Relatório Leandro
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Juiz de Fora, 2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS
CONTÁBEIS
Projeto de Pesquisa: Determinações da ideologia
entre os marxistas dos Estudos Organizacionais
no Brasil
Juiz de Fora, 2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS
CONTÁBEIS
Projeto de Pesquisa: Determinações da ideologia
entre os marxistas dos Estudos Organizacionais
no Brasil
ALUNO:
Leandro Theodoro
Guedes
Discente do curso de Administração,
turno diurno, da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Professor Orientador:
Elcemir Paço Cunha
3
Sumário
1. Introdução geral 3
2. O althusserianismo oculto em Tragtenberg 5
3. Gurgel e o althusserianismo indireto 26
4. Conclusão geral 46
5. Referências bibliográficas 47
4
1. Introdução Geral
O presente texto configura o relatório técnico da pesquisa intitulada Determinações
da ideologia entre os marxistas dos Estudos Organizacionais no Brasil. Esta pesquisa é
fruto de inquirições anteriores e busca dar continuidade aos achados já encontrados no que
diz respeito à compreensão da ideologia por autores críticos da administração no Brasil.
Inicialmente, o objetivo da pesquisa pretendia abarcar não somente uma investigação mais
ampla sobre o tratamento que Tragtenberg e Gurgel dispensam à categoria da ideologia.
Propunha-se a conseguinte análise crítica dos lineamentos da categoria encontrados na
investigação, e, em decorrência, a tentativa de apontar um caminho pavimentado pelo
próprio Marx e autores que seguiram de perto suas elaborações como Lukács. Caminho este
que permitisse uma melhor compreensão da ideologia.
Os estudos porém nos trouxeram a necessidade, levando em conta a miríade de obras
e tematizações encontradas nos autores em tela, e o consequente uso da ideologia para
caracterizar diferentes processos nessas tematizações, de maior concentração sobre algum
tema em que a categoria em tela adquirisse considerável relevância para os autores
estudados concomitantemente. Desta maneira, optou-se por delimitar os estudos na crítica
dos autores às teorias da administração. As modificações levaram a delimitação do objetivo,
podendo ser descrito da seguinte forma: determinar como Tragtenberg e Gurgel em suas
obras centrais apreendem a categoria da ideologia a partir de Marx no que tange as teorias
da administração.
A intenção aqui é promover um estudo que nos permita identificar o tratamento dado
a esta categoria não necessariamente de origem marxiana mas que neste território é que
encontrou suas marcas decisivas para os debates subsequentes. Nesse sentido, encontra-se
adiante o texto dividido em cinco partes além desta introdutória. Na primeira apresenta-se
os principais achados da investigação sobre a ideologia em Tragtenberg. O material avaliado
é o artigo A teoria geral da administração é uma ideologia? de 1971, que anos depois
comporia, junto a outros elementos, sua tese de doutoramento publicada como o livro
Burocracia e Ideologia, de 1974, também utilizado nesta pesquisa. Outro texto aqui
utilizado é Administração, poder e ideologia (1980). Na sequência, a parte quatro apresenta
a pesquisa calcada no livro A gerência do pensamento de 2003, de Claudio Gurgel. Por fim
será apresentada a conclusão geral.
5
2. O althusserianismo oculto em Tragtenberg
A proposta nesta parte da exposição é, em primeiro lugar, reconhecer as
contribuições de Tragtenberg para a crítica da teoria administrativa, sendo esta entendida
como ideologia. Evidenciaremos os pontos mais centrais que nos permitem determinar o
modo de apreensão dominante do problema da ideologia (ressaltando-se que não é nossa
intenção elaborar uma definição geral da ideologia no autor, mas, simplesmente,
aproximarmo-nos de sua determinação neste caso particular, uma vez que a discussão da
ideologia em sua vasta obra não se esgota com as teorias administrativas1). Em segundo
lugar, a intenção é apresentar de maneira mais resumida indicações das limitações no seu
modo de apreensão da ideologia dadas as influências textuais não inteiramente reveladas.
Em meio à amplitude da obra de Tragtenberg, a discussão acerca das teorias
administrativas assume protagonismo entre o início da década de 1970 até o final da década
de 1980. Podemos delimitar da seguinte maneira o material que nos bastará de fonte para o
estudo deste tema: incialmente o artigo A teoria geral da administração é uma ideologia?
de 1971, que anos depois comporia, junto a outros elementos, sua tese de doutoramento
publicada como o livro Burocracia e Ideologia, de 1974. Em seguida, o autor avança em
suas análises no livro Administração, poder e ideologia (1980), especialmente nos primeiros
capítulos onde o tema principal é uma crítica às corporações; e no artigo homônimo
(originalmente publicado em 1979, na coletânea de artigos A delinquência acadêmica: o
poder sem saber e o saber sem poder).
Na discussão de Burocracia e ideologia e Administração, poder e ideologia o autor
perpassa pelas teorias administrativas mais ressonantes do início do século XX
representadas por Taylor, Fayol e Mayo, onde o primeiro e o último ganham atenção
especial no tocante ao problema da ideologia. Tragtenberg desenvolve o tema pautado nas
harmonias administrativas iniciadas pelo socialismo utópico e continuadas por Taylor e
1 Em outras obras como Planificação: Desafio do século XXI e Reflexões sobre o socialismo, o autor realiza
uma abrangente discussão acerca do burocratismo estatal, em especial, na União Soviética. Nesse caso, o
emprego do termo ideologia é igualmente marcante, merecendo ser tratado em outras ocasiões.
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Mayo. Mostra, sobretudo, como estes autores – ou “ideólogos das grandes corporações”,
como preferira – falseiam a realidade em nome do progresso do capital. Especialmente em
Administração, poder e ideologia, tanto no livro, quanto no artigo homônimo, veremos
lineamentos da apreensão althusseriana na discussão dos “aparelhos ideológicos” e da
reprodução de ideologias com o mesmo propósito falsificador.
Quanto às fontes para a discussão sobre a ideologia, podemos assim dizer que o autor
reconhece o peso da influência da sociologia do conhecimento de Mannheim2 em
Burocracia e ideologia, ainda que esta influência se dê mais no plano metodológico. Já nas
obras subsequentes, o uso de categorias como “aparelhos ideológicos” pode indicar uma
possível influência de Althusser embora Tragtenberg não seja totalmente explícito nessa
direção. Igualmente, ao tomar a ideologia pelo prisma da falsidade, pode-se dizer que existe
uma inexorável influência de correntes específicas do marxismo, sobretudo do
althusserianismo já indicado antes. Como não é nossa proposta esgotar a raiz dessas
influências neste momento, delimitaremos nossa investigação na determinação da ideologia
por Tragtenberg entre 1971 e 1981, no caso das teorias administrativas.
Antes de adentrarmos diretamente no problema das teorias administrativas, e
verificarmos o entendimento da ideologia em nosso autor, vamos sinteticamente rastrear a
origem das “harmonias administrativas”. Sendo-nos fundamental acompanhar a discussão
presente em Burocracia e Ideologia, bastam-nos os capítulos As harmonias administrativas
de Saint-Simon a Mayo e Burocracia: da mediação à dominação. No primeiro, Tragtenberg
mostra exaustivamente como se deu o processo de desenvolvimento das forças produtivas
iniciado pela primeira revolução industrial acompanhado das paupérrimas situações dos
trabalhadores nas indústrias da Europa Ocidental àquela época. Tal disparidade provocara a
aparição de teóricos como Saint-Simon, Fourier, Proudhon e Marx que, nas palavras de
2 Esta influência revela-se em dois momentos implícitos, além de outros mais explícitos (cf. TRAGTENBERG,
2005, p. 53). Num deles, o autor deixa assim indicado no que diz respeito ao estudo da teoria administrativa
como ideologia: “Tal análise será desenvolvida em perspectiva estritamente sociológica, no nível de sociologia
do conhecimento, isto é, do estudo da causação social das teorias de administração ideológicas
(TRAGTENBERG, 2005, p. 20). Em A teoria da administração é uma ideologia? isso se confirma quando
apoia-se em Mannheim para matrizar seu estudo do ideário administrativo, pois “A análise da teoria geral da
administração como ideologia implica o estudo do ‘fenômeno do pensamento coletivo que se desenvolve
conforme interesses e as situações sociais existentes’” (TRAGTENBERG, 1971, p. 11).
