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    RELAES EXTERIORES DO BRASIL1939-1950

    Mudanas na natureza das relaes Brasil-Estados

    Unidos durante e aps a Segunda Guerra Mundial

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    MINISTRIODASRELAESEXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Antonio de Aguiar Patriota Secretrio-Geral Embaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

    FUNDAOALEXANDREDEGUSMO

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculadaao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a nalidade de levar sociedade civilinformaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica

    brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para ostemas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.br

    Presidente Embaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Instituto de Pesquisa deRelaes Internacionais

    Centro de Histria eDocumentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

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    Braslia, 2012

    RELAES EXTERIORES DO BRASIL1939-1950

    Mudanas na natureza das relaes Brasil-Estados

    Unidos durante e aps a Segunda Guerra Mundial

    Gerson Moura

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    M929

    MOURA, Gerson. Relaes exteriores do Brasil : 1939-1915 : mudanas na natureza das

    relaes Brasil-Estados Unidos durante e aps a Segunda Guerra Mundial /Gerson Moura; apresentao de Letcia Pinheiro; prefcio nova edio deLeslie Bethell. Braslia: FUNAG, 2012.

    277 p.; 23 cm.

    Ttulo original: Brazilian foreign relations : 1939-1650 : the changing natureof Brazil-United States relations during and after the Second World War.

    Originalmente apresentado como tese do autor (doutorado UniversityCollege London).

    ISBN: 978-85-7631-403-5

    1. Poltica internacional da Amrica Latina. 2. Relaes Brasil-EstadosUnidos. 3. Segunda Guerra Mundial. I. Fundao Alexandre de Gusmo.

    Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes Exteriores

    Esplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Ficha catalogrca elaborada pela bibliotecria Talita Daemon James CRB-7/6078

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de14/12/2004.

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeJess Nbrega CardosoRafael Ramos da Luz

    Wellington Solon de Souza Lima de Arajo

    Capa: Encontro em Natal, de Raymond P. R. Neilson.1943. Acervo Museu da Repblica/Ibram

    Programao Visual e Diagramao:Grca e Editora Ideal

    Traduo e reviso:Leandro MouraPriscila Moura

    Margarida Maria MouraImpresso no Brasil 2012

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    Agradecimentos

    Muitos professores e amigos contriburam em diferentesmomentos e de diferentes modos para a concluso deste trabalho.

    Richard Shaull e Francisco Penha Alves me ensinaram a olharpara o mundo com uma mente questionadora e a lutar por uma nova vidano presente e no futuro, ao invs de recriminar o passado.

    Devo o gosto pelo estudo da histria aos muitos professoresda antiga Faculdade Nacional de Filosoa do Rio de Janeiro. Aquimencionarei apenas os nomes de Manoel Mauricio de Albuquerque eHugo Weiss, ambos ausentes deste mundo, mas vividamente recordadospor seus amigos.

    Francisco Falcn e Ilmar R. de Mattos do Departamento de Histriae Geograa da PUC-RJ me lembraram da solidariedade acadmica duranteperodos obscuros de nossa vida poltica, quando o ensino da histria eraatividade perigosa.

    Meu curso de ps-graduao no Instituto Universitrio dePesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) foi oportunidade nica para meucrescimento intelectual e foi durante este perodo que se desenvolveuminha vocao para a pesquisa. J que impossvel agradecer a todomundo, gostaria de expressar minha gratido a todos os meus professoresatravs de Maria Regina Soares de Lima, professora e colega na rea derelaes internacionais.

    Celina Moreira Franco, Aspsia de Alcntara Camargo e AlziraAlves de Abreu estimularam meu trabalho em muitas ocasies. Gostaria

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    de agradec-las e tambm a meus colegas do CPDOC em especial asequipes dos arquivos, do audiovisual, da biblioteca, da histria oral

    e dos dicionrios pelas suas contribuies. Um grande estmulo concluso desta tese proveio de uma troca constante de ideias como grupo de pesquisa do CPDOC, principalmente com Monica Hirst,que comparte comigo as alegrias e diculdades de se trabalhar comuma rea praticamente nova nas cincias sociais brasileiras. LeticiaPinheiro e Adriana Bendikt me ajudaram imensamente com a coleta dedocumentos em 1982.

    Leslie Bethell orientou meu trabalho cuidadosamente por umperodo de quase quatro anos. Graas a seu interesse e crtica pudeme aprofundar e esclarecer os conceitos e explicaes que utilizei. Seu

    encorajamento me ajudou a terminar o texto a tempo.A ajuda nanceira para o programa de doutorado foi fornecidapela Fundao Ford atravs de seus representantes no Rio de Janeiro. AFundao Ford nanciou duas idas Inglaterra, a primeira com minhamulher e lhos, e tambm patrocinou as anuidades da UCL e forneceuduas bolsas de estudo, uma no vero de 1980 e outra no outono de1982. A pesquisa de arquivo e a coleta de documentos nos arquivos ebibliotecas dos Estados Unidos em janeiro/fevereiro de 1980 tambmforam patrocinadas pela Fundao Ford.

    Minhas estadias na Gr-Bretanha, de abril de 1979 a junho de

    1980 e de setembro a novembro de 1982, foram viabilizadas pela ajudananceira da Fundao Getlio Vargas, Rio de Janeiro. A compra dascpias dos documentos nos National Archives de Washington em maiode 1981 tambm foi patrocinada pela Fundao Getlio Vargas atravsde um contrato nanceiro com a Financiadora de Estudos e Projetos(FINEP).

    Como coordenador de um projeto de pesquisa sobre a polticaexterna brasileira entre 1946 e 1950, nanciado pelo Itamaraty, tomeiconhecimento de uma bibliograa e documentao adicionais deste

    perodo. Tambm sou grato aos diretores e ao pessoal do PublicRecord Ofce (Kew, Londres), dos National Archives (Washington),do Arquivo Histrico do Itamaraty e do Arquivo Nacional (Rio de

    Janeiro), da Princeton University Library (Princeton), da HoughtonLibrary (Cambridge, Massachussets) e do Columbia Oral HistoryProgram (Nova Iorque), cujos arquivos consultei.

    Muitos amigos me deram maior ou menor assistncia, incentivoe companheirismo, tanto no Brasil como na Inglaterra nas etapas naisde meu trabalho. Agradeo a todos eles, mas gostaria de mencionar

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    principalmente Judy Perle, que fez este texto car mais agradvel parao leitor de lngua inglesa, Sylvia Greenwood e Frances Brownrigg, que

    datilografaram esta tese to competentemente e Leandro, Priscila eMargarida Maria Moura, que encararam minha ausncia com corageme bom senso. Minha mulher, Margarida Maria, foi a fora vital que meajudou a trabalhar neste projeto em muitos momentos difceis.

    University College London, novembro de 1982.

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    Apresentao

    Letcia Pinheiro

    Num encontro com o embaixador Gelson Fonseca Jr., h cercade um ano atrs, conversamos sobre a possibilidade de o Ministrio dasRelaes Exteriores apoiar a reedio de um dos livros de autoria deGerson Moura - Autonomia na Dependncia: a poltica externa brasileira de1935 a 1942(Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980)-, um clssicodo campo de estudos da Poltica Externa Brasileira, cuja nica edioencontrava-se esgotada. Seu entusiasmo com essa possibilidade fez comque ele no demorasse a me enviar um e-mailfalando da grande simpatiacom que o embaixador Jos Vicente Pimentel, presidente da FundaoAlexandre de Gusmo, recebera a sugesto. Foi assim que, em seguida,o embaixador Jos Vicente estabeleceu contato com a famlia de Gerson eda surgiu a proposta de publicar sua tese de doutorado.

    A publicao desta tese em seu formato integral nalmentetraz a pblico os resultados de uma investigao que integrava um

    programa de pesquisa desenvolvido por Gerson Moura e alguns deseus contemporneos que pode ser visto como um divisor de guas narea de estudos da Poltica Externa Brasileira. Uma de suas principaiscaractersticas era a interpretao de nossa poltica externa sublinhando opoder da escolha dos homens pblicos do pas, ainda que sob condiesespeciais, algumas vezes especialmente adversas. A tese defendida porGerson Moura neste trabalho em particular, que tambm aparece emoutros trabalhos do autor, resgata a ao poltica como um dos vetoresexplicativos centrais da insero internacional do Brasil. Embora sem

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    LETCIA PINHEIRO

    desconhecer o poder das estruturas, sua tese possui o mrito de sublinhara existncia de escolhas. Num certo sentido esta hiptese de trabalho com

    que Gerson desenvolveu to intensamente suas pesquisas sobre perodospretritos possua forte interface com o prprio momento histrico emque essas mesmas reexes eram feitas. Sem cair em anacronismos quetendem a ver o passado com as lentes do presente, diplomatas, polticose principalmente acadmicos tambm buscavam, neste momento -meados da dcada de 1970 e ns da dcada de 1980 -, as explicaes parao comportamento mais autnomo do Brasil no tempo do pragmatismoresponsvel e da poltica externa universalista como assim batizaramseus prprios formuladores num perodo em que ainda vigiam forteslimitaes da Guerra Fria e da economia internacional para os pases

    perifricos.A relevncia cientca e mesmo poltica de interpretaes apoiadasem densa argumentao terica e emprica que Gerson Moura nosofereceu com seus livros e artigos, sem dvida j seriam razo sucientepara nos convidar leitura desta tese. Mas no se deve esquecer que essasinterpretaes foram igualmente construdas e renadas por meio deuma aguada curiosidade e uma grande paixo sobre a rea das relaesinternacionais e, em particular sobre a poltica externa brasileira que,mesmo reconhecendo o valor cientco que encontramos nas pginas doslivros de Gerson Moura, certamente o ultrapassa. Explico.

