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Relatório
final Seminário em Direitos Humanos – União Europeia – Brasil com a Sociedade Civil
Setembro de 2015
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Seminário em Direitos Humanos União Europeia - Brasil com a Sociedade Civil – Brasília. Relatório Final. Brasília, Setembro de 2015 Preparado por:
Carolina Marques Ferracini Gabriela Bastos Guilherme de Almeida Pedro Lagatta Shana Santos Vitor Blotta
Compilado por:
Carolina Marques Ferracini
As opiniões que esta publicação expressa no reflictam necessariamente as opiniões da Comissão Europeia.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 3
Objetivos ................................................................................................................................. 3
Metodologia ............................................................................................................................ 3
Resultados do Seminário .......................................................................................................... 4
TEMA 1. EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS .................................................................................. 5
Mesa A. Implementação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e Construção do Tratado Vinculante no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU ........................................................................................................................................ 5
Mesa B. Direitos Económicos, Sociais e Culturais na Construção do Plano Nacional de Empresas e Direitos Humanos .................................................................................................................. 8
Mesa C. Acesso à Justiça......................................................................................................... 12
TEMA 2. DIREITOS HUMANOS E GRUPOS SOCIAIS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE, COM FOCO EM
CRIANÇAS, ADOLESCENTES E JOVENS ........................................................................................ 15
Mesa A. Redução da Maioridade Penal ................................................................................... 15
Mesa B. Homicídios de Adolescentes e Jovens ........................................................................ 18
Mesa C. Acesso a Direitos Básicos ........................................................................................... 21
ANEXO I – DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA E DO EVENTO ................................................................ 22
ANEXO II – LISTA DE PARTICIPANTES ......................................................................................... 27
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INTRODUÇÃO
A União Europeia (UE) e o Brasil compartilham os princípios de universalidade dos direitos
humanos e estão comprometidos com a sua proteção, através de um sistema multilateral. Na
lógica de aprofundar alguns dos temas mais urgentes e relevantes para garantir este
compromisso, promovem anualmente diálogos com as principais instituições e atores
envolvidos na proteção e na defesa dos direitos humanos.
Em 2015 aconteceu, entre 15 e 17 de setembro, o V Diálogo Brasil – União Europeia sobre
Direitos Humanos. O primeiro dia de trabalhos consistiu no Seminário sobre Direitos
Humanos União Europeia - Brasil com a Sociedade Civil, um encontro entre representantes
de organizações da sociedade civil brasileira e europeia. Foi presidido pelo Ministro-Chefe da
Secretaria de Direitos Humanos, Pepe Vargas, e pelo Representante Especial dos Direitos
Humanos da UE, Stavros Lambrinidis. Deste Seminário foram então eleitas duas pessoas
para representar a Sociedade Civil e apresentar o resultado do encontro durante o diálogo
oficial com as empresas, em 16 de setembro, e com o Governo, em 17 de setembro.
Objetivos
O objetivo do Seminário, no âmbito do V Diálogo Brasil-União Europeia sobre Direitos
Humanos, era sistematizar conclusões e recomendações da sociedade civil e assim contribuir
para enriquecer o debate nos demais fóruns do evento.
Especificamente, o encontro buscou:
Abrir o diálogo oficial à sociedade civil brasileira e europeia, através de um espaço
para o debate construtivo.
Encorajar representantes da sociedade civil e da academia a contribuir para a agenda
oficial do diálogo.
Conectar instituições e pessoas especializadas em direitos humanos.
Metodologia
Após uma sessão de apresentações introdutivas aos temas do Seminário, os/as participantes
se dividiram em seis grupos e aprofundaram questões específicas ligadas aos temas
“Empresas e Direitos Humanos” ou “Direitos Humanos e Grupos em Situação de
Vulnerabilidade”. A moderação lançou mão da metodologia do “Café Diálogo” (World
Café), pela qual os grupos ligados a um tema específico circularam e puderam se manifestar
em diferentes sub-temas. A metodologia do Café Diálogo foi distribuída aos participantes.
Sua descrição completa está disponível no Anexo I.
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Resultados do Seminário
A seguir estão apresentados os resultados das seis mesas de trabalho do Seminário, divididos
em uma seção “diagnóstica” inicial, seguida pelos “Principais desafios identificados” e por
Recomendações do grupo participante aos demais atores do contexto em questão.
O conteúdo foi cuidadosamente revisado para garantir que refletisse fielmente a opinião dos
grupos de trabalho. Uma síntese destes resultados foi apresentada no encontro da UE com as
empresas e no diálogo oficial com o governo, em Setembro de 2015.
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TEMA 1. EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS
Mesa A. Implementação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos
Humanos e Construção do Tratado Vinculante no âmbito do Conselho de Direitos
Humanos da ONU
Os grupos que participaram desta mesa analisaram o tema proposto à luz dos desafios
atualmente existentes para a aplicação dos Princípios Orientadores (POs) da ONU, bem como
do debate corrente sobre a eventual criação de um Tratado vinculante sobre Empresas e
Direitos Humanos. Foi a partir da verificação da insuficiência dos POs que Equador e África
do Sul lançaram uma proposta de criar um tratado vinculante sobre empresas e direitos
humanos, que tem sido discutido desde então, inclusive em fóruns da sociedade civil.
De maneira geral os grupos concordaram que o marco dos POs não foi suficiente para
responsabilizar as empresas pelo respeito dos direitos humanos, uma vez que os princípios
reconhecem responsabilidades aos Governos, mas não responsabilizam as empresas de modo
explícito. Apesar das críticas, a sociedade civil defende os POs e sua implementação, e
repudia os casos em que houve a instrumentalização destas críticas, com intuito de
desqualificar a validade dos princípios.
Notou-se que o poder econômico das corporações pode ser enorme e acaba por desequilibrar
o debate sobre a construção do Tratado. Há riscos concretos de que as empresas sejam
capazes de invisibilizar ou direcionar as demandas da sociedade civil – através de parcerias
público-privadas, financiamentos a pesquisas específicas, participação em esquemas de
corrupção interna, e ainda, processos contra os Governos por violação de acordos de livre
comércio. Os exemplos citados para ilustrar esses desafios foram: a) o imenso poder e
capacidade de negociação nas mesas de decisão do agronegócio e das madeireiras, em
detrimento das prioridades de indígenas, quilombolas e populações tradicionais, bem como
do ambiente; b) a definição tardia de medidas de proteção, apenas após tragédias e mortes
com visibilidade; c) a inércia de grandes corporações e Bancos, que preferem ignorar as
medidas preventivas e pagar, eventualmente, reparações.1
Com relação ao processo de construção do Tratado, ficou claro que a sociedade civil espera
ser envolvida constante e significativamente. As organizações presentes consideraram as
fragilidades da ONU e sua vulnerabilidade em relação à cultura corporativa, o que deve ser
equilibrado com um movimento social forte. De fato, existe um diálogo paralelo sobre o
tratado, chamado “Tratado dos Povos” que tem como principal objetivo dar legitimidade a
quem sofre violações de direitos humanos, e já tem posições sobre soberania energética,
acesso à terra e os direitos dos povos indígenas.
