Relatorio Mundial Violência Contra Criança

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O Estudo é a primeira pesquisa abrangente eglobal sobre todas as formas de violência contraa criança e ele se baseia no modelo do estudosobre o impacto de conflitos armados emcrianças desenvolvido por Graça Machel e apresentadoà Assembléia Geral em 1996. Ele tambémrepresenta uma seqüência do RelatórioMundial sobre Violência e Saúde da OrganizaçãoMundial da Saúde de 2002.1

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1UM FIM VIOLNCIA CONTRA A CRIANAIntroduo Fazendo uma verdadeira diferena Prevenir a Chave Um problema global Cenrios onde ocorre a violncia Dimenses ocultas da violncia contra a criana Alcance e Escala do Problema Fatores de Risco e de Proteo O impacto devastador da violncia Princpios e recomendaes Recomendaes gerais Implementao e acompanhamento mbito nacional e regional mbito internacional Referncias 3 3 6 7 7 10 11 13 15 18 18 26 26 27 281

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"As crianas devem poder, enfim, brincar em campos abertos sem serem torturadas pela fome, afligidas por doenas ou ameaadas pelo flagelo da ignorncia, do molestamento e do abuso e sem serem obrigadas a se envolver em atividades incompatveis com seus tenros anos." Nelson Mandela, Ganhador do Prmio Nobel da Paz

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INTRODUOO alcance e a escala de todas as formas de violncia contra a criana, bem como dos males que elas comprovadamente acarretam, s se tornaram visveis recentemente. Este livro documenta os resultados e recomendaes do processo do Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre Violncia contra a Criana. O Estudo a primeira pesquisa abrangente e global sobre todas as formas de violncia contra a criana e ele se baseia no modelo do estudo sobre o impacto de conflitos armados em crianas desenvolvido por Graa Machel e apresentado Assemblia Geral em 1996. Ele tambm representa uma seqncia do Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade da Organizao Mundial da Sade de 2002.1 O Estudo tambm o primeiro documento das Naes Unidas (ONU) que envolveu crianas diretamente ao longo de todo o processo de sua elaborao que enfatiza e desenvolve reflexes sobre sua condio de titulares de direitos e sobre seu direito de expressar suas opinies em relao a tudo que as afeta e de terem essas opinies levadas na devida considerao. A mensagem central deste Estudo que nenhum tipo de violncia contra a criana justificvel e toda violncia contra a criana prevenvel. O Estudo revela que, a despeito da obrigao dos Estados na garantia da proteo dos direitos humanos e do desenvolvimento das crianas, algumas formas de violncia contra a criana ainda so consideradas legais em todas as regies do mundo, alm de serem autorizadas pelo Estado e socialmente aceitas. O estudo pretende promover uma transforma-

o global que mine definitivamente quaisquer justificativas para atos de violncia contra a crianas praticados com base em "tradies" ou camuflados em medidas "disciplinares". A violncia contra a criana deve ser contestada sem qualquer concesso. A singularidade das crianas - em termos de potencial humano, fragilidade e vulnerabilidade - e o fato de dependerem de adultos para crescer e se desenvolver justificam mais, e no menos, investimentos em medidas de preveno e proteo contra a violncia. Nas ltimas dcadas, algumas formas extremas de violncia contra a criana, como a explorao e o trfico sexual, a mutilao genital feminina, as piores formas de explorao do trabalho infantil e o impacto de conflitos armados, geraram um clamor internacional e uma condenao consensual dessas prticas, mas no nenhuma soluo rpida foi implementada para a questo. Alm dessas formas extremas de violncia, muitas crianas so rotineiramente expostas violncia fsica, sexual e psicolgica dentro de seus lares e escolas, em instituies assistenciais e correcionais, em ambientes de trabalho e dentro da comunidade. Tudo isso gera conseqncias devastadoras para a sade e o bem-estar dessas crianas tanto no presente como no futuro.

FAZENDO UMA VERDADEIRA DIFERENAAlguns eventos importantes e interligados sugerem que o processo e os resultados do Estudo esto sendo divulgados em um momento ideal para fazermos uma verdadeira diferena nas condies de vida das crianas.

"As crianas no so mini-seres humanos com mini-direitos humanos; no entanto, enquanto os adultos as considerarem como tal, a violncia contra a criana persistir." Maud de Boer-Buquicchio, Secretria-Geral Adjunta do Conselho da Europa

MANDATO E ABRANGNCIA DO ESTUDOEm 2001, em resposta a uma recomendao emitida pelo Comit sobre os Direitos da Criana, a Assemblia Geral, em sua resoluo 56/138, solicitou ao Secretrio-Geral que coordenasse um estudo profundo sobre a questo da violncia contra a criana e que emitisse recomendaes para aes adequadas a serem submetidas apreciao dos Estados-membros. Em Fevereiro de 2003, fui designado pelo Secretrio-Geral das Naes Unidas para liderar este estudo. O Estudo segue a definio de criana prevista no Artigo 1 da Conveno sobre os Direitos da Criana (CDC), a saber, "qualquer ser humano com menos de 18 anos de idade, exceto se, pela lei aplicvel no pas s crianas, a maioridade for conferida em idade inferior". A definio de violncia a prevista no Artigo 19 da CDC: "todas as formas de violncia fsica ou mental, dano ou sevcia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou explorao, incluindo a violncia sexual". Ele tambm usa o conceito adotado no Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade (2002), a saber, o "uso intencional de violncia ou fora fsica contra crianas por parte de um indivduo ou grupo que resulte ou possa resultar em um dano real ou potencial sua sade, sobrevivncia, desenvolvimento ou dignidade".2 Na condio de Especialista Independente, encaminhei um relatrio Assemblia Geral da ONU e este livro pretende complement-lo. Materiais "amigos da criana" foram tambm confeccionados. Este livro considera cinco ambientes nos quais ocorrem atos de violncia contra a criana: a famlia, as escolas, instituies alternativas de sade e casas de deteno, locais onde crianas trabalham e suas comunidades. No entanto, ele no aborda a questo das crianas envolvidas em conflitos armados, uma vez que esse tema da competncia do Representante Especial do Secretrio-Geral para Crianas e Conflitos Armados. Ainda assim, o livro leva em considerao alguns temas relacionados, como a violncia contra a crianas refugiadas e outras crianas deslocadas. O Estudo e sua secretaria em Genebra foram apoiados por trs rgos das Naes Unidas: o Escritrio do Alto Comissariado das Naes Unidas para os Direitos Humanos (EACDH), o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF) e a Organizao Mundial da Sade (OMS), alm de ter contado com o apoio de um Conselho Editorial multidisciplinar de especialistas.

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"Precisamos enxugar suas lgrimas e transformar seus rostos tristes em rostos alegres. Precisamos manter acesa nelas a chama da esperana e de um futuro melhor." Primeira-Dama do Paquisto, Begum Sehba Pervez Musharraf, 2005 I

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Em primeiro lugar, o reconhecimento da obrigao de eliminar a violncia contra a criana como um direito humano intensificou-se com a adoo e ratificao quase universal da Conveno sobre os Direitos da Criana (CDC). Este documento enfatiza a condio das crianas como titulares de direitos. No entanto, como o estudo revela, embora a CDC seja amplamente aceita, h crianas na maioria dos Estados cuja dignidade humana e integridade fsica ainda no so plenamente respeitadas e que ainda esperam por investimentos adequados em medidas para prevenir todas as formas de violncia contra elas. Em segundo lugar, as prprias crianas esto se manifestando sobre a questo e comeando a ser ouvidas e levadas a srio. Nas nove Consultas Regionais realizadas no mbito do Estudo, crianas relataram a violncia diria que sofrem em seus lares, dentro da famlia e tambm na escola, em outras instituies, em sistemas correcionais, em locais de trabalho e em suas comunidades. A violncia contra a criana est presente em todos os Estados e ultrapassa fronteiras culturais, de classe, de educao, de renda, de origem tnica e de idade. No decorrer da pesquisa, crianas expressaram repetidamente a necessidade urgente de se pr fim a essa violncia. Elas relataram sua dor - no apenas sua dor fsica, mas a "dor interna" provocada por esses abusos, que agravada pela aceitao, e at aprovao, de adultos. Os governos precisam entender que a situao , efetivamente, emergencial. Sem serem vistas ou

ouvidas, crianas vm sofrendo h sculos nas mos de adultos. No entanto, como a intensidade e o impacto da violncia contra a criana esto se tornando visveis, no podemos mais deix-las esperando pela proteo efetiva qual elas tm um direito ainda no efetivado. Em terceiro lugar, o crescente reconhecimento do impacto da violncia sobre a sade mental e fsica e o bem-estar das crianas tem gerado um novo olhar sobre a preveno, que passou a ser tratada com um senso maior de urgncia. At a dcada de 1960, no havia um reconhecimento adequado, nem mesmo entre profissionais, do grande nmero de bitos, estupros e danos causados a crianas por seus pais e cuidadores ou por pessoas em funes de confiana. A violncia contra a criana em escolas e em outros ambientes tambm no havia sido adequadamente considerada at dcadas mais recentes. A ampliao de pesquisas nas reas das cincias neurobiolgicas, comportamentais e sociais gerou uma compreenso muito mais profunda do impacto de experincias na infncia no desenvolvimento do crebro e da importncia das primeiras relaes para o desenvolvimento sadio do crebro.3 Esta pesquisa revela claramente a importncia de laos positivos ou de relaes afetivas entre crianas e seus pais e mostra que, sem relaes de proteo, a exposio de uma criana a situaes de estresse provocadas por atos de violncia pode prejudicar o desenvolvimento de seu sistemas nervoso e imunolgico, deixando-a mais suscetvel a problemas fsicos e mentais. Portanto, a oportunidade oferecida pelo estudo de prevenirmos a violncia contra a

"Observa-se uma enorme lacuna entre o que sabemos sobre a violncia contra a criana e o que sabemos que deve ser feito. Sabemos que a violncia contra a criana frequentemente provoca leses fsicas e mentais permanentes. Sabemos, tambm, que a violncia prejudica o potencial das crianas de contribuir com a sociedade, por afetar sua capacidade de aprender e seu desenvolvimento social e emocional. Considerando a importncia da criana para o nosso futuro, no podemos mais aceitar a conivncia com a violncia - a "preveno" da violncia contra a criana deve ser uma das nossas prioridades mais altas." James A. Mercy, Conselho Editorial do Estudo do Secretrio-Geral da ONU sobre Violncia contra a Criana

crianas promete abordar uma ampla gama de problemas de longo prazo que impem um enorme nus econmico e social a todas as naes. Em quarto lugar, observa-se um reconhecimento crescente de que a preveno da violncia contra a criana exige cooperao e colaborao entre diversos parceiros. Na verdade, a preveno e a eliminao da violncia contra a criana uma tarefa que deve ser assumida por todos. O estudo contou com a colaborao de organismos das Naes Unidas envolvidos com questes de direitos humanos, de proteo da criana e de sade pblica, bem como com insumos de diversos setores. Diferentes profisses no podem mais abordar o problema isoladamente. Os sistemas de sade pblica, de justia criminal, de servios sociais e de educao e as organizaes de direitos humanos, os meios de comunicao de massa e empresas tm um interesse comum em eliminar a violncia contra a criana e podem identificar formas mais eficientes e eficazes de alcanar essa meta trabalhando juntos.