    Aqueles que j cursaram a disciplina de Poltica ExternaBrasileira que costumo oferecer nos cursos de Graduao em RelaesInternacionais da PUC-Rio seguramente perceberam o prazer com queinicio o mdulo Anos de Guerra no Brasil. A riqueza e complexidade doperodo seriam, por si s, excelentes motivos para entusiasmar todoprofessor da rea a compartilhar suas leituras com os alunos e a fomentaro debate acerca das escolhas feitas por nossos governantes. Mas algo maisme mobiliza e me entusiasma nessas aulas. que ao longo deste mdulotenho a oportunidade de reviver os bons tempos em que como aluna,

    estagiria, assistente ou nalmente como colega de pesquisa de Gerson juntamente com tantos outros colegas, hoje renomados pesquisadoresda rea - , tive a grata oportunidade de viver o perodo da histria dapoltica externa brasileira sobre o qual Gerson estava pesquisando. Comoprofessor, orientador ou parceiro num projeto, Gerson nos falava doscenrios internacionais, da poltica domstica, dos processos de deciso suas tragdias e comdias - como quem tivesse sido, ele prprio, umatestemunha dos mesmos. Sem nunca perder seu renado senso crtico com um ferino e igualmente muito elegante bom humor - Gerson trazia

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    APRESENTAO

    luz a documentao histrica dando-lhe vida, ao mesmo tempo em quedestrinchava suas tramas por meio de sua excelente formao terica e

    rigor conceitual.Era com idntico entusiasmo e senso crtico que ele assim nosensinava, estagirios ou assistentes de pesquisa, a encontrar nos arquivosprivados do CPDOC/FGV, nos Maos do Arquivo Histrico do Itamaratyou na farta documentao que, junto com sua ento colega MonicaHirst, fotocopiara de arquivos pblicos e privados nos Estados Unidos,aquilo que no estava explcito, mas apenas sugerido, esboado. Gerson,enm, nos ensinava a ler nas entrelinhas e a buscar no cruzamento defontes aquilo que a documentao ocial guardava em segredo. Nessesmomentos, a desconana mineira que Gerson orgulhosamente trazia

    consigo ajudava-lhe a questionar e a ir alm das aparncias.Era tambm com seu jeito manso que nos ensinava a levar oleitor pela mo conselho que tantos de ns hoje reproduzimos paranossos orientandos. Mas era preciso fazer isso sem nunca desmerecer ainteligncia de nossos leitores. Ao contrrio, devamos convid-los a setornar nossos companheiros de viagem, nossos parceiros na busca deinterpretaes sobre a poltica externa brasileira. E seria, anal, o nossoargumento, o uso adequado da teoria, das evidncias empricas trazidaspelas pesquisas, seriam enm essas as ferramentas a nos eximir deadjetivaes desnecessrias sobre os atos e os fatos da Histria, pois ao

    formarem um argumento consistente, elas se encarregariam de levar oleitor a compartilhar conosco das qualicaes no ditas.

    Todas essas caractersticas podemos encontrar em seus muitosartigos e livros j publicados - O tratado comercial Brasil-EUA de 1935 e osinteresses industriais brasileiros, Autonomia na Dependncia, Tio Sam Chegaao Brasil, Sucessos e Iluses,Avanos e Recuos, ...Finalmente chegou a horade relembrar - para uns - e conhecer - para outros os ensinamentos deGerson Moura, por meio da leitura dessa tese cujo acesso at hoje estavarestrito aos leitores de lngua inglesa. Com a bem-vinda publicao de

    Relaes Exteriores do Brasil, 1939-1950: mudanas na natureza das relaesBrasil-Estados Unidos durante e aps a Segunda Guerra Mundialque a Funaghoje nos oferece, podemos novamente ouvir o nosso querido Gerson,aprender com ele e perceber que a Poltica Externa Brasileira no paraamadores.

    Outubro de 2012.

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    Sumrio

    Prefcio - Gerson Moura (1939-1992).........................................................................15

    Leslie Bethell

    Prefcio ............................................................................................................................25

    Gerson Moura

    Notas explicativas .........................................................................................................29

    Captulo I Introduo ................................................................................................33

    A Amrica Latina e a poltica internacional na dcada de 1930 ........................34

    O Brasil na dcada de 1930 ......................................................................................47

    Captulo II Os anos de neutralidade (1939-1941).................................................57

    Iniciativas dos Estados Unidos contra o Eixo .......................................................59

    A colaborao econmica EUA-Brasil ....................................................................62

    A colaborao poltica e militar EUA-Brasil ..........................................................67

    Iniciativas culturais dos Estados Unidos ...............................................................75

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    Captulo III Da neutralidade guerra (janeiro a agosto de 1942).....................81

    A Conferncia do Rio ................................................................................................82

    A barganha difcil ......................................................................................................93

    O m do equilbrio pragmtico.............................................................................116

    Captulo IV Os anos da guerra (agosto de 1942-1945) .......................................119

    Parte 1: O Brasil em guerra (setembro de 1942-1944).............................................119

    O perodo de preparao ........................................................................................123

    O perodo de participao ......................................................................................142

    O Brasil em guerra: uma avaliao .......................................................................153

    Parte 2: Paz (1945) .......................................................................................................157

    Estados Unidos, potncia mundial .......................................................................157

    A queda de Vargas ..................................................................................................170

    Captulo V Os anos ps-guerra (1946-1950) ........................................................177O Brasil e as Naes Unidas ..................................................................................182

    O Brasil e o sistema interamericano .....................................................................194

    O Brasil e os Estados Unidos .................................................................................206

    Relaes britnico-brasileiras ................................................................................224

    Ascenso e queda das relaes Brasil-URSS .......................................................230

    Eplogo: o m da dcada ........................................................................................238

    Concluses ....................................................................................................................247

    Bibliografa ...................................................................................................................259

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    Prefcio

    Gerson Moura (1939-1992)

    Leslie Bethell1

    Gerson Moura nasceu em Itajub, Minas Gerais, em 24 de maio de1939. Seus pais eram operrios presbiterianos: o pai, um metalrgico; ame, empregada na indstria txtil. Eles se separaram quando Gerson eramuito jovem (mais tarde se reconciliariam) e ele foi criado pelo pai e por

    algumas tias solteiras, das quais pelo menos duas eram professoras. Dissoresultou que ele lia e escrevia muito antes de ir escola pblica primriamunicipal. L, ele ganhou uma bolsa de estudos em uma escola particularde Ensino Secundrio. Em 1957, ele se tornou estudante no SeminrioPresbiteriano do Sul, em Campinas, onde, mais tarde ele recordaria, foibastante inuenciado pelo progressismo das ideias polticas e sociaisdo telogo norte-americano Richard Schaull. Ao se graduar em 1960,contudo, em vez de se tornar pastor presbiteriano, como esperado, eledecidiu trabalhar na Associao Crist dos Estudantes do Brasil (ACEB),em So Paulo.

    Em 1963, Gerson se matriculou na Faculdade Nacional de Filosoada Universidade do Brasil (mais tarde UFRJ), no Rio de Janeiro. Ele decidiucursar Histria e os professores que mais o inuenciaram foram ManoelMaurcio de Albuquerque e Hugo Weiss. Ele era um estudante no Rio, em1964, quando ocorreu ogolpe, ao qual ele se ops fortemente e acabou por

    1 Professor Emrito de Histria da Amrica Latina na Universidade de Londres; FellowEmrito do St. Antonys College,Oxford; ex-diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres (1987-1992) e Diretor Fundadordo Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford (1997-2007). membro da Academia Brasileira de Cinciase scio (um dos vinte membros estrangeiros) da Academia Brasileira de Letras.

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    LESLIE BETHELL

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    desempenhar papel central na reconstruo do diretrio dos estudantesdepois que a liderana pr-1964 foi deposta. Depois de se graduar em

    1967, Gerson se mudou para So Paulo como dirigente da ACEB, mascom a promulgao do AI-5 em dezembro de 1968 e o fechamento daAssociao, retornou para o Rio de Janeiro. L, em 1969, casou-se coma antroploga Margarida Maria Pourchet Passos, com quem logo tevedois lhos, Leandro (nascido em 1971) e Priscila (nascida em 1973) emais tarde uma terceira, Marlia (nascida em 1985). Ele ganhou a vidano Rio como professor de um curso pr-vestibular at ser incorporadoao Departamento de Histria e Geograa da Pontifcia UniversidadeCatlica (PUC), onde se revelou ser um talentoso e popular professor deHistria Contempornea. Em 1972, Gerson foi preso, sem explicaes,

    por policiais civis da Poltica Civil, encarcerado no quartel da Polcia doExrcito na Tijuca e mantido na maior parte em connamento solitriopor 17 dias antes de ser libertado. Um de seus colegas na PUC-Rio foiFrancisco Falcn, com quem escreveuA formao do mundo contemporneo(Rio de Janeiro: Campus, 1974 e vrias reedies) que foi amplamente lidopor estudantes de Histria e Cincias Sociais nas dcadas de 1970 e 1980.

    Em 1975, com uma bolsa da CAPES, Gerson entrou para o programade mestrado do Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro(IUPERJ). Fundado em 1969, o IUPERJ era um centro de ps-graduao emCincias Sociais da Universidade Cndido Mendes. Durante a ditadura

    militar, era o mais prximo, no Rio de Janeiro, ao CEBRAP, um centro depesquisa independente de So Paulo, nanciado pela Fundao Ford. OIUPERJ se especializou em Cincia Poltica e Sociologia, mas uma de suasprofessoras adjuntas, Maria Regina Soares de Lima, oferecia cursos sobreRelaes Internacionais e Poltica Externa Brasileira, dos quais Gersonparticipou.

    Pouco depois de entrar no IUPERJ, Gerson tambm aceitou umcargo no Centro de Pesquisa e Documentao da Histria Contemporneado Brasil (CPDOC) da Fundao Getulio Vargas, criado em 1973. Sua

    principal tarefa consistia em organizar os documentos pessoais de OswaldoAranha, embaixador brasileiro em Washington de 1934 a 1938 e ministrodas Relaes Exteriores de 1938 a 1944, enquanto outros pesquisadoresestavam trabalhando com os documentos do prprio Getlio Vargas ede Artur de Souza Costa, ministro da Fazenda (1934-45). Seu primeiroartigo, O tratado comercial Brasil-EUA de 1935 e os interesses industriaisbrasileiros (Revista de Cincia Poltica, v. 21, n. 1, 1978), foi escrito emcolaborao com Maria Celina DArajo, assim como ele, pesquisadorado CPDOC e mestranda do IUPERJ.

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    PREFCIO

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    Como assunto de sua dissertao de mestrado, Gerson escolheua poltica externa brasileira desde a assinatura do tratado comercial com

    os Estados Unidos, em 1935, at a declarao de guerra do Brasil contraas potncias do Eixo, em agosto de 1942. Sua dissertao foi orientadapor Aspsia Alcntara de Camargo, uma de suas colegas no CPDOC quetinha laos estreitos com o IUPERJ. Ele tambm se aconselhou com MariaRegina Soares de Lima e com Celso Lafer, que era professor de Direitona Universidade de So Paulo (USP) na poca e tinha escrito um artigoimportante e pioneiro sobre relaes internacionais: Uma interpretaodo sistema de relaes internacionais do Brasil (Revista Brasileira dePoltica Internacional, ano X, n. 39-40, 1967). Gerson terminou seu mestradoem 1979, aos 40 anos, e sua dissertao foi publicada no ano seguinte com

    o ttuloAutonomia na dependncia. A poltica externa brasileira de 1935 a 1942(Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980).Sob certos sistemas de poder e sob certas condies

    internacionais favorveis, Gerson argumentava, era possvel a umaliado subordinado reter um grau de autonomia e negociar com umagrande potncia (autonomia na dependncia). Embora a relao comos Estados Unidos tenha sido um pilar central na poltica externabrasileira desde a proclamao da Repblica em 1889, o alinhamentodo Brasil com os Estados Unidos na dcada de 1930 no foi automtico.O poder crescente da Alemanha no mundo, a ameaa potencial que os

    alemes representavam hegemonia dos EUA na Amrica do Sul, oslaos econmicos e militares do Brasil com a Alemanha e, igualmenteimportante, a existncia de anidades ideolgicas e pessoais com onazismo alemo em alguns setores da sociedade e do governo brasileirosforneceram a Getlio Vargas a oportunidade de perseguir uma polticade equidistncia pragmtica entre os Estados Unidos e a Alemanha.Havia, no entanto, limites s possibilidades de barganha com os EstadosUnidos e os benefcios econmicos e militares a serem ganhos. Nuncase duvidou, principalmente desde o incio da guerra na Europa, em

    setembro de 1939, e especialmente desde a ocupao da Frana em junhode 1940, que o Brasil seria levado por realidades polticas e econmicasa consolidar sua relao com Estados Unidos. Como os ttulos doscaptulos da dissertao sugerem, equidistncia pragmtica era possvelem 1935-37, difcil em 1938-39, rompida em 1939-41 e essencialmentedescartada entre a Reunio de Consulta dos Ministros das RelaesExteriores das Repblicas Americanas, no Rio, em janeiro de 1942, apso ataque japons a Pearl Harbor e a declarao de guerra dos EUA aospases do Eixo, e a declarao do prprio Brasil em agosto de 1942.