Os principais pontos a serem levados adiante pela sociedade civil durante a construção do
Tratado incluem a participação equilibrada nas mesas de negociação e a criação de um
mecanismo efetivo de demanda contra as empresas violadoras, que seja realmente acessível
àquelas pessoas que sofreram ou estão a risco de sofrer violações.
1 Considerados todos estes desafios, há dentro do grupo de participantes um ponto de
desacordo: alguns propõem a completa eliminação das empresas do diálogo sobre direitos
humanos e da construção do Tratado; outros as consideram um interlocutor válido e
necessário para a aplicabilidade de um eventual pacto.
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Principais desafios identificados
1. Desequilíbrio entre a ação do governo e das empresas, inclusive de recursos.
Espaço transacional caracterizado pela impunidade. Não-separação do espaço
público e dos interesses privados: - com quem se negociam os direitos humanos.
Estados reféns e a serviço do poder empresarial. Desvalorização das comunidades
tradicionais e dos povos indígenas.
2. Debate aberto sobre quem são as empresas destinatárias do Tratado -
transnacionais, conglomerados, corporações com atuação em vários países... Ou
também empresas de atuação interna? União Europeia abandonou o debate.
3. O Brasil tem um grupo interministerial sobre o Tratado, com participação de parte
da Sociedade Civil. Atualmente as rodadas de conversas excluem diversos grupos
vulneráveis.
4. O Grupo de Trabalho (GT) de ‘Empresas e Direitos Humanos’ no âmbito do
Conselho de Direitos Humanos da ONU tem priorizado e ouvido mais as
empresas do que as vítimas de violações e grupos afetados. Também não tem
avançado na proposição de remédios efetivos no quadro dos Princípios
Orientadores (POs). O GT falha na priorização das vítimas e não tem um plano de
trabalho claro. Não há um procedimento de denúncias claro.
5. Os POs não têm se traduzido em soluções concretas aos problemas relacionados
aos direitos humanos, o que exige repensar a implementação dos POs ao nível
doméstico.
Recomendações
1. Abordagem aos direitos humanos a partir dos grupos afetados:
a) A negociação do Tratado não deve ser orientada pela lógica de mercado;
b) Garantia de que o conteúdo do tratado seja determinado pelos atingidos (apoio
material e logístico para a participação efetiva);
c) Criação de um mecanismo de reclamação e denúncia acessível aos grupos
afetados.
NOTA: DIVERGÊNCIA (1) Empresas não deveriam estar envolvidas no processo
de construção do conteúdo do tratado. ou (2) Definir um momento apropriado
para a participação das empresas.
2. Retorno da UE ao debate e participação construtiva nos processos relacionados.
3. Construção da posição brasileira, principalmente, a partir da perspectiva e
participação dos grupos em situação vulnerável. Inclusão, também, da Defensoria
Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF) no grupo de
trabalho.
4. No âmbito do GT de Empresas e Direitos Humanos no âmbito do Conselho de
Direitos Humanos da ONU:
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a) Redução das assimetrias entre as oportunidades de acesso de empresas e de
vítimas;
b) Construção, de forma participativa e com apresentação prévia, de um plano de
trabalho, com definição de temas prioritários.
c) Avanço na proposição de remédios no quadro dos POs.
d) Seguimento, relatórios e recomendações sobre as denúncias recebidas.
e) No Brasil, visitas às mais graves violações como, por exemplo, conflitos
territoriais envolvendo povos tradicionais e povos indígenas (especialmente
Guarani-Kaiowá), construções de grandes obras e moradia indigna.
5. Criação e implementação do Plano Nacional de Empresas e Direitos Humanos,
especificamente:
a) Definição de exigências concretas, responsabilidades e prazos;
b) Aproveitamento dos espaços da Agenda de Convergência Obras e
Empreendimentos e o Fórum de Chegada de Grandes Empreendimentos na
Amazônia para internalizar os POs na construção dos protocolos.
c) Garantia da participação efetiva dos grupos afetados.
d) Garantia de que os POs sejam incorporados nos Acordos Comerciais de
Investimento firmados pelo Brasil e pela UE.
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Mesa B. Direitos Económicos, Sociais e Culturais na Construção do Plano Nacional de
Empresas e Direitos Humanos
A mesa 1.b, intitulada “Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na Construção do Plano
Nacional de Empresas e Direitos Humanos”, teve como objetivo discutir como a atuação das
empresas impacta direta e indiretamente no usufruto dos direitos econômicos, sociais e
culturais da população. Propunha-se, a partir dessa análise, fornecer subsídios para as
discussões acerca da construção de um possível Plano Nacional de Empresas e Direitos
Humanos. A fim de subsidiar os trabalhos da mesa 1.b, foi realizado um breve histórico
acerca dos debates e avanços recentes sobre o tema de empresas e direitos humanos,
especialmente no cenário internacional. Esse esforço visou nivelar o grau de conhecimento
sobre o atual estágio em que se encontra o debate acerca da construção do Plano Nacional de
Empresas e Direitos Humanos. Vide abaixo o conteúdo produzido para este fim.
Histórico das discussões sobre empresas e direitos humanos no âmbito das Nações
Unidas
2005: criação de mandato, no âmbito das Nações Unidas, sobre empresas e direitos humanos
a respeito das questões de direitos humanos e corporações transnacionais e outras empresas.
Indicação do professor John Ruggie como Representante Especial para a Questão dos
Direitos Humanos e Empresas.
2008: desenvolvimento dos Parâmetros para ‘Proteger, Respeitar e Reparar’ com base em
três pilares: 1. o dever do Estado em proteger os direitos humanos contra violações
cometidas por empresas por meio de políticas, normas e arbitragens; 2. a responsabilidade
das empresas em respeitar os direitos humanos, devendo agir com devida diligência para
evitar violações de direitos e para abordar os impactos negativos decorrentes de sua
atividade; 3. a necessidade de um maior acesso por parte das vítimas, a uma reparação
eficaz, judicial e não judicial.
2011: adoção dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, os quais
estabelecem um padrão global de autoridade sobre os respectivos papéis das empresas e dos
governos de ajudar a garantir o respeito aos direitos humanos pelas empresas em suas
operações e relações de negócios.
2014: realização do III Fórum Anual sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, que
trouxe, entre outras, discussões sobre princípios e diretrizes para a confecção dos Planos
Nacionais de Ação para implementação, pelos Estados, dos Princípios Orientadores.
