RELAÇÕES RACIAIS NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO … · na perspectiva da Lei nº 10.639/03 nos...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MARINA GONÇALVES RIBEIRO RELAÇÕES RACIAIS NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO - PNLD/2017: UM OLHAR SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA BELO HORIZONTE, 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MARINA GONÇALVES RIBEIRO

RELAÇÕES RACIAIS NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO

DIDÁTICO - PNLD/2017: UM OLHAR SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE

GEOGRAFIA

BELO HORIZONTE,

2017

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MARINA GONÇALVES RIBEIRO

RELAÇÕES RACIAIS NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO

DIDÁTICO - PNLD/2017: UM OLHAR SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE

GEOGRAFIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da

Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para a

obtenção do título de Licenciado em Geografia, sob a

orientação da Professora Drª. Valéria de Oliveira Ascensão

Roque

Belo Horizonte

2017

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por todas as bênçãos a mim concedidas, por

sua misericórdia e pelos milagres operados em minha vida. Agradeço também a

Nossa Senhora, por sua proteção e intercessão pelos meus pedidos junto ao Pai. A

minha fé me trouxe até aqui, e é principal fonte da minha vitória. Agradeço também

aos meus pais Waldemar e Aparecida, tudo o que sou é fruto da criação e exemplo

de vocês. Cada realização minha tem muito de vocês. Essa conquista é nossa. Te

amo pai! Te amo mãe! Ao meu companheiro Augusto, por todo amor, carinho e

confiança. À minha família, irmão, primos (as), tios (as), minhas avós exemplo de

mulheres guerreiras, como eu os amo e sou grata a vocês por todo o afeto.

Especialmente ao meu primo Alexandre pelo presente de aniversário que mudou a

minha história. À minhas amigas, em especial Débora, Cássia, Aline, Virgínia e

Jennifer. Cada uma surgiu em minha vida em um contexto diferente, e todas vieram

para somar. Obrigada pela amizade, pelas aventuras, e pelos sonhos compartilhados.

À professora Valéria Roque, pelo comprometimento com seus alunos, pelo apoio, e

por aceitar a me orientar nesse estudo. À professora Álida Leal, por me acolher, serei

eternamente grata por sua ajuda. A professora do ensino médio Maria Luisa, pela

bolsa de estudos que me trouxe até aqui, a minha eterna gratidão. À UFMG, pelas

oportunidades e vivências a mim proporcionadas, a trajetória universitária

ressignificou a minha história.

A todos vocês, e a cada um, meu amor e gratidão!

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Epígrafe

“Depois de escalar uma grande montanha se descobre que

existem muitas outras montanhas para escalar”.

Nelson Mandela

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RESUMO

Neste estudo realizamos a análise de livros didáticos de Geografia, destinados aos

estudantes do 7º (sétimo) ano do Ensino Fundamental, pertencentes às duas coleções

mais distribuídas pelo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2017. O objetivo

do estudo foi analisar como é realizada a abordagem da temática das relações raciais

na perspectiva da Lei nº 10.639/03 nos livros didáticos de geografia. Com vistas a

alcançar o objetivo proposto, adotamos a metodologia análise do conteúdo. Como

forma de subsidiar teoricamente nosso estudo, consideramos as discussões entorno

das relações raciais no Brasil e seus reflexos sobre a educação escolar do aluno

negro, além de pesquisas sobre racismo no livro didático, e relações raciais no ensino

de geografia. Consideramos também o papel do PNLD, enquanto política educacional,

e suas ações de combate ao racismo por meio da avaliação dos livros didáticos, bem

como nos Guias e em seus editais. Com este estudo pretendemos contribuir para a

discussão sobre as relações raciais no ensino de geografia e a adoção de uma prática

antirracista na disciplina.

Palavras – chave: Relações Raciais; Livro Didático; Ensino de Geografia

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RESUMEN

En este estudio realizamos el análisis de libros didácticos de Geografía, destinados a

los estudiantes del 7º (séptimo) año de la Enseñanza Fundamental, pertenecientes a

las dos colecciones más distribuidas por el Programa Nacional del Libro Didáctico -

PNLD 2017. El objetivo del estudio fue analizar cómo se realiza el enfoque de la

temática de las relaciones raciales en la perspectiva de la Ley nº 10.639 / 03 en los

libros didácticos de geografía. Con el fin de alcanzar el objetivo propuesto, adoptamos

la metodología de análisis del contenido. Como forma de subsidiar teóricamente

nuestro estudio, consideramos las discusiones entorno de las relaciones raciales en

Brasil y sus reflejos sobre la educación escolar del alumno negro, además de

investigaciones sobre racismo en el libro didáctico, y relaciones raciales en la

enseñanza de geografía. Consideramos también el papel del PNLD, como política

educativa, y sus acciones de combate al racismo por medio de la evaluación de los

libros didácticos, así como en las Guías y en sus edictos. Con este estudio

pretendemos contribuir a la discusión sobre las relaciones raciales en la enseñanza

de geografía y la adopción de una práctica antiracista en la disciplina.

Palabras clave: Relaciones Raciales; Libro Didáctico; Enseñanza de Geografía

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - ÍCONES DE CONSCIÊNCIA E ATITUDE CIDADÃ..... 60

FIGURA 2 - ÍCONES DE CONSCIÊNCIA E ATITUDE CIDADÃ..... 61

FIGURA 3 - ESQUEMA-RESUMO DOS CICLOS ECONÔMICOS

BRASILEIROS............................................................

65

FIGURA 4 - SEÇÃO DEDICADA AOS QUILOMBOLAS................ 66

FIGURA 5 - MULHER NEGRA EM POSIÇÃO DE PRESTÍGIO

SOCIAL......................................................................

67

FIGURA 6 - ÁREA DE ORIGEM DOS AFRO-BRASILEIROS........

71

FIGURA 7 - GRÁFICO DE DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

BRASILEIRA SEGUNDO COR DE PELE..................

73

FIGURA 8 - MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO DAS

COMUNIDADES REMANESCENTES

QUILOMBOLAS NO BRASIL......

74

FIGURA 9 - PROBLEMATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS

NO BRASIL..................................................................

75

FIGURA 10 - GRÁFICO SOBRE A ENTRADA DOS AFRO-

BRASILEIROS NO ENSINO SUPERIOR....................

76

FIGURA 11 - ATIVIDADES PROPOSTAS QUE FOMENTAM A

DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES RACIAIS NO

BRASIL.......................................................................

77

FIGURA 12 - ATIVIDADES PROPOSTAS QUE FOMENTAM A

DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES RACIAIS NO

BRASIL.......................................................................

77

FIGURA 13 - ATIVIDADE PROPOSTA SOBRE RELAÇÕES DE

TRABALHO ANTES DE DEPOIS DA ABOLIÇÃO DA

ESCRAVATURA..........................................................

78

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LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

TABELA 1 - CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS COMUNS.............................. 30

GRÁFICO 1

- INSTITUIÇÕES EM QUE ATUAM OS PROFESSORES AVALIADORES.....................................................................

33

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABNT

- Associação Brasileira de Normas Técnicas

CP/UFMG - Pedagógico das Escola de Educação Básica e

Profissional da UFMG

CPF

- Cadastro de Pessoas Físicas

Caps - Colégios de Aplicação

DOU - Diário Oficial da União

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

LDB - Lei de Diretrizes de Bases da Educação

MEC - Ministério da Educação

PDDE - Programa Dinheiro Direto na Escola

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

SEB/MEC - Secretaria de Educação Básica do MEC

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO – PNLD/2017

GEOGRAFIA ............................................................................................................22

1.1 O Programa Nacional do Livro Didático ..............................................................22

1.2 O PNLD/2017: Dados Gerais ..............................................................................27

1.3 PNLD Geografia 2017..........................................................................................32

1.4 Diversidade étnico-racial e combate ao racismo no Edital do PNLD/2017 .........35

CAPÍTULO 2 – O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA E AS RELAÇÕES

RACIAIS.....................................................................................................................40

2.1 Relações raciais no Brasil e seus reflexos sobre a educação escolar do aluno

negro .........................................................................................................................40

2.2 Relações raciais no livro didático ........................................................................47

2.3 Relações Raciais no ensino de Geografia...........................................................51

CAPITULO 3 - ABORDAGENS DAS RELAÇÕES RACIAIS NO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL..................................58

3.1 Descrição das amostras e análise das obras .....................................................58

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................80

REFERÊNCIAS .........................................................................................................81

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

Ao dar início a minha graduação em Geografia pela Universidade

Federal de Minas Gerais – UFMG, em 2011, acreditava que o curso iria

acrescentar muito em minha vida, mas não fazia ideia do quanto seria.

Não sabia que a forma que eu me enxergava mudaria radicalmente, que

as minhas experiências acadêmicas me permitiriam descobrir e assumir

a minha identidade negra. Embora eu sofresse (e ainda sofra) com as

consequências das perversidades do racismo, não possuía maturidade

para interpretá-las, muito menos consciência sobre as questões étnico-

raciais.

Desde então, venho conquistando oportunidades de atuar como bolsista

em projetos de pesquisa e de extensão universitária, com diferentes grupos e

em distintos lugares. Isto me permitiu o trânsito entre variadas linhas,

metodologias, temáticas de pesquisa e campos de ação. Durante o meu

percurso acadêmico, tive a chance de ser bolsista de iniciação científica por duas

vezes, em dois diferentes projetos e unidades institucionais, entretanto ambos

com a mesma temática: Educação das Relações Étnico-Raciais.

A primeira bolsa de pesquisa a qual fui contemplada teve início em 2013,

no projeto “Práticas pedagógicas e metodologias para a Educação escolar

Quilombola em ambiente rural em Minas Novas no Vale do Jequitinhonha”.

Realizado pelo Laboratório de Geografia Agrária, Agricultura Familiar e Cultura

do Instituto de Geociências da UFMG, Terra & Sociedade. Tal projeto

desenvolvia, junto a professores e estudantes quilombolas, metodologias,

reflexões e práticas pedagógicas coerentes e respeitadoras das matrizes

culturais que constroem a identidade negra em territórios quilombolas.

Participar, por dois anos, deste projeto foi de grande valor para a minha

formação. Nele tive a oportunidade de ter o meu primeiro contato com as

questões raciais no Brasil. Isso depois de toda uma trajetória escolar, que

ocorreu concomitante a primeira década de sanção Lei nº 10.639/03, que diz

sobre a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na

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Educação Básica. No levantamento bibliográfico da pesquisa, tive acesso a

diferentes autores, conceitos e produções, que me ajudaram a me reconhecer e

a me assumir como mulher negra; trazendo a tona tudo o que isto significa

socialmente e despertando o meu interesse e engajamento pela causa negra.

Foi com base nesta experiência que escolhi – dentre as variadas

possibilidades que a ciência geográfica oferece – pesquisar e trabalhar com o

Ensino de Geografia aliado a Educação das Relações Étnico-Raciais. Desde

então, direcionei meus estudos para tal temática e comecei a buscar novas

possibilidades de iniciação científica na área, para compor o meu currículo e me

auxiliar em uma possível seleção para o mestrado.

Em 2017, logo após regressar de uma experiência de 1 ano de

intercâmbio internacional, novamente tive a oportunidade de ser selecionada

para uma bolsa de iniciação científica. Desta vez, no projeto “Educação para as

Relações Étnico-Raciais e a implementação da Lei nº 10.639/03 nos Colégios

de Aplicação do Brasil: o estado do conhecimento a partir das atividades de

ensino, pesquisa e extensão universitária”. Esta pesquisa é realizada pelo grupo

de pesquisa Ciclo Permanente de Estudos e Debates sobre Educação Básica,

do Centro Pedagógico – Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG –

CP/UFMG.

A mesma consiste na elaboração de um “estado da arte” ou “estado do

conhecimento” referente às ações de ensino, pesquisa e extensão universitária

que tematizam a educação das relações étnico-raciais a partir da perspectiva da

Lei nº 10.639/03. O campo da pesquisa consiste nos Colégios de Aplicação

(CAps) vinculados às Universidades Federais do Brasil. Trata-se de uma

pesquisa de caráter bibliográfico, com o desafio de conhecer, mapear e analisar

a produção acadêmica desenvolvida e registrada formalmente por meio de

projetos de pesquisa, extensão e ensino, no período compreendido entre os anos

2003 e 2017, em setores que fazem parte da organização administrativa e

pedagógica dos CAps.

Esta segunda experiência também trouxe consigo grandes contribuições

para a minha formação. É uma pesquisa maior, mais ampla e com uma

diversidade muito grande de sujeitos envolvidos. Buscamos dar visibilidade ao

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panorama nacional das produções dos Colégios de Aplicação, sobre a temática

da Educação das Relações Étnico-Raciais.

Como futura professora da Educação Básica, encaro a experiência de

atuar como bolsista de iniciação científica, em um Colégio de Aplicação, como

enriquecedora. Estas instituições de ensino foram criadas com o objetivo de

formar professores, constituir-se como campo de experimentação e de pesquisa

na Educação Básica, na formação de professores e de profissionais que têm o

ambiente escolar como campo de atuação (MARQUES; BARBOSA;

MAGALHÃES; CARVALHO; 2011). Estas desenvolvem, de forma indissociável,

atividades de ensino, pesquisa e extensão com foco nas inovações pedagógicas

e na formação docente.

Foi somente atuando em pesquisas voltadas para a temática das relações

raciais que eu tive a oportunidade de estudá-las. Acredito que o meu interesse

pela temática foi se intensificando de tal forma que na medida em que

avançavam meus estudos, melhor eu compreendia as coisas que me

incomodavam desde a infância. Sentimentos, comportamentos, atitudes,

situações pelas quais passei ao longo da minha vida que foram impactantes,

mas que eu ainda não conseguia mensurar a força deste impacto em meu eu, e

na construção da minha identidade. Pesquisar o racismo sendo mulher negra é

tanto gratificante quanto sofrido. Por mais que eu tente me afastar para manter

o rigor do método científico, ser pertencente ao grupo socialmente discriminado,

objeto do estudo, me afeta emocionalmente.

Foi também através destas experiências tomei conhecimento da Lei nº

10.639/03 sancionada em 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Atendendo a antigas reivindicações do Movimento Negro Brasileiro, que sempre

tratou a educação como um importante instrumento para a promoção das

demandas do povo negro e combate às desigualdades raciais e sociais.

A Lei nº 10.639/03 altera dispositivos da Lei no 9.394/96, Lei de Diretrizes

de Bases da Educação – LDB, estabelecendo a obrigatoriedade da inclusão da

temática História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo oficial da Rede

de Ensino. E ainda inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia

da consciência negra” (BRASIL, 2003). Embora a referida Legislação, em seu

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texto, dê ênfase para as áreas de Educação Artística e de Literatura e História

Brasileiras, ela é bem definida quanto ao fato de que a obrigatoriedade cabe a

todo o currículo escolar.

A referida Legislação foi regulamentada pelo Parecer CNE/CP 003/2004,

aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, instituindo as Diretrizes

Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem seguidas pelos

estabelecimentos de ensino.

É de grande valia poder contar com o apoio de políticas públicas de

Estado, e instrumentos Legais que visam garantir o direito a discentes negros e

não negros, a uma educação que valorize as contribuições dos diferentes povos

para a sociedade. Contudo, para que a sociedade possa realmente colher os

frutos dessa educação, é preciso mais do que uma legislação para que este

direito se efetive. É preciso implantá-la. E implantar a legislação significa uma

mudança de postura do professor; dos gestores do sistema de ensino; das

escolas e das Instituições de Ensino Superior. É preciso também uma

fiscalização e, caso não o façam, estes devem ser cobrados pela comunidade,

pelos movimentos sociais, pelo Ministério Público e pelo próprio Ministério da

Educação.

Também é necessário que se invista na formação inicial e continuada de

professores, onde se pode buscar alternativas e novas metodologias que

promovam a implementação da Lei nº 10.639/03 nas salas de aula (PEREIRA, e

CUNHA Jr, 2012.), pois a existência do instrumento legal, desvinculado do

processo formador dos diferentes sujeitos responsáveis pela condução do

trabalho pedagógico, pode influenciar sobre a sua real efetividade.

O professor é um ser social, e como tal, não está isento da influência de

preconceitos e padrões construídos socialmente. Sendo assim, o preconceito

que pode vir a estar introjetado na mente do professor, aliado ás fragilidades

formativas profissionais no tocante a lida com a diversidade encontrada em seu

ambiente profissional; somado ao conteúdo preconceituoso dos livros e

materiais didáticos e aos preconceitos também expressados pelos alunos de

diferentes ascendências étnico-raciais; sociais e outras desestimulam o aluno

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negro e prejudicam seu aprendizado (MUNANGA, 2005, p.16). Com base nessa

reflexão de Munanga, é possível identificar três dimensões fundamentais para a

compreensão de como o racismo e o preconceito se manifestam e se perpetuam

no ambiente escolar, bem como seu impacto no rendimento escolar do aluno

negro.

A primeira delas diz respeito ao professor. O pouco preparo dos

profissionais da educação e consequentemente da escola para o trato com a

educação das relações étnico-raciais pode ser considerado um reflexo do mito

da democracia racial brasileira. A escola reproduz um discurso baseado na

igualdade dos seus alunos silenciando-se perante a cultura negra e as dinâmicas

das relações sociais, um silêncio que corresponde à inexistência de abordagens

sobre tais assuntos. A partir do discurso da igualdade, os agentes pedagógicos,

por falta de preparo ou por preconceitos neles introjetados, fixam mecanismos

de poder que estabelecem um modelo de sociedade e punem todos aqueles que

dele desviam, excluindo a particularidade cultural do segmento negro da

população brasileira, com base em um ritual que se legitima na escola não por

aquilo que é dito, mas por tudo aquilo que se silencia (ABRAMOWICZ,

OLIVEIRA, RODRIGUES, 2010, p. 85).

Segundo Munanga (2005, p.15), professores e educadores brasileiros não

receberam na sua educação e formação de cidadãos o preparo necessário para

lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as

manifestações de discriminação que dela resultam e que são colocadas dia após

dia em sua vida profissional.