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    LESLIE BETHELL

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    QuandoAutonomia na dependnciafoi publicado, Gerson j estavatrabalhando em seu doutorado na Universidade de Londres. Sua inteno

    era estender a pesquisa anterior sobre a poltica externa brasileira parao perodo em que o Brasil estava em guerra com as potncias do Eixo(1942-45) e o imediato ps-Guerra, o governo Dutra (1946-50). Eu eraProfessor Associado em Histria do Brasil e da Amrica Hispnica naUniversity College London na poca, e me tornei seu orientador. Gersonsabia que eu estava interessado no perodo, ainda que mais no impactoda Segunda Guerra Mundial e do comeo da Guerra Fria sobre a polticadomstica do que nas relaes internacionais do Brasil per se. De fato,eu tinha lecionado um curso sobre o assunto no IUPERJ em 1979 e,mais tarde, organizei com Ian Roxborough o livro Latin America between

    the Second World War and the Cold War, 1944-48 (Cambridge UniversityPress, 1992;traduo para o portugus, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996).Gerson tambm estava ciente de que meu colega snior no Departamentoda Histria na University College, R. A. Humphreys, Professor Titular deHistria da Amrica Latina, estava concluindo sua prpria pesquisa sobreAmrica Latina nesse perodo, publicada em dois volumes: Latin Americaand the Second World War, Vol. I: 1939-1942, Vol. II: 1942-1945 (London:University of London Press, 1981-82).

    Gerson e sua famlia moraram em Great Shelford, Cambridgeshire,de abril de 1979 a junho de 1980, perodo durante o qual, alm de se

    deslocar para Londres para trabalhar nas bibliotecas e nos arquivos,ele tambm visitou bibliotecas e arquivos nos Estados Unidos, comapoio nanceiro da FGV e da FINEP. Ele tornou a morar em Londres desetembro a dezembro de 1982. No intervalo entre essas duas temporadasna Inglaterra, continuou a trabalhar em seu doutorado no Rio de Janeiroe, ao mesmo tempo, preparou e publicou o longo artigo Brasil-Argentina:fontes bibliogrcas (Revista Interamericana de Bibliografa, vol. XXXII,n. 3-4, 1982) e outros dois em colaborao com Maria Regina Soares deLima: Relaes internacionais e poltica externa brasileira: uma resenha

    bibliogrca (BIB/ANPOCS, n. 13, 1 semestre, 1982) e A trajetria dopragmatismo: uma anlise da poltica externa brasileira (Dados, vol. 25,n. 3, 1982). Sua tese de doutorado, intitulada Brazilian foreign relations1939-1950. The changing nature of Brazil-United States relations during andafter the Second World War, foi aprovada em novembro de 1982.

    As Relaes Internacionais praticamente eram um assunto novonas universidades e centros de pesquisa brasileiros e Gerson Mourafoi um pioneiro no estudo da poltica externa brasileira, especialmentedas relaes entre Brasil e Estados Unidos nos perodos imediatamente

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    PREFCIO

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    anterior, de durao e imediatamente posterior da Segunda GuerraMundial. Na poca, apenas dois outros pesquisadores brasileiros estavam

    trabalhando nessa mesma rea: Mnica Hirst, ex-aluna de Gerson, comquem ele foi um dos fundadores do Instituto de Relaes Internacionais(IRI), na PUC-Rio, em 1979, com quem ele estabeleceu um Programade Relaes Internacionais no CPDOC, em 1980, e que completou suaprpria dissertao de mestrado O processo de alinhamento da relaesBrasil-Estados Unidos, 1942-45, no IUPERJ, em 1982; e Ricardo AntnioSilva Seitenfus que, sob orientao de Jos Honrio Rodrigues, cujosvrios volumes de ensaios histricos incluam Interesse nacional e polticaexterna(1966), estava trabalhando independentemente no Rio Grande doSul no que se tornou O Brasil de Getlio Vargas e a formao dos blocos: 1930-

    -1942. O processo do desenvolvimento brasileiro na II Guerra Mundial (Rio deJaneiro: Companhia Editora Nacional, 1985).Nos Estados Unidos, Lawrence F. Hill (Diplomatic relations

    between the United States and Brazil, Durham: Duke University Press,1932) e E. Bradford Burns (The unwritten alliance: Rio Branco and Brazilian--American relations, New York: Columbia University Press, 1966) trataramdas relaes Brasil-Estados Unidos em perodos anteriores. Em meio primeira onda de jovens brasilianistas nas dcadas de 1960 e de 1970,dois enfocaram a poltica externa brasileira sob Getlio Vargas: FrankD. McCann Jr. em The Brazilian-American alliance, 1937-1945(Princeton:

    Princeton University Press, 1974) e Stanley E. Hilton em Brazil and thegreat powers, 1930-1939: the politics of trade rivalry (Austin: Universityof Texas Press, 1975; traduo para o portugus, 1977) e Brasil e a criseinternacional, 1930-45 (Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1977). Daseguiu-se uma troca de vises entre McCann e Hilton sobre as relaesBrasil-EUA durante a Segunda Guerra Mundial que foi amplamentelida e debatida: McCann, Brazil, the United States and World War II:a commentary (Diplomatic History, vol. 3, n. 1, 1979); Hilton, Braziliandiplomacy and the Washington-Rio de Janeiro axis during the World

    War II era (Hispanic American Historical Review, vol. 59, n. 2, May1979); e McCann, Critique [of Hiltons article] (HAHR, vol. 59, n. 4,November 1979). Hilton prosseguiu publicando Hitlers secret war inSouth America, 1939-1945: German military espionage and allied counter--espionage in Brazil(Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1981)e o artigo The United States, Brazil, and the Cold War, 1945-1960: end ofthe special relationship (Journal of American History, vol. 68, n. 3, 1981)que representou uma primeira tentativa de examinar as relaes Brasil--EUA no perodo posterior Segunda Guerra Mundial.

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    Geraes anteriores de historiadores brasileiros escreveram sobrediplomacia brasileira de forma geral, e principalmente sobre a diplomacia

    brasileira no Rio da Prata no sculo XIX e a diplomacia do baro do RioBranco na soluo de disputas sobre limites do Brasil com seus vizinhosna Amrica do Sul no nal do sculo XIX e comeo do sculo XX. Masapenas Moniz Bandeira (Presena dos Estados Unidos no Brasil: dois sculosda histria,Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1973) e Victor V. Valla(A penetrao norte-americana na economia brasileira, 1898-1928, Rio de

    Janeiro: Ao Livro Tcnico, 1978) haviam publicado livros sobre as relaesdo Brasil com os Estados Unidos.

    Sobre a dcada de 1930 e a Segunda Guerra Mundial, exceodos volumes de Hlio Silva sobre O ciclo de Vargas (Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, vol. XI 1939, vspera da guerra, 1972; vol. XII 1942,guerra no continente, 1972; vol. XIII 1944, o Brasil na Guerra, 1974; vol.XIV 1945, Por que depuseram Vargas, 1976) e a obra de Roberto Gambini,O duplo jogo de Getlio Vargas: inuncia americana e alemno EstadoNovo(SoPaulo: Editora Smbolo, 1977), historiadores brasileiros tinham estudadoapenas as relaes internacionais nanceiras e comerciais e seu impactono desenvolvimento econmico do Brasil, com destaque para LucianoMartins em sua tese de doutorado Pouvoir et dveloppement conomique.Formation et volution des structures politiques au Brsil (Universit deParis V, 1973; publicada em Paris, 1976), Marcelo de Paiva Abreu em sua

    tese de doutorado fundamental, Brazil and the world economy, 1930-1945.Aspects of foreign economic policies and international economic relations underVargas (Cambridge University, 1977; indita em portugus at 1999),e Pedro S. Malan, Regis Bonelli, Marcelo de P. Abreu e Jos Eduardo deC. Pereira em Poltica externa e industrializao no Brasil (1939/52) (Rio de

    Janeiro: IPEA,1977). Praticamente nada havia sido escrito sobre as relaesinternacionais do Brasil nos primeiros anos da Guerra Fria.

    A tese de doutorado de Gerson Moura foi o primeiro estudosistemtico de um acadmico brasileiro sobre as relaes internacionais

    do Brasil, especicamente das relaes com os Estados Unidos, durante aSegunda Guerra Mundial e os anos do imediato ps-guerra. Em vista daausncia de literatura secundria, com notveis excees, pelo menos paraos anos de guerra (Abreu, McCann, Hilton, Humphreys), era baseadaquase inteiramente no uso intensivo de fontes primrias: os documentospessoais de Vargas, Aranha e Souza Costa no CPDOC, de Ges Monteirono Arquivo Nacional, de Estevo Leito da Cunha no Instituto Histricoe Geogrco Brasileiro e a correspondncia diplomtica no ArquivoHistrico do Itamaraty, todos no Rio de Janeiro; a correspondncia

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    diplomtica do Foreign Ofce, documentos do Public Record Ofceem Kew,Londres, e do State Department nos National Archives em Washington,

    D.C.; e documentos pessoais dos presidentes Roosevelt e Truman em suasrespectivas bibliotecas presidenciais.Depois do captulo introdutrio sobre Amrica Latina, Brasil e a

    poltica internacional da dcada de 1930, Gerson revisita nos CaptulosII e III o perodo de neutralidade brasileira na Guerra (1939-42), que foiobjeto da parte nal de sua dissertao de mestrado. Enquanto a polticade equidistncia pragmticaentre Estados Unidos e Alemanha (que RobertoGambini chamava de jogo duplo) no fosse considerada mais umaopo realista (se que alguma vez o fora), era possvel para GetlioVargas extrair dos Estados Unidos benefcios militares e econmicos

    signicativos, principalmente na forma de assistncia nanceira e tcnicapara construo da grande usina siderrgica de Volta Redonda, tida comoessencial para a futura industrializao do Brasil, e do reequipamentodas foras armadas brasileiras por meio do Lend-Lease, em troca de apoiopoltico do Brasil (e de ajuda para garantir o apoio de outros pases latino--americanos), do fornecimento das bases areas e navais no Nordestebrasileiro, que foram essenciais para a vitria no Norte da frica, e dosuprimento garantido de matrias-primas estratgicas brasileiras para oesforo de guerra norte-americano.