O diagnóstico realizado pelos grupos centrou-se em três dimensões. A primeira refere-se à
atuação do Estado na mediação entre os interesses públicos, que visam ao bem comum e à
garantia de direitos, e os privados, que visam ao lucro e aos benefícios individuais. Houve um
entendimento comum de que o atual modelo de desenvolvimento está baseado
predominantemente em uma lógica de mercado. Nesse contexto, os grupos entendem que há
uma conivência por parte do Estado na garantia dos interesses do setor privado em
detrimento de sua função como garantidor dos direitos humanos.
Nessa linha, os grupos alegam que há uma captura dos espaços públicos pelo capital privado,
o que inviabiliza a participação da sociedade civil, principalmente daqueles diretamente
afetados pelas ações empresariais, nas instâncias decisórias. Essa participação, quando se dá,
é restrita às etapas posteriores à tomada de decisão, infringindo o direito da população de
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expressar sua vontade e de ter poder de decisão quanto às ações que a afetarão diretamente.
Como exemplo, foram citados os casos da desterritorialização de povos indígenas,
comunidades tradicionais e outros grupos vulneráveis para a construção de grandes obras,
como é o caso da construção da Usina de Belo Monte, ou para a ocupação de terras indígenas
por atividades do agronegócio, como é o caso do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do
Sul. Ambas têm resultado em graves violações de direitos humanos fundamentais, que,
alegam os participantes, vêm sendo negligenciadas pelo Estado brasileiro.
Ainda, o acúmulo de funções de empreendedor, financiador, licenciador e fiscalizador por
parte do Estado, principalmente em grandes obras de infraestrutura, gera confusão acerca do
limite entre o público e o privado. Segundo os participantes, essa confusão debilita a
capacidade do Estado em fazer cumprir o princípio do respeito aos direitos humanos por
parte do setor privado, e, quando o faz, essa se dá tardiamente.
Mencionou-se, também, a necessidade de se criar um marco legal mais rigoroso, que previna
a ação e puna efetivamente as violações de direitos cometidas por empresas, como a
proibição da concessão de empréstimos e financiamento por bancos públicos e privados a
empresas infratoras de direitos humanos. Também foi defendido que a legislação amplie o
escopo das avaliações de impacto necessárias à autorização de operações empresariais,
tornando obrigatório que também sejam avaliados os impactos sociais dessas ações. Também
foi mencionada a falta de canais e mecanismos efetivos para recebimento e tratamento de
denúncias.
A segunda dimensão refere-se à atuação das próprias empresas, as quais não costumam levar
em consideração em seus planos de negócio os possíveis impactos negativos gerados por suas
ações. Alegam os participantes que essas empresas não incorporam em seus regulamentos
internos e em suas ações cotidianas princípios de respeito aos direitos humanos, e tampouco
são compelidas pelo Estado a fazê-lo.
Ainda, os participantes chamam a atenção para o fato de que as políticas de responsabilidade
social das empresas tampouco são construídas com base na lógica de proteção aos direitos
humanos, sendo, muitas vezes, vistas apenas como uma oportunidade de marketing. Essas
políticas costumam, ainda, ser tratadas de forma isolada dentro das empresas, não contando
com o envolvimento da alta direção. Os participantes assinalaram os seguintes setores como
sendo aqueles em que há um maior número de violações: agronegócio, mineração, construção
civil, setor têxtil, setor farmacêutico, setor energético, setor financeiro e, de forma mais
indireta, devido à sua influência sobre a população em geral, o setor de comunicação (mídia).
Os participantes acreditam que as empresas infratoras contam com a conivência do Estado,
não recebendo a devida punição.
Já a terceira dimensão refere-se à atuação da própria sociedade civil frente ao tema. Os
participantes alegam haver um desequilíbrio de poder entre suas organizações e o setor
privado nos espaços públicos de diálogo devido aos interesses intrinsecamente antagônicos
entre ambos, fazendo com que o Estado termine, na maior parte das vezes, beneficiando o
capital privado. Também indicam que a imposição de “ter que se chegar a um acordo” em
espaços de diálogo muitas vezes obriga as organizações da sociedade civil a aceitar termos
não satisfatórios que não garantem a proteção dos direitos humanos.
Por fim, chamou-se atenção para o fato de que muitas associações compostas por
representantes do setor privado acabam ocupando os já restritos espaços destinados à
sociedade civil, utilizando-os para a defesa de seus próprios interesses. Indicam a necessidade
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de se diferenciar essas associações daquelas entidades defensoras de direitos humanos que
representem efetivamente os interesses das vítimas.
Principais desafios identificados
1. Ausência de uma lógica de proteção aos direitos humanos tanto nas normativas
internas das empresas, quanto em sua atuação cotidiana, as quais são construídas
com base em uma lógica de mercado.
2. Legislação atende aos interesses das grandes empresas; ausência de mecanismos
para o recebimento de denúncia e para a responsabilização e punição efetiva das
empresas violadoras.
3. Captura dos espaços públicos de caráter decisório por parte do capital privado,
impossibilitando a participação da sociedade civil e das populações afetadas nas
decisões referentes aos grandes empreendimentos.
4. Risco de divergência no conteúdo e de morosidade nos processos internos e
internacionais.
5. Desrespeito ao modelo de desenvolvimento econômico local e às especificidades
culturais e sociais das populações que vivem em áreas afetadas por grandes
empreendimentos.
Recomendações
1. Construção do Plano com base em uma lógica de direitos humanos e não nos
parâmetros de responsabilidade social desenvolvidos pelas empresas, que devem
ser estimuladas a se apropriar e internalizar os princípios de respeito aos direitos
humanos tanto em suas normas internas, quanto em suas ações cotidianas.
2. Identificação dos instrumentos jurídicos vigentes relacionados à responsabilidade
corporativa e aos direitos humanos:
a) mapeamento das lacunas legais e revisão da legislação considerada
inapropriada;
b) construção de mecanismos efetivos para o recebimento e tratamento de
denúncias;
c) aplicação de punições efetivas às empresas violadoras.
3. Criação e fortalecimento de canais de diálogo e mecanismos de participação
permanentes (inclusive de caráter deliberativo) para a tomada de decisões sobre
grandes empreendimentos. Garantia da participação tanto de organizações de
direitos humanos, como das próprias populações afetadas.
4. Condução independente dos processos de desenvolvimento interno do Plano e da
participação do Brasil nas negociações referentes ao Tratado Vinculante,
mantendo a coerência entre ambos.
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5. Consideração, no planejamento dos empreendimentos, do modelo de
desenvolvimento econômico local e das especificidades culturais e sociais,
incluindo os dos povos indígenas, comunidades tradicionais e outros grupos
vulneráveis.