A publicação “Orientações e Ações para a Educação das Relações

Étnico-Raciais”, realizada pelo Ministério da Educação, em 2006, reconhece que

a maioria dos profissionais que atuam, ou atuaram, nas Instituições de Ensino

Superior, especialmente em licenciaturas e cursos de pedagogia, realizaram a

sua formação em um contexto histórico e ideológico no qual perpassava a forma

excludente de se viver e pensar a sociedade brasileira. A escola que formou os

profissionais da educação que contemporaneamente atuam se fundamentou

numa perspectiva curricular eurocêntrica, excludente e preconceituosa (BRASIL,

2006, p.127).

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A segunda seria a dos discentes, que já chegam à escola com

preconceitos anteriormente absorvidos ora em seu ambiente familiar, ora em

outras instituições sociais das quais fazem parte, e expressam tais preconceitos

e atitudes discriminatórias no ambiente escolar. É preciso capacitar o professor

e demais profissionais escolares para que estes saibam como se portar diante

de situações flagrantes de racismo, preconceito e discriminação por parte dos

alunos, reeducando-os para as relações entre diferentes grupos étnico-raciais.

A terceira dimensão se dá pelos livros didáticos e materiais de apoio

pedagógico. Os livros didáticos distribuídos pelo Programa Nacional do Livro

Didático – PNLD – às escolas da rede pública de ensino passem por uma

criteriosa avaliação, a fim de se excluir livros que tragam formas explicitas de

racismo e qualquer tipo de discriminação étnico-racial, de gênero ou de credo,

assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos

humanos.

Contudo, pesquisas constatam que ainda se mantém o cenário da pouca

representatividade de textos e imagens nas quais a população negra se

expressa em situações de relevância histórica, cultural, social e cotidiana. Nos

estudos observa-se que persiste a imagem do negro de modo subalternizado ou

mesmo invisibilizado nos livros didáticos (ver, p. ex., RATTS et al, 2007; SILVA,

2008; RODRIGUES e CARDOSO 2010; SANTOS, 2012). Tal situação pode ser

indicativa de que as estratégias do racismo brasileiro, que são sutis e ardilosas,

tendem a passar despercebidas na visão do avaliador, e que tal critério

eliminatório não consegue alcançar as formas de preconceito implícitas que

possam estar presentes nos conteúdos dos livros didáticos.

Estudos realizados sobre o estado da arte sobre racismo no livro didático

constataram que a produção brasileira de pesquisas sobre livros didáticos em

geral, e sobre racismo em livros didáticos, em especial, é reduzida e incipiente

(ROSEMBERG, BAZILLI E SILVA, 2003 apud Müller 2015).

Contudo, investigações mais recentes como a realizada por Müller (2015)

sobre o estado do conhecimento sobre a imagem do negro no livro didático,

tendo como campo de estudo dissertações de mestrado e teses de doutorado

produzidas entre os anos de 2003 e 2013, apontam que a realização de estudos

sobre a temática se intensificaram após ser sancionada a Lei nº 10.639/03.

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Entendemos que essa intensificação pode ser consequência da inserção da Lei

nº 10.639/03 nos editais do PNLD, cuja inobservância é adotada como critério

de eliminação da obra desde o edital do PNLD 2007.

Em seus achados de pesquisa, Müller (2015) encontrou 41 (quarenta e

um) teses e dissertações relacionadas à imagem do negro no livro didático

realizadas entre 2003 e 2013; sendo que, dessas, 15 (quinze) tratavam

especificamente a imagem do negro no livro didático e, desse grupo, 03 (três)

estavam ligadas a geografia. A autora também conclui em seu estudo que ainda

se mantém a pouca representatividade de textos e imagens da população negra

que se expresse em situações de relevância histórica, cultural, social e cotidiana,

e que persiste a imagem do negro de modo subalternizado ou mesmo

invisibilizado.

Diante da constatação realizada por Müller (2015) do quadro da escassez

de estudos no campo da geografia que tenham como objetivo analisar o

cumprimento da Lei nº 10.639/03 no livro didático, e da denúncia da manutenção

da imagem subalternizada ou invisibilizada do negro nestes materiais. Objetiva-

se, com este estudo, analisar como (e se) é dada a abordagem da temática das

relações raciais na perspectiva da Lei nº 10.639/03 nos livros didáticos de

Geografia destinados aos estudantes do 7º (sétimo) ano do Ensino Fundamental,

distribuídos pelo PNLD 2017. Dentre os objetivos específicos, pretende-se com

os livros didáticos analisados:

Analisar como a população negra é representada dentro dos conceitos e

abordagens realizados sobre a população brasileira;

Analisar se as relações raciais são problematizadas na obra, além das

contribuições do segmento negro da população para a sociedade brasileira,

principalmente nos ciclos econômicos do país;

Analisar as formas de hierarquização racial que podem estar presentes nas

obras.

Com vistas a alcançar os objetivos expostos neste estudo, optou-se por

adotar a metodologia de análise de dados qualitativos denominada análise do

conteúdo. Conforme apresenta Moraes:

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“A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum. ” (MORAES, 1999, p. 2)

Há de se considerar que toda leitura se constitui numa interpretação, não

é possível a realização de uma leitura neutra. Nessa direção compreende-se que

a análise de conteúdo está isenta de imparcialidade. Neste sentido, um mesmo

texto pode apresentar diferentes significados de acordo com as diferentes

perspectivas do leitor, conforme colocam Olabuenaga e Ispizúa (1989):

“(a) o sentido que o autor pretende expressar pode coincidir com o sentido percebido pelo leitor do mesmo; (b) o sentido do texto poderá ser diferente de acordo com cada leitor; (c) um mesmo autor poderá emitir uma mensagem, sendo que diferentes leitores poderão captá-la com sentidosdiferentes; (d) um texto pode expressar um sentido do qual o próprio autor não esteja consciente.”(OLABUENAGA e ISPIZÚA 1989, p.185 apud MORAES, 1999, p.3)

Segundo Moraes (1999), existem muitas formas de realizar pesquisas

utilizando a metodologia da análise do conteúdo, porém historicamente tem-se

definido seis categorias de orientação que levam em consideração os aspectos

intrínsecos da matéria prima desta análise, do contexto a que as pesquisas se

referem e das inferências pretendidas.Tais categorias se baseiam nas seis

questões que caracterizam a comunicação: 1) Quem fala? 2) Para dizer o que?

3) A quem? 4) De que modo? 5) Com que finalidade? 6) Com que resultados?

“ Uma Análise de Conteúdo orientada a “quem fala?”visa a investigar quem emite a mensagem. (...) Neste caso de certo modo, avança-se a hipótese de que a mensagem exprime e representa o emissor. Frente a este objetivo faz-se inferências do texto ao emissor da mensagem. Quando uma pesquisa utilizando análise de conteúdo se dirige à questão para dizer o quê? o estudo se direciona para as características da mensagem propriamente dita, seu valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos. É o que constitui uma análise temática. Os objetivos de uma pesquisa em análise de conteúdo também podem orientar-se “a quem?”se dirige a mensagem. Neste caso a investigação focaliza o receptor, procurando inferir as características deste, a partir do que lê ou ouve. Indicadores e características da mensagem originam inferências sobre quem a recebe. Quando os objetivos da análise de direcionam ao “como?”o pesquisador estará voltado à forma como a comunicação se processa, seus códigos, seu estilo, a estrutura da linguagem e outras características do meio

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pelo qual a mensagem é transmitida. Ao direcionar seu estudo para o “com que finalidade?”o pesquisador se questionará sobre os objetivos de uma dada comunicação, sejam explícitos ou implícitos. Analisar a finalidade é novamente orientar-se para o emissor, mas no sentido de captar as finalidades com que emite uma determinada mensagem, sejam eles manifestos ou ocultos.” (MORAES, 1999, p. 3 - 4).

Considerando a metodologia da análise com abordagem

qualitativa, os livros didáticos serão trabalhados as partir da

compreensão, interpretação e inferência de seus conteúdos, de modo a,

qualitativamente, serem investigados em busca da captação de seus

sentidos simbólicos e não explícitos, considerando a discussão acerca

das relações raciais. Para a realização deste estudo, considerou-se como

fundamental adotar-se as categorias de orientação Pra dizer o que?; De

que modo?; Com que finalidade?

A primeira fase deste estudo se pautou no levantamento e na

realização de revisões bibliográficas com vistas a levantar subsídios

teóricos que embasassem a realização da investigação. Iniciamos com

uma revisão bibliográfica destinada a investigar o Programa Nacional de

Livros Didáticos, seu funcionamento; os editais publicados; os Guias dos

Livros Didáticos publicados e a forma de avaliação das coleções.

Realizamos também uma revisão bibliográfica sobre a legislação de

caráter educacional que rege a educação básica brasileira. Neste

momento, atentou-se para as Leis, decretos, pareceres e resoluções que

ditam especificamente sobre a educação e reeducação das relações

étnico-raciais; e sobre o currículo para o ensino de Geografia.

Finalizamos esta primeira etapa com outra revisão bibliográfica

com base em teses e dissertações de domínio público; livros; artigos e

revistas acadêmicas que abordavam as questões raciais nas escolas

brasileiras; racismo nos livros didáticos; o uso do livro didático, negro e

educação; territorialidades negras; além da criação de um roteiro

avaliativo com questionamentos que auxiliem na análise dos livros

didáticos.

Com base nas informações colhidas na primeira etapa, optamos

por selecionar as duas coleções didáticas de geografia mais distribuídas

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pelo PNLD 2017. Os dados sobre a distribuição das coleções sobre o PNLD 2017

estão dispostos no endereço eletrônico do Fundo Nacional de Desenvolvimento

da Educação – FNDE. A escolha por coleções do PNLD 2017 pautou-se na

disponibilidade de realizar um estudo com o que há de mais recente, acrescido

do fato de que tais obras estão atualmente disponíveis para uso pelos

professores e discentes das escolas públicas brasileiras. Trabalhar com as duas

coleções mais distribuídas pelo PNLD 2017, por sua abrangência, se pressupõe,

que os conteúdos, conceitos, ideias e ideologias nelas representadas estão

sendo as mais difundidas nas salas de aulas brasileiras.

A segunda etapa dedicou-se à seleção do material a ser analisado. A

escolha do universo de amostra e pesquisa deste estudo consistiu na análise de

livros didáticos de geografia do 7º ano do aluno, de ambas as coleções. Focar

nas obras destinadas ao 7º ano nos pareceu positivo para a realização da

análise, pois, embora o edital do PNLD não condicione os conteúdos/temas a

serem propostos nas Coleções, os livros oferecem, em sua maioria, a mesma

sequência de conteúdos presentes na Geografia Escolar há décadas. O Guia do

Livro didático dos anos finais do Ensino Fundamental Geografia PNLD/2017 nos

diz que:

“[...] ainda é comum que as Coleções se estruturem na seguinte sequência: o livro do 6º ano: introdução à Geografia e à Geografia geral, com seus fundamentos humanos e físicos; o livro do 7º ano, Geografia do Brasil e regionalização do território brasileiro; no livro do 8º ano, diálogo com o mundo, porém ainda obedecendo a estrutura regional, focalizando-se nos estudos das Américas; no livro do 9º ano, os demais continentes.” (BRASIL, 2016, p. 35)

Neste sentido nos pareceu mais interessante direcionar nossa análise às

obras da coleção que tivessem maior foco no território brasileiro.

Os procedimentos adotados para a elaboração da análise das obras

escolhidas no presente estudo consistiram na:

a) Elaboração de um roteiro avaliativo pautado nas categorias expostas

por Moraes (1999);

b) Leitura geral de cada uma das obras escolhidas para análise, incluindo

textos, imagens, mapas, gráficos, tabelas e atividades propostas;

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c) Leitura atenta dos textos e das diferentes linguagens, com transcrição

de passagens que justifiquem sua inserção como ponto de análise no

trabalho;

d) Preenchimento do roteiro avaliativo de acordo com a análise feita a

priori;

e) Análise das respostas do roteiro avaliativo juntamente com a

bibliografia utilizada para fins de elaboração das

conclusões/considerações finais do trabalho.

A ideia da elaboração de um roteiro foi embasada em estudos

semelhantes que abordavam temáticas relacionadas à Geografia em livros

didáticos. Santo (2013) realiza um estudo sobre as abordagens da temática

vegetação em livros didáticos de Geografia do ensino fundamental, fazendo uso

de um roteiro avaliativo para nortear a sua pesquisa. Assim como BEM (2010),

que também lança mão da construção de um roteiro avaliativo para atingir os

objetivos de sua pesquisa que trata da Geografia Agrária nos livros didáticos,

com o desafio de fazer uma análise crítica sobre as concepções de Geografia

presentes nos textos que se referem à Reforma Agrária.

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1. O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E O PNLD 2017 –

GEOGRAFIA

Este capítulo tem como objetivo a apresentar como se dá o funcionamento

do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Entender o funcionamento do

programa é de fundamental importância para este estudo, pois nos auxilia na

compreensão do processo avaliativo pelo qual as coleções didáticas passaram.

Trazemos também a compilação dos dados gerais sobre o processo avaliativo e

a distribuição das coleções didáticas aprovadas pelo PLND/2017, evidenciando

as coleções didáticas do componente curricular de Geografia. Realizamos uma

investigação quanto à representação étnico-racial no edital PLND/2017, como

parte da análise sobre os modos como as editoras respondem as legislações

que ditam sobre abordagem da temática diversidade étnico-racial e combate ao

racismo na educação escolar em suas obras.

1.1 O Programa Nacional do Livro Didático - PNLD

O Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – foi oficializado no ano

de 1985, sobre o governo de José Sarney, por meio do Decreto nº 91.542. O

Programa é de responsabilidade do Ministério da Educação - MEC e gerenciado

pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, que é uma:

[...] autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que atua no financiamento das ações suplementares voltadas, principalmente, para o ensino fundamental público ofertado por estados e municípios. Essa autarquia tem importante papel nas políticas federais para a educação, uma vez que tem por objetivo viabilizar aquilo que a Constituição Federal define, em seu artigo 211, como exercício da função supletiva e redistributiva da União em relação às demais esferas governamentais, com o objetivo de garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade do ensino (CRUZ, 2009, p. 23 apud SANTOS, 2012; p.88)

O principal objetivo do programa é a distribuição de livros didáticos aos

estudantes das escolas públicas de ensino fundamental cadastradas no Censo

Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira - INEP.

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A criação do PNLD possibilitou o término da compra dos chamados livros

“descartáveis”. O governo não compraria mais livros didáticos cuja resolução dos

exercícios fosse realizada na própria publicação. A compra então passou a ser

de livros “não consumíveis,” utilizados pelo estudante durante o ano letivo e

devolvido a escola no fim do ano para que possa ser utilizado por outro aluno no

ano seguinte. A utilização dos livros não consumíveis se dá por três anos

consecutivos sendo que, após este período, novas coleções chegam às escolas.

O PNLD também adota a projeção de crescimento de matrículas, criando

uma reserva de livros caso haja aumento de matrículas ou a necessidade de

reposição de obras didáticas. Aos professores, com a criação do programa, foi

garantida a autonomia para a escolha dos livros que utilizam em sala de aula.

Estudos como o de Cassiano (2013) mostram que a distribuição universal

de livros didáticos para todos os alunos de escolas públicas matriculados no

Ensino Fundamental, proposta pelo PNLD “revolucionou o mercado desse tipo

de livro no Brasil, culminando numa distribuição gratuita desses manuais sem

precedentes na história do país”. (CASSIANO, 2013, p. 54). O grande volume de

aquisição pelo Estado de livros consequentemente movimenta elevadas

quantias financeiras atraindo investidores interessados no mercado do livro

didático, interesses estes apoiados pelas orientações do Banco Mundial, que

recomenda que os livros didáticos estejam nas mãos do setor privado.

Conforme Cassiano (2013), temos no século XXI, um quadro onde se

constata grandes grupos editoriais competindo para serem fornecedores do

programa estatal de compra de livros didáticos. Ainda segundo a autora, no

período de 1985 a 1991, das 64 editoras que participaram, não

concomitantemente, dos diferentes editais PNLD, sete delas foram responsáveis

pelo fornecimento de 84% dos livros didáticos, restando os outros 16% para as

57 editoras participantes do processo. No entanto, no período entre 1997 e

1998, houve significativa redução das editoras inscritas no PNLD com a

participação de 25 editoras. Nos anos consecutivos observa-se que o padrão de

redução se repete, sendo que em 2002 foram 19 editoras, em 2003 e 2004

participaram 14 editoras e em 2005 e 2006 houve participação de apenas 13

editoras.

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Nos primeiros anos do PNLD houve uma concentração das compras

governamentais em poucas e grandes editoras, porém, nessa época, ainda

havia, mesmo que reduzido, mercado para as pequenas editoras. Nas duas

décadas seguintes, a concentração aumentou, reduzindo radicalmente o número

de editoras participantes no PNLD, sendo que em 2006 se constata a quase total

ausência de pequenas editoras nesse processo. (CASSIANO, 2013; p. 36).

Esse cenário configura um oligopólio no setor, onde poucos e grandes

grupos disputam entre si o fornecimento dos livros didáticos para o PNLD. Das

64 empresas que disputaram o mercado dos livros didáticos nos primeiros anos

do programa, somente 12 editoras permaneceram, e também houveram casos

de incorporação das menores editoras pelas maiores, além da entrada do Grupo

Positivo.(CASSIANO, 2013; p.36).

Este oligopólio, conforme Garrido (2008 apud Santos 2012) é

consequência do rígido sistema de avaliação e da postura do Estado como

comprador de livros. Ainda segundo Garrido, os grupos empresariais

movimentam capital estrangeiro e seu grande diferencial em relação às antigas

editoras familiares seria o poder de marketing, os recursos disponíveis para

elaborar obras com múltiplos autores (para adequação as exigências do Estado)

e a compra de direitos autorais de obras clássicas.

