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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROCESSOS DE SENTIDO NO ÂMBITO DO ENSINO DE GEOGRAFIA, DA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS E DOS SUJEITOS ESCOLARES. Larissa Kaye Nishiwaki 1 RESUMO O presente trabalho refere-se a uma pesquisa concebida no âmbito das práticas educativas, na rede estadual, realizada ao longo de dois anos de inserção em atividades de ensino numa escola pública localizada em Uberaba (MG), por meio da participação em um projeto que articula ensino, pesquisa e extensão no campo da Educação Geográfica, inserido no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/UFTM). O objetivo geral da pesquisa foi apresentar reflexões baseadas em observações e vivências ocorridas no microcosmo escolar das escolas, em questão. Dessa maneira, serão enfatizados temas acerca das representações sociais, das formas de conhecimento e da relação dos sujeitos escolares com o conhecimento. A análise geográfica auxiliou na interpretação da realidade social em um contexto mais amplo, no qual o envolvimento da vida dos sujeitos permeia diversas dimensões do conhecimento geográfico. Foram realizadas análises pautadas em estudos teórico-metodológicos dentro de uma perspectiva pluralista, visando dar atenção às particularidades socioculturais dos indivíduos envolvidos. No intuito de articular dados teóricos com experiências empíricas protagonizadas em ambiente escolar e também em dados diretos coletados no ambiente natural de atividades, fez-se necessário o uso de investigações qualitativamente fundamentadas em saberes e práticas desenvolvidas no cotidiano escolar, tais como: observações e registros em sala de aula e na escola, entrevistas e, principalmente, relatos de experiências e registros das representações dos alunos do Ensino Fundamental que participaram de atividades (minicursos, oficinas, feiras) organizadas pela autora no decorrer do projeto de Iniciação à Docência. E, por fim, este trabalho expõe, além das análises mencionadas, um breve panorama acerca das problemáticas observadas no cotidiano escolar. PALAVRAS-CHAVE: Conhecimento escolar; Saberes de experiências; Ensino de Geografia. PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS E O SENTIDO DA ESCOLA: TECENDO OS CONHECIMENTOS. Como forma de cumprir o que foi apontado como objetivo geral da pesquisa realizada, este texto irá apresentar algumas reflexões baseadas tanto em observações quanto em registros e documentos do/no ambiente escolar bem como em vivências ocorridas no ambiente escolar em que pude atuar com atividades de docência de Geografia junto a alunos do Ensino 1 Aluna mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás UFG, Regional Catalão. Agência financiadora: Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES). E-mail: [email protected]

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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROCESSOS DE SENTIDO NO ÂMBITO DO

ENSINO DE GEOGRAFIA, DA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS E DOS

SUJEITOS ESCOLARES.

Larissa Kaye Nishiwaki1

RESUMO

O presente trabalho refere-se a uma pesquisa concebida no âmbito das práticas educativas, na

rede estadual, realizada ao longo de dois anos de inserção em atividades de ensino numa

escola pública localizada em Uberaba (MG), por meio da participação em um projeto que

articula ensino, pesquisa e extensão no campo da Educação Geográfica, inserido no Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/UFTM). O objetivo geral da pesquisa

foi apresentar reflexões baseadas em observações e vivências ocorridas no microcosmo

escolar das escolas, em questão. Dessa maneira, serão enfatizados temas acerca das

representações sociais, das formas de conhecimento e da relação dos sujeitos escolares com o

conhecimento. A análise geográfica auxiliou na interpretação da realidade social em um

contexto mais amplo, no qual o envolvimento da vida dos sujeitos permeia diversas

dimensões do conhecimento geográfico. Foram realizadas análises pautadas em estudos

teórico-metodológicos dentro de uma perspectiva pluralista, visando dar atenção às

particularidades socioculturais dos indivíduos envolvidos. No intuito de articular dados

teóricos com experiências empíricas protagonizadas em ambiente escolar e também em dados

diretos coletados no ambiente natural de atividades, fez-se necessário o uso de investigações

qualitativamente fundamentadas em saberes e práticas desenvolvidas no cotidiano escolar, tais

como: observações e registros em sala de aula e na escola, entrevistas e, principalmente,

relatos de experiências e registros das representações dos alunos do Ensino Fundamental que

participaram de atividades (minicursos, oficinas, feiras) organizadas pela autora no decorrer

do projeto de Iniciação à Docência. E, por fim, este trabalho expõe, além das análises

mencionadas, um breve panorama acerca das problemáticas observadas no cotidiano escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Conhecimento escolar; Saberes de experiências; Ensino de

Geografia.

PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS E O SENTIDO DA ESCOLA: TECENDO OS

CONHECIMENTOS.

Como forma de cumprir o que foi apontado como objetivo geral da pesquisa realizada,

este texto irá apresentar algumas reflexões baseadas tanto em observações quanto em registros

e documentos do/no ambiente escolar bem como em vivências ocorridas no ambiente escolar

em que pude atuar com atividades de docência de Geografia junto a alunos do Ensino

1 Aluna mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás – UFG,

Regional Catalão. Agência financiadora: Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES).

