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RELAES ENTRE O PATRIMNIO MATERIAL E IMATERIAL: O CASO DO CEMITRIO JAPONS
Rodrigo Modesto Nascimento*
Universidade Estadual do Norte do Paran UENP [email protected]
RESUMO: Este artigo prope uma discusso em torno das relaes entre o patrimnio imaterial e material no estudo de tombamento do Cemitrio Japons, localizado em lvares Machado, municpio do interior do Estado de So Paulo. O artigo divide-se em trs partes fundamentais: na primeira apresento as discusses tericas sobre o patrimnio imaterial, em seguida analiso o tombamento estadual do Cemitrio e, por fim, as relaes entre o material e o imaterial. PALAVRAS-CHAVE: Poltica de patrimnio Memria da imigrao japonesa Patrimnio imaterial. ABSTRACT: This article purposes a discussion about the registering of Japanese Cemitery, localited in Alvares Machado county, an inner land town State of So Paulo. The article is explited in the basic parts: in the first one I present the theoric discussions about a non-material and right after, I consider the State Cemitery registering and, in closing, a relations between a material and non-material. KEYWORDS: Patrimony politics Japonese immigration memory Patrimony non-material.
PATRIMNIO IMATERIAL: DISCUSSES TERICAS
De acordo com Mrcia Santanna, a idia de preservar o patrimnio imaterial
no surgiu das prticas preservacionistas da sociedade ocidental, associadas cultura
material, mas nos pases do Oriente e do chamado Terceiro Mundo. Sobre o registro
do patrimnio imaterial, a autora afirma: no um instrumento de tutela anlogo ao
tombamento, [...] que pode tambm ser complementar a este. [...]. O objetivo manter o
registro da memria desses bens culturais e de sua trajetria no tempo, [...].1
* Mestre em Histria pela Universidade Estadual Paulista Unesp Assis-SP. Professor do curso de
graduao e ps-graduao (especializao) da Universidade Estadual do Norte do Paran UENP. 1 SANTANNA, Mrcia. A face imaterial do patrimnio cultural: os novos instrumentos de
reconhecimento e valorizao. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. (Orgs.). Memria e patrimnio. Ensaios contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 52.
Fnix Revista de Histria e Estudos Culturais Abril/ Maio/ Junho de 2009 Vol. 6 Ano VI n 2
ISSN: 1807-6971 Disponvel em: www.revistafenix.pro.br
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Portanto, necessrio realizar uma contextualizao, a partir de bibliografia
especializada, das polticas de patrimnio cultural, em particular, sobre o patrimnio
imaterial, elaboradas e implementadas no Brasil.
Foi somente a partir da Conveno sobre o Patrimnio Mundial, Cultural e
Natural UNESCO 1972 que os pases do Ocidente comearam a entender a
importncia de preservar o patrimnio cultural imaterial, mas foram poucos os pases
que legislaram a favor, como a Frana.
No Brasil, os ideais de preservao do patrimnio imaterial remontam ao
visionrio anteprojeto do Servio do Patrimnio Artstico Nacional de Mrio de
Andrade na dcada de 1930, quando era evidente a preocupao em proteger os saberes
e costumes do povo brasileiro retomados na dcada de 1970, com a ampliao do
conceito de patrimnio formulada entre os especialistas do Centro Nacional de
Referncia Cultural, centrados na figura de Alosio de Magalhes.2
Antnio Gilberto Ramos Nogueira discorre sobre a concepo de patrimnio
imaterial em Mrio de Andrade: [...] a preocupao de Mrio em apreender os processos de constituio e reinveno dos elementos que compem a memria coletiva informadores de nossas matrizes europias, africanas e amerndias. Nas oito categorias de arte que fundamentam sua concepo de patrimnio, inclua, os fetiches, [...], vocabulrio, cantos, lendas, magias e culinria [...]. [...], capelas e cruzes morturias de beira-de-estrada, jardins, paisagens, msica popular, contos, histrias, lendas, supersties, medicina, [...].3
Como no Tombamento, o Registro, institudo atravs do Decreto n. 3.551/
2000, tambm usa livros para inscrever os bens culturais de natureza imaterial
selecionados para a preservao: Livro dos Saberes, Livro das Celebraes, Livro dos
Lugares e Livros das Formas de Expresso.4
2 Cf. FONSECA, Maria Ceclia Londres. O patrimnio em processo. Trajetria da poltica federal de
preservao no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/ Iphan, 1997. 3 NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos. Por um inventrio dos sentidos: Mrio de Andrade e a
concepo de patrimnio e inventrio. So Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2005, p. 258. 4 Os bens de natureza imaterial registrados no Iphan, a saber: Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras,
Kusiwa Linguagem e Arte Grfica Wajpi, Crio de Nossa Senhora de Nazar, Samba de Roda do Recncavo Baiano, Modo de Fazer Viola-de-Cocho, Ofcio das Baianas de Acaraj, Jongo no Sudeste, Cachoeira de Iauaret Lugar sagrado dos povos indgenas dos Rios Uaups e Papuri, Feira de Caruaru, Frevo, Tambor de Crioula do Maranho, Samba do Rio de Janeiro, Modo artesanal de fazer queijo de Minas e a Capoeira. (Disponvel em: . Acesso em 08 ago. 2008.)