lidade de capacidades e conhecimentos para prevenir essa violncia e reduzir suas conseqncias. A base cientfica para o desenvolvimento de estratgias eficazes de preveno da violncia e de intervenes teraputicas est crescendo e a existncia de estratgias cientificamente comprovadas revela que, com um nvel adequado de compromisso e investimentos suficientes, abordagens criativas de preveno podem fazer uma grande diferena. Alm disso, proteger crianas de tenra idade de abusos pode contribuir muito para reduzir todas as formas de violncia na sociedade e suas conseqncias sociais e sobre a sade no longo prazo. A sociedade como um todo, independentemente de seu histrico social, econmico e/ou cultural, pode e precisa acabar com a violncia contra a criana imediatamente. Para esse fim, necessrio promover uma transformao na "mentalidade" das sociedades e em suas condies econmicas e sociais subjacentes associadas violncia. Como bem observa o relatrio do Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre Violncia contra a criana: "A mensagem principal do Estudo que nenhuma violncia contra a criana justificvel e que toda violncia contra ela pode ser evitada. No podemos mais aceitar desculpas para atos dessa natureza. Os Estados-partes devem agir agora, com o devido senso de urgncia, no sentido de cumprir suas obrigaes de Direitos Humanos e outros compromissos de garantir proteo contra todas as formas de violncia. Embora as obrigaes legais sejam de competncia dos Estados, todos os setores da sociedade e todos os indivduos tm a responsabilidade comum de condenar e prevenir a vio-

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PREVENIR A CHAVEEm que pese a imagem mais clara da escala da violncia praticada contra a criana, temos uma grande oportunidade de avanar no sentido de elimin-la. A violncia no uma conseqncia inevitvel da condio humana. Os governos esto cada vez mais reconhecendo e cumprindo suas obrigaes de direitos humanos em relao s crianas, alm de registrar a prevalncia e o impacto da violncia contra elas no longo prazo. O Estudo confirmou a disponibi-

"A violncia contra a criana constitui uma violao dos seus direitos humanos e representa uma realidade perturbadora das nossas sociedades. Ela nunca pode ser justificada, seja por razes disciplinares ou por tradies culturais. No h nveis "razoveis" de violncia que possam ser aceitos. A violncia legalizada contra a criana em um determinado contexto pode gerar uma tolerncia geral em relao violncia contra a criana." Louise Arbour, Alta Comissria das Naes Unidas para os Direitos Humanos

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lncia contra a criana e de assistir suas vtimas. Nenhum de ns poder olhar crianas nos olhos se continuarmos a aprovar ou perdoar qualquer forma de violncia contra elas".4

surras com chicote ou vara a crianas e, em muitos outros, sanes violentas so permitidas em instituies assistenciais e correcionais.9

UM PROBLEMA GLOBALRelatos de infanticdio, castigos cruis e humilhantes, descaso e abandono, abuso sexual e outras formas de violncia contra a criana datam de antigas civilizaes.5, 6 Recentemente, documentos sobre a magnitude e o impacto da violncia contra a criana mostram claramente que ela representa um problema global srio e de grandes propores.7, 8 Ela ocorre em todos os pases do mundo, sob diversas formas e em diferentes situaes e est frequentemente enraizada em prticas culturais, econmicas e sociais. Muitas crianas em todas as sociedades sofrem violncia em grandes propores dentro de seus prprios lares. Apenas 16 Estados probem qualquer forma de castigo corporal contra crianas em qualquer situao, deixando a vasta maioria da populao infantil mundial sem uma proteo legal equivalente contra surras e humilhaes deliberadas no seio do lar. Alm disso, crianas sofrem atos de violncia cometidos por pessoas que deveriam cuidar delas nas escolas, nos sistemas assistenciais e correcionais e em locais onde trabalham legal ou ilegalmente. Em mais de cem pases, crianas sofrem com a realidade da ameaa de serem surradas ou so efetivamente surradas com a autorizao e sano do Estado. Em pelo menos 30 Estados, o sistema de justia continua impondo sentenas na forma de

CENRIOS NOS QUAIS OCORREM ATOS DE VIOLNCIAO Estudo usou uma estrutura analtica baseada nos ambientes e contextos nos quais crianas passam sua infncia - o lar e a famlia, escolas, instituies de proteo e justia juvenil, locais de trabalho e a comunidade. O Captulo 2 explora a estrutura e instrumentos internacionais disponveis para se combater a violncia contra a criana. Os Captulos 3 a 7 enfocam formas que a violncia assume em cada um desses contextos. Cada captulo fornece um histrico e um contexto de situaes de violncia contra a criana, fatores que contribuem para a sua ocorrncia, riscos, sua prevalncia aps ser identificada e seus impactos para crianas e outros, bem como medidas necessrias para se prevenir e combater a violncia quando ela ocorre. Descrever a experincia de atos de violncia praticados contra uma criana est longe de ser uma tarefa objetiva. Algumas formas de violncia contra a criana so comuns em todos os cenrios. Castigos corporais e outras formas cruis e degradantes de punio so usados por pais e outros membros da famlia no lar, por cuidadores em instituies e por professores nas escolas e tambm so aplicados a crianas em conflito com a lei. Em locais onde crianas abaixo da idade mnima permitida por lei trabalham, seus empregadores normalmente aplicam-lhes, impunemente, castigos corporais quando consideram que seu

"Ao longo da histria, algumas crianas foram amadas e cuidadas enquanto outras sofreram violncia. Este relatrio reflete essa realidade global. Espero que ele ajude a promover aes para identificar e eliminar todas as formas de violncia contra a criana como um caminho essencial para o desenvolvimento humano e a paz." Savitri Goonesekere, Conselho Editorial do Estudo do Secretrio-Geral da ONU sobre Violncia contra a Criana

O PROCESSO DO ESTUDOO Estudo foi desenvolvido por meio de um processo participativo que incluiu Consultas Regionais, Sub-regionais e Nacionais, reunies temticas com especialistas e visitas de campo. Em maro de 2004, um questionrio detalhado foi enviado aos governos solicitando que indicassem que abordagens estavam adotando em relao violncia contra a criana. Ao todo, 136 respostas haviam sido recebidas at o momento da publicao deste livro.10 Entre maro e julho de 2005, nove Consultas Regionais foram realizadas no Caribe, no Sul da sia, na frica Central e Ocidental, na Amrica Latina, na Amrica do Norte, no Extremo Oriente e na regio do Pacfico, no Oriente Mdio, na frica Setentrional, na Europa, na sia Central e na frica Oriental e Meridional. Cada Consulta reuniu, em mdia, 350 participantes, entre os quais ministros e autoridades pblicas, parlamentares, representantes de organizaes regionais e de outros organismos intergovernamentais, de rgos das Naes Unidas, de Organizaes No-Governamentais (ONGs) e de instituies nacionais de direitos humanos (NHRI), outros representantes da sociedade civil, inclusive dos meios de comunicao de massa e de organizaes religiosas, e crianas. Crianas participaram de todas as Consultas Regionais, que foram precedidas por reunies nas quais elas desenvolveram insumos e recomendaes para o Estudo. Foram produzidos tambm relatrios finais com os resultados de cada Consulta Regional. Diversas reunies sub-regionais e nacionais tambm foram realizadas. Os Governos que sediaram essas reunies tinham grande interesse em promover o Estudo. Organizaes regionais, entre as quais a Unio Africana, a Liga rabe, a Comunidade Caribenha (CARICOM), o Conselho da Europa, a Unio Europia, a Comisso Inter-Americana de Direitos Humanos da Organizao dos Estados Americanos e a Associao Sul-Asitica de Cooperao Regional, desempenharam papis importantes na organizao dessas consultas. Organizaes nacionais e regionais se comprometeram a acompanhar ativamente os preparativos para o Estudo. Visitas de campo foram realizadas na Argentina, Canad, China, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, ndia, Israel, nos Territrios Palestinos Ocupados, Mali, Paquisto, Paraguai, Eslovnia, frica do Sul, Tailndia e Trinidad e Tobago, graas hospitalidade de seus governos. Foram feitas tambm consultas regulares junto a membros do Comit sobre os Direitos da Criana e mandatrios para procedimentos especiais da ex-Comisso de Direitos Humanos.

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"O processo participativo adotado no Estudo fez com que todos os envolvidos vestissem a camisa do projeto, desenvolvessem uma profunda reflexo e tivessem a coragem de confessar o que vinham negando por muito tempo. Ele nos oferece uma oportunidade histrica para erradicarmos todas as formas de violncia contra a criana que no deve ser desperdiada." Embaixador Moushira Khattab, Secretrio-Geral do Conselho Nacional pela Infncia e a Maternidade - Egito, Vice-Presidente do Comit da ONU sobre os Direitos da Criana

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As observaes conclusivas dos relatrios dos Estados-membros para o Comit foram analisadas, bem como os relatrios de mandatrios para procedimentos especiais. Muitas organizaes contriburam para o Estudo, entre as quais a Organizao Internacional do Trabalho (OIT), o Alto Comissariado das Naes Unidas para Refugiados (ACNUR), a Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO), o Escritrio das Naes Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e a Diviso para o Progresso das Mulheres do Departamento de Assuntos Econmicos e Sociais das Naes Unidas. Um grupo inter-agncias das Naes Unidas sobre a Violncia contra a criana se reuniu para elaborar estratgias de acompanhamento do Estudo. Este relatrio baseou-se tambm em muitas contribuies oferecidas para o Estudo nos ltimos trs anos por diferentes partes interessadas, entre as quais crianas. Aproximadamente 300 indivduos, ONGs e outras organizaes de diversas partes do mundo responderam ao chamado para a apresentao de insumos. As Contribuies incluram insumos de crianas e importantes relatrios de pesquisas especificamente encomendados para o Estudo.11 Um Painel Consultivo de ONGs foi criado no incio do processo do Estudo que incluiu crianas e jovens e representantes de todas as regies. O Subgrupo de Crianas e Violncia institudo dentro no grupo de ONGs para a Conveno dos Direitos da Criana (CDC) tambm contribuiu com esta iniciativa. Alm de elaborar inmeros estudos, a Aliana Internacional Save the Children forneceu contribuies valiosas prestando assessoria e facilitando o envolvimento de crianas particularmente nas Consultas Regionais, juntamente com a UNICEF e outros parceiros. A Rede Global de Informao dos Direitos das Crianas (CRIN) documentou o progresso do Estudo, inclusive das reunies realizadas com crianas, e disponibilizou essa documentao em seu site. O Centro de Pesquisa Innocenti do UNICEF prestou um apoio especial, juntamente com outros centros e redes de pesquisas que forneceram informaes e participaram das Consultas. Foram realizadas reunies temticas sobre violncia de gnero, violncia nas escolas, no lar e na famlia, violncia contra a criana portadora de deficincia, sistemas de justia juvenil e violncia contra a criana em conflito com a lei, o papel das organizaes religiosas, tecnologias da informao e comunicao, violncia contra a crianas refugiadas e outras crianas deslocadas e metodologias de mensurao da violncia.

