Relações Internacionais - cooperação e organizações internacionais em análise

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1 Relações Internacionais: cooperação e organizações internacionais em análise Ronaldo J. Souza Ramos Professor de Teorias das Relações e Comércio Exterior: Universidade Paulista – UNIP, Centro Salesiano do Estado de São Paulo - UNISAL e Faculdade de Tecnologia FATEC- Americana. 1. Introdução As relações internacionais contemporâneas, especialmente no século XX, podem ser entendidas pela transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ocorreram no mundo e que conseqüentemente acabou por tornar indefinidas as fronteiras das políticas interna e externa dos Estados. Em plano equivalente, adquire grande relevo, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, o fenômeno da diversidade de Organizações Internacionais em função de agora existir necessidade dos Estados dimensionar coletivamente certas competências que antes pertenciam ao absoluto domínio nacional. Baseados no multilateralismo e na diplomacia parlamentar, estes organismos representam “um esforço civilizatório significativo no contexto das relações internacionais” 1 com objetivo dirimir as relações conflituosas oriundas do maior grau de interdependência das relações entre os Estados. Esse quadro retrata a evolução jurídica que acompanhou as transformações da sociedade internacional e as interações nela estabelecidas. Isso significa dizer que as relações internacionais tal como se estabelece atualmente pode ser considerada eminentemente moderna. Nesse sentido, o objetivo deste capitulo será, então, num primeiro momento analisar sucintamente, a partir de uma abordagem história, as bases sob a quais distintos indivíduos, comunidades, cidades, cidades-estados e Estados interagiam e

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Relações Internacionais: cooperação e organizações internacionais em análise

Ronaldo J. Souza Ramos

Professor de Teorias das Relações e Comércio Exterior: Universidade Paulista – UNIP, Centro Salesiano do Estado de São Paulo - UNISAL e Faculdade de Tecnologia FATEC-

Americana.

1. Introdução As relações internacionais contemporâneas, especialmente no século XX, podem ser

entendidas pela transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e

culturais que ocorreram no mundo e que conseqüentemente acabou por tornar

indefinidas as fronteiras das políticas interna e externa dos Estados.

Em plano equivalente, adquire grande relevo, sobretudo a partir da Segunda Guerra

Mundial, o fenômeno da diversidade de Organizações Internacionais em função de

agora existir necessidade dos Estados dimensionar coletivamente certas

competências que antes pertenciam ao absoluto domínio nacional. Baseados no

multilateralismo e na diplomacia parlamentar, estes organismos representam “um

esforço civilizatório significativo no contexto das relações internacionais”1 com

objetivo dirimir as relações conflituosas oriundas do maior grau de interdependência

das relações entre os Estados.

Esse quadro retrata a evolução jurídica que acompanhou as transformações da

sociedade internacional e as interações nela estabelecidas. Isso significa dizer que

as relações internacionais tal como se estabelece atualmente pode ser considerada

eminentemente moderna.

Nesse sentido, o objetivo deste capitulo será, então, num primeiro momento analisar

sucintamente, a partir de uma abordagem história, as bases sob a quais distintos

indivíduos, comunidades, cidades, cidades-estados e Estados interagiam e

2

estabeleciam suas relações em um período anterior ao desenvolvimento da Teoria

das Relações Internacionais.

Em seguida, e a partir da consolidação da relações internacionais como campo de

estudo científico, veremos dentro de que contextos alguns dos principais discursos

teóricos dessa nova ciência se desenvolveram e da mesma forma observar como

estes abordam as possibilidades de cooperação e o papel das organizações

internacionais nas relações internacionais contemporânea.

2. As Relações Internacionais Contemporâneas

A veiculação e tratamento empreendido a expressão relações internacionais, tal

como pode se observar nos veículos de comunicação, na sociedade em geral ou até

mesmo em meios acadêmicos, nem sempre produz um sentido claro ao que tal

expressão deseja conferir.

A dificuldade em empregar um melhor significado a expressão é inerente, em parte,

ao próprio termo inter-nacional que perdeu, na evolução do modo de organização

social, seu significado entendendo que, atualmente Relações Internacionais não

significa ‘interações’ entre ‘nações’, mas entre Estados, governos e outros atores

internacionais. 2

Em Relações Internacionais como Campo de Estudos, Lytton Guimarães atribuiu

pelo menos a duas dimensões o emprego sensato da expressão relações

internacionais.

Em uma primeira análise, conferindo-lhe um sentido mais amplo, Guimarães vincula

a expressão ao que “...se refere à gama de contatos e interações de natureza

diplomática, política, econômica, militar, social, cultural, étnica, humanitária, que se

processam entre atores internacionais, estatais e não-estatais”. 3

3

Em uma abordagem mais específica, o mesmo autor atribui sentido à expressão

Relações Internacionais quando:

”...refere-se ao campo de estudos acadêmicos que enfoca as

diversas formas de interações anteriormente descritas, assim como

outras questões e fenômenos considerados relevantes para se

compreender e explicar a complexidade do cenário internacional”.4

Esta ultima atribuição diz respeito à ciência das relações internacionais que “a

exemplo de outros campos do conhecimento”, como a Ciência Política, a Sociologia

e a Economia, “refere-se a um determinado conjunto de agentes (Estados,

organizações internacionais, organizações não-governamentais, transnacionais, etc.)

instituições e processos específicos”. 5

Ignorando o que aparentemente já está obvio essa gama de contatos e interações de

diversas naturezas na qual envolve tal conjunto de agentes, instituições e processos

específicos, pode ser considerada de maneira mais simplista de “questões

transnacionais”. Portanto, são as “questões transnacionais” que compõem a ampla

agenda internacional, que, por sua vez, é o alvo das ocupações dos estudiosos de

Relações Internacionais.

Entretanto, não temos aqui a pretensão de analisar as relações internacionais em

sua totalidade, dada sua tamanha complexidade, interações e abrangência

mencionadas acima. Fez-se necessário, tão somente, esclarecer para o leitor: o que

se pode entender, ou, o que se pretende explicar quanto ao emprego da expressão

Relações Internacionais dentro de diferentes contextos ou abordagem.