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Mesa C. Acesso à Justiça
Inserida no tema “Empresas e Direitos Humanos”, a Mesa sobre Acesso à Justiça propôs
identificar e debater obstáculos e possíveis caminhos para remédios judiciais e extrajudiciais
às violações de direitos humanos promovidas por empresas. Considerou-se que o Estado
possui papel primordial na formulação e implementação de mecanismos que possam
prevenir, reparar e responsabilizar as violações ocorridas, mas que também as empresas
possuem deveres neste sentido. Assim, foram colocados como eixos iniciais de discussão: a
justiça no relacionamento entre empresas e pessoas atingidas por suas ações; as
possibilidades de responsabilização das empresas, o funcionamento do sistema de justiça em
conflitos que envolvem empresas e cidadãos, em particular os que afetam grupos vulneráveis;
e mecanismos internacionais com o condão de atuar nos casos de violações de direitos
humanos por empresas.
Os representantes da sociedade civil participantes problematizaram a possibilidade de
efetivamente se acessar à justiça em casos de violações de direitos humanos provocadas por
empresas tendo em vista as assimetrias entre as duas partes. Destacam-se situações em que o
sistema judicial é insuficiente para decidir os conflitos que surgem, devido a limitações
estruturais do Poder Judiciário e da aplicação indevida de normas e institutos jurídicos que
acentuam os desequilíbrios existentes.
Grupos em situação de vulnerabilidade são particularmente afetados por não terem
informações adequadas sobre seus direitos e não possuírem assistência jurídica gratuita
universal, dificultando, inclusive, que sejam mensurados os danos sofridos. Em especial, os
povos indígenas, cujo acesso à terra é condição para o exercício de outro direitos, são
submetidos a longos processos judiciais para determinar a demarcação de suas terras e não
possuem participação ativa ou voz garantida nos processos.
Considera-se também que a aplicação de institutos jurídicos como os “intérditos proibitórios”
e a “teoria do domínio do fato”, por parte dos juízes, tem sido no sentido de criminalizar a
atuação de movimentos sociais que se articulam contra práticas abusivas de empresas. Por
outro lado, os mecanismos jurídicos existentes que teriam o condão de prevenir e de
responsabilizar as violações perpetradas ficam sem efeito e reduzem o potencial de atuação
do Judiciário quando este aplica institutos como o forum non conveniens e suspende as
seguranças e liminares deferidas – a exemplo do caso de Belo Monte. Tampouco são
aplicadas nas sentenças os instrumentos de direitos humanos já existentes, evidenciando uma
dificuldade em identificar as violações de direitos humanos nos casos concretos e de remediá-
las satisfatoriamente.
Observa-se que dotar o Poder Judiciário de recursos materiais e humanos adequados à análise
das questões que lhes são submetidas é condição essencial a um acesso à justiça efetivo.
Neste sentido, a criação de varas especializadas deve vir acompanhada de formação
específica que capacite os magistrados a solucionarem as lides sob a ótica dos direitos
humanos e considerando todas as dimensões existentes naquele conflito. Entende-se como
necessária uma seleção de juízes e formação em direitos humanos que complexifique suas
visões sobre as demandas sociais que lhes são colocadas, ultrapassando uma educação formal
sobre teoria e normas de direitos humanos. Além disso, a criação de equipes
interdisciplinares no sistema judicial favorece que sejam contempladas outras perspectivas do
conflito favorecendo uma decisão judicial aprofundada. Como boa prática de democratização
desse espaço público, menciona-se a construção de ouvidorias no Poder Judiciário que
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contem com a participação da sociedade civil, à exemplo das existentes nas Defensorias
Públicas.
Outro aspecto que merece destaque na temática é a são as assimetrias nas relações entre as
empresas e cidadãos. A atuação das empresas, seja em relação aos seus funcionários ou no
desenvolvimento de empreendimentos é marcada por uma falta de transparência que
obstaculiza a busca de justiça pelos atingidos por elas. Assim, é importante que os
mecanismos extrajudiciais de acolhimento de denúncias publicizem as informações que
possuem, pois são um direito do cidadão.
Por fim, entende-se que as discussões acerca de um tratado sobre direitos humanos e
empresas deve contemplar a formulação de um mecanismo competente para acompanhar seu
cumprimento. Considera-se que, neste aspecto, a possibilidade de acessar a uma jurisdição
internacional para denunciar o descumprimento do tratado também é uma questão deve ser
incluída, tendo em vista a dificuldade do Estado de respeitar, garantir e proteger os direitos
neles previstos.
Principais desafios identificados
1. A existência de institutos jurídicos que impedem a garantia de direitos ao:
criminalizar movimentos sociais; impedir a responsabilização de empresas
nacionais e transnacionais e alongar a análise de processos de demarcação de
terras.
2. Um judiciário não democrático e não capacitado para analisar questões com
dimensões de gênero, raça, classe, e questões agrárias.
3. Desigualdade no acesso a direitos por parte das empresas e das vítimas de
violações de direitos humanos: as empresas não atuam com responsabilidade
social, não há informações sobre as reclamações que chegam às suas ouvidorias,
há desequilíbrio nas relações processuais; há falta de transparência sobre
critérios de investimentos e contratações de funcionários.
4. Mecanismos jurídicos desiguais aos povos e comunidades tradicionais e
indígenas: não têm informações sobre os seus direitos, não são citadas nos
processos judiciais, não tem participação garantida nos processos judiciais, não
estão incluídos no processo de regulamentação do dever de consulta.
5. Inexistência de mecanismos internacionais de responsabilização de violações de
direitos humanos cometidas por empresas.
Recomendações
1. Revisão dos institutos jurídicos, mais especificamente:
a) Reforma da legislação para a extinção dos intérditos proibitórios (medida
judicial de caráter preventivo a ameaças à posse), e da Suspensão de
Segurança e de liminares.
b) Consolidação de uma interpretação judicial que não aplique a teoria do
domínio do fato e do forum non conveniens por parte do Judiciário.
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c) Regulamentação da duração razoável do processo.
2. Medidas de capacitação e democratização do sistema judicial:
a) Criação de um programa de formação sistemática e contínua em direitos
humanos no Judiciário, para que sejam respeitadas as particularidades dos
povos e comunidades tradicionais, indígenas e outros grupos vulneráveis, em
especial nos conflitos agrários;
b) Apoio ao judiciário com expertise e recursos materiais e humanos, para
analisar os conflitos de grupos vulneráveis em todas as suas dimensões;
c) Criação de ouvidorias, com a participação da sociedade civil, a exemplo das
ouvidorias das Defensorias Públicas;
d) Apoio ao processo de elaboração do tratado de acesso à justiça.
e) Fortalecimento do papel do Ministério Público e acesso universal e gratuito à
Defensoria Pública.