    O Captulo IV examina os anos de guerra (1942-45). A declarao

    de guerra do Brasil contra as potncias do Eixo, em agosto de 1942,selou o alinhamento com os Estados Unidos. O Brasil se tornou o aliadomais prximo na Amrica Latina, mas medida que continuava a sebeneciar econmica e estrategicamente dessa relao, as possibilidadesde barganha diminuam. A Fora Expedicionria Brasileira (FEB) de 25mil homens foi enviada para a Europa em 1944, em parte com o objetivode assegurar para o Brasil um papel signicativo na conferncia de paz eno reordenamento do mundo no ps-Guerra. Ao tratar o Brasil como umapotncia associada na guerra, o governo norte-americano estimulou as

    ambies e expectativas brasileiras. O Brasil, contudo, no foi convidadopara Dumbarton Oaks e, apesar de algum apoio inicial dos EstadosUnidos, no adquiriu um assento permanente no Conselho de Seguranada ento recm-criada Organizao das Naes Unidas.

    O Captulo V, o mais longo e original da tese, trata dos anos do ps--Guerra. O governo Dutra (1946-50) continuou a poltica de alinhamentocom os Estados Unidos, por exemplo, oferecendo-lhe apoio incondicionalna ONU e rompendo relaes com a Unio Sovitica nos primeiros anosda Guerra Fria. Mas agora foi o que Gerson denominou de alinhamento

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    sem recompensa: no havia barganha nem ganhos polticos, econmicos oumilitares a serem obtidos. Os Estados Unidos emergiram da guerra como

    uma potncia global. Seus interesses geopolticos, econmicos e ideol-gicos residiam primordialmente na reconstruo da Europa e na contenodo expansionismo sovitico na Europa, no Oriente Mdio e na sia. OBrasil no era mais um aliado vital para os interesses norte-americanos;nos crculos polticos de Washington, ele se tornara uma, ainda que a maisimportante, das mais de vinte repblicas da Amrica Latina, uma regiona qual a hegemonia norte-americana no estava sob ameaa sovitica eque poderia assim ser relativamente negligenciada. O Brasil no era maisum aliado especial e suas esperanas de que os Estados Unidos iriamapoiar substancialmente o desenvolvimento econmico e a modernizao

    militar do pas se revelaram enganosas.A frustrao e o desencanto que o Brasil sentiu com os EstadosUnidos na poca afetaram profundamente a poltica externa dosegundo governo de Getlio Vargas (1951-54) e do governo JuscelinoKubitscheck (1956-61). Tais sentimentos podem ser diretamenterelacionada poltica externa independente promovida pelos governosde Jnio Quadros e Joo Goulart (1961-64) e, depois de outro perodode alinhamento automtico com os Estados Unidos aps o golpe de1964, pelos governos militares da dcada de 1970 e mesmo a algunsaspectos da poltica externa de hoje.

    Diferentemente de sua dissertao de mestrado, a tese doutoralde Gerson no foi publicada. Entretanto, partes dela apareceram emportugus nos anos seguintes: As razes do alinhamento: a polticaexterna brasileira no ps-guerra (1946-50) (Revista Brasileira de PolticaInternacional,vol. 27, n. 109-110, 1985); O alinhamento sem recompensa:a poltica externa do governo Dutra (CPDOC/FGV, mimeo., 1990);Sucessos e iluses: relaes internacionais do Brasil durante e aps a SegundaGuerra Mundial(Rio de Janeiro: FGV, 1991); Neutralidade dependente:o caso do Brasil, 1939-42 (Estudos Histricos, vol. 6, n. 12, 1993);

    O Brasil na Segunda Guerra Mundial: 1942-1945 e A seguranacoletiva continental: o sistema interamericano, o TIAR ea Guerra Fria(in Jos Augusto Guilhon de Albuquerque, org., Sessenta anos de polticaexterna brasileira (1930-1990), Vol. 1, So Paulo: Cultura Editores NUPRI/USP, 1996).

    Apesar de escrita h trinta anos, a tese doutoral de Gerson Mourapermanece fundamental para a compreenso da poltica externa brasileirana Segunda Guerra Mundial e nos anos do imediato ps-Guerra.Relativamente pouco tem sido escrito pelos historiadores brasileiros

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    sobre os anos de guerra desde ento e virtualmente nada sobre os anos dops-Guerra2.

    O perodo que se segue ao retorno de Londres para o Brasil nom de 1982 foi extremamente produtivo para Gerson. No CPDOC, elese tornou coeditor da revista Estudos Histricos, com Angela de CastroGomes e Lcia Lippi, e trabalhou no Dicionrio histrico-biogrco brasileiro

    ps-1930, editado por Alzira Alves de Abreu e Israel Beloch e publicadoem 1984. Na PUC-Rio, com Mnica Hirst, ele criou o Programa de EstudosAmericanos (ou seja, um programa para estudo dos Estados Unidos, oprimeiro no Brasil). Ele deu aulas e orientou teses na PUC-Rio e naUniversidade Federal Fluminense (UFF). Assistiu seminrios e colquiosno apenas no Brasil, mas tambm nos Estados Unidos e a Amrica Latina

    que ampliaram seu interesse sobre histria e poltica dos Estados Unidose da Amrica Latina.Suas publicaes sobre o Brasil nesse perodo incluem um

    captulo A revoluo de 1930 e a poltica exterior brasileira: rupturaou continuidade? (in CPDOC, A revoluo de 30: seminrio internacional.Braslia: Editora UnB, 1983) e dois volumes na srie Tudo Histria:Tio Sam chega ao Brasil: a penetrao cultural americana (So Paulo:Brasiliense, 1984), sobre as relaes culturais entre Brasil e Estados Unidosdurante o perodo da poltica de Boa Vizinhana do presidente FranklinD. Roosevelt para a Amrica Latina na dcada de 1930 e durante a Segunda

    Guerra Mundial, e A campanha do petrleo (So Paulo: Brasiliense, 1986),sobre a campanha nacionalista pela estatizao da indstria petroleira doBrasil no comeo da dcada de 1950. Ele tambm escreveu artigos sobreos Estados Unidos e a Amrica Latina, por exemplo, Distncia e dilogo:histria e cincias sociais nos EUA (Estudos Histricos, vol. 3, n. 5,1990) eAmrica Latina s vsperas do sculo XXI (in Paulo G. F. Vizentini, org.,

    A grande crise: a nova (des)ordem internacional dos anos 80 aos 90. Petrpolis:Vozes, 1992), alm de um livro sobre a histria das relaes dos EstadosUnidos com a Amrica Latina para a Coleo Repensando a Histria:

    Estados Unidos e Amrica Latina: as relaes polticas no sculo XX, xerifes ecowboys, um povo eleito e o continente selvagem(So Paulo: Contexto, 1990).

    2 Sobre o Brasil e a Segunda Guerra Mundial, ver Francisco Luiz Corsi, Estado Novo: poltica externa e projeto nacional.So Paulo: Editora UNESP, 1999; Antnio Pedro Tota, O imperialismo sedutor. A americanizao do Brasil na poca daSegundaGuerra. So Paulo: Companhia das Letras, 2000; Vgner Camilo Alves, O Brasil e a Segunda Guerra Mundial.Histria de um envolvimento forado. Rio de Janeiro: Editora PUC, 2002; Francisco Carlos Teixeira da Silva et al. (orgs.),O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2010; Eugnio Vargas Garcia, O sexto membropermanente. O Brasil e a criao da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. Sobre o imediato ps Guerra, o tpico quetem atrado maior ateno da academia so as relaes Brasil-Argentina: por exemplo, Raymundo Siepe, Pern e aintegrao latino-americana: o Brasil e a Terceira Posio peronista (1946-55), in Rafael D. Villa & Suzely Kalil (orgs.),Ensaios latino-americanos de poltica internacional. So Paulo: Hucitec, 2007 e Iuri Cavlak,A poltica externa brasileirae a Argentina peronista (1946-55)(So Paulo: Annablume, 2008).

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    Histria de uma Histria: rumos da historiograa norte-americana no sculo XXfoi publicado postumamente (So Paulo: EDUSP, 1995).

    Com sua pesquisa sobre a histria das relaes internacionaisdo Brasil em andamento, Gerson estava cada vez mais interessado peladcada de 1950. Sua amiga e colega Monica Hirst havia voltado a atenopara a poltica externa brasileira durante o segundo governo Vargas. Elaproduziu alguns textos para o CPDOC/FGV, a FLACSO em Buenos Airese a Funag-Itamaraty que foram consultados por outros pesquisadores,mas, infelizmente, nunca publicados. Gerson ento decidiu concentrarsua pesquisa sobre poltica externa brasileira no governo Kubitscheck.Avanos e recuos: a poltica exterior de JK (in Angela de Castro Gomes(org.), O Brasil de JK,Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 1991) foi sua primeira

    contribuio publicada no assunto.De julho de 1988 a fevereiro de 1989, Gerson realizou umps-doutorado como pesquisador visitante (Research Fellow) no Institutode Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres, para aqual eu havia sido nomeado diretor um ano antes. Depois, Gerson e suafamlia se mudaram para So Paulo. Enquanto ainda estava vinculadoao IRI/PUC-Rio e ao CPDOC/FGV, e, portanto, frequentemente sedeslocando para o Rio de Janeiro, Gerson deu aulas no Departamento deHistria da Universidade de So Paulo. Mas depois de ter fracassado, emcircunstncias um tanto humilhantes, em obter um cargo permanente l,

    ele aceitou um convite para se tronar chefe de pesquisa no CPDOC. Oretorno ao Rio de Janeiro, planejado para o nal de 1992, signicava umrecomeo tanto para si como para sua famlia, mas infelizmente, sbita einesperadamente, Gerson, que tinha apenas 53 anos, morreu de ataque docorao em 7 de dezembro de 1992.

    Gerson Moura foi um marido, pai, amigo, colega e professormuito querido e um historiador pioneiro da histria das relaesinternacionais do Brasil muito admirado. Foi uma honra e um prazerescrever esta apresentao para primeira publicao em portugus da tese

    de doutorado que ele defendeu sob minha orientao na Universidadede Londres, trinta anos atrs, em traduo de seu lho Leandro, sualha Priscila e sua esposa Margarida Maria. Relaes Exteriores do Brasil,1939-1950: Mudanas na natureza das relaes Brasil-Estados Unidos durantee aps a Segunda Guerra Mundial publicado pela Fundao Alexandrede Gusmo, do Ministrio das Relaes Exteriores, em memria de suamorte prematura, h vinte anos.

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    Durante a ltima dcada, o Brasil tem buscado novos parceiroseconmicos e polticos em suas relaes internacionais a m de seguiruma poltica externa mais independente. O autoproclamado noalinhamento do Itamaraty deve ser visto em relao e em oposioao rme compromisso anterior com os Estados Unidos uma polticaestabelecida durante os anos 1939-1945 e consolidada entre 1946 e 1950,e que perdurou ao longo das duas dcadas seguintes com a exceo dobreve perodo 1961-1964. Espera-se aqui fazer uma contribuio paraa compreenso da poltica externa do Brasil durante a aps a SegundaGuerra Mundial, quando as relaes do Brasil com os Estados Unidos setornaram o foco e a linha-mestra de todas as relaes exteriores do Brasil.