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A metodologia para se tentar registrar um bem cultural em um dos quatros
livros de registro envolve trs fases: a primeira, um levantamento do bem cultural
apontado para proteo; em seguida a identificao e documentao do mesmo; para
finalizar, o registro que corresponde a um trabalho etnogrfico que permite definir se o
bem cultural pode ou no ser inscrito em um dos quatro livros.
Maria Ceclia Londres Fonseca destaca as diferenas entre o patrimnio
material e imaterial: Talvez o melhor exemplo para ilustrar a especificidade do que se esta entendendo por patrimnio imaterial [...] seja a arte dos repentistas. Embora a presena fsica dos cantadores e de seus instrumentos seja imprescindvel para a realizao do repente, a capacidade de os atores utilizarem de improviso, as tcnicas de composio dos versos [...] que produz a cada performance, um repente diferente. Nesse caso, estamos no domnio absoluto do aqui e agora, tampouco sem possibilidade, a no ser por meio de algum registro audiovisual, de perpetuar esse momento.5
importante ressaltar o artigo de Antonio Augusto Arantes, que analisa a
sustentabilidade da proteo do patrimnio imaterial brasileiro. O autor afirma que as
populaes que participam de programas de valorizao e salvaguarda do seu
patrimnio devem ter em pauta a conservao do meio ambiental e material, o controle
sobre as mudanas polticas na sociedade local e a transmisso e formao de novos
agentes, a participao nos registros e inventrios, bem como a defesa dos seus direitos
de autoria. E continua: Muitas vezes, a interao entre tcnicos e comunidade depende da implementao de mudanas importantes nos referenciais polticos de ambos. Enquanto gestores de uma nova poltica de patrimnio cultural, que priorize os sentidos dos bens culturais para a populao que os detm, que no esteja cega para o seu potencial para a melhoria das condies de vida dessa mesma populao e o interesse dela em utiliz-lo para tanto, esse um enorme desafio. [...].6
O Registro do patrimnio cultural imaterial representa uma forma inovadora de
se preservar a pluralidade da cultura nacional, privilegiando os modos de fazer, as
tradies e os costumes do povo brasileiro. Com isso, os tcnicos e especialistas do
Iphan Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional devero observar e 5 FONSECA, Maria Ceclia Londres. Para alm da pedra e cal: por uma concepo ampla de
patrimnio cultural. In: ABREU, R; CHAGAS, M. (Orgs.). Memria e patrimnio. Ensaios contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 66.
6 ARANTES, Antonio Augusto. O patrimnio imaterial e a sustentabilidade de sua salvaguarda. RESGATE. Revista de Cultura. Campinas: CMU/ Unicamp, n. 13, p. 18, 2004.
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estudar os vrios modos de expresso da nossa cultura, e se possvel, tentar no
privilegiar qualquer segmento social, via sua excluso.
Ruben George Oliven chama a ateno para a dificuldade na definio de um
bem de natureza imaterial ou intangvel:
Em 2002, foi apresentada uma proposta para registrar o acaraj no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Isso significa que sero definidos os ingredientes e a forma correta de preparar tal quitute. Entretanto, as formas de preparar alimentos modificam-se com o tempo. Alm de ser registrado, o acaraj est sendo congelado. [...]. Os bens imateriais no s so de difcil definio, mas tambm s tem sentido se significarem uma prtica regular.7
Outro ponto importante a observar que, depois da consolidao do Registro
em mbito federal, Estado e municpios devem organizar suas legislaes para preservar
o patrimnio imaterial, ampliando as condies para proteger, em maior nmero, os
bens culturais identificadores de sua memria e identidade, significando tambm, uma
descentralizao das polticas de patrimnio, que teve como ponto de partida a
Constituio de 1988.
Com isso, a anlise das polticas de patrimnio no Brasil, a partir da Carta
Magna de 1988, apontariam para um desfecho onde o ponto central seria a
democratizao da memria e a ampliao do conceito de patrimnio.
Clia Camargo aponta que a Constituio de 1988 contemplou o patrimnio
cultural de f