7
Tragtenberg, foram teóricos à “procura de um modelo de sociedade global que seja negação
daquela que emergiu com a revolução industrial” (TRAGTENBERG, 2005, p. 76), situando
inadvertidamente Marx também como um dogmático ao lado dos demais na busca de um
modelo nascido da cabeça.
Especialmente os dois primeiros (Saint-Simon e Fourier) enxergavam a
possibilidade de que o próprio modo de produção capitalista poderia se ajustar em direção
a uma sociedade mais igualitária. Conforme conferimos nas palavras do nosso autor:
Tendia Fourier a ver, na marcha da sociedade, o caminho para o estabelecimento
de uma harmonia universal, a partir do controle das paixões humanas. /.../. O
sistema industrial, para Saint-Simon, funda-se no princípio da igualdade perfeita,
repudiando qualquer direito de nascimento e qualquer espécie de privilégios
(TRAGTENBERG, 2005, p. 79-81).
Embora ambos sejam socialistas, não conseguem vislumbrar nada além da ordem
burguesa, acreditando que a simples harmonia entre classes antagônicas pode apaziguar os
eminentes conflitos, isto é, veem no capitalismo a potencialidade de promover uma
sociedade igualitária. Assim, Tragtenberg traz à baila esse elemento que nomeia “harmonia
administrativa” – tão importante no decorrer da obra em tela para o enfrentamento aos
teóricos da administração – para criticar os socialistas utópicos. É importante compreender
que a “harmonia administrativa”, que nomeia o capítulo, receberá o nome de “harmonia
participacionista” no tratamento da teoria administrativa como veremos adiante. Não
obstante é importante ressaltar que nosso autor verifica que a tentativa de harmonizar os
conflitos não é exclusiva dos intelectuais do capital, mas também é uma ideia reverberada
nos socialistas utópicos.
Na medida em que adentra na crítica da administração, percebe-se que um traço
marcante da crítica de Tragtenberg a estas teorias é o seu senso de realidade ao situar
inerentemente a efetividade deste conjunto teórico na luta de classes, conforme ele mesmo
afirma: “A Teoria da Administração, até hoje, reproduz as condições de opressão do homem
pelo homem” (TRAGTENBERG, 2005, p. 267). Se para o socialismo utópico a
harmonização era uma opção tática, para os teóricos da administração é uma necessidade
fundamental tendo em vista a manutenção da exploração do trabalho pelo capital.
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A Escola Clássica, na figura do taylorismo, constituiu-se na necessidade de uma
construção teórica que fosse capaz de aliar a organização diretiva e o controle da força de
trabalho: “Sua maior preocupação concentra-se no fluxo mecânico dos objetos e na
manipulação humana conforme critérios utilitários” (TRAGTENBERG 2005, p. 241). Frise-
se, ainda, que “Taylor parte do ponto de vista segundo o qual o interesse dos trabalhadores
é o da administração” (TRAGTENBERG, 2005, p. 93). Taylor nega a existência de um
conflito, tenta escamotear a existência de qualquer antagonismo, imbuído da necessidade de
conciliar os interesses através da administração. Vejamos então como Tragtenberg
considera o taylorismo como ideologia:
Influi na totalidade do social pela incidência sobre a produção e reprodução
ampliada do capital e da força de trabalho como mercadoria e principal força
produtiva/.../ constitui-se numa ideologia de uma estrutura fabril que, na
separação entre planejamento e execução, trabalho manual e intelectual, reproduz
a dependência do trabalho ao capital (TRAGTENBERG, 2005, p. 242)
Segundo análise do autor, o taylorismo é uma ideologia que visa aumentar a
produtividade através da especialização massiva dos trabalhadores, tendo como pano de
fundo a continuidade da exploração imposta pela classe dominante, como pressuposto do
capitalismo. Constata ainda que este ideário, ao influir diretamente nas relações de trabalho
no capitalismo, solidifica-se enquanto ideologia que sustenta a dominação do capital.
Portanto, é possível reter que nesta ocasião, a ideologia é entendida como reprodutora das
condições de dominação de uma classe sobre a outra. Na sequência da argumentação de
Tragtenberg, lemos que “Como ideologia o taylorismo tende a dar autonomia à técnica
apresentando o parcelamento do trabalho, a limitação do consumo das massas nos quadros
de reprodução simples do trabalho, como categorias a-históricas, inerentes à natureza
humana” (TRAGTENBERG, 2005, p. 243). Ao tomar categorias resultantes da relação do
homem com a natureza e como o próprio homem no curso da história como inerentes à
natureza humana, Taylor mistifica seus nexos reais. Tragtenberg é exitoso ao captar este
procedimento, mas ressaltamos que este processo mistificador, é consequentemente o que
Tragtenberg apreende por ideologia.
Seguindo a letra do autor brasileiro, podemos compreender que as teorias
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administrativas “respondem a necessidades específicas do sistema social”
(TRAGTENBERG, 2005, p. 108). Nessa esteira, surge então a Escola das Relações
Humanas capitaneada por Elton Mayo que logo se apresenta como um arsenal teórico para
combater o avanço dos sindicatos. A escola das “Relações Humanas surgiu e se desenvolveu
como reação ao sindicalismo operário norte-americano; foi uma das respostas patronais no
terreno da ideologia e da técnica de administração” (TRAGTENBERG, 1980, p. 103),
pondo-se, enquanto ideologia, a se materializar como instrumento de controle da classe
operária e ao mesmo tempo, a oferecer a resposta teórica, que desarticulasse na prática
efetiva qualquer movimentação operária não condizente com os auspícios empresariais. A
maneira como ela opera na prática é aproximando da empresa a massa de trabalhadores,
como nosso autor explicita:
A ideologia participacionista inerente à escola se detém aos conflitos. A Escola
das Relações Humanas aparece ante o operário com um caráter meramente
instrumental e, nesse sentido, falso, não atingindo o vital. Esse participacionismo
tende a manter a velha forma de relação entre capitães de indústria e operários
(TRAGTENBERG, 2005, p. 10).
Tragtenberg reconhece as influências do sociólogo francês Durkheim em Mayo, uma
vez que esse ambiciona a eliminação completa dos conflitos3. Como ideologia, o
participacionismo, corporificado no extensivo incentivo à colaboração entre os empregados
para que os conflitos sejam eliminados, se dá somente no locus de valorização do capital,
qual seja, na empresa, de modo que “A Escola das Relações Humanas só examina as
relações homem x grupo na área da empresa, não as ultrapassa” (TRAGTENBERG, 2005,
p. 103). Na medida em que este participacionismo é falso, apresenta uma aparente
horizontalidade, que não se verifica na prática pois não toca fundamentalmente nos
problemas estruturais de classe, “você participa das responsabilidades da direção, mesmo
que a realidade não o confirme” (TRAGTENBERG, 1980, p. 20). Temos então, o primeiro
momento do texto em que Tragtenberg, identifica a ideologia propriamente à falsidade,
confirmando a tendência das teorias administrativa não expressarem a realidade tal qual ela
é.
3 “Pressente-se a influência de Durkheim, o grande sociólogo da ordem entendida como anti-anomia em Mayo.
Ao conflito, Durkheim contrapõe a coesão social; à oposição de classes, opõe a representação corporativa num
estado liberal” (TRAGTENBERG, 1980, p. 24).
