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RELATO: A MODERNIDADE E O MODERNISMO: RELAÇÕES E DIVERGÊNCIAS Relato apresentado ao módulo “O fim da história da arte”, ministrado pelo professor Doutor Martin Grossmann, como requisito parcial para obtenção do título de especialista de História da Arte Moderna e Contemporânea da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. 2012 Gislaine Pagotto [email protected] Na quarta aula ministrada do módulo “O fim da história da arte”, o professor Martin Grossmann discorreu sobre algumas diferenças entre modernidade e Modernismo e potencializou algumas características da arte contemporânea relacionando-a às diretrizes estabelecidadas nesse contexto. A aula foi iniciada com a apresentação do filme “Play Time”, de Jacque Tatit, do qual todas as cenas se passam dentro de um aeroporto 1 , resumindo uma situação modernista: vida regulada; cenário, e a única referência de um espaço específico que aparece 2 é a Torre Eiffel discretamente visível através da janela, estabelecendo uma associação entre o velho mundo e o novo mundo. Na sequência, foi exibido um vídeo que mostra Oscar Niemeyer pilotando uma espécie de disco voador que aterrisa de uma maneira impositora, assim como os movimentos artísticos parecem se impor, sobre uma montanha de Niterói/RJ, mais precisamente, o Museu de Arte Contemporânea (MAC): uma arquitetura cercada de vidros que limita a relação do espectador com a paisagem exuberante vista de dentro do museu. É um espaço limitado que permite que se veja lá fora . De uma forma repetida e diferente no decorrer do módulo, novamente houve a relação entre a alegoria da Torre de Babel e a história da arte. 1 O pós-modernismo cria espécies de não-lugares – definição dada por Marc Augé – que são lugares estranhos como aeroportos, rodoviárias etc., onde há uma circulação constante de pessoas de diversas classes sociais, de diferentes culturas. “Fomos adaptados ao não estranhamento desses chamados não-lugares”, neste tempo de supermodernidade. Mas me pergunto também: se a modernidade - ou a supermodernidade de acordo com Marc Augé - considera alguns espaços físicos como não-lugares, o que seria então a rede? 2 Visto que os aeroportos de qualquer lugar que seja são muito similares entre si.

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RELATO: A MODERNIDADE E O MODERNISMO: RELAÇÕES E

DIVERGÊNCIAS

Relato apresentado ao módulo “O fim da história da arte”, ministrado pelo professor Doutor Martin Grossmann,

como requisito parcial para obtenção do título de especialista de História da Arte Moderna e Contemporânea da

Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

2012

Gislaine Pagotto

[email protected]

Na quarta aula ministrada do módulo “O fim da história da arte”, o professor Martin

Grossmann discorreu sobre algumas diferenças entre modernidade e Modernismo e

potencializou algumas características da arte contemporânea relacionando-a às diretrizes

estabelecidadas nesse contexto. A aula foi iniciada com a apresentação do filme “Play Time”,

de Jacque Tatit, do qual todas as cenas se passam dentro de um aeroporto1, resumindo uma

situação modernista: vida regulada; cenário, e a única referência de um espaço específico que

aparece2 é a Torre Eiffel discretamente visível através da janela, estabelecendo uma

associação entre o velho mundo e o novo mundo. Na sequência, foi exibido um vídeo que

mostra Oscar Niemeyer pilotando uma espécie de disco voador que aterrisa de uma maneira

impositora, assim como os movimentos artísticos parecem se impor, sobre uma montanha de

Niterói/RJ, mais precisamente, o Museu de Arte Contemporânea (MAC): uma arquitetura

cercada de vidros que limita a relação do espectador com a paisagem exuberante vista de

dentro do museu. É um espaço limitado que permite que se veja lá fora. De uma forma

repetida e diferente no decorrer do módulo, novamente houve a relação entre a alegoria da

Torre de Babel e a história da arte.

                                                        1 O pós-modernismo cria espécies de não-lugares – definição dada por Marc Augé – que são lugares estranhos como aeroportos, rodoviárias etc., onde há uma circulação constante de pessoas de diversas classes sociais, de diferentes culturas. “Fomos adaptados ao não estranhamento desses chamados não-lugares”, neste tempo de supermodernidade. Mas me pergunto também: se a modernidade - ou a supermodernidade de acordo com Marc Augé - considera alguns espaços físicos como não-lugares, o que seria então a rede? 2 Visto que os aeroportos de qualquer lugar que seja são muito similares entre si.

