RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO CURRICULAR …

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RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO II (REGÊNCIA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL) NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA). Lucas José da Silva Tavares 1 Resumo: Este trabalho consiste na análise da relação entre teoria e prática vivenciada durante o componente de Estágio Curricular Supervisionado II: Regência nas séries finais do Ensino Fundamental, desenvolvido no curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia UNEB/Campus X e aplicado em uma turma noturna do 7º Ano da EJA (Educação de Jovens e Adultos) na Escola Municipal Bela Vista, localizada na cidade Teixeira de Freitas Bahia, no ano de 2018, do mês de Março ao mês de Junho. A pretensão é analisar o estágio como um espaço de encontro entre a teoria e a prática educativa, e portanto fugir da redução desse componente a instrumentalização do ensino, fugir também da rotineira redução desse componente a uma prática instrumental, como ainda ocorre nos dias de hoje, para a partir disso discorrer de forma subjetiva os relatos desta experiência e as implicações desta na minha formação docente, levando em consideração o fato de o estágio ter ocorrido em uma turma de EJA, portanto será abordado aqui reflexões relacionadas a realidade do aluno da EJA, e também algumas reflexões sobre a cidade de Teixeira de Freitas. Utilizarei um arcabouço teórico com os seguintes autores: Pimenta e Lima (2005/06), Freire (1996), Luckesi (2002), Hobsbawm (1998), Caimi (2015), entre outros. A metodologia tem uma abordagem qualitativa e prevê a apreciação de questões que vão desde às leituras, debates e orientações ocorridas no âmbito do componente curricular até as práticas docentes supervisionadas na sala de aula, apresentando também as impressões em relação as vivências no cotidiano escolar durante o estágio fazendo correlação com os autores utilizados para o embasamento teórico. Por conclusão, destacarei as formas como a experiência do estágio na EJA implicou em diferentes âmbitos da minha vida. Palavras-Chaves: Relato de Experiencia; Estágio Curricular; EJA; Formação Docente. 1 Graduando em Licenciatura em História na Universidade do Estado da Bahia UNEB/CAMPUS X. E-mail: [email protected]

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RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO II

(REGÊNCIA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL) NA EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS (EJA).

Lucas José da Silva Tavares1

Resumo: Este trabalho consiste na análise da relação entre teoria e prática vivenciada durante

o componente de Estágio Curricular Supervisionado II: Regência nas séries finais do Ensino

Fundamental, desenvolvido no curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado

da Bahia – UNEB/Campus X e aplicado em uma turma noturna do 7º Ano da EJA (Educação

de Jovens e Adultos) na Escola Municipal Bela Vista, localizada na cidade Teixeira de Freitas

– Bahia, no ano de 2018, do mês de Março ao mês de Junho. A pretensão é analisar o estágio

como um espaço de encontro entre a teoria e a prática educativa, e portanto fugir da redução

desse componente a instrumentalização do ensino, fugir também da rotineira redução desse

componente a uma prática instrumental, como ainda ocorre nos dias de hoje, para a partir disso

discorrer de forma subjetiva os relatos desta experiência e as implicações desta na minha

formação docente, levando em consideração o fato de o estágio ter ocorrido em uma turma de

EJA, portanto será abordado aqui reflexões relacionadas a realidade do aluno da EJA, e também

algumas reflexões sobre a cidade de Teixeira de Freitas. Utilizarei um arcabouço teórico com

os seguintes autores: Pimenta e Lima (2005/06), Freire (1996), Luckesi (2002), Hobsbawm

(1998), Caimi (2015), entre outros. A metodologia tem uma abordagem qualitativa e prevê a

apreciação de questões que vão desde às leituras, debates e orientações ocorridas no âmbito do

componente curricular até as práticas docentes supervisionadas na sala de aula, apresentando

também as impressões em relação as vivências no cotidiano escolar durante o estágio fazendo

correlação com os autores utilizados para o embasamento teórico. Por conclusão, destacarei as

formas como a experiência do estágio na EJA implicou em diferentes âmbitos da minha vida.