Segundo Santos (2012), o PNLD possui dez fases características de

execução, e a primeira delas constitui na inscrição das obras pelas editoras

interessadas em participar. O edital que estabelece as normas e critérios para a

inscrição das coleções didáticas é publicado no Diário Oficial da União - DOU–

três anos antes do ano de referência de cada PNLD. Ou seja, o edital do PNLD

2017 foi publicado no DOU em 2014.

A segunda fase é a triagem e avaliação. Segundo Santos (2012), o

Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) realiza a

triagem das obras. Ele é o responsável por verificar se as obras atendem as

exigências técnicas e físicas estabelecidas no edital. No momento seguinte, o de

avaliação, os livros verificados e que se encaixam nos critérios são

encaminhados para a Secretaria de Educação Básica do MEC (SEB/MEC).

Ainda de acordo com o autor, cabe à Secretaria a avaliação pedagógica dos

livros: ela seleciona os especialistas, docentes de cada disciplina, com titulação

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acadêmica de mestres e doutores que, juntos, formam a comissão de avaliação

pedagógica dos livros, para analisar as obras conforme os critérios do edital.

A avaliação do PNLD é realizada utilizando a metodologia do duplo-cego,

onde os livros enviados para os avaliadores não são identificados com títulos,

nomes dos autores ou editoras, e nem mesmo as editoras tem acesso a

identificação dos avaliadores. Embora o PNLD exista desde 1985, a comissão

de avaliação pedagógica dos livros somente foi criada em 1996 (CRUZ, 2009

apud SANTOS 2012; p. 91). O motivo para sua criação foi impedir a

recomendação pelo PNLD de livros didáticos que trouxessem erros conceituais

ou formas de preconceitos (SILVA, 2005; CRUZ, 2009 apud SANTOS 2012; p.

91 ).

A terceira fase do PNLD ocorre no ano anterior ao envio dos livros às

escolas. Ela consiste no envio do Guia do Livro Didático para as escolas

cadastradas no Censo Escolar 2016 e constantes no Censo Escolar 2015, além

da disponibilização do Guia em formato digital no site do FNDE. Para cada

componente curricular contemplado no edital de referência é produzido um Guia

do Livro Didático específico, e também um Guia de apresentação do programa

com a síntese do edital e orientações sobre os processos para a escolha dos

livros. Nos Guias de Livros Didáticos do PNLD 2017 constam as resenhas das

obras aprovadas, os princípios e critérios que nortearam a avaliação pedagógica,

os modelos das fichas de análise e demais informações sobre o processo de

escolha pelas escolas.

O Guia do Livro Didático de Geografia do PNLD 2017 traz informações

sobre os princípios e critérios da avaliação das coleções didáticas, a

caracterização sobre a área da Geografia no PNLD, o que se projeta para o

ensino de Geografia nos anos finais do ensino fundamental, além de informações

sobre a escolha dos avaliadores e as justificativas para tais. Com relação aos

avaliadores, também são apresentados gráficos como forma de ilustrar

quantitativamente o perfil destes. São dispostas no Guia somente as coleções

aprovadas, não havendo nenhuma informação sobre as excluídas do edital.

Resenhas que resumem o perfil das coleções, a descrição como os conteúdos

são organizados e a proposta de cada coleção/livro para o ensino da disciplina

ocupam a maior parte do Guia. Também há espaço para apresentação do

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Manual do Professor além de sugestões do trabalho com as coleções nas salas

de aula.

A quarta fase do PNLD é a escolha feita por cada escola, onde os

professores e diretores são convidados a analisarem o Guia do Livro Didático, e,

com base nas informações contidas neste, realizam a escolha as obras que

melhor atendem às necessidades de seu estabelecimento de ensino. Eles

devem escolher duas opções de cada disciplina.

“Para cada componente curricular, deverão ser escolhidas duas opções, 1ª e 2ª, de editoras diferentes. Quando a 1ª opção for indicada, automaticamente, o sistema preencherá a 2ª opção com “Não desejo receber livros diferentes da 1ª opção”. É importante, então, indicar em 2ª opção a coleção que deseja receber. Caso não seja possível ao FNDE a contratação da editora da 1ª opção, serão distribuídos os livros da 2ª opção. Por esse motivo, a escolha da 2ª opção precisa ser tão cuidadosa quanto a da 1ª.” (BRASIL/MEC, 2016 p.14)

Santos (2012) afirma que a opção dos diretores e professores de escolher

entre duas coleções didáticas de duas editoras distintas ocorre para que o FNDE

possa negociar melhores valores para as obras a serem adquiridas. Porém, a

escolha entre coleções de diferentes editoras não garante que sejam

selecionadas obra de diferentes grupos editoriais. De acordo com Martins, Sales

e Souza (2009 apud Santos, 2012), a negociação entre o FNDE e as editoras se

dá em termos de mercado e não em termos pedagógicos.

A quinta fase consiste no pedido da coleção escolhida pela escola. No

PNLD 2017, a escolha foi realizada somente via internet por meio do sistema

PDDE Interativo. A escola consegue acesso ao sistema por meio da Secretaria

de Educação a qual está vinculada. Por medida de segurança, somente o diretor

da escola pode realizar o registro dos livros escolhidos, já que o acesso ao

sistema está vinculado ao CPF do diretor a fim de evitar fraudes. A escolha do

PNLD 2017 ocorreu diferentemente das outras edições do programa quando a

escolha podia ser realizada via internet, a partir da senha previamente enviada

pelo FNDE às escolas ou por um formulário impresso (carta amarela), que era

encaminhado junto com o Guia enviado pelos Correios.

A sexta fase é a aquisição dos livros escolhidos. Com os dados referentes

às escolhas feitas por cada escola, o FNDE abre a licitação, prevista na Lei nº

8.666/93, para as editoras.

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A sétima fase é a produção dos livros. Conforme Santos (2012) com a

negociação concluída e o contrato firmado entre as editoras e o FNDE, é

informada a quantidade e os locais de entrega das coleções didáticas para as

editoras, que dão início à produção dos livros, supervisionadas por técnicos do

FNDE.

A oitava fase é a análise da qualidade física das obras. Segundo Santos

(2012) ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), parceiro do FNDE, é

delegada a responsabilidade pela coleta de amostras e pelas análises das

características físicas dos livros, de acordo com especificações da Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), normas ISO e manuais de

procedimentos de ensaio pré-elaborados.

A nona fase é a distribuição, feita diretamente pelas editoras às escolas.

A entrega é realizada Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

Conforme Santos (2012) nesse momento, além de técnicos do FNDE também

atuam as secretarias estaduais de educação para acompanhamento do

processo.

A décima e última fase do PNLD ocorre quando os livros didáticos chegam

às escolas. O recebimento ocorre prioritariamente entre os meses de outubro do

ano anterior ao programa de referência e o início do ano letivo. Em áreas rurais,

os livros são entregues para as prefeituras ou secretariais municipais de

educação, que ficam responsáveis pela distribuição nas escolas dessas áreas.

1.2 PNLD/2017: Dados Gerais

No PNLD 2017 foram selecionados livros didáticos destinados a

estudantes e professores dos anos finais do ensino fundamental, 6º ano 9º ano,

para as áreas de Linguagens (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna

(Inglês e Espanhol) e Arte), Ciências da Natureza, Matemática e Ciências

Humanas (História, Geografia).

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O PNLD 2017 aprovou 65 coleções de livros didáticos para os anos finais

do ensino fundamental, de 14 editoras (12 grupos editoriais)1. A Somos

Educação – grupo que engloba as obras editadas pela Ática (7), Saraiva (13) e

Scipione (4) – teve ao todo 24 obras aprovadas; enquanto as editoras Moderna

e SM tiveram nove obras aprovadas cada. A Ftd teve a aprovação de seis títulos

e a Editora do Brasil, cinco. Completam a lista de editoras com obras

selecionadas: Ibep (3), LeYa (3), Positivo (2), AJS (1), Dimensão (1), Macmillan

(1) e Quinteto (1).

O PNLD 2017 beneficiou o total de 26.922.989 estudantes, de 78.001

escolas, com 144.734.355 exemplares. O custo total da compra dos livros

didáticos foi de R$1.246.729.168,56 (BRASIL, 2016). A maior parte destes

exemplares foi destinada a escolas, estudantes e professores do estado de São

Paulo, com 25.880.544 exemplares distribuídos, seguido de Minas Gerais com

14.303.642.

Para o componente curricular de Geografia foram aprovadas 11 coleções

didáticas, a saber: Integralis– Geografia, autores Helio Garcia e Paulo Roberto

Moraes (Ibep); Por Dentro da Geografia, autor Wagner Costa Ribeiro (Saraiva

Educação); Geografia Cidadã, autor Laercio Furquim Jr (Ajs); Projeto Mosaico –

Geografia, autoras Beluce e Valquíria (Editora Scipione); Geografia - Espaço e

Vivencia, autores Andressa Alves , Levon Boligian, Rogério Martinez, Wanessa

Gracia (Saraiva Educação); Vontade de Saber – Geografia, autora Neiva

Torrezani (Ftd); Geografia nos Dias de Hoje, autores Claudio Giardino, Ligia

Ortega, Rosaly Braga Chianca, Virna Carvalho (LeYa); Expedições Geográficas,

autores Melhen Adas e Sergio Adas (Moderna); Projeto Apoema – Geografia,

autores Cláudia Magalhães, Lilian Sourient, Marcos Gonçalves, Roseni Rudek

(Editora do Brasil); Geografia - Homem &Espaço, autores Anselmo Lazaro

Branco, Elian Alabi Lucci (Saraiva Educação); Para Viver Juntos – Geografia,

autores Fábio Bonna Moreirão, Fernando dos Santos Sampaio (SM). As obras

didáticas de geografia mais distribuídas no PNLD 2017 foram: Expedições

Geográficas, com 3.381.582 exemplares; e Vontade de Saber Geografia, com

1.719.260 exemplares.

1 Dados disponíveis no endereço eletrônico do FNDE.

<http://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/biblioteca-na-escola/dados-estatisticos> Acesso em 27/10/2017.

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Cada coleção didática é composta por quatro volumes do livro do

estudante impresso e seus respectivos manuais do professor, podendo ser este

impresso ou impresso e em multimídia. Nas obras de Língua Estrangeira

Moderna (Inglês e Espanhol) e Arte, cada livro impresso está acompanhado de

um CD em áudio.

As obras didáticas dos componentes curriculares de Língua Portuguesa,

Matemática, Ciências da Natureza, História e Geografia e Arte são compostas

de livros reutilizáveis que permanecem, em caráter provisório, com o estudante

durante o ano letivo correspondente, devendo ser devolvido à escola, após este

período, para posterior utilização por outro estudante. Já as obras didáticas do

componente curricular de Língua Estrangeira Moderna (Inglês e Espanhol), são

consumíveis permanecem, em caráter permanente, com o estudante, sendo

desnecessária sua devolução à escola após o fim do período letivo

correspondente.

Conforme explicitado no edital do Programa Nacional do Livro Didático -

EDITAL DE CONVOCAÇÃO 02/2015 – CGPLI PNLD 2017, a avaliação das

obras didáticas iniciou-se em uma triagem que consistiu em consiste na análise

visual dos atributos físicos da obra respeitando-se os requisitos estipulados no

edital. A avaliação se articulou entre critérios comuns a todos os componentes

curriculares participantes, e específicos a cada um deles. A não observância de

tais critérios – comuns e específicos - foi classificada como eliminatória,

implicando na exclusão da obra do PNLD. Os critérios comuns a todos os

componentes foram:

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TABELA 1: CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS COMUNS

Os critérios específicos, cujo não observância configurava na exclusão da

coleção didática do PNLD 2017, para o componente curricular de geografia

foram:

“1. compatibilidade entre a opção teórico-metodológica adotada, os conteúdos geográficos desenvolvidos e o modo como são desenvolvidos, evitando paradoxos de interpretações;

2. articulação das relações espaço-temporais que possibilitem compreender a construção histórica do espaço geográfico e as interações da Sociedade com a Natureza;

3. articulação dos processos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais para a explicação do estágio de desenvolvimento dos povos e países, mantendo-se o direito à diversidade dentro de padrões éticos e de respeito à liberdade de indivíduos e grupos, com isenção de preconceitos, tanto de origem, etnia, gênero, religião, idade ou outras formas de discriminação.

4. discussões e renovações na área, mostrando-se atualizada em relação aos avanços teórico-metodológicos recentes aceitos pela comunidade científica e incorporados à corrente de pensamento que for adotada pela coleção, ressaltando-se que a opção por uma dada corrente não será indicativo de sua qualidade;

5. discussão de diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais de povos e países, sem discriminar ou tratar negativamente os que não seguem o padrão hegemônico de conduta da Sociedade Ocidental, evitando visões distorcidas da realidade e a veiculação de ideologias antropocêntricas e políticas, ou ambas;

6. conceitos vinculados às dimensões de análise que abordam tempo, cultura, sociedade, poder e relações econômicas e

Fonte: BRASIL, 2016. Guia do Livro didático dos anos finais do Ensino Fundamental Geografia PNLD/2017.

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sociais sem omitir qualquer um dos conceitos estruturantes do espaço geográfico: natureza, paisagem, espaço, território, região e lugar;

7. conceitos e informações corretas que permitam a compreensão da formação, do desenvolvimento e da ação dos elementos constituintes do espaço físico, suas formas e suas relações;

8. conceitos e informações corretas que permitam compreender a formação, desenvolvimento e ação dos elementos constituintes do espaço humano, assim como os processos sociais, econômicos, políticos e culturais, suas formas e suas relações;

9. conceitos e informações relacionadas de maneira correta, encaminhando os passos necessários à análise da dimensão geográfica da realidade;

10. temas e conteúdos da geografia econômica sem o objetivo de publicidade, mostrando a necessária diversificação dos produtos apenas para explicar os processos espaciais; 11. atividades que favoreçam a realização de trabalhos de campo, em pelo menos um volume da coleção, estimulando a observação, a investigação, a comparação, a compreensão, a interpretação, a criatividade, a análise e a síntese;

12. leituras complementares de fontes científicas reconhecidas e atualizadas, acompanhadas de referências bibliográficas, nota de rodapé ou outras formas adequadas, que ampliem conceitos e conteúdos e sejam, de fato, coerentes com o texto principal, evitando textos herméticos, mesmo que sejam de pensadores consagrados;

13. linguagem adequada, visando à aprendizagem dos conhecimentos geográficos, ao desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos linguísticos, evitando reducionismos e estereótipos no tratamento das questões sociais e naturais;

14. ilustrações que dialogam com o texto e com exemplos da diversidade étnica da população brasileira e da pluralidade social e cultural do país, não devendo reforçar preconceitos e estereótipos em relação a gênero e a povos de outras nações do mundo;

15. escala adequada de representação dos fenômenos tratados;

16. legendas sintéticas, com cores definidas, evitando o excesso da informação a ser identificada e localizada no mapa, bem como datas, símbolos convencionais e demais créditos necessários para a identificação das fontes utilizadas;

17. orientação para o uso adequado dos pontos cardeais e colaterais, a partir da Rosa dos Ventos colocada ao lado dos mapas e figuras;

18. fontes fidedignas na citação de textos e mapas, evitando utilizar um mapa já conhecido de outro(a) autor(a) sem a citação correta, negando-lhe a autoria e indicando apenas as mesmas fontes que este(a) autor(a) utilizou, sintetizou e citou na sua elaboração.” (BRASIL, 2016)

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As coleções didáticas aprovadas no processo de avaliação foram

divulgadas no Guia de Livros Didáticos do PNLD 2017. Nos Guias de Livros

Didáticos de Geografia constam as resenhas das obras aprovadas realizadas

pelos avaliadores, os princípios e critérios que nortearam a avaliação

pedagógica, os modelos das fichas de análise e demais informações sobre o

processo de escolha das coleções didáticas pelas escolas e docentes.

1.3 PNLD/2017 Geografia

A avaliação das obras didáticas do componente curricular de Geografia

foi realizada sob a responsabilidade da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul – UFRGS. A equipe de professores avaliadores foi formada por professores

mestres e doutores oriundos, no nível de formação, de diversas instituições de

ensino estaduais, federais e municipais. Atuantes na Educação Básica e

Superior, bem como nos Institutos Federais. Conforme o Guia do Livro didático

dos anos finais do Ensino Fundamental Geografia PNLD/2017 tal distribuição

entre diferentes instituições se deu com o propósito de diversificar o grupo de

avaliadores, e evitar uma possível avaliação dos livros limitada por concepções

teóricas ou linhas de pesquisa definidas, além de ampliar o olhar em função das

distintas realidades.

GRÁFICO 1: INSTITUIÇÕES EM QUE ATUAM OS PROFESSORES AVALIADORES

Fonte: BRASIL, 2016.Guia do Livro didático dos anos finais do Ensino Fundamental Geografia PNLD/2017.

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Segundo o mesmo Guia, uma das principais preocupações da

Coordenação Pedagógica desta edição do programa foi contar com a

participação, no processo avaliativo, de professores que atuam na Educação

Básica, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental. Como

justificativa para a participação desses profissionais, partiram do pressuposto de

que são os professores da Educação Básica os que mais conhecem as

demandas vindas dos alunos, as possibilidades de realização de uma atividade

de ensino e a articulação dos conteúdos ao longo do ano. A participação destes

aliou-se a de professores do Ensino Superior, sendo 50% de cada segmento.

Também tiveram cuidado na escolha dos gêneros dos professores

avaliadores das coleções didáticas de Geografia, havendo um equilíbrio entre

homens e mulheres. Este cuidado, conforme o mesmo guia, ocorreu pelo fato de

que nos próprios livros didáticos de Geografia avaliou-se o que se mostra visível

e o que se mostra ausente em relação à participação da mulher e do homem, de

diferentes idades, na construção das relações do espaço geográfico.

A equipe foi composta por avaliadores professores de todas as cinco

regiões do país, com a predominância de avaliadores das regiões sul e nordeste.