3. Criação de regras de transparência das informações das ouvidorias das empresas.
Não permitir a negociação extrajudicial de violações de direitos humanos, tendo
em vista a sua indisponibilidade. Vedação do acesso a financiamento público e
criação de mecanismos que impeçam a regularização de empresas que: violam
direitos humanos, que não cumprem regras de licença ambiental e que estão em
disputa com territórios de povos e comunidades tradicionais e indígenas.
Possibilidade de responsabilização das empresas em todos locais em que
empreenderam. Desenvolvimento de critérios jurídicos que permitam a
responsabilização de empresas por violações de direitos humanos na sua cadeia
de produção e na sua esfera de influência.
4. Garantia da participação direta dos povos e comunidades tradicionais, indígenas
e outros grupos vulneráveis nos processos de consulta e de ser parte nos
processos judiciais de regularização fundiária.
5. Adoção de um tratado sobre empresas que violam direitos humanos que preveja
um mecanismo de monitoramento internacional e de acesso à justiça
internacional das violações de direitos humanos cometidas por empresas que não
foram prevenidas, reparadas e responsabilizadas pelos Estados.
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TEMA 2. DIREITOS HUMANOS E GRUPOS SOCIAIS EM
SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE, COM FOCO EM
CRIANÇAS, ADOLESCENTES E JOVENS
Mesa A. Redução da Maioridade Penal
O cenário em torno do tema da maioridade penal foi classificado pelas organizações da
sociedade civil como o “pior possível”. Um dos problemas relatados foi a baixa
representatividade política de jovens em todo o país. Ao mesmo tempo, os jovens membros
do Poder Legislativo fazem parte de elites privilegiadas que têm dificuldade de promover
políticas inclusivas.
Outro problema destacado pelas ONGs foi a não implementação do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo, o SINASE. O sistema têm fundamentos sólidos e coerentes
com os direitos da criança e do adolescente, porém o repasse para os municípios é deficitário
e insuficiente para a realização das políticas previstas no sistema.
O desconhecimento de parlamentares e gestores públicos e outros atores da sociedade civil
sobre o direito das crianças e adolescentes e as diversas normas e políticas para a área é visto
como um dos grande problemas para a não implementação das normas e políticas do Estatuto
da Criança e do Adolescente, e também do SINASE. Trata-se de uma educação política
precária de modo geral que afeta tanto a classe política quanto a sociedade.
O desrespeito e a discriminação sistêmica contra grupos mais vulneráveis são considerados
também como elementos fomentadores da não implementação do direito da criança e do
adolescente. As crianças e jovens passam por diversas humilhações e estigmatizações em
todas as instituições públicas e sociais que frequentam, numa travessia de violações de
direitos que vai da creche e vai acabar na instituição de internação. Não há somente uma
predisposição institucional contra grupos vulneráveis, mas toda uma criminalização social de
modos de vida desses grupos, em especial da juventude negra e pobre, o que facilita o apoio
popular à criação de crimes contra esses grupos.
As entidades da sociedade civil destacaram uma redução geral de políticas para a criança e o
adolescente. As torturas que sofrem muitos jovens em regime de internação é sinal da crise
do sistema socioeducativo. Por mais que avançamos no arcabouço legal, há um retrocesso nas
pautas legislativas atuais. Além da PEC para redução da maioridade penal, há uma serie de
projetos que resultam na ampliação do tempo de internação. Sistema do socioeducativo não
se efetivou no sentido de um um sistema favorável aos adolescentes, ele foi “capturado” pelo
sistema penal e pela lógica do Estado penal. Muitos centros são calabouços como na Idade
Média.
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Outras áreas sociais foram responsabilizadas por contribuir para a ineficiência do sistema
socioeducativo, especialmente as empresas e os meios de comunicação. Para as empresas, a
deficiência de programas de primeiro emprego abrem possibilidade para contratações de
menores e a exploração de seu trabalho, tanto no campo quanto nas regiões urbanas. As
tentativas de se diminuir a idade mínima para o trabalho são sinais dessa tendência. Ao
mesmo tempo os programas que buscam promover essa inserção do adolescente na
profissionalização com dignidade, estudo e tempo para lazer e cultura, considerando
especificidades locais, não têm apoio e recursos para oferecer melhores serviços.
Qual aos meios de comunicação, programas televisivos policiais ocupam o espectro público
de sinais de televisão e reproduzem uma cultura punitiva e criminalizadora de grupos sociais,
em especial jovens negros das periferias que cometem infrações. Uma série de violações dos
direitos individuais desses jovens, como direito de imagem, dignidade, presunção de
inocência e proteção contra exposição vexatória são realizados nesses programas.
Colegas de organizações da Itália enfatizaram que a questão econômica é fundamental, uma
vez que tanto empresários quanto políticos mais se importam com os custos financeiros do
que os valores em relação ao direito da criança e do adolescente. Somente assim foi possível
criar apoio a um sistema de ênfase na reinserção social do jovem que cometeu crimes. A
defesa dessa consciência de que a criança é sujeito de direitos foi reafirmada pelas
organizações brasileiras, e isso tornou claro o fato de que o princípio da prioridade à criança e
ao adolescente não se aplica em termos de orçamento da área no Brasil, tanto pelas empresas
como pelo Estado.
Principais desafios identificados
1. Ausência de mecanismos de implementação dos instrumentos da justiça da
infância e juventude.
2. Conhecimento e o intercâmbio insuficientes de informações e pesquisas sobre
sistema de justiça da criança e adolescente.
3. Ineficiência da justiça da infância e juventude e pouca aplicação de medidas
alternativas ao aprisionamento.
4. Precariedade dos mecanismos para inclusão dos jovens no mercado de trabalho.
5. Ausência de reconhecimento e empoderamento do jovem como sujeito de
direito; programas de televisão que violam direitos individuais e incitam a
violência e o ódio contra crianças e adolescentes.
Recomendações
1. A implementação da Lei do SINASE em todos os níveis federativos, com
alocação de recursos orçamentários suficientes e consideração para
especificidades e atores locais. Aumentar a pena de adultos que envolvem
crianças e adolescentes no cometimento de crimes.
17
2. Estabelecer um sistema nacional de informações sobre o sistema de proteção
juvenil, que possibilite diagnósticos locais e acompanhamento individual dos
jovens, durante e após o cumprimento das medidas socioeducativas.
3. UE criar, em parceria com o Brasil, um programa de implementação e
sistematização de modelos de justiça restaurativa dedicada ao público jovem.
4. Modernização e implementação da Lei do Aprendiz objetivando aprimoramento
e territorialização dos mecanismos de inclusão de jovens.