Palavras-Chaves:

Relato de Experiencia; Estágio Curricular; EJA; Formação Docente.

1 Graduando em Licenciatura em História na Universidade do Estado da Bahia – UNEB/CAMPUS X. E-mail:

[email protected]

1 Introdução

O estágio, enquanto um campo de conhecimento, dentro da área de licenciatura possui

por si só uma enorme relevância para a formação do licenciandos enquanto futuros docentes.

Através do estágio o porvindouro docente entra em contato com um campo social onde há a

possibilidade de começar a desenvolver suas práticas educativas – muitas vezes – pela primeira

vez, conforme é dito por Lima e Pimenta no trecho abaixo:

Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o

que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua

tradicional redução à atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com

o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas. (LIMA e

PIMENTA, 2006, p. 6).2

Como foi supracitado, o estágio enquanto campo de conhecimento se constitui quando

em contato com o seu campo social, que nesse caso é a escola o licenciando tem a possibilidade

de desenvolver suas práticas educativas, a partir da correlação do que aprendeu no âmbito

acadêmico.

Sem contar também que a vivência do estágio – para aqueles que ainda não entraram na

sala de aula na função de docente – é o primeiro passo para o início da constituição de uma

identidade profissional, bem como Lima (2008, p. 198) traz: “Defendemos este componente

curricular como espaço de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade

profissional, que permeia as outras disciplinas da formação, no projeto pedagógico dos cursos

de formação[...]”.3

Tendo isso em vista, este presente artigo pretende exercer diferentes analises frutificadas

a partir da experiência vivenciada no âmbito do componente Estágio Curricular Supervisionado

II (Regência Nas Séries Finais Do Ensino Fundamental). Aqui será abordado alguns pontos

como: a relação entre teoria e prática vivenciada no âmbito do componente de estágio; reflexões

relacionadas a modalidade de educação EJA (Educação de Jovens e Adultos), tendo em vista

as a diversas especificidades e complexidades que ela possui; reflexões sobre a cidade de

2 PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. Revista Poíesis, São Paulo:

2005/2006. 3 LIMA, Maria Socorro Lucena. REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO/

PRÁTICA DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Curitiba: 2008.

Teixeira de Freitas - BA; por fim, como essa vivência afetou em diferentes âmbitos da minha

vida, tanto na questão da formação profissional, enquanto aspirante a docente, quanto no meu

desenvolvimento acadêmico.

O trabalho será desenvolvido a partir da apreciação de questões que vão desde leituras,

debates e orientações ocorridas no âmbito do componente curricular até as práticas docentes

supervisionadas na sala de aula, apresentando também as impressões em relação as vivências

no cotidiano escolar durante o estágio fazendo correlação com os autores utilizados para o

embasamento teórico.

2 Uma breve descrição da minha relação com o estágio

O componente de estágio foi desenvolvido no curso de Licenciatura em História da

Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X e aplicado em uma turma noturna do 7º

Ano da EJA na Escola Municipal Bela Vista, localizada na cidade Teixeira de Freitas – Bahia,

no ano de 2018, do mês de Março ao mês de Junho. Nessa época a escola possuía como oferta

a Educação Básica nas etapas de Ensino Fundamental I durante o período vespertino e matutino,

e para o EJA oferecia o primeiro segmento nos módulos I, II, III, IV, e V, e o segundo segmento

nos módulos VI, VII, VIII e IX, durante o período noturno.

O componente curricular, possuiu uma carga horária total de 105 horas. Dessas, 65 horas

foram destinadas para encontros na UNEB, já para a atuação no espaço escolar foi utilizada a

carga horária de 40 horas, sendo 10 horas para a observação/interação com a escola e 30 horas

para a regência, que foi exercida na turma da 7º Série / Módulo VIII do período noturno, essa

turma possuía 37 alunos matriculados no início do meu estágio, sendo esses das mais variadas

faixas etárias. É importante destacar o fato que no decorrer do estágio a turma perdeu grande

parte de seus membros.

