Relacoes- sujeito-objcto
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Mrio Srgio Vasconcelos
Marcelo Carbone Carneiro
Elizabeth Piemonte Constantino(Orgs.)
So Paulo - 2014
1 Edio
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Copyright Cultura Acadmica, 2014
Editora UnespPraa da S, 108
01001-900 So Paulo - SPwww.editoraunesp.com.br
Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto / Mrio SrgioVasconcelos, Marcelo Carbone Carneiro e Elizabeth Piemonte
Constantino (organizadores). So Paulo: Cultura Acadmica, 2014.116 p. ; 21 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7983-514-8
1. Psicologia. 2. Relaes sujeito-objeto. I. Vasconcelos, Mrio S-
rgio. II. Carneiro, Marcelo Carbone. III. Constantino, Elizabeth Pie-
monte. IV. Ttulo.
CDD: 150.1
P9742
Comisso Editorial e Cientfica
Joo Batista Martins (UEL)
Valria Amorin Arantes (FEUSP)Francisco Haschimoto (FCLAssis/UNESP)
Jonas Gonalves Coelho (FAAC Bauru/UNESP)
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Sumrio
Prefcio .............................................................................................................7
Apresentao .................................................................................................11
Construtivismo e epistemologia gentica ...............................................15
Mrio Srgio VASCONCELOS, Leonardo LEMOS DE SOUZA,
Maria Elvira BELLOTTO, Marcelo Carbone CARNEIRO, Amlia
de Lourdes MENCK e Luciane Guimares Batistella BIANCHINI
Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia.....................39
Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Alvaro Marcel Palomo
ALVES, Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS e Cludia
Aparecida Valderramas GOMES
Representaes sociais no contemporneo .............................................55Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Deborah Karolina PEREZ,
Ktia Hatsue ENDO, Lus Fernando ROCHA e Luiz Bosco
Sardinha MACHADO JNIOR
A vinculao do sujeito ao seu mundo: o construcionismo social ......71
Joana Sanches JUSTO, Mrio Srgio VASCONCELOS, Jos Sterza
JUSTO e Adriano da Silva ROZENDO
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do mtodo cartogrfico.87
Mrcio Alessandro Neman do NASCIMENTO, Tnia PINAFI e
Wiliam Siqueira PERES
Sobre os autores ...........................................................................................109
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Dancing on the edgefoi o tema escolhido para o Quinto Con-
gresso Europeu de Psicologia realizado em Dublin, no ano de 1997,
tendo como referncia a ento recente comemorao do primeiro
centenrio da criao do Laboratrio de Psicologia de Wundt, emLeipzig. A ambiguidade inerente ao tema propicia inmeras inter-
pretaes, tais como as tenses entre avano do conhecimento e
a aplicao da tecnologia dela resultante, e entre as realizaes da
Psicologia no sculo anterior e as perspectivas no limiar do novo
sculo e milnio, para mencionarmos apenas duas. Desse evento,
para o qual foram convidados pesquisadores de diversas subreas
da Psicologia para fazer um balano dos seus respectivos campos,resultou um livro organizado por Ray Fuller, Patricia Noonam Wal-
sh e Patrick McGinley denominadoA century of Psychology. Nele, os
organizadores avaliam que o sculo teria testemunhado um explo-
sivo crescimento da Psicologia, mudando irremediavelmente nossa
concepo do significado do ser humano. Por essa razo, afirmam,
corrigindo o ttulo que deram ao livro, de que se tratou no de um
sculo dePsicologia, mas do sculo daPsicologia.
O sculo XX, que os autores acima referidos afirmam ser da
Psicologia, foi avaliado pelo historiador marxista Eric Hobsbawm
como o sculo dos extremos. De uma lado, os resultados alcanados
PREFCIO
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pela cincia e pela tecnologia no sculo XX certamente ultrapas-
saram as expectativas do mais otimista visionrio do sculo XIX.
No preciso ir longe: basta lembrar o que mudou em um sculo notransporte areo, nas telecomunicaes, no processamento da infor-
mao, na biotecnologia, apenas para citar alguns exemplos. Toda-
via, Hobsbawm lembra, invocando o testemunho de personalidades
marcantes do sculo XX, que foi o sculo mais destrutivo da histria
da Humanidade.
Os extremos podem, tambm, ser representados pelo avano no
domnio da natureza pelas cincias naturais e pela tecnologia, assim
como pela imensa incapacidade da Humanidade em equacionar as
questes humanas fundamentais. Embora no se possam imputar
esses fracassos s cincias do homem, impossvel negar a nossa
responsabilidade: avanamos pouco nesse campo. Ou teria a Psico-
logia, em seusculo, contribudo decisivamente para o que Berthold
Brecht definia como o nico objetivo admissvel para a cincia, a de
reduzir a misria da existncia humana?
No campo da produo de conhecimento, o crescimento do
volume das publicaes da rea extraordinrio, tanto em termos
mundiais, como no caso brasileiro. Nosso pas liderana absoluta
entre as naes latino-americanas, ocupa uma posio de destaque
no grupo dos pases do BRICS e se situa frente da maior parte das
naes europeias quanto ao volume de publicaes indexadas. E a
Psicologia e a Psiquiatria esto na linha de frente desse crescimento.
No possvel, portanto, negar o imenso avano no conheci-
mento produzido pela Psicologia nesse sculo. Todavia, para que
possamos subscrever a tese de que se tratou do sculo daPsicologia,
teramos de admitir que algumas das questes fundamentais da Psi-
cologia como campo do saber e como uma tecnologia de interveno
nas questes cruciais enfrentadas pela Humanidade no sculo quefindou teriam sido, minimamente, equacionadas.
Ao lado das avaliaes mais otimistas, teses (polmicas) como
a de que a Psicologia constitui uma disciplina pr-paradigmtica,
as constataes de que ela um espao de fragmentao, as crticas
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9Prefcio |
com relao s insuficincias do saber psicolgico em compreender
as novas configuraes da sociabilidade humanas, so abundantes.
nesse terreno de polmica que se situa esta obra, Psicologia:
reflexes sobre as relaes sujeito objeto.O livro aborda, de maneira
bastante didtica, cinco das principais vertentes do conhecimento
no campo da Psicologia. E indaga: possvel um dilogo entre elas?
Em que medida abordagens tericas que partem de perspectivas
epistemolgicas to dspares como as que encontramos na Psicolo-
gia podem encontrar pontos de convergncia? Em que medida pode
o psiclogo lanar mo de contributos dessas perspectivas tericas
diversas sem resvalar no ecletismo? A estruturao do texto um
dos seus pontos fortes: inicia situando o leitor no campo epistemol-
gico, no qual a discusso da Psicologia se coloca, para, na sequncia,
apresentar os rebatimentos para a Psicologia.
Certamente, a tarefa abraada pelos autores e organizadores do
livro, docentes e discentes vinculados Universidade Estadual Pau-
lista Jlio de Mesquita Filho, campus de Assis, no simples. Mas ela
no poderia ser diferente, dada a complexidade do campo em que os
autores se movimentam.
No tenho dvidas de que estamos diante de uma obra que tem
uma importante contribuio a dar no tratamento da relao epis-
temologia/psicologia e que oferece um valioso material de consulta
para os cursos de formao em Psicologia. Nunca demais enfatizar
que o livro trata de questes essenciais que so, muitas vezes, negli-
genciadas nos nossos cursos.
Gostaria, para finalizar, de ressaltar um aspecto que julgo de
fundamental importncia: o livro que ora se apresenta ao leitor foge
de uma tendncia corrente na academia, que se poderia denominar
solipsismo intelectual. Eventualmente, poderemos chegar con-
cluso de que a Psicologia inexoravelmente um campo de diversi-dade, mas no pelo caminho da intolerncia. O que este livro busca
exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradio cara academia,
que o estabelecimento de imprescindveis espaos de interlocuo.
Um pequeno passo, mas indispensvel no caminho de uma efetiva
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consolidao da Psicologia, para, qui, fazer jus avaliao de co-
nhecimento desse sculo.
Natal, maio de 2013
Oswaldo H. Yamamoto
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possvel um dilogo aprofundado entre diferentes modelos
tericos no campo da Psicologia? Distintas bases epistemolgicas
permitem aproximaes conceituais entre teorias? A relao sujeito-
-objeto presente em cada referencial implica em uma nica meto-dologia de trabalho? Uma pesquisa temtica emprica pode utilizar
diferentes modelos tericos? Foram questes desta natureza, surgi-
das nas discusses realizadas no Grupo de Pesquisa Epistemologia
e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano, que
despertaram nosso interesse em organizar este livro. A partir do
confronto de ideias a respeito da relao sujeito e objeto nas dife-
rentes abordagens psicolgicas subjacentes aos projetos de pesquisados participantes do grupo, ficamos instigados para compor uma
obra que pudesse oferecer aos estudantes de graduao e iniciantes
de ps-graduao elementos terico-metodolgicos fundamentais
para o debate sobre o fazer cientfico em Psicologia.
Nesta perspectiva, os captulos que constituem este livro foram
elaborados num formato semelhante: comeam localizando, de for-
ma breve, as bases epistemolgicas das teorias abordadas, para, em
seguida, discutir as suas implicaes no campo da Psicologia, com
destaque para os principais protagonistas dessas teorias.