5. Articulação, entre Brasil e União Européia, para promover programas de
televisão que divulguem uma imagem positiva do jovem, sensibilizando a
opinião pública. Inclusão de canais de comunicação digitais nos quais os jovens
expressem suas ideias e troquem experiências. Incremento de ações de atores
institucionais e sociais para coibir violações de direitos de crianças e
adolescentes em programas televisivos.
18
Mesa B. Homicídios de Adolescentes e Jovens
Após brevíssima apresentação do moderador, os participantes do grupo em cada uma as
rodadas foram lembrados da tarefa daquele debate, a saber, estabelecer coletivamente um
diagnóstico da situação, quais os principais desafios a serem enfrentados e quais
recomendações prioritárias para o enfrentamento de tais desafios. Foram incentivados a
serem sintéticos e específicos, e a propor ações concretas. Sugeriu-se a troca de experiências
de suas organizações no tema e lembrou-se que adolescentes e jovens são, sem dúvida, as
principais vítimas da violência urbana no Brasil.
O conjunto das discussões do grupo pode ser sintetizados da seguinte maneira:
Segundo o Mapa da Violência, 56000 pessoas foram vítimas de homicídio em 2012 – 1/5
delas eram adolescentes até 19 anos. Já se considerarmos as vítimas de homicídio com até 29
anos, esse valor salta para 74%. Adolescentes e jovens são, portanto, o grupo mais afetado
pela violência fatal no Brasil.
Lembrou-se que quantidade significativa dessas mortes são cometidas sistematicamente pelo
aparato repressivo do Estado, quer seja a polícia, quer seja instituições de privação de
liberdade, como centros de internação, presídios e mesmo os manicômios.
O perfil daqueles que são mortos apresenta um padrão claro: são os jovens, negros (pretos e
pardos) e moradores das regiões mais vulnerabilizadas do país. Foram mencionados estudos
que apontam para uma clara correlação entre indicadores de vulnerabilidade social (ou seja, a
falta da garantia dos direitos sociais, como ausência de escola, equipamento de saúde, lazer e
cultura) e indicadores de violência (a violação dos direitos civis, como o direito à vida). O
país vive, para os participantes, um quadro de “extermínio da população preta, pobre e
periférica”.
Dentro dos debates, identificou-se como causa ou fator determinante do número elevado de
homicídios de adolescentes e jovens no Brasil a “criminalização da juventude, da pobreza
e da população negra”, a lógica social subjacente ao fenômeno, cuja característica principal
é a legitimação do extermínio de parcelas específicas da população (como as mencionadas) e
a naturalização da violência quando cometida contra grupos sociais vulneráveis. Os
participantes compreenderam que questões como crime, criminalidade, combate ao crime,
suspeitos e sua relação com a violência são conceitos socialmente construídos de forma a
atingir, não raro de forma letal, essas populações.
Essa lógica se manifesta especialmente naquilo que se denomina “guerra às drogas”, ou
seja, a escolha por um modelo de regulação do uso e produção de drogas pautada no
belicismo e na repressão criminal. Para os participantes, se por um lado a guerra às drogas
apresenta pouca ou nenhuma efetividade no enfrentamento do tráfico, por outro tem um
enorme impacto social nas famílias, das comunidades e da vida cotidiana em geral.
Um segundo fator explicativo para a alta taxa de mortes violentas de adolescentes e jovens
foi traduzido como a escolha política pela militarização da segurança pública (para os
participantes, a militarização se estende para a gestão pública e para a sociedade como um
todo).
A militarização das forças de segurança pressupõe um atuação de enfrentamento ao
“inimigo”, esse socialmente construído e justamente parte dos grupos vulneráveis. É
19
frequente que se aplique a força letal nesse tipo de lógica da da segurança pública, razão pela
qual as polícias são responsáveis por parcela significativa das mortes das quais falamos aqui.
A militarização também causa o afastamento das instituições de segurança da esfera de
influência da sociedade civil. Algumas das organizações presentes demonstraram sua
dificuldade em atuar pautando uma política de segurança com polícias menos violentas,
principalmente pela pouca transparência e receptividade dessas instituições a sociedade civil.
A responsabilidade do Estado no cenário discutido vai além, contudo, da violência das
políticas de segurança e penais. Para os participantes, o estado também “mata” quando se
omite em garantir políticas e mecanismos de defesa e promoção de direitos. Foi consenso
que a ausência de políticas efetivas para adolescentes e jovens está diretamente relacionada a
alta vulnerabilidade desses grupos à violência fatal. Discutiu-se como políticas de educação
(mencionou-se a educação integral, sem ser consenso entre os grupos), de lazer, de cultura
poderiam ser uma das vias para a reversão do quadro atual. Essas políticas teriam por dever
focar nas regiões comprovadamente mais vulneráveis.
Ainda, discutiu-se como políticas e órgãos de defesa dos direitos humanos são disfuncionais,
o que tem por consequência o agravamento do cenário. É o caso, por exemplo, de instituição
como os conselhos de direitos, conselhos tutelares, ouvidorias de polícia e programas de
proteção a testemunhas e defensores de direitos humanos. Sucateados, esses mecanismos não
podem exercer seu papel de proteção dos grupos vulneráveis.
Mesmo diante desse cenário – sinteticamente, uma quadro de mortalidade violenta altíssima
conjugado a flagrante carência de respostas efetivas do poder público, os participantes
concordam que se verifica, na atual conjuntura política brasileira, uma ameaça de desmonte
das políticas de defesa e promoção dos direitos humanos, duramente constituídas ao longo
dos últimos 20 anos, a partir da redução de recursos e eventual extinção de ministérios.
Principais desafios identificados
1. O processo social de criminalização da juventude, da pobreza e da população
negra, que configura a lógica legitimadora fundamental da alta quantidade de
homicídios contra essas populações.
2. A escolha política pela militarização da segurança pública.
3. A omissão do estado no seu papel de garantidor dos direitos fundamentais de
crianças, adolescentes e jovens.
4. Ausência de instâncias de defesa e promoção de direitos de crianças e
adolescentes e do controle externo e participação social nas políticas criminais e
de segurança pública.
5. Crenças e atitudes favoráveis ao processo de criminalização de jovens, negros e
pobres e naturalização da violência contra essas populações.
Recomendações
1. Elaborar uma política de regulação do uso e produção de todas as drogas, não
pautada na repressão de negros, pobres e moradores das periferias.
20
2. I) O cumprimento imediato das recomendações de diversos órgãos internacionais
(UPR, OEA, Relatoria Especial de Execuções Sumárias da ONU) pela extinção
da polícia militar – Divergência: não foi consenso entre os grupos, com algumas
críticas apontando para o fato de uma medida como essa não ser suficiente, por si
só, para reduzir os índices de letalidade policial; II) Aprovação do PL4471 de
2012, que extingue a classificação de mortes perpetradas por policiais como
“autos de resistência” e estabelece diretrizes para a adequada investigação desses
casos.