A regência teve início no dia 12 de março de 2018 e se estendeu até o dia 21 de junho

de 2018, foi distribuído com 3 aulas por semanas, sendo duas na Segunda-feira e uma na Quinta-

feira, ao decorrer do estágio ele foi interrompido por 2 semanas devido a paralisação dos

caminhoneiros no dia 21 de maio de 2018 que fecharam as estradas, e devido ao fato de que

época eu não residia na cidade onde o estágio foi exercido, fui impossibilitado de ministrar

aulas, com isso o estágio acabou se prolongando um pouco mais do que devia.

3 Planejamento

O planejamento foi um dos pontos mais enfatizados pelo o professor orientador durante

o estágio. O planejamento é imprescindível para execução de qualquer atividade que se almeje

obter bons resultados, e como estamos falando de um estágio de regência, a questão do

planejamento é um ato político-social, cientifico e técnico, bem como é dito por Cipriano Carlos

Luckesi:

O planejamento não será nem exclusivamente um ato político-filosófico, nem exclusivamente um ato técnico; será, sim, um ato ao mesmo tempo político-

social, científico e técnico: político-social, na medida em que está

comprometido com as finalidades sociais e políticas; científico, na medida em

que não se pode planejar sem um conhecimento da realidade; técnico, na medida em que o planejamento exige uma definição de meios eficientes para

se obter os resultados. (LUCKESI, 2002)

O processo de planejamento começou desde a UNEB, com a assistência do professor

orientador, na qual as aulas iniciais apresentaram fundamentações teóricas para proporcionar a

nós ferramentas para planejar um projeto que não fosse puramente burocrático.

Ao desenvolver o projeto do estágio, dentre algumas das leituras indicadas pelo professor

orientador do componente do estágio me deparei com uma citação de Paulo Freire, qual acabei

escolhendo como o embasamento central do projeto.

Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticando-se, aproximando-se

de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se

torna curiosidade epistemológica. (FREIRE, 1996, p. 15).4

Portanto, o projeto foi constituído com a pretensão de trabalhar dentro da perspectiva de

uma evolução crítica dos alunos, almejando alcançar a “curiosidade epistemológica”, tendo

como embasamento o que foi proferido por Freire.

Os planos de aulas seguiram a ordem da temática proposta pela professora regente: a

revolução industrial, o processo de industrialização no Brasil, a influência do iluminismo no

Brasil, as conjurações e inconfidências no Brasil, a vinda da família real para o Brasil, a

4 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,

1996.

independência do Brasil, o primeiro reinado e o período regencial. E foram planejados dentro

da perspectiva proposta pelo projeto de estágio, a partir de pesquisas feitas tanto em textos e

livros quanto na internet organizei os planos de aula dentro do modelo estipulado pelo professor

orientador: objetivos, conteúdos, metodologia, recursos e avaliação.

No início do estágio, o primeiro desafio foi se alinhar à prática aconselhada pela

professora regente, fui aconselhado a evitar determinadas práticas como: pedir apresentação de

trabalhos, ou atividades orais, entre outras coisas, pois os alunos geralmente rejeitavam essas

práticas, o que acabou me causando estranhamento e me limitando. Outro motivo de

estranhamento foi fato de a professora regente não utilizar nenhum livro didático e sim textos

da internet.

Falando dos planos de aula, de forma geral, foram feitos a partir das pesquisas e

construídos no objetivo de estarem alinhados a pretensão do projeto. Já na metodologia dos

planos de aula, ao decorrer do processo do estágio de regência, as metodologias foram se

encaixando dentro da realidade da turma, seguindo os conselhos da professora regente foi

possível perceber o que a turma estava mais aberta a fazer.