APRESENTAO
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Assim, o primeiro captulo focaliza as vrias vertentes tericas
que englobam o construtivismo, cujo principal representante , sem
dvida, Jean Piaget. Na epistemologia construtivista, desde sua ori-gem na filosofia, o processo de construo do conhecimento inte-
rativo, no cabendo a clssica distino que separa e coloca em p-
los antitticos o sujeito e o objeto. Para Piaget, abordar o problema
do conhecimento pressupe ultrapassar a ideia de uma adaptao
simples e, inevitavelmente, nos remete ao problema da permanen-
te construo de novidades e de novas possibilidades criativas. A
atualizao de uma ao ou de uma ideia pressupe, antes de tudo,
que elas tenham sido tornadas possveis no processo interativo entre
sujeito e objeto. Uma novidade, na medida em que se diferencia de
construes cognitivas anteriores, compreendida como uma reor-
ganizao dos elementos estruturais num novo sistema de relaes
que amplia o mbito das abstraes e do pensamento humano.
O captulo seguinte trata da teoria histrico-cultural de
Vygotsky, autor que, sem dvida, contribuiu de maneira significati-
va para anlise das questes metodolgicas em Psicologia. Em seus
escritos, ele discute a crise dos paradigmas objetivistas e idealistas,
predominantes na cincia psicolgica do sculo XX, que produzi-
ram as dicotomias entre interno/externo, indivduo/sociedade e,
principalmente, entre sujeito/objeto. Baseando-se nos princpios do
materialismo histrico e dialtico, Vygotsky viu a possibilidade de
romper com tendncias conf litantes na compreenso do psiquismo,
da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste sentido, a
importncia do sujeito ativo e a existncia objetiva do objeto so
mantidas e formam uma unidade de contrrios que agem continua-
mente um sobre o outro.
Outra tentativa de superao dessas dicotomias apresentada,
no terceiro captulo, atravs da Teoria das Representaes Sociaisformulada por Moscovici. A representao social, entendida como
processo de assimilao da realidade pelo indivduo, atua como
elemento de mediao entre o homem e a sociedade, vinculando o
objeto a um sistema de valores, noes e prticas, conforme a viso
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13Apresentao |
de mundo do sujeito. Isso no significa que o sujeito passivamente
determinado por uma representao exterior a ele, nem que a re-
presentao moldada na mente individual. Desse modo, sujeito eobjeto formam uma relao dialtica, um processo no qual o sujeito
ativo, reelabora o prprio objeto e o reconstri em seu sistema cog-
nitivo, a partir de sua histria pessoal e do contexto social e ideol-
gico em que est inserido.
Na teoria do construcionismo social, foco do quarto captulo,
as terminologias sujeito e objeto se completam, uma vez que no
h supremacia de um sobre o outro. Diferentemente da teoria das
representaes sociais, essa teoria postula que a construo de sen-
tidos pelo sujeito acontece nas prticas sociais cotidianas e emerge
da interao, no estando nem no polo de uma interioridade indivi-
dual, nem no polo de determinaes objetivas. Portanto, o sentido
uma construo social, intermediada pela linguagem e pelos siste-
mas de significao que do sentido ao mundo. Sendo rejeitados os
discursos universalizantes e generalizveis sobre a relao sujeito e
objeto, os saberes sobre o objeto devem ser construdos no contato
direto com ele, delegando-se a autoria do saber ao sujeito que narra
a sua prpria histria.
Em contraste aos enfoques acima abordados, o quinto e ltimo
captulo se ocupa do mtodo cartogrfico, que prope a emergncia
de um novo paradigma para as cincias contemporneas. Tal atitude
abandona as intenes da cincia moderna e pretende compreender
a relao sujeito - objeto campo social numa trade discursiva. Fica
claro, no texto, que a pesquisa cartogrfica sempre um rizoma,
aberto para entender o fluxo do desejo e, principalmente, do discur-
so social que busca aprisionar a vida e, por conseqncia, o sujeito.
Para finalizar, devemos enfatizar que os textos que compem
esta publicao representam apenas o ponto de partida para o co-nhecimento das singularidades de cada aporte terico aqui discu-
tido. preciso lembrar, ainda, que existem muitas questes sobre
as quais no nos debruamos, mas, mesmo assim, acreditamos que
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esta obra propicie o debate e contribua para o aprofundamento da
pesquisa no campo da Psicologia.
Elizabeth Piemonte Constantino
Marcelo Carbone Carneiro
Mrio Srgio Vasconcelos
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O termo construtivismo tem sido utilizado em diferentes reas
do conhecimento e carrega consigo aquecidos debates epistemol-
gicos no campo da filosofia, histria da cincia, fsica, psicologia,
sociologia, literatura e artes. Possui variaes em suas definies eem algumas reas chegou a alcanar dimenso de sistema terico-
-metodolgico. Embora na atualidade o uso do termo seja frequente,
a ideia construtivista no nova. Perpassa discusses desde a Gr-
cia antiga e, em sua concepo mais abrangente,traduz uma viso de
mundo e realidade retratada na relao entre sujeito e objeto.
No teatro, por exemplo, o construtivismo caracterizou-se como
uma nova forma de representao esttica. Representou o rompi-mento com o naturalismo divino, propondo um estilo de cenogra-
fia e encenao que, no palco, se materializa em gestos e estruturas
tridimensionais formada por praticveis, escadas, caixas, andaimes,
manequins etc., expressivamente simplificadas, por meio das quais
se objetivava a abstrao e estilizao do real. O teatro construtivista
difundiu-se em vrios pases e muitos atores e teatrlogos assumi-
ram essa esttica. Entre os mais conhecidos esto Meyerhold, Tairov,
Construtivismo e epistemologia gentica
Mrio Srgio VASCONCELOSLeonardo LEMOS DE SOUZA
Maria Elvira BELLOTTOMarcelo Carbone CARNEIRO
Amlia de Lourdes MENCKLuciane Guimares Batistella BIANCHINI
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Bauhaus, Kantor, Schlemmer e outros1. Tadeusz Kantor (1915-1990),
artista polons, referindo-se a esse movimento expressou-se da se-
guinte maneira:
o construtivismo reivindicava a emancipao da
arte das rdeas da reproduo naturalista da vida.
Tal emancipao era a condio necessria para
criar uma obra autnoma, independente, uma cria-
o no mesmo nvel hierrquico da natureza, ou de
Deus. A obra humana e no a obra da natureza ou
obra divina. (KANTOR, 1993, p. 30).
Nas artes plsticas o construtivismo se constituiu num movi-
mento semelhante ao do teatro e, no incio, tendo como principal
protagonista Vladimir Tatlin (1885-1953), se desenvolveu princi-
palmente entre artistas russos no perodo revolucionrio da extintaUnio Sovitica. Ganhou notoriedade pela disposio rigidamente
formal do espao, das massas e dos volumes e pela utilizao de
materiais e tcnicas industriais modernas (plsticos, metal, vidros,
etc.). No cinema, tambm da Rssia, o nome de maior destaque foi
Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor da obra prima O Encouraa-
do Potemkin(1925). Sua cmera filmou fatos cotidianos assim como
eles se apresentavam, num sentido de urgncia e especialmente deimprevisto. Defendia a necessidade do registro das imagens sem que
o processo de filmagens interferisse no comportamento natural des-
sa realidade, isto , os fatos do cotidiano precisavam ser filmados
sem destruir a espontaneidade do registro. Como tcnica, explorava
1 No Brasil, nas artes, o construtivismo no se constituiu num movimen-to artstico articulado, mas ganhou flego entre os concretistas. No te-atro e no cinema, alguns diretores como Jos Celso Martinez Correa,Amir Haddad, Glauber Rocha, vez ou outra, foram denominados cons-trutivistas.
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profundamente o contraste de imagens para expressar a realidade
histrica.
O construtivismo sovitico, em suas vrias modalidades, in-fluenciou artistas, escritores e educadores em todo o mundo. Tam-
bm ganhou notoriedade atravs de trabalhos e instalaes crticas
e reflexivas confeccionadas com metais e sucatas, nos quais a juno
de vrias peas de diferentes utilidades articulava-se em um novo
significado (VASCONCELOS; MELLES, 2004). Nessa perspectiva, a
utilizao de sucatas coloca a pessoa em contato com objetos descar-
tados, com possibilidades de resignific-los por meio de sua prpria
ao. As partes resignificadas tornam a formar uma nova totalidade.
A arte com sucata traz consigo o elemento da transformao: era sig-
nificado, deixou de ser e ser significado. A sucata pode permane-
cer com aspecto de lixo, de amontoado, de cacarecos misturados e
confusos de serem distinguidos. Mas pode tambm, mediante o ato
criativo, dar origem a novos objetos expressivos. A novidade deses-
truturada (sucata) provoca o espanto e o desequilbrio instigando
o novo fazer. Procura-se a superao, expresso da construo do
conhecimento e de novas estruturas. A sucata inclui o objeto des-
manchado rumo a uma nova ordem, no desvencilhada do real, mas
a ordem humana da construo simblica e do pensamento.
