RELATÓRIO PARCIAL REFERENTE À PRIMEIRA ETAPA DO … · periódicos especializados e quinze...

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1 RELATÓRIO PARCIAL REFERENTE À PRIMEIRA ETAPA DO PROGRAMA DE SALVAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E PAISAGÍSTICO, PARTE INTEGRANTE DO PROJETO BÁSICO AMBIENTAL DA USINA HIDRELÉTRICA DE MAUÁ.

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RELATÓRIO PARCIAL REFERENTE ÀPRIMEIRA ETAPA DO PROGRAMA DESALVAMENTO DO PATRIMÔNIOHISTÓRICO, CULTURAL EPAISAGÍSTICO, PARTE INTEGRANTEDO PROJETO BÁSICO AMBIENTALDA USINA HIDRELÉTRICA DE MAUÁ.

O objetivo deste trabalho é descrever e analisar as histórias

e imagens acerca das paisagens mais significativas, da cultura e

do local em que habitavam e, principalmente, do relacionamento

dos diferentes segmentos entrevistados com o rio Tibagi, que

permanecem vivas na memória da população diretamente atingida

pela construção da Usina Hidrelétrica Mauá.

O contexto temporal em que as pesquisas de campo,

imagens e depoimentos foram realizados corresponde ao período

entre os anos de 2010 e 2011, no momento em que muitas

negociações sobre indenização estavam em curso e antes da

formação do lago da Usina. Alguns moradores ainda residiam em

seus locais originais, outros em locais provisórios alugados pelo

Consórcio ou já em seus novos locais de moradia definitiva. Estes

fatos são relevantes na compreensão de alguns dos depoimentos.

Uma compreensão definitiva sobre o resgate do patrimônio

histórico, cultural e paisagístico da área de influência direta da

Usina Mauá apenas será possível com a realização da segunda

etapa do Projeto e a consequente complementação das pesquisas

de campo e seguida da confecção do relatório final.

Realização:

Consórcio Energético Cruzeiro do Sul

COPATI – Consórcio Para a Proteção Ambiental da Bacia do Rio Tibagi

Supervisão e Consultoria Sociológica:

Professora Ana Luisa Fayet SallasDoutora em História pela Universidade Federal do Paraná em 1998. Mestrado emAntropologia Social pela Universidade de Brasília em 1987. Atualmente, éprofessora titular da Universidade Federal do Paraná. Publicou treze artigos emperiódicos especializados e quinze trabalhos em anais de eventos. Possui cincocapítulos de livros e um livro publicado. Participou de vários eventos no Brasil e noexterior. Orientou quatro teses de Doutorado, quinze dissertações de mestrado,além de ter orientado 21 trabalhos de conclusão de curso de graduação. Atua naárea de Ciências Sociais com ênfase em teoria social. Em suas atividadesprofissionais, interagiu com vários colaboradores em co-autorias de trabalhoscientíficos. Em seu currículo lattes, os termos mais frequentes na contextualizaçãoda sua produção cientifica, tecnológica e artístico-cultural são: juventude, violência,cidadania, imaginários sociais, identidade social, sociabilidade, antropologia visual,estigma, fotografia como instrumento de pesquisa, comunicação e cultura. Ana Luisaé graduada em Antropologia e Sociologia.

Professor Ângelo José da SilvaGraduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1986),com especialização em Fotografia como Instrumento de Pesquisa, mestrado emCiência Política pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado emHistória pela Universidade Federal do Paraná (2003). Atualmente, é professoradjunto III da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência nas áreas deCiência Política e Sociologia, com ênfase em Sociologia, atuando principalmente nosseguintes temas: imagem e conhecimento, arte urbana, marxismo, leitura, militânciapolítica, identidade, movimento operário. É coordenador acadêmico do Centro deEstudos de Cultura e Imagem da América Latina - CECIAL.

Coordenador Geral do PBA:Gilmar Schwanka

Coordenador Geral do Projeto:Janderson Marcelo Canhada

Coordenadora do Projeto de Salvamento do Patrimônio Histórico, Cultural ePaisagístico:Sandra Ramalho

Coordenadora de pesquisa de campo:Neli Gomes da Rocha

Coordenadora Administrativa:Ana Lucia Bonfá

Pesquisa de Campo:Neli Gomes da Rocha, Sandra Ramalho, Débora Cristina de Mello Cubines, TeresaCristina Mercedes

Transcrições:Evanise Rodrigues Gomes

Fotografia:Neli Gomes da Silva, Sandra Ramalho, Sinézio Sirotti e Bárbara Kuster

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Família Schneider no barco.....................................................................69

Figura 2 - Família Schneider em foto de jornal........................................................69

Figura 3 - Grupo de Garimpeiros..............................................................................71

Figura 4 - Casa de Seu Davi......................................................................................73

Figura 5 - Plantação Adenilson Cordeiro.................................................................75

Figura 6 – Rio Tibagi..................................................................................................77

Figura 7 - Salto Aparato.............................................................................................77

Figura 8 - Dia de Pesca..............................................................................................79

Figura 9 - Pesca de família de ribeirinho..................................................................79

Figura 10 - Foto paisagística.....................................................................................81

Figura 11- Demonstração de Garimpo.....................................................................84

Figura 12- Ilha com plantação de Mandioca...........................................................86

Figura 13- Plantação Propriedade Adenilson Cordeiro.........................................87

Figura 14- Foto histórica da Família Schneider.....................................................89

Figura 15- Reunião na casa de Lurdes, viúva do Sr. Eduardo Schneider............89

Figura 16- Mulher Limpando peixe...........................................................................91

Figura 17 - Sr. João Santana, benzedor...................................................................94

Figura 18 - Altar do Sr. João Santana.......................................................................94

Figura 19 - Família Sr. João Santana........................................................................95

Figura 20 - Família Sr. Adenilson Cordeiro onde morava.....................................95

Figura 21 - Família Adenilson foi atendida pelo Sr. João Santana.......................96

Figura 22 - "Gruta da Santa"......................................................................................96

Figura 23 - Interior da gruta.......................................................................................97

Figura 24 - Sra. Matilde Cordeiro..............................................................................97

Figura 25 - Altar de Sra. Matilde................................................................................98

Figura 26 - Sr. Augusto Schneider............................................................................98

Figura 27 - Culto realizado na propriedade de Dona Lurdes Schneider..................99

Figura 28 - Sr. José de Souza................................................................................99

Figura 29 - Sr. Jonas Schneider...............................................................................100

Figura 30 - Sr. João Maria Miranda.........................................................................100

Figura 31 - Sra. Zélia de Jesus..............................................................................101

Figura 32 – Sr. Davi Torres na propriedade onde viveu..........................................101

Figura 33 - Família do Sr. Eloir Batista.................................................................102

Figura 34 – Sr. Davi Torres mostrando onde mulheres lavavam roupa.................102

Figura 35 - “Casa de Pedra”..................................................................................103

Figura 36 - Interior da “Casa de Pedra”................................................................103

Figura 37 - Ponto Paisagístico Salto Aparato.......................................................104

Figura 38 - Salto Aparato com Sra. Claira Almeida............................................104

Figura 39 - Sra. Genira, moradora atingida e pescadora.....................................105

Figura 40 - Propriedade do Sr. Felipe Schneider.................................................105

Figura 41 - Seu Pedro mostrando como garimpa................................................106

Figura 42 - Seu Pedro mostrando onde ficava quando garimpava......................106

Figura 43 - Garimpeiro mostrando balança de pesar diamante...........................107

Figura 44 - Pescadores no barco em local de pesca...........................................107

Figura 45 - Casa na ilha onde seu Manoel pescava............................................108

Figura 46 - Dona Castorina, produtora de mel de Telêmaco Borba.....................108

Figura 47 - Flor que atrai abelha para a produção de mel..................................109

Figura 48 - Dona Pureza na janela de casa.......................................................109

Figura 49 - Dona Pureza escolhendo arroz.........................................................110

Figura 50 - Feijão Plantado por dona Pureza......................................................110

Figura 51 - Divo em dia de pesca............................................................................111

Figura 52 - Divo no barco........................................................................................111

Figura 53 - Ribeirinho pescando no Tibagi..............................................................112

Figura 54 - O Rio Tibagi visto de dentro......................................................... ........112

Figura 55 – Pôr do sol em Lajeado Bonito...............................................................113

LISTA DE TABELAS

Quadro 1- Nomes dos entrevistados......................................................................39

Tabela 2 - Extensão territorial, densidade e população dos municípios...............44

Tabela 3 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, ranking estadual e taxa de

pobreza - Paraná 2010............................................................................................46

Tabela 4 - Matrículas na educação básica segundo a dependência administrativa –

2009.........................................................................................................................48

Tabela 5 - Docentes e estabelecimentos de ensino na educação Básica-2009....48

Tabela 6 - Coeficiente de mortalidade infantil – Paraná – 2009...............................50

Tabela 7 - Número de domicílios segundo uso e zona – Paraná – 2010...............52

Tabela 8 - Consumo e número de consumidores de energia elétrica – 2010........54

Tabela 9 - População economicamente ativa (PEA) / zona e sexo – 2010.............54

Tabela 10 - Número de estabelecimentos e empregos segundo as atividades

econômicas – 2000....................................................................................................56

Tabela 11 - Despesas municipais por função – 2009..............................................59

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................... 12

2 APONTAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: PROCEDIMENTOS DO CAMPO .............................................. 15

2.1 METODOLOGIA........................................................................................................................................... 22

2.2 ESPAÇOS EM QUE SE PRODUZEM AS PRÁTICAS CULTURAIS..................................................................................28

2.3 ETAPAS DE EXECUÇÃO ............................................................................................................................... 34

2.3.1 Atividades Campo .............................................................................................................................. 36

2.4 RESULTADOS E PRODUTOS PREVISTOS...................................................................................................... 42

3 DIAGNÓSTICO DA DISTRIBUIÇÃO POPULACIONAL NAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA DIRETA.................................... 43

3.1 CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS ..................................................................................................... 43

3.2 Metodologia ............................................................................................................................................... 43

3.2.1 IDH- Índice de Desenvolvimento Humano.......................................................................................... 45

3.2.2 Educação............................................................................................................................................. 46

3.2.3 Saúde .................................................................................................................................................. 50

3.2.4 Habitação, Energia, Água e Esgoto......................................................................... ..............................................51

3.2.5- Sistema de Produção e Geração de Renda ....................................................................................... 55

3.2.6 – Finanças Públicas ......................................................................................................................... 58

4 SÍNTESE DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DA REGIÃO DO RIO TIBAGI ..................................................................... 60

4.1 Formação de Telêmaco Borba e Ortigueira .......................................................................................... 64

4.2 A chegada dos Schneider ....................................................................................................................... 67

Figura 1: Família Schneider no barco .................................................................................................................... 69

Figura 2: Família Schneider em foto de jornal da época sobre culto de ação de graça ........................................ 69

5 SOBRE A CULTURA E A MEMÓRIA NO CONTEXTO SOCIAL DOS ATINGIDOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE –MAUÁ .................................................................................................................................................................... 74

Figura 3 – Grupo de Garimpeiros .......................................................................................................................... 71

5.1 A concepção de lugar e o conflito da mudança ..................................................................................... 71

Figura 4 - Casa de Seu Davi.................................................................................................................................... 73

Figura 5 - Plantação Adenilson Cordeiro ............................................................................................................... 75

5.2 O “lugar” e o “rio Tibagi” ....................................................................................................................... 76

Figura 6 – Rio Tibagi .............................................................................................................................................. 77

Figura 7 – Salto Aparato ........................................................................................................................................ 77

Figura 8 - Dia de Pesca .......................................................................................................................................... 79

Figura 9 - Pesca de família de ribeirinho ............................................................................................................... 79

Figura 10 - Foto paisagística .................................................................................................................................. 81

5.3 O “Lugar” Presente e as Perspectivas de Futuro ............................................................................................. 82

Figura 11- Demonstração de Garimpo .................................................................................................................. 84

5.4 Elementos de diferenciação................................................................................................................... 85

Figura 12– Ilha com plantação de Mandioca ........................................................................................................ 86

Figura 13- Plantação na nova Propriedade de Adenilson Cordeiro....................................................................... 87

Figura 14– Foto histórica da Família Schneider..................................................................................................... 89

Figura 15 – Grupo focal na casa da Vó Lurdes, viúva do Sr. Eduardo Schneider ................................................... 89

Figura 16 – Mulher Limpando peixe...................................................................................................................... 91

6 IMAGENS E PAISAGENS QUE CONTAM A HISTÓRIA .......................................................................................... 94

Figura 17 - Sr. João Santana, benzedor. Devoto de São Sebastião e N. Sra. Aparecida. ...................................... 94

Figura 18 - Altar do Sr. João Santana. Ele afirma que durante anos fez orações pela saúde das pessoas, rezas emsua casa para os santos, mas, atualmente, não consegue mais. .......................................................................... 94

Figura 19 - Família Sr. João Santana em frente à casa que será removida. .......................................................... 95

Figura 20 - Família Sr. Adenilson Cordeiro onde morava. .................................................................................... 95

Figura 21 - Família Adenilson foi atendida pelo Sr. João Santana. Adenilson Cordeiro fala que duas filhas foramcuradas pela reza do benzedor. ............................................................................................................................ 96

Figura 22 - "Gruta da Santa". Local de difícil acesso e atualmente pouquíssimo frequentado. Ficará submerso. 96

Figura 23 - Interior da gruta. Moradores narram que havia uma imagem de Santa Emídia. Atualmente, há umacruz. Ali, eram realizadas orações mensais, os moradores narram que antigamente eram feitas rezas com maisfreqüência na localidade. ...................................................................................................................................... 97

Figura 24 - Sra. Matilde Cordeiro. Narra que, quando criança, sua mãe e avó levavam-na para as orações nagruta da santa . ..................................................................................................................................................... 97

Figura 25 - Altar de Sra. Matilde. Imagens que foram de sua mãe, falecida com 92 anos e que também faziabenzimentos. O altar será levado para nova propriedade e colocado em uma gruta. Ela quer voltar a fazer reza.98

Figura 26 - Sr. Augusto Schneider mostrando a fonte de água onde é feito o batismo ao modo da IgrejaLuterana. .............................................................................................................................................................. 98

Figura 27 - Culto evangélico realizado na propriedade de Dona Lurdes Schneider. ............................................. 99

Figura 28 - Sr. José de Souza mora sozinho. Sua casa é local de cultos evangélicos. ............................................ 99

Figura 29 - Sr. Jonas Schneider em sua propriedade que será parcialmente atingida. ...................................... 100

Figura 30 - Sr. João Maria Miranda mostrando a nascente em sua propriedade que será atingida. ................. 100

Figura 31 - Sra. Zélia de Jesus mostrando o local onde gosta de pescar dentro do rio em frente a sua casa..... 101

Figura 32 - Sr Davi Torres na propriedade onde viveu grande parte de sua vida. Fez questão de ser fotografadono pomar que plantou em sua antiga casa. ........................................................................................................ 101

Figura 33 - Família do Sr. Eloir Batista. Sua propriedade será parcialmente atingida. ...................................... 102

Figura 34 – Sr. Davi Torres mostrando local onde mulheres lavavam roupa. .................................................... 102

Figura 35 - “Casa de Pedra”, local de lazer dos moradores que será submerso. ............................................... 103

Figura 36 - Interior da “Casa de Pedra”, caverna onde moradores brincavam e até pousavam. Sr. Davi narra quejá brincou muito ali na infância. ......................................................................................................................... 104

Figura 37 - Ponto PaisagísTico Salto Aparato. Local de lazer e pesca no verão. ................................................ 104

Figura 38 - Salto Aparato. Sra. Claira Almeida era frequentadora do local, ela acompanha e narra a importânciada cachoeira para os moradores. ........................................................................................................................ 105

Figura 39 - Sra. Genira, moradora atingida e pescadora. Neste dia, conheceu um dos pontos que será inundado.105

Figura 40 - Propriedade do Sr. Felipe Schneider, região de Palmital. ................................................................. 106

Figura 41 – Sr. Pedro mostrando como garimpa................................................................................................. 106

Figura 42 – Sr. Pedro mostrando onde ficava quando garimpava. ..................................................................... 107

Figura 43 - Garimpeiro mostrando balança de pesar diamante.......................................................................... 107

Figura 44 - Pescadores no barco em local de pesca. ........................................................................................... 108

Figura 45 - Casa na ilha onde sr. Manoel pescava. .............................................................................................. 108

Figura 46 - Dona Castorina, produtora de mel de Telêmaco Borba. ................................................................... 109

Figura 47 - Flor que atrai Abelha para a produção de mel de dona Castorina. ................................................... 109

Figura 48 - Dona Pureza na janela de casa. ......................................................................................................... 109

Figura 49 - Dona Pureza escolhendo arroz que ela plantou e colheu. ................................................................ 110

Figura 50 - Feijão Plantado por dona Pureza....................................................................................................... 110

Figura 51 - Divo em dia de pesca atividade de lazer no Tibagi. ........................................................................... 111

Figura 52 - Divo no barco..................................................................................................................................... 111

Figura 53 - Ribeirinho pescando no Tibagi. ......................................................................................................... 112

Figura 54 - O Rio Tibagi visto de dentro. ............................................................................................................. 112

Figura 55 - PÔr do sol em Lajeado Bonito. .......................................................................................................... 113

7 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 114

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................... 116

12

1 INTRODUÇÃO

Este relatório apresenta por meio de parâmetros teóricos e

metodológicos informações levantadas em campo obedecendo ao que preconiza

o Programa de Salvamento do Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico do

Projeto Básico Ambiental da Usina Hidrelétrica Mauá.

O ponto de partida foi a constatação de uma realidade complexa,

multifacetada que é construída pela atuação de diferentes agentes num

determinado espaço, cuja posição social é diferenciada e marcada pela posse,

de um lado, e a ausência de determinados capitais de outro. Essa realidade

exige o conhecimento e o reconhecimento das diferenças sociais e das situações

conjunturais, além das emergências a que está submetida a população removida

de suas áreas de ocupação tradicional, em função da implantação da Usina

Hidrelétrica Mauá. Este novo cenário proporciona mudanças profundas na região

do Médio Tibagi, entre os municípios de Telêmaco Borba e Ortigueira.

Nas conversas e entrevistas com as pessoas sobre essa nova

realidade que elas estão vivenciando, observamos que o primeiro aspecto é a

valorização dada por elas ao seu “lugar” – esse espaço prenhe de lembranças e

significados – onde nasceram, casaram-se, tiveram seus filhos e de onde tiravam

o sustento de suas famílias. O segundo aspecto que chama a atenção é que

para elas o ideal de vida realizado é aquele ligado ao campo e à vida rural. Sobre

esta constatação, alguns entrevistados expressam uma diferença importante com

relação aos seus filhos adolescentes de suas percepções e desejos. Para elas, a

vida “no campo” é tudo, pois se sentem incomodadas com o “agito da cidade”,

com seus barulhos, com as aglomerações e o ritmo da vida urbana. Já para seus

jovens filhos, a cidade é “tudo”, pois é lá que se encontram os amigos e as

oportunidades do mudo contemporâneo, valorizando, assim, a sociabilidade que

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é possível neste espaço. Com isso, podemos identificar alguns elementos que

irão constituir esse processo de mudança, já que este cenário permite também a

emergência de visões distintas marcadas pelas diferenças geracionais e de

grupos de idade ali existentes.