4 Aulas

No tocante das aulas, os conteúdos a mim atribuídos pela professora regente para

desenvolver junto dos alunos durante o estágio foram trabalhados do mês de março de 2018 ao

mês de junho de 2018. Ao invés de relatar de forma ampla cada tema, irei me ater ao trabalho

desenvolvido com dois temas específicos: Revolução Industrial e o processo de independência

do Brasil, pois foram temas que presenciei resultados satisfatórios.

Durante o processo de planejamento dos planos de aula, o foco foi encontrar pontos

relevantes dentro do conteúdo para fazer referências e trabalhar a criticidade dos alunos com

mais consistência, embasado no que é abordado por Flávia Eloisa Caimi, ao discorrer sobre a

tarefa de ensinar:

Entendemos a tarefa de ensinar como a apropriação, pelo professor, de conhecimentos pedagógicos que lhe permita mobilizar estratégias e recursos

que transformem os conhecimentos científicos em “saberes escolares

ensináveis”, em conhecimentos válidos socialmente, pertinentes às características e finalidades da escola nas sociedades contemporâneas e que

produzam sentido àqueles/naqueles que são os aprendentes. (CAIMI, 2015, p.

115)5

Sendo assim, as aulas, de forma geral, foram trabalhadas através da mobilização de

estratégias para compartilhar com os alunos saberes escolares ensináveis, ou seja,

conhecimentos validos socialmente que de alguma forma que produzisse algum sentindo neles.

E para melhor elucidar isso, mais a frente citarei algumas reflexões desenvolvidas em sala de

aula.

Como exemplo disso cito a aula referente a Primeira Revolução Industrial na Inglaterra.

Devido as questões trabalhistas que estão intrínsecas ao tema da Primeira Revolução Industrial,

interpretei ser um tema com margem para abrir uma discursão a respeito da reforma trabalhista

ocorrida no Brasil – sancionada em 13 de julho de 2017, o que também contemplou uma das

indicações da professora Regente que me indicou sempre que possível trazer informações que

fossem pertinentes a realidade dos alunos.

A partir deste tema foi possível apontar algumas das alterações ocorridas através da

Reforma Trabalhista de 2017, como por exemplo: Salário mínimo não obrigatório para

trabalhadores que recebem remuneração por produção, mulheres gravidas trabalhando em

ambientes insalubres, possibilidade de uma jornada de trabalho maior, tempo de descanso

mínimo reduzido para 30 minutos, parcelamento de férias, entre outras coisas. A partir disso

foi possível abrir uma ampla gama de discussões junto aos alunos, muitos socializaram com a

turma o que pensavam sobre, e para outros isso foi até mesmo uma “descoberta” por não

estarem antes cientes dessas informações que implicam diretamente em suas vidas.

Outro tema que também deve ser citado foi uma das referentes a Independência do Brasil,

após tralhar propriamente o tema com os alunos foram apresentados dois quadros ilustrativos

da declaração de Independência do Brasil, e em seguida ambos foram analisados em conjunto,

em uma perspectiva crítica, buscando encontrar o que aquelas obras pretendiam transmitir. O

primeiro quadro analisado foi o A proclamação da Independência, de François-René Moreaux,

de 18446, e o segundo foi o “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, pintado em 18887.

5 CAIMI, Flávia Eloisa. O que precisa saber um professor de História? História & Ensino, Londrina, v. 21, n. 2,

p. 105-124, jul./dez. 2015. 6Disponível em:

<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/archive/c/cb/20110215215222!Independencia_brasil_001.jpg

> Acesso em: 19 de out. 2020. 7Disponível em: <https://2.bp.blogspot.com/-GGtBsrSDyAw/Ve7Y181wJjI/AAAAAAAABdk/XK--

AAs5APw/s1600/mi_616869955132580.jpg> Acesso em: 19 de out. 2020.