É recente consolidação das relações internacionais como Ciência Social. Muito

embora traços na história da humanidade apontarem que desde a antiguidade existia

preocupação com o fundamento político de uma ordem social pacífica no mundo,6 o

estudo das Relações Internacionais é relativamente recente se comparado a outros

campos das Ciências Sociais.7

4

Numa perspectiva histórica dos fatos antecedentes a política internacional e sua

teoria, Marcus Faro de Castro8 argumenta que o estudo acadêmico das relações

internacionais ganhou corpo e identidade própria somente no século XX, a partir do

período entre guerras, com o desenvolvimento da Teoria das Relações

Internacionais (TRI).

Podemos admitir desse modo que o surgimento dessa ciência, tem em sua origem

as preocupações, cada uma a seu tempo, de como se estabelecer os modos de

interação das diferentes sociedades ao longo dos séculos. Isso significar dizer que

tais interações geravam e geram situações conflituosas ou de cooperação dados os

interesses particulares de cada parte. Assim, será importante entendermos aqui

como ao longo de alguns séculos se organizava as interações entre diferentes

sociedades.

3. Precedentes Históricos das Teorias das Relações Internacionais: o Direito das Gentes e o Direito Internacional

Na história da civilização ocidental se observa que as relações entre comunidades

distintas, envolvendo o uso da força, existem desde os primórdios entre os diferentes

povos e estão nas origens política e econômica da sociedade moderna.

Entretanto, referente às relações entre comunidades distintas tem-se que “até o

século XVII não havia um sistema de entidades políticas (estados) exercendo

autoridade suprema sobre territórios e detentoras do monopólio sobre assuntos de

guerra, o exercício da diplomacia e a celebração de tratados”9.

Anterior ao surgimento do Estado nacional, em diferentes épocas as unidades

governamentais existiam sob forma de comunas, cidades-Estados e feudos, ao

5

passo que “as unidades econômicas formaram nesta ordem: a família, o feudo, a

comunidade da vila, a cidade e liga das cidades”10.

A política até então se estruturava por meios totalmente independentes do território

tais como laço sangüíneo e comunhão de valores religiosos ao passo que na Idade

Média a presença de uma comunidade em um dado território não representava a

existência de uma autoridade exercida sobre uma área geograficamente circunscrita,

ou mesmo destingüia as dimensões entre autoridade interna e externa ou entre o

público e o privado. Nesse sentido Spruyt pondera:

“Ocupantes de um território espacial específico estavam sujeitos a um a multiplicidade de autoridades superiores. Dada esta lógica ou organização, é impossível distinguir entre atores conduzindo relações internacionais daqueles envolvidos na política domésticas operando sob forma hierárquica. Bispos reis, senhores feudais e cidades assinam tratados e faziam guerra. Não havia um ator ainda com sobre os meios de coerção pela força. A distinção entre atores privados e públicos estava ainda por ser articulada.” 11

Assim as relações entre imperadores, papas, reis, barões, cidades e outros agentes

das diferentes comunidades embora aparentassem, não caracterizavam relações

‘internacionais’ no sentido moderno, pois elas não se davam entre estados

soberanos territoriais, se tratava apenas de relações entre pessoas e instituições.

Com efeito, o que antecedeu ao estudo das Relações internacionais – como

disciplina orientada para determinar o fundamento político das relações entre

pessoas de comunidades distintas – foi o “direto das gentes” (jus gentium).

Os relacionamentos entre os povos, desde a Roma antiga e até o século XVII eram

estabelecidos a partir “direito das gentes” ou “direito das nações” que se desenvolveu

neste mesmo período, e se constituía em um conjunto de práticas e métodos

intelectuais que se ocupou em gerar materiais constitutivos do exercício da

autoridade referente a tais relações.

6

Conforme Castro12, em Roma o chamado jus civile (direito civil) aplicava-se somente

aos romanos, e não a estrangeiros. Na medida em que o Império Romano expandiu

comercial e geograficamente entrou em questão os problemas em solucionar

disputas entre estrangeiros e entre estes e cidadão romanos.

Com finalidade de estabelecer parâmetros de mediação nas regiões sob o auspício

de Roma, em 242 a.C. foi instituído o praetor peregrinus, que em sua atuação

lançava mão de partes do direito romano misturado com normas estrangeiras

(principalmente gregas), sendo essa fusão baseada nos princípios de eqüidade.

Esse modelo ficou conhecido como jus gentium ou direito das gentes, pois, em todo

esse período, em que “o direito romano que é apropriado e adaptado, e que se torna

dominante, adquire caráter universalista, de vocação ‘supranacional’ e associado a

valores cristãos, sendo aplicável a toda cristandade”13, esteve voltado tão somente

para relações entre pessoas, uma vez que não se tratava ainda de relações entre

estados soberanos.

A partir do direito das gentes se desenvolveu materiais normativos que regulavam

os relacionamentos estabelecidos entre os distintos povos e sociedades tais como o

uso da força, as relações comerciais, entre outros. A respeito do uso da força, Castro

salienta que tais normas:

“...tratavam das formas de violências legitima e ilegítima; da isenção da violência (formas de iniciar guerras, casos de guerra justa, técnicas de combate, isenção de estrangeiros políticos ou comerciantes com relação à violência, prisioneiros de guerra, etc.); das delegações de autoridade para a conquista e dominação (autorizações papais); dos procedimentos para o estabelecimento de isenções da violência (formas dos tratados, juramentos, etc.); e de procedimentos arbitrais (negociação de isenções da violência).”14

Outros mais, Holzgrefe acrescenta que:

“O direito mercantil e marítimo medieval, por exemplo, regulava o comportamento de mercadores marítimos individuais, enquanto

7

costumes feudais relativos ao desafio formal, ao tratamento de arautos e prisioneiros, à captura e resgate de reféns, à intimação de cidades e à observação de tréguas aplicavam-se a cavaleiros individuais. O direito eclesiástico sobre a santidade dos contratos, a imunidade de agentes diplomáticos, a proibição de armas perigosas, o tratamento de prisioneiros cristãos, a guerra justa e a ‘trégua de Deus’ aplicava-se a cristãos individuais. As normas baseadas nos preceitos do direito romano aplicavam-se aos membros individuais das comunidades que as aceitavam.”15

Dentro dessa de organização social não era possível a existência das organizações

internacionais pelo fato da sua existência pressupor um acordo entre Estados iguais

dispostos a renunciar a alguns de seus diretos em prol da organização. E isso,

segundo Araújo, “era impossível naquela época em que as guerras de conquista se

sucediam e impérios se formavam e desapareciam na voragem do tempo e ao

entrechoque das ambições”16

Já nos séculos XVI e XVII começa a tomar corpo uma nova configuração institucional

resultado de dinâmicas políticas e econômicas estabelecidas entre grupos sociais na

Europa a partir do renascimento do comércio no século XI, e da competição política e

econômica que desde então se estabelece entre diversas possíveis trajetórias de

desenvolvimento institucional, tais como ligas urbanas, as cidades-estados e os

estados soberanos.