Um fator complementar para o proposto foi apresentado por Dona

Pureza, que entrevistada em sua propriedade, falou sobre o seu cotidiano na

“lida” com a plantação; o cuidado com os bichos; a beleza do lugar; a

proximidade do rio que via da janela de sua cozinha; do canto dos pássaros

aninhados próximos e das propriedades benéficas da água – de um dos oito

olhos d’água que tem em seu terreno. Temos assim, neste lugar, nesta paisagem

e, especialmente para essas pessoas, algo de muito precioso, tangível e

intangível, que de alguma forma expressa a relação de cada um, com o seu

mundo, com o seu lugar.

(foto da Dona. Pureza na janela da casa)

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Assim, este trabalho é uma narrativa sobre memórias e relatos de

uma comunidade composta predominantemente de pequenos agricultores,

ribeirinhos, pescadores e garimpeiros atingidos pela barragem da Usina

Hidrelétrica Mauá, como já citado, localizada entre os municípios de Ortigueira e

Telêmaco Borba no leito do rio Tibagi. Outros produtos que contam a história

dessa população é a produção de um vídeo que reproduz os principais

momentos das diversas entrevistas e a criação de um acervo fotográfico das

paisagens mais importantes apontadas pelos entrevistados, todas elas

identificadas por GPS.

A rotina da comunidade estava inserida em um contexto de extensão

das águas do rio Tibagi e seus afluentes. A rotina na relação com o rio levava

esses trabalhadores a enfrentar a correnteza das águas e permitia aventuras

repletas de perigos, imprevistos e desafios. Estas condições ligadas ao cotidiano

de trabalho foram matéria-prima para conversas e histórias, contadas como que

sem importância, mas trazendo nas falas a realidade e os devaneios da vida

sofrida.

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Após a cheia do lago, a vida e o trabalho precisaram ser recriados e

redescobertos pelos ribeirinhos e pescadores de Ortigueira e Telêmaco Borba.

As alterações ambientais tornaram inutilizáveis os saberes acumulados por

décadas de convivência com o rio, como nos disseram os pescadores: “vamos

ter de aprender pescar de novo”. Num súbito, a população tornou-se estrangeira

em sua própria terra.

Tendo em mente essas questões, procuramos construir este

trabalho considerando que sua implantação venha a assegurar o direito à

memória, ao reconhecimento e ao respeito dos valores históricos e culturais

desta população para que ela possa ter uma participação efetiva nesse processo,

na apresentação/identificação de suas referências culturais e de seu patrimônio

cultural.

2 APONTAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: PROCEDIMENTOS DOCAMPO

Quando nos referimos a “salvamento” temos explícito o sentido

ligado à preservação de algo que se encontra de alguma forma ameaçado.

Neste caso, o algo ameaçado é um determinado “patrimônio” que pode ser

definido como um conjunto de bens tangíveis, intangíveis e naturais, envolvendo

saberes e práticas sociais.

Esses bens possuem determinados valores que expressam a

identidade de determinados grupos e que são objeto de transferência de

conhecimentos e valores no tempo e no espaço de geração a geração. Segundo

Chagas (2002, p.19), o patrimônio cultural é definido como uma escolha e um

campo de combate, pois “todo projeto de preservação patrimonial resulta de

exercício de poder, ainda que em muitos casos a sua justificativa seja

apresentada em nome do perigo de destruição ou de hipotéticos valores que

todos devem acatar e reconhecer”.

A observação acima marca justamente a perspectiva em que se

coloca o processo de implantação do Programa de Salvamento do Patrimônio

Histórico, Cultural e Paisagístico da Usina Hidrelétrica Mauá. O Cadastro

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Socioeconômico referente à Usina aponta na sua Área de Influência Direta a

existência de 191 propriedades, 33 ilhas e uma população constituída de 378

famílias.

Essas famílias removidas de suas áreas de ocupação tradicional em

função da construção da barragem e do alagamento de uma grande extensão de

terras (área alagada e APP 8.891,00 ha). No entanto, cabe destacar que a

implantação do Programa de Salvamento constitui-se num marco em

consonância com o expresso na Proposta de Termo de Acordo para Indenização

aos Atingidos em que se estabelecem como Diretrizes Básicas:

O plano de indenização deverá obedecer às seguintes diretrizes básicas:· Preservar a cultura e a tradição da população atingida.· Evitar o êxodo rural das populações atingidas pelo futuro reservatório.· Manter o vínculo à terra para os produtores rurais.Propiciar melhoria da qualidade de vida das famílias atingidas. (p.5)

O ponto destacado marca algumas questões importantes por trazer

de início a perspectiva de preservar a cultura e tradição local numa situação

concreta de perigo e de ameaça direta ao patrimônio cultural dessa população,

além de viabilizar concretamente a possibilidade de sua preservação e

reconhecimento. No próximo item, faremos uma melhor caracterização da

população diretamente atingida pelo empreendimento, antes, porém; é

necessário considerar alguns documentos de referência internacional que

historicamente marcaram alguns procedimentos quanto às ações para a

preservação do patrimônio cultural e de algumas mudanças que foram

produzidas em sua constituição.

O primeiro documento que trazemos é o Convênio para a Proteção

dos Bens Culturais no caso de conflito armado assinado em Haya em 1954. É

um documento que referencia pela primeira vez o conceito de “bens culturais”,

que foram pensados naquela oportunidade como portadores de valor histórico

e artístico. No entanto, é interessante observar as transformações que esse

conceito vai sofrer ao longo do tempo são fundamentais para a construção da

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associação entre um bem cultural e seu vínculo, com a ameaça potencial de

desaparecimento.

Um segundo documento importante é o elaborado pela Comissão

Franceschini (Parlamento Italiano), que realiza uma análise dos diferentes bens

culturais, estabelecendo que eles “constituem um testemunho material dotado

de valor de civilização e que possuem interesse de natureza imaterial e

pública” (apud ROTMAN, CASTELLS, 2007, p. 70). Como observa Rotman &

Castells, são os valores que se atribuem aos objetos de referência, sua

significação cultural, a justificativa de sua preservação.

Em 1972, na convenção da Unesco sobre Proteção do Patrimônio

Mundial Cultural e Natural, é elaborado um novo documento que insere novos

sentidos para definir também como patrimônio cultural obras com

características etnológicas e antropológicas singulares do presente. Em 1989,

elabora-se uma recomendação da Unesco (2007, p. 71) sobre a necessidade

de salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular: “compreende-se uma ampla

variedade de manifestações, somam-se as produções de populações rurais

(usualmente identificadas como culturas populares e tradicionais) àquelas

criadas em zonas urbanas por distintos grupos sociais.”

Finalmente, em 2003, com a convenção da Unesco, para a

Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, produz-se uma modificação na

nomenclatura popular e tradicional. Estabelece-se um vínculo mais direto entre

o patrimônio cultural imaterial e os princípios manifestos nas identidades

culturais. Essa alteração procurou incorporar efetivamente uma dimensão do

patrimônio até então pouco privilegiada, que é o seu reconhecimento

expressivo imaterial:

(...) os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – juntocom os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhe sãoinerentes – que as comunidades, os grupos e em alguns casos osindivíduos reconheçam como parte do patrimônio cultural e seus âmbitos demanifestação (tradições e expressões orais, artes do espetáculo, rituais eatos festivos, conhecimentos relacionados com a natureza e o universo etécnicas tradicionais). (2007, p. 73).

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Esse processo de construção de um marco conceitual de tratamento

e definição do Patrimônio Cultural revela-se dinâmico na medida em que

incorporou justamente as manifestações das “culturas populares e tradicionais”,

representando o reconhecimento e valorização daqueles setores sociais até

então excluídos das formas de cultura dominantes. Desta maneira, temos não

somente a inclusão de bens e expressões culturais, mas também de grupos e

setores sociais que passam a ter um espaço de representação nas sociedades

contemporâneas.

No marco desse processo, temos também a transformação do

conceito e das práticas ligadas ao Patrimônio Cultural no Brasil. O tema

“patrimônio cultural” começou a ser formulado no Brasil a partir do Movimento

Modernista da Semana de 22 e teve na figura de Mário de Andrade o seu maior

difusor. Em 1936, a pedido do então Ministro da Educação e Saúde Pública –

Gustavo Capanema, Mario de Andrade foi o responsável pela formulação da

Proposta de Implantação de uma Política de Preservação do Patrimônio

Cultural no Brasil. No ano seguinte, foi criado o Serviço do Patrimônio, Histórico

e Artístico Nacional (SPHAN), a primeira instituição nacional dedicada

exclusivamente à preservação do patrimônio cultural brasileiro, e promulgado o

Decreto-Lei nº. 25/1937, que organiza o processo de tombamento dos bens

culturais a serem protegidos.

Dez anos depois, foi criada a Comissão Nacional do Folclore com o

objetivo de conhecer as manifestações culturais do país e estabelecer o estudo

do tema como um campo de conhecimento. Essa iniciativa foi reforçada, em

1957, com a criação da Campanha Nacional de Defesa do Folclore Brasileiro,

que tinha por missão fazer o registro da diversidade cultural existente no Brasil

e delinear marcos para a sua preservação. Na retomada deste processo, em

1975, é criado o Centro Nacional de Referências Culturais com a perspectiva

de realizar um amplo registro dessas formas de expressões culturais,

recentemente identificadas como expressões do patrimônio imaterial e da

confecção da metodologia hoje desenvolvida para a sua aplicação.

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É perceptível que existe no Brasil, desde 1930, uma constante

liberalidade na interpretação da concepção inicial do SPHAN de preservação

de edificações representativas de determinados períodos históricos (sendo o

período colonial estabelecido como base ao destacar um conjunto de

edificações representativas do Poder Político estabelecido – como fortalezas,

igrejas, quartéis, câmaras municipais e presídios), deixando de lado aquelas

manifestações e expressões ligadas diretamente ao sentido simbólico imaterial

das comunidades espalhadas pelo país.

Dessa forma, dá-se a passagem da referência material-edificada da

cultura e da preservação patrimonial para a imaterial-simbólica, em que

justamente os grupos sociais excluídos (indígenas, caboclos, quilombolas,

negros, caiçaras e camponeses) ganham alguma forma de reconhecimento e

de representação. Tudo isso culminou mais recentemente com a publicação do

Decreto nº. 3551/2000, que institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza

Imaterial e adotou, de forma conjunta, o Inventário Nacional de Referências

Culturais (INRC): “instrumentos legais e técnicos que tiveram por objetivo

estabelecer uma política de identificação sistemática e abrangente de bens

culturais de natureza processual e dinâmica” (OLIVEIRA, 2004, p.3).

Nessa trajetória, promove-se uma síntese quanto à separação

original do patrimônio em material e imaterial, implicando ainda a mudança do

sentido da ideia de tradição, na medida em que as tradições, longe de se

constituírem em elementos estanques e paralisados, transformam-se

justamente para permanecerem presentes os elementos que expressam os

sentidos, significados e valores das comunidades, ou seja, sua identidade.

Outro aspecto que vale ser destacado para os propósitos deste

trabalho é quanto aos significados da utilização do Inventário de Referências

Culturais, porque ele promove o mapeamento dos conhecimentos tradicionais,

podendo associar-se ao conhecimento da biodiversidade e da agro

biodiversidade. Ainda conforme Oliveira (2000, p. 4):

A metodologia propõe sínteses, entre estas, uma, reveladora dos contextosda biodiversidade e como eles são apropriados pelos grupos sociais a partir

20

de suas configurações culturais. Ele realiza na verdade, esta convergênciasocioambiental.

Sobre a metodologia de inventário das referências culturais, deve-se

observar o ponto de intersecção que se cria nesta convergência socioambiental

acima assinalada, pois, nelas estão contempladas todas as dimensões

elegidas do patrimônio histórico, cultural e paisagístico. Essa metodologia

pressupõe a produção de um conhecimento integrado entre as práticas

culturais, os saberes, as linguagens e os espaços em que eles se realizam

(expresso no Programa 9 – Conservação da Flora e da Fauna). Nesse ponto,

finalmente chegamos à questão do patrimônio paisagístico e de seus

significados. Afinal o que é a paisagem?

O conceito de paisagem se confunde com o de natureza, mas dela

distingue-se. Não existe uma natureza em si, apenas uma natureza pensada.

Conforme assinala Lenoble, é ilusório representar a história da humanidade

como se ela se desenrolasse no seio de uma natureza que nada lhe devesse.

Que, em aparência, a coisa se apresenta exatamente assim, é indiscutível.

“Todo o drama humano consiste justamente em escolher entre aparência everdade. A história mostra-nos que só uma extrapolação esquematizantepermite imaginar que a natureza tem um sentido qualquer, independente darepresentação de sujeitos pensantes. (LENOBLE, 1990, p. 18)

A relação entre homem e natureza não se limita ao pensado em

termos científicos. Para tratar da história da ideia de natureza, Lenoble aponta

para o fato de ela ser a expressão de uma determinada experiência envolvendo

necessariamente uma concepção de mundo. Qualquer concepção de mundo

de uma determinada época manifesta-se tanto na ciência, como na arte, na

moral e nas próprias instituições sociais. Isto porque, em diferentes esferas da

cultura, uma representação científica, estética ou moral da natureza vai

necessariamente refletir diferentes estados de consciência.

A unidade de percepção poderá ser apreendida também através da

paisagem, pois, conforme assinala Lenoble (1990, p.198), “uma paisagem é um

estado de alma, que guarda a representação da natureza em sua inteireza”. O

21

termo natureza envolve uma cadeia infinita de elementos, cujas formas passam

por um processo ininterrupto de nascimento e destruição, como uma unidade

fluida do devir, exprimindo-se pela continuidade de sua existência temporal e

espacial.

Assim, designa-se uma determinada realidade como natureza

porque ela possui uma qualidade interior diferente daquela expressa pela arte.

A natureza não pode ser apreendida como um fragmento porque este não é

mais expressão da totalidade da natureza. (SIMMEL, 1988, p. 232).

Simmel (1988, p. 232) diz que “a paisagem apresenta-se como a

delimitação, a captura visual momentânea de um pedaço isolado da natureza”.

No entanto, ao considerar um pedaço da natureza como paisagem e como

expressão de uma unidade, se afasta por completo da noção de natureza.

“A paisagem é uma imagem cultural, um meio pictórico de

representar, estruturar ou simbolizar o mundo. Ela pode ser representada por

vários tipos de materiais, pela pintura, por desenhos e por meio da escrita”

(COSGROVE, 1992, p. 1). Assim, o significado verbal, visual ou construído da

paisagem possui uma história de trocas complexas entre esses elementos.

Essa troca é marcada pela importância cultural que as paisagens vão

adquirindo ao longo do tempo como elementos referenciais de identidades e

culturas diversas.

Em importante trabalho sobre a relação da paisagem e da memória,

Simon Shama procura enfatizar que a paisagem é cultura antes de ser

natureza; um constructo da imaginação projetado sobre mata, água e rocha.

No entanto, destaca que é necessário reconhecer que, “quando uma

determinada ideia de paisagem, um mito, uma visão, se forma num lugar

concreto, ela mistura categorias, torna as metáforas mais reais que seus

referentes, tornam-se de fato parte do cenário”. (SHAMA, 1996, p. 70).

O patrimônio paisagístico histórico-cultural inclui todas as relações e

os conhecimentos criados pela humanidade, seus saberes, seu modo de ser e

de ver o mundo. É um acervo que registra acontecimentos e fases da história

22

de uma cidade ou de um país, podendo ser representado por um conjunto de

bens móveis e imóveis também denominados patrimônio arquitetônico

(TELLES, 1997).

Diante do exposto até aqui, compreendemos que a salvaguarda do

patrimônio histórico, cultural e paisagístico da porção média do rio Tibagi, em

especial as cidades que serão diretamente afetadas pelo empreendimento,

Ortigueira e Telêmaco Borba, apresenta-se como ação estratégica para

promover o conhecimento mais aprofundado de toda esta região e assegurar a

efetivação dos princípios básicos que a tem orientado.

2.1 METODOLOGIA

No desenvolvimento do trabalho, articulamos vários procedimentos

teórico-metodológicos para dar conta da complexidade da realidade

pesquisada. Para cada momento da pesquisa foram utilizadas determinadas

técnicas que permitiram a produção de um conhecimento aprofundado e

sistemático sobre a comunidade da Área de Influência Direta (AID) da Usina

Hidrelétrica Mauá.

A pesquisa com grupo focal se da por meio de uma discussão

organizada com um determinado grupo selecionado de indivíduos para se obter

informações sobre suas visões e experiências a respeito de um determinado

tema. Elegemos esta técnica porque ela nos fornece vários subsídios para o

processo de avaliação da obra em relação aos temas da vida cotidiana, do

patrimônio cultural e das alterações na paisagem promovidas com a

implantação da usina hidrelétrica.

Segundo Bauer & Gaskell, essa técnica poderia ser descrita como

algo parecido à esfera pública ideal de acordo com a descrição feita por

Habermas (1992), pois com ela se realiza um debate aberto e acessível a

23

todos, de temas de interesse comum. As diferenças de posições sociais não

são determinantes, pois o debate assenta-se em um princípio de racionalidade.A ideia de ‘racional’ não é que a discussão deva ser lógica oudesapaixonada. O debate é uma troca de pontos de vista,ideias e experiências, embora expressas emocionalmente esem lógica, mas sem privilegiar indivíduos particulares ouposições. (HABERMAS, 200, p. 79).

A utilização da técnica de grupo focal marca também uma

abordagem compreensiva para a pesquisa porque procura o sentido, o

conteúdo das manifestações da vida social próprias da atividade de sujeitos

que interagem em função de um universo possível de significações (individuais,

sociais, culturais) atribuídas tanto à ação quanto à relação com os outros.

A pesquisa por meio de grupo focal revela-se apropriada em

estágios exploratórios, podendo ser utilizada como método principal ou

associado a outros métodos de pesquisa (quantitativa/qualitativa). A técnica

auxilia também na exploração ou na geração de hipóteses ou, ainda, no

desenvolvimento de questões ou conceitos para questionários ou para

entrevistas.

Nos grupos focais, a emergência de opiniões, preocupações,

prioridades, percepções e contradições entre os atores veem a tona e se

evidenciam de forma perceptível, possibilitando a interpretação e

reinterpretação de diversas realidades vividas e sentidas pelos atores sociais.

Partindo de uma estruturação dialógica, cabe ao pesquisador assumir uma

atitude de escuta, de modo a recolher de forma mais neutra possível as

crenças, atitudes, valores e diferenças de percepções do grupo alvo.

24

Realização do Grupo Focal com os pescadores emTelêmaco Borba na casa do Sr. Lourival.

A característica desse método é que ele permite recolher as

percepções dos atores sociais, livre de ideias preconcebidas e de hipóteses

preestabelecidas. As categorias e os conceitos analíticos são construídos a

partir dos discursos, na compreensão e explicação de determinados

comportamentos sociais, na análise de suas causas e efeitos, em que cada

ator seja incitado pelo pesquisador a participar com sua história, expressando o

entendimento de cada situação colocada em seus próprios termos.

Os parâmetros de validade ocorrem pela garantia de que os

participantes tenham uma experiência específica ou uma opinião sobre o tema

investigado, guiados explicitamente pelos entrevistadores, de modo que a

experiência subjetiva dos participantes é explorada em relação às questões

predeterminadas.

Um dos benefícios na utilização de grupo focal é que ele permite a

obtenção de insights na compreensão partilhada das pessoas em suas vidas

cotidianas e os caminhos por meio dos quais os indivíduos são influenciados

pelos outros em uma situação comum a todos, em um contexto específico, de

uma cultura específica.

25

Grupo Focal dos garimpeiros, realizado do Centro Comunitário em Telêmaco Borba.

Algumas regras devem ser observadas para a realização dos

grupos focais: a) a participação é livre e consentida; b) devem ser realizados

em lugares neutros ou em locais de encontros já reconhecidos pela

comunidade; c) deve ser mantida alguma homogeneidade do grupo mediante a

observação de algum critério estabelecido (gênero, idade, condição do

morador, etc.) para que as opiniões sejam menos discrepantes; d) os

participantes devem sentir-se confortáveis uns com os outros.