"A violncia contra a criana constitui uma grave violao dos direitos humanos que precisa ser interrompida IMEDIATAMENTE! Devemos continuar a trabalhar juntos para livrar nosso mundo de qualquer forma de violncia contra a criana." Charlotte Petri Gornitzka, Secretria-Geral, Save the Children, Sucia

desempenho no satisfatrio. Na comunidade, crianas rotuladas como sem residncia fixa ou anti-sociais podem ser atacadas ou at mesmo torturadas impunemente pelas autoridades, inclusive pela polcia. Crianas foradas a se prostituir frequentemente relatam tratamentos violentos que recebem de clientes como se fosse algo que merecessem.12 O abuso sexual, a violncia fsica e psicolgica e o assdio sexual so formas de violncia que tambm ocorrem em todos os ambientes. Na maioria das sociedades, o abuso sexual de meninas e meninos ocorre mais frequentemente dentro do lar ou cometido por algum conhecido da famlia. No entanto, a violncia sexual tambm ocorre nas escolas ou em outros ambientes educacionais e pode ser praticada por colegas ou pelos prprios professores. Ela ocorre intensamente em locais de trabalho fechados, como, por exemplo, em servios domsticos em residncias privadas. Ocorre tambm em instituies e comunidades, onde cometida por pessoas conhecidas por suas vtimas ou no. Meninas sofrem muito mais abuso sexual do que meninos e sua maior vulnerabilidade violncia deve-se, em grande parte, fruto das disparidades nas relaes de poder entre os gneros dentro da sociedade. Por outro lado, os meninos so mais vulnerveis a homicdios e, particularmente, violncia envolvendo armas. A exposio violncia em um determinado contexto pode refletir-se ou somar-se violncia sofrida em um outro ambiente e o Estudo enfatiza vulnerabilidades especficas que devem ser abordadas ambiente por ambiente.

DIMENSES OCULTAS DA VIOLNCIA CONTRA A CRIANASomente uma pequena parcela dos atos de violncia praticados contra crianas denunciada e investigada e poucos dos responsveis por esses atos so punidos por eles. Em muitas partes do mundo, no h sistemas para registrar ou investigar denncias de violncia contra a criana detalhadamente. Onde existem estatsticas oficiais baseadas em relatrios de casos de violncia dentro do lar e em outros ambientes, a verdadeira dimenso do problema muito subestimada. O problema no vem sendo denunciado por vrias razes. Crianas de tenra idade que sofrem violncia dentro de seus lares no tm condies de denunciar esse fato. Muitas no denunciam incidentes de violncia contra elas por medo de represlias ou por temerem intervenes das autoridades que possam piorar sua situao geral. Em muitos casos, os pais, que deveriam proteger seus filhos, omitem-se quando a violncia praticada por seus cnjuges ou outros membros da famlia ou por um membro mais poderoso da sociedade, como, por exemplo, um empregador, um policial ou um lder comunitrio. O medo est estreitamente relacionado ao estigma frequentemente associado denncia de atos de violncia. Em sociedades nas quais noes patriarcais de "honra" familiar so mais valorizadas e sobrepem-se aos direito humanos e ao bem-estar das meninas, um incidente de estupro ou violncia sexual pode levar ao ostracismo da vtima, a mais violncia contra ela e at sua morte nas mos de sua famlia.

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"Como podemos esperar que as crianas levem os direitos humanos a srio e ajudem a construir uma cultura de direitos humanos se ns, como adultos, alm de continuar a espanc-las e surr-las, defendemos essas aes alegando que as praticamos 'para o seu prprio bem'? Alm de ser uma lio de mau comportamento, bater em crianas uma poderosa demonstrao de desprezo pelos direitos humanos de pessoas menores de idade e mais fracas." Thomas Hammarberg, Comissrio do Conselho da Europa pelos Direitos Humanos, 2006 II

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Muitos governos no tm sistemas de registro civil bem estruturados, impossibilitando a identidade formal de crianas e expondo bebs e crianas pequenas a situaes de risco. Muitos outros tambm no tm sistemas para realizar investigaes rigorosas de bitos infantis e registr-los. Embora milhares de meninas casem-se antes de completarem 18 anos, a falta de certides de casamento tambm dificulta o rastreamento do problema.13 Poucos Estados registram e relatam a institucionalizao de crianas em instituies assistenciais alternativas ou casas de internao e menos ainda coletam informaes sobre violncia contra a crianas nesses locais. A aceitao social de alguns tipos de violncia contra a criana um fator que influencia muita a sua incidncia em quase todos os Estados. Crianas, seus agressores e a sociedade como um todo podem aceitar a violncia fsica, psicolgica e sexual na infncia como um fenmeno inevitvel. As legislaes da maioria dos Estados ainda aceitam castigos corporais "razoveis" ou "lcitos" e refletem a aprovao da violncia por parte da sociedade quando ela descrita como uma medida "disciplinar" ou supostamente usada para esse fim (veja a Figura 1.1). O castigo corporal e outras formas cruis e degradantes de punio, bullying e assdio sexual, bem como inmeras prticas tradicionais violentas podem ser percebidas como normais, principalmente quando no produzem leses fsicas duradouras visveis. Nenhum pas pode medir o progresso alcanado na eliminao da violncia contra a criana sem dados confiveis. Para estimar precisamente a magnitude e natureza da violncia no fatal con-

tra crianas, so necessrias pesquisas para identificar atos violentos cometidos por pais e outros adultos, experincias de violncia na infncia e o estado de sade atual das crianas, bem como comportamentos de risco para a sade de crianas e adultos. A violncia fatal s pode ser precisamente mensurada com base em registros meticulosos de bitos, investigaes adequadas e sistemas de denncia bem estruturados.

ALCANCE E ESCALA DO PROBLEMADiversas iniciativas, que variam de estudos comparativos internacionais a pequenas entrevistas realizadas localmente com crianas, esto gerando uma imagem mais clara da magnitude e prevalncia generalizada do problema da violncia contra a criana em todas as regies. Informaes levantadas por essas iniciativas indicam que embora alguns atos de violncia sejam praticados por estranhos, a grande maioria deles praticada por alguma pessoa que faz parte de algum ambiente imediato da vtima: pais e parentes, namorados e namoradas, cnjuges e parceiros, professores, colegas de escola e empregadores. Os exemplos apresentados abaixo do uma idia do alcance e da escala da violncia contra a criana identificados no Estudo: A Organizao Mundial da Sade (OMS) estima que quase 53.000 dos bitos infantis registrados em 2002 foram homicdios.14 (Veja o Anexo, que apresenta taxas de homicdio regional por idade, renda e sexo) No Exame Global de Sade do Aluno realizado nos pases em desenvolvimento, entre

"Odeio ser criana, odeio apanhar e odeio no ser valorizada. Tenho sentimentos e emoes. Preciso de amor, carinho, proteo e ateno." Menina de 13 anos, Sul da sia, 2005 III

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20% e 65% das crianas em idade escolar relataram que haviam sofrido algum tipo de abuso verbal ou fsico nos primeiros 30 dias na escola.15 ndices semelhantes de bullying foram registrados tambm em pases industrializados.16 Estimativas revelam que aproximadamente 150 milhes de meninas e 73 milhes de meninos abaixo de 18 anos tiveram relaes sexuais foradas ou sofreram outras formas de violncia sexual que envolveram contato fsico.17 O UNICEF estima que trs milhes de meninas e mulheres so submetidas a mutila-

o genital feminina todos os anos na frica Subsaariana, no Egito e no Sudo.18 A OIT estima que 218 milhes de crianas foram envolvidas em situaes de trabalho infantil em 2004, 126 milhes das quais em atividades perigosas.19 Estimativas de 2000 sugerem que 5,7 milhes se envolveram em trabalho forado ou escravo, 1,8 milhes se envolveram com a prostituio e a pornografia e 1,2 milho foram vtimas de trfico naquele ano.20 Apenas 2,4 % das crianas do mundo esto legalmente protegidas de punies corporais em todos os ambientes.21

1FATORES DE RISCO E DE PROTEOA Pesquisa Mundial sobre Violncia e Sade de 2002 adotou um "modelo ecolgico" para promover uma compreenso mais ampla da natureza multifacetada da violncia em seus diversos nveis. Como ferramenta analtica, o modelo reconhece que uma ampla gama de fatores aumenta o risco da violncia e a perpetua - ou, por outro lado, pode oferecer proteo contra ela. Como ilustrado na figura 1.2, o modelo ecolgico identifica o histrico pessoal e caractersticas de vtimas e agressores, suas famlias, seu contexto social imediato (que so geralmente chamados fatores comunitrios) e as caractersticas da sociedade maior. Contrariando explicaes simplistas, o modelo enfatiza que a probabilidade de a violncia ocorrer, voltar a ocorrer ou deixar de existir influenciada por diversos fatores e aes em diferentes nveis. Os diversos fatores relacionados aos diferentes nveis do modelo ecolgico tambm so afetados pelo contexto dos ambientes com os quais a criana interage - do ambiente familiar e do lar, da escola, de instituies e locais de trabalho, da comunidade e da sociedade maior. Por exemplo, o desenvolvimento econmico, a condio social, a idade e o gnero so fatores de risco associados violncia fatal. A OMS estima que a taxa de homicdios de crianas em 2002 foi duas vezes mais alta em pases de baixa renda do que em pases de alta renda (2,58 contra 1,21 para cada 100.000 habitantes). Como pode ser visto na figura 1.3, as taxas mais elevadas de homicdios de crianas so registradas entre adolescentes, particularmente meninos na faixa etria dos 15 aos 17 anos (3,28 para cada grupo de 100 meninas e 9,06 para cada grupo de 100 meninos) e entre crianas de 0 a 4 anos (1,99 para meninas e 2,09 para meninos).22 Entretanto, estudos sobre homicdios de crianas so urgentemente necessrios para aumentar a confiabilidade dessas estimativas e determinar o nvel de infanticdio feminino em diversas regies.13