Dessa competição política e econômica das tendências de desenvolvimento

institucional, consolidou-se a organização em torno de governos capazes de garantir

a vida dos indivíduos, de uma forma específica: a do Estado territorial soberano

como responsável por organizar, regular e constituir a vida social entre o conjunto de

instituições (sociedade) que habitasse determinado território, sendo parte de uma

mesma nação.

A política agora passa a ser determinada pelo território e institucionalizada de forma

a ser possível distinguir entre direito interno às unidades políticas em que os

8

príncipes adquiriram autonomia política para adotar leis, princípios religiosos,etc.; e o

direito vigente entre unidades políticas distintas.

A exemplo disso “Francisco Suárez (1548-1617) já distingue entre dois significados

de jus gentium: (a) o direito que as diversas cidades ou reinos (civitates vel regna)

observam em si mesmo (intra se); e (b) o direito que todos os povos e nações

observam em suas relações recíprocas (inter se)”17.

Na segunda metade do século XVII, com a chamada paz de Westphalia, portanto, o

direito das gentes se modifica para atender as novas realidades correspondentes ao

surgimento dos estados territoriais soberanos, e assume a condição de direito

internacional.

A paz de Westphalia é resultado de um conjunto de tratados diplomáticos firmados

em 1648 entre as principais potências européias, que colocaram fim à Guerra dos

Trinta Anos (1618-48). Esta última consistiu num conflito generalizado entre os

paises europeus (católicos vs. protestantes) no qual razões de ordem religiosas se

misturavam com motivações políticas.

Nas palavras de Vizentin:

“As potências católicas, especialmente a Espanha e a Áustria, governadas pela dinastia Habsburgo, apoiavam o Sacro Império (também pertencente à dinastia) e tentavam estabelecer uma hegemonia na Europa, criando um Império Supranacional. De outro lado, as potências protestantes escandinavas apoiavam as cidades comerciais e principados protestantes. Na iminência da vitória do campo católico, a França, também católica mas ferrenha inimiga dos Habsburgos, entrou no conflito em apoio aos protestantes, salvando-os” 18.

Como resultado, os tratados assinados em Westphalia legitimaram o statu quo

anterior ao conflito, reconhecendo ainda uma sociedade de Estados fundada no

princípio da soberania territorial em que todas as formas de governo passaram a ser

9

legitimas; a não intervenção em assuntos internos dos demais respeitando o

princípio de tolerância e liberdade religiosa escolhida pelo príncipe (cuius régio, eius

religio : quem tem a região tem a religião); e a independência dos Estados,

detentores de diretos jurídicos iguais a ser respeitados pelos demais membros uma

vez que, partes com direitos iguais não têm capacidade para julgar seus

semelhantes.

O modelo estabelecido em Westphalia, como se vê, estabeleceu condições de

autonomia ao Estados sem, no entanto, criar obrigações mútuas entre eles, o que

motivou, a partir de então, preocupações no sentido de gerar “estruturas de

cooperação internacional capazes de constituir a base de processos políticos

mundiais para se atingir a paz duradoura: chamados projetos de paz perpétua”19.

Entre os projetos mais conhecidos está o de abbé de Saint-Pierre (1658-1743) que

afirmava apenas acordos firmados entre os Estados não seriam capazes de

estabelecer a paz. Para isso era necessário que os Estados se unissem em uma

confederação, cujo órgão principal seria em Senado formado por representantes de

todos os Estados. Os conflitos seriam solucionados pela arbitragem e sua decisão

deveria ser acatada pelos envolvidos sem recorrerem à guerra, pois estariam sujeitos

a sanções decretadas pela organização, que para este fim possuiria um exército

próprio.

A política internacional, apoiada sobre um direito internacional adaptado do jus

gentium, agora balizava os relacionamentos interestatais e, por conseguinte

possibilitou que um conjunto de práticas diplomáticas “governado por um consenso

das elites aristocráticas européias, em cujas mãos haviam permanecido os assuntos

de política internacional, e, portanto as decisões e sobre os objetivos e

oportunidades do uso da capacidade militar e diplomática das grandes potências”20

resultasse no que ficou conhecido como “concerto europeu” que pressupunha a

“igualdade” entre estados cooperando sob o direito internacional.

10

O instrumento principal dessa aparente solidariedade política entre os Estado

soberanos se dava pela noção de “equilíbrio de poder” ou “balança de poder”

regendo as relações internacionais com objetivo de manter a co-relação de forças

históricas entre as potências européias observando a possibilidade de um ou outro

Estado se reforçar mais rapidamente ou mesmo fazer anexações territoriais,

causando, assim, uma percepção de instabilidade de poder aos demais.

A política tal como se estabelecia refletia os aspectos descritos por pensadores como

Maquiavel (1469-1527) e Hobbes (1588-1679). O primeiro é realista e pragmático ao

relatar o caos e a instabilidade política então existentes nos conflitos entre as

diferentes cidades-estados da Itália, apontando para as questões sobre poder,

balança de poder, formação de alianças, mas sobretudo para segurança nacional

razão pela qual o Príncipe poderia perder seu estado caso não se preocupasse com

as forças e ameaças interna e externa. O ápice de suas teses está na defesa do uso

de quaisquer recursos ou métodos afim de que sejam preservados os interesses e a

segurança do Estado.

O segundo, não menos pessimista com relação à natureza humana, em seu livro

Leviatã, deixa transparecer que na ausência de uma autoridade central haveria uma

situação permanente de guerra em que todos lutariam contra todos num estado de

anarquia total, em que, seriam inevitáveis a suspeita, a desconfiança, o conflito e

guerra.

Nesse sentido a característica essencial da política internacional do “modelo

westphaliano”, do período que se compreende da segunda metade do século XVII

até o início do século XX, pode-se atribuir a “um programa selvagem de exploração

colonial e formação de alianças secretas e acirradas rivalidades, num complexo jogo

de interesses políticos e econômicos, freqüentemente destrutivo das sociedades

colonizadas e instigador de tensões políticas entre os países europeus”21.