10
Em tom conclusivo, arremata Tragtenberg: “Negativamente, a escola das relações
humanas aparece como uma ideologia manipulatória” (TRAGTENBERG, 2005, p. 104).
Assume assim um caráter ideológico, pois tem por finalidade manipular a classe explorada,
enquanto a classe dirigente mostra-se amigável diante do trabalhador, almeja o significativo
aumento da produtividade do trabalho, apoiando-se em um aparato técnico constituído por
dinâmicas de grupo e outras ferramentas4, o operário participa de sua própria exploração e
a manutenção das relações sociais. Concomitantemente, esta ideologia é erigida como
mecanismo de controle para manter afastadas eventuais ameaças materializadas nos
sindicatos. Ao objetivar o fim dos conflitos, a escola simplesmente corrobora com a velha
relação entre capitães de indústria e operários, qual seja, de exploração do trabalho. Opera,
por conseguinte, falsamente. Em suma: “ela procura dissimular a dominação por meio de
discursos e práticas participativas, desviando a atenção de seu objetivo central, que é manter
a produtividade nas organizações e reduzir as tensões entre capital e trabalho” (PAES DE
PAULA, 2008, p. 961). Noutra direção chama a atenção para a internacionalização dessa
técnica. “O equivalente na URSS à Escola de Relações Humanas dos EUA chama-se
trabalho ideológico, propaganda e agitação. Os dois países tendem aos mesmos objetivos:
manipulação da mão-de-obra disponível” (TRAGTENBERG, 2005, p. 105). O caráter
mistificador operado pela ideologia é de extrema utilidade para assegurar a continuidade do
operariado enquanto classe subalterna presa aos grilhões do capital – seja qual for o modo
em que este se organiza monopolisticamente (EUA) ou como “capitalismo de Estado”
(URSS) – se assim não o fosse certamente não encontraria terreno para se disseminar.
O estudo de Tragtenberg sobre o pensamento administrativo abarca ainda algumas
outras escolas e autores. Contudo, para compreender a questão da ideologia, basta-nos cercar
nossa inquirição em Taylor, Fayol e Mayo, autores básicos das escolas clássica e das
relações humanas. Tais autores possuem diferenças no direcionamento de suas técnicas,
todavia como Tragtenberg nos apresenta, ambas as escolas guardam similaridades
ideológicas. “A ideologia da harmonia participacionista iniciada por Taylor, reafirmada por
Fayol, é continuada por Mayo, na sua preocupação em evitar os conflitos e promover o
equilíbrio ou um estado de colaboração definido como saúde social” (TRAGTENBERG,
4 “Os princípios de dinâmica de grupo, elementos fundadores da escola das relações humanas, são os
responsáveis pelo tema da participação, tão ao gosto desta escola” (TRAGTENBERG, 1980, p. 27).
11
2005, p. 102). Tragtenberg condensa as constatações acerca do conteúdo da ideologia
(dominação e falsidade) na chamada harmonia participacionista. Ao anunciar que as teorias
da administração mudam com as transformações socioeconômicas, justifica as divergências
técnicas entre as escolas, ainda que a forma com que a harmonia se dera tenha sido distinta,
isto é, “enquanto a Escola Clássica pregava a harmonia pelo autoritarismo, Mayo procura-a
pelo uso da Psicologia” (TRAGTENBERG, 2005, p. 101). Portanto, mostrou ele que, como
ideologias, ambas mistificam a realidade, cada uma à sua maneira. Ocultando as relações de
exploração, respondendo a demandas que urgiam cada uma à sua época e resguardando os
interesses da classe dominante através de seus enunciados.
Ressaltamos então que a técnica é o invólucro prático que envolve um núcleo, onde
o que prepondera é a ordem do capital, como acompanhamos na reflexão de Paes de Paula
(2002, p. 132), uma vez que “estas escolas se estabeleceram como portadoras de teorias e
práticas eficientes para viabilizar a produção massificada, mas auxiliaram principalmente
na harmonização das relações entre capital e trabalho”. Dessa maneira, enquanto a técnica
administrativa somente se propor a resolver demandas da classe dominante, ela se
configurará ideologia. Seguindo Tragtenberg, resolver os problemas reais da esfera da
produção não é a preocupação primaz da teoria administrativa, tampouco mostrar a verdade.
Antes, enquanto ideologia, tal teoria está imbuída em obter da classe explorada o máximo
comprometimento com a empresa, mantendo-a o mais próximo possível e predisposta a
resolver as questões que surgem à ordem do dia para a valorização e acumulação de capital.
Consequentemente, há em Tragtenberg a tendência de considerar a efetivação prática das
teorias imediatamente após serem elaboradas, na medida em que são respostas intelectuais
às necessidades do capital. Contudo residem nessa tendência algumas ressalvas, muito em
função do que Tragtenberg chama de processo de ideologização (do qual trataremos mais
adiante), o que suscita a ideia de que essas teorias se tornam ideologias, a partir do momento
em que este processo se inicia.
Acompanhemos como Tragtenberg tece suas considerações finais nesta obra.
Assegura ele que: “As teorias administrativas são dinâmicas, elas mudam com a transição
das formações socioeconômicas, representando os interesses de determinados setores da
sociedade que possuem o poder econômico-político” (TRAGTENBERG, 2005, p. 109).
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Dois pontos fundamentais aparecem nesta passagem e são eles decisivos para a discussão
da ideologia: por um lado, Tragtenberg demonstra como as teorias administrativas
correspondem a uma realidade objetiva, e podem reagir quando as relações materiais
mudam; por outro lado, ressalta ele como essas teorias correspondem aos interesses de uma
classe dominante. Isto é suficiente para ele tecer a devida crítica, que reafirma o caráter
mistificador:
A teoria Geral da Administração dissimula a historicidade de suas categorias, que
são inteligíveis num modo de produção historicamente delimitado, são como
expressão abstrata de relações sociais concretas, fundadas na apropriação privada
dos meios de produção (TRAGTENBERG, 2005, p. 267).
A despeito de se apresentarem universais a toda história da humanidade, confirma
Tragtenberg que as teorias administrativas nada mais são do que produto de uma
especificidade histórica do modo de produção capitalista: “as categorias básicas da teoria
geral da administração são históricas, isto é, respondem às necessidades específicas do
sistema social” (TRAGTENBERG, 2005, p. 108).
O término da argumentação a respeito das teorias administrativas em Burocracia e
ideologia, é acompanhado do ensejo ao que se tornaria central no artigo Administração,
poder e ideologia: o papel da educação na reprodução da ideologia mostrando que as
instituições educacionais são “encarregadas pela divisão do trabalho na produção e
reprodução de ideologias” (TRAGTENBERG, 2005, p. 260).
Ao adentrarmos mais detidamente no artigo supracitado, podemos ver que
Tragtenberg insere na discussão sobre teorias administrativas, a questão de “aparelhos
ideológicos” e também podemos acompanhar mais de perto a relação dessas teorias com a
educação. Muito embora Tragtenberg não cite a fonte que inspirou essa sua argumentação,
é possível especular por aproximação que tenha sido o francês Althusser, sendo este o autor
responsável por divulgar aquele conceito no meio acadêmico a partir dos anos de 1960 e
1970, com grande repercussão no Brasil.
Sobre a ideologia dominante, diz o autor brasileiro: “O interesse geral nada mais é
do que o particular transfigurado; na ideologia, no seu discurso generalizado, o interesse
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geral vincula-se ao particularismo dos dominantes, é a ideologia dominante”
(TRAGTENBERG, 2012, p. 66). Seguindo parcialmente Marx de A ideologia alemã, a
ideologia, nos termos do autor brasileiro, opera na medida em que apresenta os interesses
particulares da classe à qual corresponde como se fossem interesse de toda a sociedade. Este
processo ocorre por mediação de instituições como a escola5, mas por meio de outros
aparelhos ideológicos enumerados pelo autor gaúcho, o que aponta para uma sintonia com
o não declarado althusserianismo. Não obstante, a ideologia “é produzida, através da divisão
intelectual do trabalho, pelos ‘intelectuais’, e reproduzida para consumo popular através da
‘inculcação’ por mediação dos aparelhos ideológicos estatais ou privados: jornais de
empresa, manuais escolares ou ideologias administrativas” (TRAGTENBERG, 2012, p. 66).