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Os dados disponveis sugerem que crianas pequenas esto mais expostas ao risco de sofrerem violncia fsica, enquanto a violncia sexual afeta, predominantemente, as que chegam puberdade e adolescncia. Os meninos aparentemente correm um risco maior de sofrer violncia fsica do que as meninas, enquanto elas correm um risco maior de negligncia e violncia sexual.23 Padres culturais e sociais, fatores socioeconmicos, entre os quais a desigualdade e o desemprego, e papis de gnero estereotipados tambm tm desempenhado um papel importante nesse contexto. Alguns grupos e categorias de crianas so especialmente vulnerveis a diferentes formas de violncia. Por exemplo, altos nveis de vulnerabili-

dade prevalecem entre crianas portadoras de deficincia, crianas rfs (inclusive as milhares de crianas rfs em decorrncia da AIDS), crianas indgenas, crianas de minorias tnicas e outros grupos marginalizados, crianas que moram ou trabalham nas ruas, crianas mantidas em instituies assistenciais e correcionais, crianas que moram em comunidades caracterizadas por taxas elevadas de desigualdade, desemprego e pobreza e crianas refugiadas e deslocadas. O gnero tambm desempenha um papel-chave, pois o risco de sofrer diferentes tipos de violncia no igual para meninas e meninos. Questes globais tambm influenciam a questo da violncia contra a criana, como a desigual-

"O UBUNTU uma personificao de humanidade, empatia, respeito, dignidade e de muitos outros valores afins e s pode resultar de um investimento adequado desses mesmos valores nas prprias crianas. Vamos deixar um legado coerente com a garantia da existncia do UBUNTU no mundo falando e agindo contra o abuso de todas as crianas." Thoko Majokweni, Chefe da Unidade SOCA, Promotoria Nacional da frica do Sul

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dade crescente entre Estados e dentro deles, a migrao, a urbanizao e os conflitos armados. A superao desses desafios e a consecuo de objetivos internacionalmente acordados, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio, ajudaro a eliminar a violncia contra a criana. Alm disso, outros fatores podem prevenir a violncia ou reduzir a probabilidade de sua ocorrncia. Embora sejam necessrias mais pesquisas sobre esses fatores de proteo, bvio que o desenvolvimento de vnculos afetivos slidos entre pais e filhos e a promoo de relacionamentos com crianas que no envolvam violncia ou humilhao dentro de unidades familiares estveis podem ser fontes poderosas de proteo para as crianas. Fatores que podem ajudar a prevenir a violncia em diversos ambientes sero descritos nos captulos 3 a 7.

A exposio violncia na infncia pode tambm gerar inabilidades sociais que podem perdurar por toda a vida e tambm problemas emocionais e cognitivos, obesidade e comportamentos de risco em relao sade, como consumo de drogas, atividade sexual precoce e tabagismo.25, 26 Os problemas sociais e de sade provocados por esses comportamentos podem incluir tambm ansiedade e depresso, alucinaes, baixo desempenho no trabalho, problemas de memria e comportamentos agressivos. Na vida adulta, eles podem tambm provocar problemas pulmonares, cardacos e hepticos, doenas sexualmente transmissveis e bitos fetais, bem como violncia entre parceiros e tentativas de suicdio.27, 28 A exposio violncia na comunidade tambm provoca problemas comportamentais em relao sade e acarreta conseqncias sociais. Foram identificados vnculos entre a exposio violncia na comunidade e transtornos de estresse ps-traumtico, depresso, comportamentos anti-sociais, consumo de drogas, baixo desempenho acadmico, relaes humanas problemticas e processos criminais. Embora poucas informaes estejam disponveis sobre os custos econmicos globais da violncia contra a criana, particularmente nos pases em desenvolvimento, suas diversas conseqncias de curto e longo prazo sugerem que esses custos so substanciais para a sociedade. Nos Estados Unidos, os custos financeiros associados ao abuso e abandono de crianas, que incluem rendas futuras perdidas e custos com tratamentos psiquitricos, foram estimados em US$ 94 bilhes em 2001.29

O IMPACTO DEVASTADOR DA VIOLNCIAEmbora as conseqncias da violncia contra a criana variem de acordo com sua natureza e severidade, seus efeitos podem ser devastadores no curto e longo prazo (veja a Tabela 1.1). A exposio violncia nos primeiros anos de vida extremamente prejudicial, pois pode comprometer o desenvolvimento cerebral. Quando uma criana sofre ou testemunha atos de violncia por longos perodos, seu sistema nervoso e imunolgico afetado e ela desenvolve inaptides sociais, emocionais e cognitivas e comportamentos que provocam doenas, leses e problemas sociais.24

"As Naes no podem prosperar se suas crianas no forem curadas. A violncia na infncia provoca ferimentos na alma que, quando no curados, levam suas vtimas a agredir outras pessoas e a elas prprias. Nenhuma criana deve ser vtima da violncia. Toda criana tem o direito de ser protegida dela e de ter prioridade no uso dos recursos da sua nao. A hora de fazer com que seus direitos sejam respeitados agora." Senadora Landon Pearson, Diretora do Centro de Recursos Landon Pearson para o Estudo da Infncia e dos Direitos da Criana. Universidade de Carleton, Canad

TABELA 1.1 - Conseqncias agudas e de longo prazo da violncia contra a crianaConseqncias para a sade fsica Leses abdominais e torcicas Leses cerebrais Contuses e marcas Marcas de queimadura Leses no Sistema Nervoso Central Fraturas Laceraes e abrases16

Leses nos olhos Deficincias Conseqncias sexuais e reprodutivas Problemas de sade reprodutiva Disfuno sexual Doenas sexualmente transmissveis, inclusive HIV/AIDS Gravidez indesejada Conseqncias psicolgicas Consumo de lcool e drogas Problemas cognitivos Comportamentos criminosos, violentos e de alto risco Depresso e ansiedade Atrasos de desenvolvimento Perda de apetite e problemas de sono Sentimentos de vergonha e culpa

1TABELA 1.1 - Conseqncias agudas e de longo prazo da violncia contra a crianaHiperatividade Relacionamentos pessoais inadequados Baixo desempenho escolar Baixa auto-estima Transtorno de estresse ps-traumtico Transtornos psicossomticos Comportamentos suicidas e autodestrutivos Outras conseqncias de longo prazo para a sade Cncer Doena crnica pulmonar Problemas intestinais Doenas cardacas Doenas hepticas Problemas de sade reprodutiva, como infertilidade Conseqncias financeiras Custos imediatos: Custos indiretos: Custos arcados pelo sistema de justia criminal e outras instituies: tratamento, consultas hospitalares e mdicas e outros servios de sade. perda de produtividade, deficincia, baixa qualidade de vida e morte prematura. gastos com a deteno e processos judiciais contra agressores. Custos para organizaes de assistncia social, custos associados a lares adotivos, aos sistemas educacionais e custos para empregadores provocados por uma taxa mais alta de ausncia e pela baixa produtividade.17

Fonte: Runyan D et al. (2002). Abuso e Negligncia de Crianas por Pais e outros Cuidadores. IN: Krug EG et al. (Eds). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade, pp. 59-86.

"Este estudo faz uma avaliao abrangente dos impactos da violncia para a criana. Fica claro que proteg-las uma responsabilidade de todos." Ann M. Veneman, Diretora Executiva, UNICEF

PRINCPIOS E RECOMENDAESOs esforos para prevenir e combater a violncia contra a criana devem envolver mltiplas abordagens e estar afinados com a forma de violncia cometida, o ambiente e o agressor ou agressores. Independentemente das medidas adotadas, os interesses da criana devem ter sempre a devida prioridade. O estudo elaborado para a Assemblia Geral das Naes Unidas identificou alguns aspectos principais que foram mencionados em suas consideraes: Nenhuma forma de violncia contra a criana justificvel. As crianas nunca devem receber menos proteo do que os adultos; Toda forma de violncia contra a criana prevenvel Os Estados devem investir em polticas baseadas em evidncias concretas e em programas focados nos fatores que geram violncia contra a criana; Os Estados so os principais responsveis por defender e garantir os direitos das crianas a proteo e seu acesso a servios e por apoiar suas famlias para que possam cuidar adequadamente delas em um ambiente seguro; Os Estados tm a obrigao de punir os responsveis por qualquer ato de violncia; A vulnerabilidade das crianas violncia pode tambm ser determinada por sua idade e capacidade de evoluir. Em decorrncia do seu gnero, raa, origem tnica, deficincia ou condio social, algumas crianas so particularmente vulnerveis;

As crianas tm o direito de expressar seus pontos de vista e de participar do planejamento e implementao de polticas e programas. O Estudo desenvolveu recomendaes gerais e especficas que foram includas no seu Relatrio apresentado Assemblia Geral. As recomendaes gerais indicam medidas que todos os Estados devem adotar para garantir uma preveno efetiva da violncia contra a criana. Elas foram suplementadas por recomendaes adicionais para ambientes especficos: o lar e a famlia, as escolas, sistemas assistenciais e de justia, locais onde crianas trabalham legal ou ilegalmente e a comunidade. Essas recomendaes podem ser encontradas nas concluses dos captulos 3 a 7. As recomendaes apresentadas aqui so dirigidas principalmente para os governos e dizem respeito s suas funes legislativas, administrativas, judiciais, de formulao de polticas, de prestao de servios e institucionais. Algumas recomendaes dizem mais respeito a outros parceiros e setores da sociedade, como organizaes da sociedade civil, que tm um papel crucial a desempenhar nesse contexto.