11

Mesmo gozando de uma relativa paz durante nesse período, a forma institucional da

política internacional eminentemente moderna apoiada no direito internacional, que

fora obtida a partir de Westphalia, não foi capaz de evitar a eclosão da Primeira

Guerra Mundial em 1914.

O desastre da Primeira Grande Guerra Mundial, o conflito mais destruidor até a

época, esboçou mudanças na condução da política internacional. Um conjunto de

propostas para adoção de várias iniciativas e medidas cooperativas, destinadas a

prevenir a guerra e manter a paz, que foram apresentadas em 1918 pelo então

presidente americano Woodrom Wilson.

O conjunto de proposta de Wilson emerge como uma provável saída para as

conflituosas e obscuras relações dos países europeus, quando tenta estabelecer

novas bases para política internacional em busca de mundo ideal. Nascia ali o

idealismo, que mais tarde viria a compor o primeiro grande debate das relações

internacionais como campo científico, cabendo neste momento, portanto, somente

mencionar a sua importância para a evolução das Relações Internacionais.

3.1. O Mundo do século XX e a Teorias das Relações Internacionais O século XX foi marcado pelas duas maiores conflagrações mundiais, pelo conflito

ideológico (capitalismo x socialismos), por revoluções e crises de todas as ordens,

pela extraordinária expansão econômica, por profundas transformações sociais, por

impérios e hegemonias, entre outros relevantes acontecimentos como o vultuoso

desenvolvimento tecnológico percebido desde a I Guerra Mundial, que somado ao

encurtamento das distâncias22, abriu as portas para uma crescente

transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais que

ocorreram no mundo e acabou por tornar indefinidas as fronteiras das políticas

interna e externa dos Estados.

12

Esses acontecimentos, cada um a seu tempo, começaram a imprimir, já a partir da

primeira Guerra Mundial, uma nova configuração ao sistema internacional que fora

moldado no século XVII. Mas o século XX é também marcado pela evolução da

Teoria das Relações Internacionais que se ocupa em analisar com mais clareza esse

emaranhado conjunto de relações que se processa no mundo atual.

O conhecimento acumulado das relações internacionais até o início do século XX,

deu sustentação para que novas proposições, agora com um caráter científico,

fossem elaboradas na medida que a política internacional dava rumos ao mundo

mediante a velhos e novos acontecimentos, e se exigia, portanto, explicações mais

consistentes da realidade.

A Teoria das Relações Internacionais se consolida tendo a política internacional

como objeto de estudo. A política internacional, por sua vez, se caracteriza assim,

num conjunto de práticas, freqüentemente envolvendo o uso da força efetiva ou

ameaçada, através das quais os Estados se relacionam.

A Teoria das Relações Internacionais então, na definição de Castro, caracteriza-se

em agrupar as proposições pela qual os Estados regulam tais práticas.

Relativamente ao que podemos considerar política internacional através da história,

Castro acrescenta que:

“...é preciso considerar que esta expressão se refere a uma forma

específica de institucionalização da política, que se tornou

preponderante a partir do século XVII na Europa, propagando-se para

praticamente todo o mundo subseqüentemente, e que hoje passa por

transformações importantes”23.

Guimarães observa que, em sua fase inicial, os estudos acadêmicos de Teoria das

Relações Internacionais se ocupavam em questões de “natureza substantiva, como

diplomacia, política do poder ou problemas da paz e da guerra, alianças e

13

intervenções militar, e refletiam freqüentemente preocupações prescritivas ou

normativas” 24.

Contudo, a sofisticação teórica e metodológica que se foi empreendendo na

construção dos estudos permitiu a apreciação de problemas mais analíticos, assim

como, das relações entre dois ou mais fenômenos de ordens diferentes, tais como:

relação entre poder e segurança, entre poder econômico e militar, entre

organizações internacionais e estratégias de governos, entre outros.

Como resultado desta evolução acadêmica, podemos perceber a definição de

algumas sub-áreas de estudo dentro das Relações Internacionais, como por

exemplo: a política externa dos Estados, a economia política internacional, a

segurança internacional, a proliferação e controle de armamentos, os regimes e

organizações internacionais, a integração regional, entre outros.

De modo mais abrangente é perceptível que essas questões, agora compondo de

forma segmentada à Agenda internacional, extrapolam, transcendem o âmbito

interno e mesmo o controle de um único Estado. Nesse sentido, Guimarães pondera

que para essas questões.

“...o estudo e tratamento exigem cooperação internacional e

freqüentemente multidisciplinar, como é o caso do narcotráfico, da

poluição e degradação do meio-ambiente, questões amplamente

debatidas na Rio –92, dos direitos humanos, objetos da Convenção

de Viena de 1993, do papel da mulher (ou questão do gênero) no

novo cenário internacional, debatido em Pequim em 1994, dos

problemas relacionados com a população, examinados no Cairo em

1995, da questão da habitação, analisada em Copenhague em

1996, e outros”25

Contudo, somente o conjunto agentes e as questões que compõem a estrutura do

estudo de Relações Internacionais até aqui abordados, não dão conta de explicar a

14

evolução das Teorias das Relações Internacionais. É necessário considerar também

que a análise do conjunto agentes e suas interações se processam por meios de

teorias.

Teorias, no pensar de Rocha, resultam dos esforços intelectuais em produzir

interpretações científicas da realidade a partir da reflexão sistemática sobre agentes

e processos no contexto das relações internacionais.

Considerando a complexidade inerente ao sistema internacional, nenhuma teoria,

individualmente, interpreta de forma cabal a realidade internacional, podendo,

portanto, serem consideradas “imperfeitas no sentido de que raramente são

consideradas, mesmo por seus autores, feitas, completas e acabadas”26.

Na medida em que reforça um entendimento óbvio, nem por isso às vezes lembrado,

de que as “teorias são construções humanas”, Rocha pontua que o exercício mental

de analistas para produzir conhecimento sobre um mesmo fenômeno observável na

realidade internacional, acabou por engedrar diferentes discursos teóricos no campo

de estudo das Relações Internacionais.

Dito isso, podemos acrescentar que o campo de estudo das Relações Internacionais

se caracteriza por um pluralismo teórico, o que significa dizer, que este, aceita a

coexistência de vários discursos teóricos nem sempre antagônicos, mas em sua

grande maioria complementares, nos permitindo assim, conferir análises mais

inteligíveis da realidade internacional.