26

Grupo focal com adolescentes filhos dos atingidosrealizado na Escola Municipal do Lageado Bonito.

Por essa razão, neste trabalho os encontros ficaram sob a

responsabilidade dos próprios participantes, ou seja, foram eles que se

organizaram, convidaram outros participantes, e escolheram o lugar e a hora

para ser realizada a pesquisa. Os grupos escolhidos, pescadores, garimpeiros,

adolescentes filhos dos ribeirinhos, pioneiros (Família Schneider), foram

selecionados pela representatividade e sua importância no contexto social e

histórico da região. No momento em que iniciamos a pesquisa alguns dos

atingidos já se encontravam fora de suas propriedades na AID da UHE Mauá.

Nos grupos focais existe também o importante papel do moderador.

Este profissional que deve ter um bom nível de liderança e habilidade

interpessoal para facilitar o trabalho. O moderador deve permitir aos

participantes falar uns com os outros, perguntar e exprimir dúvidas, expressar

opiniões, exercendo pouco controle sobre a interação. O moderador também

exerce a função de um observador privilegiado, que tem a obrigação de

perceber e anotar expressões e elementos, que não são diretamente

pertinentes a linguagem falada, como gestos, expressões faciais, incluindo até

mesmo os silêncios em sua observação cientifica.

27

Todo processo de grupo focal deste trabalho foi orientado por

procedimentos éticos. Todos os participantes selecionados foram devidamente

informados sobre os propósitos e usos da pesquisa realizada com à

contribuição de cada um. Os participantes dos diferentes grupos devem ser

encorajados a manter a confidencialidade do que escutam durante os

encontros e os pesquisadores têm a responsabilidade de garantir os dados

anônimos de cada individuo. No caso específico deste trabalho, foram

solicitados aos participantes assinaturas do termo de consentimento e

autorização do uso de imagem para o Consórcio Energético Cruzeiro do Sul.

Para a identificação das referências culturais, utilizamos como

indicação metodológica a proposta expressa pelo Inventário de Nacional de

Referências Culturais – método desenvolvido pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional e regulamentado pelo Decreto nº. 3551/2000.

Segundo OLIVEIRA (2004, p.4-5), alguns princípios básicos devem orientar as

ações de preservação do patrimônio cultural:

- O reconhecimento do valor intrínseco dos conhecimentos

tradicionais associados à biodiversidade e à diversidade cultural;

- As expressões da cultura devem ser compreendidas como partes,

fragmentos de totalidades culturais que, sujeitas à dinâmica da

história, estão em permanente transformação;

- Síntese socioambiental: a diversidade cultural e a diversidade

biológica devem ser entendidas como categorias organizadoras na

perspectiva das ações de preservação do patrimônio cultural;

- Os detentores dos conhecimentos tradicionais devem anuir1

previamente o acesso aos bens culturais – leia-se conhecimento

tradicional – que lhes são próprios, indicando no processo de

consentimento, os elementos que constituirão os planos de

salvaguarda de tais bens;

1 Todo o processo de pesquisa irá partir da assinatura de um Termo de ConsentimentoEsclarecido referente à aceitação de participar livremente fornecendo informações sobre cadaaspecto acerca dos conhecimentos tradicionais, das referências culturais, históricas e paisagísticas,bem como a autorização de uso das imagens captadas durante todo o processo da pesquisa.

28

- O estabelecimento de políticas públicas adequadas de modo a

garantir, aos detentores de conhecimentos tradicionais, a utilização

sustentável da diversidade cultural e da biodiversidade.

Tendo em vista esses princípios, os trabalhos seguiram a indicação

do que está estabelecido pelo Manual de Aplicação do Inventário Nacional de

Referências Culturais (2000). Cecília Londres (2000, p.13) afirma que:

A expressão Referência Cultural tem sido utilizada, sobretudo em

textos que tem como base uma concepção antropológica de cultura e,

que enfatizam a diversidade não só da produção material como

também dos sentidos e valores atribuídos pelos diferentes sujeitos a

bens e práticas sociais.

Foi observado, ainda, que quando se pretende fazer uma

intervenção com o objetivo de preservar o patrimônio ocorre uma reorientação

do uso do solo, em que o ambiente não é apenas natureza – vegetação, relevo,

rios, lagos, flora e fauna – é um conjunto de edificações e paisagens, mas

também são resultados de um processo cultural, pois, se trata da forma como

determinados sujeitos ocupam o solo, utilizam e valorizam os recursos

existentes, como constroem sua história. “Significa também olhar para

determinadas representações que constituem uma identidade da região e de

seus habitantes, que as remetem à paisagem, às edificações, objetos, aos

fazeres, saberes, às crenças, hábitos, etc”. (LONDRES, 2000, p.14).

Os objetos que constituem o inventário são:

1. Saberes e modos de fazer enraizados no cotidiano das

comunidades;

2. Celebrações;

3. Linguagens.

2.2 ESPAÇOS EM QUE SE PRODUZEM AS PRÁTICAS CULTURAIS

29

Os espaços são lugares identificados e delimitados pelos marcos e

trajetos desenvolvidos pela população nas suas atividades cotidianas, são os

chamados lugares focais das comunidades. Dependem basicamente de dois

fatores: mapeamento dos modos de apropriação prática e simbólica do espaço

e da evolução histórica desses modos de apropriação, assim como a

construção estratégica de monumentos e da inscrição tática de marcas

vernáculas na sua forma material. Referem-se, portanto, a processos e tempo.

(2000, p. 32).

Para os propósitos desta pesquisa, utilizamos apenas a etapa de

identificação, pois com a publicação da Instrução Normativa n.º 01 de 2009,

que dispõe sobre a Autorização do Uso do INRC, criou-se um instrumento de

maior controle e burocratização para o uso da metodologia e a reserva de

direitos expressos em seu artigo 5 – itens I e II de todos os produtos gerados

pela pesquisa para o IPHAN - uma vez que a utilização desta metodologia está

ligada aos processos de registro e tombamento dos bens considerados de

natureza intangível e imaterial.

Como o objetivo do trabalho não é aquele associado diretamente à

finalidade do tombamento dos bens considerados patrimônio imaterial das

comunidades, optou-se pela não utilização de qualquer formulário existente no

Manual de Aplicação que suscite algum conflito com o estabelecido na

Instrução Normativa citada. No entanto, consideramos válido, aplicável e

pertinente orientar a pesquisa em torno das referências culturais da população,

com a utilização de outros instrumentos de pesquisa da observação

participante e dos métodos ligados à história oral e histórias de vida. As

questões mais importantes são:

1. Qual é o patrimônio cultural daquelas comunidades?

2. Quais as formas que ele assume?

3. Quais são as estratégias expressas pela própria comunidade

para assegurar a preservação de seu patrimônio?

4. Quais os meios identificados pelas próprias comunidades para

garantir tal processo?

30

Outro procedimento trata especificamente do processo de recolha e

constituição de um acervo com fontes orais. Trata-se, aqui, dos procedimentos

referentes à própria história oral. Esta modalidade historiográfica passou a

desenvolver-se especialmente a partir dos anos 1970, quando da incorporação

de segmentos sociais excluídos. De acordo com Mauad (2005), seu foco

destaca a experiência individual, as redes de relações construídas a partir das

situações vividas pelos diferentes atores sociais. Os testemunhos vivos trazem

a tona aspectos da vida política, social e cultural filtrados pelo vivido, em suas

linhas de significados e sentido.

Não existe, aqui, a preocupação de constituição de uma história

verdadeira, mas de sua relação com aquilo que já se constituiu como um dado

histórico. Ao focarmos a memória dos integrantes de uma determinada

comunidade, procuramos recuperar a trajetória de grupos sociais excluídos,

que de alguma forma ficaram à margem ou silenciados pela história oficial.

No entanto, o recurso da história oral e da memória estará apoiado

no princípio da busca da veracidade e objetividade dos depoimentos

produzidos. Recorremos a entrevistas consistentes, além da busca de outras

fontes documentais, de modo a não corrermos o risco de produzir um

depoimento distorcido.

Procuramos centrar nosso estudo nas representações – que tem

papel de destaque nas relações entre história e memória, na qual os

depoimentos trazem a expressão das formas culturais e dos processos pelos

quais os indivíduos expressam o sentido a si mesmo e ao seu lugar na história.

Consideramos com Bourdieu (1982), “que toda ação de sentido é expressão de

determinado hábitos – dimensão de prática e de representação das práticas

sociais”. Portanto, articular história e memória tem a particularidade de

apresentar os atores e suas próprias representações.

A história oral é promovida por sujeitos em interação, que possibilita

a emergência da subjetividade, de emoções e do cotidiano. Apresenta também

um aspecto relevante quanto à legitimação do tempo presente como

perspectiva histórica, além de valorizar a forma narrativa.

31

Foi privilegiada também a elaboração de histórias de vida de alguns

integrantes destas comunidades, para gerar a produção de uma documentação

sobre a trajetória de alguns personagens da região, seu papel local e o valor

simbólico a eles associado.

A geração dos documentos é resultado do diálogo entre o

entrevistador e o entrevistado, oferecendo a possibilidade da incorporação de

elementos novos à prática da pesquisa. Esses novos elementos foram

constituídos fundamentalmente por meio dos depoimentos orais gravados e

filmados, além da utilização de fontes fotográficas que constituem a memória

visual fixada em fotografias familiares, álbuns de família, fotos de reuniões

políticas e de eventos significativos para esses agentes. Estas fotos faziam

parte do acervo pessoal dos entrevistados.

Com isso, chegamos a outro procedimento metodológico utilizado

nesta pesquisa – o uso de documentos fotográficos. Conforme observa Guran

(1990), o uso de imagens na pesquisa em Ciências Sociais pode ser de dois

tipos: a) a fotografia feita com objetivo de se obter informações; e b) a

fotografia feita para demonstrar ou enunciar conclusões.

A pesquisa, assim, constituiu um corpo fotográfico, que são as

imagens produzidas pelos próprios membros da comunidade estudada. Nela,

tivemos os álbuns de família e outros materiais visuais produzidos pelos

pesquisados sob a orientação do pesquisador. Nesse aspecto, vale destacar a

importância da realização, durante a pesquisa, de oficinas de fotografia para

que os próprios integrantes da AID pudessem produzir as imagens na sua

própria perspectiva sobre o local onde vivem, seu cotidiano e sua paisagem.

Guran (1986, 1990) nos ensina que cada tipo de fotografia deve ser

analisada tendo em conta a sua especificidade e o contexto de sua produção.

“Uma distinção fundamental a ser considerada na análise do material

fotográfico é a natureza emique ou etique da imagem”. No primeiro caso,

quando ela foi produzida ou assumida pela comunidade estudada, encontra-se

forçosamente impregnada pela representação que a comunidade ou seus

membros fazem de si, e por consequência, expressa de alguma maneira a

32

identidade social do grupo em questão. Já a fotografia feita pelo pesquisador,

de natureza etique, é sempre uma hipótese a se confirmar a partir do conjunto

de dados recolhidos ou por meio de outros procedimentos de pesquisa.

As fotografias, portanto, podem ser utilizadas como um instrumento

de pesquisa ou se confundir com o próprio objeto de pesquisa. As imagens de

natureza emique estão necessariamente nesta última categoria, o que não

impede que sejam também utilizadas como instrumento de pesquisa, isto é,

como um meio que o pesquisador emprega para induzir o pesquisado a buscar

a informação que fará avançar a reflexão científica. Aliás, nada impede que

uma mesma imagem, seja ela emique ou etique, cumpra diversos papéis

durante a pesquisa e na demonstração das conclusões.

Segundo Guran, o uso da fotografia é eficaz no estudo das relações

sociais em que os indivíduos se definem por meio da linguagem gestual:

É neste campo que a fotografia como instrumento de pesquisa apresentatoda a sua capacidade "inquiridora" quando apresentada às pessoasfotografadas, cumprindo o papel de perguntas (instrumento-chave). Elacontém um inventário complexo e revelador de elementos sempre vistoscom interesse por aqueles que nela estão representados, na medida emque a imagem reflete a própria realidade destas pessoas” (Collier, 1968, eGuran, 1996b).

Esse recurso permite que as pessoas entrevistadas

expressem diferentes pontos de vista sobre uma determinada realidade,

tornando “evidentes” elementos que foram de alguma forma retirados do fluxo

contínuo dos fenômenos da vida. As entrevistas feitas com fotografias

permitem, por exemplo, que aspectos apenas percebidos ou intuídos pelo

pesquisador sejam vistos – e se transformem em dados – a partir dos

comentários do informante sobre a imagem. Essas informações – definidas por

Maresca (1996, p. 113) como “as trocas que passam pelo silêncio, pelos

olhares, expressões faciais, mímicas, gestos, distância, etc.” -- podem ser úteis

mesmo quando não nos é possível enquadrá-las no contexto lógico do discurso

científico.

33

O uso das imagens fotográficas na pesquisa é reforçado por Caiuby

Novaes, quando afirma que:

O uso da imagem acrescenta novas dimensões à interpretação da históriacultural, permitindo aprofundar a compreensão do universo simbólico, quese exprime em sistemas de atitude por meio dos quais grupos sociais sedefinem, constroem identidades e apreendem mentalidades. (...) Certosfenômenos, embora implícitos na lógica da cultura, só podem explicitar noplano das formas sensíveis o seu significado mais profundo. (NOVAES,1998, p. 116)

Guran destaca, ainda, que os resultados da pesquisa devem ser

apresentados de forma articulada na conclusão entre duas linguagens – a

escrita e a visual – de modo que elas dialoguem ao longo do texto. Para tanto,

é importante que elas se intercalem ao texto, formando um todo com as

informações escritas.

Nessa articulação, a fotografia pode: a) suceder ao texto

apresentando-se como explicação complementar ou como evidência de um

aspecto descrito ou comentado; ou b) funcionar como ponto de partida para

uma reflexão. O primeiro caso é aquele em que a fotografia participa da

descrição do universo físico da pesquisa, bem como de rituais, procedimentos

tecnológicos, relações sociais, etc. O apoio da fotografia propicia uma

descrição mais completa e detalhada de situações complexas, de ações

rápidas.

Mauad (2007) reforça a ideia de pensar a imagem fotográfica como

uma representação, como suporte de relações sociais cujas narrativas definem

a historicidade do próprio ato que a funda. As fotografias fixam e são a síntese

de experiências históricas, implicando a emergência dos tempos tecidos na

representação visual, nas múltiplas histórias que se conjugam para sua

realização.

No que tange às imagens em movimento (vídeos), eles devem

seguir os mesmos princípios que orientam a pesquisa etnográfica, com a

34

diferença de que neles procuraremos seguir uma outra dinâmica, já que a

produção fílmica envolve a necessidade de soluções técnicas e de equipes

distintas. No caso deste trabalho, previmos a realização de várias etapas de

captação de imagens a partir da segunda fase da pesquisa, quando já teríamos

a identificação dos interlocutores-chave para realizar entrevistas gravadas já

com uma produção mais definida. Ou seja, se viéssemos a ter a demonstração

de uma prática (a coleta de determinadas plantas utilizadas para finalidades

terapêuticas ou rituais), esse processo será filmado em sua totalidade.

Da mesma forma, temos os outros momentos previstos no PBA de

remoção e reassentamento da população, envolvendo também a produção de

documentos fotográficos e fílmicos, cujo registro fornecerá a base para a

produção de outros materiais – especialmente aqueles ligados à valorização da

cultura local e à produção de materiais de educação patrimonial e ambiental.

2.3 ETAPAS DE EXECUÇÃO

Foram realizadas atividades de campo de 16 de junho de 2010 a 10

de julho 2010 de maneira permanente. Após esse período, foram realizadas,

ainda, outras visitas para entrevistas individuais, realização de grupos focais e

levantamento paisagístico. Além disto, participamos de diversas reuniões com

equipes de trabalho de outras atividades e programas do PBA, assim como da

reunião da Câmara Técnica de Salvamento do Patrimônio Histórico, Cultural e

Paisagístico do Projeto Básico Ambiental da Usina Hidrelétrica Mauá.

Segundo orientações do projeto, deveriam ser realizadas 50

entrevistas com oito grupos focais, acompanhadas de levantamento fotográfico

e vídeo do universo paisagístico. A partir do início das atividades de campo, foi

observado que a comunidade atingida em Ortigueira tinha em sua maioria

laços de parentesco. Diante da realidade, foi decidido com a supervisora do

trabalho, professora doutora Ana Luisa Salles, que os grupos focais poderiam

ser trabalhados de uma maneira diferente do previsto anteriormente,

privilegiando as configurações familiares existentes.

35

Realizamos grupos de trabalho com casais de moradores que

seriam removidos, com os filhos dos atingidos, com pescadores e com

garimpeiros, ficando ainda o grupo de famílias fundadoras de Ortigueira para

ser trabalhado em janeiro de 2011. As entrevistas foram realizadas com grupos

familiares e com moradores que tinham em suas histórias pessoais,

importância histórica nas comunidades atingidas. Chegamos aos grupos

relevantes do ponto de vista histórico e cultural e aos nomes dos pesquisados

por meio de entrevistas que indicavam quem melhor poderia falar sobre a

história da comunidade.

Além do trabalho de pesquisa com os grupos focais, foram feitas

mais de 5.000 fotos, todas devidamente nomeadas e que serão analisadas e

editadas. Da mesma forma foram realizadas mais de vinte horas de gravações

sobre a histórias das pessoas e da paisagem do local, bem como o

acompanhamento de atividades de pesca e garimpo. Outra ação importante

dentro do projeto foi a realização da oficina de uso do material fotográfico com

os moradores atingidos para que eles pudessem fotografar o que sob, seus

olhares, possam contar suas histórias de vida. Também recolhemos fotos do

acervo pessoal de algumas famílias que contam a história local.

No dia 03 de junho de 2010, houve uma reunião nas dependências

da prefeitura municipal de Ortigueira com a participação da supervisora do

projeto, professora doutora Ana Luisa Sales, e do professor doutor Ângelo José

da Silva onde foi ministrado um treinamento para equipe de execução do

projeto, inclusive dos profissionais de Ortigueira responsáveis pela coleta dos

dados.

A capacitação durou o dia todo, na foto a professora Ana Luisacom os membros da equipe técnica do Projeto

36

2.3.1 Atividades Campo

Reunião na Associação de Atingidos com o Sr. Divonei Schneider

para obter informações e solicitar apoio para a realização das entrevistas e montar

grupos focais com comunidade atingida;

Entrevista com Sra. Irene – esposa de Sr. Geraldo, família removida e

atualmente morando em residência alugada em Bairro da cidade de Ortigueira;

Socióloga Sandra Ramalho entrevistando Dona Irene uma das moradorasdiretamente atingida pela construção da UHE.

Saída de Ortigueira em direção à propriedade do Sr. Pedro “Só”

visando fazer a mudança do mesmo para nova propriedade. O atingido residia

em localidade de difícil acesso, praticamente isolado e com problemas de

saúde. Sr. Pedro teve Acidente Vascular Cerebral, que deixou sequelas

(dificuldades na fala). Outros profissionais acompanharam a mudança: dois

arqueólogos vinculados à empresa de consultoria Habitus;

37

Sr. Pedro “Só” preparando sua mudança.

Realização do primeiro grupo focal com atingidos na comunidade de

Lageado Bonito. Local: escola pública, no dia 19 de junho de 2010, às 13h30;

Grupo focal com atingidos na comunidade de Lageado Bonito.