No primeiro caso o autor registrou o ato como uma festa de confraternização popular,

porém, não é possível notar a participação de índios ou negros, essa é uma a versão que as elites

tinham e difundiam sobre a emancipação do Império. Já no segundo quadro, uma série de

questionamentos sobre foram lançados aos alunos, em relação ao ambiente, o local que Dom

Pedro I está posicionado no quadro, o perfil social e a reação das pessoas presentes, se isso

correspondia à realidade brasileira do período, os interesses políticos que podem ter guiado a

feitura dessas obras, e o fato delas terem sido produzidas sob encomendas.

Muitos alunos se mostraram surpresos à medida que foram percebendo que de fato os

quadros foram montados em cima de uma ideia que buscava construir uma imagem irreal da

sociedade brasileira e da questão da declaração da independência.

A partir disso, o ambiente se tornou propicio para iniciar uma discussão sobre a um tema

que estava bem presente na época e ainda está até hoje, as Fake News. O ano de 2017 pode

facilmente ser considerado o ano das fakes, não apenas para o Brasil, mas sim para uma boa

parte do mundo. Discutir isso com os alunos foi extremamente produtivo, tendo em vista que

estávamos discutindo isso durante um momento de explosão de notícias falsas de cunho

político, que influenciaram consistentemente nas eleições de 2018 e continuam com forte

disseminação até os dias de hoje.

5 Reflexões sobre a EJA

Bem como é expresso no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

de 2003 da Secretaria Especial de Direitos Humanos: “(…) a Educação Básica, como um

primeiro momento do processo educativo ao longo de toda a vida, é um direito social inalienável

da pessoa humana e dos grupos socioculturais”8. Sendo assim, a modalidade de Educação para

Jovens e Adultos, contribui na contemplação dessa garantia para aqueles que não possuíram

acesso a educação básica durante a idade regular.

Contudo, atualmente o público da EJA é constituído tanto por jovens e adultos que em

algum momento de suas vidas ficaram afastados durante um determinado tempo da escola,

como também por jovens que sofreram reprovação e ao atingir a idade requerida passaram a

frequentar a EJA, mesmo que nunca tenham deixado de estudar durante a idade regular.

8 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, 2003.

É importante destacar que, na maioria das vezes, esse público tem que conciliar estudo

e trabalho, o que por si só é extremamente complicado pois uma coisa acaba afetando

criticamente a outra. O cansaço do aluno que trabalhou o dia inteiro e ainda precisa ir para a

escola durante o turno noturno somado a uma falta de uma perspectiva de melhora de vida

através dos estudos implica diretamente no desempenho dele na escola.

Durante o estágio, foi possível notar isso, sobretudo, nos alunos mais jovens que durante

o dia trabalhavam – no comércio, em supermercado, ou como borracheiro, entre outras coisas

– e ao chegar na escola, ou acabavam dormindo por cansaço ou buscavam fazer algo para se

entreter, pois estavam lá apenas para concluir sua trajetória dentro do sistema de ensino básico,

por não conceber nenhum valor prático ao conhecimento transmitido pela escola.

Já os alunos mais velhos, que por algum motivo ficaram afastados da escola –

geralmente devido a necessidade de trabalhar – acabavam sendo os mais centrados com os

estudos, mesmo que também passassem os outros dois turnos do dia trabalhando.

Outro ponto que também deve ser citado foi a questão da grande evasão desses alunos,

sendo que ao início do estágio a sala possuía 37 alunos e mais ao final possuía em torno de 12.

É importante destacar que, da maioria dos alunos que permaneceram na escola, durante o

decorrer do estágio, em geral, foram os mais velhos, o grande índice de evasão estava por parte

dos mais jovens.