3. Efetivação de políticas públicas básicas de garantia dos direitos fundamentais
(como educação, saúde, lazer, cultura, etc) de crianças, adolescente e jovens,
sobretudo moradores das periferias, e das comunidades tradicionais, garantindo o
protagonismo desses atores desde a construção à implementação dessas políticas.
4. Fortalecimento, com os devidos recursos financeiros e humanos dos a) conselhos
de direitos, b) conselhos tutelares, c) ouvidorias de polícia, do sistema prisional e
do poder judiciários, externas e independentes, d) programas de proteção a
testemunhas e defensores direitos humanos.
5. Sensibilização pública dos efeitos sociais perversos da criminalização dos
jovens, além da educação em direitos humanos de todas as polícias.
21
Mesa C. Acesso a Direitos Básicos
Foram tomados como base os direitos básicos o artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
São eles: direito à moradia, direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação,
direito à saúde, à cultura, à alimentação, ao lazer, direitos sexuais e reprodutivos, e direito de
ir e vir.
A constatação evidente de que o acesso à maioria desses direitos, para a maior parte da
população, é precário, ou inexistente. A principal causa dessa precariedade de direitos é a
desigualdade social e econômica, complementada por um racismo estrutural da sociedade
brasileira.
Principais desafios identificados
1. Violação de direitos relacionados à diversidade de gênero.
2. Inadequada formação da juventude.
3. Políticas Públicas e gestão orçamentária deficitárias.
4. Surgimento de formas socioinstitucioniais de segregação nas metrópoles
brasileiras.
5. Precária implementação das normas do Direito da Criança e do Adolescente.
Recomendações
1. Elaboração de Políticas Públicas para efetivação dos direitos sexuais e
reprodutivos e das diversas possibilidades do exercício das identidades de
gênero.
2. Educação de qualidade inclusiva, com especial atenção a lares chefiados por
mulheres.
3. Gestão democrática e participativa do orçamento e Políticas Públicas com
prioridade na inclusão de jovens em situação de violação de direitos,
comunidades tradicionais, rurais, povos indígenas e pessoas jovens com
deficiência.
4. Garantia do Direito de Livre Circulação de Jovens Negros e Moradores da
Periferia.
5. Implementação e Universalização de Políticas Públicas para a Juventude,
priorizando o protagonismo juvenil e fortalecimento da sociedade civil como
instrumento de controle social, com a regulamentação do marco regulatório das
Organizações Sociais da Sociedade Civil.
ANEXO I – DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA E DO EVENTO
V Diálogo Brasil-União Europeia sobre Direitos Humanos
Seminário sobre Direitos Humanos União Europeia - Brasil
com a Sociedade Civil
Brasilia, 15 de setembro de 2015
Objetivos, metodologia e fluxo do dia de trabalho
Apresentação
A União Europeia (UE) e o Brasil compartilham os princípios de universalidade dos direitos
humanos e estão comprometidos com a sua proteção, através de um sistema multilateral. Na
lógica de aprofundar alguns dos temas mais urgentes e relevantes para garantir este
compromisso, promovem anualmente diálogos com as principais instituições e atores
envolvidos na proteção e na defesa dos direitos humanos.
Em 2015 acontece, entre 15 e 17 de setembro, o V Diálogo Brasil – União Europeia sobre
Direitos Humanos. O primeiro dia de trabalhos é o Seminário sobre Direitos Humanos União
Europeia - Brasil com a Sociedade Civil, um encontro entre representantes de organizações
da sociedade civil brasileira e europeia. Será presidido pelo Ministro-Chefe da Secretaria de
Direitos Humanos, Pepe Vargas, e pelo Representante Especial dos Direitos Humanos da UE,
Stavros Lambrinidis. Deste Seminário serão então eleitas seis pessoas para representar a
Sociedade Civil e apresentar o resultado do Seminário no diálogo oficial com as empresas,
em 16 de setembro, e com o Governo, em 17 de setembro.
Objetivos
O objetivo do Seminário, no âmbito do V Diálogo Brasil-União Europeia sobre Direitos
Humanos, é sistematizar conclusões e recomendações da sociedade civil e assim contribuir
para enriquecer o debate nos demais fóruns do evento.
Especificamente, o encontro visa:
Abrir o diálogo oficial à sociedade civil brasileira e europeia, através de um espaço para o
debate construtivo.
Encorajar representantes da sociedade civil e da academia a contribuir para a agenda oficial
do diálogo.
Conectar instituições e pessoas especializadas em direitos humanos.
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Temas
O debate deve acontecer ao longo do dia em duas salas preparadas para os trabalhos. Cada
sala terá um grande tema e nela haverá três mesas para a discussão de sub-temas específicos:
Sala 1 / Tema 1: Empresas e Direitos Humanos
Mesa A. Implementação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas
e Direitos Humanos e Construção do Tratado Vinculante no âmbito do
Conselho de Direitos Humanos da ONU
Mesa B. Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na Construção do Plano
Nacional de Empresas e Direitos Humanos
Mesa C. Acesso à Justiça
Sala 2 / Tema 2: Direitos Humanos e Grupos Sociais em Situação de
Vulnerabilidade, com foco em crianças, adolescents e jovens
Mesa A. Redução da Maioridade Penal
Mesa B. Letalidade de Jovens e Adolescentes
Mesa C. Acesso a Direitos Básicos
24
A metodologia: 3 rodadas de ‘Café Diálogo’
Após a sessão plenária inicial, os/as participantes continuarão o debate em grupos menores,
nos quais poderão aprofundar os temas mais específicos propostos e oferecer recomendações
detalhadas. As mesas de trabalho seguirão a metodologia do Café Diálogo (“World Café”).
Por que um 'Café Diálogo”?
O Café Diálogo é uma forma diferente e bastante
eficaz de garantir a participação significativa de
todas as pessoas envolvidas no evento, assim como
resultados audaciosos, porque:
1. Cria um espaço receptivo.
2. Explora questões relevantes.
3. Estimula a contribuição de todas/os.
4. Conecta perspectivas diferentes.
5. Facilita a partilha de descobertas.
Como funcionarão as rodadas?
O Café Diálogo acontecerá contemporaneamente em duas salas, com temas diferentes. Em
cada sala, o Café terá três rodadas de cerca 60-70 minutos, correspondentes a três mesas de
trabalho. Uma vez completa uma rodada, o grupo de participantes deve se deslocar para a
mesa sucessiva, e iniciar a discussão de um novo sub-tema. Em todas as mesas um/a
facilitador/a acolherá os grupos, registrará as conclusões e recomendações da rodada e as
apresentará ao grupo sucessivo.