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A Torre de Babel, por Pieter Brueghel

Ambas parecem ser estruturadas pelo Iluminismo, passando pelo Modernismo e

alcançando o Pós-modernismo que seria uma espécie de ápice do Iluminismo que controla a

vida humana, como se fosse um novo modernismo que procura se singularizar, como o vídeo

de Niemeyer. Neste contexto surge novas tecnologias3. Mas antes de tudo é necessário

compreender que modernidade e Modernismo são coisas diferentes, pois a modernidade

compreende tudo que é moderno, ou seja, atual; e o Modernismo corresponde a um

movimento específico da história da arte. Sendo assim, é coerente pensarmos que a

modernidade contemporânea corresponde ao Pós-modernismo, que é um movimento que

sucede ao período Moderno. Esta modernidade é dual, esquizofrênica, bipolar, que são

sintomas de uma exaustão, reiniciando4 uma mudança de paradigmas. Na sequência,

assistimos o filme: “O homem ao lado” e houve algumas reflexões, como: cidades como

Salvador e Minas Gerais têm características barrocas (como a Europa); já cidades que

comportam prédios, instituições civis, apresentam uma tendência neoclássica e nossa base e

estrutura contemporânea é o Moderno, sua continuação, talvez por isso não há mais muita

pretensão em citar o novo. Logo, vemos muitas produções artísticas que se apropriam de

imagens alheias e se distanciam da ideia de novidade que o Modernismo tanto visava5. Mas

quais são exatamente as diferenças entre Modernismo e modernidade? De acordo com

Grossmann, o Modernismo compreende ou uma espécie de Modernidade Construtora que

comporta: top-dawn, linearidade/texto, diacronia, análise, universalidade, espaço diferente de

tempo, determinismo, ciência/argumentação/linguagem, associações masculinas/phalo ou

                                                        3 Já em 1890, Marc Ferrez adiciona a tecnologia na fotografia com foco em toda a extenção da imagem. Outros modernistas citados em aula foram Machado de Assis (como precursor) e Baudelaire. 4 Digo reiniciando porque de alguma forma tudo parece ir e vir. A história da arte iniciou por diversas vezes “novos” paradigmas a partir do momento que se que repensou algumas questões e se fez necessário repensar alguns valores, mas de forma ou de outra, parece que ao mesmo tempo que a maneira de pensar a arte é modificada, ela parece se repetir carregando conceitos ao decorrer do tempo. Associo isto como o eterno retorno de Nietzsche e à ideia de repetição e diferença de Deleuze. 5 Ver: https://docs.google.com/file/d/0B_7oXBLQxfqmcGxQSVlNRldBZVE/edit?pli=1

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uma espécie de Modernidade Crítica que é: experiência, hipertexto, sincronicidade/síntese,

espaço=tempo/relativismo/consciência, participação, horizontalidade, dúvida, metaliguagem,

anacronia/excentricismo/androgenismo – este tipo de modernidade busca transformar a vida

humana. O Pós-modernismo seria, então, uma mediação, um diálogo, entre a Modernidade

Construtora e a Modernidade Crítica6. Dando sequência à aula, houve uma pequena reflexão

sobre o olhar do pintor modernista, que é um olhar coerente com a perspectiva linear. E

voltando à alegoria da Torre de Babel – ou se preferir, à história da arte – é possível

compreender a internet, a rede, como ferramentas contemporâneas que ainda apresentam

características do Iluminismo7, como as enciclopédias (Wikipédia, Google etc)8. Mas é fato

que as Modernidades Construtiva e Crítica eram bem mais divididas nas vanguardas e hoje

uma não vive sem a outra, se complementam, são duais, como se hoje já houvesse um terceiro

“corpo”: a teoria do caos; a reversibilidade. De acordo com Martin, o primeiro artista na

história da arte a evidenciar esta ideia foi Velásquez, com “As meninas”, reificando o

espectador, fazendo com que a obra não páre no tempo e seja sempre contemporânea. Assim

também como Duchamp, Yves Klein, Nelson Lerner etc., são exemplos de artistas que

dialogam com essa relação dialógica, como os “objetos indiferentes”9. O espelho de

Velásquez se relaciona com a roda de bicicleta sobre o banco, de Duchamp, por exemplo, pois

este “objeto indiferente” é como se fosse o espelho (que é uma androgenia) de Velásquez.