Vemos que a produção de ideologias se dá numa fração do trabalho intelectual, e ganham
representatividade através da inculcação mediada pelos aparelhos. O autor dá ensejo ao
entendimento de que esta fração intelectual corresponde ao quadro administrativo que
“elabora os movimentos do capital, seja ‘pessoal’ ou ‘anônimo’, na grande corporação”
(TRAGTENBERG, 2012, p.67). Contudo, restam reticências quanto à origem dessa fração.
Não nos mostra se ela é propriamente parte da classe burguesa que elabora suas teorias
dominantes, ou se é parte da classe trabalhadora, neste caso, mediando sua própria
exploração.
Passemos a um outro momento, pois a presente exposição, como anunciado,
pretende também expor limites da determinação da ideologia que encontramos em
Tragtenberg.
Numa de suas elaborações, Tragtenberg deixa algumas dúvidas em relação à
imanência da ideologia nas teorias administrativas: “O processo de ideologização das teorias
administrativas está em sua postura como ontologia, despida de historicidade. Ela representa
a tradução em linguagem administrativa da práxis econômico-social historicamente
definida” (TRAGTENBERG, 2005, p. 259). Embora Tragtenberg confirme sua constatação
de que estas teorias não têm compromisso em se mostrar fiéis aos desencadeamentos
5 Outra instituição que para Tragtenberg, é aparelho ideológico, é a empresa: “Empresa não é só local físico
onde o trabalho excedente cresce às expensas do necessário, o palco da oposição de classes, é também o cenário
da inculcação ideológica. Nesse sentido, empresa é também aparelho ideológico” (TRAGTENBERG, 1980,
p. 28).
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históricos que as engendraram, deixa claro que isto decorre de um processo. Portanto, cabe
questionar se esse teor negativo carregado pela ideologia da administração é intrínseco a
ela, ou se este processo de ideologização comporta outros aspectos. Quer dizer, é possível
que as teorias da administração se tornem ideologias no processo ao invés de nascerem como
tal? Tragtenberg não oferece resposta a esta questão diretamente. Entretanto, mostra como
se arma o arcabouço esquemático que engendra este processo:
A Teoria Geral da Administração é ideológica, na medida em que traz em si a
ambiguidade básica do processo ideológico, que consiste no seguinte: vincula-se
ela às determinações sociais reais, enquanto técnica (de trabalho industrial,
administrativo, comercial) por mediação do trabalho; e afasta-se dessas
determinações sociais reais, compondo-se num universo sistemático organizado,
refletindo deformadamente o real, enquanto ideologia (TRAGTENBERG 2005,
p. 108).
Assegurando que em meio ao processo a ideologia reflete deformadamente o real,
Tragtenberg proporciona indicações de que a resposta à pergunta por nós aludida logo acima
é negativa. Depreende-se ainda desta passagem que ao mesmo tempo em que se aproxima
das determinações reais por meio da prática, a administração se afasta delas enquanto
ideologia. Ao mesmo tempo em que se configura na resposta para problemas objetivos
através da técnica, por exemplo, não reflete as reais condições sociais que põem esses
problemas, pertinentes somente à classe dominante.
Noutro momento, Tragtenberg mostra na introdução de Burocracia e ideologia que
ao estudar as teorias administrativas, o ponto de partida será tomá-las como ideológicas,
como falsa consciência. É possível depreender alguns reflexos deste ponto, como, por
exemplo, na discussão acerca do processo ideológico. A despeito disso, é preciso registrar
que não se encontra um desenvolvimento mais profundo deste ponto no desenrolar do texto.
Realça-se assim, o caráter negativo, primeiro com a falsidade contida no
participacionismo, ou na mistificação que permeia as elaborações de Taylor, por exemplo.
E depois, ressaltando como a categoria está a serviço da classe dominante, assegurando sua
posição em relação à classe dominada, podendo isto decorrer da mesma mistificação,
restringindo o horizonte de luta dos trabalhadores com o participacionismo, por exemplo.
A razão de haver alguma ambiguidade pode ser explicada pela presença de elementos
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althusserianos, como “aparelhos ideológicos” e falsidade da ideologia, e outros elementos
ainda provenientes da sociologia do conhecimento de Mannheim que reconhecidamente
toma “ideologia” exclusivamente como força conservadora em oposição à “utopia”.
Outro ponto significativo é a discussão que envolve a função da educação
conjuntamente com os aparelhos ideológicos e seu efeito na ideologia. Há que se dizer que
esta é uma tematização central para compreendermos como a teoria administrativa é
ideologia. No entanto, Tragtenberg dedica poucas linhas a esta questão, onde são
encontradas passagens assaz telegráficas, donde não é possível encontrar precisamente quais
foram as fontes que inspiraram a discussão. O que se torna possível é somente indicar que
o marxismo de tipo especial exerceu influência sobre o pensamento de Tragtenberg, mas
como não aprofunda as categorias, tampouco indica as suas fontes, não podemos aprofundar
com maior precisão. Diferentemente de Tragtenberg, Motta é mais explícito quanto às fontes
das influências que identificam ideologia e falsidade, como veremos.
É possível, não obstante as limitações e a despeito de alguma compreensão sobre a
ideologia como processo, isto é, de que algo pode tornar-se ideologia, concluir que a
tendência mais marcante é a de identificar toda elaboração ideal promovida pela
administração como ideologia. Tendências ainda mais marcantes são as determinações da
ideologia como falsidade e instrumento de controle que serve estritamente à classe
dominante, tendências encontradas sobretudo no estruturalismo de Althusser.
3. Gurgel e o althusserianismo indireto
Pretendemos neste momento, mostrar como Claudio Gurgel desenvolve a categoria
da ideologia no cerne de suas críticas às teorias organizacionais ou teorias da administração,
lugar em que tal categoria adquire importância central. Nos ocuparemos de explicitar seu
esforço em direção ao entendimento da ideologia, e também, sinteticamente apontar os
limites de sua apreensão.
Delimitamos a investigação na sua tese de doutoramento publicada com o título de
Gerência do Pensamento, no ano de 2003. Nesta obra, o autor apreende como ideologia, as
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teorias organizacionais que vão do início do século XX aos tempos hodiernos, enfatizando
as técnicas contemporâneas e sua infiltração nas consciências dos gestores em formação.
Dessa forma, é fundamental o escrutínio deste material.
No decorrer da obra fica evidenciado que a categoria é apreendida pelo nosso autor
a partir da acepção marxista, ainda que esta não tenha contornos definitivos, tampouco é
resoluta. Verifica-se a presença marcante do próprio Marx, mas também de autores como
Gramsci, Althusser e Lenin, todavia há também a presença marginal de autores não
relacionados diretamente com a tradição do filósofo alemão, como Mannheim. É necessária
uma análise rigorosa para extrair os enlaces fundamentais de modo a comparar Gurgel com
os outros autores brasileiros dos estudos críticos à administração. Algumas distinções
elementares perante outros críticos brasileiros são salientes, basta dizer que esse autor, no
intento de fazer uma determinação histórica do termo, resgata a letra original de Marx mais
frequentemente que os demais, e também rememora a contribuição de autores brasileiros
(não da área da administração), no caso, Cerqueira Filho, tendo em vista o entendimento da
ideologia.