Trabalho de escritório. Reunião com equipe: Teresa e Débora para

organizar atividades e cronograma de trabalho, priorizando o agendamento dos

grupos focais. Iniciar coleta de imagens fotográficas dos atingidos e já articular

38

entrevistas com os mesmos. Colher assinaturas dos termos de autorizações imagem

e áudio. Levantamento bibliográfico de material que tenha como tema a história do

município de Ortigueira e Telêmaco Borba;

Em 19 de junho de 2010: Saída de Ortigueira para Lajeado Bonito junto

com equipe da produtora de vídeo vinda de Londrina para realização de Grupo Focal

1 – Atingidos já removidos: início da atividade foi às 14h com a participação de 11

moradores;

Saída para Lajeado Bonito para primeira externa junto com equipe de

gravação vinda de Londrina. Gravações com Sr. Adenilson e esposa;

A senhora Genira, esposa de Adenilson, apresentou sua antiga

moradia e todas as plantas que cultivou;

Passagem pela escola municipal do Lajeado para agendar com a

diretora Dulce o segundo grupo focal com o grupo de adolescentes, filhos de

atingidos;

Viagem para realizar grupo focal com adolescentes na escola de

Vargem Bonita;

O grupo focal foi realizado no dia 29 de junho, às 9h com equipe

técnica e equipe de filmagem, tendo a participação de seis adolescentes, todos com

a devida autorização por escrito dos pais;

Após a conclusão do grupo focal foi realizada visita a família atingida

que ainda reside em sua casa próximo ao rio.

Visita ao campo para atividades dos programas de Educação e de

Patrimônio. Nessa data foi feita a entrevista com o Sr. João Santana (benzedor da

comunidade), e após o término, visitamos a nascente a ser protegida dentro do

programa de Educação Ambiental;

Realização de filmagens e fotos das reuniões com os grupos de

pescadores, garimpeiros e da família Schneider;

Realização de oficina de fotografia para moradores atingidos que

tiveram interesse em fotografar o lugar onde viviam;

Foram realizadas diversas reuniões com equipe da Copel, professores

da UEL e participação em reuniões de câmara técnica do GEM - Mauá;

39

Realização de entrevistas conforme lista a seguir:

Tabela 01 – Quadro: Nomes Entrevistados

Nº ME NOME01 101 ADENILSON CORDEIRO GENIRA S.CORDEIRO02 016 AUGUSTO SCHNEIDER ELENIR S. DOS SANTOS

(ESPOSA)03 066 CARLOS ALEXANDRE

DIASVANDERLEIA DOS S.PEDROSO(ESPOSA)

04 116 CLAIRA A. DE JESUS DELIMA

05 037.1A

DAVID TORRES LIMA CASSILDA ANGELO(ESPOSA) E FILHO

06 021 DIVONEI DOS SANTOSSCHNEIDER

SILMARA RODRIGUESCAMARGO

07 076 ELOIR BATISTA DEOLIVEIRA

08 064 JOAO CARLOS DE SOUZA09 116 JOAO MANOEL DE LIMA10 099 JOAO SANTANA VIEIRA MARIA CASTORINA

(esposa)11 034 JONAS CARNEIRO12 074 JOSE DE SOUZA13 022.1

AJOSUEL RODRIGUES DOSSANTOS

14 071 JUAREZ SANTOSPREDROSO

MARCIA DOS SANTOSCAMPOS

15 073 LEONILDES DE SOUZACARNEIRO

DERCILIA DE SOUZACARNEIRO

16 075 MARIA OLIVIA B. DOSSANTOS

TERESA BATISTA DEOLIVEIRA ASSIS

17 071 MATILDE DE SOUZAPEDROSO

18 016 NOELI SCHNEIDER19 005 OSVALDO SCHNEIDER IZABEL DA SILVA

SCHNEIDER20 035 PAULO PEREIRA

MACHADO21 016-

APEDRO CARLOS ALVESDA SILVA

22 065 ROSANA APARECIDA DELIMA

23 067 ROSANA BATISTA DEOLIVEIRA

40

24 072 SILMARA F. PEDROSO VALDECIR SANTOSPEDROSO

25 104 TEREZINHA CARVALHODE OLIVEIRA

26 105 ZENI SOARES DA SILVADOS SANTOS

MATEUS RICARDO DOSSANTOS

27 105.2A

MATILDE CORDEIRO

28 142 ZELIA DE JESUSSCHVITZKI

JOÃO ISMAEL SCHVITZKI

29 142.1A

VALDIVINO DE OLIVIERARAYMUNDO

CEDENIR OLIVIERA LEAL

30 090 DEOLINDO REREIRA DACOSTA

GUIOMAR FERNANDESD. COSTA

31 049 RUTE RIBEIRO LIOVALDO PICHOLE32 049 ALBINO DE JESUS

RIBEIROVERENICE APARECIDAORTIZ RIBEIRO

33 049 JOÃO MARIA RIBEIRO MARIA OLIVIA RIBEIRO34 111.3 JOÃO MARIA MIRANDA35 041 DANIEL SCHNEIDER NAIR DOS SANTOS

SCHNEIDER36 069 DIRCEU RIBEIRO DE

CAMPOSNEUSA APARECIDAGODOI DE CAMPOS

37 071 NAEL VALDIVINO DESOUZA

38 107 IRENE RODRIGUES DOSSANTOS DE LIMA

PORTO DE AREA (IRMÃGENIRA)

39 MARIA DE FATIMA T.LOPES

ISAIAS LOPES

40 MARIA DA SILVA SOUZA MAURILIO SOUZA41 035 PAULO PEREIRA

MACHADO42 EDSON LUIZ CARDOSO *43 JAIRO OBEREK **44 CLAUDINA ANTUNES

TEIXEIRA*45 WILSON GONÇALVES*46 JOÃO AMACENA

FERREIRA*47 JURANDIR DE LIMA *48 EDINIR SANTOS BUENO*49 MANOEL RODRIGUES*50 ARI DE CAMARGO*51 PAULINA ALVES*52 LORIVAL ADRIANO DE

LIMA**

41

53 ELIANE RODRIGUESMENDES*

54 LEONI CASTURINABUENO*

55 ROSANGELA ROCHACAMPOS*

56 ARY LIMA SCHNEIDER*57 JOÃO BATISTA LACERDA58 CASTORINA DE OLIVEIRA59 PEDRO ANTUNES60 CORNÉLIO GOLVEIA61 JOÃO MARIA CORREIA DA

SILVAMARLENE DA SILVA

62 EUNICE RODRIGUES62 JOÃO FELIX DE SOUZA63 MILTON VIERIA SANTOS64 ARISTIDES LOPES65 CARLOS XAVIER66 CELIO DAS NEVES

OLIVEIRA67 LUIZ CARLOS DOS

SANTOS68 RAIMUNDO PUPO

FERREIRA69 RIVAIR CARLOS BATISTA

RIBEIRO70 ILOIR PUPO FERREIRA71 VALDEMIR VIEIRA PINTO72 DENAIR TEREZINHA

CHAGAS. A. VIANA73 PUREZA.....

*GRUPO FOCAL GARIMPEIROS **GRUPO FOCALPESCADORES E ENTREVISTA

GRUPO FOCAL – ADOLESCENTES ATINGIDOS

Nº ME NOME FILIACAO01 ADALTO CARVALHO DE

OLIVEIRATEREZINHA C DEOLIVEIRA

02 101 ADRIANA DOS SANTOSCORDEIRO

ADENILSONCORDEIRO

03 101 ADRIELE DOS SANTOSCORDEIRO

ADENILSONCORDEIRO

04 ANDERSON POPP DOS SANTOS JOSUELRODRIGUES DOSSANTOS

42

05 ANDRESSA POPP DOS SANTOS JOSUELRODRIGUES DOSSANTOS

06 101 TAIS SANTOS CORDEIRO ADENILSONCORDEIRO

2.4 RESULTADOS E PRODUTOS PREVISTOS

- Produção de um banco de dados documental com todos os

registros e documentos levantados pela pesquisa (textuais, fotográficos e fílmicos)

para subsidiar as Ações de Educação Patrimonial e Educação Ambiental;

- Identificação das referências culturais da população e suas formas

de preservação;

- Identificação dos “lugares da memória local” que possam ser

resgatados e preservados por seus atributos históricos, culturais ou paisagísticos;

- Organização de catálogo das imagens captadas que comporão o

acervo do programa.

É importante observar que todo o material gerado durante a

pesquisa poderá se constituir na base para a produção de materiais educativos,

folhetos, catálogos, livros, materiais para exposição permanente e temporária,

documentários e filmes de curta duração.

43

3 DIAGNÓSTICO DA DISTRIBUIÇÃO POPULACIONAL NAS ÁREAS DEINFLUÊNCIA DIRETA

3.1 CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS

No aspecto social, realizou-se levantamento da dinâmica das

populações humanas nas Áreas de Influência Direta (AID) e Indireta (AII),

abrangendo os seguintes itens: demografia, nível de renda, distribuição e

mapeamento da população, qualidade de vida, localização das aglomerações

urbanas e rurais, condições gerais de habitação e infraestrutura, serviços

públicos na área de influência direta, as demandas em relação a serviços de

transporte, de energia elétrica, comunicação, abastecimento de água, coleta e

tratamento de esgoto, bem como saúde, educação e características econômicas

gerais.

3.2 METODOLOGIA

Os estudos socioeconômicos no contexto regional foram realizados

com o objetivo de caracterizar a região sob os aspectos de sua ocupação,

organização territorial, institucional, social e qualidade de vida, a fim de

identificar os principais aspectos que podem, eventualmente, interferir ou serem

influenciados pela implantação do empreendimento.

Para possibilitar as análises socioeconômicas realizadas no âmbito

deste estudo, foram efetuados levantamentos de dados secundários junto aos

seguintes órgãos, instituições e prefeituras:

Fundação IBGE;

Ipardes – Publicações e estatísticas;

Copel – Companhia Paranaense de Energia;

Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná.

Do ponto de vista territorial-ambiental, pode-se dividir o município de

Ortigueira em áreas urbanas e rurais. Na área urbana, as questões sociais

44

correspondem às situações onde as aglomerações humanas têm dificuldade de

desenvolvimento condicionada pela fragilidade da produção econômica, em especial

a população de baixa renda. Em Telêmaco Borba, a divisão territorial caracteriza-se

pela predominância da área urbana, sendo que a área rural não tem interferência

expressiva na dinâmica social e econômica do município.

Na área rural, os problemas quase sempre estão relacionados à

forma como o território é apropriado e explorado. As questões sociais que foram

observadas na pesquisa in loco nessas áreas apontam problemas relacionados à

baixa eficiência dos serviços disponíveis de educação e saúde. Estudos recentes

realizados pelas prefeituras das duas cidades apontam grande déficit habitacional,

seguindo o padrão nacional na área de habitação.

Em síntese, seja nas áreas urbanas ou rurais, em municípios

maiores ou menores do ponto de vista populacional, ou economias urbanas mais ou

menos complexas, o ponto central das questões sociais assenta-se na dificuldade

de obtenção de trabalho e renda. Este fator interfere diretamente nas condições de

vida do morador mais pobre e, indiretamente, na capacidade das atividades

econômicas de produzirem efeitos multiplicadores no que diz respeito à absorção

produtiva da maioria da população em idade de trabalhar.

Tabela 2 – Extensão territorial, densidade e população dos municípios.

POPULAÇÃO 2010

MUNICÍPIO AREA (km2)DENSIDADEPOPULACIONAL(hab./km2) RURAL URBANA TOTAL

Ortigueira 2.432,255 9,61 13.793 9.587 23.380

TelêmacoBorba 1.385,532 50,43 1.432 68.440 69.872

Total doParaná 199.725,46 47,88 1.777.374 7.786.084 9.563.458

FONTES: IBGE - Censo Demográfico e Anuário Estatístico 2000; IPARDES -Tabulações Especiais.

45

A expansão urbana apropria-se de áreas vazias para a implantação

de loteamentos e construção de edifícios residenciais ou equipamentos e serviços

de atendimento à população (comércio e lazer). Com a diminuição de áreas livres,

aumenta-se a pressão sobre áreas tradicionalmente ocupadas pela produção rural,

que acabam cedendo ao mercado imobiliário e fazendo com que a população se

desloque para as áreas mais urbanizadas e menos valorizadas.

É possível observar que, mesmo com baixa densidade demográfica,

o município de Ortigueira tem relativo equilíbrio entre a população rural e a

população urbana, com grau de urbanização de 41,01%; já Telêmaco Borba tem o

mesmo índice de urbanização de cidades de grandes centros urbanos 97,95%.

3.2.1 IDH- Índice de Desenvolvimento Humano

Com relação ao IDH-M2 (Índice de Desenvolvimento Humano), um

dos indicadores mais relevantes quanto à qualidade de vida da população é a taxa

de pobreza, que indica o percentual de famílias com renda familiar mensal per capita

de até ½ (meio) salário mínimo em relação ao número total de famílias residentes na

área em estudo (Tabela 2).

2 O indicador de saúde é a expectativa de vida ao nascer (Longevidade); o de Educação émedido por dois indicadores: a taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais (quecorresponde a 2/3 desse índice) e o número de matrículas nos níveis primário, secundário e superior,com peso de 1/3; por último, tem-se a renda, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita, emdólares, ajustado pelo poder de compra em cada país, expresso em dólares internacionais. As taxasbrutas dos indicadores das três áreas são transformadas em índices (proporcional à posição de cadapaís no ranking) e depois somadas, chegando-se ao IDH. Da aplicação desse conceito para oconjunto de países obtêm-se uma hierarquização dos mesmos, dos mais desenvolvidos para osmenos, a qual se denomina Ranking. O ranking dos países tem a seguinte classificação: 0,800 a0,960 IDH ALTO com os 45 primeiros países; 0,500 a 0,800 IDH MÉDIO com 94 países eabaixo, têm o IDH Baixo, subdivido em de 0,254 a 0,499 com 35 países. Aqui utilizamos o Índice deDesenvolvimento Humano Municipal, que é construído a partir de metodologia desenvolvida pelaFundação João Pinheiro em 1996. Reproduz o princípio da metodologia descrita nos relatórios doPNUD, adaptando-a nas dimensões renda e educação. No caso da renda, substituiu-se a informaçãodo PIB per capita pela renda familiar per capita média do município. No caso da educação, optou-sepor trabalhar com número médio de anos de estudo da população de 25 anos, ao invés de número dematrículas nos níveis primário, secundário e superior. Dessa forma, os indicadores por municípios -IDHM não podem ser comparados automaticamente ao IDH dos países.

46

No caso do município de Ortigueira, da população que vive em

condições de pobreza, o indicador difere do encontrado no Paraná – em torno de

20%. Em Telêmaco Borba, a taxa é de 25%, está acima da média do Paraná. O que

significa que as possibilidades de inclusão social pelas vias formais – emprego

estável, atividades capitalistas clássicas de trabalho por conta própria – são

menores do que as verificadas na média do Paraná.

Tabela 03 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, ranking estadual etaxa de pobreza – Paraná 2010.

IDH – M 2010 Classificação no Estado(2003)

TAXA DE POBREZA(1)

Ortigueira 0,620 399 23,20

Telêmaco Borba 0,767 97 25,68

Paraná 0,787 ---- 20,9

Fonte: PNUD; IBGE.

Cabe destacar que é uma região composta tanto por municípios de

grande extensão territorial, bem como de pequena extensão, voltados para a

pequena produção agrícola.

3.2.2 Educação

Os dados de educação são os que apresentam resultados mais

próximos da oferta universal de serviços, pois, segundo a Constituição Federal,

o ensino fundamental – de 6 a 14 anos – é de caráter obrigatório, portanto é a

política pública de caráter social que visa atingir a totalidade das pessoas desse

grupo etário. Cabe ao município, de forma preferencial, realizar oferta de

educação infantil – creches e pré-escola – para a população de 0 a 5 anos e de

47

ensino fundamental. Cabe ao poder público estadual, preferencialmente, ofertar

a educação em ensino médio.

Quando se observa os índices de frequência na escola, por faixas de

idade, mais uma vez percebe-se a relação entre urbanização e oferta dos

serviços públicos, como é o caso da educação, uma vez que a aglomeração

urbana pode aumentar a densidade populacional em alguns espaços do

território, potencializa o uso dos investimentos públicos.

Os adolescentes na faixa de 15 a 17 anos, idade em que muitos já

concluíram o ensino fundamental e estão no ensino médio e/ou buscam o

ingresso no mercado de trabalho, apresentam frequência escolar diferenciada

frente à faixa de ensino fundamental, que é obrigatório. De um lado, como não é

de oferta obrigatória, o Estado não garante vagas para todos; de outro, muitos

abandonam a escola ao término do ensino fundamental, buscando acessar

precocemente o mercado de trabalho, por pertencerem a famílias de baixa

renda. Soma-se a isso, o fato das taxas de escolaridade encontradas para esse

grupo etário conterem número significativo de alunos que ainda não concluíram

o ensino fundamental, posto que a defasagem idade-série ainda é um

componente da estrutura educacional brasileira.

Em Ortigueira, a distorção estimada por idade-série no ensino

fundamental é de 16,2% e, no ensino médio 20,2%. Estes dados seguem a

média do Paraná. Em Telêmaco Borba, a distorção por idade-série no ensino

fundamental é de 13,6% e, no ensino médio 20,8% – dentro da média da região.

Sobre a manutenção das crianças matriculadas, Ortigueira tem

89,6% de aprovação dos alunos do ensino fundamental e 81,2% dos alunos do

ensino médio. Sendo que a taxa de abandono de 1,5% é considera baixa para o

ensino Fundamental. No ensino médio é de 10.7%. Em Telêmaco Borba, o

percentual de aprovação é de 89,9% no ensino fundamental e de 79,2% no

ensino médio, o que está a cima da média, sendo considerado ótimo. Em

relação ao abandono escolar, 1,7% das crianças do ensino fundamental

48

abandonam a escola e 5,7% no caso dos alunos do ensino médio, índices

também considerados ótimos.

A tabela 4 apresenta o número de alunos por unidade básica de

formação e a tabela 5, o número de docentes vinculados ao sistema de ensino.

Tabela 04 – Matrículas na educação básica segundo a dependênciaadministrativa – 2009.

Alunos MatriculadosMunicípios

Creche Pré-Escola

Ens.Fundamental Ens. Médio Profissional

Ortigueira 115 373 4.485 852 -

TelêmacoBorba 847 1.732 11.607 455 499

NOTAS: 1 – Os dados de 2009 referem-se à matrícula do ensino regular com osinclusos. 2 – Ensino Fundamental: incluí matrículas do ensino de 8 e de 9 anos.

FONTE: SEED.

No ensino profissional 499 alunos estão matriculados em TelêmacoBorba.

Tabela 05 - Docentes e estabelecimentos de ensino na educação Básica-2009.

Educação Básicade Ensino

Docentes(1)

Ortigueira

Estabelecimentosde Ensino emOrtigueira

Docentes (1) T.Borba

Estabelecimentos

de Ensino T.Borba

Creche 6 3 86 16

Pré-Escola 24 15 79 30

49

Ens. Fundamental 248 36 493 44

Ens. Médio 83 6 239 13

Total 316 42 798 61FONTE: SEED. (1) Um docente (professor) pode atuar em mais de uma etapa

e/ou modalidade de ensino. Os dados são referentes aos professores que estavamem sala de aula, na regência de turmas e em efetivo exercício na data de referênciado Censo Escolar. As unidades escolares funcionam no mesmo prédio.

Ortigueira tem 44 alunos matriculados no ensino especial e 563 em

educação para jovens e adultos. Em Telêmaco Borba, 122 alunos estão

matriculados no ensino especial e 1.459 alunos na educação para jovens e adultos.

Sendo que apenas Telêmaco Borba tem uma instituição de ensino superior.