A abrangncia do termo construtivismo perpassou discusses
epistemolgicas e posicionamentos sobre os mistrios do processo
criativo e do conhecimento humano. Dessa forma, inclu a discusso
filosfica e cientfica e, em tais esferas, de um modo geral, dois prin-
cpios podem ser anunciados. Em primeiro lugar, que o construtivis-
mo, em sua diversidade de interpretaes, traz uma regularidade de
significado, pois sempre aparece como uma construo e inveno
humana. Em segundo lugar, concebe o sujeito e objeto como entida-
des interdependentes.
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Na filosofia e na cincia
Na histria da filosofia no possvel afirmar com preciso,
quando o termo construtivismo comeou a ser utilizado. Prez
(1996), afirma que o primeiro construtivista foi Protgoras. Nascido
aproximadamente no ano 490 a.C., Protgoras viveu em Atenas e
na Siclia. Chegando a Atenas em 444 a.C., ganhou aprecivel fama
como mestre sofista. Dedicou-se ao ensino de jovens baseado na arte
do discurso persuasivo, exercitando as tcnicas de arguir a favor das
duas faces de um mesmo argumento. Num ambiente acostumado a
ouvir que a verdade, produzida por deuses, era eterna e imutvel,
exps provocativamente a frase com a qual inicia seu texto Sobre a
Verdade, dizendo: O homem a medida de todas as coisas: das coi-
sas que existem, como existentes; das coisas que no existem, como
no existentes (PROTGORAS apud PREZ, 1996, p. 27).
Para um mundo cuja tradio intelectual considerava comofato as essncias permanentes, Protgoras provocou uma ruptura ao
apresentar uma proposta na qual o homem o nico responsvel
por suas ideias. Surge, assim, pela primeira vez, uma formulao do
homem como construtor da realidade e uma proposio no deter-
minista relativa origem, ao sentido e ao valor do conhecimento
para os homens, j que a verdade somente aquilo que se manifesta
ante a conscincia, nada em si e para si, pois tudo contm uma ver-dade relativa (PROTGORAS apud PREZ, 2002, p. 4).
Com um olhar que antecipa os pressupostos do iluminismo e da
ilustrao do sc. XVIII, Protgoras nega toda a autoridade externa,
os orculos, os mitos e lendas hericas para impor os direitos do
pensamento. Enfatiza que nada que sustenta o pensamento tem sua
origem na vontade divina. Tal posio denota responsabilidade e
conscincia humana no ato de pensar e est relacionada com ques-tes e relaes sociais, que inevitavelmente envolvem as interaes
como ponto de partida de constituies de pensamentos, persuaso
e conflitos.
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Ainda no perodo de ascenso das ideias gregas podemos encon-
trar outros pensadores precursores do construtivismo. Na escola fi-
losfica do ceticismo2, fundada por Pirrn de Elis (360-270 a.C.), foiproposto, pela primeira vez, de forma sistemtica, um conjunto de
argumentos para se questionar a possibilidade de um conhecimento
totalmente absoluto. Entende-se por ceticismo a dvida radical sobre
o conhecimento verdadeiro. Pirrn de Elis considerou fracassado o
propsito de se fixar um critrio firme para determinar a verdade
ou a falsidade das coisas. Sua crtica ao objetivo e ao absoluto se
apoia na ideia de que os homens so incapazes de conhecer os obje-
tos fora dos limites de sua percepo sensorial, pois esta no garante
uma apreenso das coisas tal qual elas so. A percepo revela o que
parece, mas no se tem jamais o testemunho direto do que .
Von Glasersfeld (1996b), psiclogo e filsofo protagonista de
uma corrente atual de pensamento que denomina de construtivismo
radical3, fez as seguintes consideraes sobre o ceticismo:
Os cticos sustentavam que o que chegamos a co-
nhecer passa por nosso sistema sensorial e o nosso
sistema conceitual, e nos brinda com um quadro
ou uma imagem verdadeira de um mundo externo;
o que vemos visto de novo, atravs de nosso sis-
tema sensorial e nosso sistema conceitual. Fomos
apanhados, pois, num paradoxo. Queremos acre-
ditar que somos capazes de conhecer algo sobre o
mundo externo, mas jamais poderemos dizer se tal
conhecimento ou no verdadeiro, j que, para es-
tabelecer esta verdade, deveramos fazer uma com-
parao que simplesmente no podemos fazer. No
2 H uma multiplicidade de concepes cticas, nos restringiremos as te-ses fundamentais do ceticismo pirrnico.
3 Mais adiante faremos algumas consideraes a respeito do construtivis-mo radical.
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temos maneira de chegar ao mundo externo seno
atravs de nossa experincia dele; e, ao ter essa ex-
perincia, podemos cometer os mesmos erros; por
mais que o vssemos corretamente, no teramos
como saber que nossa viso correta. (VON GLA
SERSFELD, 1996b, p. 77).
Para os cticos, a natureza das coisas no pode ser conhecida;
no existe uma natureza slida essencial para decidir sobre a certezado conhecimento. Os juzos sobre a realidade seriam construes e
convenes, baseadas em sensaes mutveis. Anuncia-se a neces-
sidade de no se considerar verdadeiros os juzos formulados sobre
as coisas, pois so relativos aos modos que temos de perceb-los.
Vrios sculos depois, no sc. XVIII, Gianbattista Vico (1686-
1744) reivindica um valor maior para as manifestaes das fantasias
mentais e do pensamento que no pretende a objetividade. Destacaque o valor do conhecimento est no saber humano e em sua cons-
truo. Afirma, ainda, que (...) a verdade humana o que o homem
chega a conhecer ao constru-la, formando-a por suas aes (VICO,
1961, p. 38). Nessa perspectiva a cincia o conhecimento das ori-
gens, das formas e da maneira com a qual foram feitas as coisas. Sob
o princpio de que s podemos conhecer aquilo que criamos, Gian-
battista Vico separa o conhecimento divino do conhecimento hu-mano. O ato de criar e de constituir algo o que permite chegar ao
domnio dos elementos que tornam possveis o conhecimento. Para
Vico, o conhecimento decididamente uma construo humana.
Ainda no sc. XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) elaborou uma
teoria4que busca a compreenso de elementos envolvidos na cons-
truo do conhecimento. Buscando desvendar a relao desses ele-
4 A discusso sobre o Conhecimento em Kant aparece nos seguintes tex-tos: na Dissertao de 1770, na 1. edio da Crtica da Razo Pura(1781),nos Prolegmenos(1783) e na 2. edio da Crtica da Razo Pura(1787).
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mentos, indaga: na relao do sujeito com as coisas (objetos), como
conhecemos?
A contribuio da experincia inegvel na teoria do conheci-mento de Kant, no entanto, para o autor, o sujeito que organiza os
dados externos (construo) e estabelece relaes que possibilitam
o conhecimento. O projeto crtico de Kant consiste em substituir a
ideia de uma harmonia entre o sujeito e o objeto (acordo final) pelo
princpio de uma submisso necessria do objeto ao sujeito, pois a
faculdade de conhecer legisladora.
Para Kant o conhecimento uma construo das faculdades
da mente que organizam os objetos. Portanto, deve-se abandonar a
busca da essncia dos objetos e procurar investigar as condies do
conhecimento no sujeito, quer dizer, os objetos devem gravitar em
torno das formas a priori5do sujeito. Todo o nosso conhecimento
inclui a experincia, pois este desperta a faculdade da mente para
o exerccio e funciona como matria-bruta das intuies sensveis.
Mas, nem por isso se inicia na experincia, pois as faculdades da
mente organizam os objetos segundo formas apriori. Portanto, no
a nossa percepo sensvel que se regula pela natureza dos objetos
e no nosso intelecto que se deve regular pelos objetos para extrair
os conceitos, mas so os objetos que se regulam pelas formas inter-
nas ao sujeito.
No sc. XIX ganharam foras orientaes filosficas antagni-
cas aos pressupostos que valorizavam o papel do indivduo na cons-
truo do conhecimento, e que serviram de base para correntes
cientficas modernas e objetivas. O positivismo de Auguste Comte
(1798-1857), por exemplo, serviu de referencial para o objetivismo
psicolgico de John B. Watson (1878-1958)6. A maioria das cincias
5 A priori significa anterioridade cronolgica (anterior experincia) elgica (condio necessria para que algo seja).
6 O sistema de psicologia objetiva, denominado por Watson de behavio-rismo, desejava aplicar as tcnicas e os princpios da psicologia animalaos seres humanos. A esse aspecto positivo do behaviorismo foi dado o
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22 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto
que se ancoraram nos pressupostos positivistas se disps a reconhe-
cer e a compreender o mundo em seu carter objetivo, independen-
te do sujeito. Essa forte tendncia sustentou-se em paradigmas queviam a possibilidade de uma epistemologia cientfica livre de qual-
quer contaminao subjetiva7.
Contudo, desde o final do sc. XIX, tal posio tem sido muito
contestada, pois exterminar o sujeito tornar impossvel a obser-
vao e o conhecimento. Os filsofos Willian James (1842-1910) e
John Dewey (1859-1952), criticando a objetividade absoluta, se per-
guntavam como as coisas se tornaram reais para as pessoas. Mesmo
considerando as devidas diferenas entre as ideias desses dois pensa-
dores, conhecido que ambos propunham que toda distino entre
o real e o irreal se baseava em atividades mentais ativas. Destacaram
que possvel pensar de maneira diferente um mesmo objeto e valo-
rizaram o fato de que possvel eleger, por interesse, uma dessas ma-
neiras de pensar e desejar outras. Dewey, por exemplo, argumentava
que o ser humano tinha interesses profundos e interesses superfi-
ciais; o interesse era sempre o sinal de alguma capacidade subjacente
que deveria ser interpretada e utilizada8. James (1889) dizia que cada
mundo real sua maneira, mas sua realidade desaparece quando
desaparece a ateno.