4. A cooperação e as organizações internacionais a luz de alguns dos principais Discursos no Campo das Relações Internacionais Como abordado anteriormente, o pluralismo teórico inerente Relações Internacionais

possibilitou, desde a sua consolidação como campo de estudo, o desenvolvimento

15

de diferentes estudos e interpretações da realidade internacional, dada à percepção

dos fatos para cada analista e a dinâmica das relações entre os agentes.

Mas não vamos discutir aqui a validade lógica dos muitos discursos dos quais

analistas, desde da primeira metade do século passado, lançaram mão para conferir

sentido a realidade. Desse modo, nos ateremos aqui tão somente a identificar a

visão de cooperação e organizações internacionais, a partir do prisma de dois

importantes debates das Teorias das Relações Internacionais: idealismo e realismo e

realismo e interdependência.

4.1. A visão da cooperação e as organizações internacionais nos prismas Idealista e Realista O resultado destruidor da Primeira Guerra Mundial como o número de vitimas civis e

militares, o nível de violência e a extensão do conflito impulsionaram o

desenvolvimento das Relações Internacionais como campo de estudo científico a

partir de uma percepção de um mundo ideal da qual se pretendeu pautar as relações

internacionais desde então, percepção esta que ficou denominada de idealismo.

Os famosos 14 pontos de Wilson, como ficou conhecido, marca o surgimento do

idealismo contemporâneo que vislumbrava a possibilidade de superação do “estado

de natureza” em que se encontravam os Estados - conflito armado e hostilidades - e

a construção de uma nova ordem jurídica internacional através de uma espécie de

pacto social mundial.

Essa nova ordem, segundo a visão idealista, deveria se regimentada por

organizações internacionais capazes de fazer prevalecer os princípios éticos e

preceitos morais refreando assim os nacionalismos exacerbados e a desconfiança

generalizada. Por conseguinte, “assegurar-se-iam a ordem e a paz entre as nações

com a utilização de instrumentos jurídicos para dirimir os conflitos de interesses”27.

16

Em linhas gerais as principais preocupações condensadas nos 14 pontos de Wilson

passavam pela “supressão da diplomacia secreta, liberdade dos mares, limitação dos

armamentos, remoção das barreiras comerciais, reajustamento dos territórios, fim da

exploração colonial e criação de uma Sociedade das Nações”28.

Dando realidade a algumas das idéias veiculadas nos “projetos de paz perpétua” dos

séculos anteriores, foi criada a “Liga das Nações” uma organização política

interestatal permanente a fim de oferecer garantias mútuas de independência

política, integridade territorial e preservação da paz. Nas palavras de Castro29 “a

esperança de Wilson era que a cooperação internacional através do direito

internacional repassado de um moralismo idealista pudesse oferecer os meios pra a

manutenção de uma paz duradoura”.

O idealismo encontra seu momento de maior aceitação no período entre-guerras.

Importantes publicações de autores e estudos contribuíram para o desenvolvimento

inicial da Relações Internacionais como campo de estudos. Identificar as causas da

guerra e buscar caminhos para a paz eram preocupações iniciais que, depois

estiveram voltadas também para questões como os problemas de segurança,

desarmamentos, imperialismo e suas conseqüências, negociação diplomática,

balança de poder, geopolítica, etc30.

Mas os fatos que se sucederam pareciam contradizer as esperanças idealistas. No

entender de Belli31, tem se que “...a história conturbada [da Liga das Nações] não

demonstrou outra coisa senão o triunfo da desconfiança recíproca e dos

nacionalismos exacerbados sobre o idealismo wilsoniano.” Mesmo dominando os

discursos políticos e acadêmicos nesse período, as propostas idealistas não vieram

a se concretizar, sendo a evidência fática disso o novo conflito mundial.

O fracasso eminente do idealismo na política internacional veio com a conflagração

de uma Segunda Guerra Mundial em 1939, esta de proporções ainda maiores que a

17

Primeira. O idealismo perdia ali sua capacidade de persuasão e ficou exposto diante

às críticas de intelectuais realistas que “atingiu o que se considerou o caráter

ingênuo e normativo do idealismo”32, sobretudo a partir do momento em que foi

publicado o livro The Twenty Years´ Crisis, 1919 – 1939, de Edward Carr.

A partir dessa publicação, a visão teórica realista da política internacional ganha

força. A obra de Carr tornou-se a referência e inicia o debate entre idealista e

realista. Conforme ressalta Castro33 é esta obra que emblematiza o começo do

estudo “científico” das Relações Internacionais, marcando assim o início da tradição

da Teoria das Relações Internacionais.

A deflagração da Segunda Guerra Mundial contrapôs o argumento realista às

propostas idealistas de cooperação através de instituições calcadas em princípios

éticos e morais como base do convívio internacional pacífico. O debate entre o

idealismo e realismo ocorreu entre o final da Segunda Guerra Mundial e meado dos

anos 1950.

Observa-se nas raízes remotas do pensamento realista as obras já citadas de

Maquiavel (O Príncipe) e T. Hobbe (Leviatã). No entanto, além de Carr, outros

autores realistas se destacaram e constituem peças fundamentais para a

consolidação do realismo nos anos que se seguiram à guerra como Hans J.

Morgenthau (1904 – 1980) 34.

A visão realista de mundo postula os Estados como os principais agentes do sistema

internacional e a sua interação consistem no mais importante processo em curso nas

relações internacionais, entendendo, por conseguinte, que “todos os outros

processos, assim como o comportamento de todos os outros agentes, são

influenciados, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, pelas relações de

poder existentes entre os Estados soberanos no plano internacional”35.

18

Dessa forma as Organizações Internacionais, no contexto realista, é menor de

importância, em virtude de estarem limitados aos poderes dos Estados e à

supremacia da força militar. O sistema internacional, por sua vez, é entendido como

sendo anárquico e conflitivo em que nenhum Estado reconhece em outro a

capacidade de estabelecer regras e de faze-las cumprir no plano internacional.

Ademais, o processo político era visto como uma luta pelo poder e pelo recorrente

uso da forças.

Nesse sentido, se atribuiu aos Estados um comportamento racional, capaz de

estabelecer uma hierarquia de objetivos coerentemente com os interesses nacionais,

que era segundo essa visão, uma preocupação constantes com a preservação de

sua soberania e de sua segurança em detrimento das relações econômicas, ações

de cooperação.