Seguindo a tendência do Paraná, quanto à educação infantil –

creches e pré-escola – verifica-se que é uma modalidade de ensino que tem

crescido, mas ainda não atende à demanda apresentada pelos municípios, pois não

possui caráter obrigatório3.

Tais informações estatísticas, coletadas em 2009, são reafirmadas

durante a pesquisa de campo. Apesar da extensa capilaridade do sistema – é a

política pública mais universal e com maior cobertura – ainda há, pelas dificuldades

de acesso e pela existência de pequena demanda por séries específicas, problemas

pontuais de abrangência.

Percebe-se que, na situação atual de abrangência desse serviço, o

maior problema da educação básica centra-se na qualidade do ensino.

Como será analisado mais adiante, há dificuldades de inserção de

jovens no mercado de trabalho e, paralelamente, inexiste ensino profissionalizante

no ensino médio dos dois municípios objetos deste estudo.

3 É importante destacar que foi aprovada no final de 2005, lei federal que estabelece o ensinofundamental em nove anos. Esta normativa está em fase de regulamentação nos ConselhosEstaduais de Educação e deverá estabelecer os parâmetros para que os municípios adotem, emcaráter obrigatório. Essa outra série deverá ser a incorporação da antiga pré-escola (ensino paracrianças de seis anos), com modificações curriculares.

50

3.2.3 Saúde

Utilizamos para análise dos aspectos relacionados à saúde pública,

três indicadores gerais: coeficiente de mortalidade infantil, número de hospitais e

número de leitos hospitalares (SUS).

O primeiro indicador, coeficiente de mortalidade infantil, aponta para

a qualidade de vida da população e expressa a capacidade de sobrevivência das

crianças de até um ano de idade. Tal capacidade indica se a criança nasceu em

família com renda capaz de lhe garantir as condições de alimentação, tratamento

de saúde e condições ambientais de saneamento básico necessários ao seu

desenvolvimento e crescimento saudável. Como parte dessas condições advém

da ação das políticas públicas de saúde, saneamento, limpeza do ambiente,

geração de emprego e renda, o coeficiente de mortalidade infantil é, junto com as

informações de educação e renda, o alicerce que sustenta o indicador de

desenvolvimento humano da população de um município.

Tabela 06 – Coeficiente de mortalidade infantil – Paraná – 2009.

MUNICÍPIO COEFICIENTE %

Ortigueira 25,32

Telêmaco Borba 16,58

Paraná 20,03

FONTE: SESA-PR NOTA: Dados reavaliados pela fonte. Sujeitos à alteração.

Como se vê na tabela 6, o município de Ortigueira apresenta um

índice de mortalidade infantil acima da média do Paraná, ao contrario de

Telêmaco Borba que apresenta números melhores do que a media do Paraná.

O serviço de saúde municipal de ambos os municípios contempla o

atendimento primário através de unidades de saúde e o do Programa Saúde da

Família com cobertura em todo o Município, atendendo as regulamentações da

51

Organização Mundial de Saúde. Telêmaco Borba também é polo de referência

de atendimento regional para as especialidades médicas de maior

complexidade.

De acordo com as prefeituras, em Ortigueira e Telêmaco Borba, as

equipes do Programa Saúde da Família atendem de 70% a 80% da população

dos municípios respectivamente.

Com referencia a atendimento hospitalar Ortigueira possui uma

instituição com 56 leitos e Telêmaco Borba conta com dois hospitais que somam

197 leitos.

3.2.4 Habitação, Energia, Água e Esgoto

As informações sobre habitação estão diretamente associadas às

formas de distribuição e de investimentos por parte dos gestores públicos, a

capacidade das atividades produtivas (mercado) em gerar emprego e renda e

principalmente a maneira como a população consegue (ou não) apropriar-se e

beneficiar-se do volume de renda gerada na comunidade. Este conjunto de

indicadores que, associado à taxa de pobreza, pode demonstrar que as

condições de vida da população de uma região tem uma ligação direta com o

quantum de investimentos em políticas públicas é realizado na área de

infraestrutura. No conjunto destes indicadores é possível detectar os seguintes

problemas: déficit na construção de moradias populares, falta de adequação

habitacional para o número de moradores por habitação, além de condições

sanitárias precárias nas residências.

Embora se tenha essa informação quantificada por dados oficiais a

partir de áreas ou zonas específicas nos municípios, nas visitas técnicas

observou-se que existem áreas de habitações irregulares, que estão em

pequenas ocupações urbanas, com precariedade construtiva e maior

concentração de pessoas por domicílios. Ou seja, soma-se à precariedade da

moradia e à baixa renda, uma concentração maior de pessoas por habitação,

52

piorando o quadro de qualidade de vida nessas áreas especificamente,

lembrando que na área rural há pequena densidade demográfica por domicilio,

mas as condições de construção das residências não são melhores do que nas

áreas urbanas.

O perfil econômico produtivo da região de Ortigueira é

predominantemente de vocação agrícola. Pode-se perceber que a taxa de

ocupação urbana e rural é proporcional, já a taxa de ocupação ocasional é

muito baixa, o que mostra que o potencial turístico da região é pouco

explorado.

A tabela 7 mostra as características dos domicílios e de ocupação

de cada um deles, principalmente a dinâmica entre o rural e urbano. Uma

característica importante a ser destacada é como a área rural está se

aproximando da média urbana em número de moradores por domicílio. Isso

pode revelar como as famílias que vivem na área rural têm diminuído o número

de filhos e, confirmando o que foi verificado com os atores sociais, quando os

filhos chegam à idade adulta vão morar fora de casa.

Outro dado relevante que diferencia a área rural da urbana é o tipo

de domicílio. Na área urbana predomina a casa de alvenaria enquanto na área

rural predomina a casa de madeira.

Tabela 07 – Número de domicílios segundo uso e zona – Paraná – 2010

DOMICÍLIOSURBANOORTIGUEIRA

RURALORTIGUEIRA

TOTALURBANA

T.BORBA

RURAL

T.BOTBA

TOTAL

Total de domicílios 3.392 5.277 8.669 22.654 579 23.233

Coletivos 5 2 7 32 3 35

Particulares 3.387 5.275 8.662 22.622 576 23.198

Ocupados 3.088 4.251 7.339 21.302 461 21.763

53

Não ocupados 299 1.024 1.323 1.320 115 1.435

De uso ocasional 83 480 563 219 49 268

Vagos 216 544 760 1.101 66 1.167

NOTA: Dados da sinopse preliminar do censo.

Fonte: IBGE – Censo Demográfico.

Sobre as condições de saneamento e abastecimento de água, a

Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (2000) revela que 97,9% dos

municípios brasileiros têm serviço de abastecimento de água; 78,6% têm serviço

de drenagem urbana e 99,4% têm coleta de lixo. Esgotamento sanitário ainda é

o serviço que apresenta a menor taxa, mas já é oferecido em mais da metade

(52,2%) dos municípios brasileiros.

O esgotamento sanitário é o serviço de saneamento básico com

menos cobertura nos municípios brasileiros, embora tenha crescido nas últimas

décadas. Se, em 1989, dos 4.425 municípios existentes no Brasil, 47,3% tinham

algum tipo de serviço de esgotamento sanitário, em 2000, dos 5.507 municípios,

52,2% tinham esgotamento sanitário, o que representa um crescimento de 10%

no período de 1989-2000.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (2000) revela uma

tendência de melhora da situação de destinação final do lixo coletado no país

nos últimos anos. Em 2000, o lixo produzido diariamente no Brasil chegava a

125.281 toneladas, sendo que 47,1% era destinado a aterros sanitários, 22,3 %

a aterros controlados e 30,5 % a lixões. Ou seja, mais de 69 % de todo o lixo

coletado no Brasil estaria tendo um destino final adequado, em aterros sanitários

e/ou controlados. Todavia, em número de municípios, o resultado não é tão

favorável: 63,6 % utilizavam lixões e 32,2 %, aterros adequados (13,8 %

sanitários, 18,4 % aterros controlados), sendo que 5% não informaram para

onde vão seus resíduos. Em 1989, a PNSB mostrava que o percentual de

54

municípios que vazavam seus resíduos de forma adequada era de apenas 10,7

%.

Em Ortigueira, a maioria das casas tem fossa e uma minoria está

ligada em rede geral de coleta. Os problemas são agravados em áreas de

ocupação irregular e mesmo nas áreas regularizadas cuja qualidade física das

moradias é bastante comprometida4. Outro fator é a distância entre o espaço

urbano e o rural, como se trata de dois municípios com área rural extensa, os

domicílios da área rural em grande maioria, se não na totalidade, não possui

água da rede geral e não tem sistema de esgoto. Em Telêmaco Borba, onde a

maioria dos domicílios está na área urbana, há um número maior de domicílios

com rede de esgoto comparado a Ortigueira, porém ainda tem grande

quantidade de domicílios com fossa.

A forma de abastecimento de água predominante na área urbana é

da rede geral, já na área rural o poço é a fonte de água predominante.

As condições de moradia aqui apresentadas ocorrem principalmente

pelas restrições ambientais e condições econômicas desfavoráveis da

população de baixa renda. Esta combinação perversa entre renda inadequada e

política de ocupação de solo incapaz de atender aos mais pobres, mais às

restrições ambientais, faz com que essa população ocupe áreas sem

infraestrutura, em especial áreas próximas às nascentes dos rios, que

inicialmente são desmatadas.

O consumo de energia, esta relacionado às condições de moradia. A

tabela 8 mostra que na área urbana que se concentra o maior número de

consumidores e de consumo em megawatt hora.

Tabela 08 – consumo e número de consumidores de energia elétrica – 2010

4 Trata-se da qualidade material dos domicílios, expressa na qualidade dos materiais utilizadospara sua edificação. Isso não foi objeto de quantificação na pesquisa de campo e nem o CensoDemográfico disponibiliza informações que permitem uma melhor quantificação sobre essesaspectos.

55

CATEGORIAS

ORTIGUEIRACONSUMO(Mwh)

ORTIGUEIRACONSUMIDORES

T. BORBACONSUMO (Mwh)

T. BORBACONSUMIDORES

Residencial 4.859 3.721 34.721 21.165

Setorsecundário 3.068 55 74.115 300

Setorcomercial 2.687 412 16.338 1.482

Rural 5.888 3.128 526 185

Outrasclasses 2.144 165 11.800 250

Consumo livre

(Indústria) (1)460.198 1

TOTAL 18.646 7.481 597.698 23.383

Nota: (1) Refere-se ao consumo de energia elétrica da auto-produção da indústria.Inclui os consumidores atendidos por outro fornecedor de energia e os que possuemparcela da carga atendida pela Copel Distribuição e a outra parcela por outrofornecedor.

FONTE: Copel, Concessionárias – CPFL, Cocel, Forcel, CFLO e Celesc.

3.2.5- Sistema de Produção e Geração de Renda

Com relação à capacidade de gerar emprego e renda, Ortigueira

possui características típicas da área rural. A pequena produção gera poucos

empregos, pois, o trabalho é realizado em grande parte por familiares. A área

urbana sintetiza a aglomeração de maior densidade e complexidade a partir de

atividades econômicas dependentes da dinâmica econômica nacional. Ortigueira

56

assim como a maioria das cidades localizadas fora do eixo urbano das capitais

sofrem com a falta de alternativas que possam gerar empregos.

Em Telêmaco Borba, a população está concentrada na área urbana,

sendo o sexo masculino predominante no mundo do trabalho como mostra a

tabela 9. Em Ortigueira, também há equilíbrio entre população rural e a urbana,

sendo o sexo masculino a maioria.

Tabela 09 – População economicamente ativa (PEA) segundo zona e sexo –2010

MUNICÍPIOS URBANA RURAL MASCULINO FEMININO PEATOTAL

Ortigueira 3.416 6.699 6.907 3.208 10.115

TelêmacoBorba 23.921 1.255 16.559 8.617 25.176

NOTA: PEA de 10 anos e mais.

FONTE: IBGE – Censo Demográfico – Resultados da amostra.

Como mostra a tabela 10, o número de estabelecimentos e

empregos em Ortigueira, na área urbana, está concentrado em prestação de

serviços e comércio. Na área rural, a atividade se concentra na agricultura. Em

Telêmaco Borba, comércio e indústria de papel são os setores que mais

empregam.

Tabela 10 – Número de estabelecimentos e empregos segundo as atividadeseconômicas – 2000

ATIVIDADESECONÔMICAS

ESTAB.ORTIGUEIRA

EMPREGOEMORTIGUEIRA

ESTAB.T.BORBA

EMPREGOEM T.BORBA

Indústria de extração deminerais 1 1 3 11

Indústria de produtos 16 219 9 45

57

minerais não metálicos

Indústria metalúrgica 3 2 23 92

Indústria mecânica - - 10 212

Indústria de materiaiselétricos e comunicação - - 1 1

Indústria de materiais detransporte - - 1 1

Indústria da madeira e domobiliário 3 14 69 2.719

Indústria do papel,papelão, editorial egráfica

- - 13 2.299

Indústria da borracha,fumo, couros, peles 1 3 5 17

Indústria química, 1 3 8 173

Indústria têxtil, dovestuário e artefatos detecidos

1 1 8 23

Indústria de produtosalimentícios e bebida 4 22 25 118

Construção civil 6 62 59 551

Comércio varejista 128 428 674 2.908

Comércio atacadista 4 17 35 132

Instituições de crédito,seguro 2 15 13 125

Administradoras deimóveis 16 98 81 1.087

Transporte ecomunicações 15 43 98 1.403

Serviços de alojamento, 24 71 127 634

Serviços médicos,odontológico 2 31 72 404

Ensino 2 5 19 387

Administração pública 2 829 4 2.005

Agricultura, silvicultura,criação de animais,

229 421 60 202

58

extração vegetal

TOTAL 459 2.282 1.418 15.549

NOTA: Posição em 31 de dezembro.

FONTE: MTE – RAIS

Quanto mais urbano o município, maior a taxa de atividade

econômica, logo, maior o número de pessoas que trabalham ou procuram

trabalho. Isso é facilmente explicado porque, em uma economia urbana, a única

possibilidade de sobrevivência é por meio de inserção em atividade econômica

de base monetária.

Os municípios rurais embora apresentem altas taxas de pobreza,

possuem taxas mais baixas de desemprego. Isso se deve ao fato de que, sendo

a agropecuária de subsistência parte da atividade econômica local, ou seja, não

completamente integrada à economia monetária, ocorre outra forma de

rendimento.

Assim, é possível relativizar as taxas de pobreza, pois, devem estar

incluídas famílias cuja renda se compõe em parte por renda monetária e em

parte por renda advinda da produção de subsistência. Pela falta de pesquisas in

loco para realizar tal quantificação, as taxas de pobreza calculadas sob o

pressuposto apenas da renda monetária são maiores em cidades em que

atividade econômica rural é predominante, caso especifico de Ortigueira.

3.2.6 – Finanças Públicas

Nas despesas do município por função, os maiores valores estão

nas áreas de educação e saúde, como mostra a tabela 11. Os gastos

concentram-se em áreas onde a legislação determina o uso dos recursos, assim

o repasse fica condicionado a gastos com o que foi demandado pelo município.

59

Tabela 11 – Despesas municipais por função – 2009

FUNÇÃO ORTIGUEIRA VALOR(R$1,00) T. BOBA VALOR

(R$1,00)

Administração 7.637.720,42 12.242.341,58

Assistência social 1.483.489,32 3.931.331,47

Judiciária e Defesa nacional 195.824,93 23.071,58

Previdência social 75.600,00 4.240.378,62

Segurança pública 220.740,96

Saúde 5.999.136,37 16.043.712,72

Educação 9.554.476,38 19.434.343,99

Cultura 136.962,50 641.061,33

Urbanismo 986.535,91 9.119.390,14

Habitação 162.919,78

Gestão ambiental 742.499,00

Agricultura 136.832,37 1.254.146,29

Indústria e trabalho 1.070.982,00

Comércio, serviços ecomunicação

35.368,26

Desporto e lazer 474.357,54 1.644.212,68

Encargos especiais 1.533.927,66 3.525.615,01

Saneamento 255.441,71 59.455,33

Transporte 4.478.077,90

TOTAL 29.212.804,11 78.127.150,65

NOTA: Despesas Municipais por Função - correspondem ao nível máximo de

60

agregação das ações desenvolvidas na esfera municipal, para a consecução dosobjetivos de governo.

FONTE: Prefeitura.

4 SÍNTESE DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DA REGIÃO DO RIO TIBAGI

A bacia do rio Tibagi apresenta um complexo conjunto de processos

históricos e culturais que se sobrepõem e dialogam temporalmente, confluindo

na realidade contemporânea da região. Não há dúvida de que os componentes

naturais influenciaram a história região e, ainda hoje, estão profundamente

presentes. Apesar de nos estudos arqueológicos o componente natural ser

imprescindível, é recorrente que nos estudos históricos e culturais ela seja

menosprezada.

Ainda no século XVI, colonizadores europeus chegaram à região,

mapeando-a e prospectando riquezas, na esteira dos quais vieram missionários

jesuítas de origem espanhola – posto que essa área das Américas pertencia, de

acordo com o Tratado de Tordesilhas, à Coroa Espanhola. No complexo de rios

que, hoje, se encontram no Paraná e na divisa com São Paulo, surgiu já no

século XVII um conjunto de missões católicas que determinaram o primeiro

movimento sistemático de ocupação colonial europeia na região. Entretanto,

vindo do norte, o movimento dos bandeirantes determinou ainda nesse século a

dizimação ou a fuga dos missionários e dos indígenas.

Assim, as expedições exploratórias e de ocupação do Estado do

Paraná, no século XVIII, foram marcadas por duas frentes de contato: a do

litoral, onde predominavam os Tupi-Guaranis denominados Carijós; e a do

interior, nas florestas dos vales de encostas e no planalto, onde viviam os

Xokleng e os Kaingang - integrantes do grupo linguístico Jê. Os Kaingang

espalhavam-se pelo norte do Rio Grande do Sul, pelos campos de Palmas,

sertões de Tibagi e Ivaí, chegando a São Paulo (Coelho, 1973:30). O avanço

61

dos europeus e a exploração econômica da região do litoral significaram a

escravização e dizimação do povo Carijó. Já os Kaingang e Xokleng, que

ocupavam os campos e florestas do planalto, foram inicialmente preservados

das iniciativas de escravização dos portugueses.

O avanço dos brancos em território indígena ocorreu pela abertura

da estrada das tropas, ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul (1728) e pela

fundação de Lages (1771) com o consequente surgimento de fazendas de

criação nos campos de Lages, Curitibanos, Curitiba e Guarapuava. O Caminho

das Tropas, que ligava o Rio Grande do Sul a Sorocaba, em São Paulo,

proporcionou o povoamento dos extensos campos do planalto e consequente

pressão sobre os Xokleng e Kaingang.

Com o tropeirismo, acelerou-se a ocupação da margem oeste do

Tibagi, região do Caminho de Viamão. A necessidade de estabelecimento de

pousos e ranchos para as tropas de mulas funcionou como vetor para o

surgimento de vilas, muitas das quais deram origem às cidades atuais. Também

nesse processo, desenvolveu-se a lavoura do mate, traço marcante da cultura

guarani e cada vez mais difundido no sul da Colônia.

Segundo as informações apresentadas no documento Cadastro

Socioeconômico/2007, a região onde está sendo instalada a UHE Mauá é

conhecida como Paraná Velho. A ocupação da região ocorre a partir do século

XVIII, dado que, até então, os portugueses haviam encontrado resistência dos

povos indígenas – Guaranis e Kaingang – ocupantes tradicionais de extensa

área cobrindo as margens do rio Tibagi, rio Ivaí, adentrando os Estados de

Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O que restou desse processo de ocupação para a população

indígena tradicional foi a delimitação de algumas terras e, para o caso que nos

interessa aqui, duas dentro da área de abrangência, mas não diretamente

62

atingidos pelo Projeto Hidroelétrico de Mauá – as Terras Indígenas de Mococa e

Queimadas5.