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RECOMENDAES GERAIS1. O senso de compromisso e medidas em nvel nacional e local devem ser fortalecidos Recomendo que todos os Estados desenvolvam uma estrutura sistemtica e multifacetada para combater a violncia con-

"Os compromissos devem ser traduzidos em metas concretas, programadas." Jaap Doek, Presidente do Comit das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana

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tra a criana integrada ao planejamento nacional. Uma estratgia, poltica ou plano de ao deve ser desenvolvido em nvel nacional para combater a violncia contra a criana com base em metas realistas e com prazos bem determinados, sob a responsabilidade de um rgo coordenador com a capacidade necessria para envolver diversos setores em uma estratgia abrangente de implementao. Leis, polticas, planos e programas nacionais devem estar plenamente afinados com a necessidade de se garantir respeito aos direitos humanos internacionais e com os conhecimentos cientficos disponveis. A implementao da estratgia, poltica ou plano nacional deve ser sistematicamente avaliada luz das metas e prazos definidos. Ela deve tambm ser apoiada por recursos humanos e financeiros adequados para garantir sua efetiva implementao. Uma estrutura integrada e sistemtica para combater a violncia contra a criana deve incluir medidas de preveno da violncia em todas as situaes, de assistncia a crianas vitimadas por ela e de reabilitao, sensibilizao e capacitao, alm de pesquisas e coletas de dados. 2. Toda violncia contra a criana deve ser proibida Recomendo veementemente que os Estados tomem as medidas necessrias para garantir que nenhuma pessoa abaixo de 18 anos fique sujeita pena de morte ou seja sentenciada a priso perptua. Recomendo que

os Estados suspendam imediatamente todas as penas de morte impostas a pessoas que cometeram um crime antes de completarem 18 anos e que tomem medidas legais adequadas para harmonizar essas penas com as normas internacionais dos direitos humanos. A pena de morte deve ser abolida para pessoas que cometeram um crime antes dos 18 anos como uma questo de altssima prioridade. Recomendo veementemente que os Estados probam todas as formas de violncia contra a criana em qualquer circunstncia, inclusive castigos corporais, prticas tradicionais prejudiciais, como casamentos precoces e forados, mutilao genital feminina e os chamados crimes de honra, violncia sexual, tortura e outros castigos e tratamentos cruis, desumanos ou degradantes, como previsto em tratados internacionais como a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes e a Conveno sobre os Direitos da Criana. Chamo a ateno para o Comentrio Geral no. 8 (2006) do Comit sobre os Direitos da Criana sobre o direito da criana de ser protegida contra castigos corporais e outras formas cruis e degradantes de punio (Artigos 19.28, pargrafo 2 e 37, inter alia) (CRC/C/GC/8). O primeiro propsito de uma clara proibio da violncia educacional - enviar uma mensagem clara para todas as sociedades de que qualquer

forma de violncia contra a crianas inaceitvel e ilegal, visando reforar regras sociais positivas e no violentas. A impunidade de pessoas que cometem atos de violncia contra a crianas no deve ser aceita, mas deve-se tomar cuidado para que suas vtimas no sofram ainda mais com imposies insensveis da lei. Processos e intervenes formais, principalmente dentro das famlias, s devem ser aplicados quando necessrios para proteger uma criana de um grande perigo e quando satisfizerem seus melhores interesses. Devem ser aplicadas sanes judiciais fortes e exeqveis para coibir a violncia contra a criana.20

A preveno pode assumir diversas formas, inclusive as estabelecidas em outras recomendaes gerais: o desenvolvimento de uma estrutura poltica e jurdica que proba qualquer forma de violncia; a contestao de regras sociais que toleram a violncia e a capacitao de pessoas que trabalham com crianas e famlias visando promover ambientes de no violncia.

4. Valores no violentos e medidas de conscientizao devem ser promovidos Recomendo que os Estados e a sociedade civil se esforcem para transformar atitudes que levam pessoas a fazer vista grossa violncia contra a criana ou que a banalizem, como atitudes discriminatrias, funes estereotipadas de gnero, aceitao de castigos corporais e outras prticas tradicionais prejudiciais. Os Estados devem tomar as medidas necessrias para que os direitos da criana sejam adequadamente divulgados e compreendidos, inclusive pelas crianas. Campanhas de informao pblica devem ser usadas para conscientizar o pblico sobre os efeitos prejudiciais da violncia para crianas. Os Estados devem estimular os meios de comunicao de massa a promover valores no violentos e implementar diretrizes para garantir pleno respeito pelos direitos da criana em todas as notcias e matrias que divulgam. Ambientes positivos e no violentos devem ser criados para as crianas - com a sua participao - nos lares, nas escolas, em outras instituies e nas comunidades por meio de medidas como

3. A preveno deve ser priorizada Recomendo que os Estados priorizem a preveno da violncia contra a criana atacando suas causas subjacentes. Alm de alocar recursos para intervenes aps a ocorrncia de atos de violncia, essencial que os Estados aloquem recursos adequados para eliminar fatores de risco e prevenir a violncia antes que ela ocorra. Suas polticas e programas devem considerar fatores imediatos de risco, como a falta de laos afetivos entre pais e filhos, a desestruturao familiar, o consumo de lcool ou drogas e o acesso a armas de um modo geral. Em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio, os esforos devem concentrar-se no desenvolvimento de polticas econmicas e sociais que abordem a pobreza, a questo de gnero e outras formas de desigualdade, diferenas de renda, desemprego, superpopulao urbana e outros fatores que minam a sociedade.

"Quer a violncia contra a criana ocorra na famlia, na escola, na comunidade, em alguma instituio ou em locais de trabalho, os agentes de sade representam a linha de frente das aes para combat-la. Devemos oferecer a nossa contribuio para impedir que essa violncia ocorra em primeiro lugar e, se ela ocorrer, para que as crianas possam ter sua disposio os melhores servios possveis para reduzir seus efeitos negativos." Anders Nordstrm, Diretor-Geral em Exerccio, OMS

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aes educacionais desenvolvidas para pais e para o pblico em geral, campanhas de advocacy e aes de capacitao. Atitudes sociais e culturais que desrespeitam os direitos humanos devem ser abordadas com sensibilidade, em funo do apego das pessoas s suas tradies. 5. As capacitades de todas as pessoas que trabalham com e em prol das crianas devem ser desenvolvidas Recomendo que as capacidades de todas as pessoas que trabalham com e em prol de crianas sejam desenvolvidas, contribuindo, assim, para eliminar qualquer forma de violncia contra elas. importante oferecer um treinamento inicial e em servio a elas para transmitir conhecimentos e um senso de respeito pelos direitos da criana. Os Estados devem investir em programas sistemticos de educao e capacitao tanto para profissionais como para leigos que trabalham com ou em prol de crianas e famlias visando prevenir, detectar e combater a violncia contra a criana. Devem ser formulados e implementados cdigos de conduta e normas claras de procedimentos que incorporem a proibio e a rejeio de todas as formas de violncia. Embora muitos servios contribuam para prevenir a violncia contra a criana, todos eles devem considerar maneiras de maximizar seu potencial de preveno por meio de medidas como capacitaes especficas para todas as pessoas que trabalham com crianas. Para garantir a disponibilidade de equipes altamente funcionais e

servios de alta qualidade para as crianas, necessrio oferecer um apoio sistemtico e de longo prazo em todos os nveis por meio de cursos de treinamento prvio e em servio. 6. Servios de recuperao e reintegrao social devem ser disponibilizados Recomendo que os Estados disponibilizem servios sociais e de sade acessveis, sensveis s necessidades das crianas e universais, entre os quais servios pr-hospitalares e de emergncia e de assistncia jurdica a crianas e, se for o caso, s suas famlias, quando atos de violncia forem detectados ou revelados em seu meio. Os servios prestados pelos sistemas de sade, de assistncia social e de justia devem ser estruturados para satisfazer as necessidades especiais das crianas. A violncia contra a criana pode provocar srios problemas sociais e de sade que so onerosos tanto para indivduos como para a sociedade. Para minimizar essas conseqncias da violncia, diversos servios de tratamento e apoio sero necessrios. Servios de reabilitao e reintegrao tambm podem ajudar a diminuir o risco de que crianas vtimas de violncia mantenham seu ciclo. 7. A participao das crianas deve ser garantida Recomendo que os Estados se envolvam ativamente com crianas e respeitem seus pontos de vista em todos os aspectos de suas

"Medidas para pr fim violncia contra a criana devem ser integradas a planos de desenvolvimento nacional e a estruturas de assistncia ao desenvolvimento, em vez de ser tratadas como medidas secundrias." Ragne Birte Lund, Embaixador, Ministrio de Relaes Exteriores da Noruega

aes de preveno, combate e monitoramento da violncia contra elas, levando em considerao o disposto no Artigo 12 da Conveno sobre os Direitos da Criana. Organizaes de crianas e iniciativas lideradas por crianas contra a violncia, orientadas por seus melhores interesses, devem ser apoiadas e estimuladas. A CDC prev o direito das crianas de expressar livremente suas opinies em relao a todos os temas que as afetam e que essas opinies sejam devidamente consideradas. As opinies e expectativas das crianas devem ser levadas em considerao para melhorar medidas de preveno e outras intervenes concebidas para pr fim violncia contra elas. As crianas - atuando voluntariamente e com salvaguardas ticas adequadas - podem contribuir muito para descrever o problema da violncia que sofrem e melhorar o desenho de servios e outras intervenes nas quais elas possam confiar e usar. A obrigao de averiguar e considerar seriamente os pontos de vista das crianas deve ser integrada estrutura jurdica de proteo da criana e influir na capacitao de pessoas que trabalham com crianas e suas famlias. Crianas vtimas de violncia no devem ser vistas apenas como objeto de preocupao; elas devem tambm tratadas como indivduos com direitos e opinies prprias. As crianas sempre devem ser escutadas e levadas a srio. 8. Servios e sistemas de denncia acessveis e "amigos da criana" devem ser criados Recomendo que os Estados estabeleam mecanismos seguros, bem divulgados,

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confidenciais e acessveis para crianas, seus representantes e outras pessoas denunciarem atos de violncia contra a crianas. Todas as crianas, inclusive as institucionalizadas para fins assistenciais e correcionais, devem ser informadas a respeito da existncia desses mecanismos de denncia. Devem ser estabelecidos mecanismos como disque-denncias que permitam s crianas denunciar atos de violncia, conversar com um orientador devidamente capacitado e solicitar apoio e orientao. Alm disso, devem ser considerados outros mecanismos por meio dos quais atos de violncia possam ser denunciados usando novas tecnologias. Estudos retrospectivos nos quais jovens adultos foram solicitados a relatar suas experincias na infncia revelam que a maioria das crianas que sofreram violncia no contou a ningum e no procurou servios de proteo da criana na sua infncia, mesmo em Estados que dispem de servios altamente desenvolvidos. As razes para esse fato incluem no saber onde buscar ajuda, falta de servios, falta de confiana nos servios ou, em alguns casos, medo de retaliao do agressor. Em muitos pases, alguns grupos profissionais tm a obrigao legal de denunciar qualquer suspeita de violncia contra a crianas. Em alguns pases, o pblico em geral tem a mesma obrigao legal. O Estudo colheu diferentes opinies em relao a sistemas de denncia obrigatria. essencial que cada governo reavalie seus sistemas de denncia e envolva nes-

"Como pode a frica, um continente to rico em recursos, culturas e valores, no estar protegendo suas crianas, que representam seus maiores recursos presentes e futuros?" Jovem refugiado. frica Oriental Meridional, 2005 IV