Penso ser produtivo correlacionar essas reflexões com algumas outras de Luiz Paulo

Cruz Borges (2009), que a partir de algumas constatações, identifica três formas de entender o

sujeito do EJA: A primeira é dentro de um caráter sociológico, caracteriza o sujeito como um

jovem ou adulto marginalizado, que saiu da escola devido às injustiças sociais presentes nesta

instituição; A segunda é de cunho psicológico, caracterizado pela questão cognitiva, em que o

sujeito é estigmatizado como alguém que não conseguiu aprender durante sua idade regular; E

a terceira, de caráter não claramente definido, que é a autopercepção que o aluno cria de si,

nesse ponto temos a baixa autoestima – característica que grande parte dos alunos nutre por si,

e também os casos dos alunos que fogem dessa baixa autoestima se autodeterminando em busca

de sua vocação, no desejo de ser mais.9

9 BORGES, Luís Paulo Crus. Reflexões Necessárias Sobre A Educação De Jovens E Adultos: Perspectivas,

Desafios E Possibilidades. ESPAÇO DO CURRÍCULO, v.2, n.1, pp.137-155, Março-Setembro/2009.

Dentre estas, levando em consideração minha curta vivência na EJA, a questão da

autopercepção que o aluno cria de si foi a que mais pude perceber, tanto devido aos comentários

autodepreciativos que os alunos faziam sobre si, quanto o referente a busca de sua vocação e o

desejo de ser mais que alguns poucos possuíam, como querer entrar na universidade. Contudo,

a questão da baixa autoestima foi a que mais percebi dentro da sala de aula, sobretudo nos

alunos mais novos. Sendo assim é importante levar em conta que, para compreender o perfil

destes sujeitos, é necessário conhecer sua história, cultura e costumes.

Portanto, gostaria de trazer também a problematização de um ponto – que considero –

ser o mais marcante do estágio. Ao decorrer desses poucos meses dentro da escola 3 alunos

foram assassinados, sendo que destes 1 estava matriculado na turma do 7º Ano. Essas mortes

afetaram a escola de modo geral, portanto, gostaria aqui de discutir rapidamente sobre a questão

da violência na cidade.

Tendo isso em vista, os convido para uma rápida apreciação de alguns dados trazidos

por Francisco Denílson Santos De Lima (2016) sobre a cidade de Teixeira de Freitas - BA, em

sua Tese de Doutorado, acerca da questão da violência na cidade.

Em 2012, o Mapa da Violência10, apontou Teixeira de Freitas como uma das mais

violentas da Bahia e do Brasil, permanecendo na lista nos anos seguintes. O estudo, apontou

Teixeira de Freitas como a 6.ª cidade mais violenta da Bahia. Considerando as taxas de

homicídios por armas de fogo, o Mapa da Violência 2013 também apontou Teixeira de Freitas

como uma das mais violentas do país, ocupando 46ª posição. Em 2014 o Mapa da Violência

colocou o município na 11ª posição do estado e na 42ª posição do país. O Mapa da Violência

2015, que teve como foco os homicídios de adolescentes do Brasil, apontou o Brasil como o

terceiro país mais violento do mundo, a Bahia se destacou neste cenário, liderando o ranking,

com dois dos três primeiros lugares, neste cenário de violência, Teixeira de Freitas também se

destaca, ocupando a 26ª posição11.

10 O Mapa da Violência trata-se de pesquisas com dados secundários realizadas periodicamente com foco na

problemática da juventude e a violência. O primeiro mapa foi realizado em 1998 e já foram divulgados até o dia

de hoje 27 estudos. Inicialmente cada dois anos, posteriormente anual e, desde 2011, mais de um a cada ano. 11 LIMA, Francisco Denílson Santos de. A violência e o medo em Teixeira de Freitas-BA e seus reflexos nas

formas de uso e consumo dos espaços livres públicos (ELP’s) pela juventude. Tese (Doutorado em Geografia)

– Universidade Federal De Pernambuco Centro De Filosofia E Ciências Humanas Departamento De Ciências

Geográficas Programa De Pós-Graduação Em Geografia. Recife, 2016.

Compreender Teixeira de Freitas como uma das cidades mais violentas, nos possibilita

entender um pouco mais sobre a realidade teixeirense, devido as diversas problemáticas que

isso gera, sobretudo na vida das pessoas marginalizadas12 pela sociedade, devido as repletas

injustiças sociais quais o nosso país possui.