    No se abordaram sistematicamente as relaes exteriores doBrasil no perodo 1939-1950, que deve ser tratado como um todo, e querecebe uma certa unidade devido ao crescente alinhamento do Brasil com

    os Estados Unidos na poltica internacional. H, sim, estudos histricossobre as relaes exteriores do Brasil antes da guerra. Entre os maisimportantes esto: S. Hilton, Brazil and the Great Powers, 1934-1939(Austin,1975); R. Gambini, O Duplo Jogo de Getlio Vargas (So Paulo, 1977); eR. Seitenfus, O Brasil de Getlio Vargas e a Formao dos Blocos, 1930-1942(no prelo). H um estudo sobre o perodo da guerra, F. McCann, TheBrazilian-American Alliance (Princeton, 1973), que valioso, mas queoferece poucas anlises polticas amplas sobre o perodo, se que oferecealguma. No existe estudo abrangente dos anos ps-guerra.

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    verdade que tem havido muita pesquisa aprofundada sobreproblemas especcos com repercusses nas relaes exteriores, como

    o processo de tomada de decises sobre assuntos econmicos. Ver, porexemplo, L. Martins, Pouvoir et Dveloppement conomique (Paris, 1976);J. Wirth, The Politics of Brazilian Development, 1930-1945 (Stanford, 1970);M. Abreu, Brazil and the World Economy, 1930-1945 (Tese de doutorado,Universidade de Cambridge, 1977); P. Malan et al., Poltica EconmicaExterna e Industrializao no Brasil (Rio de Janeiro, 1977) e P. Malan,Relaes Econmicas Internacionais do Brasil, 1945-1964, Histria Geralda Civilizao Brasileira (Volume XI) (So Paulo, 1984). Houve tambm apublicao de extensas colees de documentos: H. Silva, 1942, Guerra noContinente(Rio de Janeiro, 1972), 1944, O Brasil na Guerra(Rio de Janeiro,

    1974), e 1945, Por que Depuseram Vargas(Rio de Janeiro, 1976). Entretanto,no existe uma interpretao equilibrada dos anos da guerra e dops-guerra que leve em considerao os aspectos polticos, econmicos,militares e ideolgicos inter-relacionados das relaes exteriores do Brasil,e esta tese pretende preencher esta lacuna.

    Em segundo lugar, pretende-se aqui avaliar o papel do Brasil napoltica internacional durante a guerra e no perodo ps-guerra. Em geral,as interpretaes atuais da poltica brasileira durante a guerra tendem aenfatizar o oportunismo do Brasil na obteno junto aos Estados Unidosde tudo do que precisava naqueles tempos difceis (ver, por exemplo,

    S. Hilton, Brazilian Diplomacy and the Washington-Rio de Janeiro Axisduring the World War II Era, HAHR, maio de 1979) ou a imposio dadominao econmica e hegemonia poltica dos Estados Unidos ao Brasil(ver F. McCann, Critique of Stanley Hiltons Brazilian Diplomacy and theWashington-Rio de Janeiro Axis during the World War II Era, HAHR,novembro de 1979). Do meu ponto de vista, a hegemonia estadunidensesobre o continente no impediu o Brasil de inuenciar suas relaesexteriores de acordo com suas prprias necessidades. Pelo contrrio:esses dois fenmenos estavam intimamente relacionados. fato que uma

    Grande Potncia pode fazer uso de diversos recursos para estabelecer umsistema de alianas com seus aliados subordinados, e esta tese dedicarateno especial aos vrios mecanismos econmicos, polticos, militares,ideolgicos e culturais ativados pelos Estados Unidos de modo a garantiro alinhamento brasileiro com suas polticas. Por outro lado, enfatizareique mesmo uma potncia de nvel mdio como o Brasil pode desfrutar deuma certa margem de ao em suas tentativas de determinar suas prpriasdirees nas relaes exteriores, dentro dos limites postos pela hegemoniaestadunidense, claro. Esta possibilidade de ao autnoma foi criada no

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    apenas pela situao internacional como tambm pelo equilbrio polticointerno e a capacidade do governo brasileiro de lidar com situaes

    complexas. Uma abordagem metodologicamente semelhante quelaadotada nesta tese foi usada por minha colega M. Hirst, O Processo deAlinhamento nas Relaes Brasil-Estados Unidos, 1942-1945 (Dissertaode mestrado, IUPERJ, Rio de Janeiro, 1982), embora ela tenha se debruadoapenas sobre um curto perodo e estivesse mais interessada em enfocar apoltica dos Estados Unidos para o Brasil.

    As interpretaes atuais da poltica brasileira aps a guerra sofragmentadas e tendem a encarar as relaes exteriores do Brasil como meroreexo da orientao dos Estados Unidos. Entretanto, embora o Itamaratyseguisse de perto a orientao internacional dos Estados Unidos, ele foi muito

    alm das aes estadunidenses ao romper relaes com a Unio Sovitica,para citar um nico exemplo. Uma avaliao deste perodo demonstrar opoder de barganha do Brasil diminuindo rapidamente, com a diculdadede conduzir uma poltica autnoma sendo explicada tanto pela situaointernacional quanto pelo equilbrio poltico interno. Os planejadoresbrasileiros acreditavam que a contribuio do pas ao esforo de guerrados Estados Unidos havia criado certas obrigaes morais para o governoestadunidense, e o Brasil poderia ser recompensado por tal contribuio.Eles previam para o Brasil a condio de aliado especial dos Estados Unidos,habilitado a desempenhar um papel importante na poltica internacional.

    Porm, a mudana nos objetivos estratgicos dos Estados Unidos, que sevoltaram Europa e sia, negou um papel importante na poltica externaestadunidense Amrica Latina, j que esta era uma rea de hegemoniapacca. Por outro lado, as classes dirigentes brasileiras aceitaram estamudana de interesse por parte dos Estados Unidos em nome da lutacontra o comunismo internacional. Elas digeriram rapidamente os novosvalores disseminados pelas Grandes Potncias Ocidentais e traduziramas proposies do mundo livre, do livre comrcio e assim por diantepara o contexto nacional. Tendo aceitado as prioridades dos Estados Unidos

    na poltica internacional, os recursos de barganha do Brasil haviam sidoreduzidos drasticamente, e o governo brasileiro no tinha meios para extrairbenefcios especiais de seu alinhamento com os Estados Unidos. Na poca deVargas, o alinhamento com os Estados Unidos havia sido um instrumentoda poltica externa brasileira. No governo Dutra ele se torna apenas seuobjetivo. Neste sentido, importante analisar tanto a continuidade quanto adescontinuidade entre os perodos 1939-1945 e 1946-1950.

    As fontes nas quais a tese em grande medida se baseia incluemmaterial contemporneo relevante, bem como estudos recentes, publicados

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    ou no, que tratam direta ou indiretamente das questes sob considerao.Livros, artigos, teses, papers e comunicaes, todos foram utilizados ao

    longo da pesquisa. Entretanto, a maior parte do material veio de fontesprimrias (tanto impressas quanto manuscritas). tambm importanteobservar que a pesquisa se deu em trs pases diferentes Brasil, ReinoUnido e EUA de modo a oferecer uma viso mais equilibrada dosacontecimentos, e foi realizada em arquivos pblicos e particulares,muitos dos quais disponibilizados para consulta apenas recentemente.

    No caso brasileiro, permanece difcil obter acesso aos registrospblicos, embora muitos arquivos particulares tenham sido abertosaos pesquisadores. Alguns ainda no foram organizados e para outrosno existem ainda regulamentos adequados para a classicao dos

    documentos. No meu caso, a fonte mais importante a correspondnciapoltica do Itamaraty referente dcada de 1940 no pde ser consultada,j que classicada como condencial. A correspondncia geral doItamaraty sobre assuntos rotineiros se mostrou til, mas insuciente paraos propsitos da pesquisa. Os arquivos privados do CPDOC um centrode documentao e pesquisa sobre a histria contempornea do Brasil, noRio de Janeiro se revelaram uma fonte preciosa de informao. Para ospropsitos desta tese, os mais importantes foram os de Getlio Vargas,Oswaldo Aranha e Souza Costa. Tambm valiosas foram as entrevistasconcedidas ao Programa de Histria Oral do CPDOC.

    Os documentos britnicos foram importantes na medida em queforneceram uma terceira posio frequentemente muito objetiva sobre as relaes Brasil-EUA. A pesquisa se concentrou nos documentosdo Ministrio das Relaes Exteriores, o Foreign Ofce, especialmente acorrespondncia geral: os relatrios anuais do embaixador britnico foramuma fonte valiosa de informao, entre outras. Alm da correspondnciageral, tambm foram explorados os arquivos da embaixada e consulares,o Condential Print e os Avon Papers.

    Do outro lado do Oceano Atlntico, os volumosos arquivos

    dos Estados Unidos tambm foram de grande importncia como fontede informao com relao a muitas questes polticas e militares.Naturalmente, o mais importante de todos foi The National Archivesem Washington, onde se dedicou ateno especial a documentos dassees Diplomatic Branch e Modern Military Branch, alm do Bir doCoordenador de Assuntos Interamericanos. Alm do arquivo nacional,foram consultadas as bibliotecas presidenciais, assim como outrasbibliotecas que possuam documentos particulares.

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    Notas explicativas

    Notas de rodap

    A utilizao de tantas fontes diferentes demanda uma explicaosobre a apresentao das notas de p de pgina. No caso dos documentosbritnicos, a anotao sempre FO, seguida por um cdigo numrico(ex. FO 371 = correspondncia geral), um nmero de referncia(ex. FO 371 81250 = Notas sobre o Brasil) e o nmero do item entre parn-teses. No caso dos documentos dos Estados Unidos, a anotao antecedidapela instituio: as mais comuns so NA (The National Archives) ouuma biblioteca presidencial. Os documentos de The National Archivesso divididos em grandes sries chamadas de Record Groups (RG). Amaior parte dos documentos veio do Departamento de Estado (RG 59),mas alguns vieram do Bir do Coordenador de Assuntos Interamericanos(RG 229); todos os outros so documentos militares (RG 165, RG 226 etc.).

    Cada RG tem sua prpria classicao interna. As datas so dadas emtodas as referncias estadunidenses, exceto nos documentos RG 59 de 1944em diante, cujos cdigos j incluem a data (ex. RG 59 832.00/5-2449, isto ,24 de maio de 1949). Referncias a documentos das bibliotecas presidenciaisindicam a srie na qual o documento se encontra (ex. FRL/PSF = FranklinRoosevelt Library, Presidents Secretarys File).