Longe de estarmos afirmando que James e Dewey se enquadram
em qualquer denominao construtivista contempornea, o fato
nome de behaviorismo metodolgicoou emprico. O seu principal pontometodolgico se fundamentou na insistncia da primazia do comporta-mento (behavior) como fonte dos dados psicolgicos.
7 Desde essa poca iniciou-se uma longa discusso que culminou em con-fuses extremas como, por exemplo, a associao irredutvel de objeti-vidade com neutralidade.
8 As ideias de Dewey tinham como referncia o pragmatismo de WilliamJames. A noo de interesse conservou lugar de primeiro plano na hist-ria da educao, principalmente no denominado Movimento da EscolaNova que se desenvolveu em vrios pases no final do sc. XIX e inciodo sc. XX.
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que ambos valorizaram ainda mais o sujeito exaltando a ideia de
atividade. Nesse sentido, ideia de construo individual adicio-
nada a ideia de sujeito ativo, que mais tarde, no incio do sc. XX,ganharia mais destaque, no campo da psicologia, atravs de dou-
ard Claparde (1961) em suas pesquisas sobre psicologia gentica e
pedagogia experimental, e depois atravs da epistemologia gentica
de Jean Piaget.
O socilogo construtivista Alfred Schutz, simpatizante das
ideias de William James, ao expor sua concepo de conhecimento,
afirma que:
[...] todo nosso conhecimento do mundo, tanto no
sentido comum como no pensamento cientfico,
supe construes, quer dizer, conjuntos de abs-
traes, generalizaes, formalizaes e idealiza-
es prprias do nvel receptivo de organizao do
pensamento. Em termos estritos, os fatos puros e
simples no existem. O que constitui a realidade
no a estrutura ontolgica dos objetos, mas a in-
terao entre os sujeitos e esses objetos. (SCHUTZ,
1978, p. 35).
Recentemente na rea das cincias exatas, bastante receptiva aodebate que envolve a questo da objetividade e subjetividade no fa-
zer cientfico, o construtivismo tambm se faz presente. O matem-
tico, fsico e ciberntico austraco Heinz Von Foerster (1911-2002),
estimou que uma iluso peculiar de nossa tradio ocidental, presa
na objetividade, pretender que as propriedades do observador no
entrem nas descries de suas observaes. Este autor, que no cam-
po da fsica reconhecido como um pensador construtivista tem,por reiterada vezes, insistido que a objetividade a iluso de que
as observaes podem fazer-se sem um observador (VON FOERS-
TER, 1991 apudWATZLAWICK & KRIEG, 1994, p. 19).
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Paul Watzlawick (1921-2007), psiclogo e filsofo, ao analisar o
problema das relaes entre subjetividade e objetividade, no campo da
comunicao, apontou uma diferenciao entre uma realidade de pri-meira ordem e uma realidade de segunda ordem. Conforme essa di-
ferenciao, na primeira ordem esto os objetos fsicos com suas pro-
priedades, o sentido, o significado e o valor que lhes atribumos. Na
segunda ordem j existem critrios objetivos e a realidade de segunda
ordem constituda de processos de comunicao mais complexos
(WATZLAWICK, 1981, p. 149). Para esse autor, de um enfoque causal
e linear, passamos a um tipo interacionista, circular e sistmico.
As anlises feitas por Watzlawisck o levaram a afirmar que, em
termos gerais, no devir cotidiano, os homens no so conscientes
dos processos de construo da realidade. Para o autor:
o construtivismo moderno analisa aqueles processos
de percepo, de comportamento e de comunicao,
atravs dos quais nos inventamos propriamente e
no encontramos como ingenuamente supomos
nossas realidades individuais, sociais, cientficas e
ideolgicas. (WATZLAWICK, 1981, p. 123).
De um modo geral, o construtivismo ganhou distintas conota-
es em diferentes pocas e reas, mas manteve certa regularidadeconceitual sobre a valorizao da atividade do sujeito e a tendncia
interacionista nas relaes sujeito objeto.
Talvez a forma mais direta de corroborar o esprito das ideias
filosficas nomeadas como construtivistas tenha sido expressa por
Gregory Bateson (1904-1980) na rea da epistemologia da comuni-
cao ao afirmar que a realidade coisa da f (1972, p. 9). F no
sentido de criao humana, pois para Bateson no h dvida de que a interveno humana que outorga existncia realidade. A ideia
de que a realidade est ali, sem depender do sujeito, no tem lugar
em seu referencial construtivista.
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Na psicologia
No campo da psicologia, o trajeto do termo construtivismo no
foi diferente, pois vrios modelos tericos so denominados cons-
trutivistas. Nas ltimas dcadas, ganhou destaque o construtivismo
radical, expresso difundida pelo filsofo e psiclogo Ernest von
Glasersfeld (1996b)9. Para esse autor, radical em sua recusa em fo-
calizar outra coisa que no seja os modelos construdos pela mente
humana, sempre existe uma interdependncia entre o observador e
o mundo observado, mas essa relao, necessariamente, uma ela-
borao cognitiva do sujeito. A esse respeito, Von Glasersfeld (1996b,
p. 34) comenta que o construtivismo uma teoria do conhecimento
ativo, no uma epistemologia convencional que trata o conhecimen-
to como uma encarnao da verdade que reflete o mundo em si mes-
mo independente do sujeito cognoscente.
A partir dessa premissa o autor reconhece dois princpios bsi-cos no construtivismo radical. De um lado entende que o conheci-
mento no se recebe passivamente, nem surge meramente por ao
dos sentidos, nem por meio da comunicao, mas construdo pelo
sujeito cognoscente. Por outro lado, concebe que a funo da cog-
nio adaptativa e serve organizao do mundo experiencial do
sujeito, e no simplesmente ao descobrimento de uma realidade on-
tolgica objetiva. Em sntese, nessa perspectiva, o construtivismo uma proposta de situar-se frente experincia.
No sc. XX, sem sombra de dvida, duas correntes tericas fo-
ram as que mais se destacaram com a denominao de construtivis-
ta10. Uma foi a epistemologia gentica de Jean Piaget, a outra, para
9 Cabe destacar que esse autor no apresenta o construtivismo radical
como uma corrente dentro do construtivismo. Na realidade, entendeque o construtivismo radical e que essa radicalidade j se faz presentena obra de Jean Piaget.
10 So vrias as teorias que so relacionadas como construtivistas na psi-cologia. Infinitamente maior a quantidade de pesquisadores na rea
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muitos inadequadamente, a psicologia que emana das ideias de Lev
Semenovich Vygotsky (1896-1934) e que recebeu as diferentes de-
nominaes de psicologia scio-interacionista, socioconstrutivista,sociocultural e sociohistrica, conforme o enfoque dado pelo pes-
quisador e/ou leitor de sua obra.
Vygotsky, ao estudar as relaes entre sujeito e objeto, procurou
situar essa discusso no mbito das condies histricas de consti-
tuio do sujeito. Buscou superar tanto a viso idealista quanto o
materialismo mecanicista que reduz o pensamento a determinaes
empricas. A postura assumida ao abordar o estudo do conflito en-
tre observador e observado, caminha para longe das cincias natu-
rais e se aproxima das cincias do homem. Considera os planos da
linguagem e da cultura como lugares privilegiados para investigar a
mente humana.
Do ponto de vista de Vygotsky e seus colaboradores, as pergun-
tas relacionadas ao como ocorre o desenvolvimento do pensamento,
devem ser respondidas levando em conta que o desenvolvimento hu-
mano um processo e um produto social e que a aprendizagem a
novidade prospectiva de todo esse processo. Dando intenso relevo s
condies como a vida se processa, Vygotsky acredita que o homem
pode se constituir enquanto sujeito de vrias maneiras, dependendo
das situaes concretas em que vive. pela apropriao ativa, que se
d nas e pelas interaes humanas organizadas em atividades, que
os seres humanos se constituem como sujeitos capazes de pensar au-
tonomamente. A maior facilidade ou dificuldade para criar, assim
como as muitas diferenas entre os indivduos, nessa perspectiva,
teriam origem na complexa trama de relaes que caracteriza a inte-
rao e a participao de diferentes grupos na vida social e no modo
de fazer parte da cultura.
da psicologia e da educao. Porm, neste captulo, no nossa intenonomear todas e todos ou fazer um estudo comparativo entre suas ideias.No entanto, enquanto teorias, no poderamos deixar de mencionar osnomes de Henry Wallon e a Teoria da Ao Simblica de Ernst Boesch.
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Portanto, como vimos, o construtivismo engloba diferentes re-
as e vertentes tericas que garantem essa denominao por tratarem
a realidade remetendo-a ao sujeito e suas interaes com o objeto.Nessa vertente, o processo de construo do conhecimento tambm
se faz interativo e no cabe na clssica distino que separa e coloca
em plos antitticos o sujeito e objeto. A objetividade, como era com-
preendida por muitos, ficou fragilizada e a realidade um resultado
de autoria que, necessariamente, passa pelo sujeito. E, nessa perspec-
tiva, sem dvida, Piaget formulou uma teoria que merece destaque.