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se processo crianas e jovens adultos que tiveram uma experincia recente com servios de proteo criana. Em todas as localidades e ambientes nas quais crianas estejam presentes, servios bem divulgados e facilmente acessveis devem estar disponveis para investigar denncias ou indcios de violncia contra elas. As crianas devem tambm ter acesso a servios por meio dos quais possam conversar confidencialmente sobre qualquer coisa que as esteja preocupando ou machucando. A disponibilizao de servios confidenciais para crianas - servios que garantem que suas informaes no sero relatadas a outras pessoas e que nenhuma medida ser tomada sem o consentimento da criana, a menos que ela esteja sob risco imediato de morte ou em srio perigo - um tema controvertido em muitos pases. Disponibilizar servios confidenciais s crianas, inclusive s mais vulnerveis violncia, representa um questionamento de conceitos ultrapassados com base nos quais alguns pais se consideram "donos" de seus filhos. No entanto, o que sabemos sobre a violncia no seio da famlia exige que as crianas tenham respeitado o direito de procurar aconselhamento e ajuda confidencialmente. 9. Medidas para punir agressores efetivamente e acabar com a impunidade devem ser tomadas Recomendo que os Estados estimulem a confiana da comunidade em seu sistema de justia processando todas as pessoas que cometerem atos de violncia contra a cri-

anas e aplicando sanes criminais, civis, administrativas e profissionais adequadas a elas. Pessoas condenadas por delitos violentos e abuso sexual de crianas no devem ter permisso para trabalhar com elas. Os governos devem desenvolver procedimentos sensveis s necessidades da criana para investigar casos de violncia contra elas que no as sujeitem a repetidas entrevistas e exames. Os processos judiciais devem garantir um tratamento adequado a testemunhas infantis e no as sujeitar a longas sesses de depoimentos, garantindo, tambm, sua privacidade. O estresse de processos judiciais pode ser reduzido usando-se equipamentos de vdeo para apresentar provas, telas de projeo em tribunais e programas de preparao de testemunhas e disponibilizandose um apoio jurdico "amigo da criana". Quando pais ou outros membros da famlia forem os agressores, as decises sobre intervenes e procedimentos formais devem ser tomadas levando em considerao os melhores interesses da criana. Se o agressor for uma outra criana, medidas de reabilitao devem ser priorizadas, juntamente como medidas para proteger a criana que sofreu o ato de violncia. O risco de reincidncia de indivduos que cometeram atos de violncia contra uma criana deve ser minimizado por meio de um tratamento adequado. Os governos devem ser estimulados a rever a situao de agressores que esto cumprindo penas para determinar se sua pena ou tratamento est efetivamente minimizando o risco de reincidncia ou no e emitir reco-

"Todas as nossas propostas so viveis se contarmos com a vontade poltica e o compromisso da sociedade civil." Jovem, Europa e sia Central 2006 V

mendaes adequadas para sentenas e tratamentos futuros com esse fim em vista. 10. A dimenso de gnero da violncia contra a criana deve ser abordada Recomendo que os Estados tomem as medidas necessrias para garantir que suas polticas e programas de combate violncia sejam estruturadas e implementadas a partir de uma perspectiva de gnero, levando em considerao os diferentes riscos enfrentados por meninas e meninos no que diz respeito violncia. Os Estados devem promover e garantir os direitos humanos de mulheres e meninas e abordar todas as formas de discriminao de gnero como parte de uma estratgia abrangente de preveno da violncia. Meninas e meninos esto sujeitos a riscos diferentes de sofrer diferentes formas de violncia em diferentes situaes. Todas as pesquisas sobre violncia contra a criana e sobre estratgias de preveno e combate a ela devem ser desenvolvidas considerando a questo de gnero. Particularmente, o Estudo detectou a necessidade de homens e meninos assumirem papis ativos e liderarem esforos para eliminar a violncia. 11. Pesquisas e coletas de dados sistemticas devem ser desenvolvidas e levadas a cabo em nvel nacional Recomendo aos Estados que melhorem seus sistemas de coleta de dados e de informao para identificar subgrupos vulnerveis, produzir insumos para a formulao de polti-

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cas e programas em todos os nveis e monitorar o progresso alcanado na consecuo do objetivo de prevenir a violncia contra a criana. Os Estados devem usar indicadores nacionais baseados em normas acordadas internacionalmente e garantir que dados sejam compilados, analisados e divulgados com vistas a monitorar o progresso alcanado ao longo do tempo. Se ainda no tiverem sido estabelecidos, sistemas nacionais de registro de nascimentos, bitos e casamentos devem ser criados e mantidos. Os Estados devem tambm gerar e manter dados sobre crianas que no esto sendo criadas por seus pais e sobre crianas mantidas em instituies correcionais. Esses dados devem ser desagregados por gnero, idade, rea urbana/rural, caractersticas familiares e domiciliares, educao e etnia. Os Estados devem tambm desenvolver uma agenda nacional de pesquisas sobre a violncia contra a criana envolvendo os diversos ambientes nos quais a violncia ocorre, que devem incluir entrevistas com crianas e seus pais e uma ateno especial a grupos vulnerveis de meninas e meninos. O desenvolvimento de uma agenda nacional de pesquisas sobre a violncia contra a criana em diferentes ambientes crucial para o desenvolvimento de conhecimentos adequados e de melhores programas. Esses planos devem envolver crianas, pais, prestadores de servios e outras pessoas e usar diversos mtodos, como entrevistas, melhores sistemas de denncia e registro, investigaes e levantamentos regulares, prestando ateno, particularmente, em grupos vulnerveis de meninas e meninos.

"Viso sem aes concretas um sonho, mas aes sem viso so um pesadelo." Jovem, Europa e sia Central, 2006 VI

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Nenhum pas pode ser complacente com a violncia contra a criana e so necessrias mais pesquisas sobre sua prevalncia e causas e sobre medidas de preveno em todos os lugares. Nossa capacidade de determinar a magnitude, caractersticas e tendncias de diversas formas de violncia contra a criana limitada, mesmo em pases industrializados. Todos os pases devem aumentar sua capacidade de monitorar bitos, leses e comportamentos associados violncia contra a criana para determinar se o problema est diminuindo ou aumentando e definir diferentes estratgias para preveni-lo. So necessrias normas internacionalmente aceitas e uniformes para coletar dados sobre a violncia contra a criana para melhorar sua comparabilidade e garantir salvaguardas ticas adequadas. Embora tenham sido observados alguns avanos na identificao de estratgias para prevenir algumas formas de violncia contra a criana em alguns pases, ainda so necessrias mais pesquisas para identificar e avaliar polticas e programas adequados e eficazes para prevenir todas as formas de violncia contra a criana, especialmente contra meninas e meninos vulnerveis. 12. O compromisso internacional deve ser reforado Recomendo que todos os Estados ratifiquem e implementem a Conveno sobre os Direitos da Criana e seus dois Protocolos Opcionais sobre o envolvimento de crianas em conflitos armados e na venda de crianas, prostituio e pornografia infantis. Qualquer restrio que seja in-

compatvel com o objeto e propsito da Conveno e de seus Protocolos Opcionais deve ser eliminada em conformidade com a Declarao de Viena e Plano de Ao da Conferncia Mundial de Direitos Humanos de 1993. Os Estados devem ratificar todos os instrumentos internacionais e regionais sobre direitos humanos relevantes que ofeream proteo a crianas, entre os quais a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes e seus Protocolos Opcionais; o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional; a Conveno para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra Mulheres e seus Protocolos Opcionais; as Convenes da OIT no. 138 sobre a Idade Mnima para Admisso no Emprego e no. 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil; e a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Trfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianas, que suplementa a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Os Estados devem implementar todas as suas obrigaes legais internacionais e fortalecer sua cooperao com os organismos dos tratados. Recomendo que os Estados ajam em conformidade com seus compromissos de preveno da violncia assumidos na Sesso Especial da Assemblia das Naes Unidas sobre a Criana e no contexto da resoluo da Assemblia da Organizao

Mundial da Sade sobre a implementao das recomendaes do Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade30 e outras resolues regionais de sade pblica que reforam essa resoluo.

cessos nacionais de planejamento deve ser alcanada at 2007 e ela deve incluir a identificao de um ponto focal, de preferncia em nvel ministerial. A meta de proibir todas as formas de violncia contra a criana por lei e de iniciar um processo para desenvolver um sistema de coleta de dados confiveis deve ser alcanada at 2009. O relatrio tambm insta os governos a fornecer informaes sobre a implementao das recomendaes do Estudo nos relatrios que elaboram periodicamente para o Comit dos Direitos da Criana. Organizaes internacionais devem estimular e apoiar governos no processo de implementar estas recomendaes. Instituies financeiras internacionais devem rever suas polticas e atividades, levando em considerao o impacto que podem ter sobre as crianas. As equipes das Naes Unidas nos pases devem adotar medidas para combater a violncia contra a criana no marco de estratgias de reduo da pobreza, avaliaes nacionais coordenadas e estruturas de assistncia ao desenvolvimento. Os Governos devem considerar a possibilidade de designar um ombudsman ou comissrio para os direitos das crianas - em conformidade com os Princpios de Paris.31 Trabalhando em regime de estreita cooperao com outros organismos preocupados e interessados em questes de sade pblica e proteo infantil, essas instituies independentes devem ter um mandato claro para monitorar os direitos das crianas em

IMPLEMENTAO E ACOMPANHAMENTOO Relatrio do Estudo apresentado Assemblia Geral enfatizou que os governos so os principais responsveis pela implementao destas recomendaes. No entanto, a participao de outros atores nos mbitos nacional, internacional e regional essencial para ajudar os governos a cumprir seus compromissos. Esses atores incluem organismos das Naes Unidas, organizaes da sociedade civil, inclusive instituies nacionais de direitos humanos, organizaes de classe como associaes de mdicos e enfermeiros, por exemplo, associaes comunitrias, educadores, pais e crianas. As estratgias-chave para a implementao das recomendaes esto descritas abaixo.

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MBITO NACIONAL E REGIONALO Estudo enfocou, acima de tudo, a necessidade de se melhorar a implementao de aes nacionais em prol de meninas e meninos. Para esse fim, o Relatrio da Assemblia Geral das Naes Unidas enfatiza a urgncia de aes em nvel nacional e estabelece metas a serem alcanadas pelos governos: A meta de integrar medidas de preveno e combate violncia contra a criana a pro-

1nvel regional, nacional e internacional. Elas devem tambm, onde necessrio, ter a competncia de receber e investigar denncias de violaes de direitos das crianas apresentadas pela populao, inclusive por crianas. luz das contribuies de organizaes regionais para o Estudo, entidades regionais devem ser envolvidas na implementao e acompanhamento de suas recomendaes. O desenvolvimento de mais mecanismos regionais deve ser estimulado como um elemento importante da estrutura geral de acompanhamento. Sistemas regionais de proteo dos direitos humanos tambm devem ser estabelecidos para monitorar a implementao das recomendaes do Estudo. rentes fruns regionais, nacionais e internacionais e apresentar um relatrio ao Conselho dos Direitos Humanos e Assemblia Geral periodicamente. Alm disso, recomenda-se que seja apresentado um relatrio sobre a implementao das recomendaes do Estudo na sexagsima quinta sesso da Assemblia Geral, em 2010. O Representante Especial deve trabalhar em regime de estreita colaborao com o Comit dos Direitos da Criana, com o Representante Especial do Secretrio-Geral para crianas envolvidas em conflitos armados, com o Representante Especial para a venda de crianas e a prostituio e pornografia infantis e com o Representante Especial para a violncia contra a mulher e o trfico de pessoas, mas no deve duplicar o trabalho desses representantes. Ele deve colaborar com sistemas de proteo de direitos humanos regionais e com todas as demais iniciativas regionais e nacionais de acompanhamento. Recomenda-se que o Representante Especial tenha um mandato inicial de quatro anos. Aproveitando os resultados positivos da colaborao entre agncias no mbito do Estudo, ele deve ser apoiado pelo Escritrio do Alto Comissariado das Naes Unidas Apara os Direitos Humanos, pelo UNICEF e pela OMS. O Grupo Inter-Agncias das Naes Unidas sobre violncia contra a criana, com representao de ONGs e crianas, tambm deve apoiar esse acompanhamento.27

MBITO INTERNACIONALEm vista da importncia da coordenao multissetorial no combate violncia contra a criana, o Relatrio do Estudo props que os governos designem um Representante Especial do Secretrio-Geral sobre Violncia contra a Criana. O Representante Especial deve atuar como um defensor global de alto nvel de medidas concebidas para promover a preveno e a eliminao de todas as formas de violncia contra a criana, estimular a cooperao internacional e regional e garantir um acompanhamento e monitoramento adequados das recomendaes do Estudo. O Representante Especial deve divulgar e promover as recomendaes do Estudo em dife-

REFERNCIAS1 Krug EG et al (Eds) (2002). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 2 Krug EG et al (Eds.) (2002). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade, pg. 5. 3 Shonkoff JP, Phillips DA (Eds) (2000). From Neurons to Neighbourhoods: The Science of Early Childhood Development. Washington DC, Editora National Academy Press. 4 Krug EG et al (Eds) (2002). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade.