A região ao longo da história foi marcada pela ocupação extensiva –

de grandes fazendas, mineração, de atividades madeireiras (já que a maior

parte da região era coberta por Floresta de Araucária), estradas de ferro,

colonização e assim por diante, com a instalação da Companhia Agrícola e

Florestal (Fazenda Monte Alegre), em 1926.

Posteriormente, foi implantado um grande projeto de colonização,

através da empresa Companhia de Terras do Norte do Paraná (capital

britânico) que proporcionou o desenvolvimento da lavoura de café (terras altas)

da pecuária, da agricultura de subsistência e de residências (terras baixas).

Esse modelo de ocupação econômica foi eficaz até meados dos anos 70,

quando houve o esgotamento das lavouras de café e a sua substituição por

outras culturas.

Na região do Médio Tibagi, o modelo de agricultura dominante era o

de subsistência e pecuária. Com a implantação da empresa Klabin na região,

todo o cenário do desenvolvimento regional foi alterado pelo predomínio das

atividades ligadas ao reflorestamento e à derrubada da floresta nativa (ocorrida

ao longo dos anos 1930 até meados dos anos 1980). O resultado desse

processo de ocupação fez com que a área rural do município fosse

praticamente toda ocupada com a instalação da empresa de reflorestamento,

sendo a sede do município o núcleo que concentra quase a totalidade de sua

população. Ademais, grande parte das atividades ligadas ao manejo das

florestas plantadas é de alta tecnologia e baixo emprego de mão-de-obra.

No caso de Ortigueira, a atividade principal gerada no município é

aquela ligada mais diretamente à agricultura e à pecuária sendo dominante o

5 Sobre essas Terras Indígenas, foi elaborado documento – Elaboração de Estudos Sócio-Ambientais nas Terras Indígenas de Queimadas e Mococa como atendimento ao Termo deReferência Funai- Ofício n. 235/CMAM/CGPIMA/2006 – Instituto de Tecnologia para oDesenvolvimento – LACTEC – 2007.

63

modelo de agricultura rotativa. Esse município teve sua área mais preservada

ao longo do tempo devido à dificuldade de acesso para o transporte de sua

produção. Com tudo isso, percebe-se muito sucinta e rapidamente que a bacia

do rio Tibagi é um mosaico de processos culturais e históricos, que devem ser

compreendidos e confrontados, pois estão neles boa parte das tensões atuais

e do perfil contemporâneo da região.

A grande dificuldade para o levantamento documental de dados

históricos e culturais da região do rio Tibagi deveu-se a:

Pouco ou nenhum conhecimento da população regional a respeito

da questão do patrimônio;

O claro processo de urbanização e êxodo rural nos municípios da

bacia do rio Tibagi. Quase todos os núcleos urbanos da região cresceram nas

últimas duas décadas, enquanto as cidades de economia agrária com a maior

parte de suas populações na área rural diminuíram sensivelmente. Isso implica

em mudanças culturais das populações rurais;

Consequente colocação em risco de desaparecimento de

manifestações tradicionais – bem como a alteração de suas atividades

econômicas e o inchamento dos centros urbanos. Todas essas dimensões

interferem diretamente na preservação do patrimônio cultural e seu uso como

vetor de desenvolvimento humano. Não há nos estudos realizados para a bacia

do rio Tibagi qualquer consideração a respeito dessa dimensão;

Os estudos a respeito dos povos indígenas e quilombolas da região

ativeram-se, quase que exclusivamente, à dimensão territorial envolvida. Os

estudos a respeito de seus perfis histórico-culturais são absolutamente frágeis e

64

insuficientes. Não é possível afirmar, com os dados atuais o quanto suas culturas

já são ou seriam ainda mais afetadas por alterações regionais. Da mesma forma,

não há qualquer ação proativa no sentido de utilizar a reestruturação de culturas

como ferramenta de fortalecimento de comunidades e desenvolvimento humano;

A grande maioria dos estudos realizados, até hoje, a respeito do

patrimônio cultural na bacia do rio Tibagi não atende às demandas atuais de

proteção e gestão deste patrimônio. A identificação pontual do patrimônio – em

sua maioria esmagadora, o arqueológico – ateve-se às tarefas de identificar,

resgatar e, algumas vezes, comunicar unilateralmente sem transferência de

conhecimento, técnica ou cooperação mútua.

4.1 Formação de Telêmaco Borba e Ortigueira

Em 1941, o então Presidente Getúlio Vargas geria um Estado muito

dependente de importações. A Segunda Guerra Mundial alvoroçava o mundo e

a compra de produtos estrangeiros tornava-se escassa e cara. Notou-se, então,

que o país deveria ser autossuficiente na produção de diversos itens, dentre

eles, o papel.

A fabricação de papel ficou ao encargo de industriais que instituiriam

as Indústrias Klabin do Paraná Papel e Celulose S/A (IKPC). O risco de

implantação era grande, visto que o projeto de construção era para o sertão do

Paraná, onde não havia casas e nem quilômetro de estradas de rodagem.

Entretanto, havia uma vantagem – a existência de grande volume de matéria-

prima para a fabricação de papel.

O primeiro núcleo operacional, com a função de criar a infra-

estrutura da fábrica de papel, fixou local na região central da Fazenda Monte

Alegre e recebeu a denominação de Lagoa. As primeiras atividades realizadas

65

foram obras macadamizadas que possibilitaram, entre outros objetivos, a

construção de uma pequena central hidrelétrica que forneceria energia às vilas e

à fábrica. Esta hidrelétrica recebeu o nome de "Mauá". Além da construção da

usina, houve a necessidade também da construção de um aeroporto, com pista

de 950 m, na época um dos maiores do Paraná. O aeroporto contava com um

serviço aéreo regular ligando São Paulo, Monte Alegre e Curitiba, oferecido pela

empresa Cruzeiro do Sul.

A construção da unidade de fabricação de papel situava-se a 13 km

da Lagoa, às margens dos rios Tibagi e Harmonia. Logo em seguida, foi

construída uma barragem no rio Harmonia com capacidade de 5.000.000 m³ de

água limpa, garantindo o abastecimento de água na indústria. Como

consequência de todo este empreendimento, houve uma verdadeira expedição

ao interior do Paraná.

Em 1947, Horácio Klabin chegou a Monte Alegre como diretor

administrativo das IKPC e determinou a alteração do mapa do Estado do

Paraná, com a inclusão de uma nova cidade, pois já existiam vários núcleos

habitacionais na fazenda de Monte Alegre e, para a indústria, era muito oneroso

manter todo este pessoal dentro da fazenda, que também já não atendia à

demanda por mais habitações.

Observou-se, ainda, que começaram a surgir moradias clandestinas

do outro lado do rio. Iniciou-se, então, do lado oposto à fábrica em relação ao rio

Tibagi, um loteamento de 300 alqueires de terra, chamado "Mandaçaia", mais

tarde batizado como "Cidade Nova". Foi obra também de Horácio Klabin a

construção do bonde aéreo que daria meio de transporte fácil e barato àqueles

que trabalhavam na fábrica.

Entre os anos 1960 e 1964, ocorreram discussões a favor da

emancipação da Cidade Nova – que pertencia a Tibagi. Em 21 de março de

1964, o então governador Ney Aminthas de Barros Braga assinou o

procedimento que deu origem ao município de Telêmaco Borba, que teve como

66

primeiro prefeito Péricles Pacheco da Silva. A denominação Telêmaco Borba é

uma homenagem feita ao coronel Telêmaco Enéias Augusto Moracines Borba,

que atuou como desbravador, colonizador, colecionador e escritor na região do

Vale do Tibagi. As fontes das informações é a Prefeitura Municipal de Telêmaco

Borba e o autor dos dados históricos é Luiz Carlos Lubczyk.

Por volta de 1900, Adolfo Alves de Souza, Domiciano Cordeiro dos

Santos e Marcílio Rodrigues de Almeida, procedentes do distrito de Socavão no

município de Castro (PR), com uma caravana de sertanejos instalaram-se num

outeiro chamado Monjolinho, formando ali um pequeno povoado, em terras

então pertencentes ao município de Tibagi. Existia na região, ocupando uma

área de aproximadamente 300 alqueires de terra, um espesso taquaral seco,

que foi queimado por aqueles pioneiros – episódio que levou o povoado a ser

conhecido como de “Queimadas”.

Dada a exuberância e a fertilidade de suas terras, outras pessoas

chegaram à nova povoação, destacando-se Isidoro da Rocha Pinto, Manoel

Teixeira Guimarães, Salvador Donato e Francisco Barbosa de Macedo – que

completam o quadro de primeiros habitantes de Queimadas.

Pela lei Estadual nº 2.030, de 12 de março de 1921, foi criado o

distrito judiciário de Queimadas, no município de Tibagi. Pelo decreto-lei

estadual n.º 199, de 30-12-1943, o distrito de Queimadas passou a denominar-

se Ortigueira. A alteração do nome se deu em virtude da existência, no Estado

da Bahia, de outra localidade chamada Queimadas.

Através da lei estadual nº 790 de 14 de novembro de 1951

Ortigueira foi emancipada de Tibagi e elevada a condição de município. O

território do municipio de Ortigueira foi contituido do desmembramento do antigo

distrito de Tibagi acrescido de outros quatro distritos – Barreiro, Lajeado Bonito,

Monjolinho e Natingui (ex-Bela Vista) – mais parte do território do município de

Reserva. A origem do nome Ortigueira deve-se à existência em grande

quantidade na região de plantas conhecidas pelo nome de "Urtiga". A planta tem

67

as folhas cobertas de pêlos finos que, em contacto com a pele, produzem um

ardor irritante. A fonte das informações são do IBGE.

4.2 A chegada dos Schneider

Ao iniciarmos a pesquisa de campo para este trabalho, fomos logo

informados de que a família Schneider era quem havia iniciado a ocupação do

território, que conhecemos hoje como Ortigueira. Ao realizarmos pesquisas

bibliográficas, não localizamos material que confirmasse a informação. Assim,

neste capítulo, vamos relatar a história contada em uma entrevista, realizada em

uma pesquisa de campo deste trabalho, com o Sr. Osvaldo Schneider

descendente do Sr. Eduardo Schneider. A transcrição é fiel ao modo de falar do

entrevistado.

O Sr. Osvaldo Schneider contou-nos que:

Meu bisavô ele era da Alemanha, o nome dele era Delfino mais alguma coisa

Schneider, ele fugiu, veio para Curitiba não agradou, só tinha uns brejão.

Ele tinha que tá escondido, aí ele veio aqui em Tibagi montaram um bairrinho, ele

era ferreiro bom usava forma arma. Ele fazia de tudo para a poícia, mas como

tava vindo muita gente aqui, ele resolveu correr de novo de medo, de alguém

entregar ele. Daí ele veio na Canoa Grande lá em Tibagi, veio, veio, ai donde tem

o saltinho do alemão. Então ele se acampou um pouco por ali. Daí ele achou que

convinha se muda pra mais longe, daí ele desceu com a canoa bem grande, veio

e acampou lá embaixo. Ali em cima que eles falam buraco quente, ali em cima, ele

fez uma oficina ali de novo, tudo era dele aqui.

A gente não sabe por é mais novo e essas coisas eu fiquei sabendo bem porque

tinha um tio mais veio, ele explicava tudo essas coisas pra mim. Como é que eles

viviam, como é que passou a vida dele. Meu pai nunca explicava nada e nem

ensino a língua deles. Meu pai Era Eduardo Schneider, aquele outro que já é

morto é Eduardo Sobrinho Schneider, era primo meu. Bom e daí o meu bisavô

pego essas terra, de quinhentos e pouco alqueires, a divisão com Palmital, mas na

época ele não tinha o dinheiro pra pagar a medição, ele deu cento e cinco alqueire

pelas despesas com os documento! Aí ficou com quatrocentos alqueire, ficou

entre a família tinha os meus tio que se crio tudo aqui, depois sumiram tudo!

Foram embora pra Curitiba, outros tomo outro rumo, outros pra Rondônia, então

68

desapareceram tudo! E nós fomo ficando com a herança, um ficou com um

pedacinho, outro com outro, uma parte já deveram, outros tão em sulforosa, outros

tão pra Curitiba também. E eu fui ficando, mas fui comprando uns boizinhos.

Aqui ficou o meu avô e ele morreu também, daí ficou o meu pai que é o Eduardo

Schneider, fico o Jonas Schneider. O Felipe, ele tinha a parte que era da mãe e

ele vendeu, por isso que ele ficou com menos, foi embora pra Curitiba, montou lá

uma casa, aí resolveu voltar, aí conseguiu mais uns pedaço lá, sete alqueire e

pouco por aí, então ficou nós dois só aqui. Daí os irmãos por parte de pai, os mais

novo, que é da minha madrasta a Dona Lurdes, mas já moram tudo lá pra cima,

não fica perto do rio. Que vai fica perto só eu aqui. Meu bisavô tinha medo dos

russos, um russo era médico veio fugido de lá, mas correu por outra parte, ele veio

se acudi aqui com os alemão! O meu bisavô com o meu avô mexiam com

alambique eles tiraram, faziam roda d’água. Aí formaram cafezal, canavial grande,

bananal, quando eles vieram pra cá eles trouxeram o “linguará”(intérprete) junto

senão eles não pudia fica aqui, os índio matava. Ele trouxe o linguará, é quem

entende a língua do índio e a nossa... pra prosia com os índio, explica pra nós o

que o índio ta querendo. No tempo do pai nós fazia polvilho e farinha de

mandioca.

Também tinha alambique, para fazer pinga e açúcar, essas coisas, mexe com

cana. Dali ele cortou uma picadona passando por esses meio aqui e foi pra

Ortigueira. Daí isso já com os índios manso, ficaram amansando, ficaram

domesticado até, que chegaram os branco, chegaram e não agrediram eles, eram

amigo, e começaram a fazê pinga. Eles os índios gostavam de pinga.’ Para plantar

naqueles tempos era queimada, porque eles tacaram fogo, queimou tudo o lugar

então punharam o nome de Queimada, não era Ortigueira.

Outros entrevistados da família Schneider, confirmaram que a forma

de ocupação realizada pelos brancos da região do Tibagi, deu-se de maneira

pacífica. Ainda hoje, a família Schneider é bastante numerosa na região. Para

este trabalho foram realizadas entrevistas com diversos membros que nos

contaram histórias muito semelhantes, ficando aqui, portanto, o registro comum

a todos os relatos.

69

FIGURA 1: FAMÍLIA SCHNEIDER NO BARCO

Foto: Fornecida por Dona Lurdes, fotógrafo desconhecido.

FIGURA 2: FAMÍLIA SCHNEIDER EM FOTO DE JORNAL DA ÉPOCA SOBRECULTO DE AÇÃO DE GRAÇA

Foto: Sr. Eduardo Schneider com descendentes, o fotógrafo era um membro dafamília.

70

5 SOBRE A CULTURA E A MEMÓRIA NO CONTEXTO SOCIAL DOS ATINGIDOSPELA CONSTRUÇÃO DA UHE – MAUÁ

A descrição da população atingida pela Usina Hidrelétrica de Mauá6

traz não apenas a problemática questão de uma realidade complexa mas também o

desafio de identificar os elementos essenciais de sua cultura em relação ao contexto

da execução do empreendimento.

Metodologicamente e para fins de análise dos dados conquistados

por meio de entrevistas e grupos focais, poder-se-ia separar os diferentes grupos

pela correlação entre as mais diversas variáveis sociais e culturais encontradas. Por

outro lado, dado ao quadro social que ali se estabeleceu, é possível também

conceber o grupo com base no elemento essencial que os identifica: a situação de

atingido.

Ambas as formas de caracterização – a da diferenciação e a da

unidade de grupo – privilegiam uma situação presente, mas que tem importante

influência na percepção do passado.

Além disso, é necessário considerar que a cultura é dinâmica. Esta é

uma afirmação que pressupõe que os modos de agir, pensar e sentir característicos

de um grupo social não são estáticos e, portanto, transformam-se ou adaptam-se

pela própria dinâmica social servindo como ferramentas de comunicação e ação, na

interpretação do mundo natural e social.

Os elementos que promovem essas mudanças podem ser políticos,

econômicos, sociais ou até mesmo naturais. O acesso à terra, a oposição entre o

trabalho e o lazer, a religiosidade e a urbanização são alguns exemplos desses

elementos. É justamente a forma com que cada grupo social interpreta essas

mudanças que o particulariza.

Isso remete à questão da interpretação das culturas e do relato que

dela fazem os indivíduos, uma vez que os traços culturais tornam-se relevantes de

6 Em referência ao “Plano de Trabalho para a Implantação do Projeto de Salvamento doPatrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico referente ao Programa Básico Ambiental da UsinaHidrelétrica Mauá”.

71

acordo com o contexto experimentado. Em outras palavras, a organização

identidária não é definida primordialmente, mas sim pela significação que os

indivíduos fornecem aos elementos de mudança.

FIGURA 3 – GRUPO DE GARIMPEIROS

Foto: pesquisa de grupo focal com os garimpeiros.

Existem casos em que a situação de mudança social é acelerada.

Nesses contextos, como explica Agier (2001, p. 10) os estatutos sociais tendem a se

recompor, e os indivíduos e a cultura tornam-se um problema de ajuste social na sua

definição e individual em sua experiência. Isso explica, por exemplo, o fato de que

cada indivíduo pertencente ao grupo pode interpretar as mudanças de forma

diferente, embora inseridos na mesma cultura de referência.

5.1 A concepção de lugar e o conflito da mudança

Outro ponto importante é caracterizar o grupo social e nele encontrar

uma cultura particular ou, pelo menos, particularizada. Para tanto, pode-se

relacionar variáveis relevantes do contexto, como a relação do grupo social com o

72

“lugar”, espaço físico revestido de significação simbólica. O relato abaixo é

exemplar:

Primeiro, a questão, a pessoa, o lugar que ele mora, porque digamos

assim, todo mundo valoriza seu lugar, ele já queira ou não, ele vai tê

que mudá, né?. [...] então tem esse lado sentimental, né. Eu sim, tipo

assim, eu tenho uma visão talvez diferente, sabe? Porque o que faz o

lugar é a gente, né. Mas a maioria do pessoal não pensa esse lado,

então tem esse lado sentimental, né, que vai deixá lá trás. É que nem

tem um pessoal que tá por aí fazendo levantamento, né. Só vai ficá

na lembrança depois. [...] né, um lugar que passou tanta gente vai

encher de água, é o passado, né? (Sr. Paulo P. grupo focal Lajeado

Bonito). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

A relação entre o lugar e a mudança torna-se problemática, portanto,

na proporção da re-significação simbólica. A situação relatada, elemento de

memória, evidencia também que o grupo se caracteriza pela vida comunitária entre

habitações mais ou menos próximas. Nesse sentido, a memória não envolve a

propriedade da terra em si: o que existe é uma noção de territorialidade como

elemento de um modo de vida em comum.

73

FIGURA 4 - CASA DE SEU DAVI

Foto: Casa do Sr. Davi com a esposa e o filho.

Assim, aspectos culturais e comunitários tornam-se

interdependentes. Tais aspectos comunitários podem ser entendidos simplesmente

como a rede de relações que se estabelecem entre pessoas que habitam juntas em

um mesmo lugar. Mais do que habitar, é o lugar em que habitualmente vivem,

trabalham e criam suas famílias.