Marcel Duchamp. Roda de bicicleta (Roue de bicyclette), 1913 (réplica de 1964).

Readymade, uma roda de bicicleta montada

                                                        6 Algumas características da arte contemporânea consideram que , dentre outras coisas: antiformas, participações, antinarrativas, esquizofrenia, ironia e etc. Essas características são possíveis de ser identificadas em filmes contemporâneos, que se inia do fim, por exemplo, das artes visuais, que ao contrário de tentar esconder demonstram o processo utilizado nas obras, da literatura que se apropria de uma descontinuidade ou não-linearidade da narrativa, dos textos em poéticas visuais, que permitem ao artista produzir uma “outra obra”, além do objeto de arte, mas que também inclui uma forma de pensar que é singular diante da experiência da visão frente a obra. Ver: HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 13.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 7 Pois o Iluminismo seria a estrutura das informações do conhecimento. 8 Uma das características singulares deste período contemporâneo é o imediatismo, como os tweets com até 140 caracteres que escrevemos após cada dia de aula sintetizando o conteúdo discutido. Já o hipertexto é uma herança do Modernismo, evidente em nossas leituras na rede, que percorre vários links, e o jornal impresso de hoje em dia, que apresenta várias informações na capa. Curiosidade: Todos os tweets escritos durante o módulo me fizeram refletir sobre o fim dessa narrativa pelo próprio fato de estar num formato completamente atual (imediatista, sintético, virtual e principalmente num formato que impede uma justificativa, pelo tamanho, assim como foi uma resposta imediata, sem mais pesquisas além do que já se conhece além de ter que falar sobre muitas informações que talvez nunca tenhamos refletido antes). Meus tweets foram sim momentâneos, alguns deles eu nem sei direito qual foi a conexão/ligação que fiz, mas de alguma forma, aquilo que escrevi veio até mim por alguma razão. 9 “O objeto indiferente na arte incita o espectador a assumir e desenvolver uma predisposição crítica vis-à-vis o contexto experimental dado – a instituição da arte – revelando-a.” (esta citação foi exibida em aula e eu não sei quem é o autor)

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em um banco; metal e madeira pintada, 126.5 x 31.5 x 63.5 cm. MoMA, Nova York.

Diego Velázquez, ‘As Meninas’, 1656 (óleo sobre tela, 321x181, Madrid, Museu do Prado)

É a beleza da indiferença, como uma relaciona com a estratégia para desvelar,

formando uma transparência, desvelando o sistema, como Foucault, Derrida, Deleuze etc. São

modos de construção sincrônicos que mostram de uma maneira inteligente como são criados;

o processo é visível10, como “O grande vidro”, de Duchamp e há uma androgenia11 que

pretende fazer com que o artista, por exemplo, se veja no outro, como a obra “Fig leaves”, de

Duchamp12. O artista lança a dilação da experiência com a arte, onde ela se potencializa; um

exercício de suspensão.

                                                        10 Esta obra resgata a transparência da moldura, sem grade, com geometria n-dimensional. Há uma inclusão da psicanálise, da complexidade que somos nós, através de estratégias que dialogam com as interfaces das linguagens; um ponto de encontro de várias linguagens, de vários meios de representação10. Esta obra de Duchamp é uma espécie de pintura que também “escorrega”. Além disso, esta obra é acompanhada de um livro verde que não tem a pretensão de explicar a obra, mas trazer uma nova leitura, uma leitura complementar, trazer mais um problema. “O grande vidro” evidencia a participação do espectador, basta ver através do vidro e da janela que se encontra atrás do vidro. 11 A androgenia é a incorporação da experiência, como os Parangolés de Hélio Oiticica. 12 Há afirmações que dizem que esta obra representa o órgão genital de Maria Martins, como se fosse uma forma de retratar a própria pessoa que representa o outro, pois o retrato é realizado através do olhar de quem retrata.

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A noiva despida por seus celibatários, mesmo (O grande vidro), 1915-23. Museu de Arte, Philadelphia.

Por fim, concluo que minha compreensão sobre esta aula – aliás, sobre o módulo todo

de uma maneira geral – é coerente com a simbologia da espiral e como uma teia de

relacionamentos feito uma teia de aranha, ou feito a rede. Síntese da aula: modernidade não é

Modernismo, por isso este período contemporâneo não faz parte da pós-modernidade, mas

talvez sim do Pós-modernismo.