Dessa maneira, o realismo político compreende as relações internacionais como

sendo determinadas por elementos de segurança e militarização. No entender de

para Castro36 a característica preponderante dessa visão é a justificação do uso da

força, seja como condição inevitável da vida em sociedade, seja como meio de se

atingir a paz no mundo.

Em ascensão, o realismo passa a influenciar formuladores de política externa,

sobretudo os da política externa americana nos anos 50, à medida que segundo

Belli37 “...parecia refletir não uma conjuntura passageira ou um momento de tensão,

mas toda a história da humanidade marcada por conflitos armados e disputas

variadas”.

Embora como se pode verificar que os primeiro pressupostos do realismo (clássicos)

fossem flexibilizado a partir de pesadores com Waltz e depois com Gilpin, ambos

autores de uma linhagem neo-realista38 da década de 70, com o decorrer do tempo,

as características principais da política internacional defendidas pelo realismo –

Estado como agente principal; sistema internacional anárquico; processo político:

19

uma luta pelo poder; o uso sistemático da força como meio de solução de conflito –

começam a serem questionadas, dando margem para que a partir de então, as

relações internacionais fossem analisadas como um conjunto mais complexo de

novos atores e processos.

O realismo se revela realmente frágil quando manifesta uma vaga noção de uma

natureza humana essencialmente egoísta e imutável, que na condição de crença não

se presta à comprovação científica. Nesse sentido, refletindo as características

fundamentais dos dois debates discutidos até aqui, Belli ressalta que:

“Se é verdade que o idealismo enfatizou a possibilidade de

cooperação e a convergência em detrimento da dimensão do

conflito, não é menos verdade que os teóricos realistas clássicos

desprezaram em suas análises a questão da cooperação, deixando

de lado uma dimensão igualmente importante das relações

internacionais” 39.

Além disso, as transformações no cenário internacional do século XX como vimos a

pouco, tornaram inegável a importância das grandes corporações transnacionais

para as economias domésticas e a influência das organizações internacionais de

fórum multilateral e das organizações não-governamentais na política internacional.

Agora, os Estados estavam deixando a condição de únicos e mais importantes

atores da cena internacional e passaram a dividir espaço no cenário internacional

com novos atores.

Da mesma forma, questões de segurança e militarização que encabeçavam a

agenda da política internacional aos poucos foram perdendo lugar na pauta para

questões que ganharam papel de maior elevo no cenário internacional

contemporâneo como relações econômicas, financeiras, sociais e culturais.

20

4.2. A Interdependência: cooperação e organizações internacionais

A teoria da interdependência surge como uma tentativa de dar respostas mais

satisfatórias a uma realidade internacional em acelerado processo de transformação.

Sem descartar a contribuição realista, os precursores da teoria da interdependência

Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, no início dos anos 70, com livro Poder e

Interdependência40, constroem um programa de pesquisa mais abrangente, em que

há espaço para o desenvolvimento de análises que focalizam agentes distintos do

Estado nacional e processos outros, complementares ao problema da segurança,

estabelecendo um contraste com a abordagem realista.

Para essa análise os autores partem do que eles percebiam como transformações

reais da política internacional. Tais transformações, nesse sentido, seriam as

conseqüências de medidas adotadas pela política internacional desde o período

entre guerras. Mesmo antes do fim da Segunda Guerra Mundial, as potências

vencedoras imbuídas de esforços de institucionalização da política internacional

desenvolveram uma rede de organizações internacionais com vistas a promover a

cooperação multilateral em diferentes áreas.

Entre as mais importantes, figurava a Organizações das Nações Unidas (ONU) e

outras a ela relacionada como a FAO, a OIT e OMS e as agências do chamada

“sistema Bretton Woods”, quais sejam: o Fundo Monetário Internacional (FMI) o

Banco Mundial (BIRD) e por fim, também em instância multilateral de cooperação

comercial, o Acordo Geral sobre tarifas Comércio (GATT- General Agreement on

Tariffs and Trade), substituído em 1995 pela Organização Mundial do Comércio41.

Outros complexos acordos foram sendo estabelecidos a partir de então em áreas

específicas de cooperação internacional como parcerias para administração de alta

tecnologia e cooperação para uso de diversos recursos naturais42.

O efeito desse processo se traduziu em um intenso fluxo de conhecimentos e

informações que no entender de Castro43 “passaram em grande parte a balizar e

21

distribuir autoridade e estruturar instâncias de negociação, de maneira a influenciar

extensamente o jogo da política e da economia internacionais”.

Da mesma maneira o gigantesco aumento das transações transfronteiriças (fluxo de

capitais, bens, pessoas, etc.), e a presença de atores não estatais como as

transnacionais, igrejas e organizações não-governamentais (ONGs) participando nos

processos da política e da economia internacionais, também alterava a realidade

internacional.

Desta forma, as sociedades criaram canais múltiplos de contato fazendo com que

alguns importantes processos em curso nas relações internacionais contemporânea

nem sempre passassem pelo controle estatal.

Os pressupostos realistas se revelaram insuficiente para explicar os complexos

eventos que agora dominavam a agenda política internacional contemporânea.

Reconhecendo tal insuficiência do modelo realista, mas não o descartando

totalmente, Keohane e Nye concebem uma agenda internacional aberta, complexa e

composta de uma ampla variedade de objetivos, sem estar no entanto, subordinada

uma hierarquia temática no sentido de que a segurança militar seja vista, a princípio,

como tema mais relevante.

A agenda internacional é considerada aberta por admitir temas de diversas ordens e

interesses; e complexa ao estabelecer conexões variáveis, como por exemplo, entre

questões de segurança nacional e questões econômicas ou tecnológicas e entre

questões de política interna e política externa podendo ocorrer diferentes coalizões

entre, dentro e fora de governos ou instituições.

Observaram também a existência de múltiplos canais de comunicação e influência

entre sociedades cujas interações vão desde a informalidade entre autoridade e

entre atores privados até relações interestatais formais.

22

Desse modo existe a necessidade de analisar o papel desempenhado por outros

agentes, que não o Estado, por os considerarem determinantes em alguns processos

em curso nas relações internacionais, sendo que em determinados casos,

“dependendo da tecnicidade associada às decisões, tais agentes desempenham

papel tão relevante quanto o dos Estados”44

Ao mesmo tempo em que admite uma nova e agenda e novos agentes, a nova teoria

tem por base o ‘conceito de interdependência’ como resultado das transações entre

estes. A interdependência não se refere simplesmente a uma interconexão, mas sim,

a uma “dependência mútua”, ou “uma situação em que atores são afetados, de

formas potencialmente custosas, pelas ações de outros”45.