Gerência do Pensamento, além de um estudo teórico destacável, traz também uma
pesquisa de campo que, como é mostrado em sua introdução, “se dirigiu essencialmente à
indagação quanto à dimensão ideológica do discurso presente, na tecnologia de gestão
contemporânea, sobre o gestor” (GURGEL, 2003, p. 32), tendo como objetivo central:
fazer a identificação dos valores ideológicos que se “disfarçam” sob o
instrumental da gestão empresarial/organizacional e avaliar a dimensão desse
fenômeno na contemporaneidade. A partir da identificação desse caráter
ideológico, no passado e no presente, explicitar a magnitude de seus efeitos, hoje,
na formação da consciência social (GURGEL, 2003, p. 32).
Como dito, Gurgel vai além da discussão teórica e adiciona um elemento empírico
ao seu estudo, um recurso interessante posto que intende mostrar a relação da ideologia e os
efeitos da formação na consciência de gestores durante sua graduação, algo ainda
inexplorado pelos críticos brasileiros – com menção honrosa a Covre –, indubitavelmente
um contributo notável. O autor em questão mostra um espírito reflexivo em sua obra,
apontando limitações da crítica à administração que pôde ser realizada por um grupo de
17
importantes autores dentro do qual se situa inclusive Tragtenberg. Reconhece que a crítica
daqueles se restringe ao chamado “adornamento do ambiente de trabalho” que teria “o
objetivo restrito de preparar esse ambiente à introdução ou desenvolvimento de processos e
sistemas produtivos” (GURGEL, 2003, p.80). Em suma, nosso autor mostra que tais críticas
“limitaram o efeito ideológico das teorias [da administração] ao ambiente da produção
econômica” (GURGEL, 2003, p. 21), perdendo de vista “o papel ativo que estas formulações
teóricas exercem sobre o pensamento dos indivíduos e dos grupos” (GURGEL, 2003, p. 38).
Nosso autor acaba por justificar tais limitações ao se produz uma história mais crítica e
complexa, o que se apresenta de modo mais evidente ao estudioso é o esforço de adequação
do ambiente de trabalho às necessidades de produção” (GURGEL, 2003, p. 38)
No intento de dar um passo adiante, e preencher as lacunas deixadas pelos críticos
anteriores, diz ele:
entendemos, no entanto, que os valores difundidos por essas teorias não se
destinam a adequar os trabalhadores tão só às novas técnicas e métodos /.../ suas
formulações e as próprias técnicas e métodos veiculam valores universais que se
tornam historicamente necessários ao desenvolvimento capitalista (GURGEL,
2003, p. 22).
Evidencia, portanto, que não somente as teorias administrativas se resumem à
conformação da força de trabalho às técnicas gerenciais, mas ao mesmo tempo incide no
plano subjetivo ao veicular valores universais inerentes à perpetuação do modo de produção
capitalista.
Antes de adentrar na discussão da ideologia, Gurgel resgata Althusser para discutir
o peso que a escola, como aparelho de estado, tem na inculcação de ideologias durante a
formação do gestor. Segundo nosso autor, as escolas em geral “parecem martelar as suas
cabeças [inclusive dos futuros gestores] com valores denominados pelo mesmo Althusser,
de ideologia dominante em estado puro: ética, orientação cívica, filosofia.” (GURGEL,
2003, p. 41). Esclarecendo que este peso exercido pela formação deu-se, sobretudo com a
chamada tecnologia gerencial contemporânea, pois esta “tem com a educação uma relação
bem mais estreita e intensa que as primeiras teorias da administração” (GURGEL, 2003, p.
57). Vemos que mesmo sem entrar detidamente na categoria central deste texto, Gurgel
revela alguma influência althusseriana no tocante à sua compreensão da ideologia. Não por
acaso destaca a importância da escola, que como aparelho ideológico, adquire um peso
18
significativo nas técnicas de gestão contemporâneas. Vejamos, então, como se dá o
desenvolvimento da categoria propriamente dita.
Gurgel dedica um tratamento mais detalhado à categoria que os outros autores
críticos brasileiros, procurando fazer uma determinação histórica da ideologia para então
emprega-la na crítica à administração. Isto é marcante no primeiro capítulo da obra onde ele
se põe a precisar as categorias.
É Marx quem vai ser o parâmetro principal, ao menos como ponto de partida, na
construção do conteúdo da categoria para Gurgel, ao tratar do caráter negativo de inversão
inerente à ideologia, lemos que:
De modo sintético, podemos considerar que Marx/.../procede à objetivação do
conceito de ideologia, quando a define como uma inversão da realidade que
corresponde à própria realidade invertida. Esta inversão está na vida real
sobretudo no mundo da produção e distribuição da riqueza. Em outras palavras, o
pensamento as ideias aparecem como emancipadas do mundo real. Marx observa
que ”a religião é uma percepção invertida de mundo, porque o Estado e a
sociedade que a produzem são invertidos” (ibid) Exatamente o que diria de modo
genérico, em A Ideologia alemã, quando observa que os homens e suas relações
nos surgem invertidos como numa câmara escura (GURGEL, 2003, p. 46-7)
Nesta longa passagem vemos como Gurgel, a partir da leitura de A ideologia alemã,
compreende a ideologia a partir daquilo que Vaisman (1996) chama de especulatividade
neohegeliana, ou seja, “a inversão ontológica especulativa onde o mundo efetivamente
existente é concebido como produto da ideia” (VAISMAN, 1996, p. 150). Portanto, a
ideologia é construída por este processo, de maneira que as construções teóricas não
refletem a realidade concreta, justamente por não partirem dessa realidade, mas de um
idealismo quimérico. Contudo, na sequência de seu argumento, Gurgel identifica o mesmo
processo na religião e afirma que Marx denuncia aquela inversão a partir da própria religião.
O autor brasileiro afirma que a ideologia passa a ter relevância “no pensamento filosófico e
político do século XIX, a partir da crítica da religião”. (GURGEL, 2003, p. 46). Quando
Marx conecta a religião à ideologia, o faz apenas para nomear a religião como uma das
formas ideológicas presente no complexo de formas de consciência. A problematização
desta questão é espinhosa mesmo em Marx, portanto, vamos nos limitar aqui somente a
deixar assinalado “as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa
19
palavra as formas ideológicas.” (EAGLETON, 1997, p. 79 apud GURGEL, 2003 p. 48),
conforme aparece grafado no famoso Prefácio de 1959 de Para a crítica da economia
política.
Deixemos aqui assinalado que a falta de um desenvolvimento mais aprofundado da
crítica marxiana aos neohegelianos, impede que Gurgel faça uma diferenciação mais
aprofundada entre estas formas ideológicas e a ideologia decorrente do processo
especulativo daquele grupo de filósofos, e a inversão decorrente de seu idealismo
filosófico6.
A falta de um desenvolvimento mais aprofundado limita a crítica de Gurgel onde a
identidade entre inversão e ideologia toma uma forma etérea e polissêmica. Exemplos disso
podem ser encontrados no terceiro capítulo da obra. Segundo Gurgel (2003), Taylor dizia
que contendo a vadiagem, o desemprego reduziria. Nosso autor em seguida rebate:
Em evidente inversão, Taylor oferece ao pensamento e à oração de seus leitores
uma explicação para a pobreza que é o oposto da explicação dos sindicatos. Para
os sindicatos era precisamente o sistema de Taylor o grande responsável pelo
desemprego e a pobreza... (GURGEL, 2003, p. 86)
O ponto de vista da classe trabalhadora materializado nestes sindicatos aparece como
o antídoto para tal inversão – como se os sindicatos necessariamente fossem também
portadores de uma apurada compreensão da realidade. A causa real da pobreza certamente
decorrera em grande parte em razão das técnicas tayloristas, como salientado por nosso
autor. Porém, ao identificar somente esta causa para o problema do desemprego e pobreza,
retira a complexidade econômica da questão. De maneira que podemos entender desse
excerto a denúncia de uma inversão que consiste na prevalência do ponto de vista da classe
burguesa, ou seja, a classe dominante compreende a realidade de maneira invertida.