Conforme o Guia do Livro didático dos anos finais do Ensino Fundamental

Geografia PNLD/2017, a preocupação em contar com professores avaliadores

de diversas partes do país, se deu pelo fato de que estudantes das escolas

públicas de Educação Básica de todo o país irão receber os livros didáticos,

sendo importante que estes se sintam, de certa forma, contemplados na maneira

como os conteúdos estão disponibilizados, para que sejam entendidos, indepen-

dente do lugar onde estejam sendo trabalhados.

A avaliação das coleções de Livros Didáticos do componente curricular de

Geografia foi realizada de forma coletiva, sob responsabilidade, organização e

orientação da Coordenação Pedagógica. Conforme o Guia, o processo avaliativo

ocorreu em etapas que incluíram uma primeira análise global e identitária pela

coordenação pedagógica e pelos coordenadores adjuntos, lançando um primeiro

olhar sobre as coleções didáticas observando a intencionalidade das escritas, a

organização dos textos e a aplicabilidade dos conceitos; e em seguida a

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realização das análises individuais, utilizando o método duplo-cego, com

acompanhamento dos coordenadores adjuntos.

O principal instrumento desse processo avaliativo foi a Ficha de

Avaliação, que orienta os avaliadores das Coleções. A ficha é elaborada pelo

Ministério da Educação – MEC, conforme os critérios eliminatórios comuns a

todos os componentes curriculares, e específicos a área da Geografia

estabelecidos no EDITAL DE CONVOCAÇÃO 02/2015 – CGPLI PNLD 2017. A

ficha de avaliação também considerou outros conjuntos de elementos

estabelecidos no edital:

“A ficha de avaliação do componente curricular Geografia considerou os conjuntos de elementos fundamentais, também indicados pelo edital, incluindo, a Proposta Pedagógica; a Formação Cidadã; o Manual do Professor; o Manual do Professor Multimídia e o Projeto Gráfico-Editorial da Obra.” (BRASIL, 2016)

Todas as coleções aprovadas e adquiridas pelo PNLD 2017 Geografia

atendem aos critérios contidos no edital, de maneira implícita ou explicita, umas

mais outras menos, conforme afirmado no Guia do Livro didático dos anos finais

do Ensino Fundamental Geografia PNLD/2017.

1.4 Diversidade étnico-racial e combate ao racismo no Edital do PNLD/2017

O edital do PNLD 2017 buscou assegurar, por meio do processo

avaliativo, a seleção de coleções didáticas que dialoguem, em suas propostas

pedagógicas e de maneira geral, com temas que já vem há algum tempo

ocupando espaço nas discussões inerentes ao currículo e a educação escolar,

e na própria sociedade. Tais temas possuem o objetivo de contribuir para a

eliminação de discriminações, racismos e preconceitos, sendo estes das mais

variadas ordens como, por exemplo, étnico- racial, de classe, de gênero,

orientação sexual.

A avaliação das obras didáticas inscritas no PNLD 2017 atende à política

de incentivo à produção e qualificação de materiais didáticos no Brasil, e se

orienta com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental

de nove anos, incentivando a realização de um trabalho pedagógico marcado

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pelo princípio da transversalidade e direcionado pela perspectiva multicultural do

currículo.

O edital também deixa explicita a preocupação com a garantia do

atendimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei nº

9.394, de 1996), no que e refere à abordagem, no decorrer do ensino, dos

princípios de respeito à liberdade e apreço à tolerância, valorização da

experiência extraescolar e vinculação entre a educação escolar e as práticas

sociais.

Segundo o edital, a avaliação das coleções busca garantir a qualidade do

material de apoio pedagógico encaminhado as escolas de Educação Básica,

visando a o incentivo à produção de matérias didáticos pelas editoras cada vez

mais adequados a realidade e as necessidades da educação pública brasileira.

Esta garantia se dá a partir de obras didáticas que veiculem informações

corretas, precisas, adequadas e atualizadas. A obra também deve ser utilizada

como mediador pedagógico, contribuindo para o trabalho do professor com o

auxílio dos demais materiais pedagógicos e educativos. Conforme os princípios

e critérios para a avaliação das obras didáticas:

“Como parte integrante de suas propostas pedagógicas, as obras didáticas devem contribuir efetivamente para a construção de conceitos, posturas frente ao mundo e à realidade, favorecendo, em todos os sentidos, a compreensão de processos sociais, científicos, culturais e ambientais. Nessa perspectiva, elas devem representar a sociedade na qual se inserem, procurando: 1. promover positivamente a imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder, reforçando sua visibilidade e protagonismo social; 2. abordar a temática de gênero, visando à construção de uma sociedade não-sexista, justa e igualitária, inclusive no que diz respeito ao combate à homo e transfobia; 3. proporcionar o debate acerca dos compromissos contemporâneos de superação de toda forma de violência, com especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não-violência contra a mulher; 4. promover a educação e cultura em direitos humanos, afirmando os direitos de crianças e adolescentes, bem como o conhecimento e vivência dos princípios afirmados no Estatuto do Idoso; 5. incentivar a ação pedagógica voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e da cidadania, apoiando práticas pedagógicas democráticas e o exercício do respeito e da tolerância;

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6. promover positivamente a imagem de afrodescendentes e dos povos do campo, considerando sua participação e protagonismo em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder; 7. promover positivamente a cultura e história afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros, dando visibilidade aos seus valores, tradições, organizações, conhecimentos, formas de participação social e saberes sociocientíficos, considerando seus direitos e sua participação em diferentes processos históricos que marcaram a construção do Brasil, valorizando as diferenças culturais em nossa sociedade multicultural; 8. abordar a temática das relações étnico-raciais, do preconceito, da discriminação racial e da violência correlata, visando à construção de uma sociedade antirracista, solidária, justa e igualitária.” (BRASIL, 2015; p.40)

Como instrumento para alcançar tais propósitos na avaliação foram

utilizados critérios comuns e específicos cuja inobservância pelas obras

culminaria na exclusão da coleção didática do PNLD 2017, conforme dito

anteriormente. Dentre estes critérios, há os que se dedicam a contemplação da

diversidade étnico-racial e combate ao racismo nas coleções didáticas. Nos

critérios eliminatórios comuns a todas as áreas este direcionamento está no

detalhamento de três dos seis critérios. O primeiro diz: “Respeito à legislação,

às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino fundamental” (BRASIL,

2015; p.41)

No detalhamento deste primeiro critério, são especificadas as leis às quais

ele se refere. Aqui trazemos, a título de exemplo, as que dizem respeito à

abordagem da temática diversidade étnico-racial e combate ao racismo na

educação escolar, tema do estudo, que são:

“1. Constituição da República Federativa do Brasil. 2. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com as respectivas alterações introduzidas pelas Leis nº 10.639/2003, nº 11.645/2008, nº 11.274/2006 e nº 11.525/2007. Lei nº 10.639/2003 – Altera a Lei n.º9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Lei nº 11.645/2008 – “Altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. 7. Parecer CNE/CP nº 003 de 10/03/2004 – Aborda assunto relativo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 8. Resolução CNE/CP nº 01 de 17/06/2004 - Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

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Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.” (BRASIL, 2015; p.41-42)

O segundo critério é: “Observância de princípios éticos necessários à

construção da cidadania e ao convívio social republicano. ” (BRASIL, 2015; p.41-

42). Conforme o detalhamento deste critério, no que nos interessa sobremaneira

neste estudo, seriam excluídas do PNLD 2017 as obras que:

1. Veicularem estereótipos e preconceitos de condição social,

regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem, religiosa, condição de deficiência, assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos humanos;

O terceiro critério, que na ordem do edital seria o sexto, diz sobre as

ilustrações e imagens contidas nas obras: “Adequação da estrutura editorial e do

projeto gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da coleção” (BRASIL, 2015;

p.44)

Houve a preocupação no edital de não apenas o texto estar isento de

qualquer espécie de preconceito, mas também as representações gráficas, o

que inclui as ilustrações. Quanto às ilustrações, o edital diz, de modo particular,

que elas devem: 3. Reproduzir adequadamente a diversidade étnica da

população brasileira, a pluralidade social e cultural do país; ”. (BRASIL, 2015;

p.44)

Nos critérios específicos para as coleções didáticas do componente

curricular geografia, também se encontra em três dos dezoito critérios a

abordagem da temática étnico-racial nas obras. Estes correspondem aos

critérios 3; 5 e 14 citados anteriormente como critérios específicos cujo não

observância configurava na exclusão da coleção didática do PNLD 2017.

Estudos como o de SANTOS (2012) mostram mudanças nos editais do

PNLD no que tange os critérios de qualificação e eliminatórios que abrangem a

temática étnico-racial, o combate ao preconceito e ao racismo. Ainda segundo

SANTOS (2012) tais critérios vêm aparecendo nos editais com maior importância

e nível de detalhamento, principalmente após a sanção da Lei nº 10.639/03. Tais

mudanças podem ser consideradas como avanços em direção a promoção de

uma educação multicultural, que valorize as diversas contribuições dos

diferentes povos para a formação do País.

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As reivindicações e propostas do Movimento Negro ao longo do século

XX por uma educação que reconhecesse e valorizasse a contribuição dos

africanos e afrodescendentes para a construção da nação brasileira, respeito a

sua história e cultura, também influenciaram na representação da temática

étnico-racial no PNLD. O atendimento a tais reivindicações se reflete em políticas

públicas educacionais implantadas e implementadas visando corresponder às

demandas do segmento negro da população brasileira, como é o caso da

progressiva representação da temática étnico racial PNLD. Compartilhamos do

mesmo pensamento de Santos (2012) quando nos diz que analisar os livros

didáticos de Geografia, distribuídos pelo PNLD, quanto à representação racial,

então, é analisar a efetividade dos editais, isto é, a efetividade das políticas

educacionais específicas no que tange aos livros didáticos.

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2. O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA E AS RELAÇÕES RACIAIS

Neste capítulo falamos sobre as relações raciais no Brasil, e quais são os

impactos do racismo no processo de escolarização do aluno negro. Trazemos

os referenciais teóricos utilizados para a realização da análise, assim como

algumas das pesquisas anteriormente realizadas que abordam a temática das

relações raciais nos livros didáticos e livros didáticos de geografia.

2.1 Relações raciais no Brasil e seus reflexos sobre a educação escolar do

negro

Desde a primeira metade do século XXI, é amplamente difundido e

defendido pelas ciências biológicas que não existem diferenças biológicas

significativas entre humanos de grupos de cor distintas a ponto de se afirmar que

existem raças humanas diferentes (SANTOS, 2012; p.46).

Segundo Gomes (2005; p.45) o Movimento Negro e alguns sociólogos,

quando usam o termo “raça”, não é com o propósito de dizer que existam raças

superiores e inferiores, como originalmente era usada no século XIX. Pelo

contrário, ela é utilizada com uma nova interpretação que se baseia na dimensão

social e política do termo. Ainda segundo a autora, sua utilização se justifica pelo

fato de que a discriminação racial e o racismo presentes na sociedade brasileira

não se dão apenas por aspectos culturais dos diferentes grupos étnico-raciais

que compõe nossa sociedade, mas também pela relação feita entre esses e os

traços fenotípicos dos pertencentes a estes grupos. Gomes (2005) define

racismo como:

“O racismo é, por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele é por outro lado um conjunto de idéias e imagens referente aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e verdadeira.” (GOMES, 2005; p. 52)

Segundo Edson Borges, Carlos Alberto Medeiros e Jacques d`Adesky

(2002) apud Gomes (2005), o racismo pode se expressar de duas formas

interligadas, a individual e a institucional. Na forma individual o racismo se

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manifesta em atos discriminatórios realizados de indivíduo contra outro

indivíduo, podendo atingir níveis de violência como agressões, assassinatos,

destruição de bens ou propriedades. Na forma institucional o racismo implica em

práticas discriminatórias sistemáticas fomentadas pelo Estado ou com o seu

apoio indireto, manifestando-se sob a forma de isolamento dos negros em

determinados bairros, escolas e empregos. Segundo Gomes

“estas práticas racistas manifestam-se, também, nos livros didáticos tanto na presença de personagens negros com imagens deturpadas e estereotipadas quanto na ausência da história positiva do povo negro no Brasil. Manifestam-se também na mídia (propagandas, publicidade, novelas) a qual insiste em retratar os negros, e outros grupos étnico/raciais que vivem uma história de exclusão, de maneira indevida e equivocada. ” (GOMES, 2005; p. 53)

Embora já se tenha produzido uma extensa bibliografia aliada a inúmeros

estudos que destacam a existência e os efeitos do racismo e do preconceito na

identidade e vida individuo negro, o mito de que vivemos no Brasil uma

democracia racial, ainda está fortemente enraizado na mentalidade da

população, negando a existência do racismo e consequentemente contribuindo

para a sua perpetuação e naturalização.

“Lamentavelmente, o racismo em nossa sociedade se dá de um modo muito especial: ele se afirma através da sua própria negação. Por isso dizemos que vivemos no Brasil um racismo ambíguo, o qual se apresenta, muito diferente de outros contextos onde esse fenômeno também acontece. O racismo no Brasil é alicerçado em uma constante contradição. A sociedade brasileira sempre negou insistentemente a existência do racismo e do preconceito racial, mas, no entanto, as pesquisas atestam que, no cotidiano, nas relações de gênero, no mercado de trabalho, na educação básica e na universidade os negros ainda são discriminados e vivem uma situação de profunda desigualdade racial quando comparados com outros segmentos étnico-raciais do país. ” (GOMES, 2005; p. 46)

Segundo Ana Célia da Silva (1995) a depreciação e a rejeição a cor preta

estão presentes no cotidiano do negro, de forma sutil ou explícita, a depender de

sua posição social. Estes são aspectos do “racismo brasileiro” que é sutil e

ardiloso, age de maneira silenciosa, nas entrelinhas se escondendo;

características estas incorporadas talvez pelo maior temor a uma punição a partir

da criminalização do racismo através da Constituição Federal de 1988. Contudo

o racismo brasileiro também assume uma face violenta como nas formas de

humilhação, agressão e execução principalmente da juventude negra

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“confundidos” com “suspeitos” pela polícia. Maria do Carmo Luiz at al publica em

um artigo em 1979 uma realidade que se perpetua ainda hoje na sociedade

Brasileira.

“No Brasil ser humano significa sempre ser branco; ser índio, negro ou caboclo requer menção, mesmo em regiões em que estes grupos são majoritários. O padrão homem branco é sempre o mais forte. Portanto, quando se fala do negro sempre se explicita, sempre aparece o critério de diferenciação. ” (LUIZ, SALVADOR, JÚNIOR; 1979)

Neste mesmo artigo Luiz at al (1979) afirma que esta regra também se

aplica a nossas crianças. Segundo os autores, no Brasil quando se refere a

crianças fica implícito que estas são brancas já que este é o padrão, e quando a

criança não é branca se faz necessário explicitar o traço, criança negra, criança

indígena.

Podemos inferir que esse padrão branco pode ser um dos

desdobramentos da “política do branqueamento” no Brasil. Tal política surgiu no

contexto pós-escravidão onde o país estava composto por uma população

majoritariamente de negros e mestiços. O pensamento da elite intelectual

brasileira era, via de regra, de que a presença “negra e mestiça” significava

degradação moral e social para o país (TELLES, 2003 apud SANTOS 2012),

travando assim o seu crescimento. Para resolver tal problema foi proposto, entre

outras medidas, o incentivo a imigração para o Brasil de cidadãos europeus a

fim de branquear a população por meio da mistura racial. O que se supunha

pelos intelectuais racistas da época é que a “raça branca” fosse mais “forte” e,

portanto, a mistura racial brasileira caminharia para um “típico branco dos

trópicos”. (SANTOS 2012). Um Brasil branco era prometido como uma grande

potência econômica.

De acordo com o Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE, em 2010 os negros representavam 54% da população.

Contrariando estes dados a representação do negro como minoria prevalece nas

grandes mídias, na publicidade, instituições, livros didáticos e outros materiais

pedagógicos. Ana Célia da Silva (1995) chama essa contradição de “visibilidade

real” que é de ser maioria, e “invisibilidade ideal” que á a projetada nos livros,

materiais pedagógicos, meios de comunicação de massa, que segundo a autora

desenvolvem um conflito de identidade e de existência de negros.

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Ainda segundo a autora, os negros não se veem representados, quase

sem exceções, nas revistas, comerciais, desenhos e brinquedos infantis,

materiais pedagógicos, e quando são representados, estão desenvolvendo

atividades de pouco prestígio social. Enquanto são apresentadas

majoritariamente pessoas brancas e como referência positiva.

“Mas, apresentar o segmento negro como minoritário pode ser uma estratégia, mesmo que inconsciente, para ocultar a sua presença majoritária nos estratos sociais mais baixos, bem como, acentuar sua presença apenas nos papeis e funções estigmatizados na sociedade, ou uma forma de justificar a sua ausência na participação do poder político e econômico do País.” (SILVA, 1995; p. 68)

É vendida a sociedade brasileira uma imagem branca do Brasil,

camuflando a presença do negro e naturalizando a condição em que este se

encontra na sociedade. Em contraposição é a produção cultural do povo negro

que é, inúmeras vezes, vista como um patrimônio cultural que é retrato do Brasil

aqui e no exterior, cujo os valores são utilizados pela oficialidade sem retornos

para ele. (SILVA, 1995).

A estigmatização do negro nas ocupações subalternas, de pouco prestígio

social é explícita nas grandes mídias, assim como a associação do negro e do

continente africano à pobreza fazem presente também em livros didáticos

(TONINI, 2001; RATTS et al., 2007; CARVALHO, 2008; RODRIGUES e

CARDOSO, 2010). Como se determinadas funções e papéis fossem

naturalmente destinados a serem desempenhados pelos negros em nossa

sociedade.

