fenomenológica. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 5,n. 3 , p. 13-17 , jul. 1997.

ZAGURY, Tânia. Agressividade infantil: como lidar? 2000. Disponível em: <http://2000.intermol.com.br/saúde-comportamento>. Acesso em: mar. 2000.