Dentro dos argumentos de Keohane e Nye, existem duas dimensões da

interdependência: a “sensibilidade” e a “vulnerabilidade” a qual ficam sujeitos

agentes à mudanças entre si. A “sensibilidade” à mudança são os ajustes realizados

em políticas locais, em reflexos de alterações de fatores externo. A “vulnerabilidade”

corresponde a custos impostos por eventos externos na qual estão sujeitos os

agentes mesmo depois de ter alterado políticas.

Isso significa dizer, segundo os autores dessa teoria, que nas relações

interdependentes entre dois ou mais agentes, não necessariamente, resultará em

vantagens a todos os envolvidos, uma vez que nada assegura que as relações

consideradas interdependentes sejam caracterizadas por benefícios mútuos, “isso

dependerá do peso dos atores e também da natureza da relação”46.

Os diferentes agentes não possuem igual capacidade de influenciar a evolução dos

acontecimentos no plano internacional. Desse modo, a interdependência se

caracteriza por ser essencialmente assimétrica à medida que afeta os agentes de

formas diferentes, exatamente por não gozarem, estes, do “mesmo grau de

desenvolvimento socioeconômico e não controlarem os mesmos recursos naturais,

geográficos, financeiros e militares”47.

23

Tais assimetrias geram disputas entre os agentes nos diferentes processos em curso

nas relações internacionais, cujos resultados não são determinados pelo poder

militar e o emprego da força da visão realista, mas pela manipulação dos próprios

fatores de interdependência.

É a partir dessas assimetrias, ou seja, das sensíveis diferenças entre os agentes nas

áreas militar, econômica, industrial, entre outras que Keohane e Nye opõem o

conceito de interdependência ao conceito realista de “poder”, essencialmente

relacionado ao uso da força, ao afirmarem que:

“São ‘assimetrias’ de dependência que mais provavelmente

oferecerão fontes de influência para os atores nas relações que

estabelecem entre si. Atores menos dependentes podem muitas

vezes utilizar as relações de interdependência como uma fonte de

poder na negociação relativa a uma questão e talvez para exercer

influência em outros problemas...Concluímos que um início

promissor nas análises políticas da interdependência internacional

pode ser o de conceber as interdependências assimétricas como

fontes de poder para os atores”48.

O quadro mais complexo de agentes assimétricos e as novas fontes de poder

percebidas pela interdependência fazem com que diferentes agentes sejam capazes

de controlar a evolução e o resultado dos principais processos em curso no plano

das relações internacionais.

Assim, em alguns casos conforme o tema que se estiver negociando, as

organizações internacionais (governamentais ou não), agentes sociais e mesmo

representantes do setor privado terão maior ou menor capacidade de inserir temas

na agenda internacional, interferir na formulação de política exterior dos Estados,

controlar processos, etc. Em outros casos, as decisões mais importantes ficam por

conta dos Estados.

24

Esse quadro fortaleceu a atuação de outros agentes nos processos em cursos no

plano internacional, sobretudo dos Estados mais fracos, e principalmente no âmbito

das organizações internacionais. Para os interdependêntistas as organizações

internacionais estabelecem agendas, induzem a formação de coalizões e funcionam

como facilitadores da ação política dos Estados fracos.

A capacidade para eleger o foro adequado para um problema e para mobiliar votos é

importante resultado político. As regras são negociadas sob a apreciação dos

membros e, no processo de aprovação e implementação destas, os Estados mais

fracos, através de colisões, tentam fazer prevalecer seus objetivos ou mesmo obter

resultados menos custosos.

A teoria da interdependência, por assim dizer, passa então dar melhores explicações

à nova realidade internacional e aos processos nela observado, nutrindo-se da

“valorização das organizações internacionais, de atores privados participantes em

processo de cooperação econômica, técnica ou política e de processos políticos

domésticos, que passaram a ser vistos como relevantes para explicar as mudanças

na política internacional”49.

O estudo dessa teoria não se limita aos argumentos aqui apresentados. Haja vista

que a apreciação desta teoria que valoriza os atores não estatais, instituições

(governamentais ou não), a cooperação entre agentes e uma ampla agenda de

relações internacionais desembocam em uma outra agenda de pesquisa a dos

“regimes internacionais” na qual não nos ocupamos aqui.

25

Considerações Finais

As mudanças na organização social observadas ao longo dos séculos determinou,

dentro de cada contexto histórico, o modo pela qual se processavam as interações

entre diferentes indivíduos, comunidades, cidades e Estados.

As Relações Internacionais, então, tal como a compreendemos hoje é resultado

evolução dessas interações, que aqui foram analisadas, a partir do surgimento do

direito das gentes (jus gentium) que desenvolveu materiais normativos para regular

os relacionamentos estabelecidos entre os distintos povos e sociedades tais como o

uso da força, as relações comerciais, entre outros.

A nova configuração institucional das sociedades, a Estado territorial soberano,

consolidada em Wetphalia tem na política internacional apoiada no direto

internacional a base de suas interações.

Ao analisar as características e o desenvolvimento da política internacional, teóricos

do século XX, concebem interpretações científicas da realidade internacional

emergindo assim um novo campo de estudo das ciências sociais: o da Relações

Internacionais.

Desenvolvido através de proposições teóricas, o campo de estudo das relações

internacionais é marcado pela complexidade inerente ao sistema internacional, ao

passo que, nenhuma teoria, individualmente, interpreta de forma cabal a realidade

internacional. Assim, o exercício mental de analistas para produzir conhecimento

sobre um mesmo fenômeno observável na realidade internacional, acabou por

engedrar diferentes discursos teóricos no campo de estudo das Relações

Internacionais.

Nesse sentido, a realidade internacional é entendida de diferentes maneiras pelos

discursos teóricos, portanto, a possibilidade de cooperação e as organizações

26

internacionais são também interpretadas desse modo. O modelo idealista enfatiza a

possibilidade de uma sociedade perfeita em que a cooperação internacional fundada

no direto e instituição internacional pudessem oferecer meios para a manutenção da

paz duradoura.