Tal naturalização é muito perigosa para a criança negra em formação,

principalmente se reforçadas no ambiente escolar pelos professores e materiais

didáticos, pois segundo Silva (1995) pode desestimular na criança negra

qualquer anseio por uma profissão privilegiada, ela deve pretender ocupar

apenas os lugares subalternos sugeridos a ela na sala de aula. Lugares estes

onde o conhecimento escolar não é valorizado, tendo implicações também sobre

o desempenho escolar dos alunos negros.

Estudos sobre a influência racial nas desigualdades educacionais no

Brasil, como o de Hasenbalg & Silva (1990), demonstram um melhor rendimento

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escolar do estudante branco comparado ao rendimento do estudante negro.

Segundo os autores pretos e pardos “obtêm níveis de escolaridade

consistentemente inferiores aos dos brancos de mesma origem social”. Com

base nessa afirmação, os autores chamam atenção para o fato de que essas

diferenças podem ser causadas por desvantagens que esses alunos enfrentam

ao longo de sua trajetória escolar em virtude de sua “adscrição racial”

(HASENBALG & SILVA, 1990, p. 74 apud ABRAMOVAY & CASTRO 2006).

Segundo os autores a existência do racismo e da discriminação no ambiente

escolar afeta de modo negativo a proficiência escolar da criança negra, mesmo

quando o índice socioeconômico das famílias é equivalente a trajetória do aluno

negro é diferenciada.

A disparidade na educação entre negros e brancos pode ser encontrada

também no que tange aos anos de estudo. Pesquisas têm revelado que os

alunos negros enfrentam maiores dificuldades de permanência na escola, além

de maiores taxas de evasão de repetência.

Em 2014 foi publicada a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada – IPEA juntamente com a Secretaria de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial – SEPPIR sobre a situação social da população negra por

estado, com indicadores construídos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD) nos anos de 2001 e 2012. Com relação ao indicador

“educação” a pesquisa constatou que embora tenha havido melhoria dos

indicadores o segmento negro da população na década em questão, os negros

ainda se encontravam em desvantagem se comparado ao segmento branco. A

diferença dos anos de escolaridade alcançados pela população branca se

mostrou consideravelmente maior que o da população negra.

“Considerando a população com mais de 15 anos, em 2012, 23% da população branca tinha menos de quatro anos de estudo; entre os negros, este percentual atingiu 32,3%. Na população branca, o percentual de pessoas com nove anos ou mais de estudo era de 39,8%, em 2001, e subiu para 55,5% em 2012; na população negra, o percentual de pessoas com igual escolaridade passou de 22,5%, em 2001, para 41,2%, em 2012. A proporção de pessoas brancas com doze anos ou mais de estudo cresceu de 13,3%, em 2001, para 22,2%, em 2012, enquanto entre os negros aumentou de 3,5% para 9,4%.” (IPEA, 2014.)

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A instituição escolar tem seu cotidiano permeado por diferentes relações

sociais que refletem a diversidade cultural e racial presentes na sociedade, e o

preconceito e a discriminação, ainda que de forma implícita, se fazem presentes

na escola. A cultura negra é silenciada na escola a partir da reprodução do

discurso da igualdade, fixando um modelo de sociedade mutilando a

particularidade cultural do segmento da população negra brasileira.

(ABRAMOWICZ, OLIVEIRA, RODRIGUES, 2010).

Estudos como os de Pereira, (1987); Lopes, (1995); Romão, (2001);

Cerqueira, 2005; apud Abramowicz at al, (2010), mostram que as crianças

negras ao longo de sua trajetória escolar vivem experiências que as levam a

estabelecer uma autoimagem negativa que está relacionada com a dimensão

histórica da escravidão e de suas conseqüências posteriores para a vida dos

negros brasileiros colaborando para a construção de estigmas; se este fato não

for considerado, acaba por naturalizar a baixa estima da criança negra como algo

inerente a sua personalidade.

Segundo Abramowicz at al (2010) o aluno negro não encontra na

instituição escolar professores que compartilham das mesmas características

fenotípicas que ele, professores negros, que afirmem ou legitimem a cor de sua

pele de forma positiva, pois geralmente a grande maioria do corpo docente é

branca e com pouco subsídios para lidar com os problemas de ordem racial. Não

sendo esta uma característica apenas do corpo docente branco, mas também

dos professores negros alheios as questões raciais no cotidiano escolar.

Abramowicz at al (2010) ainda coloca que embora o discurso de igualdade

seja tão amplamente utilizado na instituição escolar, esta mesmo não respeita

as diferenças, e diante disso os estudantes negros para obterem sucesso na

escola precisam “branquear-se”. A efetivação da ideologia do branqueamento

está entendida pelas autoras, e por nós, como:

“[...] a ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e dos seus valores tidos como bons e perfeitos. ” (SILVA, 2000; p.16 apud ABRAMOWICZ at al 2010)

Estudos apontam que uma possível ferramenta para o combate ao

racismo na educação é que se debata a questão, que ela não continue sendo

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ocultada e sim que haja uma reflexão sobre as posturas racistas e

preconceituosas, visando a superação de estereótipos, estigmas e

discriminações. (ROMÃO, 2001; RAMOS, 2002; SILVA, 2000; Abramowicz at al

2010).

Para o combate ao racismo e discriminação na educação Silva (2010)

defende que é necessário enegrecer processos e pensamentos tanto

educacionais quanto científicos. Ainda segundo a autora, com o enegrecimento

da educação se propõe um ambiente e uma educação escolar onde cada um se

sinta acolhido e integrante, onde as contribuições de todos os povos para a

humanidade se façam presentes, mas não como sequência de dados e

informações, mas sim como motivos, incentivos e meios que auxiliem na

condução ao conhecimento, compreensão, respeito recíprocos a uma sociedade

justa e solidária. Silva (2010) ainda nos diz que no processo de enegrecer se

educa superando a arrogância daqueles que se sentem superiores e o

retraimento daqueles que são julgados como inferiores.

“ Enegrecer diz respeito a maneira própria como os negros se expõe ao mundo, ao o receberem em si. Por isso enegrecer é face a face em que negros e brancos se espelham uns nos outros, comunicam-se, sem que cada um deixe de ser o que é, enquanto ser humano de origem étnico-racial própria. (SILVA, 1987, p.25 apud SILVA, 2010)”

Conforme Silva (2010) compreende-se que o enegrecimento da educação

traria benefícios para negros e não negros. Ainda segundo a autora para negros

enegrecer a educação seria sentir-se apoiado - com reconhecimento pela

sociedade, da história e cultura do povo africano e seus descendentes - a

construir livremente a sua identidade e pertencimento étnico-racial. Para não

negros, esta significaria se tornarem capazes de ampliar a sua visão de mundo

e conseguir compreender distintos modos de se pensar, ser e viver. Neste

contexto contamos com o apoio da Lei 10.639/39 que surge como um

instrumento para reposicionar o negro e a na educação escolar com releituras

de visões hegemônicas de mundo, cumprindo assim o seu papel no que tange a

busca pelo enegrecimento da educação.

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2.2 Relações raciais no livro didático de Geografia

O livro didático é um dos materiais pedagógicos mais utilizados pelos

professores, e seu uso tem se intensificado cada vez mais a partir da

implantação de políticas públicas de Estado para sua adoção nas escolas

públicas do país (SILVA, 2005; p.22).

Estudos como os de Müller (2015) constatam que no campo da geografia

ainda são muito recentes as investigações acerca da temática étnico-racial nos

livros didáticos da disciplina. E que investigações na área aparecem com maior

intensidade após promulgação da Lei nº 10.639/03. Entendemos que tal

intensificação se deu também em função da adoção da referida Legislação nos

editais do PNLD, cuja inobservância é adotada como critério de eliminação da

obra didática.

Antes de analisar as relações raciais nos livros didáticos, primeiro é

necessário definir o que é entendido como livro didático, embora sua definição

ainda seja objeto de debates. Para este estudo consideramos as conceituações

de Richaudeau (1979); Alain Chopin (2004); e Raquel Barbosa (2009).

Richaudeau (1979, p.5) apud Clézio Santos (2003, p.107), entende

como livro didático “um material impresso, estruturado, destinado ou adequado

a ser utilizado num processo de aprendizagem ou formação. ” Ou seja, um

material com conteúdo sistematizado e destinado às práticas pedagógicas de

ensino.

Alain Chopin (2004, p. 560), descreve o livro didático como um poderoso

instrumento de unificação, até mesmo de uniformização nacional, linguística,

cultural e ideológica. Segundo o autor o livro didático carrega consigo um

conjunto de valores e saberes comuns a uma nação, destinados ao processo

formativo de “espíritos jovens”, ainda maleáveis e pouco críticos, assumindo o

papel de divulgador da cultura de uma nação.

Barbosa (2009), seguindo a linha de pensamento de Chopin, entende o

livro didático como uma rede de textos dirigida ao estudo que coloca os seus

usuários em contato com diferentes linguagens, personagens e símbolos que

caracterizam uma sociedade. Ainda segundo a autora o livro didático, na

qualidade de símbolo que assume, aparece como chave para o entendimento de

formas de entrelaçamento entre práticas de leitura e vida social.

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Conforme Barbosa (2009) o livro didático no Brasil se configura como um

grande aliado das escolas, sendo instrumento e recurso para o processo

formativo dos jovens, o que já foi expresso neste texto. A autora coloca que os

conteúdos inseridos nos livros didáticos costumam estar estreitamente

relacionados a determinados pontos de vista da sociedade no momento de sua

produção, e em diferentes momentos da história, além de assumir um papel de

preservação e afirmação de certos valores construídos e aceitos socialmente.

Considerando que o livro didático está diretamente relacionado ao

processo formativo dos jovens e na propagação de valores na sociedade, é de

fundamental importância reconhecer que em uma sociedade racista e

preconceituosa estes valores estarão presentes em seus livros didáticos. Tonini

(2001) argumenta que os livros didáticos assumem, para professores e alunos,

discurso de verdade sobre as etnias, sendo assim, é preciso estar atento sobre

o que está sendo dito implícito e explicitamente com base nas interpretações do

seu conteúdo.

A ideia de legitimidade de saberes popularmente atribuída ao livro

didático, carece ser debatida com professores e discentes, pois, de acordo com

Barbosa (2009), é fundamental ter

“[...] a capacidade maior ou menor de reconhecer que o texto (de livros didáticos) não é depositário de verdades absolutas, mas é o retrato de posições defendidas em condições temporalmente, espacialmente e socialmente determinadas. ” (BARBOSA, 2009, p. 36 apud RESENDE, 2014 p. 25)

Ana Célia da Silva (1995) afirma que o professor é o principal mediador

dos estereótipos veiculados no livro didático, tanto em relação ao negro quanto

a outros segmentos sociais, contudo tal veiculação pode ocorrer de forma

inconsciente por parte do discente. Um discente não está isento de valores e

preconceitos socialmente construídos, e uma formação de professor que não

contempla a temática étnico-racial também possuem responsabilidade sobre a

sua ação pedagógica. Segundo a autora, é necessário na formação inicial do

professor instruí-lo a utilizar o livro didático como instrumento de reflexão crítica

“[...] uma vez que solicita às instituições governamentais a revisão do livro, denunciar junto aos pais e professores seu conteúdo racista e de outros materiais pedagógicos, e mesmo não usar o livro, nos parecem constituir, no momento, apena estratégias de denúncia e de organização para o enfrentamento do problema. ” (SILVA, 1995; p. 51-52)

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Silva (1995) também defende que assim como o docente é o principal

mediador de estereótipos, ele também pode representar um forte agente

desmistificador das ideologias que a escola e o livro didático vinculam. Em outro

texto Silva (2005) afirma que cabe uma formação específica ao professor a fim

de fundamentá-lo a uma prática pedagógica que o ofereça condições

necessárias para identificar e corrigir estereótipos e a invisibilidade do negro nos

textos e ilustrações do livro didático.

Estudos pioneiros em relação ao livro didático e o negro são datados do

início da década de 19502 e em seus achados de pesquisa identificaram a

hierarquização racial, representando os não negros como mais belos e

inteligentes, os personagens negros tratados com desprezo. (SILVA, 1995; p.

19).

Embora o Movimento Negro em suas lutas tenha conquistado grandes

avanços quanto a suas demandas para o campo da educação, estudos mais

recentes no campo de geografia, analisando a representação dos negros nos

livros didáticos da disciplina, tiveram resultados similares aos encontrados a

mais de meio século. Em um levantamento realizado por Santos (2012) em sua

dissertação de mestrado, sobre as produções (mais recentes na época), que

abordassem a representação do negro e da África nos livros didáticos de

geografia apontou que tais estudos sinalizaram as seguintes representações: 1)

a associação do negro e do continente africano à pobreza e posições sociais

inferiores (TONINI, 2001; RATTS et al., 2007; CARVALHO, 2008; RODRIGUES;

CARDOSO, 2010); 2) a ausência da África no discurso científico-tecnológico

(TONINI, 2001; RATTS et al., 2007; RODRIGUES; CARDOSO, 2010); 3) o negro

representado como escravo (RATTS et al., 2007); 4) a folclorização do negro

brasileiro (RATTS et al., 2007; RODRIGUES e CARDOSO, 2010).

Santos (2010) chama atenção para os livros didáticos de Geografia

afirmando que estes não problematizam sobre as relações raciais na formação

do Brasil. E que algumas coleções recentemente vêm incorporando informações

sobre desigualdades raciais, sociais, o racismo e seus efeitos. Contudo ao trazer

2 Preconceitos e discriminações raciais em livros didáticos e infanto-juvenis; diagnóstico sobre a situação educacional de negros (pretos e pardos) no Estado de São Paulo, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1986.

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estas questões abordam o fato de que as relações raciais são historicamente um

dos pilares ideológicos da ideia de nação no Brasil. Santos (2010) também

coloca que avanços também vêm sendo encontrados, registrando que as

coleções vêm abandonando a abordagem da “democracia racial brasileira” e até

mesmo a criticando, porém, os capítulos que tratam sobre a origem dos povos

brasileiros priorizam a diversidade dos povos europeus enquanto generalizam

os africanos e indígenas.

O livro didático as veicular ideais de hierarquização racial e estereótipos

negativos do segmento negro da população está propagando a ideologia do

branqueamento. (SILVA, 2005). Podemos considerá-lo então como mais um dos

instrumentos, se não o mais efetivo, de “apagar” o segmento negro da população

da sociedade brasileira. Rafael Sanzio A. dos Anjos (2005) destaca que nas

escolas brasileiras:

[...] a forma mais usual de se ensinar geografia tem sido por meio do discurso do professor ou do livro didático. Não podemos perder de vista que muitos materiais didáticos têm desempenhado um papel muitas vezes decisivo na introjeção de conceitos errados, de forma velada ou explícita, assim como de estereótipos. Vejamos alguns exemplos: não se pode mais aceitar a difusão da escravidão como fato que se associa exclusivamente aos povos africanos, nem tampouco imagens do negro apenas como escravos ou no desempenho de atividades na sociedade sem prestígio; de não inserir devidamente o papel do negro brasileiro nos ciclos econômicos do país; de não revelar o contingente populacional de afrodescendentes atual no Brasil e sua importância; enfatizar que os africanos e seus descendentes são, também, responsáveis pela adequação aos trópicos da tecnologia pré-capitalista brasileira, como a mineração, a medicina, a nutrição e a agricultura; que a herança cultural trazida da África constitui a matriz mais importante da cultura popular brasileira e que é frequentemente relegada pela ideologia dominante ao folclore (ANJOS, 2005, p. 177).

Concordando com o que foi dito por Anjos (2005) e por Silva (2005), uma

maior atenção deve ser dada a este recurso didático que deve ser utilizado de

maneira cuidadosa e reflexiva pelo professor. Uma vez que ele, conforme

mostram as pesquisas, continua a representar a sociedade de maneira

hierarquizada, contribuindo assim de maneira negativa para a autoestima do

aluno negro, e consequentemente influenciando sobre a sua trajetória escolar.

Os professores de geografia, assim como os das demais disciplinas, precisam

ser preparados para lidar com um material pedagógico que não contemple - ou

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o faça de maneira ineficaz, as relações raciais no Brasil atendendo as normativas

da Lei nº 10.639/03 que almejam uma reflexão crítica dos currículos, conteúdos,

práticas pedagógicas.

2.3 Relações Raciais no ensino de Geografia

Refletir sobre a inserção da temática racial no ensino de Geografia nos

leva a considerar sobre os sentidos do ensino dessa disciplina escolar, pois

segundo Santos (2007, p. 26) é o sentido que orienta a práxis, ele que vai definir

como tal temática é ou não é abordada. Callai (2011) sobre o papel da geografia

escolar diz:

“ Refletir sobre a escola, ensino e conteúdo curricular escolar reporta a reconhecer que a configuração do mundo atual na sociedade da informação apresenta novas formas de compreender os tempos e os espaços sob o signo da globalização e requer, portanto, novas formas de considerar o ensino da Geografia (2011, p.18).”

Nas palavras da autora o ensino de geografia precisa ser revisto. As

práticas pedagógicas outrora adotadas pelos professores de geografia nas

escolas, em uma concepção tradicional caracterizada como aquela de caráter

mnemônico, e centradas em conteúdos pouco questionados diante da

aprendizagem, não são mais bem aceitas pelos discentes. A sociedade mudou,

os valores imbuídos na sociedade mudaram -ou pelo menos encontram-se em

processo de mudança- os espaços de aprendizagem foram expandidos e/ou

democratizados com a expansão tecnológica, e no centro dessa mudança temos

a escola, que precisa se adaptar a este “novo” aluno, assim como a educação

geográfica também precisa se adaptar a dinamicidade do mundo atual. Sobre o

que se esperar do ensino de geografia na formação discente Callai (2011)

coloca:

[...] procurar com que os alunos consigam fazer as suas aprendizagens tornando significativos para as suas vidas estes mesmos conteúdos. [...] procurar construir as ferramentas teóricas para entender o mundo e para as pessoas se entenderem como sujeitos nesse mundo, reconhecendo a espacialidade dos fenômenos sociais (2011, p. 15).