6 Conclusão

Interpreto que experenciar a vivência do estágio de regência é um dos primeiros passos

para a formação da identidade profissional do sujeito enquanto docente, infiro isso me apoiando

no que é dito por Lima (2008, p. 198), “Defendemos este componente curricular como espaço

de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade profissional, que permeia

as outras disciplinas da formação, no projeto pedagógico dos cursos de formação[...]”13.

Para mim, viver a experiência desse estágio foi um divisor de águas, justamente por ter

sido a minha primeira vez dentro de sala de aula, assumindo o papel de docente. E penso que

para muitos licenciandos, o primeiro estágio de regência também se constitui como um rito de

passagem. Levo em consideração também, que estagiar na EJA foi uma experiência ímpar,

tendo em vista a especificidade dessa modalidade de educação.

Estar na posição de professor pela primeira vez, me fez entender a responsabilidade

desse papel, e implicou diretamente na minha relação com meus professores dentro da

universidade, pois pude entender melhor o que é estar naquela função, e o que se espera dos

seus alunos. Portanto gostaria de trazer uma citação de Eric Hobsbawm, em seu ensaio Dentro

e Fora da História:

As pessoas em função das quais você está lá, disse meu próprio professor, não

são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e

cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas

cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar.

Os outros são os únicos que precisam de você.14

12 Vale lembrar o que foi citado anteriormente de Borges (2019) em relação as formas de entender o sujeito do

EJA, sendo a primeira de caráter sociológico, onde caracteriza o sujeito justamente como um jovem ou adulto marginalizado. 13 LIMA, Maria Socorro Lucena. REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO/

PRÁTICA DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Curitiba: 2008. 14 HOBSBAWM, Eric. Dentro e Fora da História. Sobre história: ensaios. Tradução de Cid Knipel Moreira. São

Paulo: Companhia das Letras, 1998.

É interessante destacar que, apenas possuí contato com a leitura acima um pouco após

o término do estágio, porém me identifiquei muito com ela. Desconsiderando o teor

meritocrática qual essa citação pode carregar, sempre há a existência de alguns alunos que se

colocam mais interessados do que outros sobre determinadas disciplinas.

Embora tenham esses que conseguem adquirir melhores resultados, ao decorrer do

desenvolvimento do estágio, não busquei em focar especificamente nesses, pois eles de algum

modo eu sabia que iriam “cuidar de si mesmos”. Meu foco foi buscar aqueles que “precisavam

de mim”.

A partir da reflexão consequente dessa citação correlacionada com minha experiencia

no estágio, compreendi que esses alunos que se encontram mais “afastados” devem ser

interpretados como objetivos a serem alcançados dentro da sala de aula, a cativação desses deve

ser um dos alvos principais. Obviamente, ao traçar essas metodologias não se pode – jamais –

esquecer dos outros alunos que conseguem adquirir melhores notas, afinal eles também são seu

público. Sabendo disso, isso foi um ponto que levei para dentro de todas outras salas de aula

que entrei como professor até hoje, e continuarei levando.

Referência bibliográfica

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação

em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da

Educação, 2003.

BORGES, Luís Paulo Crus. Reflexões Necessárias Sobre A Educação De Jovens E Adultos:

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CAIMI, Flávia Eloisa. O que precisa saber um professor de História? História & Ensino,

Londrina, v. 21, n. 2, p. 105-124, jul./dez. 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São

Paulo: Paz e Terra, 1996.

HOBSBAWM, Eric. Dentro e Fora da História. Sobre história: ensaios. Tradução de Cid

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LIMA, Francisco Denílson Santos de. A violência e o medo em Teixeira de Freitas-BA e seus

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Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal De Pernambuco Centro De Filosofia E

Ciências Humanas Departamento De Ciências Geográficas Programa De Pós-Graduação Em

Geografia. Recife, 2016.

LIMA, Maria Socorro Lucena. REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO/PRÁTICA DE

ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Curitiba: 2008.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. Revista

Poíesis, São Paulo: 2005/2006.