Páginas adiante, agora enfrentando Chester Barnard e a escola humanista, a inversão
6 Tenhamos em mente a análise de Vaisman (1996) que mostra o ponto de inflexão fundamental para
diferenciar inversão de ideologia: “Não se trata de toda e qualquer inversão, quando simplesmente se insistia
na ideia de que ideologia significa sinônimo de inversão; mas apenas aquela consagrada pelo pensamento
especulativo neohegeliano” (VAISMAN, 1996, p. 151).
20
volta a protagonizar a crítica de Gurgel:
Em outra inversão, que se tornou passagem clássica da teoria organizacional,
Barnard reconceitua autoridade: “autoridade é a característica de uma
comunicação (ordem), numa organização formal, em virtude da qual ela é aceita
por um contribuinte ou membro da organização” (BARNARD, 1971, p. 161).
Portanto o que ocorre na organização, não ocorre porque o patrão assim o quer
mas porque todos o querem (GURGEL, 2003, p. 96).
Aqui, a inversão acontece porque Barnard não assume que a autoridade emana do
patrão. Para Gurgel, impõe-se um relação hierarquizante, qual seja, do patrão com o
empregado, pondo assim a autoridade. Entretanto, ficam não revelados os condicionantes
históricos que engendraram esta relação e o papel da propriedade dos meios de produção na
determinação objetiva da autoridade.. Em decorrência, nosso autor não se propõe a
questionar o que realmente determina a autoridade na realidade concreta, para avaliar em
que medida a afirmação de Barnard é uma inversão. Dessa forma a própria inversão toma
uma forma diferente daquela usada para Taylor. Certamente a questão da inversão e sua
relação com a ideologia é um ponto que carece de um maior detalhamento por parte de nosso
autor, de modo que estas categorias sejam usadas de maneira mais precisa.
Ainda no primeiro capítulo delineando a questão da ideologia, há uma tentativa de
mostrar que a ideologia não conserva somente este aspecto negativo tão disseminado na
história do marxismo. Gurgel recorre a Eagleton para transcrever a passagem do Prefácio
de 1859 antes aludido:
No prefácio à contribuição à crítica da economia política (1859), Marx escreverá
sobre “as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa
palavra as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse
conflito (econômico) e lutam para resolvê-lo”. A referência a formas ilusórias,
significativamente, foi aqui omitida; não há nenhuma sugestão específica de que
esses modos “superestruturais” sejam, em qualquer sentido, quiméricos ou
fantásticos. A definição de ideologia, conforme podemos notar, também foi
ampliada para abranger todos os homens, em vez de apenas a classe governante...
(EAGLETON, 1997, p. 79 apud GURGEL, 2003 p. 48)
Sobre este trecho, o autor faz suas reflexões:
21
Até então o que se dá nessa sociedade pré-histórica se dá sob essas condições,
inclusive a ideologia revolucionária, transformadora. Sua dialética mais profunda
consiste em nascer e crescer como inversão da inversão, mas sendo apenas a
aproximação disto. /.../Por isso a percepção da classe contra hegemônica, é uma
percepção com limitações, cuja aproximação com a verdade estará na razão direta
do avanço das ciências e da determinação em ultrapassar o capitalismo como
forma de vida social. (GURGEL, 2003, p. 49)
Gurgel é o primeiro autor dos considerados críticos da administração a mostrar que
a ideologia não é somente ocultamento ou falsidade. Aqui, ao resgatar o trecho do Prefácio
na íntegra, ele mostra como a ideologia pode revelar as contradições econômicas para as
classes subalternas. Indubitavelmente este é um avanço neste campo, onde os estudiosos das
organizações possuem fortes influências do marxismo, porém não retomam os escritos
originais do próprio Marx com muita frequência. A falta deste rigor impede a eles que
esmiúcem as categorias para compreender seus enlaces mais importantes, muito embora
nosso autor tenha trazido esta outra dimensão não diretamente pelas palavras de Marx, mas
pelas de Eagleton.
Nas suas reflexões sobre a passagem, fica claro que a revelação das contradições
pelas formas ideológicas, não se dá num processo automático e mecânico, as possibilidades
de se aproximar da realidade aumentam na medida em que a ciência avança e
fundamentalmente quando a própria classe revolucionária se organiza em direção à um
modo de produção superior ao capitalismo. Ainda assim a aproximação com a realidade se
dá de maneira limitada pela própria ordem do capital. A esta reflexão, Gurgel se inspira em
Lenin, como podemos ler “os limites de aproximação dos nossos conhecimentos em relação
à verdade objetiva, absoluta, são historicamente relativos, mas a própria existência dessa
verdade é certa como é certo que nos aproximamos dela” (LENIN, 1971, p. 126 apud
GURGEL, 2003, p. 47). A questão é se o avanço das ciências ocorre em compasso com o
avanço da classe trabalhadora em direção à ultrapassagem do capitalismo, e se
necessariamente o esclarecimento deve vir desta classe. Estes são aspectos para, sobretudo,
pensarmos a teoria administrativa. Sendo ideologia, a teoria administrativa pode também
revelar as contradições reais?
Após trazer à baila discussões históricas desenvolvidas com base na concepção que
22
Marx tem de ideologia, Gurgel vai procurar aglomerar de maneira sintética a maneira pela
qual a ideologia opera:
Trata-se de entender como faz Cerqueira Filho, em seu diálogo com Althusser,
que, “em Marx, já em ideologia alemã, a ideologia é simultaneamente ilusão e
alusão” (Cerqueira Filho, 1983, 113). É ilusão, inversão da realidade, enquanto
representação de uma realidade invertida. É alusão quando, mesmo iludindo, faz-
se tomar como realidade, devido a sua referência no real. (GURGEL, 2003, p. 51)
Portanto, a ideologia decorre de um processo em que uma ideia é ilusiva, por ser
uma representação invertida da realidade, mas que se efetiva e penetra no plano real, isto é,
tem “um sentido socialmente material, alusivo ao real.” (GURGEL, 2003, p. 52). Frise-se
que este alusivo não se refere ao sentido “revelador” dado por Marx no prefácio (“as formas
ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito (econômico) e lutam
para resolvê-lo”), mas tão somente refere-se ao lastro que as formas ilusórias têm na
realidade. Desta construção chama a atenção o diálogo de Gurgel com um autor brasileiro
que se debruçou sobre o problema da ideologia. Tal diálogo não é muito presente na
discussão desta temática, seja pelos críticos dos estudos organizacionais, seja por outras
áreas do conhecimento que envolve o marxismo, ainda que páginas adiante é-nos revelado
que esta relação de ilusão e alusão é devida, ao menos no argumento do autor brasileiro, a
Gramsci7. Ademais, é também preciso destacar que a ideologia, na concepção de Cerqueira
Filho da qual Gurgel se apropria, mesmo decorrendo de um processo de inversão, não
mostrando as coisas como realmente são, tem referência na realidade posta.
Todavia, deste processo descrito por Gurgel, emergem algumas questões. O cuidado
que nosso autor dispensou nas páginas anteriores para mostrar como a ideologia é uma
categoria complexa no marxismo e como pode possuir diversas dimensões por estar
imbricada com o antagonismo de classes, não é o mesmo nesta discussão acerca da ilusão e
alusão. Aqui, ele retém a significação negativa dada por Marx n’A ideologia alemã, ao
menos como surge preponderantemente a partir da crítica aos neohegelianos, e reafirmada
por Cerqueira Filho: “ilusão, falsa consciência, mentira”, retrocedendo a uma visão
7 Ao realizar uma crítica à flexibilidade na teoria gerencial contemporânea, confirma Gurgel a influência de
Gramsci: “Como subproduto, o senso comum, na exata acepção que Gramsci dá a esta palavra: ideologia –
ilusão, mas também alusão”-(GURGEL, 2003, p. 144).