Cada participante iniciará a 1a rodada na mesa indicada pela organização do evento. O/a
facilitador/a da mesa fará uma breve apresentação e proporá perguntas sobre o sub-tema, para
que o grupo desenvolva.
Ao sinal de que acabou o tempo
disponível para a rodada, o grupo se
deslocará para a mesa seguinte, em
sentido horário. Na nova mesa, o/a
facilitador/a explicará os resultados da
rodada precedente. O grupo, então,
•Desafios
•Recomendações
Mesa 1
•Desafios
•Recomendações
Mesa 2 •Desafios
•Recomendações
Mesa 3
Etiqueta do Café
Foque no que importa.
Contribua com o seu pensamento.
Fale através de sua mente e seu coração.
Escute para compreender.
Ligue e conecte idéias.
Escutem juntos os insights e perguntas mais profundas.
Brinque, rabisque, desenhe – divirta-se!
Fonte: www.theworldcafe.com
25
continuará a construir as ideias, a partir da reflexão do grupo anterior.
Música marcará o início e o fim de cada rodada.
Os/as facilitadores/as das mesas apresentarão o resultado completo das três rodadas na
plenária final.
Qual é o resultado esperado do Café Diálogo?
Ao final dos trabalhos, espera-se que exista um diagnóstico do assunto tratado em cada mesa,
sistematizado em conclusões e recomendações da sociedade civil sobre o sub-tema
correspondente.
O produto final será o conjunto de recomendações da sociedade civil, que deverá ser usado
pelas/os representantes eleitas/os para se engajarem nos diálogos oficiais com as empresas e
com o governo. Com efeito, serão eleitos/as seis participantes para apresentar os resultados
das mesas de trabalho durante o no diálogo oficial com as empresas, em 16 de setembro, e
com o Governo, em 17 de setembro.
Fluxo do Seminário
Plenária Abertura e apresentações; divisão dos grupos
Sala 1, tema 1 Sala 2, tema 2
1a rodada
2a rodada
Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3 Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3
Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3 Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3
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3a rodada
Plenária Sistematização das recomendações; encerramento
Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3 Mesa 1 Mesa 2 Mesa 3
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ANEXO II – LISTA DE PARTICIPANTES
Crt Nome Instituição
1 Sr. Stavros Lambridinis REDH UE
2 Sr. Pepe Vargas Ministro
3 Asier Santillian EU Delegation in Brazil
4 Ana Lucia de Almeida EU Delegation in Brazil
5 Thierry Dudermel EU Delegation in Brazil
6 Afonso Oliveira EU Delegation in Brazil
7 Sr. Stephan Backes FIAN International
8 Anssi Holmstrom Embaixada de Finlanda
9 Mathieu Tasse Embaixada de Franca
10 Elisabeth Murzl Embaixada de Austria
11 Daniela N. Zurta Embaixada das Paises Baix
12 Bartvan Zwieten Embaixada das Paises Baix
13 Monica Alexandru Embaixada de Roumania
14 Maria Konning de Sigmeira Embaixada de Alemanha
15 Christina Gube Embaixada de Alemanha
16 Livia Dantas Embaixada de Dinamarca
17 Natalia Rodrigues Embaixada de Dinamarca
18 Maria Amoria Guzman Martina Embaixada de Espania
19 Prf. Assis Da Costa Oliveira Univ. do Pará
20 Prf. Pietro Galluccio InformaGiovani (It.)
21 Maria Carolina Marques Ferracini Moderadora
22 Guilherme Assis de Almeida Moderador
23 Gabriela Geraldes Bastos Moderadora
24 Vitor Souza Lima Blotta Moderador
25 Pedro Paulo Fernandes Lagatta Moderador
28
Crt Nome Instituição
26 Shana Santos Moderadora
27 Adelar Cupsinski CIMI
28 Adriana Ramos Instituto Socio-Ambiental (ISA)
29 Alexandre Alcure Escola de Gente
30 Camila Koch Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e
Política Externa
31 Cledisson Geraldo dos Santos Junior Conselho Nacional dos Direitos
Humanos (CNDH)
32 Daniele Nunes Henrique Silva Instituto de Psicologia da UnB
33 Elenice Coutinho TRIAS BRASIL - - Fundraising and
Communication Advisor
34 Eleutéria Amora Abong - Diretora Estadual
35 Elisa Maciel Costa Associação Maylê Sara Kali AMSK
36 Eliseu Lopes
Indígenas Guarani Kaiowá do Aty Guasu/Conselho Continental da Nação
Guarani
37 Fatima Melo Anistia International
38 Fernando Santos Caritas
39 Flávia Scabin FGV
40 Gabriela Jaeger Global Changemakers
41 Glicia Thais Salmeron de Miranda Comissão Nacional da Criança, do
Adolescente e do Idosso
42 Gonzalo Berron Fundação Friedrich-Ebert-Stiftung
43 Heloísa Oliveira Fundação Abrinq
44 Iara Pietricovsky INESC
45 Iradj Eghrari Comunidade Bahai do Brasil
46 Itamar Gonçalves Childehood (EUR)
47 Joaquim Alberto Andrade Silva Vida e Juventude
48 Leonie Steinl Humboldt University Berlin
49 Lídia Rodrigues Rede ECPAT
50 Loussia Felix Universidade de Brasilia
29
Crt Nome Instituição
51 Manoela Carneiro Roland Centro de Direitos Humanos e
Empresas - HOMA
52 Maria Teresa Gatti AVSI
53 Marne Teresa de Lisieux Silva e Lima Engajamundo
54 Renato Pedrosa Terre des Hommes
55 Pedro Roberto Pereira Associação Nacional dos Centros de
Defesa – ANCED
56 Rocio Meza NGO Action Solidarité Tiers Monde
(ASTM)
57 Sandra Carvalho Justiça Global
58 Selma Dos Santos Dealdina Coordenação Nacional de Quilombos
59 Silvana Bastos Instituto Sociedade, Popualção e
Natureza (ISPN)
60 Tamara Brezighello Hojaij FGV/SP (Escola de Direito)
61 Tchenna Maso Movimento Nacional dos Atingidos por
Barragens
62 Tonico Benites Antropólogo Guarani Kaiowa
63 Valeria Burity FIAN
64 Vera Masagão Abong - Diretor Executiva
65 Arlãn Monção HEKS Brasil
66 Fernanda Monteiro HEKS Brasil
67 Claudia Orai SDH/PR
68 Luana Rodrigues Escola de Gente
69 Danilo Vergami SDH-PR
70 Martina Bergues FGV
71 Heloiza Egas SDH/PR
72 Gilles Goedhart NL. MFA
73 Bruna Gagliardi Itamaraty
74 Caio Borges Conectas
75 Rodrigo Monars SDH
30
Crt Nome Instituição
76 Silva Whitator DHS/MRE/Brasil