A Segunda Guerra Mundial expôs o que o modelo realista considerou de caráter

ingênuo e normativo do Idealismo e ao mesmo tempo ressaltava a anarquia e o

conflito inerente ao sistema internacional. Ainda no modelo realista, a questão central

da política reside na guerra e no uso da força pelos Estado, os únicos atores da

política internacional. Sendo assim, as organizações internacionais, as ações de

cooperação e outras relações, como as econômicas, só são possivelmente

alcançadas, no modelo realista, quando os Estados tiverem com a sua segurança e

soberania preservada.

Sem descartá-lo totalmente, mas opondo-se ao realismo, o modelo da

interdependência observa que no decorrer do século XX a crescente complexidade

das relações internacionais contemporâneas passou a exigir análises que incluíssem

outros agentes e processos, visto a impossibilidade de lhes negar a capacidade de

interferir nos processos em curso nas relações internacionais. Este modelo admite

novos agentes e processos, assim como uma interdependência assimétrica entre

eles, possibilitando que o controle, a evolução e o resultado de processos em curso

no plano internacional possam feitos por agentes diferentes.

Assim sendo, o modelo da interdependência valoriza a atuação de atores não

estatais como organizações internacionais, as ONGs, as empresas transnacionais e

sobretudo a cooperação entre todos eles, inclusive os Estados, dentro de uma ampla

agenda das Relações Internacionais.

Finalmente, convém assinalar que esses e outros diferentes discursos coexistem no

campo das Relações Internacionais, sendo que, em determinado momento um ou

outro discurso explica melhor aquela realidade. Nem sempre são antagônicos, mas

27

em sua grande maioria complementares, permitindo aos analistas, conferirem

análises mais inteligíveis de diferentes aspectos da realidade internacional.

28

29

NOTAS 1 Seitenfus, 1997, p. 21. 2 Guimarães, 2001, p. 9. 3 Id., p. 9. 4 Id. p. 10. 5 Rocha, 2002, p.28. 6 A obra de TÚCIDES (471 – 400 a.C.) A Guerra do Pelopeneso, “é freqüentemente citada como

exemplo de um dos primeiros esforços no sentido de analisar as relações conflituosas entre duas

cidades-nação então poderosas”. Guimarães, 2001, p.20. 7 Castro, 2001, p. 6. 8 Id., cap. 2. 9 Id., p. 7. 10 Dias, 2004, p. 25. 11 Spruyt, 1994, apud Castro, 2001, p. 8. 12 Castro, 2001, p. 9-10. 13 Id., ibid. 14 Id., ibid. 15 Holzgreffe, 1989, apud Castro, 2001, p.10. 16 Araújo, 2002, p.5. 17 Castro, 2001, p.11. 18 Vizentin, 2002 19 Castro, 2001, p. 12. 20 Id. p.13. 21 Id. p.14. 22 “qualquer lugar do mundo, atualmente, está a menos de dois dias de distância de qualquer outro,

por avião a jato, e um míssil teleguiado vence qualquer distância a menos de quarenta minutos”.

Deutsch, 1982, p.10. 23 Castro, 2001, p.10. 24 Guimarães, 2001, p. 10. 25 Id., ibid.. 26 Rocha, 2002, p. 40. 27 Belli, 1994, p.14. 28 Id., ibid. 29 Castro, 2001, p.14. 30 Guimarães, 2001, p. 24. 31 Belli, 1994, p.15. 32 Id. p. 15.

30

33 Castro, 2001, p. 15. 34 Guimarães, 2001, p. 44. 35 Rocha, 2002, p. 266. 36 Castro, 2001, p.16. 37 Belli, 1994, p.17. 38 Para discussão sobre um aperfeiçoamento da abordagem realista, ver Belli, 1994, cap. 1. 39 Belli, 1994, p.18. 40 Keohane & NYE, 1988 [1977] 41 O GATT foi instituído no momento em que o Congresso Americano não ratificou a Carta de Havana

que estabeleceria a Organização Internacional do comércio (ITO). Para uma melhor discussão

sobre o GATT e OMC ver Ramos, 2004 pp.147-178. 42 Castro, 2001, p. 23. 43 Id., ibid. 44 Rocha, 2002, p. 273. 45 Keohane, 1992, p.167. 46 Id., ibid.. 47 Junior, 2001, p. 25. 48 Keohane, Robert O.;NYE, Joseph S,1977 apud Keohane, 1992, p.167. 49 Castro, 2001, p. 24 - 25.

31

Referências Bibliográficas

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ROCHA, Antonio J. R. da. Relações internacionais: teorias e agenda. Brasília:Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2002. 336 p. (Coleção Relações Internacionais) RAMOS, Ronaldo J. S. A estrutura do comércio internacional . In Reinaldo Dias e Waldemar Rodrigues (orgs.), Comercio exterior: teoria e gestão. São Paulo: Atlas, 2004. pp.15-64. SATO, Eiiti., 2003, Conflito e cooperação nas relações internacionais: as organizações internacionais no século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 46, Nº 1, Junho. SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. VIZENTIN, Paulo F. O sistema de westphalia.Disponível em: <http:// educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_75.htm.> Acesso em: 15 jul. 2004.

33

1.Textos complementares

1. A Guerra Fria e seu Fim: Conseqüências para a Teoria das Relações Internacionais (HALLIDAY, Fred. Contexto Internacional no. 1, mês 1-6, ano

1994)

2. Diversificação das relações internacionais e teoria da interdependência. (SANTOS JUNIOR, Raimundo B. Paradigmas das relações internacionais. 2.

ed. rev. Ijuí:Unijuí, 2004. pp.207–254. Coleção relações internacionais e

globalização 1).

3. O Ideário da paz em um mundo conflituoso. (MIYAMOTO,

Shiguenoli.Paradigmas das relações internacionais. 2. ed. rev. Ijuí:Unijuí,

2004. pp.15 – 56. Coleção relações internacionais e globalização 1).

2. Sites relacionados http://www.relnet.com.br

3. Grupos de estudos relacionados

Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC Líder do grupo: Tullo Vigevani

Lattes:http://www.cnpq.br/pls/dwdiretorio2002/p

Relações Internacionais Contemporâneas - Universidade de Brasília - UnB Líder do grupo: Amado Luiz Cervo

Lattes:http://www.cnpq.br/pls/dwdiretorio2002/p

Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e Comparada Líder do grupo: Henrique Altemani de Oliveira

Lattes:http://www.cnpq.br/pls/dwdiretorio2002/p