    Os principais documentos pblicos brasileiros consultados foramdo Arquivo Histrico do Itamaraty (AHI). Foram consultadas duas grandesdivises: a correspondncia geral e os maos. A correspondncia geral

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    organizada de acordo com grandes sries (DE, MDB, RE, DI), com a origemdo material (ONU, Washington, Londres etc.) e com o tipo de material

    (telegramas recebidos etc.). Os maos so organizados por assunto, cadaqual com seu nmero. Os documentos particulares do CPDOC usam asiniciais do titular (ex. GV = Getlio Vargas, OA = Oswaldo Aranha etc.)e geralmente incluem uma indicao da data no prprio documento, porexemplo, GV 45.10.29 indica ano (1945), ms (outubro) e dia (29). Estaindicao se refere correspondncia geral. Em outras sries, certas letrasso adicionadas ao cdigo principal por exemplo, em AO 42.01.27pi,pi indicaproduo intelectual(discursos, relatrios etc.).

    Abreviaes

    AN = Arquivo Nacional, Rio de JaneiroAN/GM = Documentos de Ges MonteiroAHI = Arquivo Histrico do Itamaraty, Rio de JaneiroAHI/RE = Representaes EstrangeirasAHI/DE = Diversos no ExteriorAHI/MDB = Misses Diplomticas BrasileirasAHI/DI = Diversos no InteriorAHI/DI/PR = Presidncia da Repblica

    AHI/DI/MG = Ministrio da GuerraAMEMBASSY = Embaixada dos Estados UnidosBRASEMB = Embaixada do BrasilBLAR = Bir de Pesquisa Latino-Americana, Departamento de

    Estado, EUACFCE = Conselho Federal de Comrcio ExteriorCPDOC = Centro de Pesquisa e Documentao em Histria

    Contempornea do Brasil, Rio de JaneiroDASP = Departamento Administrativo do Servio PblicoDIP = Departamento de Imprensa e Propaganda

    DS = Departamento de Estado, WashingtonDELBRASONU = Delegao Brasileira na ONUEUA = Estados Unidos da AmricaEW = Guerra EuropeiaFEB = Fora Expedicionria BrasileiraFGV = Fundao Getlio VargasFO = Foreign Ofce, Ministrio das Relaes Exteriores do

    Reino UnidoFRL = Biblioteca Franklin Roosevelt

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    NOTAS EXPLICATIVAS

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    FRL/OF = Arquivo OcialFRL/PPF = Arquivo Pessoal do PresidenteFRL/PSF = Arquivo do Secretrio do PresidenteFRL/BC = Coleo BerleFRL/MC = Coleo MorgenthauFRUS = Relaes Exteriores dos Estados Unidos, Departamento

    de EstadoGV = Documentos de Getlio Vargas, CPDOCHAHR = Hispanic American Historical Review (publicao)HL = Biblioteca Houghton, Universidade de HarvardHO = Histria Oral, CPDOCHTL = Biblioteca Harry TrumanHTL/OF = Arquivo OcialHTL/CF = Arquivo CondencialHTL/PSF = Arquivo do Secretrio do PresidenteHTL/WHCF = Arquivo Central da Casa BrancaIHGB = Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro, Rio de

    JaneiroJBUSDC = Comisso Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos

    (CMDBEU)JBUSMC = Comisso Mista Militar Brasil-Estados Unidos

    (CMMBEU)JCS = Estado-Maior Conjunto, EUAMRE = Ministrio das Relaes Exteriores, Rio de JaneiroNA = Arquivo Nacional, WashingtonOA = Documentos de Oswaldo Aranha, CPDOCOCIAA = Bir do Coordenador de Assuntos InteramericanosOH = Histria Oral, Universidade de Columbia, Nova YorkONU = Organizao das Naes Unidas (= NU, Naes

    Unidas)OSD = Gabinete do Secretrio da Defesa, EUAOSS = Gabinete de Servios Estratgicos, EUAPAU = Unio Pan-Americana (= OPA, Organizao Pan-

    Americana)PUL = Biblioteca da Universidade de PrincetonSC = Documentos de Souza Costa, CPDOCUNRRA = Administrao das Naes Unidas para o Auxlio e

    RestabelecimentoUSP = Universidade de So PauloWD = Departamento da Guerra, EUA

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    Captulo I

    Introduo

    O Brasil cou independente em 1822, no contexto de uma vasta lutaque imediatamente aps as Guerras Napolenicas ops o velho sistemacolonial europeu e os grandes interesses da nova economia e sociedadeindustriais da Gr-Bretanha. O governo colonial portugus na Amrica do

    Sul foi derrubado com auxlio poltico e militar britnico, e o Brasil courmemente vinculado Gr-Bretanha em termos econmicos e polticos aolongo do sculo XIX. O comrcio, as nanas e os investimentos britnicosforneceram os estmulos necessrios economia brasileira exportadorade caf, enquanto as relaes exteriores do Brasil imperial eram bemajustadas aos interesses e direcionamentos das potncias europeias,particularmente da Gr-Bretanha. Embora adaptados s condies locais,o liberalismo britnico e as ideias revolucionrias francesas j formavam omodelo ideolgico das instituies brasileiras.3

    A posio econmica dos britnicos no Brasil foi dominanteat a dcada de 1880, quando novos concorrentes, principalmenteestadunidenses, alemes e franceses, passaram a chegar. A inunciaeconmica dos recm-chegados cresceu constantemente at a Primeira

    3 Existe uma extensa bibliografia sobre a preeminncia britnica no Brasil durante o sculo XIX. Sobre o processo deindependncia, ver E. Viotti da Costa, Introduo ao Estudo da Emancipao Poltica, in C. G. Motta (org.), Brasil emPerspectiva(So Paulo, 1967); J. H. Rodrigues, Independncia, Revoluo: A Poltica Internacional(Rio de Janeiro, 1975);e C. Freitas, George Canning e o Brasil (So Paulo, 1958). Sobre questes econmicas e sociais, ver A. Manchester,British Pre-eminence in Brazil: Its Rise and Decline(Chapel Hill, 1933); L. Bethell, The Abolition of the Brazilian SlaveTrade(Cambridge, 1970); R. Graham, Britain and the Onset of Modernization in Brazil(Cambridge, 1968); e A. C. Castro,As Empresas Estrangeiras no Brasil(Rio de Janeiro, 1979).

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    Guerra Mundial, quando a inuncia alem ruiu. A partir de ento, osinteresses dos Estados Unidos gradativamente substituram o comrcio

    e os investimentos britnicos, que estavam em declnio contnuo. J em1929, os Estados Unidos eram o principal parceiro comercial do Brasil, eassumiam um papel de liderana no nanciamento de outros aspectos daeconomia cafeeira de exportao. Do ponto de vista poltico, o governobrasileiro tentou contrabalanar a inuncia britnica nos seus assuntosexteriores por meio de uma poltica proposital de aproximao com osEstados Unidos. Esta poltica, levada a cabo pelo Baro do Rio Branco,ministro das Relaes Exteriores do Brasil nos primeiros anos do sculoXX, no era de mera adeso s polticas estadunidenses, mas pretendiaajudar o Brasil a reduzir a inuncia europeia. A participao brasileira

    na Primeira Guerra Mundial indicou que j nesta poca os Estados Unidosdesempenhavam um papel importante na denio da poltica externabrasileira.4

    A turbulncia que abalou os alicerces das estruturas econmicas,sociais e polticas ocidentais, da crise de 1929 at irromper a SegundaGuerra Mundial, teve efeitos semelhantemente radicais no Brasil:depresso econmica, revoluo poltica, o crescimento de movimentossociais organizados em moldes socialistas e fascistas, e competio entreas Grandes Potncias para aumentar sua presena no Brasil. Enquanto aGr-Bretanha permanecia numa posio de recuo defensivo, a Alemanha

    novamente entrou na corrida por inuncia econmica e poltica contra osEstados Unidos. O Brasil teve que responder ao novo desao e redenirtodos os aspectos de sua vida, inclusive a poltica externa.

    A Amrica Latina e a poltica internacional na dcada de 1930

    A crise econmica de 1929 perturbou o funcionamento do sistemacapitalista, tanto no mbito das economias nacionais quanto no da interao

    nanceira e comercial que alimentava a economia internacional, baseadano princpio geral da diviso de trabalho entre pases industrializadose no industrializados. Embora as respostas dadas crise pelos estados

    4 A substituio da influncia econmica britnica no Brasil pelos interesses dos Estados Unidos foi estudada por V. Valla,A Penetrao Norte-Americana na Economia Brasileira (Rio de Janeiro, 1979), e P. Singer, O Brasil no Contexto doCapitalismo Internacional, in B. Fausto (org.), Histria Geral da Civilizao Brasileira, v. 8 (So Paulo, 1975). D. Plattdefende a ideia de que a retirada britnica da Amrica Latina ao final do sculo XIX no era sintoma de um declnio geraldo poder de concorrncia britnico, mas de um esforo deliberado de se concentrar nos mercados interno e do Imprioe mudar o carter da indstria britnica; ver Latin America and British Trade, 1806-1914 (Londres, 1972). O esforodeliberado do Brasil de reduzir a influncia poltica europeia foi estudado por B. Burns, The Unwritten Alliance(Nova York,1968). Ver tambm C. Lafer, Uma interpretao do sistema de relaes internacionais do Brasil, Revista Brasileira dePoltica Internacional, n. 39/40, 1967.

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    INTRODUO

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    capitalistas no fossem idnticas, elas tinham certas caractersticas emcomum, em particular uma interveno estatal mais decisiva na economia

    nacional, seja na forma de legislao, controle ou at investimentodireto. Ao mesmo tempo, na esfera internacional, medidas de proteoeconmica foram tomadas de modo a obter ou reter mercados exclusivos,assim rompendo com o padro vigente de livre comrcio. Alguns pases,Gr-Bretanha e Frana em especial, foram capazes de enfrentar o perodode depresso econmica com relativo xito graas a suas moedas fortes eimprios coloniais. As potncias excludas (Alemanha, Japo e Itlia) seviam diante de uma situao econmica mais difcil e tendiam a estabeleceralguma forma de autossucincia econmica. No obstante, as alianaspolticas que apoiavam governos fascistas exigiam polticas sociais e

    econmicas que reforavam os oligoplios e reduziam os salrios, assimagravando, ao invs de resolver, problemas tais como o desenvolvimentode mercados internos.5Como estes eram pases que precisavam importarmatrias-primas industriais e exportar seus produtos, eles tinham quegarantir a existncia de mercados externos. Por outro lado, o cartervingativo de seus planos polticos levou os estados fascistas a tentaradquirir colnias ou reas de inuncia e a comear campanhas nessesentido. Sua resposta poltica crise econmica e social era a rota maiscurta rumo guerra.6

    O fascismo era uma das expresses da crise poltica que permeou a

    dcada de 1930. Sob o fardo de problemas sociais pavorosos, para os quaisno possuam solues nem meios de implant-las, os Estados liberais setornaram alvos fceis para os ataques da esquerda e da direita, que osacusavam por diferentes razes de serem ultrapassados. Os partidosde centro perdiam terreno a cada eleio, e o espectro poltico se tornavacada vez mais polarizado, com a direita representando movimentosnacionalistas e fascistas, e a esquerda representando movimentossocialistas e comunistas. A dcada foi de governos autoritrios at asdemocracias parlamentares experimentaram alterar o equilbrio de poder,

    com a inteno de fortalecer o poder executivo.A mesma crise ocorreu no mbito ideolgico. As frustraes quehaviam se acumulado desde a Primeira Guerra Mundial e os problemasno resolvidos na esfera social e econmica produziram uma crtica

    5 Especialistas em economias fascistas j enfatizaram esta questo; ver C. Bettelheim, Lconomie Allemande sous leNazisme(Paris, 1971), v. II, pp. 101-116; e D. Gurin, Fascisme & Grand Capital(Paris, 1971), cap. 9. Algum desacordocom relao a estas determinaes econmicas se encontra em J. Duroselle, LEurope de 1815 Nos Jours(Paris, 1970)e P. Renouvin, Historia de las Relaciones Internacionales - Las Crises del Siglo XX(Madrid, 1970), v. VIII.