Mas, em que termos Piaget justif ica sua Epistemologia Gentica
como construtivista? Quais conceitos esto diretamente envolvidos
nessa nova denominao? As relaes entre sujeito e objeto na
epistemologia construtivista piagetiana so as mesmas da epistemo-
logia gentica?
Da epistemologia gentica epistemologia
construtivista11
Os conceitos bsicos
Jean Piaget nasceu em Neuchtel, na Sua, em 9 de agosto de
1896 e morreu em 16 de setembro de 1980. Na primeira etapa de suavida intelectual seus interesses estiveram dirigidos para a biologia.
11 No nosso objetivo, neste captulo, realizar um estudo sobre as in-fluncias que vrios autores, dentre bilogos, filsofos, matemticos,psiclogos, epistemlogos, etc., exerceram sobre Piaget no trajeto deconstruo de sua teoria construtivista. No entanto, cabe ressaltar, quequalquer estudo com esse propsito, no poder deixar de lado umaanlise sobre o papel que as ideias de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804), F. Le Dantec (1869-1917), J.M. Ba-dwim (1861-1934), E. Meyerson (1859-1931), Henry Bergson (1859-1941)e douard Claparde (1873-1940), tiveram sobre a obra piagetiana.
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Em seguida se dedicou ao estudo de filosofia, lgica, epistemologia e
psicologia. Tendo, como principal preocupao compreender como
o ser humano constri o conhecimento, isto , como o ser humanoconsegue organizar, estruturar e explicar o mundo em que vive ela-
borou uma teoria do desenvolvimento da inteligncia.
Para Piaget o desenvolvimento da inteligncia ocorre por adap-
taes nas quais as operaes intelectuais so construdas atravs
de interaes do indivduo com o mundo externo. A criana, o ado-
lescente ou o adulto desenvolve formas de pensar e agir buscando
solucionar os desafios e desequilbrios colocados pelo ambiente em
que vivem. Um sujeito diante de um problema que provoca desequi-
lbrios capaz de reordenar suas ideias e criar novas hipteses para
solucionar o problema.
Piaget difunde a ideia de que o processo que leva o indivduo
a conhecer o mundo um processo de criao ativa em que toda
a aprendizagem se d a partir da ao do sujeito sobre os objetos.
Um sujeito intelectualmente ativo, que constri seu conhecimento
atravs da ao, no um sujeito que tem apenas uma atividade ob-
servvel, mas um sujeito que compara, exclui, categoriza, coopera,
formula hipteses e as reorganiza, tambm em ao interiorizada; o
ato de conhecer um ato de interpretao e no apenas uma cpia
da realidade.
Para Piaget, a capacidade de conhecer depende de interaes e
de operaes intelectuais que se processam em torno de estruturas
construdas atravs de processos adaptativos interdependentes: assi-
milao e acomodao. Assimilao a incorporao de elementos
novos a estruturas j existentes (biolgicas ou no), e acomodao
toda modificao dos esquemas de assimilao por influncia
do meio. Desse modo, a assimilao e a acomodao, que ocorrem
inicialmente com a participao dos esquemas reflexos, marcam oincio da construo das estruturas mentais e do conhecimento. As-
sim, a adaptao do sujeito se d por equilibrao entre esses dois
mecanismos. No se trata, porm, de um equilbrio esttico, mas
essencialmente ativo e dinmico. Trata-se de sucesses progressivas
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de uma equilibrao cada vez mais ampla, majorante, que possibilita
as modificaes dos esquemas existentes a fim de atender as ruptu-
ras do equilbrio, representadas pelas vivncias de situaes novas,para as quais ainda no existe um esquema prprio de pensamento.
Nessa dinmica de equilbrios e desequilbrios contnuos - que
no linear, mas sim dialtica12 - est o aspecto funcional do de-
senvolvimento do pensamento e construo do conhecimento. A
assimilao e a acomodao no impedem o desequilbrio, mas
promovem a sua superao. no desequilbrio e na necessidade de
superar-se que se encontram os aspectos de tenso e de regulao
que levam construo do conhecimento.
caracterstica do desenvolvimento da inteligncia, a amplia-
o das operaes mentais elaboradas a partir da reorganizao das
estruturas em cada fase do desenvolvimento. Isso representa, num
plano mais amplo, a emergncia de novas capacidades em nveis e
estdios de pensamento. Assim, o desenvolvimento mental do in-
divduo constitui, ento, um processo que se define como um alar-
gamento de potencialidades, numa sucesso de estgios, denomina-
dos, por Piaget (1964), em idades aprox imadas, de sensrio motor
(0 a 2 anos),pr-operatrio (2 a 7 anos), operatrio concreto(7 a
11 anos) e operatrio formal (11 anos em diante). Um indivduo
, portanto, um centro de reorganizao de seu prprio agir em dire-
o a uma equilibrao qualitativamente superior, uma equilibrao
majorante, que permite abstraes mais abrangentes, denominadas
por Piaget de abstraes reflexionantes (PIAGET, 1977).
Atravs desse processo o conhecimento humano, depen-
dente da qualidade das interaes, se estrutura em estdios em
direo ao pensamento lgico.
12 A esse respeito ver PIAGET, J. et al. As formas elementares da dialtica.So Paulo: Casa do Psiclogo, 1996.
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A travessia para o construtivismo
Em 1950, Jean Piaget (1896-1980) publicou Introduction
lEpistmologie Gntique. Nessa obra fez uma sntesedas pesquisas
que tinha produzido at aquele momento sobre o desenvolvimento
da inteligncia humana e a construo do conhecimento. Era a snte-
se com que sonhara desde que havia iniciado seus trabalhos sobre
psicologia (PIAGET, 1976a, p. 2). Nessa obra, raramente refere-se ao
termo construtivismo.
Em 1955, Piaget inaugurou, em Genebra, o Centro Internacional
de Epistemologia Genticaonde desenvolveu um trabalho interdis-
ciplinar e transdisciplinar com pesquisadores de vrios pases. Nes-
se Centro, pouco a pouco, foi encontrando pesquisadores que, por
outros caminhos, compartilhavam suas ideias. Eram, fsicos, mate-
mticos, bilogos, socilogos, antroplogos, qumicos, literatos etc.,
que viam o conhecimento como resultado de um sistema complexo,
construdo na ao do sujeito sobre o meio, expresso na interao
ativa entre sujeito e objeto e que possui suas razes e origem nos
esquemas construdos progressivamente desde as primeiras aes
sensrio-motoras. Tecendo crticas a outras epistemologias13, prin-
cipalmente ao positivismo lgico, que valorizava o conhecimento de
um objeto indiferente s interpretaes do sujeito, esses pesquisado-
res adotaram uma perspectiva de investigao que no privilegiava ocontrole e a excluso de variveis, mas sim a interdependncia entre
dados, o espao e o tempo, o caos e a ordem, o conhecido e o des-
conhecido num sistema. Tais aspectos eram, agora, tratados como
parte integrante do mesmo todo (MACEDO, 1994, p. 28). Nesse
contexto, a excluso experimental de variveis cedeu lugar mul-
tideterminao, a generalizao especificidade ou singularidade
temtica, a formalizao valorizao de contedos e contextos desua produo histrica (gnese e histria das cincias). No debate
13 Uma anlise minuciosa dessas epistemologias feita por Piaget e cola-boradores no livro Logique et Connaissence Scientifique(1967).
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entre as relaes sujeito objeto, o sujeito pde ser pensado na intera-
o com o objeto e vice-versa.
Inserido nesse trabalho interdisciplinar, a epistemologia genti-ca tornou-se, assim, um caso particular da epistemologia construti-
vista, pois na dcada de 1960 e 1970, Piaget passou, cada vez mais, a
denominar a epistemologia gentica de epistemologia construtivista.
Dessa poca em diante, o termo construtivismo esteve presente em
todas as suas obras e foi amplamente difundido pelo mundo nas re-
as psicologia e da educao, mesmo Piaget no sendo um educador
(VASCONCELOS, 1996)14.
A primeira referncia mais completa a uma epistemologia cons-
trutivista foi feita por Piaget, em 1967, no ltimo captulo da obra
Logique et Connaissance Scientifique. Nessa obra ele evidenciou o
desejo de produzir uma epistemologia construtivista, acrescentando
epistemologia gentica o problema da produo de novidades por
meio da formao dos possveis. Anunciando essa perspectiva, em
um dos seus ltimos trabalhos Le Possible et le Ncessaire (PIAGET,
1981a)15, justifica uma Epistemologia Construtivista sustentando a
ideia de que no suficiente mostrar, como j o havia feito, que todo
conhecimento novo resulta de regulaes e equilibraes (PIAGET,
1981a, p. 7), pois sempre se poder supor que o mecanismo regula-
dor hereditrio, ou ainda, que apenas resulta de aprendizagens.
Procura, por essa razo, abordar o problema da construo de novi-
dades de outro modo, centrando as questes na formao das infe-
rncias e dos possveis.