Porque até no começo, ia ser um reassentamento coletivo, vamo supor, opessoal daqui ia ficar aqui na região o rapaz de lá ia ficar na região, então iacomprar uma área pra fazer um coletivo, depois chegou no fim e optarampor individual. Então com essa história de individual, o que que aconteceu, éisso aí que você tá falando, um vai pra lá outro vai pra lá... Porque se é ocoletivo ficaria, continuava, aqui é uma continuação, né,... (Sr. João, grupofocal Lajeado Bonito). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

A opção contrária à mudança para uma área coletiva e o

consequente reassentamento individual foi tomada pelas próprias famílias atingidas.

Nesses casos, a mudança pode ser relatada com insegurança justamente pelo fato

de que é naquele determinado lugar que o indivíduo comum é parte do coletivo, nele

é reconhecido como membro do grupo. Assim, embora a distribuição geográfica de

74

um grupo social seja importante para caracterizá-lo, são os vínculos estabelecidos

com as pessoas entre si - e delas com o lugar - que marcam a interpretação do

contexto vivenciado.

Outra coisa, hoje a, a amizade da gente não tem dinheiro que pague, né. Cêtem uma amizade aqui, que nem eu que to com 49 anos, me conheço, meconheço por gente faz quarenta, né. Eu tenho amizade de quarenta anospor aqui, não tem dinheiro que pague. Hoje eu sai daqui, pra ir morar lá nooutro lugar lá, pra fazer novas amizades, e se chega lá e se dá mal comvizinho lá? Né? [A amizade...] não tem dinheiro que pague, pra mim nãotem dinheiro que pague. Porque eu fui criado aqui, e eu ando de cabeçaerguida em qualquer lugar aí e pretendo ficar por aqui mesmo, as criançastão acostumadas aqui, escola aqui, né. (Sr. Pedro Carlos, entrevista). Atranscrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

Porém, é necessário considerar, como alertam Cavignac e Ciacchi

(2007, p. 331), que ao ouvir um relato sobre o passado, ouvem-se recordações e

eventos vivenciados por um grupo que está inserido em um determinado contexto

social, político e cultural. Esse período histórico relativamente determinado e

expresso pelos relatos traz a memória de um tempo passado que é transportado ao

presente conflituoso e, muitas vezes, projeta um futuro incerto.

O seu João tamém a mesma coisa, então, ninguém aqui praticamente vaificar perto.

Vai se separar; é a mesma coisa de separar um gado dum pasto pro outro.(Sr. Paulo P. grupo focal Lajeado Bonito). A transcrição é fiel ao modo defalar do entrevistado.

A territorialidade, portanto, refere-se ao grupo social dos atingidos

considerados do ponto de vista da distribuição geográfica – não só dos indivíduos,

mas das instituições que a compõem – enfatizando o caráter de vida comum da

comunidade e não apenas a de coexistência física.

75

No momento de enfrentar a mudança, o comportamento individual

passa a ser baseado em um consenso cujo conteúdo é relatado por meio de hábitos

mais ou menos organizados, sentimentos e atitudes sociais com objetivo comum,

fornecendo a ideia de comportamento unificado.

FIGURA 5 - PLANTAÇÃO ADENILSON CORDEIRO

Foto: Plantação de milho na casa nova do Sr. Adenilson Cordeiro.

O sentimento de condição grupal e a moral, que subordina o

comportamento do indivíduo ao do grupo, resgatam da memória acontecimentos

selecionados que justificam a condição presente. Tornam-se, às vezes,

representações coletivas que, aqui, designam conceitos, símbolos e linguagem

própria que personificam a existência coletiva.

Eu tô com saudade do lugar lá embaixo [...] É de tudo isso, que eu faleipro’cê; prantá coisa, criá galinha, criá porco, como eu tinha lá, prantámandioca... (Sra. Irene, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falar doentrevistado.

76

É com base no contexto de mudança, o caso específico da Sra.

Irene que na ocasião da entrevista estava morando de forma provisória em uma

casa alugada pelos empreendedores na cidade, que encontram-se as expressões

sobre a saudade, a particularidade do “lugar” e de como ele foi vivenciado, como

demonstram os próximos subtítulos.

5.2 O “LUGAR” E O “RIO TIBAGI”

Perceber na oralidade os fatos de uma memória seletiva, é como

esclarece Oliveira (2008, p.199), evidenciar a importância dos significados

impressos nos fatos narrados. A memória define-se pela concepção de um universo

mental que se transfigura em substância social, que tem o passado como parâmetro

de seleção, mas é também uma prática que se realiza no presente. É justamente

essa continuidade discursiva que faz da memória uma espécie de documento do

passado (OLIVEIRA, 2008, p. 201-2002).

A relação com o “lugar”, então, traz à seleção da memória aquilo que

é diretamente proporcional à relevância simbólica da história do grupo social: o rio

Tibagi.

Muito, muito. O rio significa muito. Ele é um, é um marco na nossa história,na história da nossa família. Porque a família sempre teve na beira desserio, pelo menos o começo de todos foi aqui, foi aqui na beira do rio. Hojetem muita, muita, muitos da família Schneider em Curitiba, em Telêmaco eem outros lugares, mas todos se criou por aqui né. Nasceu e se criou poraqui, depois por causa de opção de trabalho, estudo, foram saindo né? (Sr.Divonei, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

Pelo tempo que a gente vevi aqui já... Desde criança, eu lembro até oprimeiro peixe que eu peguei! Era uma piava, era meia branca assimpintada de preta assim e as asinha vermeinha... ai naquele tempo ascriança não sabia as idade, por que os pai os alemão era muito brabo, elesnão ficavam ensinando a gente! Não... eu acho que eu tinha uns 6, 7 anos.Pelo tamanho que eu era né...já tava lá pra beira o rio lidando com arroz,ajudando a limpa arroz, dos arrozal, fazendo arte pros outro... e trabaiandojá! (Sr. Osvaldo Schneider, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falardo entrevistado.

77

FIGURA 6 – RIO TIBAGI

Foto: Do rio Tibagi entre Telêmaco Borba e Ortigueira

FIGURA 7 – SALTO APARATO

Foto: Ponto paisagístico Salto Aparato, local de lazer no verão.

78

Além de servir como uma espécie de “mito de origem”, o Rio marca

também certo sentido de autossuficiência local como habitat humano. Para além do

custo da terra e das particularidades da produção, grande parte das práticas sociais

do grupo tem como referência o rio.

Meu avô veio de Tibagi. E desceu por água pelo rio Tibagi. [...] Ele quepegou a família. E colocaram em canoa naquela época, lá em Tibagi, edesceram de lá por, por água, pelo rio Tibagi... Que, naquelas época nãoexistia estrada, não existia nada, esses meio nossos aqui. [...Era] só porágua é, o transporte deles. Então ele desceu por água, e veio e se agasaiôaqui na, onde tem esse... tem um ‘aroinho’ que passa bem aqui nesse fundoaqui ó? E faz barra no rio Tibagi. Então meu avô veio, e pensou que ali jáera o terreno né. Ele se agasaiô ali. Mas a divisa ainda era mais pra baixoum pouco né, era no Cachoeirão, uma cachoeira grande que tem. E ele seagasaiô ali e montou um, um engenho ali, para, para [...] (Sr. AugustoSchneider, entrevista com a família). A transcrição é fiel ao modo de falar doentrevistado.

Além disso, como demonstra Brandemburg (2010, p. 419), nos

lugares ou espaços onde predomina a pequena propriedade familiar, tendem a

surgir organizações sociais que vão constituir espaços de sociabilidade mais

amplos, extrapolando o núcleo familiar. As relações de vizinhança, o sentimento de

pertencer e o “compadrio” são formas de sociabilidade características dessas

organizações comunitárias.

No caso do grupo social dos “atingidos”, o rio Tibagi traz significados

particulares para essas relações de sociabilidade:

Bom, primeira coisa que não volta, por exemplo é a própria pescaria da, daregião, que era no mais no sentido do lazer mesmo, né? Que era, que era,essa pescaria que a gente fala, era mais, na nossa região era mais nosentido do lazer mesmo, e era mais lazer e encontro dos amigos mesmo,né? [...] Então sempre foi aqui, quem pescava comigo mesmo, né quempode falar é o Paulinho, o Josuel, mais outras pessoas, a gente acaboufazendo muita amizade através de pescaria, então o rio, ele não vai tê mais.(Sr. Divonei, grupo focal Lajeado Bonito). A transcrição é fiel ao modo defalar do entrevistado.

As relações de sociabilidade caracterizadas nas atividades de lazer,

de pesca, são importantes momentos de encontro e reforço do sentimento de

79

pertencimento. A relação com o meio físico não é, portanto, definida

primordialmente. Existe uma interdependência entre o significado de pertencer ao

grupo e participar das atividades consideradas por ele relevantes.

FIGURA 8 - DIA DE PESCA

Foto: Adenilson e esposa no barco preparando a rede.

FIGURA 9 - PESCA DE FAMÍLIA DE RIBEIRINHO

Foto: Adenilson estendendo a rede para pesca.

80

De forma complementar, o próprio sentido paisagístico é apropriado

como forma de expressão da relação entre a vida social e o meio natural. Como

esclarece Delphim (2008, p. 89) “toda paisagem é cultural”. É nessa relação que a

memória fornece sentido ao espaço físico.

O quê que ele [...o rio] significa? Olha, é uma grande parte da, da vida dagente. Dá alegria, né? De poder contemplar... aquele fato de entrar numacanoa, num barco ali e atravessar até a areia, e passar ali horas nadando. Eeu aprendi nadá! Quando eu, eu tava internada né, nós aprendemo a nada.Então, faz parte... (Sra. Elenir, entrevista). A transcrição é fiel ao modo defalar do entrevistado.

Pra você vê mesmo. Domingo passado eu peguei a minha esposa, a minhamenina, fumo lá só pra, pra só pro mode deles andá um poco de de debarco , pra matá a saudade da berada do rio. (Sr. Adenilson, grupo focalLajeado Bonito). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

Aqui nóis ia no rio né... cheio de cachoeira, [...] a gente conhece tudo! [Tembarco?]

Tem barco, nóis sabe onde que tem é banhado, mais nóis fala que é areia,tem de pedra... então quando vem uma pessoa estranha, já tem os lugarcerto de nóis passear rio... é sempre aqueles baixio né... as criançabrincam, as muié brincam por ali no baixio... sabe então pode ir né... éassim né, outros já saem passear no rio.

Ah eu acho que se enche agora vai mudar tudo né! Vai ficar muito feio! Euacho! Vai estragar né! Daí invade tudo de água!

[O rio] É bonito, é gostoso! Ah sempre nóis vai né, anda pelo rio, passear,as veiz quando é tempo de pega um peixinho a gente pega um peixinho!(Sr. Osvaldo Schneider, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falar doentrevistado.

81

FIGURA 10 - FOTO PAISAGÍSTICA

Foto: Cachoeira do Alemão.

Se, por um lado, a “saudade” e a “contemplação” demonstram o

sentimento afetivo fornecido à paisagem local, por outro, a perspectiva conflituosa

da mudança torna-se um elemento relevante da memória, tanto em seu aspecto de

sociabilidade quanto no sentido paisagístico.

Porque agora daí veio essa invasão das águas na, lá nas terra. Tirou aparte do lado verde, e eu mesmo gostava de ir passar o dia, levava umfranguinho caipira lá no,no barraco como diz a, nos dizemos na nossalinguagem popular, no rancho.

E passar lá o dia. Quando era mais nova e mais saudável, eu gostava atéde pousar. Levava a, roupa de cama, as coisas tudo, pra gente montar láuma cama limpa, pra dormir lá. E comer um franguinho viradinho, de feijãocom toresmo. Tudo tão bom. Né, daí agora já, já... já perdeu essa alegria,porque daí muitos dos barraco já foram tirados, e perdidos lá no meio da, domato. (Sra. Elenir, grupo focal Lajeado Bonito). A transcrição é fiel ao modode falar do entrevistado.

82

Mais uma vez, Brandemburg (2010, p. 420) auxilia na interpretação

desse contexto mostrando que existe uma racionalidade própria desses grupos que

ocupam um espaço rural e familiar, atendendo não somente aos objetivos da

reprodução física e social, mas também de preservação de seu patrimônio natural.

Nessa relação entre as práticas sociais, como as atividades de lazer e o ambiente

natural proporcionado pelo rio Tibagi, a mudança pode ser interpretada como uma

ameaça à sua reprodução cultural e social.

Entra em jogo, então, a percepção do meio ambiente. Nesse caso, a

memória da sociabilidade é permeada pelas imagens da natureza.

Aí eu vejo uma transformação, talvez pros atingido prá uns melhor e práoutros talvez com aquele sentimento de perder essa coisa rica que é ascorrenteza do rio Tibagi que é um dos rio mais bonito do Brasil hoje. [...]porque esse pessoal geralmente os ribeirinho né, todos eles nasceram,viveram, se criaram diante do rio Tibagi, um rio com muitas espécie depeixe e que agora vão estar todas ameaçadas então, até a gente conseguirnovas espécie é um caso perdido... (Sr. Kiko, entrevista). A transcrição é fielao modo de falar do entrevistado.

Entende-se desse típico relato, o aspecto simbólico que sobrepõe

cultura e a natureza. Com base nessa perspectiva, o conjunto de crenças e valores

compartilhados proporciona um marco comum de referência e uma concepção mais

ou menos homogênea da situação vivenciada, que mais uma vez relativiza a

realidade da situação passada, presente e futura.

5.3 O “LUGAR” PRESENTE E AS PERSPECTIVAS DE FUTURO

É necessário lembrar que o processo cultural que elabora a narrativa

do passado reflete o conjunto de valores do tempo presente, em geral, e do contexto

particular vivenciado pelo grupo social. Verifica-se que o contexto cultural pode ser

redefinido, principalmente em seus valores simbólicos. A perspectiva de futuro

promissor, quando passível de realização, pode conceber um passado infrutífero.

83

Eu nem tenho como agradecê a Deus, né, a gente tinha um pedaço ali, quédizê a gente num pode é... desfazê..., né a gente tinha um pedacinho ali,dava pra gente vivê, mas num dava pra cê se mantê em cima, né deixavaa minha esposa e minhas menina e tinha que ganhá fora,né, hoje não, hojea gente tem aí, 23.2 de terra, uma casa excelente que é de patrão, umsalário de 995 por mês, né, que o consórcio paga, a minha vida mudou1000%, não é 100, 1000%[...]

Pra melhor. É. Minhas menina vai ficá perto do asfalto, preles í pra estudá,aqui era longe, chovia o carro não poderia desce pegá eles , cansei de vimforas de hora 7 km de a pé buscá, que eu tenho 4 menina, né, buscá comchuva, de medo de jaguara esperá eles no ponto como já aconteceu, né,então, hoje, a possibilidade da gente melhorá de vida mudou 1000%, né.Então eu tô muito contente, muito feliz, pelo menos, o que o consórcio tratôpra mim ele cumpriu. (Sr. Adenilson, grupo focal Lajeado Bonito). Atranscrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

A perspectiva analisada aborda a realidade como “construída” pelas

representações dos atores e, essa construção subjetiva, faz parte ela própria da

realidade. Como afirma Agier (2001, p. 11), existe uma necessidade experimentada

por alguns grupos de edificar, em determinados contextos, as fronteiras simbólicas

que os definem. Além disso, a dinâmica dessa edificação é também um momento de

criação cultural, mas que se define sempre no quadro precedente.

A narrativa torna-se legitimada pelo passado comum ao grupo

social, no sentido que deixa de lado características individuais. Assim, a memória

coletiva funciona como componente da identidade social. Entre o passado –

longínquo e próximo – e as perspectivas de um futuro melhor, a memória coletiva

funciona também como uma balança sempre instável, cujo peso dos fatos presentes

influencia diretamente.

E outra coisa, mesmo que acabe o rio, mas vale a questão do lago, né. Vaisê um ponto turístico, sabe? (Sr. Adenilson grupo focal Lajeado Bonito). Atranscrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

Mas como é que vai ficar esse rio? Vai ser um ponto de turismo? (Sra.Maria Antunes, grupo focal Lajeado Bonito) A transcrição é fiel ao modo defalar do entrevistado.

84

Até mesmo as transformações da paisagem, mais uma vez

entendida pelo seu aspecto de representação cultural, tendem a ser reinterpretadas.

Nesse ponto encontram-se tanto a justificação positiva de uma condição irreversível,

como o aspecto negativo da perda de um modo de vida.

Só que eles vão pagar prá nós é uma indenização que do que eles já vãodeixar de nós não poder mais trabalhar, né, mas os nossos sonhos daquiprá frente também acabaram; e só no meu caso onde eu nasci e me criei eestudei tá tudo debaixo d’água, creio que nunca mais vou pode ver lá.(Garimpeiro, grupo focal). A transcrição é fiel ao modo de falar doentrevistado.

FIGURA 11- DEMONSTRAÇÃO DE GARIMPO

Foto: Sr. Pedro e Sr. João Maria mostrando como garimpavam.

A complexa relação que se estabelece entre a territorialidade, a

sociabilidade, a paisagem e a memória funciona, portanto, como vínculo desses

indivíduos ao seu “lugar” e à sua forma particular de vivenciar a cultura local. O

85

rompimento desse vínculo marca a interpretação que o grupo social faz do processo

de mudança presente e traz à tona os aspectos considerados mais relevantes de

sua história.

5.4 ELEMENTOS DE DIFERENCIAÇÃO

O chamado “aspecto simbólico”, há muito, é um elemento

privilegiado para análise das relações sociais e das diferentes formas culturais. A

propriedade da terra e a moradia, neste aspecto, podem ser consideradas bens

simbólicos cujos atributos variam conforme a configuração social considerada, como

no contexto vivenciado pelo grupo de atingidos.

Felizmente tô contente. Porque eu peguei uma propriedade que vai serminha mesmo. Daí tamo construindo casa. Então daí a gente sai daqui queé arrendatário e vai pra um lugar que é da gente mesmo. Ah! Com certeza,[é uma mudança] muito boa! (Sr. Davi, entrevista). A transcrição é fiel aomodo de falar do entrevistado.

Percebe-se que a mudança de status hierárquico dentro do grupo é

considerada importante para aqueles que se tornam proprietários de terra e nela

podem edificar sua moradia. Porém, é relevante ressaltar que a terra, neste caso,

tem um significado mais amplo que o de capital econômico. A terra é o lugar

essencial do trabalho, ressaltado como atividade que caracteriza um modo de vida

desejado.

Aqui, a gente decidiu morar aqui, porque eu comprei o meu sítio depois,bem depois que eu tinha casado lá em baixo, certo? Então, antes eu tiravasempre daqui, da frente aí, mai na frente tem a área que eu plantava e quehoje é tudo pasto né? E... eu tirava minha subsistência daqui, depois eucomecei a cultivá lá o meu sítio que eu comprei lá, que era oito alqueire emeio. Depois eu vendi um, e ficou 7 e meio, que agora vai ser alagado, e euto sendo desapropriado de lá né. Mas sempre tirei da, da lavoura mesmo,minha subsistência. E que nem eu tava falando é, depois da safra de porco,

86

veio a lavoura mesmo né. Plantei algodão, feijão e milho. Mais era milho,então a gente debulhava milho, e até já contei essa história de que a gentetinha um, sempre teve uma amizade muito boa nesse, nesse lugar, esselugar aqui é muito abençoado sabe? Só vizinhos bom, sabe? A gente sentemuito sabe, de sair. (Sr. Divonei, entrevista). A transcrição é fiel ao modo defalar do entrevistado.