    6 A relao entre guerra e crise econmica e social foi mencionada por M. Crouzet, Histoire Gnrale des Civilizations:Lpoque Contemporaine(Paris, 1958), parte I, tomo 2, cap. II.

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    aguda racionalidade liberal. O liberalismo era atacado pela esquerdaem nome da tradio radical materialista e de uma reorganizao geral

    da sociedade. O liberalismo era atacado pela direita em nome dos valorestradicionais, tais como religio, ordem, hierarquia e disciplina. O fascismo revolucionrio na aparncia, autoritrio nas prticas foi o mais exitosodestes movimentos.7

    As mudanas nas relaes internacionais durante este perodoforam substanciais. At a Primeira Guerra Mundial, as relaes inter-nacionais eram governadas pela noo de equilbrio de poder aregulao das relaes internacionais por umas poucas Grandes Potnciaslocalizadas na Europa. Este Pacto Europeu havia construdo uma ordeminternacional baseada numa viso comum do que era aceitvel ou inaceitvel

    s Grandes Potncias e seus interesses. A guerra destruiu esta concepo, ea tentativa de criar uma nova ordem internacional baseada na cooperao(a Liga das Naes) fracassou. Portanto, o perodo entre guerras represen-tou um desao crescente, pois as novas Potncias, na Europa e fora dela,buscavam aumentar suas reas de inuncia, enquanto as antigas e bemestabelecidas Potncias buscavam frear seu prprio declnio.8

    Na Amrica Latina o interregno de 1919-1939 se caracterizou porum declnio na inuncia britnica e um crescimento na inuncia aleme estadunidense. Do ponto de vista ideolgico, trs correntes principais liberalismo, fascismo e socialismo lutavam pelos coraes e mentes

    dos povos latino-americanos. Mas do ponto de vista da inuncia polticae econmica, a Gr-Bretanha defendia sua posio, enquanto EstadosUnidos e Alemanha eram relevantes na medida em que o crescimentode seu sistema de poder os colocava em posies antagnicas perante asnaes latino-americanas. Os alemes enfatizavam o autoritarismoantiparlamentar, o protecionismo econmico e o nacionalismo militar,enquanto os estadunidenses enfatizavam a democracia liberal e ointernacionalismo de livre comrcio. A Amrica Latina era no s palcode uma guerra comercial, mas tambm de disputa poltica e ideolgica,

    justamente quando formas autoritrias de governo e o nacionalismoeconmico estavam orescendo na parte sul do continente. Embora onacionalismo dos pases da Amrica Latina no pudesse ser confundidocom uma adeso ao fascismo ou ao nacional-socialismo, seus oponentestentavam fazer tal identicao. Em outras palavras, numa poca de

    7 H um guia recente de anlises, interpretaes e bibliografia sobre o assunto. Trata-se de W. Laqueur, Fascism (Londres,1979).

    8 Esta questo levantada por um especialista brasileiro em direito internacional, C. Lafer, no livro Paradoxos e Possibilidades(Rio de Janeiro, 1982), pp. 72-74. Ver tambm G. Barraclough,An Introduction to Contemporary History (Londres, 1964)e The End of European History, em History in a Changing World(Oxford, 1956).

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    polarizao poltica radical, anidades ideolgicas ou polticas econmicassemelhantes tendiam a ser vistas como alinhamentos polticos no cenrio

    internacional.

    A presena alem na Amrica Latina

    A consolidao do regime nazista na Alemanha devolveu aopas uma presena no cenrio internacional. Embora sua poltica externademonstrasse uma orientao europeia bem demarcada, o que sugeria atentativa de criar um imprio europeu, seu objetivo era rivalizar com asGrandes Potncias.9

    Os planos alemes para com a Amrica Latina (especialmenteo Brasil) eram principalmente de natureza comercial. A Alemanhabuscava novos clientes avidamente para melhorar suas condieseconmicas internas. Suas importaes consistiam principalmente dealimentos e matrias-primas industriais, ao passo que suas exportaesse compunham em grande medida por bens industrializados. Ela detinhamoeda estrangeira em quantias insucientes para operar nos mercadosinternacionais com base no livre comrcio. A partir do Novo Plano(ou Schacht Plan) de 1934, o governo alemo adotou uma srie demedidas de proteo, incluindo a criao de uma moeda especial, dumping

    e acordos bilaterais de escambo (troca de produtos sob um sistema dequotas). O protecionismo econmico no era uma regra doutrinria,mas uma soluo ditada pelas circunstncias. Entretanto, ele se ajustavabem formulao racionalista do fascismo.10

    Naqueles pases latino-americanos envolvidos com esta poltica,os efeitos foram de grande importncia, j que ela gerava opes paraum reforo no comrcio exterior, o setor de suas economias mais afetadopela crise e depresso da dcada de 1930. bem verdade que os acordoseconmicos oferecidos pela Alemanha no geravam divisas e estimulavam

    uma nova dependncia: quanto mais se vendia Alemanha, mais se eraobrigado a comprar dela. Por outro lado, o sistema trazia, sim, vantagensdevido ao fato de que estes pases no possuam moeda forte sucientepara nanciar o pagamento imediato de importaes, o que era umacondio dos tratados de livre comrcio. Assim, a parte excedente de sua

    9 Como afirma G. Barraclough,An Introduct ion..., cap. IV.10 E. Wageman, um importante servidor pblico alemo, apresenta um interessante testemunho disto em La Stratgie

    conomique (Paris, 1938). Ele considerava a desorganizao dos mercados internacionais responsvel pela polticaprotecionista alem. Ver tambm H. Friedlander e J. Oser, Economic History of Modern Europe(Nova York, 1953), parte3, cap. 26; e C. Bettelheim, op. cit., v. II, pp. 117-125, 153-161.

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    produo era vendida a compradores externos e certos produtos eramobtidos com as receitas.

    Outra dimenso da presena alem na Amrica Latina era suatentativa de exercer inuncia poltica e ideolgica. Isto se dava por meiodos canais habituais e um tanto indenidos, de natureza diplomticae econmica embaixadas, consulados, escolas, empreendimentoscomerciais, as altas nanas, transporte areo, servios de informao epropaganda que criavam uma rede de interesses e boa vontade comrelao causa alem. Ao mesmo tempo, aes paralelas e diretas eramlevadas a cabo pelo partido nazista, que tentava congregar as populaesalems ou de ascendncia alem em diversos pases do continente.

    No sul do Brasil, por exemplo, a atividade do partido nazista gerou

    medo entre os brasileiros e autoridades dos Estados Unidos, emboraas evidncias sugiram que o seu papel nos planos alemes foi sempresubordinado s atividades comerciais do pas. No valia a pena sacricaruma fonte vital de alimentos e matrias-primas em nome de ideaispolticos. Quando prejuzos polticos eram necessrios para reter umaparticipao crescente no comrcio exterior brasileiro, o governo alemono hesitava. ilustrativo o caso de K. Ritter, embaixador alemo no Riode Janeiro declarado persona non grata pelo governo brasileiro em 1938devido sua atividade partidria junto a cidados brasileiros de origemalem.11Sobre a questo da adeso s leis voltadas nacionalizao do

    ensino primrio implantadas pelo governo brasileiro em 1938, Berlimno se disps a encorajar a resistncia aplicao de tais leis por partede simpatizantes nazistas.12 No obstante, as polticas e a propagandanazistas foram implementadas na Amrica Latina na medida do possvel,e o NSDAP at aplicou ao Brasil a regra da proteo aos cidadosalemes ento em vigor na Europa.13

    A inuncia exercida pelo establishment militar alemo sobre asforas armadas da Amrica Latina no deve ser subestimada. Inunciasque remontam ao comeo do sculo XX se efetivaram devido presena

    de misses militares para treinar exrcitos latino-americanos, alm daatividade mais pragmtica do nascente comrcio de armamentos na dcadade 1930, baseado nos acordos de trocas comerciais.14No caso brasileiro,

    11 A descrio mais recente deste incidente encontra-se em R. A. Humphreys, Latin America and the Second World War(Londres, 1981), p. 38.

    12 Como observa I. Gellman, Good Neighbor Diplomacy(Baltimore, 1979), p. 115.13 Um relato geral destas atividades no Brasil pode ser encontrado em R. Seitenfus, O Brasil de Getlio Vargas e a Formao

    dos Blocos, 1930-1942(no prelo). G. Seyferth apresenta uma anlise detalhada dos resultados da propaganda polticaentre alemes e brasileiros de ascendncia alem no sul do Brasil em Nacionalismo e Identidade tnica (Tese dedoutorado, Universidade de So Paulo, 1976).

    14 Especialistas no perodo tm tendido a concentrar suas anlises em questes militares. Ver F. McCann, The Brazilian--American Alliance, 1937-45(Princeton, 1973), especialmente caps. 4 e 5; eA Influncia Estrangeira e o Exrcito Brasileiro,

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    INTRODUO

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    era notria a admirao por parte de integrantes da cpula militar eboa parte da tropa pela ecincia da mquina de guerra alem. Este

    conjunto de atividades militares, culturais, polticas e econmicas alemsna Amrica Latina inquietou as autoridades estadunidenses. Estas, emmeados da dcada de 1930, comearam uma srie de iniciativas parareduzir ou eliminar sua inuncia.

    A poltica dos Estados Unidos para a Amrica Latina

    Conhecida como a poltica da Boa Vizinhana, a ao poltica dopresidente Roosevelt dirigida ao restante do continente envolvia vrios

    tipos de iniciativa, mas faltava-lhe um padro denido e coerente. Eraapresentada como uma poltica baseada nos seguintes novos pressupostos:os Estados Unidos poderiam abandonar sua poltica de interferncia e,principalmente, de interveno militar; a igualdade jurdica de todas asnaes americanas poderia ser reconhecida na prtica alm de na teoria;havia a necessidade de consultas interamericanas sempre que problemasno interior de uma repblica ameaassem se tornar fonte de perigo para asoutras; precisava-se chegar a um acordo para cooperar de todas as maneiraspraticveis, de modo a fazer avanar o bem-estar dos povos das Amricas.15

    J se observou que o m do intervencionismo constituiu uma

    evoluo natural da poltica estadunidense da dcada de 1920. Por umlado, a ameaa da inuncia europeia havia diminudo aps a PrimeiraGuerra Mundial e dentro dos Estados Unidos o apoio ao fardo daspolticas intervencionistas comeou a declinar.16 Por outro, os latino--americanos comearam a pression-los a abrir mo desse direitoe aceitar o princpio da no interveno em suas relaes com eles.17Estas presses culminaram na Sexta Conferncia Internacional dosEstados Americanos realizada em Havana em janeiro e fevereiro de1928, e na Stima Conferncia Internacional dos Estados Americanos

    realizada em Montevidu em dezembro de 1933. Durante esta ltima,o secretrio de Estado Cordell Hull teve que aceitar a Conveno sobreDireitos e Deveres dos Estados, que formulava claramente a poltica dono intervencionismo.