23
unidimensional do problema. Em consequência, perde de vista a discussão do Prefácio
subitamente, pois agora a ideologia não mais pode expressar a realidade para que as classes
oprimidas possam guiar o conflito, mas apenas inversão do real, ainda que tenha lastro na
efetividade. Em outras palavras, a ideologia somente se presta a perpetuar as relações
materiais e não despertar a classe trabalhadora para o conflito. Não fica revelada a razão
pela qual é deixada em segundo plano a acepção de ideologia contida no Prefácio. Tão
somente podemos analisar, mais precisamente, no momento em que Gurgel discute a relação
entre ideologia e consciência, como a inflexão assumida pela sua argumentação, modifica a
própria leitura deste autor em relação ao Prefácio:
Este movimento dialético que materializa a ideologia se expressa na e sobre a
consciência dos homens. É o movimento das “formas jurídicas, políticas,
religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra as formas de consciência”, nas
palavras de Marx, conforme a pouco forma lembradas por Eagleton. (GURGEL,
2003, p. 52)
Nosso autor reafirma o efeito objetivo da ideologia e adiciona o elemento de que ela
também se reflete na consciência dos homens, mas ao resgatar a passagem no excerto de
Eagleton, fica omitida a parte final do texto de Marx, qual seja, justamente aquela em que
Marx põe a potencialidade da ideologia em elevar a consciência dos homens à realidade das
contradições. Do ponto de vista que encara a ideologia como inversão somente, ela não pode
ter realmente um efeito esclarecedor sobre a consciência.
De maneira cabal, nosso autor condena as teorias organizacionais a seu aspecto
negativo ao sublinhar a ilusão ainda que respaldada na realidade:
Resta saber se também temos razão em esperar que esse desvelamento do caráter
ideológico – ilusório e alusivo – das teorias organizacionais tem algum efeito
contra-hegemônico /.../. Isto é, se na escola podemos, com algum resultado
transformador, fazer contra-hegemonia (GURGEL, 2003, p. 71).
Respondendo em seguida:
oferecer uma compreensão das teorias organizacionais como ideologia e desvelar
o que é ilusório e alusivo ao real nessas teorias pode constituir-se em efetiva e útil
contribuição para a formação de consciências críticas /.../ dependerá sempre do
quanto o educador estará sendo educado (GURGEL, 2003, p. 73).
24
Em verdade, nosso autor responde a questão à qual fizemos referência, afirmando
não ser possível identificar nas próprias teorias administrativas revelações de problemas da
realidade concreta. Em outras palavras, ele confirma como estas teorias, como ideologias,
unicamente resguardam sua faceta negativa, isto é, existem para ocultar a realidade. Os
educadores dispostos a uma contra-hegemonia, incumbem-se de desvelarem tal ocultamento
ou caráter ilusório. Por conseguinte, vemos que o entendimento de Gurgel não reduz a escola
meramente à reprodução de ideologias, pois nosso autor pondera a luta travada neste locus
e a possibilidade da negação e superação daquela concepção de aparelho ideológico.
Conclusivamente, afirma Gurgel que sua concepção de ideologia “entende a
ideologia como uma concepção de mundo, produto das representações de classe, na/da
realidade invertida e contraditória, mas cuja materialidade é capaz de induzir o
comportamento individual e coletivo” (GURGEL, 2003, p. 52). Reitera a imersão da
ideologia na consciência dos indivíduos e coloca a realidade invertida e contraditória como
grande obstáculo para as representações de classe, confirmando as possibilidades restritas
da ideologia ao esforço de verdade. Isso possui peso decisivo para Gurgel abandonar a
potencialidade contida na ideologia em revelar as contradições. Portanto esta realidade
invertida e contraditória, definitivamente impede que as formas ideológicas exprimam
realmente tais contraditoriedades?
Vimos como Gurgel se dedica a analisar a história da ideologia no marxismo,
baseando-se no próprio Marx, mas com influências marcantes de Lenin, Eagleton e
Cerqueira Filho. O autor reafirma o movimento feito pela categoria de alusão e ilusão, pois
“vemos/.../’ disfarces e embustes’ no discurso ideológico das teorias organizacionais, mas
não negamos, antes o contrário, sua materialidade” (GURGEL, 2003, p. 78), além de somar
a este conjunto de influências, a contribuição de Gramsci, definindo a ideologia como “um
conjunto de valores e crenças” (p. 78) que constitui uma concepção de mundo. De tal sorte,
Gurgel desenvolve a compreensão da “teoria das organizações como projeto de mundo da
classe dominante” (p. 79).
Como mencionado antes, Gurgel estabelece algumas limitações encontradas em
autores críticos anteriores em que “as interpretações sobre o caráter ideológico das teorias
25
organizacionais destinam, assim, a estas teorias, um papel restrito à manipulação em busca
da harmonia, da cooperação e da consequente elevação da produtividade” (GURGEL, 2003,
p. 83). E acrescenta: “Mais que condicionar o ambiente do trabalho às necessidades da
reprodução econômica do sistema, as teorias organizacionais ultrapassam os fins produtivos,
materiais e se convertem em formas concretas de propagação de valores ideológicos”
(GURGEL, 2003, p. 83-4). Por fim, vale dizer que “Reforça de modo particularmente eficaz
os valores da ordem social, em que, por exemplo, o próprio antagonismo é posto em xeque”
(p. 84). Portanto, a ideologia não adquire relevância tão somente por manterem arrefecidos
os conflitos eminentes que possam surgir nas empresas, ela porta ainda um poder subjetivo
que incide e se propaga entre a consciência dos trabalhadores e, por esta razão, o recurso a
Gramsci é adequado para Gurgel desenvolver esse processo de introjeção de valores.
Taylor, por exemplo, como representante da escola clássica da administração, é
submetido ao crivo de Gurgel no que diz respeito à sua compreensão do problema de classes
e posição como representante teórico da classe dominante. O brasileiro contextualiza a
atuação do engenheiro estadunidense com a acentuada profusão de ideais liberais no início
do século XX. Para Gurgel, Taylor
Sustenta os argumentos conhecidos que justificam as diferenças de classe, a
despeito da necessidade de harmonia: a desigualdade, apresentada como um
fenômeno natural (do nascimento) da condição humana, a ambição, como um
fator estimulante, o individualismo, como a melhor forma de viver e o caminho
mais seguro da prosperidade, e a livre iniciativa, não os projetos coletivos, como
a condição mais favorável para o desenvolvimento dessas virtudes do capitalismo
liberal (GURGEL, 2003, p. 90).
Ou seja, dos escritos de Taylor, surgem elementos que tentam escamotear os
conflitos de classe, mas, sobretudo, elementos ideológicos que reafirmam os valores liberais
e os disseminam fazendo com que a própria classe trabalhadora incorpore esses ideais e não
mais se reconheça como classe que tenha demandas semelhantes, conduzindo suas
atividades em direção ao sucesso individual dentro da própria ordem vigente. Ao mesmo
tempo fica evidenciado que os esforços combativos empenhados na luta de classes são alvo
do ideário taylorista, uma vez que “Ele investe contra os sindicatos, contra os líderes
trabalhistas, contra os filantropos e contra o cooperativismo” (p. 90).
26
A substituição do taylorismo pela sua sucedânea no meio organizacional, a escola
das relações humanas, reflete, como na década de 1930, alguns valores haviam mudado
diametralmente. Para o autor brasileiro, esta escola das relações humanas acabou
“substituindo o extremo racionalismo, onde pouco espaço havia para a emoção e o
sentimento humano, surge o discurso de fundo psicológico” (GURGEL, 2003, p. 140).