Santos (2007) desenvolve o pensamento de que o sentido de aprender e

ensinar Geografia é se “posicionar no mundo”. Conforme o autor é preciso

assumir uma dupla acepção sobre se posicionar no mundo: a primeira seria

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“conhecer a sua posição no mundo” e para isso é fundamental que o sujeito

conheça o mundo; e a segunda seria “tomar posição no mundo” que diz sobre

se colocar politicamente no processo de construção e reconstrução deste

mundo; todos os conhecimentos e noções aprendidos/ensinados na Geografia

assumem estes sentidos, que servem para saber interpretar, este mundo,

conhecer sua posição no mundo e saber agir nele.

Ainda segundo Santos (2007; p.29), isso implica em conceber o espaço

geográfico como sendo “estrutura, e a partir disso estudar sua organização,

elementos e objetos; e também como experiência, as posições que diferentes

grupos sociais ocupam, assim como relações que eles vivenciam condicionam

trajetórias sociais, que também são espaciais, o que permite apontar inscrições

socioespaciais de grupos como sendo experiências espaciais das relações

raciais, econômicas e de poder”. O autor aponta para o caráter estratégico

atribuído ao saber geográfico para a formação de cidadãos críticos de sua

inserção, e que o tratamento das relações raciais na geografia passa por tal

compreensão de espaço.

“(...) uma sociedade que constitui suas relações por meio do racismo, (...) [tem] em sua geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária nas universidades; (...) essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação das subjetividades de cada qual” (PORTO GONÇALVES, 2002, pg. 4 apud SANTOS, 2007, p.29).

Conforme Santos (2007) as relações raciais, o racismo e o combate ao

racismo estão grafadas no espaço, e ao mesmo tempo em que nele se

constituem, também são condicionadas por ele, o que ele chama de “expressões

espaciais das relações raciais, do racismo, e das lutas anti-racismo”. O que

segundo o autor, fornecem não apenas novos temas a serem trabalhados pela

geografia escolar, mas sim subsídios para o atendimento a Lei nº 10.639/03.

Nesta mesma perspectiva, cabe também considerar a contribuição de Cavalcanti

ao apontar que:

[...] o que se quer destacar aqui é a possibilidade, e a necessidade de, no ensino, se atentar para as diferentes experiências de vida entre os alunos, diferentes experiências espaciais, diferentes imaginários geográficos, diferentes lugares que vivenciam, e essas diferenças têm muitas explicações e

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podem advir de uma série de fatores, tais como: classe social, gênero, raça, etnia, sexualidade, religião, idade, linguagem, origem geográfica (CAVALCANTI, 2011; p.37).

Aspectos ligados a questão racial e a diversidade integram os conteúdos

programáticos do ensino escolar de Geografia, contudo é necessária uma

reflexão de como essas questões são tratadas dentro do ensino de Geografia,

no intuito de que este saber - fundamental na construção de visões de mundo,

comportamentos e posicionamentos - contribua com o projeto de uma educação

antirracista. (SANTOS, 2007; p.22).

Em outro texto Santos (2010) coloca que o ensino de Geografia é um dos principais veículos:

“Da associação entre grupos raciais e regiões (geoculturais) de origem, que dá esteio à permanência da idéia de raça enquanto reguladora de comportamentos, valores e relações sociais, econômicas e de poder;

Da divisão dicotômica do mundo (desde Ratzel) entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos – e, no meio deles, os países “em desenvolvimento”, o que (a) reforça a idéia de uma evolução linear cujo futuro único do mundo é seguir o caminho dos chamados “desenvolvidos”, e (b) confere poder nas relações sociais aos indivíduos e grupos cuja historicidade, geograficidade e “corporeidade” são remetidos à herança e ligação com estes países e povos ditos “desenvolvidos” e, portanto, superiores;

Da difusão da monocultura do tempo (espaço) linear, pela forma como se trabalha o papel da técnica como dimensão evolutiva, o que é feito com toda intensidade na maneira como é trabalhado o conceito de paisagem, através da divisão entre “paisagens naturais” e “paisagens humanizadas”, estas últimas sendo sempre (evolutivamente) a expressão dos avanços tecnológicos sobre a materialidade terrestre, o que conduz à compreensão de paisagens fruto de experiências simultâneas como sendo paisagens do passado, paisagens do presente e paisagens do futuro;

Da separação entre humanidade e natureza, cristalizada na dualidade “Geografia Física” versus “Geografia Humana” – e nem a recente tendência de aproximação da parte do ensino que trata da chamada “Geografia Física” de uma chamada “Educação Ambiental”, que em alguns momentos tenta provocar um sentimento de proximidade entre seres humanos e natureza é capaz de reverter esta separação que é estrutural e estruturante do ensino da disciplina;

Da visão do mundo contemporâneo como sendo o transbordamento de processos econômicos, políticos, sociais, militares e culturais da Europa – o que aparece com toda força na forma como se ensina sobre os outros continentes, cujos referenciais históricos e espaciais de periodização e

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regionalização aparecem sempre como resultantes diretos dos processos e interesses eurocentrados, portanto, como se não houvesse protagonismo neles;

Da difusão de uma visão tecnicista e cartesiana de mundo, p. ex., pela forma como ensinamos Cartografia. De uma forma de representação espacial, ela é transformada em única forma de expressão espacial do mundo, critério de verdade e de existências naturais e sociais, decorrente das possibilidades da racionalidade técnica subjacente ao processo de elaboração dos mapas - que são, melhor dizendo, limitados por esta racionalidade às formas científico-ocidentais de ver o mundo, de expressar referenciais de espaço, de tempo e das existências sociais. Esta forma como se trabalha e ensina a Cartografia Escolar dá aos mapas oficiais um caráter de expressão da verdade que é poderoso instrumento de poder através da produção de não existências de grupos sociais, conflitos, saberes, experiências e formas de relação com o mundo.” (SANTOS, 2010; p. 150)

Segundo Santos (2010, p.22) todas as dimensões do ensino de Geografia

elencadas acima contribuem para a construção de referenciais de leituras do

mundo de maneira hierarquizada. Conforme o autor, tais dimensões detêm um

papel crucial nas relações raciais, no racismo; nas desigualdades raciais que se

constroem e se estabelecem nas relações cotidianas entre indivíduos e grupos;

na construção da lógica e do comportamento das instituições; e na definição da

lógica de acesso aos bens materiais e simbólicos da sociedade; sustentando a

naturalização do racismo e suas consequências sociais.

Para combater o currículo eurocentrado do ensino de Geografia

atendendo a Lei nº 10.639/03, valorizando as contribuições dos diferentes povos

para a sociedade Santos (2010) sugere que se realize a revisões conceituais de

estruturas, enfim revisão de conteúdos e inserção de conteúdos. Para isso

Santos (2010) apresenta algumas estratégias de ação, para professores de

Geografia, como forma de contribuir para a desconolização do ensino da

disciplina. Aqui destacamos as estratégias apresentadas:

1. Debater raça e modernidade: debater como o critério raça é um

princípio regulador das relações sociais para a afirmação do

capitalismo a partir do sec.XIX, e como ela foi utilizada pra

estabelecer a hierarquização racial entre europeus e povos

dominados.

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2. Ensino sobre a África: Ensinar a história da África do ponto de vista

dos africanos e não dos europeus. Ensinar sobre os povos que

habitavam a África antes do colonialismo, durante e também os

pensadores africanos do pós-colonialismo. Romper com visões

estereotipadas do continente e trazer as suas luta contra as

diversas formas de dominação, sua resistência ao modelo

colonialista europeu.

3. Branqueamento da população e branqueamento do território:

superar o branqueamento do currículo escolar trazendo para as

salas de aula as diversas contribuições dos diferentes povos para

a construção do país, mostrar a composição multicultural da

população problematizando as relações raciais no Brasil. Explicar

a política do branqueamento nacional, e o motivo pelo qual alguns

estados do país têm grande influência da cultura européia e que

isso é fruto de uma política de branqueamento nacional, trazer

matérias que mostrem que essas regiões também possuem

heranças do segmento negro e indígena da população brasileira.

4. Comunidades remanescentes de Quilombos: estudar as

comunidades remanescentes de quilombos e a sua distribuição

pelo território nacional como forma de resistência dos negros ao

sistema escravagista, lembrando aos estudantes que estas

inúmeras comunidades são remanescentes, ou seja, na época do

sistema elas eram muito mais. Estudar também a composição

atual dos descendentes quilombolas e as lutas que estes

enfrentam atualmente para o reconhecimento de suas terras.

5. As “Experiências de Espaço” de diferentes indivíduos e grupos: um

desafio para as aulas de Geografia, trabalhar o conceito de

“fronteiras” as “fronteiras visíveis” e “fronteiras invisíveis” como as

relações raciais interferem na dinâmica da ocupação do espaço. O

direito de ir e vir, onde a presença de alguns grupos raciais em

determinados lugares causam espanto ou até mesmo repulsa, em

alguns contextos sendo até mesmo indesejada. Além da sensação

de não pertencimento, onde dependendo da sua origem racial e

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social o indivíduo não se sente confortável em freqüentar certos

tipos de ambientes.

6. Toponímia / Marcas Históricas da Presença Negra: estudar a

definição dos nomes nos lugares e que comumente o seu nome

tem relação com sua formação e história. Sendo assim buscar

lugares cujos nomes ainda guardam heranças toponímias de

indígenas e africanos.

Entendemos que tais estratégias de ação elaboradas por Santos (2010)

buscam apoio nas práticas pedagógicas e na prática docente para a

implementação de uma educação antirracista no ensino de geografia. São ações

que visam reposicionar o negro no mundo da educação e fazê-lo entender

enquanto tendo uma posição no mundo, e contribuem para a formação humana

dos não negros. Entretanto, reconhecemos que em uma prática de ensino-

aprendizagem que se debruça apenas sobre o livro didático cumprir com tais

ações se torna uma tarefa complicada.

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3 - ABORDAGENS DAS RELAÇÕES RACIAIS NO LIVRO DIDÁTICO DE

GEOGRAFIA DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Seguindo os critérios de seleção das obras didáticas a serem analisadas,

apresentados na metodologia deste estudo, os livros didáticos do estudante

selecionados foram: Vontade de saber - Geografia; 2015, 2º edição. Autora

Neiva Torrezani. Editora FTD; e Expedições Geográficas; 2015, 2° edição.

Autores Melhem Adas e Sergio Adas. Editora Moderna. Neste capítulo

apresentamos cada uma das coleções conforme as análises realizadas pelos

avaliadores do PNLD 2017. E trazemos também a análise realizada nós com

base na metodologia anteriormente exposta.

3.1 Descrição das amostras e análise das obras

Obra didática - Vontade de Saber- Geografia – 7º ano

A coleção Vontade de Saber- Geografia, da autora Neiva Torrezani3, é

composta por quatro Livros do Estudante, quatro Manuais do Professor e quatro

Manuais do Professor Multimídia. Todos os Livros do Estudante apresentam a

mesma estrutura de índice, com oito capítulos e dentro desses há várias seções

que problematizam e articulam os conteúdos.

As seções são: Abertura do capítulo e Exploração do tema, em que são

apresentados mapas, gráficos, fotografias, ilustrações e sugestões de pesquisa;

Geografia em foco e Box complementar, ambos apresentando informações

complementares ao conteúdo principal; Investigando na prática, destinada às

atividades práticas e vivenciais, além de sugestão de aula de campo; Momento

Cartografia, que apresenta mapas e informações gráficas sobre as temáticas da

Geografia; Atividades, na qual são propostas as tarefas e os exercícios; Encontro

com..., apresentando conteúdos integradores; e, por fim, Refletindo sobre o

3 Professora graduada e bacharel em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR).

Especialista em Análise e Educação Ambiental em Ciências da Terra pela Universidade Estadual de Londrina. Atuou como professora de Geografia em escolas da rede particular de ensino. (TORREZANI, 2015)

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capítulo, seção que propõe autoavaliação e revisão dos assuntos principais

estudados no capítulo. Todos os livros incluem nas páginas finais a Bibliografia

e um mapa do Planisfério Político, sendo que no livro do Estudante do 7º ano há

o acréscimo dos mapas político e físico do Brasil ao final da obra. (BRASIL, 2016;

p.72-73).

Com relação aos aspectos físicos da obra analisada, o livro didático do 7º

ano é composto por 240 páginas, divididas em oito unidades temáticas

(capítulos), a saber, O território brasileiro e sua regionalização; A população

brasileira; O urbano, o rural e a economia brasileira; Região Sudeste; Região

Sul; Região Nordeste; Região Centro-Oeste; Região Norte.

Segundo a análise da obra realizada pelos avaliadores do PNLD 2017,

disponível no Guia do Livro Didático, a coleção Vontade de Saber – Geografia

apresenta coerência entre a proposta didático-pedagógica sociointeracionista e

as abordagens teórico-metodológicas da Geografia Crítica e Humanista

(BRASIL, 2016; p.74). Ainda segundo a análise, a coleção realiza uma

abordagem de ensino e aprendizagem em que se prioriza a formação de alunos

críticos e reflexivos, articulando os conteúdos apresentados ao contexto de

vivência dos alunos. A obra considera as inter-relações escalares de espaço e

de tempo, articulando os conceitos e categorias da Ciência Geográfica: lugar,

paisagem, território, região e espaço geográfico.

Segundo a editora, a coleção utiliza de uma abordagem de conteúdos da

relação sociedade-natureza que permite a aproximação do conhecimento

geográfico à vida cotidiana do aluno. Lançando mão de propostas de atividades

de ensino, diversidade de fontes, dados e informações, visitas técnicas e

trabalho de campo para tal além de uma ampla utilização de recursos gráficos

nas obras. (BRASIL, 2016; p.72).

Conforme a análise da obra realizada pelos avaliadores do PNLD 2017, a

coleção Vontade de Saber- Geografia, com relação ao quesito formação cidadã

[...] a Coleção aborda as questões étnico-raciais, especialmente no que diz respeito à xenofobia e à presença de imigrantes nos chamados países desenvolvidos. Valoriza ações pedagógicas que discutem a cidadania e os direitos humanos, objetivando uma sociedade mais inclusiva e menos violenta, conforme se verifica nas temáticas relacionadas a questões de gênero, em

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destaque para a homofobia e sexualidade.” (BRASIL, 2016; p.75)

A coleção conta com a seção Consciência e atitude cidadã, que trás

consigo assuntos que importantes a serem debatidos nas salas de aula, esses

são: Saúde; Trabalho e consumo; Pluralidade cultural; Sexualidade e gênero,

Ética e cidadania; Meio ambiente; e tecnologia. Tais temas são sinalizados por

ícones específicos correspondentes a cada assunto. E estes aparecem sempre

quando há a abordagem de alguma destas temáticas ao longo da obra. Sobre o

ícone correspondente a Pluralidade cultural, que nos interessa neste estudo,

encontra-se a seguinte descrição na apresentação da obra:

“Existem inúmeras formas de viver e de se relacionar com os outros e com o ambiente. Cada povo tem sua cultura, sua identidade, sua maneira de se manifestar no mundo. Inclusive, em um único país, como no Brasil, existem várias culturas convivendo e interagindo no mesmo espaço. O tema Pluralidade cultural trata justamente dos aspectos pertinentes a esse assunto, como o respeito e a valorização dessa diversidade cultural.” (TORREZANI, 2015)

Observa-se que tais temas são correspondentes aos apresentados nos

Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, com

exceção da Tecnologia, e Trabalho e consumo.

FIGURA 1 – ÍCONES DE CONSCIÊNCIA E ATITUDE CIDADÃ

Fonte: TORREZANI, Neiva Camargo. Vontade de Saber – Geografia, 7º ano. 2º Ed. São Paulo:

FTD, 2015. p. 6.

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FIGURA 2 – ÍCONES DE CONSCIÊNCIA E ATITUDE CIDADÃ

Fonte: TORREZANI, Neiva Camargo. Vontade de Saber – Geografia, 7º ano. 2º Ed. São

Paulo: FTD, 2015. p. 7.

Na análise do livro do 7º ano da coleção Vontade de Saber Geografia,

encontramos que a obra não problematiza sobre as relações étnico-raciais na

formação do Brasil. Em nenhum momento encontramos no decorrer da obra a

reflexão ou a discussão de aspectos tocantes as relações raciais. Nem mesmo

o fomento a atividades e exercícios que auxiliem a tal reflexão. A “democracia

racial” é ignorada na obra, uma tendência positiva segundo Santos (2010),

contudo observamos que a obra não desmistifica tal mito, o que a nosso ver

contribui para a sua perpetuação.

No capítulo que trata sobre a população brasileira, a primeira vez que o

ícone “pluralidade cultural” aparece é na seção intitulada “A composição da

população brasileira”. Os conceitos abordados nesta seção nos causaram

grande inquietação, pois identificamos aí diversos momentos onde foram

vinculadas ideias que auxiliam na manutenção de estereótipos relacionados a

população negra.

A primeira frase do texto da seção é: “Fazemos parte de um povo formado

pela miscigenação de diferentes nacionalidades.” (TORREZANI, 2015; p.43). O

termo “miscigenação” encontra-se sublinhado no livro, pois a sua definição

aparece logo após, na mesma página, junto à legenda de uma figura. A definição

apresentada para o termo é: “Miscigenação: interação, também chamada

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mistura, entre diferentes povos, ocasionando a formação de uma nova

identidade cultural.” (TORREZANI, 2015; p.43).

Identificamos dois prováveis erros conceituais na abordagem de

miscigenação pela obra. O primeiro é quando a obra diz que o povo brasileiro é

formado pela miscigenação de diferentes nacionalidades. O conceito de

miscigenação é biológico, diz sobre o cruzamento entre populações

biologicamente diferentes (MUNANGA,1999), enquanto o conceito de

nacionalidade é jurídico-político, ligando o indivíduo a determinado Estado por

nascimento ou naturalização. A organização das populações indígenas não era

por estados-nações, e os negros escravizados traficados e nascidos no Brasil

não possuíam direito a cidadania no nascente império brasileiro. Sendo assim,

na nossa interpretação pareceu equivocado relacionar os dois termos. Uma

sugestão que trazemos para uma possível adequação da frase seria “A

população brasileira é formada pela miscigenação de diferentes povos.”