Para Piaget, a atualizao de uma ao ou de uma ideia pres-
supe que antes de tudo elas tenham sido tornadas possveis e que
o nascimento de um possvel geralmente provoca outros. Essas no-
14 Desse modo, o construtivismo um termo que passou a ser utilizadopelo velho Piaget, pois este comeou a empreg-lo com maior frequ-ncia nos ltimos anos, dos 60 em que escreveu sobre psicologia e epis-temologia.
15 Publicado aps sua morte, ocorrida em setembro de 1980.
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vas e sucessivas formaes, na medida em que se diferenciam das
construes anteriores, compreendem-se como uma reorganizao
dos elementos num novo sistema de relaes, que amplia o mbitodas que eram anteriormente possveis. As possibilidades abertas em
cada momento do processo constituem uma condio indispensvel
para os desenvolvimentos seguintes, configurando-se em um cont-
nuo de emergncia de novas propriedades e possibilidades criativas.
A questo dos possveis tem, para Piaget, um interesse epistemo-
lgico. Na obra Le Possible et le Ncessaire, tendo como parmetro a
dialtica dos possveis,Piaget (1981a, p. 7) reitera vrias crticas s cor-
rentes de pensamento que considerava reducionistas. Enaltecendo o
construtivismo e fazendo uma crtica ao empirismo, afirma:
A formao dos possveis e sua multiplicidade du-
rante o desenvolvimento constituem mesmo um
dos melhores argumentos contra o empirismo.
Com efeito, o possvel no algo observvel, mas o
produto de uma construo do sujeito em interao
com as propriedades do objeto, mas inserindo-as
em interpretaes devidas s atividades do sujeito,
atividades essas que determinam, simultaneamen-
te, a abertura dos possveis cada vez mais numero-
sos, cujas interpretaes so cada vez mais ricas.
Por conseguinte, existe a um processo formador
bem diverso do invocado pelo empirismo e que se
reduz a uma simples leitura.
Para Piaget, o construtivismo s pode ser pensado a partir do
sujeito em interao com as propriedades do objeto, mas so as
interpretaes devidas s atividades do sujeito que determinam aabertura dos possveis.
Montoya (2005) expressa, em sntese, de modo bastante adequa-
do, a ideia piagetiana de processo construtivo:
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Processo em que o sujeito cria e produz novas es-
truturas e formas de conhecimento a partir de no-
es mais elementares, at alcanar formas mais
complexas, estveis e mveis. O processo constru-
tivo implica tambm que os novos conhecimentos
ultrapassem as novidades adquiridas anteriormen-
te, reconstruindo-as. Nesse sentido, a construo
no significa a ruptura absoluta com as conquistas
anteriores, tampouco um simples prolongamento
das estruturas anteriores, mas sim uma continui-
dade em reconstruo. (MONTOYA, 2005, p. 143).
A reconstruo, enquanto novidade incide sobre o processo cog-
nitivo cuja base ele prprio resultado de autorregulaes, combi-
naes e interdependncias funcionais e dialticas. No entanto, tais
reconstrues no ocorrem aleatoriamente, so decorrentes de umsentido interior, construes com um vetor lgico, prprio do pro-
cesso de abstrao ref lexionante embalado por uma ref lexo. Como
sabemos, a reflexo entendida como ato mental de reconstruo
e reorganizao sobre o patamar superior daquilo que foi assim
transferido do inferior (PIAGET, 1995, p. 274). Envolve operaes
e imaginao. Para podermos contar, por exemplo, distinguimos os
elementos contados, imaginamos uma srie de colees crescentes edecrescentes, imaginamos objetos numa sequncia de ordem ou em
espaos de comprimento e simbolizamos os nmeros. Desse modo,
no existem operaes lgico-matemticas que no envolvam ima-
ginao, mas essas imaginaes e representaes seguem uma lgi-
ca; uma lgica construtiva e criativa.
Fica claro, ento, que adentrar mais profundamente nos meca-
nismos construtivistas, significa reafirmar que s possvel com-preend-los quando inseridos no quadro das relaes sujeito objeto.
Julgamos, porm, que no caso da epistemologia piagetiana, tal inser-
o necessria, mas no suficiente, pois, como afirmamos, no in-
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cio deste estudo, so vrias as epistemologias que tratam dessa rela-
o. Cabe, ento, destacar os aspectos que do identidade proposta
piagetiana. E isso, Piaget fez questo de anunciar num filme, que fezjuntamente com Claude Gorreta, sobre Lpistmologie gntique.
Gostaria de falar, em poucas palavras, de nossa
epistemologia, porque ela sempre mal compreen-
dida. Alguns me tomam por empirista, outros por
neo-behaviorista, como colocou Berlyne, porque eu
sustento que o conhecimento parte da ao que se
exerce sobre os objetos, mas exercer uma ao sobre
os objetos no o mesmo que tirar o conhecimen-
to do prprio objeto. Essa a primeira confuso.
Outros, pelo contrrio, me consideram neo-matu-
racionista, ou mesmo inatista, visto que considero
a ao do sujeito. Mas eles esquecem que a ao do
sujeito justamente a ao sobre os objetos, que h
interao, e no somente uma ao em uma direo
s. Ou seja, no sou nem empirista, nem inatista,
sou construtivista. Isso quer dizer que considero
o conhecimento como uma contnua construo,
continuamente nova, por interao com a realida-
de, no como algo pr-formado; h uma criao
permanente. Queria, ento, mostrar que o conhe-
cimento no pr-formado nem no objeto, nem no
sujeito, havendo sempre auto-organizao e, conse-
quentemente, uma contnua construo. (PIAGET;
GORRETA, 1977 - grifo nosso).
Nesse mesmo filme, complementando sua declarao, Piaget,mais uma vez, procurando se diferenciar do empirismo e do inatis-
mo, comenta:
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Portanto, para o construtivismo piagetiano, condio bsica
que o conhecimento seja visto como uma contnua construo, con-
tinuamente nova, por interao com a realidade, em que haja umacriao permanente. pela relevncia que outorga ao processo ativo
e criativo que a teoria piagetiana se faz construtivista. Alm disso,
como revela nesse filme de 1977, a concepo de construtivismo de
Piaget bastante ampla e ultrapassa os limites de uma psicologia
gentica, alimentando hipteses ousadas sobre o desenvolvimento
humano, o processo criativo no fazer cientfico e na histria da cin-
cia. Sobre estes temas, ainda temos muito que explorar.
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A crescente sofisticao do conhecimento levou o homem a du-
vidar da milenar explicao mgica do mundo e a tentar compreen-
d-lo com teorias que, baseadas na experincia objetiva, abranges-
sem desde a natureza e a origem da vida e do universo at a relaodo prprio ser humano com essa realidade. Essas teorias dividiram-
-se de modo esquemtico em duas grandes tendncias: Idealismo e
Materialismo.
O Idealismo uma corrente filosfica que tem incio com o pen-
samento de Ren Descartes no sculo XVII e inf luencia todo o pen-
samento cientfico moderno. Seu pressuposto central justamente
a centralidade da subjetividade humana. Passando pelo idealismodogmtico de Immanuel Kant no sculo XVIII, esta corrente filo-
sfica desenvolveu-se muito a partir do pensamento de Georg Hegel
nos sculos XVIII e XIX, influenciando inclusive a teoria marxiana.
J o Materialismo uma concepo filosfica que remonta ao
pensamento helnico pr-socrtico e aponta a matria como subs-
tncia primeira e ltima de qualquer ser, coisa ou fenmeno do
universo. Para os materialistas, o pressuposto primeiro de realidade
a matria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade,
pode compor tanto a pedra quanto osextremamente variados reinos
animal e vegetal, e produzir efeitos surpreendentes como a luz, o
Teoria histrico-cultural:
implicaes para a psicologia
Elizabeth Piemonte CONSTANTINOAlvaro Marcel Palomo ALVES
Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS
Cludia Aparecida Valderramas GOMES
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som, a emoo e a conscincia. Assim, o pressuposto ontolgico do
materialismo define que a matria antecede a ideia. Dessa forma, o
materialismo contrape-se ao idealismo, cujo elemento primordial a ideia, o pensamento ou o esprito (MORA, 1995).
Tecendo consideraes sobre essas duas correntes, Lev Semi-
novich Vygotsky (1896-1934), ao refletir sobre as relaes entre o
mundo subjetivo e o objetivo, sustentou que o sujeito e a subjeti-
vidade humana no se resumem simples construtos idealistas ou
materialistas, quer dizer, no esto no subjetivo abstrato e nem no
objetivo mecanicista, mas so constitudos e constituintes na e pela
relao social, na e pela linguagem. (MOLON, 2003, p.44).
A partir dessa perspectiva Vygotsky vai buscar no materialismo
histrico-dialtico uma nova alternativa metodolgica para estudar
o fenmeno psicolgico e superar a dicotomia objetividade e subjeti-
vidade, ressaltando o carter histrico e dialtico como caractersti-
cas fundamentais no processo de formao do sujeito.
Para tratarmos das implicaes dessas ideias no campo da Psico-
logia, apresentaremos, brevemente, algumas das formulaes essen-
ciais do materialismo histrico-dialtico e, posteriormente, algumas
reflexes sobre a relao sujeito-objeto na teoria histrico-cultural.