Aqui nóis pranta, que vai chega o tempo é setembro! Agora não é tempo deplantar nada! Aqui nóis pranta feijão, arroz, milho e depois vem mandioca,batata, e as folharada da cozinha, aí se cria galinha, porquinho, carneiro. Dehorta nóis sempre tamo plantando é verdura, completa! (Sr. OsvaldoSchneider, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

FIGURA 12– ILHA COM PLANTAÇÃO DE MANDIOCA

Foto: Sr. Manoel na ilha onde planta mandioca e que vai ser inundada com o

enchimento do lago.

87

FIGURA 13- PLANTAÇÃO NA NOVA PROPRIEDADE DE ADENILSONCORDEIRO

Foto: Da plantação na nova propriedade do atingindo Adenilson Cordeiro.

Como modo de vida, o sentido de “subsistência” é um elemento

recorrente da relação dos indivíduos com a propriedade da terra. Mesmo que outras

atividades econômicas sejam exercidas, essa pode ser considerada uma marca

simbólica da propriedade da terra. Bourdieu (2003, p. 160-161) auxilia nesta análise

mostrando que esses elementos se tornam ainda mais claros quando ocorre a

insatisfação pela incapacidade de continuar com o modo de vida anterior. Nesse

caso, o espaço físico fica desprovido de sentido social.

[...] a posição de um agente no espaço social se exprime no lugar doespaço físico em que está situado (aquele do qual se diz que está ‘sem eiranem beira’ ou ‘sem residência fixa’, que não tem -quase- existência social),e pela posição relativa que suas localizações temporárias (por exemplo, oslugares de honra, os lugares regulados pelo protocolo) e, sobretudopermanentes (endereço privado e endereço profissional) ocupam emrelação às localizações de outros agentes; ela se exprime também no lugarque ocupa no espaço através de suas propriedades [...].

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A situação de fragilidade, relatada principalmente em perspectiva do

futuro, também demonstra a importância simbólica da propriedade da terra e da

moradia, revestida como bem simbólico. “Assim como a casa própria tornou-se um

bem indispensável à afirmação e ao êxito da família, esta organizou sua vida em

torno da moradia como se ela fosse um troféu.” (BONDUKI, 1998, p. 312). A casa

própria representa ascensão social e marca com dignidade quem a possui.

Ninguém ganha dinheiro, mas aqui tudo tem sua casinha porque trabalhaprá si próprio o ano inteiro. Eu construí minha casa, tenho uma casinha, nãoé uma casa ruim, é uma casinha boa, eu consegui estudar um filho que seformou, tenho uma filha formada em Administração tudo com o dinheiro queconsegui do rio Tibagi e que agora acabou... (Garimpeiro, grupo focal). Atranscrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

A vida antes da usina era uma coisa. Tranquilidade. A gente tinha sempreum objetivo de ficar ali no sítio, né, criar os filhos e no meu caso euconsegui. Criei meus dois filhos já sempre, não morando no sítio, né, masfazendo parte dele o tempo inteiro né, desde que eu comprei há 14 anos.Então, sempre trabalhei nele. Tirei meu sustento tudo de lá e assim quesaiu a questão da usina aí a coisa começou a mudar porque já começamosdeixá aquele sonho antigo prá nós, vive uma nova realidade, um futuroincerto que a gente não sabe o que ia acontecer... (Sr. Kiko, entrevista)

89

FIGURA 14– FOTO HISTÓRICA DA FAMÍLIA SCHNEIDER

Foto: Fornecida pela família Schneider. Na foto, Sr. Eduardo Schneider,

esposa e descendentes.

FIGURA 15 – GRUPO FOCAL NA CASA DA VÓ LURDES, VIÚVA DO SR.EDUARDO SCHNEIDER

Foto: Grupo focal realizada na casa da Vó Lurdes com objetivo de conhecer a

história da família Schneider.

90

O peso relativo de uma variável simbólica e outra concreta é

considerado pela posição do indivíduo no espaço social. As diferentes posições

expressam, portanto, diferentes significados dentro do mesmo contexto. Torna-se

mais clara uma opinião que sobrepõe um valor subjetivo a um valor econômico:

Pra isso... pra isso vai ser bom né. É... na minha opinião, agora pra quem játinha uma vida estável, um, um... assim tipo a nossa família parte dela játinha né, assim uma condição mais tranqüila de viver, é... não vale muito apena pelo, pelo lado sentimental né. Não vale muito a pena, não compensa[economicamente].

Mas eu vejo, coletivamente vendo, porque né, até porque eu faço parte deuma associação e penso muito coletivamente. Coletivamente tá sendo bom.(Sr. Divonei, entrevista). A transcrição é fiel ao modo de falar doentrevistado.

De forma ampliada, ou seja, considerando a relação dos indivíduos

com o lugar e não apenas com a propriedade, também encontram-se diferenciações,

que são permeadas pelo sentido fornecido ao meio físico como fonte de trabalho. O

caso dos pescadores, que foram entrevistados em um período anterior ao

enchimento do lago, é exemplar, uma vez que o rio é o local de trabalho.

Tem que pegá pelo menos uns 100 quilo por semana aí uns 50, 100 quilopor semana. Porque agora a gente tá indo no rio lá fica três quatro noite lá evocê não traz cinco quilo de peixe mais. Agora não... (pescador, grupofocal). A transcrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

É, primeiro o desespero né, primeiro o desespero... Eu tenho 4, 5 filhas das5 filhas minhas tenho 3 formadas professora... é o que tá me tratando agoranessa época difícil de convivência com rio aí, que acabou os peixe né, e agente, eu por exemplo só sobrevivo disso... (pescador, grupo focal). Atranscrição é fiel ao modo de falar do entrevistado.

91

FIGURA 16 – MULHER LIMPANDO PEIXE

Foto: Genira Cordeiro limpando um pescado do rio Tibagi.

Fica claro que, assim como outros bens materiais, o “lugar”, a “casa”

e a “propriedade” possuem significados socioculturais que são fundamentais para o

estabelecimento e manutenção das relações sociais, bem como da definição e

redefinição das categorias sociais. Torna-se, portanto, fator importante a revisão do

determinismo econômico que ainda aparece muito marcado quando se particulariza

a discussão da aquisição e posse da propriedade da terra.

92

Nesse contexto a pesquisa de campo procurou identificar aspectos

pertinentes à cultura local: os modos de fazer, a religião e as histórias e os mitos

relacionados ao universo tipicamente rural. No entanto, durante os trabalhos foi

possível perceber que o universo pesquisado não está vinculado a comunidades

tradicionalmente caracterizadas, por meio de aspectos metodológicos, como

tipicamente rurais. A população alvo desse trabalho, ou seja, os atingidos pela

construção da UHE já se encontram envolvidos com a dinâmica do universo urbano

dos pequenos centros dos municípios de Ortigueira e Telêmaco Borba.

São poucos os ribeirinhos como Sr. Adenilson Cordeiro, e pequenos

produtores rurais como a Sra. Pureza moradores da área rural e do entorno do rio

que tem o modo de vida relacionado diretamente ao universo rural. As diversas

entrevistas apontam que universo urbano já faz parte do cotidiano da maioria do

público alvo desse trabalho, como por exemplo: os pecadores e garimpeiros que

moram na área urbana do município de Telêmaco Borba. No período em que foram

realizadas as pesquisa de campo alguns entrevistados já se encontravam fora de

suas propriedades, nos permitindo apenas levantar junto a eles a história

relacionada à memória. Estas histórias por vezes não estavam relacionadas

diretamente ao local, mas sim as suas andanças pela vida (expressão dos

entrevistados).

Quanto ao modo de fazer e viver relacionado à memória com o rio, a pesca e

as relações estabelecidas a partir dos “encontros no rio”, se destaca uma

característica típica do grupo de ribeirinhos: eles não pescam na beira do rio e sim

dentro do rio, até porque muitos, se quer, moram na beira do rio. Neste contesto, o

pequeno barco tem é uma ferreamente importante, os ribeirinhos não dispõem de

um, quando querem pescar pedem emprestado a outros moradores.

No inicio das atividades de campo tínhamos a expectativa de que surgissem

nas entrevistas muitos aspectos relevantes da religião e dos hábitos locais, o que

não aconteceu. Uma das exceções foi o Sr João Santana, apresentado como

benzedor local. Já debilitado pela idade avançada, Sr João Santana nos informou

que não realizava mais benzimentos, mas que estava tentando passar a tradição

93

para o filho que segundo ele também tinha o dom, mas que o filho não estava muito

interessado em dar prosseguimento aos ensinamentos do pai. Perguntado como

realizava os benzimentos, o Sr João Santana, que faleceu poucos dias depois da

entrevista, nos disse se tratar de reza, pois, era devoto de São Sebastião e sua

formação religiosa era baseada na fé católica.

Em entrevista com o atingido Adenilson Cordeiro nos foi relatado à existência

de um local conhecido como Gruta das Santas, que teria sido motivo de

peregrinação de moradores da região. No entanto, apenas o Sr. Adenilson, dentre

os diversos entrevistados, detinha alguma informação sobre o tema. Recorremos a

Sra, Matilde Cordeiro, mãe de Sr. Adenilson, para obtermos mais informações sobre

a Gruta das Santas. Ao entrevistarmos a Sra. Matilde a mesma nos relatou a única

informação que tinha sobre o tema: “a mais de quarenta anos tinha uma romaria até

a Gruta em que as pessoas da comunidade visitavam para pedir bênçãos, porem o

local não é mais visitado”. Não encontramos mais moradores que citaram a Gruta

como local de relevância do ponto de vista histórico, cultural ou paisagístico. Vale

destacar a busca de elementos que estabeleça um vínculo com a comunidade era o

aspecto mais importante do trabalho na analise dos elementos agregadores como

forma de identidade comum a todos os participantes dessa pesquisa.

94

6 IMAGENS E PAISAGENS QUE CONTAM A HISTÓRIA

FIGURA 17 - SR. JOÃO SANTANA, BENZEDOR. DEVOTO DE SÃO SEBASTIÃOE N. SRA. APARECIDA.

95

FIGURA 18 - ALTAR DO SR. JOÃO SANTANA. ELE AFIRMA QUE DURANTEANOS FEZ ORAÇÕES PELA SAÚDE DAS PESSOAS, REZAS EM SUA CASAPARA OS SANTOS, MAS, ATUALMENTE, NÃO CONSEGUE MAIS.

FIGURA 19 - FAMÍLIA SR. JOÃO SANTANA EM FRENTE À CASA QUE SERÁREMOVIDA.

FIGURA 20 - FAMÍLIA SR. ADENILSON CORDEIRO ONDE MORAVA.

96

FIGURA 21 - FAMÍLIA ADENILSON FOI ATENDIDA PELO SR. JOÃO SANTANA.ADENILSON CORDEIRO FALA QUE DUAS FILHAS FORAM CURADAS PELAREZA DO BENZEDOR.

FIGURA 22 - "GRUTA DA SANTA". LOCAL DE DIFÍCIL ACESSO E ATUALMENTEPOUQUÍSSIMO FREQUENTADO. FICARÁ SUBMERSO.

97

FIGURA 23 - INTERIOR DA GRUTA. MORADORES NARRAM QUE HAVIA UMAIMAGEM DE SANTA EMÍDIA. ATUALMENTE, HÁ UMA CRUZ. ALI, ERAMREALIZADAS ORAÇÕES MENSAIS, OS MORADORES NARRAM QUEANTIGAMENTE ERAM FEITAS REZAS COM MAIS FREQÜÊNCIA NALOCALIDADE.

FIGURA 24 - SRA. MATILDE CORDEIRO. NARRA QUE, QUANDO CRIANÇA,SUA MÃE E AVÓ LEVAVAM-NA PARA AS ORAÇÕES NA GRUTA DA SANTA .

98

FIGURA 25 - ALTAR DE SRA. MATILDE. IMAGENS QUE FORAM DE SUA MÃE,FALECIDA COM 92 ANOS E QUE TAMBÉM FAZIA BENZIMENTOS. O ALTARSERÁ LEVADO PARA NOVA PROPRIEDADE E COLOCADO EM UMA GRUTA.ELA QUER VOLTAR A FAZER REZA.

FIGURA 26 - SR. AUGUSTO SCHNEIDER MOSTRANDO A FONTE DE ÁGUAONDE É FEITO O BATISMO AO MODO DA IGREJA LUTERANA.

99

FIGURA 27 - CULTO EVANGÉLICO REALIZADO NA PROPRIEDADE DE DONALURDES SCHNEIDER.

FIGURA 28 - SR. JOSÉ DE SOUZA MORA SOZINHO. SUA CASA É LOCAL DECULTOS EVANGÉLICOS.

100

FIGURA 29 - SR. JONAS SCHNEIDER EM SUA PROPRIEDADE QUE SERÁPARCIALMENTE ATINGIDA.

FIGURA 30 - SR. JOÃO MARIA MIRANDA MOSTRANDO A NASCENTE EM SUAPROPRIEDADE QUE SERÁ ATINGIDA.

101

FIGURA 31 - SRA. ZÉLIA DE JESUS MOSTRANDO O LOCAL ONDE GOSTA DEPESCAR DENTRO DO RIO EM FRENTE A SUA CASA.

FIGURA 32 - SR DAVI TORRES NA PROPRIEDADE ONDE VIVEU GRANDEPARTE DE SUA VIDA. FEZ QUESTÃO DE SER FOTOGRAFADO NO POMARQUE PLANTOU EM SUA ANTIGA CASA.

102

FIGURA 33 - FAMÍLIA DO SR. ELOIR BATISTA. SUA PROPRIEDADE SERÁPARCIALMENTE ATINGIDA.

FIGURA 34 – SR. DAVI TORRES MOSTRANDO LOCAL ONDE MULHERESLAVAVAM ROUPA.

103

FIGURA 35 - “CASA DE PEDRA”, LOCAL DE LAZER DOS MORADORES QUESERÁ SUBMERSO.

FIGURA 36 - INTERIOR DA “CASA DE PEDRA”, CAVERNA ONDE MORADORESBRINCAVAM E ATÉ POUSAVAM. SR. DAVI NARRA QUE JÁ BRINCOU MUITOALI NA INFÂNCIA.

104

FIGURA 37 - PONTO PAISAGÍSTICO SALTO APARATO. LOCAL DE LAZER EPESCA NO VERÃO.

FIGURA 38 - SALTO APARATO. SRA. CLAIRA ALMEIDA ERAFREQUENTADORA DO LOCAL, ELA ACOMPANHA E NARRA A IMPORTÂNCIADA CACHOEIRA PARA OS MORADORES.

105

FIGURA 39 - SRA. GENIRA, MORADORA ATINGIDA E PESCADORA. NESTEDIA, CONHECEU UM DOS PONTOS QUE SERÁ INUNDADO.

FIGURA 40 - PROPRIEDADE DO SR. FELIPE SCHNEIDER, REGIÃO DEPALMITAL.

106

FIGURA 41 – SR. PEDRO MOSTRANDO COMO GARIMPA.

FIGURA 42 – SR. PEDRO MOSTRANDO ONDE FICAVA QUANDO GARIMPAVA.

107

FIGURA 43 - GARIMPEIRO MOSTRANDO BALANÇA DE PESAR DIAMANTE.

FIGURA 44 - PESCADORES NO BARCO EM LOCAL DE PESCA.

108

FIGURA 45 - CASA NA ILHA ONDE SR. MANOEL PESCAVA.

FIGURA 46 - DONA CASTORINA, PRODUTORA DE MEL DE TELÊMACOBORBA.

109

FIGURA 47 - FLOR QUE ATRAI ABELHA PARA A PRODUÇÃO DE MEL DE DONACASTORINA.

FIGURA 48 - DONA PUREZA NA JANELA DE CASA.

110

FIGURA 49 - DONA PUREZA ESCOLHENDO ARROZ QUE ELA PLANTOU ECOLHEU.

FIGURA 50 - FEIJÃO PLANTADO POR DONA PUREZA.

111

FIGURA 51 - DIVO EM DIA DE PESCA ATIVIDADE DE LAZER NO TIBAGI.

FIGURA 52 - DIVO NO BARCO.

112

FIGURA 53 - RIBEIRINHO PESCANDO NO TIBAGI.

FIGURA 54 - O RIO TIBAGI VISTO DE DENTRO.

113

FIGURA 55 - PÔR DO SOL EM LAJEADO BONITO.

114

7 CONCLUSÃO

Conversando com a população diretamente atingida pela construção

da Usina Mauá, e principalmente ouvido suas histórias, chegamos à conclusão

nesta primeira parte do projeto de que o mais importante patrimônio histórico,

cultural e paisagístico é a relação de cada um e dos vários grupos com o rio

Tibagi, ou seja, o grande patrimônio é o próprio rio Tibagi.

Quando nos propomos a ouvir e contar histórias, o mais bonito

desse processo todo é a rede de solidariedade que é tecida. Esta troca de

percepções e sensações é um jeito de reinventar histórias e, assim, reinventar

a vida. Quando ouvimos, somos tocados pelas histórias e seus personagens e

quem conta sente-se tocado porque sabe que o sua história tocou quem a

ouviu, tecendo assim uma rede de vida, conhecimento e história.

É ouvindo esse contar de histórias que aprendemos o saber do rio e

dos personagens a sua volta. Buscamos neste trabalho a memória nas

histórias dos nossos contadores e descobrimos que para quem vive perto do

rio, dentro dele é o seu lugar. E o que dizer do lugar, que lugar é esse onde

pessoas vivem e constroem seu modo de ser, o ribeirinho que só pesca dentro

do rio, o pequeno agricultor que namora o rio buscando nele seu lazer e até

seus amigos surgem devido ao rio. O que dizer do pescador que não sabe se

vive do rio ou se vive no rio? O garimpeiro que consegue até encontrar mais do

que diamantes no rio, “encontra lendas e histórias pra contar para os netos”.

Mais do que um lugar, o rio é um mundo de vidas e histórias que se

entrelaçam.

Assim, como é a vida de um rio é a vida de um lugar, um rio nasce,

cresce e morre. Um rio que corre e vira lago. Um lugar também ganha vida,

identidade e com o passar do tempo também morre ou muda, se transforma

em outro lugar. Um lugar pode ter vários significados para as pessoas que

115

passam por ele, assim como as águas de um rio. Um rio pode ser sentido e

vivenciado em diferentes valores, por diferentes pessoas que habitam as suas

águas, por anos, por dias, por uma noite apenas, ou mesmo que por algumas

horas. Isso faz do rio um lugar de vida, um lugar em movimento.

Para cada um de nós o rio tem um significado, mas, sem dúvida,

para os ribeirinhos, pescadores e garimpeiros objetos desse trabalho, o rio

significa mais do que renda, significa “vida”. A vida deles se confunde com a do

rio e muitas vezes eles contam coisas que sabem ser do rio como se fossem

suas próprias histórias. Dessa maneira, seu fazer se confunde com seu viver. É

na fala que podemos perceber como a vida, a pesca e o rio se confundem.

O lazer e o trabalho no rio se entrelaçam na memória do ribeirinho.

Os lugares, as paisagens os espaços se confundem com a vida que vem do

rio.

É possível entender que um aspecto importante acerca da memória

é a sua relação com os lugares. A memória individual e a coletiva tem nos

lugares uma referência importante para a sua construção, ainda que não seja

condição para a sua preservação, do contrário, povos nômades não teriam

memória.

As memórias dos grupos se referenciam também nos espaços em

que habitam e nas relações que constroem com estes espaços. Os lugares são

importantes referências nas memórias dos indivíduos. As alterações

empreendidas nesses lugares acarretam mudanças importantes na vida e na

memória dos grupos.

Uma compreensão definitiva sobre a importância e a validade da

política de compensação socioambiental por conta da construção da Usina

Mauá apenas será possível com a realização da segunda etapa do Projeto e a

consequente complementação das pesquisas de campo.

116

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