O segundo é quanto à definição do que se entende como miscigenação.

Segundo Munanga (2004), o conceito de mestiçagem articula-se em duas

formas: a biológica, que se dá pelo cruzamento entre populações biologicamente

diferentes, chamada miscigenação; e na sua forma cultural, representada pelo

sincretismo cultural. Acreditamos que a definição apresentada pela obra esta

mais próxima da concepção cultural de mestiçagem, uma vez que não é citada

a relação biológica, e sim a interação entre diferentes povos que culminou na

formação de uma nova identidade cultural.

Ainda neste mesmo texto, é retratada a chegada dos africanos no Brasil

por meio de uma imigração forçada para a realização de trabalho escravo.

Contudo, quando a obra vai caracterizar estes povos chama seus traços culturais

e físicos de “diferentes”.

“Estima-se que, entre os séculos XVI e XIX, até a década de 1850, cerca de 4 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil. Tratava-se de povos com características culturais e físicas diferentes, que, ao chegar a terras brasileiras eram comercializados como escravos ...” (TORREZANI, 2015; p.43). (Grifo meu)

A utilização da palavra “diferente” para se referir a aspectos culturais e

físicos dos negros nos leva a indagar: O que a autora quis dizer com “diferentes”?

Diferente de quem? Quem é diferente? Qual/quem é o ponto de referência

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utilizado para julgar o outro como diferente? Se a diferença é recíproca, ela vem

de onde? Tais perguntas ficaram sem respostas.

“Eu só me torno diferente se a pessoa branca se vê como ponto de referência, como a norma da qual eu difiro. (…) Eu não sou discriminada porque eu sou diferente, eu me torno diferente através da discriminação. É no momento da discriminação que eu sou apontada como diferente”. (KILOMBA, 2016)

Grada Kilomba (2016) discute que é necessário desconstruir o racismo e

descolonizar o conhecimento, e que às vezes o que pode ser visto como apenas

palavras comuns possuem uma construção teórica imensa. Nesse sentido

interpretamos a caracterização dada pela obra aos negros africanos como

inapropriada. E que esta da forma como foi feita, pode vir a estar contribuindo

para uma manutenção de uma visão estereotipada dos povos africanos.

Ainda na seção “A composição da população brasileira”, é retratada a

chegada dos imigrantes europeus ao Brasil no período entre 1870 e 1950, como

trabalhadores substitutos da mão de obra escrava. Contudo, é omitido o fato de

que tais migrações ocorreram concomitantemente ao contexto da implantação

de políticas de caráter abolicionista. E que também, a vinda destes imigrantes

foi influenciada principalmente por políticas de incentivo, e subsídios

governamentais para que se estabelecessem no país.

Concordamos com Santos (2010) quando o autor coloca que é

necessário superar o branqueamento do currículo e o branqueamento do

território. Neste sentido, vemos como importante que os livros didáticos abordem

em seus conteúdos a política do branqueamento brasileiro. Na referida seção,

uma possibilidade de abordagem seria mostrando o contexto sócio histórico em

que se deu tal processo migratório; o abandono por parte governamental da

população negra, e os reflexos sociais que perduram até hoje decorrentes da

adoção de tal política.

Identificamos outras passagens na obra que também se mostraram

oportunas para a abordagem de assuntos que contribuam para a superação do

branqueamento do currículo, e o branqueamento do território. Ainda no capitulo

sobre a população brasileira, as informações dispostas tratam da população

brasileira na sua totalidade. São apresentados dados sobre a população

absoluta. Entendemos que esta passagem traz possibilidades de se trabalhar

com dados estatísticos, dados do último Censo, que quantificam a população

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brasileira segundo cor de pele. Tais informações auxiliam na desconstrução da

imagem de um Brasil majoritariamente branco, e no combate a invisibilidade do

segmento negro da população, que segundo Silva (1995) é projetada pelas

grandes mídias, projetada nos livros, materiais pedagógicos, meios de

comunicação de massa.

A seção “A distribuição da renda entre a população brasileira” também se

revelou como uma boa oportunidade para problematizar as relações raciais no

Brasil. A obra discute a concentração de renda no país com informações do

IBGE, apresentando gráficos e que ilustram a distribuição desigual de renda

entre os brasileiros. Contudo, o recorte racial não é realizado pela obra. O IBGE

também fornece dados sobre a concentração e distribuição do rendimento por

raça no Brasil. A nosso ver, seria proveitoso trazer estes dados e debater sobre

as disparidades econômicas atuais entre negros e não negros.

Como forma de superar os referidos branqueamentos, Santos (2010)

sugere que se traga para as salas de aula as diversas contribuições dos

diferentes povos para a construção do país. Contribuições, entre outras, culturais

e econômicas. Na análise da obra não identificamos a abordagem sobre a

herança cultural de matriz africana no Brasil, e a sua influência na cultura popular

brasileira. As abordagens culturais encontradas foram sobre a manutenção de

costumes de origem europeia e asiática por parte dos descentes dos imigrantes

destas regiões que se instalaram no país.

Também não identificamos na obra abordagens sobre as contribuições da

população negra africana ou afrodescendente nos diferentes ciclos econômicos

do país, ou o desenvolvimento de suas regiões. Na obra analisada, é

apresentada a seção “Os principais ciclos econômicos e a ocupação do

território”, na forma de um esquema-resumo progressivo, que inicia no sec XVI

e termina no sec XIX. Nesse esquema são apresentados os diferentes ciclos

econômicos do Brasil, falando da ocupação do território pelos europeus,

atividades desempenhadas, criação de cidades, terminando na independência.

Entretanto observa-se que a participação do negro é ignorada neste esquema.

A sua contribuição não é considerada nem mesmo como mão de obra

escravizada para o desenvolvimento dos ciclos econômicos.

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FIGURA 3 – ESQUEMA-RESUMO DOS CICLOS ECONÔMICOS

BRASILEIROS

Fonte: TORREZANI, Neiva Camargo. Vontade de Saber – Geografia, 7º ano. 2º Ed. São

Paulo: FTD, 2015. p. 22-23.

Dentre as estratégias de ação apresentadas por Santos (2010), para

professores de Geografia, como forma de contribuir para a desconolização do

ensino da disciplina está o estudo das comunidades remanescentes de

quilombos. E a obra realiza a sua abordagem, dentro do capítulo “A população

brasileira”. É apresentada a definição de quilombolas, o número de comunidades

remanescentes de quilombo reconhecidas e distribuídas pelo território brasileiro,

assim como um mapa de distribuição destas comunidades. Nesta mesma seção,

também está disposto o link de um site onde é possível encontrar informações

sobre a cultura dos quilombolas.

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FIGURA 4 – SEÇÃO DEDICADA AOS QUILOMBOLAS

Fonte: TORREZANI, Neiva Camargo. Vontade de Saber – Geografia, 7º ano. 2º Ed. São

Paulo: FTD, 2015. p. 68-69.

Em toda a obra, no que se refere ao seu conteúdo textual, os negros são

representados duas vezes, ambas dentro do capítulo “A população brasileira”. A

primeira, é na seção anteriormente citada “A composição da população

brasileira”, e a segunda forma é na seção “Explorando o tema” quando a obra

traz a temática quilombola. Contudo, a obra traz em seu corpo a diversidade de

povos que constituem o Brasil. Nas ilustrações da obra observa-se a

representação de pessoas negras em diversos contextos sociais e econômicos,

assim como indígenas. São veiculadas também imagens de pessoas negras em

posição de sucesso e prestígio social.

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FIGURA 5 – MULHER NEGRA EM POSIÇÃO DE PRESTÍGIO SOCIAL

Fonte: TORREZANI, Neiva Camargo. Vontade de Saber – Geografia, 7º ano. 2º Ed. São

Paulo: FTD, 2015. p. 107.

Interpretamos a veiculação destas imagens como um importante passo

dado em direção a superação a invisibilidade do negro no livro didático de

geografia, como apontando em pesquisas anteriormente citadas (RATTS et al,

2007; SILVA, 2008; RODRIGUES e CARDOSO 2010; SANTOS, 2012).

Contudo, acreditamos que a veiculação apenas de imagens desvinculadas de

conteúdos que tragam informações sobre desigualdades raciais, sociais,

econômicas enfrentadas pelos negros, o racismo e seus efeitos, não são

suficientes no combate a esta invisibilidade. Vemos como importante que esta

representação aconteça tanto na linguagem textual, por meio de textos que

problematizem as relações raciais no Brasil, quanto iconográfica, com a

representação do negro em posição de prestígio social, e em situações

cotidianas.

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Obra didática - Expedições Geográficas – 7º ano

A Coleção Expedições Geográficas, dos autores Melhen Adas4 e Sérgio

Adas5 é composta por quatro livros do Estudante, quatro livros do Professor e

quatro Manuais do Professor Multimídia. No que tange a sua organização, cada

Livro do Estudante está dividido em oito unidades, cada unidade subdivide-se

em oito temas, intitulados de Percursos.

A coleção na organização e apresentação do conteúdo, segundo a análise

da obra realizada pelos avaliadores do PNLD 2017, segue um padrão. Ela

inicialmente organiza os conceitos e suas relações com os fenômenos

geográficos a partir das manifestações dos elementos naturais, para depois

compreender os fatos relacionados à sociedade e à produção do espaço

geográfico. Utilizando no primeiro momento uma pequena apresentação teórica,

propondo abstrações compatíveis com o desenvolvimento dos alunos,

possibilitadas pela adequação da linguagem ao ano escolar em curso. Em

seguida são apresentadas outras linguagens e gêneros textuais como por

exemplo, imagens ou charges, com a finalidade de estabelecer conexões com o

texto escrito. (BRASIL, 2016)

Ainda segundo os avaliadores, a coleção apresenta grande diversidade

de gêneros textuais e de imagens que complementam e ilustram o texto principal,

como mapas, tabelas e gráficos, potencializando a interpretação dos fenômenos

geográficos além da sua espacialização.

Os avaliadores ainda ressaltam que a obra apresenta clareza expositiva

e metodológica, e constrói a partir dessa metodologia uma forma de organização

de conteúdos, conceitos e atividades condizentes com a mesma. E que a forma

4 Bacharel e licenciado em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento,

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Ensino Fundamental, Médio e Superior na rede pública e em escolas privadas do estado de São Paulo. (ADAS, Melhen; ADAS, Sergio, 2015)

5 Doutor em Ciências (área de concentração: Geografia Humana) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, com Pós- doutorado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. (ADAS, Melhen; ADAS, Sergio, 2015)

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de organização da obra também permite ao professor uma autonomia

metodológica. (BRASIL, 2016)

O Livro do Estudante 7º ano possui 280 páginas, com as seguintes

unidades: O território brasileiro; A população brasileira; Brasil: da sociedade

agrária para o urbano-industrial; Região Norte; Região Nordeste; Região

Sudeste; Região Centro-Oeste. (BRASIL, 2016)

Conforme a análise da obra realizada pelos avaliadores do PNLD 2017, a

coleção Expedições Geográficas, com relação ao quesito formação cidadã

“ Há uma preocupação visível em toda a Coleção com as questões relacionadas ao exercício da cidadania, com temáticas ambientais, direitos políticos e defesa dos direitos humanos, especialmente em se tratando de desigualdades étnicas, raciais e de gênero. A Coleção valoriza a diversidade, as diferenças e a atuação social dos variados grupos que formam a sociedade brasileira e as demais nações mundiais. Contribuindo na formação do aluno pra suas práticas sociais sejam realizadas no intercâmbio de experiências de si e com os outros a partir de respeito mútuos. ” (BRASIL, 2016)

A coleção possui em suas obras didáticas uma seção chamada

“Estações” que se subdivide em outras quatro nomeadas “Estação

socioambiental”; “Estação Cidadania”; “Estação História”; e “Estação Ciências”.

Nestas seções são apresentados textos de revistas, jornais, livros e sites que

desenvolvem os Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais –

PCNs, além de complementarem as conteúdos de cada capítulo, que na obra é

chamado de “Percurso”. Nestas estações também estão presentes atividades

que promovem a reflexão e estimulam o debate sobre os temas apresentados.

Em nossa análise da obra didática do 7º ano da coleção Expedições

Geográficas, encontramos que a obra problematiza as relações raciais no Brasil.

Ela o faz dedicando o capitulo 8 “Brasil: a diversidade cultural e os afro-

brasileiros”, inteiramente a discussão sobre a relações raciais e afrobrasileiros.

Este capítulo está localizado dentro da unidade 2, que trata sobre a

população brasileira. As suas seções são: “Brasil: país de muitos povos e

culturas”; “Grupos formadores da população brasileira”; “Os brasileiros nos

censos do IBGE”; “Os afrobrasileiros no Brasil atual”.

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Na primeira seção “Brasil: país de muitos povos e culturas”, a obra fala

sobre a miscigenação de vários povos que originou a população brasileira.

Contudo, no texto ela relaciona à miscigenação a “grande diversidade cultural,

manifestada na música, na dança, na alimentação, na arquitetura, no vestuário

etc.” (ADAS; ADAS, p.66, 2015). Conforme já discutido anteriormente sobre o

conceito de miscigenação, esse assume o caráter biológico, para o caráter

cultural o melhor conceito é a mestiçagem. Porém a definição de “miscigenação”

na parte lateral da página, considera o sentido biológico do termo, e inclusive o

relaciona com “mestiçamento”.

Ainda nesta seção, a obra traz como exemplo da diversidade brasileira a

própria língua portuguesa. Colocando que esta se diferencia em alguns aspectos

da língua portuguesa falada em outros países, pois incorporou muitas

expressões dos grupos étnicos formadores da população brasileira.

“Palavras como Tietê, caatinga, sucuri, e pitanga tem origem indígena; mocambo, cafuné, fubá e berimbau, africana. E outras palavras com origem em línguas européias foram agregadas ao português, como tchau e espaguete que vem do italiano.” (ADAS; ADAS, p.66, 2015).

Na seção “Os grupos formadores da população brasileira”, a seção é

divida em três textos, onde cada aborda especificamente um grupo. Os textos

são “Os indígenas”; “Os portugueses e outros imigrantes”; “Os negros africanos”

respectivamente.

No texto sobre os negros africanos, é abordada a chegada destes povos

ao Brasil para servir de mão de obra escrava. O texto traz que a chegada dos

africanos amplia o processo de miscigenação no país. Interpretamos essa

passagem como uma maneira de reforçar a participação dos negros no processo

de povoamento do Brasil.

O texto também diz sobre as regiões geográficas de origem dos povos

africanos trazidos para o Brasil, utilizando de um mapa onde são representadas

as regiões de origem destes povos, juntamente com a localização dos portos

onde estes desembarcavam.

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FIGURA 6 – ÁREA DE ORIGEM DOS AFRO-BRASILEIROS

Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São Paulo:

Moderna, 2015. p.67.

O texto ainda diz sobre as três grandes culturas africanas que foram

trazidas junto com seus povos e para o Brasil, contribuindo para a formação

cultural e econômica brasileira. Entendemos como importante apresentar a

África como um continente com diversidade de povos e culturas, e que estas

trouxeram contribuições na formação cultural e econômica brasileira, pois isto

auxilia na quebra de estereótipos relativos aos povos africanos.

“Três grandes culturas africanas entraram no Brasil por meio de imigrações forçadas: culturas sudanesas, bantas e guineo-sudanesas islamizadas. [...]. Apresentavam diferentes tradições, crenças e tecnologias, o que contribuiu para a formação cultural e econômica brasileira. (ADAS; ADAS, p.67, 2015).

Com relação à citação acima, identificamos que nesta passagem os

autores usam a palavra “diferente” para se referirem a estas culturas. Contudo,

a utilização da palavra “diferente” na frase aparece como maneira de especificar

que estas culturas se diferenciavam entre si. Diz sobre a diversidade cultural dos

povos africanos.

Ainda nesta seção a obra fala sobre a escravidão no Brasil, que além dos

negros africanos, os indígenas também foram submetidos a condições de brutais

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de existência. Apresentando a estimativa de negros africanos que foram trazidos

para a América, e ressaltando que estes não eram passivos perante o sistema

escravagista, e que utilizavam de meios de resistência destes a escravidão.

“Calcula-se que cerca de 10 milhões de negros africanos foram trazidos para a América entre 10502 e 1870, sem considerar os que morreram durante a viagem ou eram mortos durante a resistência ao seu aprisionamento. ” (ADAS; ADAS, p.68, 2015).

A seção seguinte é “Os brasileiros nos censos do IBGE”, nesta seção a

obra aborda uma das categorias de pesquisa do censo do IBGE, que é a

categoria de autodeclaração de cor. Segundo a obra, as pessoas são livres para

declarar entre cinco opções de cor de pele: branca, preta, parda, amarela e

indígena. A obra justifica a necessidade dos institutos de pesquisa levantarem

estas informações para fins estatísticos, pois:

“[...] considerando que em nossa história as elites dirigentes, de modo geral, não tiveram preocupação e ações voltadas para melhorar as condições de vida de grupos menos favorecidos socialmente, como indígenas e negros. Por isso essas informações podem dar apoio às políticas públicas que buscam reduzir, de maneira eficaz, as desigualdades sociais no país.” (ADAS; ADAS, p.68, 2015).

Junto ao texto é incorporado um gráfico de distribuição da população

brasileira segundo cor de pele, de acordo com o censo de 2010. Conforme dito

anteriormente, o grupo negro corresponde a 54% da população brasileira, e

trazer dados como o do censo para o livro didático, é muito importante, pois ajuda

a desmistificar a imagem de um Brasil majoritariamente branco, conforme

exposto por Silva (1995). Essa representação da população negra no livro

didático contraria a invisibilidade do negro no livro didático encontradas em

pesquisas anteriores aqui já citadas.