12 Aliana Internacional Save the Children (2005). 10 Essential LearningPoints: Listen and Speak Out against Sexual Abuse of Girls and Boys. Documento global apresentado pela Aliana Internacional Save the Children para o Estudo do Secretrio-Geral sobre Violncia Contra a Criana. Oslo, Save the Children Noruega. 13 Bruce J (2002). Married Adolescents Girls: Human Rights, Health and Development Needs of a Neglected Majority. Documento apresentado pelo Conselho de Populao no Evento de Apoio Early Marriage in a Human Rights Context, Sesso Especial das Naes Unidas sobre a Criana, 8 a 10 de maio de 2002. 14 OMS (2006). Global Estimates of Health Consequences Due to Violence against Children. Documento Informativo para o Estudo do Secretrio-Geral sobre Violncia contra a Criana. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 15 Anlise apresentada ao Estudo pela Global Schoolbased Student Health Survey: Organizao Mundial da Sade (http://www.who.int/chp/gshs ou http://www.cdc.gov/gshs) sobre pesquisas realizadas entre 2003 e 2005 para Botsuana, Chile (rea metropolitana), China (Pequim), Guiana, Jordnia, Qunia, Lbano, Nambia, Om, Filipinas, Suazilndia, Uganda, Emirados rabes Unidos, Venezuela (Lara), Zmbia e Zimbbue (Harare). 16 Currie C et al (2004). Health Behaviour in Schoolaged Children (HBSC) Study: International Report from the 2001/2002 Survey. Health Policy for Children and Adolescents, No 4. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 17 OMS (2006). Global Estimates of Health Consequences Due to Violence against Children. Documento Informativo para o Estudo do Secretrio-Geral sobre Violncia contra a Criana. Genebra, Organizao Mundial da Sade, baseado em estimativas desenvolvidas por Andrews G et al (2004). Child Sexual Abuse. Ch. 23 in Ezzati M et al (2004). Comparative Quantification of Health Risks: Global and Regional Burden of Disease Attributable to Selected Major Risk Factors, Vol 2. Genebra, Organizao Mundial da Sade, pgs. 1851-1940, e utilizando dados da Diviso de Populao das Naes Unidas para a populao abaixo de 18 anos. 18 UNICEF (2005). Changing a Harmful Social Convention: Female Genital Mutilation/Cutting. Innocenti Digest. Florence, Centro de Pesquisas Innocenti do UNICEF.

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5 Ten Bensel RW, Rheinberger MM, Radbill SX (1997). Children in a World of Violence: The Roots of Child Maltreatment. In: Helfer M et al (Eds). The Battered Child. Chicago, Editora da Universidade de Chicago, pgs. 3 a 28. 6 Secretrio-Geral das Naes Unidas (2006). Report of the Independent Expert for the United Nations Study on Violence against Children. Promotion and protection of the rights of children. Assemblia Geral das Naes Unidas, Sexagsima Primeira Sesso. A/61/299. 7 Reza A et al (2001). Epidemiology of Violent Deaths in the World. Injury Prevention, 7: 104-111. 8 Krug E et al (Eds) (2002). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 9 Iniciativa Global para Acabar com todo Castigo Corporal contra Crianas (2006). Global Summary of the Legal Status of Corporal Punishment of Children. 28 de junho de 2006. 10 Todas as respostas esto disponveis em: http:// www.ohchr.org/english/bodies/crc/study.htm. At 20 de setembro de 2006, 135 Estados Membros e um Observador haviam apresentado respostas. 11 A lista das informaes apresentadas est disponvel no site do Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre Violncia contra a Criana: http:// www.violencestudy.org.

119 OIT (2006). The End of Child Labour: Within Reach. Global Report. Genebra, Organizao Internacional do Trabalho 20 OIT (2002). A Future Without Child Labour. Global Report. Genebra, Organizao Internacional do Trabalho. 21 Iniciativa Global para Acabar com todo Castigo Corporal contra Crianas (2006). Global Summary of the Legal Status of Corporal Punishment of Children. 28 de junho de 2006. 22 OMS (2006). Global Estimates of Health Consequences Due to Violence against Children. Documento Informativo para o Estudo do Secretrio-Geral sobre Violncia contra a Criana. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 23 Runyan D et al (2002). Child Abuse and Neglect byParents and Other Caregivers. In: Krug EG et al (Eds). Relatrio Mundial sobre Violncia e Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade, pp 59-86. 24 Perry BD (2001). The Neurodevelopmental Impact of Violence in Childhood. In: Schetky D, Benedek EP (Eds). Textbook of Child and Adolescent Forensic Psychiatry. Washington DC, Editora American Psychiatric Press, pgs. 221-238. 25 Felitti VJ et al (1998). Relationship of Childhood Abuse and Household Dysfunction to Many of the Leading Causes of Death in Adults. The Adverse Childhood Experiences (ACE) Estudo. American Journal of Preventive Medicine 14: 245-258. 26 Centro para o Controle e Preveno de Doenas (2006). Adverse Childhood Experiences Study. Atlanta, GA, National Centers for Injury Prevention and Control, Centro para o Controle e Preveno de Doenas. Disponvel em:http://www.cdc.gov/NCCDPHP/ACE. 27 Centro para o Controle e Preveno de Doenas (2006). Adverse Childhood Experiences Study. Atlanta, GA, National Centers for Injury Prevention and Control, Centro para o Controle e Preveno de Doenas. Disponvel em: http://www.cdc.gov/NCCDPHP/ACE. 28 Panel on Research on Child Abuse and Neglect, Commission on Behavioral and Social Sciences and Education, National Research Council (1999). Understanding Child Abuse and Neglect. Washington DC, Editora National Academy Press. 29 Fromm S (2001). Total Estimates of the Cost of Child Abuse and Neglect in the United States - Statistical Evidence. Chicago (IL), Prevent Child Abuse America (PCAA). Citado em: 14 de agosto de 2006. Disponvel em: http:// www.preventchildabuse.org/learn_more/ research_docs/ cost_analysis.pdf. 30 OMS (2003). Implementing the Recommendations of the World Report on Violence and Health. Relatrio sobre a Assemblia Mundial de Sade, WHA56.24, Qinquagsima Sexta Assemblia Mundial da Sade. Genebra, Organizao Mundial da Sade. 31 Naes Unidas (1993). Principles Relating to the Status and Functioning of National Institutions for Protection and Promotion of Human Rights. Disponvel em: http:// www.unhchr.ch/html/menu6/2/fs19.htm#annex. Essas recomendaes foram endossadas pela Assemblia Geral em sua resoluo A/RES/48/134, de 20 de dezembro de 1993.

CITAESI Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre a Violncia contra a Criana (2005). Regional Consultation Outcome Report: South Asia, pg. 3. Disponvel em: http:/ /www.violencestudy.org/r27. II Comissrio para os Direitos Humanos (2006). Children and corporal punishment: The right not to be hit, also a children's right. Issue paper 2006/1. 6 de junho de 2006. Estrasburgo, Conselho da Europa. III Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre a Violncia contra a Criana (2005). Regional Desk Review: South Asia, p 23. Disponvel em: http:// www.violencestudy.org/r27. IV Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre a Violncia contra a Criana (2005). Regional Consultation Outcome Report: Eastern and Southern Africa, p 18. Disponvel em: http:/www.violencestudy.org/r27. V Conselho da Europa (2006). Conferncia de lanamento em Mnaco da iniciativa Building an Europe for and with Children, 4 a 5 de abril de 2006. Disponvel em: http:// www.coe.int/t/transversalprojects/children/ events/ monacoLaunch_en.asp VI Conselho da Europa (2006). Conferncia de lanamento em Mnaco da iniciativa Building a Europe for and with Children, 4 a 5 April 2006. Disponvel em: http://www. coe.int/t/transversalprojects/children/events/ monacoLaunch_en.asp

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2A VIOLNCIA CONTRA A CRIANA E A LEI E NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOSIntroduo A Conveno sobre os Direitos da Criana Direito Criminal, Humanitrio, de Refugiados e Trabalhista Internacional Sistemas Regionais de Direitos Humanos Instrumentos no Obrigatrios Referncias 33 34 39 40 41 4431

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"Gostaria que uma coalizo de associaes e organizaes internacionais fosse estabelecida na maior rapidez possvel para incentivar e apoiar governos que assumem o compromisso de adotar medidas especficas para impedir que crimes mais srios contra crianas no fiquem impunes medidas como a ampliao dos prazos para processar pessoas por esses delitos ou a eliminao de sua caducidade, a promoo de uma maior cooperao judicial ou a adoo de uma legislao modelo ou estrutural para fortalecer aes contra o trfico de crianas, inclusive o trfico promovido com a ajuda da Internet." Sua Alteza Real a Princesa Caroline de Hanover, abril de 2006 I

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INTRODUOTodas as crianas tm direito de ter sua integridade fsica e pessoal respeitada e de ser protegidas contra todos os tipos de violncia. Como seres humanos, as crianas tm o direito de gozar todos os direitos garantidos pelos diversos tratados de direitos humanos gerados a partir da Declarao Universal de Direitos Humanos.1 Elas tambm tm direito proteo prevista em instrumentos legais internacionais relacionados ao direito criminal, humanitrio e trabalhista internacional.* Desde que a Declarao Universal dos Direitos Humanos foi adotada, em 1948, como a primeira declarao oficial - mas no legalmente obrigatria - dos direitos humanos, mais de sessenta tratados sobre questes relacionadas escravido, administrao da justia, condio dos refugiados e de grupos minoritrios e aos direitos humanos foram elaborados. Todos eles baseiam-se nos conceitos da no-discriminao, da igualdade e do reconhecimento da dignidade de todos os indivduos, como previsto na Declarao Universal, e cada um deles explicita que os direitos que prevem devem ser gozados por todos, inclusive por crianas, em p de igualdade. As crianas, portanto, so titulares dos direitos e procedimentos previstos na Carta Internacional dos Direitos Humanos, que consiste no Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais e no Pacto Internacional dos* Mais informaes sobre todos os instrumentos mencionados neste captulo podem ser encontradas no endereo http://www.ohchr.org.