Explicitando assim a volatilidade dos valores ideológicos, pois são determinados pelas
necessidades do capital que urgem à ordem do dia. Gurgel conclui com a seguinte reflexão
A exemplo do taylorismo, portanto, também a escola das Relações Humanas /.../
não significou apenas um ajustamento gerencial destinado a obter a produtividade
sempre desejada. Suas formulações vão adiante. Além de constituírem uma reação
contra a emergência de um proletariado rebelde, são a introdução nas
organizações dos valores de um novo projeto de revitalização do capitalismo
(GURGEL, 2003, p. 92).
Assim tomada a questão, o que sintetiza a apreensão das teorias administrativas do
início do século XX é, por um lado, a resposta aos movimentos sindicais organizados
suficientemente para oferecer uma ameaça às corporações, e, por outro lado, a vinculação
dos valores ligados ao plano de desenvolvimento do capitalismo liberal, no caso do
taylorismo, e keynesiano, no caso das relações humanas. Em outros termos, essas
formulações teóricas foram expressão do movimento hegemônico que guiava a economia,
cada um à sua época, e condicionaram não só a produtividade das fábricas, mas a penetração
destes valores na classe trabalhadora. Gurgel mostra como a produtividade era um objetivo
primaz, mas não o único, pois também se “discute a sociedade e os projetos de mundo” e
portanto o relativo sucesso desses modelos tem respaldo nas teorias administrativas pelo seu
poder de neutralizar as a força das organizações de trabalhadores e por conseguinte cooptar
estes mesmos trabalhadores para a cooperação com a finalidade burguesa. Um ponto a ser
tratado em outro momento é inquirir se essas formulações teóricas, após construídas,
tiveram efeito imediato na vida prática da classe trabalhadora.
O autor realiza um estudo suficientemente profundo nas teorias clássica e das
relações humanas, mas não dispensa o mesmo detalhamento aos diferentes conjuntos
teóricos da administração que cortaram o restante do século XX, pois considera estas
primeiras como as “teorias primordiais” ou “teorias da administração stricto sensu”
(GURGEL, 2003, p. 42). As teorias posteriores “são derivadas de outros arcabouços e áreas
27
do conhecimento” (p. 42).
Diferentemente das teorias alicerçantes do pensamento administrativo, as técnicas
de gestão contemporâneas “se apresentam de modo fragmentado, não se permitindo uma
imediata percepção do seu corpo teórico” (GURGEL, 2003, p. 23). No quinto capítulo desta
obra vemos o desenrolar destas teorias atuais. A análise do autor, portanto, dá um salto
histórico para a contemporaneidade, onde ele propõe a verificar os traços ideológicos da
teoria gerencial contemporânea. Afirma que “O discurso ideológico da teoria organizacional
aparece agora sob a forma da administração flexível. /.../. No plano ideológico a
flexibilidade, palavra-açúcar, cumpre o papel ilusório, ainda que alusivo ao real.”
(GURGEL, 2003, p. 141). Desta vez, Gurgel apresenta a flexibilidade como ilusória,
mistificadora, e ainda “disfarça a manutenção do mercado altamente concentrado”. Mas de
toda forma, o processo de vinculação de valores correspondentes à ordem vigente,
“empowerment, gestão participativa, círculos de qualidade, participação nos lucros,
remuneração flexível, participação acionária, inversão de pirâmide...” (GURGEL, 2003, p.
142), ocorre da mesma maneira que ocorreu com as teorias antecedentes, pois esta
vinculação é premida pelo intento da inculcação desses valores favoráveis à classe
dominante na consciência das classes subalternas.
Conclusivamente, Gurgel desenvolve como é fértil o terreno para a efetivação desses
valores:
O real aludido, na alusão contida na ideologia da gestão contemporânea, verifica-
se com os casos singulares, às vezes raros de sucesso. /.../. Porém não é só a
verificação, pelos casos singulares, que torna efetivas as tecnologias de gestão
contemporânea como ideologia. Também funciona bem sua articulação interna,
um discurso com inegável coerência. (GURGEL, 2003, p. 180)
O autor brasileiro, por fim, não se distancia muito do grupo de teóricos críticos à
administração, no que diz respeito a apreensão da ideologia, seguindo a mesma linha, a
categoria para este autor conserva somente a dimensão da falsidade, ocultamento,
mistificação, ou como ele mesmo diz, ilusão. A influência de Althusser, ainda que diminuta
se faz presente na discussão do aparelho ideológico-escolar e veiculação de valores
ideológicos. Gurgel indubitavelmente traz uma grande contribuição para o estudo crítico das
teorias organizacionais ou administrativas. Ressalta-se nesse sentido sua incursão sobre as
28
técnicas contemporâneas de gestão, esforço ainda pouco empreendido na crítica às teorias
administrativas. Também é digno de nota seu empenho em fazer um estudo histórico da
ideologia. Reconhece os avanços de outros teóricos, principalmente Tragtenberg, com quem
desenvolve um diálogo interessante, evidenciando a validade das críticas, mas dá um passo
adiante mostrando como essas teorias, além de terem uma efetivação na prática da empresa,
e incitarem o conformismo operário, penetram na própria consciência deste operário
condicionando-o a seguir o curso do modo de produção capitalista, logo contribuindo para
sua própria exploração.
A falta de uma pesquisa mais profunda acerca da acepção do termo em Marx,
coexiste com uma certa oscilação demonstrada durante o texto, isto é, ora apreende-se o
sentido dado por Marx através da inversão, ora o critério é da determinação atribuída a
Gramsci de ilusão e alusão, ora o que predomina é o aparelho ideológico escolar de
Althusser, enfim. Estes contornos sinuosos comprometem por vezes a crítica de Gurgel, pois
a própria categoria da ideologia torna-se imprecisa e acaba obstaculizando o estudo do autor.
O flerte com a passagem do prefácio não foi mais problematizado o que manteve Gurgel na
linha do pensamento crítico administrativo, pensando a ideologia monoliticamente como
ocultamento.
4. Conclusão Geral
Os resultados encontrados mostram que, embora Marx seja um autor importante
para Tragtenberg e Gurgel, em suas discussões acerca da ideologia, as discussões
estabelecidas pelos autores brasileiros não retomam completamente as posições do autor
alemão no tocante a esta categoria. Dentre os autores que exerceram influências mais
marcantes Althusser, certamente é o que tem mais peso, aparecendo de maneira direta
(Tragtenberg) ou indireta (Gurgel), que se desvelou pela identificação da ideologia com
aparelhos ideológicos, reprodução e imaginário. Foi possível encontrar por um lado a
influência não tão marcante de autores como Gramsci e o próprio Marx.
Vemos portanto que é evidente a ausência de um estudo mais sistemático das
ideias marxianas centrais sobre o problema da ideologia para que possa fomentar
investigações e formular novas questões no campo dos estudos organizacionais. Se falta
29
a essa categoria um estudo dedicado, e se essa categoria ocupa lugar de destaque, é
plenamente possível que outras categorias de igual importância tenham encontrado o
mesmo destino.
Nossa investigação cobriu dedicadamente apenas os livros centrais dos autores,
mas eles legaram e ainda legam outros escritos que precisam ser visitados futuramente na
continuidade desta pesquisa. Além disso não nos debruçamos sobre os estudos destes autores
acerca de outros temas que incorporam a ideologia transcendem a teoria da administração. É
possível que estes estudos por eles feitos indiquem inclinações outras no seu tratamento acerca
da categoria da ideologia. Da mesma forma é preciso que se ofereça uma leitura autenticamente
marxiana do problema para que se possa oferecer encaminhamentos possíveis para a lida do
tema da ideologia.
É possível dizer que o estudo aqui empreendido foi exitoso em extrair os nexos
centrais da apreensão da ideologia conforme se objetivou após os ajustes no problema
inicial. O rigor exercido contribuiu para a obtenção dos resultados expostos, sendo feito
o exaustivo exame sobre as obras inquiridas. Pesquisas futuras serão imprescindíveis para
o avanço da compreensão deste tema.
5. Referências Bibliográficas
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