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FIGURA 7 - GRÁFICO DE DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

SEGUNDO COR DE PELE

Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São Paulo:

Moderna, 2015. p.68.

A próxima seção é “Os afro-brasileiros e o Brasil atual”, e inicia-se falando

sobre as comunidades remanescentes de quilombos. Além da definição de

quilombo, o texto traz a Constituição Brasileira de 1988, e como esta contribui

para a garantia do direito aos quilombolas a propriedade de suas terras. O texto

também aborda o número de comunidades quilombolas identificadas, que na

época de produção do livro superavam 3.500, além dos problemas atualmente

enfrentados pelos quilombolas quanto ao reconhecimento oficial e titulação de

suas terras.

Santos (2010) coloca que estudar as comunidades remanescentes

quilombolas, a composição atual dos descendentes quilombolas e as lutas que

estes enfrentam atualmente para o reconhecimento de suas terras é uma forma

de contribuir para a desconolização do ensino de geografia. E é o que a obra faz

com relação aos quilombolas. Neste texto é apresentado um mapa com a

distribuição das comunidades quilombolas pelo Brasil. E junto com um mapa é

proposta uma atividade de identificação dos estados brasileiros com o maior

número de comunidades, e pede para o estudante identificar também o número

de comunidades no estado em que ele vive.

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FIGURA 8 – MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO DAS COMUNIDADES

REMANESCENTES QUILOMBOLAS NO BRASIL

Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São Paulo:

Moderna, 2015. p.69.

Contrariando ao que foi encontrado em seus estudos por Santos (2010)

quando chama atenção para os livros didáticos de Geografia afirmando que

estes não problematizam sobre as relações raciais na formação do Brasil, a obra

didática do 7º ano Expedições Geográficas, realiza esta problematização. A

exemplo destas problematizações realizadas pela obra, dentro do capítulo

“Brasil: a diversidade cultural e os afro-brasileiros” a obra realiza a abordagem

de assuntos sobre as desigualdades econômicas entre negros e não negros,

apresentando reportagens e dados estatísticos em forma de gráficos que

ilustram tais disparidades.

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FIGURA 9 – PROBLEMATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL

Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São Paulo:

Moderna, 2015. p.70.

A obra também realiza uma abordagem quanto os movimentos de lutas

afro-brasileiros. Apresentando uma breve introdução sobre estas organizações,

dizendo que começaram a surgir logo após a abolição da escravatura, as

influências que tiveram de outros países.

Uma seção do livro didático se dedica a falar sobre as ações afirmativas

no Brasil. No texto é explicado o que se entende por ações afirmativas, o seu

contexto de criação como política pública, e a necessidade de sua existência. O

texto realiza uma abordagem sobre a política de cotas e como essa influencia na

entrada de afro-brasileiros no ensino superior, utilizando um gráfico para ilustrar

tal situação.

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FIGURA 10 – GRÁFICO SOBRE A ENTRADA DOS AFRO-BRASILEIROS NO

ENSINO SUPERIOR

Ao final do capítulo, é reservada uma parte para as atividades. São

propostas atividades que estimulam ao aluno a refletir sobre os conteúdos

estudados, auxiliando assim na problematização e reflexão sobre as relações

raciais nas salas de aula. Entendemos que tais atividades atuam como auxílio

para o professor a trabalhar com a temática, além de estimular a discussão e

debates sobre o assunto. Algumas atividades são acompanhadas por trechos de

reportagens, outras por cartuns.

Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições

geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São Paulo: Moderna, 2015. p.71.

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FIGURAS 11 E 12 – ATIVIDADES PROPOSTAS QUE FOMENTAM A

DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL

No Capítulo 24 “Região Sudeste: população e economia” também

encontramos atividades ao final do capítulo que estimulam o aluno a pensar

sobre as relações de trabalho nas fazendas brasileiras antes de depois da

abolição da escravatura.

IMAGEM 10. Fonte: ADAS, Melhem;

ADAS, Sérgio. Expedições geográficas,

7º ano. 2ª. ed. São Paulo: Moderna,

2015. p.72.

IMAGEM 11. Fonte: ADAS, Melhem;

ADAS, Sérgio. Expedições

geográficas, 7º ano. 2ª. ed. São

Paulo: Moderna, 2015. p.73.

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76

FIGURA 13 - ATIVIDADE PROPOSTA SOBRE RELAÇÕES DE TRABALHO

ANTES DE DEPOIS DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA.

Embora na obra didática em questão haja um capítulo inteiramente

destinado a discussão das relações raciais no Brasil, elas não ficam restritas

apenas a este parte do livro. É possível encontrar abordagens da temática

étnico-racial distribuída por toda a obra. No percurso 11 “A industrialização

brasileira”, está localizada a seção “Discriminação contra o trabalho da mulher e

do negro”. No texto desta questão são abordadas as dificuldades enfrentadas

por mulheres e negros no mercado de trabalho. Abordando as disparidades

salariais e a dificuldade de ascensão a cargos de chefia nesses dois grupos,

. Fonte: ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio.

Expedições geográficas, 7º ano. 2ª. ed.

São Paulo: Moderna, 2015. p. 205.

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utilizando os conceitos de discriminação e racismo para justificar estas

disparidades. Tais conceitos estão destacados, pois a sua definição encontra-

se na lateral da página. A obra apresenta as seguintes definições para os

conceitos “Discriminação: tratamento injusto dado a pessoa por causa de

características pessoais.” “Racismo: preconceito contra pessoa de etnia

diferente.”

Observamos que a obra didática em questão se mostrou bastante

comprometida com a temática das relações étnico-raciais. Para tanto a obra aliou

o conteúdo a linguagem iconográfica, com a utilização de variados mapas e

gráficos para ilustrarem seus textos e auxiliar na interpretação dos dados

apresentados. A temática das relações raciais foi abordada ao longo de toda a

obra, tanto nos conteúdos quanto em atividades propostas que fomentam a

discussão na sala de aula sobre o assunto. Interpretamos, com base nas

informações expostas acima, que houve a preocupação com a superação do

branqueamento do currículo escolar de geografia, e com o atendimento a as

normativas da Lei nº 10.639/03.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando toda a dimensão que a temática das relações raciais no

Brasil assume, e os obstáculos que esta ainda enfrenta para a sua real

implementação nas salas de aula brasileiras, foi possível neste estudo verificar

que dentro do ensino de geografia, a abordagem da temática pode ser dada em

múltiplas possibilidades. E que a geografia, enquanto disciplina escolar carrega

consigo um importante papel na promoção de uma educação antiracista, pois

seu conteúdo se revela como um campo de múltiplas possibilidades de

abordagens que contemplem aos parâmetros da Lei nº 10.639/03.

Percebemos que mesmo o PNLD estabelecendo um rigoroso edital ,

aliado a um minucioso processo de avaliação por especialistas, ainda é possível

encontrar falhas nos livros didáticos. Falhas que inclusive se repetem como

demonstrado por outras pesquisas, como por exemplo, a invisibilidade do negro

nas obras.

Tivemos a oportunidade de analisar obras que se mostraram muito

distintas uma da outra. Onde cada uma, atendendo aos requisitos do edital,

abordou a referida temática de uma maneira ora de maneira mais comprometida,

ora de maneira sutil. Uma trazendo dados estatísticos, discussões,

interdisciplinaridade com a história, realizando uma abordagem das relações

raciais por toda a obra; outra menos, sendo bem pontual na sua abordagem e

não a desenvolvendo de maneira efetiva em seu conteúdo, sendo o negro é

representado apenas nas imagens.

Interpretamos esta diferença de abordagem da temática das relações

raciais nas obras, como um reforço sobre a importância que se tem o processo

de escolha das coleções didáticas pelos docentes e diretores das instituições

escolares. São estes agentes pedagógicos que detém o poder de escolha das

obras didáticas que serão utilizadas em suas escolas, e optar por uma coleção

que esteja de acordo com a prática pedagógica desenvolvida na escola auxilia

no trabalho do professor.

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ANEXOS

ROTEIRO AVALIATIVO

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1 - Identificação geral da obra (descrição):

Nome da coleção didática

Autor (a)

Editora

Ano PNLD:

Ano escolar destinado

2 – Conceitos e abordagens

a) A obra problematiza sobre as relações raciais na formação do Brasil?

b) O trato com a diversidade da origem dos povos imigrantes europeus é o

mesmo dado a diversidade de origem dos povos africanos traficados para

o Brasil?

c) A obra aborda o papel do negro brasileiro nos ciclos econômicos do país?

d) A obra trás elementos sobre a resistência negra ao sistema escravagista

no Brasil? De que maneira?

e) A obra realiza a abordagem da “democracia racial brasileira”? Como?

f) A obra traz informações sobre desigualdades raciais, sociais,

econômicas, o racismo e seus efeitos sobre quem sofre?

g) A obra traz informações sobre o contingente populacional de negros atual

no Brasil?

h) A obra aborda de que maneira a herança cultural trazida da África e suas

contribuições para a cultura popular brasileira?

ROTEIRO AVALIATIVO

1 - Identificação geral da obra (descrição):

Nome da coleção didática: Expedições Geográficas

Autor (a): Melhem Adas e Sergio Adas

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Editora: Moderna

Ano PNLD: 2017

Ano escolar destinado: 7º

2 – Conceitos e abordagens

a) A obra problematiza sobre as relações raciais na formação do Brasil?

Sim. A obra problematiza as relações raciais no Brasil dedicando o capitulo 8

inteiramente a discussão sobre a diversidade cultural e os afrobrasileiros. Este

capítulo está localizado dentro da unidade 2, que trata dobre a população

brasileira. Suas seções são: “Brasil: país de muitos povos e culturas”; “Grupos

formadores da população brasileira”; “Os brasileiros nos censos do IBGE”; “Os

afrobrasileiros no Brasil atual”. A Estação cidadania do capítulo 8 tem como tema

a “Desigualdade de rendimento segundo a cor”. As problematizações quanto às

relações raciais não são exclusivas deste capítulo, estão distribuídas ao longo

da obra.

b) O trato com a diversidade da origem dos povos imigrantes europeus é o

mesmo dado a diversidade de origem dos povos africanos traficados para o

Brasil?

Sim. O livro quando fala das imigrações para o Brasil cita as forçadas

(escravidão) e as de livre ou espontânea vontade. Nesse contexto o livro

generaliza a origem de todos são africanos, europeus e asiáticos. Quanto a

questão de especificar a origem dos povos o livro também traz uma seção onde

é apresentado um mapa com as áreas de origem dos afrobrasileiros e para qual

região do Brasil foram traficados. A obra também tem o mesmo cuidado com os

indígenas, apresentando um mapa com os principais povos indígenas do Brasil

em 1500, e outro com a distribuição das terras indígenas em 2012.

C) A obra aborda o papel do negro brasileiro nos ciclos econômicos do país?

Sim. A obra fala a utilização da mão de obra escrava nas principais

atividades econômicas do Brasil colonial, e destaca a contribuição desta para o

desenvolvimento econômico do país. No capítulo 11 que diz sobre a

industrialização brasileira, é tratada a questão da discriminação contra a mulher

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e o negro no mercado de trabalho. Abordando as disparidades salariais e a

dificuldade de ascensão a cargos de chefia nesses dois grupos.

d) A obra trás elementos sobre a resistência negra ao sistema escravagista

no Brasil? De que maneira?

Sim. A obra possui uma seção onde fala sobre as comunidades remanescentes

de quilombos, apresentando a sua distribuição pelo território brasileiro por meio

de um mapa. O texto da seção cita a Constituição Brasileira de 1988 que

concedeu direito a propriedade aos quilombolas, dando destaque a visibilidade

alcançada por estas comunidades desde então. Também é abordado o

crescente número de comunidades remanescentes quilombolas com titulação, e

a dificuldade de se alcançar tal titulação por parte da justiça, e conflitos entre

quilombolas, posseiros e fazendeiros.

Além a resistência escravagista o livro também aborda os movimentos atuais de

luta dos afrobrasileiros por igualdade social e melhores condições de vida.

Realizando uma breve introdução sobre a história desses movimentos. A obra

também apresenta uma das inúmeras conquistas destes movimentos, que são

as ações afirmativas. Uma seção da obra é utilizada para explicar o que são as

ações afirmativas, o seu contexto de criação como política pública, e a

necessidade de sua existência.

e) A obra realiza a abordagem da “democracia racial brasileira”? Como?

Sim. A obra não fala diretamente sobre o mito da democracia racial, mas o

contradiz a todo o momento. Para tanto ela aborda temas como racismo e

discriminação no mercado de trabalho.

f) A obra traz informações sobre desigualdades raciais, sociais,

econômicas, o racismo e seus efeitos sobre quem sofre?

Sim. O livro possui uma seção que diz sobre desigualdades entre negros

e não negros. Além de abordar por meio de textos e reportagens as

desigualdades econômicas, educacionais e sociais. A obra também fala sobre o

racismo e a discriminação e o racismo no mercado de trabalho e as

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conseqüências na carreira do negro. Veicula tais dados também por meio de

mapas e gráficos para melhor visualização e entendimento. Também

g) A obra traz informações sobre o contingente populacional de negros atual

no Brasil?

Sim. A obra utiliza de dados do censo 2010 do IBGE para falar sobre o

contingente populacional brasileiro e a distribuição da população segundo cor de

pele. O livro apresenta um gráfico de distribuição da população segundo cor de

pele, com a porcentagem da população que se auto-declara de acordo com as

cores branca, parda, preta, amarela, e indígena.

h) A obra aborda de que maneira a herança cultural trazida da África e suas

contribuições para a cultura popular brasileira?

Com relação a aspectos culturais brasileiros estes são praticamente inexistentes

na obra, tanto os de origem africana, quanto indígena e européia. E quando há

menção a cultura brasileira, essa é apresentada como de grande diversidade

devido a miscigenação de vários povos que originou a população brasileira.

ROTEIRO AVALIATIVO

1 - Identificação geral da obra (descrição):

Nome da coleção didática – Vontade de Saber – Geografia

Autor (a) – Neiva Torrezani

Editora - FTD

Ano PNLD - 2017

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Ano escolar destinado – 7º

2 – Conceitos e abordagens

a) A obra problematiza sobre as relações raciais na formação do Brasil?

Não.

b) O trato com a diversidade da origem dos povos imigrantes europeus é o

mesmo dado a diversidade de origem dos povos africanos traficados para o

Brasil?

Não. Os negros africanos traficados para o Brasil são reconhecidos na obra

como povos com características culturais e físicas diferentes, porém em

momento algum é especificada a origem destes, são tratados como africanos

(pag. 44). Contudo, os povos europeus são representados conforme a sua região

de origem.

c) A obra aborda o papel do negro brasileiro nos ciclos econômicos do país?

Não. Nas pag. 22 e 23 do livro didático é apresentado o conteúdo “Os principais

ciclos econômicos e a ocupação do território”, na forma de um esquema-resumo

progressivo, que inicia no sec XVI e termina no sec XIX. Nesse esquema são

apresentados os diferentes ciclos econômicos do Brasil, falando da ocupação do

território pelos europeus, atividades desempenhadas, criação de cidades,

terminando na independência. Em nenhum momento, neste item, é abordado

sobre a presença e as contribuições dos negros e indígenas, mesmo como mão

de obra escrava. Nas paginas anteriores (20 e 21) é falada sobre a presença dos

indígenas no território anterior a chegada dos europeus, e sua população atual

no Brasil. Porém a drástica redução na população de indígenas existentes no

país atualmente, em comparação a estimada antes da chegada dos

portugueses, é atribuída na mortalidade no confronto com os colonizadores e

doenças adquiridas destes. Não falam sobre a escravização dos indígenas.

Desde o início do livro (pag.12) até a 23 ainda não foi citada a presença do negro

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africano no Brasil. Os indígenas são novamente retratados no capítulo referente

a região centro-oeste

d) A obra trás elementos sobre a resistência negra ao sistema escravagista no

Brasil? De que maneira?

Sim. Contudo, esta não é apresentada como forma de resistência. Na

seção “Explorando o tema” (pag.68) é tratado sobre os quilombolas, realizando

uma definição esta insuficiente, pois não está atrelada a definição de quilombo

e a nenhum contexto histórico. É apresentada a imagem de uma criança

quilombola inexpressiva com outras crianças brincando ao fundo. Também há

um mapa com a distribuição das comunidades quilombolas pelo Brasil, embora

a autora identifique o mapa como de localização, entendemos que está sendo

representada a distribuição.

e) A obra realiza a abordagem da “democracia racial brasileira”? Como?

Não. Na obra ela é ignorada.

f) A obra traz informações sobre desigualdades raciais, sociais, econômicas

enfrentadas pelos negros, o racismo e seus efeitos sobre quem sofre?

Não. No capitulo sobre a população brasileira, os dados dispostos tratam da

população brasileira na sua totalidade. Na seção “A distribuição da renda entre

a população brasileira” (pag.66) seria uma boa oportunidade para trabalhar com

as questões de diferença econômica entre negros e não negros no Brasil, porém

esta não é realizada. É apresentada na seção uma mulher negra na figura de

uma empresária, no grupo dos mais ricos da população.

g) A obra traz informações sobre o contingente populacional de negros atual no

Brasil?

Não. A obra traz informações sobre o contingente populacional total do Brasil, e

dos indígenas não apresentando dados sobre os negros.

h) A obra aborda de que maneira a herança cultural trazida da África e suas

contribuições para a cultura popular brasileira?

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Sobre costumes preservados (pag. 44) a obra fala sobre famílias de origem

imigrante que ainda preservam costumes dos países de origem dos seus

ancestrais. A exemplo deste, trazem a imagem de mulheres de ascendência

japonesa preparando bolinhos de arroz. Não aborda costumes de origem

africana. Diz que os costumes brasileiros são oriundos da miscigenação. A

herança cultural é abordada novamente no capítulo referente e região sul do

país, e novamente fala da herança cultural dos imigrantes agora italianos (pag.

151)