Direitos Civis e Polticos. Elas tambm so titulares dos direitos e mecanismos de proteo previstos em tratados especficos, inclusive nos que contemplam a eliminao da discriminao racial e contra mulheres, a preveno da tortura e os direitos de trabalhadores migrantes e de membros de suas famlias. Esses instrumentos, que so legalmente obrigatrios para os Estados que os adotaram, incluem importantes disposies para a eliminao da violncia contra a criana. Alguns tratados, particularmente os dois pactos internacionais mencionados acima, tambm incluem disposies sobre mecanismos especficos de proteo para crianas. O Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais inclui uma disposio segundo a qual as crianas devem ser protegidas da explorao econmica e social e que prev a aplicao de sanes penais para pessoas ou empresas que empregam crianas em atividades prejudiciais sua moral ou sade ou que acarretem risco de vida para elas ou possam dificultar seu desenvolvimento. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos probe expressamente a imposio da pena de morte a crianas e adolescentes abaixo de 18 anos. Ele inclui tambm disposies sobre o tratamento adequado a ser dispensado a crianas acusadas e condenadas que exigem, particularmente, que elas sejam mantidas separadas de adultos rus e criminosos. A Conveno para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Contra Mulheres plenamente aplicvel a meninas abaixo de 18 anos. O Artigo 16.2 da Conveno prev que o casamento de uma criana no tem nenhum efei-

"Acredito realmente que no h nada mais importante do que a proteo da criana, porque ela est vinculada a todos os seus outros direitos, como o direito ao desenvolvimento, sobrevivncia e participao. Para todos os pases, o reconhecimento desse direito como primordial e a deciso de implementar programas e estabelecer instituies para garantir a proteo da criana representam um passo gigantesco na direo certa." Srta. Loveleen Kacker, Secretria-Adjunta, Ministrio de Desenvolvimento das Mulheres e das Crianas, ndia

to legal e que todas as medidas necessrias, inclusive medidas legislativas, devem ser tomadas pelos Estados para especificar uma idade mnima para o casamento e garantir seu registro num cartrio oficial compulsoriamente. A proteo prevista na lei internacional dos direitos humanos ser ampliada com a finalizao de tratados focados em crianas desaparecidas ou portadoras de deficincia que esto sendo elaborados. Disposies especificamente relacionadas aos direitos humanos de crianas portadoras de deficincia, que prevem inclusive a obrigao dos Estados de combater a violncia contra elas, foram includas na minuta da Conveno sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia que ser apresentada Assemblia Geral para adoo na sua sexagsima primeira sesso. A implementao de cada um dos sete principais tratados de direitos humanos atualmente em vigor est sendo monitorada por um Comit de Especialistas por meio de diversos procedimentos. A implementao desses instrumentos avaliada pelo Comit com base na apreciao de relatrios apresentados pelos Estados e aps essa avaliao ele emite recomendaes para outras aes necessrias. Quatro comits tm poderes para considerar solicitaes de indivduos que alegam que seus direitos foram violados quando o Estado envolvido aceita esse procedimento. Dois comits tambm tm poderes para investigar violaes graves ou sistemticas dos tratados quando o Estado em questo aceita esse procedimento. Procedimentos semelhantes esto previstos tambm nas minutas dos tratados sobre desaparecimentos e deficincias, enquanto o Protocolo Opcional no

mbito da Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes introduz um sistema de visitas a casas de deteno nos Estados-membros. Todos os rgos que aceitaram o tratado enfatizaram a obrigao dos Estados de tomar medidas especficas para eliminar e combater a violncia contra a criana em suas observaes e relatrios finais e em muitas de suas decises sobre requerimentos. Vrios rgos do tratado tambm adotaram Comentrios Gerais ou recomendaes que enfatizam a obrigao dos Estados de combater a violncia contra a criana. O Comentrio Geral sobre o Direito Educao apresentado pelo Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais indica que a aplicao de castigos corporais em ambientes educacionais incompatvel com o direito internacional e com a dignidade dos indivduos. O Comit para a Eliminao da Discriminao contra a Mulher adotou uma recomendao geral sobre a obrigao dos Estados no mbito da Conveno de impedir a mutilao genital feminina e de observar duas recomendaes gerais sobre a violncia de gnero contra a mulher.

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A CONVENO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANAEmbora tratados internacionais de direitos humanos de carter geral e outros acordos internacionais prevejam mecanismos de proteo para as crianas, a comunidade internacional reconheceu, nos estgios iniciais das atividades das Naes Unidas, a necessidade de se garantir uma proteo especfica para os di-

"Ao ratificarem a Conveno (sobre os Direitos da Criana), os pases ficam obrigados a adotar leis, polticas e programas para garantir que todas as crianas cresam em um ambiente de amor e compreenso no qual elas no sintam medo ou experimentem privaes, sejam protegidas da discriminao, da violncia e da explorao e tenham todas as oportunidades para desenvolver o seu potencial plenamente. Adotando a Conveno, assumimos o compromisso de garantir que as oportunidades de uma pessoa na vida no sejam determinadas pelas circunstncias do seu nascimento." Marta Santos Pais, Conselho Editorial do Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre Violncia contra Crianas

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reitos das crianas. A Declarao dos Direitos da Criana da Assemblia Geral de 1959 estabeleceu dez princpios no obrigatrios concebidos para garantir salvaguardas especiais para as crianas. A Conveno sobre os Direitos da Criana (CDC), que prev normas legalmente obrigatrias, foi adotada pela Assemblia Geral em 1989. A CDC, que sinaliza claramente que as crianas so titulares de direitos humanos e reconhece sua personalidade jurdica diferenciada e suas capacidades em processo de formao, o tratado de direitos humanos de mais ampla aceitao, uma vez que foi ratificado ou aderido por 192 Estados. Seus 42 artigos substantivos estabelecem direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais formulados para satisfazer as necessidades especiais da criana, que definida na CDC como qualquer ser humano com menos de 18 anos de idade, exceto se, pela lei aplicvel no pas s crianas, a maioridade for conferida em idade inferior.2 A CDC estabelece um conjunto de princpios legais e normas detalhadas que devem reger todas as leis, polticas e prticas que afetem crianas. Eles incluem princpios de promoo da preveno da violncia e mecanismos para proteger crianas contra todos os tipos de violncia. Vrios Artigos da CDC afirmam o direito da criana integridade fsica e pessoal e estabelecem padres elevados de proteo para ela. O Artigo 19 exige que os Estados partes da CDC tomem "todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para

proteger a criana contra todas as formas de violncia fsica ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou explorao, inclusive abuso sexual, enquanto estiver sob a guarda dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsvel por ela". A abrangncia dessa obrigao foi enfatizada pelo Comit dos Direitos da Criana. O Comit tambm destacou a exigncia de que todas as formas de violncia contra a criana devem ser proibidas, inclusive todas as formas de castigo corporal, ainda que brandas. O Comentrio Geral no. 8 do Comit sobre o Direito da Criana Proteo contra Punio Corporal e Outras Formas Cruis ou Degradantes de Punio, adotado em sua quadragsima segunda sesso, realizada em junho de 2006, salienta a obrigao de todos os Estados de tomarem medidas rapidamente para proibir e eliminar qualquer tipo de castigo corporal e outras formas cruis ou degradantes de punio aplicadas a crianas, enfocando a necessidade de os Estados adotarem medidas legislativas e de promoverem campanhas de conscientizao e educacionais.3 O Comentrio Geral esclarece que o Comit no rejeita o conceito positivo da disciplina e reconhece que a paternidade e os cuidados que as crianas necessitam, particularmente bebs e crianas de tenra idade, exigem constantes aes e intervenes fsicas para proteg-las. O Comit indica que esses cuidados so bem diferentes do uso deliberado e punitivo da fora com o objetivo de provocar dor, desconforto ou humilhao em crianas em qualquer grau.

"Crianas so tradas diariamente pelo silncio, pela omisso e pela impunidade. Professores que agrediram sexualmente alunos continuam a dar aulas. Policiais que torturaram crianas na frente de testemunhas no so afastados de suas funes. Funcionrios de orfanatos que sujeitam crianas a nveis chocantes de crueldade e negligncia no sofrem nenhuma conseqncia. Muito frequentemente, crianas so vitimizadas duas vezes: inicialmente pelo abuso inicial e posteriormente pelo fato de as autoridades no punirem seus agressores." Jo Becker, Conselho Editorial do Estudo do Secretrio-Geral das Naes Unidas sobre Violncia contra a Criana

"Alm de ser uma obrigao dos Estados partes da Conveno, a eliminao da aceitao ou tolerncia generalizada de castigos corporais impostos a crianas na famlia, nas escolas e em outros ambientes uma estratgia-chave para se reduzir e prevenir todas as formas de violncia nas sociedades." Comit sobre os Direitos da Criana, Comentrio Geral no. 8, pargrafo 3.4 O Artigo 28 (2) da CDC exige que a disciplina escolar seja "ministrada de maneira compatvel com a dignidade humana da criana e em conformidade com a presente Conveno". Na sua interpretao dessa disposio, o Comit destaca que ela exige que os Estados membros probam o castigo corporal e outras formas humilhantes e prejudiciais de disciplina nas escolas. "... As crianas no perdem seus direitos humanos quando atravessam os portes de suas escolas. Por essa razo, a educao deve ser oferecida com respeito dignidade inerente da criana, permitindo que ela expresse suas opinies livremente, como disposto no Artigo 12 (1), e participe da vida escolar. A educao deve tambm ser oferecida com respeito aos limites disciplinares previstos no Artigo 28 (2) e com o intuito de promover uma cultura de no violncia nas escolas..." Comit dos Direitos da Criana, Comentrio Geral No. 15

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Os Artigos 32 a 36 estabelecem os direitos legais da criana de serem protegidas contra diversas formas de explorao: contra a explorao econmica e "o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educao, ou seja nocivo para a sua sade ou desenvolvimento fsico, mental, espiritual, moral ou social" (Artigo 32); contra o "uso ilcito de drogas e substncias psic