    1905-1945(Rio de Janeiro, 1980). O comrcio de armamentos bem documentado em S. Hilton, Brazil and the GreatPowers, 1930-39(Austin, 1975), caps. 4 e 6.

    15 As afirmaes do Secretrio de Estado Cordell Hull se encontram em The Memoirs of Cordell Hull(Nova York, 1948), v.I, parte 2, caps. 23, 24 e 25; as do Subsecretrio Sumner Welles, em The Time for Decision(Nova York, 1944), cap. V,e Where Are We Heading(Nova York, 1946), cap. 4.

    16 R. H. Wagner, United States Policy Toward Latin America(Stanford, 1970), p. 13.17 G. Connell-Smith, The United States and Latin America(Londres, 1974), p. 150.

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    Historiadores mais recentes da poltica da Boa Vizinhanaconcordam que o governo Roosevelt conseguiu se livrar dos elementos

    obsoletos do intervencionismo, ao mesmo tempo retendo aquelesaspectos considerados vitais para a segurana dos Estados Unidos.Washington no empregou a fora contra pases latino-americanosno forma do big stick ou da dollar diplomacy, mas usou outrosinstrumentos de presso poltica e econmica para atingir seus objetivos.O intervencionismo suave dos Estados Unidos contra o governo Grauem Cuba no comeo da dcada de 1930 o melhor exemplo de como apoltica da Boa Vizinhana tratava tais questes.18 Outros exemplosincluem a manuteno de contingentes militares dos Estados Unidos noPanam e em Guantnamo (Cuba).

    Embora alguns mtodos houvessem mudado, os objetivos dapoltica externa dos Estados Unidos permaneciam os mesmos. Elaalmejava minimizar a inuncia europeia na Amrica Latina por meio damanuteno da liderana dos Estados Unidos no hemisfrio e estmulo estabilidade poltica nos pases do continente.19

    Uma interpretao um tanto diferente nos oferecida pelohistoriador estadunidense D. Green, para quem a poltica da BoaVizinhana constituiu uma resposta a necessidades econmicas.A recuperao dos Estados Unidos da depresso econmica durantea dcada de 1930 exigia mercados externos em expanso para os bens

    manufaturados do pas, alm de uma oferta crescente de matrias-primase de novas avenidas para investimentos. A poltica da Boa Vizinhanarespondia a estas demandas e representava uma tentativa de ampliar ocomrcio interamericano como um todo.20

    No resta dvida de que a economia dos Estados Unidos precisavade tal ampliao comercial de forma a superar os efeitos da depresso. Poroutro lado, parece duvidoso que esta fosse a motivao principal da polticada Boa Vizinhana. As medidas tomadas pelo governo Roosevelt nosanos trinta relativas Amrica Latina sugerem uma grande preocupao

    com questes polticas e estratgicas. Os objetivos eram, na medida dopossvel, garantir a colaborao poltica e o alinhamento das naes latino--americanas liderana dos Estados Unidos. Embora a manuteno dosmercados da Amrica Latina fosse parte vital desta estratgia, ela tinhacarter predominantemente instrumental. Em contraste com as polticas

    18 O desafio apresentado pelo caso cubano nova poltica da Boa Vizinhana foi estudado por D. Green, The Containmentof Latin America (Chicago, 1971), cap. 1; B. Wood, The Making of the Good Neighbor Policy(Nova York, 1961), caps. 2e 3; I. Gellman, op. cit., pp. 38-39; e G. Connell-Smith, op. cit., pp. 160-162.

    19 Ver G. P. Atkins, Latin America in the International Political System(Nova York, 1977), pp. 97-101.20 D. Green, op. cit., pp. 18-20. Ver tambm R. Gambini, O Jogo Duplo de Getlio Vargas(So Paulo, 1977), pp. 37-42.

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    alems, Washington no hesitava em sacricar interesses econmicosmenores em nome de grandes metas polticas.

    Por outro lado, a Amrica Latina indubitavelmente desempenhouum papel importante na recuperao da economia estadunidense, poisera fonte crucial de alimentos e insumos para a indstria, bem comomercado para exportaes de produtos industriais. O governo dos EstadosUnidos agiu diferentemente de outros pases industriais, j que adotouum programa de livre comrcio com vistas a acelerar a recuperaoda economia internacional em geral e de seus mercados externos emparticular.

    No marco da poltica da Boa Vizinhana, os Estados Unidostinham que tomar certas iniciativas para assistir a recuperao das

    economias latino-americanas. Portanto, a solidariedade do hemisfriodemandava um programa de assistncia econmica voltado ao resto docontinente. No nal da dcada de 1930 no havia consenso claro sobrecomo tal assistncia deveria ser concedida, e distintos departamentos ergos do governo estadunidense (Departamento de Estado, Tesouro,Eximbank) tinham ideias diferentes e frequentemente conitantes arespeito do tema. Alguns eram favorveis ao que se poderia chamarde abordagem agroexportadora, que enfatizava questes comerciaise polticas cambiais. Uma segunda tendncia, que se poderia chamarabordagem de industrializao limitada, enfatizava questes ligadas ao

    desenvolvimento industrial.21A primeira atitude era mais comumente encontrada no

    Departamento de Estado. A proposta era que os Estados Unidosencorajassem a recuperao comercial e nanceira do continente pormeio de cooperao tcnica e emprstimos que nanciassem produtoscomplementares, tais como minerais estratgicos. Defensores destaabordagem achavam-na suciente para estimular a produo debens primrios, que por sua vez ativaria o livre comrcio e assistiria amanuteno de relaes econmicas tradicionais. Medidas nanceiras

    garantiriam a estabilidade da moeda e o crescimento seria assegurado.A abordagem de industrializao limitada criticava a primeira,insistindo que a assistncia estadunidense para a Amrica Latina deveriase concentrar em emprstimos de longo prazo para investimentosprodutivos. O aumento da produtividade industrial resultaria em maisexportaes e no cumprimento dos deveres externos tanto nanceiros

    21 Muitos autores j apontaram esta controvrsia. Um documento interessante da Biblioteca Franklin Roosevelt resumea divergncia em 1939. Ver Basis of discussion with Minister Aranha, 1 de fevereiro de 1939, e comunicao deMr. Taylor para Mr. White, Departamento do Tesouro, 6 de fevereiro de 1939, FRL/MC 39.01.12.

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    quanto comerciais, alm de incrementar o escopo das relaes comerciaiscom os Estados Unidos. Embora esta abordagem postulasse uma srie de

    instrumentos tcnicos e nanceiros aos quais os pases latino-americanospoderiam recorrer, ela estabelecia limites estreitos para o desenvolvimentoindustrial destes pases. A possibilidade de se substituir produtosimportados no deveria afetar o uxo normal de bens manufaturados dosEstados Unidos para o continente. Esta viso, mais progressista que a doDepartamento de Estado, foi adotada pelas comisses interamericanasligadas a questes do desenvolvimento.

    O programa de assistncia econmica do governo estadunidensetentou adquirir um perl interamericano. Por esta razo, a Conferncia doPanam, realizada em setembro e outubro de 1939, criou uma Comisso

    Consultiva Interamericana Financeira e Econmica, cujo primeiropresidente foi Sumner Welles. Os objetivos da Comisso eram atacar asdesarticulaes econmicas previsveis em tempos de guerra e explorarmtodos de longo prazo para aumentar o comrcio interamericano epromover o crescimento econmico da Amrica Latina. Esta comisso,por sua vez, criou a Comisso Interamericana de Desenvolvimento, sob apresidncia de Nelson Rockefeller. O rgo tinha a responsabilidadede patrocinar estudos, compilar informaes e estabelecer os contatosnecessrios ao desenvolvimento das vinte e uma repblicas. Tinha-se acompreenso de que o desenvolvimento interamericano envolvesse:

    a) o estmulo s exportaes no competitivas de todas as repblicas latino--americanas para os Estados Unidos e ao comrcio entre as repblicaslatino-americanas; e b) o estmulo indstria em todas as repblicaslatino-americanas.22

    O propsito do primeiro item era aumentar as reservas de moedaestrangeira das repblicas sul-americanas de modo a fortalecer suaseconomias enfraquecidas. Os Estados Unidos comprariam produtos comoleos vegetais, alimentos, frmacos e materiais estratgicos. claro queesta boa vontade estadunidense deve ser vista luz de um problema

    pavoroso: a perda de fontes no americanas destes produtos primriosdevido guerra. Esta linha de ao tinha resultados previsveis: ofortalecimento das relaes econmicas tradicionais entre os EstadosUnidos e seus vizinhos continentais.

    O item b) era mais interessante no sentido de esclarecer acompreenso que a Comisso tinha do signicado da industrializaoda Amrica Latina. Ele no propunha a criao de indstrias que

    22 Inter-American Development Commission. NA/RG 229.10 Records of the Immediate Office of the Coordinator, Minutesof Meetings and Conferences.

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    INTRODUO

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    produzissem bens de capital, j que estas se mostrariam no econmicasem sua operao. A alternativa proposta era a criao de indstrias que

    fabricassem produtos de consumo, para que certas repblicas americanaspossam se libertar da dependncia da Europa e da sia para [obter] artigosque consomem no cotidiano.23

    Este item revela com clareza a inteno da Comisso de encorajarindstrias que permitiriam aos pases da Amrica Latina reduzir asimportaes de produtos previamente obtidos na Europa e na sia, aomesmo tempo deixando intocadas as importaes oriundas dos EstadosUnidos. Em outras palavras, a Comisso Interamericana de Desenvol-vimento propunha um padro de industrializao para a Amrica Latinarmemente subordinado aos interesses econmicos estadunidenses, e que

    sustentasse a complementaridade assimtrica entre as partes. Em tal padro,no havia espao para projetos de industrializao de largo alcance.24

    O aspecto mais dramtico destes acontecimentos diz respeito aofato de que mesmo esta diretriz restrita para o desenvolvimento latino--americano no foi posta em ao. Ademais, o esforo de guerra dos EstadosUnidos bloqueou certas iniciativas desenvolvimentistas e causou o retornodas economias latino-americanas ao seu statusanterior de fornecedoras dematrias-primas.25Modestas tentativas interamericanas de criar projetosde desenvolvimento, como o Servio Consultivo Latino-Americano (cujoobjetivo era aumentar as vendas de produtos de varejo e de consumo

    latino-americanos nos Estados Unidos) e um cartel interamericano decommodities (uma espcie de cmara