O materialismo histrico-dialtico
O materialismo histrico-dialtico uma concepo terico-
-filosfica e metodolgica que tem origem nas ideias dos pensadores
alemes Friedrich Engels e Karl Marx (1818-1883) sobre as transfor-
maes econmicas e sociais determinadas pela evoluo dos meios
de produo, fundamento de uma teoria crtica da alienao huma-
na no interior do sistema capitalista. Eles constroem uma dialticamaterialista em oposio dialtica idealista hegeliana e, ao con-
trrio de Hegel, em seus estudos consideram que so nas condies
materiais e concretas de existncia do homem que encontramos o
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homem real. Desse modo, o ponto de partida da teoria marxiana
so os indivduos reais e no suas idias. Nesta concepo [...] o
modo de produo da vida material condiciona o processo da vidasocial, poltica e espiritual em geral. No a conscincia que de-
termina a vida, mas a vida que determina a conscincia (MARX;
ENGELS, 1986, p. 37).
Para Silveira (1989), o marxismo fundou uma ontologia ancora-
da em uma dialtica eminentemente histrica, que redimensionou
um conjunto de questes concernentes relao do homem consigo
mesmo e com sua histria. Pensar o homem, para o materialismo
histrico e dialtico pens-lo como produtor de sua historia atravs
de sua atividade vital, o trabalho, mediador de sua relao com a
natureza [...] (ELOY, et al., 2007, p. 41), sendo a prxis a forma por
excelncia dessa relao.
Neste sentido, o materialismo dialtico representa o incio de
uma nova filosofia uma filosofia da prxis , que no se limita a
pensar o mundo, mas pretende tambm transform-lo. Para Marx,
os filsofos no fizeram mais que interpretar o mundo de forma
diferente; trata-se, porm de, modific-lo (MARX, s/d., p. 210). As-
sim, para o materialismo histrico-dialtico os sujeitos histricos
interpretam e agem sobre o mundo atravs da prxis.
Na viso marxiana o trabalho um processo de que partici-
pam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua
prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material
com a natureza (MARX, 1987, p. 211). O trabalho, enquanto obje-
tivaes humanas que sintetizam a prxis, cria a histria e o ser ho-
mem. o carter objetivo do trabalho que permite que os produtos,
instrumentos e fenmenos sociais existam independentes da consci-
ncia individual; existam como criaes objetivadas, como cultura.
Contudo, essa atividade vital humana, o trabalho, por meio daqual o ser humano produz e reproduz sua existncia ao longo da his-
tria, no tem implicaes apenas objetivas, mas tambm subjetivas,
o que significa dizer que o sujeito, para utilizar os objetos ou instru-
mentos humanos historicamente constitudos, tem de desenvolver,
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sua vida, de satisfazer e desenvolver suas necessida-
des materiais e espirituais, objetivadas e transforma-
das nos motivos de sua atividade. (traduo nossa)1.
Nessa perspectiva epistemolgica, o conhecimento uma pro-
duo social que emerge da atividade humana e construdo a partir
da inter-relao das pessoas, assumindo, portanto, um carter dia-
ltico e transformador. Essa concepo, ao considerar a dicotomia
terica e prtica como uma relao em movimento, tem implicaesmetodolgicas importantes para a anlise da relao sujeito-objeto
estudada pela Psicologia, uma vez que inclui, por ser dialtica, a
existncia de contradies entre as instncias sociais e individuais,
entre objetividade e subjetividade e/ou interno e externo.
Assim, podemos depreender que a grande maioria dos conheci-
mentos e habilidades humanas de que o homem dispe no advm
apenas de sua experincia individual, mas adquirida por meio daapropriao da experincia acumulada pelas geraes passadas, ou
seja, um produto histrico (MRKUS, 1974). Dessa forma o su-
jeito, ancorado em conhecimentos produzidos pela humanidade, se
desenvolve e transforma a realidade, que entendida dialeticamen-
te como um constante vir-a-ser. Portanto, a subjetividade do sujeito
tambm est em constante construo, determinada pelas condies
objetivas, pois, para o materialismo histrico-dialtico, as aes dohomem so determinadas historicamente: Os homens fazem sua
prpria histria, mas no a fazem como querem; no a fazem sob cir-
cunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defronta di-
retamente, legadas e transmitidas pelo passado (MARX, s/d, p. 203).
1 Estas relacionessonlas decisivas em plano psicolgico. Lo que ocorre esque para elpropiosujetolaaprehensin y logro de objetivos concretos, eldomnio de losmedios y operaciones de laaccion es un modo de afirmarsu vida, de satisfacer y desarrollar sus necessidades materiales y espiri-tuales, objetivadas y trasformadas em los motivos de suactividad.
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As circunstancias histricas produzem novas relaes do ho-
mem com o trabalho e as aes realizadas nesse processo configu-
ram o sentido pessoal que, muitas vezes, no coincide com os sig-nificados objetivos. Com o aparecimento da sociedade mercantil,
por exemplo, o homem passa a vender sua mo de obra, cumprindo
racionalmente suas funes de assalariado, deixando de ver o resul-
tado de suas atividades produtivas, modificando o sentido de sua
atividade laboral que, antes, se constitua em uma finalidade subs-
tancial da sobrevivncia. Marx e Engels (1984) nos esclarecem que:
O sistema capitalista pressupe a dissociao entre
os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos
quais realizam o trabalho. Quando a produo
capitalista se torna independente, no se limita a
manter essa dissociao, mas a reproduo em es-
cala cada vez maior. O processo que cria o sistema
capitalista consiste apenas no processo que retirado trabalhador a propriedade de seus meios de
trabalho, um processo que transforma em capital
os meios sociais de subsistncia e os de produo
e converte em assalariados os produtores diretos.
(MARX & ENGELS,1984, p.830).
A constituio dessa nova relao com o trabalho, atividade hu-mana, provocou um estranhamento do homem com o trabalho, ao
ponto de promover um choque entre o sentido pessoal e os signifi-
cados sociais objetivos. Tal processo nas sociedades de classes serve
apenas aos interesses do capital, na medida em que este se apropria
e explora a fora de trabalho daqueles que necessitam vend-la para
garantir sua sobrevivncia. Assim, a relao sujeito-objeto ganha
outros contornos na sociedade capitalista.2
2 No nos aprofundaremos neste tema por fugir ao objetivo do presentetexto, mas merece um estudo a parte, pois foi amplamente estudado porMarx, Engels e demais pensadores marxistas.
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Implicaes do materialismo histrico-
dialtico para a Psicologia
No campo da Psicologia as implicaes dessa viso marxista de
homem representaram a possibilidade de romper com as dicotomias
elaboradas pelas concepes empiristas e idealistas, predominantes
na cincia psicolgica no incio do sculo XX. Como analisam Facci
e Silva (1998), temos, de um lado, o empirismo que considera a Psi-
cologia uma cincia natural, cujo objeto de estudo deve ser o com-portamento externo do homem; de outro, o idealismo, que considera
a Psicologia uma cincia mental, que deve se ocupar do estudo dos
processos subjetivos, psquicos e internos do homem.
Vygotsky viu nos princpios do materialismo histrico-dialtico
a forma de superao dessas tendncias conflitantes da Psicologia
e de enfrentamento da problemtica que envolve as relaes sujei-
to/objeto e indivduo/sociedade, para a compreenso do psiquis-mo humano, da aprendizagem e do desenvolvimento. Admitindo
a materialidade dos processos psicolgicos, Vygotsky elaborou, em
conjunto com seus colaboradores, um sistema terico-metodolgico
original, fundamento da Teoria Psicolgica Geral da Atividade que,
posteriormente, foi aprofundada por Aleksei Nikolaevich Leontiev
(1903-1979).
Os trabalhos de Vygotsky e dos demais integrantes da teoria his-trico-cultural3, tambm denominada Escola de Vygotsky, refletem
3 Saviani (2004) aponta Vigotski (1896-1934), Leontiev (1903-1979), Da-vidov (1930), Luria (1902-1977) e Elkonin (1904-1984) como os autoresque compem a Escola sovitica de Psicologia. Entre os demais pes-quisadores e continuadores da obra de Vigotski que compem essa esco-la de pensamento, podemos citar A. Zaporzhets (1905-1981), L. Bozh-vich (1908-1981), P. Galperin (1902), M.I. Lisina (1929-1983) e outros.Para maiores informaes, consultar: DAVDOV, V.; SHUARE, M. Datossobre los autores. In: DAVDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs.). La PsicologiaEvolutiva y Pedaggica en la URSS (Antologia). Moscou: Editorial Pro-
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a disposio em propor uma nova Psicologia. Para Tuleski (2002, p.
55), Vygotsky objetivou uma psicologia que
[...] fosse capaz de eliminar a dicotomia entre cor-
po e mente e realizar a sntese. Esta dicotomia foi
historicamente o pomo da discrdia entre as teo-
rias psicolgicas, justificando sua classificao
entre idealistas e materialistas. Vygotski parece
perseguir o objetivo de super-la, trazendo para a
Psicologia o mtodo proposto por Marx e Engels e
construindo a ponte que eliminaria a ciso entre
matria e esprito. (TULESKI, 2002, p. 55).
As atividades profissionais e a elaborao das obras de Vygotsky
foram desenvolvidas num perodo em que a Rssia passava por
transformaes sociais profundas. As condies objetivas da UnioSovitica, no perodo da Revoluo Social e Poltica de 1917, exigiam
uma nova compreenso da sociedade e do psiquismo humano. Em
seu texto O significado histrico da crise da Psicologia, escrito em
1927, Vygotsky (1991) anunciou para a comunidade cientfica que a
dificuldade primeira da Psicologia, como cincia, era pensar dialeti-
camente a relao entre o homem e a natureza.
No cerne dessa relao est o problema do conhecimento. Comoconhecer uma atividade do homem concreto, Vygotsky colocou em
evidncia um problema da Psicologia para o qual buscou respostas
na corrente histrico-cultural propondo a aplicao dos princpios
dialticos Psicologia. Dessa forma reiterou a perspectiva mar-
xiana de que a especificidade da atividade humana reside em que,
ao transformar os objetos da natureza para o atendimento de suas
necessidades, o homem, alm de transformar a natureza exterior,transforma, tambm e ao mesmo tempo, sua natureza interior.
gresso, 1987, p.338-344 e SHUARE, Marta. La psicologa sovitica talcomo yo la veo. Mosc: Editorial Progresso, 1990. (GOMES, 2008).
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47Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia |
No decurso do desenvolvimento histrico da atividade dos ho-
mens, as suas aptides, os conhecimentos e o seu saber-fazer cris-
talizaram-se nos seus produtos (materiais, intelectuais, ideais), ouseja, a experincia scio-histrica se concretizou sob a forma de fe-
nmenos do mundo exterior objetivo: a tecnologia, as cincias, as
artes. Isso colocou ao sujeito do conhecimento a possibilidade de
apropriar-se desses produtos e, por meio da reorganizao dos seus
movimentos naturais instintivos, alcanar a formao das funes
psicolgicas superiores, tais como, ateno e memria voluntria,
linguagem, pensamento abstrato, controle da prpria conduta (LE-
ONTIEV, 1978).
As explicaes de Vygotsky sobre as funes psquicas elemen-
tares e do papel que o contexto social desempenha na superao des-
sas, com vistas ao desenvolvimento das funes psicolgicas supe-
riores, trazem implicaes acerca das relaes sujeito objeto.
As funes psicolgicas superiores se constituem na histria sin-
gular de cada sujeito. Individuo e sociedade se constitui num conflito
de contradies, ora afirmando-se, ora negando-se, numa relao de
constituio-negao expressa nos fundamentos dialticos.
Num trabalho publicado em 1931, Vygotsky (1995) se prope a
analisar a histria do desenvolvimento das funes psquicas superio-
res4, destacando a gnese e a estrutura delas e inaugurando, assim, a
possibilidade de uma nova maneira de pensar o desenvolvimento do
4 Nesta obra o autor discute algumas teses acerca das funes psicol-gicas superiores destacando a base natural, a atividademediadorae odominio da prpria condutacomo elementos constituidores das formasculturais do comportamento. A primeira indica o uso ativo que o sujei-to faz das propriedades naturais do crebro, em que tais processos setornam objeto de controle e domnio por parte do sujeito. A segundapostula o fato de os instrumentos psicolgicos signos atuarem comomeio de autorregulao exercendo um controle artificial dos fenme-nos psquicos naturais e a terceira preconiza que esse processo de in-ternalizao das ferramentas psicolgicas capacita o sujeito a dominaros estmulos externos, tanto quanto os seus prprios comportamentos(VYGOTSKI, 1995, p. 152-153).
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psiquismo humano. As funes psquicas elementares so, por ex-
celncia, um produto essencialmente biolgico, natural e consistem
em respostas imediatas que o organismo disponibiliza na sua rela-o com o real; consequentemente so no conscientes e involunt-
rias. Vygotsky (1995) menciona o comportamento reflexo incondi-
cionado, a memria natural, a ateno e percepo involuntrias e
as emoes como exemplos desse tipo de funcionamento psquico.
As funes psicolgicas superiores, ao contrrio, no resultam
natural e espontaneamente das elementares, mas possuem qualida-
des especficas e assentam sobre o substrato das elementares. O que
ocorre, portanto, um processo de transmutao em que as fun-
es psquicas deixam de operar num nvel elementar e atingem um
grau superior ao serem incorporadas, alterando, assim, a natureza e
a qualidade do funcionamento psicolgico do sujeito.
O que est posto o reconhecimento da base natural das for-
mas culturais de comportamento, explicado a partir do mtodo
empregado por Vygotsky, que nos ajuda a responder a respeito da
indissociao entre as esferas biolgicas e psicolgicas na leitura do
comportamento do sujeito.
Para a teoria histrico-cultural o psiquismo aparece como a ima-
gem, a ideia, como atividade reflexa de um rgo material, o crebro,
que se expressa por meio do pensamento e das vivncias emocionais.
Essa atividade reflexa o que constitui o elo essencial e necess-
rio do sujeito com o mundo. Compreender o desenvolvimento do
psiquismo humano implica pensar o reflexo psquico, analisando-o
como um sistema que funciona na inter-relao dos elementos biol-
gicos, psicolgicos e sociais e que tem, nas categorias de conscincia
e atividade, seu ncleo de sustentao e desenvolvimento.
O psiquismo compreende um substrato material, orgnico e na-
tural como ponto de partida, ou seja, o desenvolvimento psicolgi-co do sujeito principia por uma atividade psquica que acontece em
funo do mundo exterior, respondendo a uma ao que este mundo
exerce sobre o sujeito.
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Isto no significa conceber os fenmenos psquicos como uma
atividade determinada a partir do crebro, de seu interior, de sua
estrutura celular, mas como uma atividade de resposta influnciaque o meio externo exerce sobre o crebro do sujeito. O crebro
somente o rgo da atividade psquica, mas no suafonte (RUBINS-
TEIN, 1965, p.13, traduo nossa, grifo do autor).
Por isso mesmo, na teoria vygotskyana a mediao se coloca
como um pressuposto norteador de todo seu edifcio terico e me-
todolgico e fundamental na relao sujeito-objeto. Analisando a
estrutura das funes psicolgicas superiores, Vygotsky reitera sua
disposio de pensar a mediao como um processo. Segundo ele,
o fenmeno psicolgico s existe pelas mediaes, o que significa
dizer que o homem constri suas formas de ao, realiza suas ati-
vidades com o emprego de ferramentas sociais de pensamento, ou
seja, com a utilizao de signos: [...] na estrutura superior o signo e o
modo de seu emprego o determinante funcional ou o foco de todo o
processo (VYGOTSKI, 1995, p.123, traduo nossa, grifo do autor).
A questo dos signos, na teoria histrico-cultural, aparece como
apoio ao tratamento dispensado mediao e esse conceito de me-
diao uma das apropriaes mais decisivas que Vygotsky faz do
pensamento marxiano.
Assim, podemos entender que os signos se originam da neces-
sidade de operar sobre a natureza, seres ou objetos. medida que
o homem cria instrumentos psicolgicos e os estrutura para agir e
controlar o outro, ele acaba utilizando-os para atuar sobre si mes-
mo, controlando seus prprios processos psicolgicos.
Com base na explicao desse processo, Vygotsky (1995) formu-
la a lei gentica geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo:
[...] toda funo no desenvolvimento cultural dacriana aparece em cena duas vezes, em dois pla-
nos; primeiro no plano social e depois no plano
psicolgico, no princpio entre os homens como ca-
tegoria interpsquica e logo depois no interior da
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criana como categoria intrapsquica [...] Temos
pleno direito a considerar a tese exposta como uma
lei, porm, a passagem, naturalmente, do externo
ao interno, modifica o prprio processo, transfor-
ma sua estrutura e funes. Por detrs de todas as
funes superiores e suas relaes se encontram
geneticamente as relaes sociais, as autnticas re-
laes humanas. (VYGOTSKI, 1995, p.150, tradu-
o e grifo nosso).
no desenvolvimento dessa ideia que Vygotsky prope, ento,
o desenvolvimento do psiquismo processos intrapsquicos como
internalizao, por meio dos signos, dos processos interpsquicos.
Como criaes artificiais, convencionais, de natureza social, os sig-
nos funcionam como um meio auxiliar para o domnio da sua pr-
pria conduta (VYGOTSKI, 1995, p.126).O princpio da mediao na teoria vygotskyana sustenta o con-
ceito de desenvolvimento cultural, que se d a partir do emprego de
instrumentos e signos. Esses ltimos advm sempre de uma situao
social, de uma utilizao social que inaugurada, primeiramente,
como forma de comunicao e s num segundo momento passa a se
constituir num recurso auxiliar, mediador, para o controle do com-
portamento do prprio sujeito.Os papis do signo e do processo de significao que garan-
tem as particularidades na relao individuo-sociedade. O sujeito
vygotskyano um sujeito construtor de sentidos, em que a conver-
so do social em individual se d pelas determinaes histrico-
-polticas vivenciadas pelo sujeito, demarcada em sua subjetividade,
registrada por suas funes psicolgicas.
Portanto, para Vygotsky, a cultura, a mediao e a atividade sofatores essenciais para o processo de humanizao. O homem se hu-
maniza pela apropriao das relaes sociais por meio da atividade,
de sorte que a cultura tem suma importncia nesse processo. As-
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sim, humanizar-se desenvolver-se como homem social e histrico;
a produo das potencialidades humanas resulta desse processo de
humanizao em que a fora mediadora se torna propulsora.
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