E-mail: [email protected]

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Fundamental de uma escola pública localizada no município de Uberaba-MG, no período de

agosto de 2011 a dezembro de 2012.

A pesquisa teve início a partir do ingresso no Programa Institucional de Bolsa de

Iniciação à Docência – o PIBID, no qual foram desenvolvidas atividades de ensino e de

pesquisa no âmbito do Ensino de Geografia inseridas no cotidiano da escola parceira do

Programa. Tal trabalho consistiu em aprofundamentos da atuação e análises realizadas no

âmbito do Subprojeto de Geografia do PIBID/UFTM/20112, sendo que ambos – tanto

pesquisa quanto participação no subprojeto - tiveram seu encerramento no mesmo período. O

Projeto PIBID firmou convênio com a instituição em questão, onde a proposta principal se dá

na possibilidade de vivência do pesquisador no ambiente escolar proporcionando experiências

e reflexões de maneira articuladas, como também, a chance de realizar trabalhos colaborativos

com os sujeitos da escola – professores e alunos. E, finalmente, tornar possível a realização de

pesquisas na área de ensino de Geografia.

É importante ressaltar que ao longo dessa discussão serão enfatizados temas acerca das

representações sociais, as formas de conhecimento e a relação dos sujeitos escolares com as

mesmas. Tais temas e suas relações intrínsecas foram os alicerces para a elaboração desta

pesquisa. Pois, acredito ser de extrema relevância para o desenvolvimento de pesquisas na

área de ensino de Geografia olhar para a prática de ensino como um terreno de criação

simbólica e cultural. A educadora chilena, Verónica Edwards (1998), no livro “Os sujeitos no

universo da escola”, traz uma análise do processo de constituição dos sujeitos educativos –

professores e alunos – evidenciando o modo como a participação desses sujeitos interfere nas

relações com os conhecimentos. E é nesse sentido que o presente trabalho percorrerá os

caminhos dos espaços-tempos escolares.

Adentrar ao cotidiano escolar requer uma série de cuidados e preparações especiais.

Porém, para além disso, para além de se pensar em atividades a serem desenvolvidas e quais

procedimentos metodológicos serão aplicados, é importante pensar nas especificidades desses

espaços-tempos. Gonçalves (2006, p. 01), apoiada em Edwards (1998), observa que:

“Os espaços cotidianos são lugares onde a vida é algo que se tece a partir de uma

coerência e de um movimento que, entrelaçado a movimentos mais amplos, lhes são

particulares. Os diversos lugares que, de alguma forma, professores e alunos

experienciam em suas vidas e a sala de aula onde ambos são protagonistas de

múltiplos contextos cotidianos em que formam e são formados, constituem espaços-

tempos aonde as “verdades” construídas são, ao menos, fragmentos de suas

experiências, de suas “verdades”. (GONÇALVES, 2006, p. 01)

Pensar os “espaços-tempos”, a partir dessa perspectiva, nos ressalta ainda mais, a

necessidade de lançar olhares sob as particularidades tecidas nesses espaços cotidianos. Dessa

forma, considerei pertinente que a pesquisa ocorresse a partir de uma estrutura que viesse a

situar o leitor no microcosmo escolar. É importante ainda, apontar a relevância de tais

2 O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é um programa da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e consiste em uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a

valorização da formação de professores para a educação básica. O Subprojeto do PIBID de Geografia, coordenado por

Amanda Regina Gonçalves, insere-se no PIBID/UFTM/2011, sob coordenação institucional de Marinalva Vieira

Barbosa e coordenação de área de gestão de processos educacionais de Fernanda Borges de Andrade Dantas.

Este subprojeto do qual faço parte como licencianda, conta com 23 membros bolsistas (1 coordenadora; 2

professoras de Geografia em escolas públicas localizadas em Uberaba, que atuam como supervisoras e 20

licenciandos).

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pesquisas como a de Verónica Edwards, pois suas considerações ajudam o leitor a dar

significados às suas vivências, resultando em uma maior aproximação com a realidade

escolar.

O trabalho conta ainda, com uma reflexão acerca de interfaces entre a educação,

geografia, sociedade e escola. Nesse momento, a pesquisa tem a intenção de destacar o quanto

o meio social é essencial para a construção dos sujeitos e estes, são fundamentais para a

construção do meio social. Um outro ponto de destaque é o conhecimento escolar, com ênfase

no objeto de estudo que se dá na figura do sujeito e a escola. Dessa forma, serão abordadas

questões que emergem das tensões cotidianas no processo de aprendizagem, assim como as

experiências se cruzando nos espaços-tempos da escola, assim como, conforme identificado

nas pesquisas de Edwards (1998), alguns tipos de conhecimento e suas implicações. São eles:

conhecimento tópico, conhecimento operacional e conhecimento situacional.

O cerne dessa discussão, se coloca a seguir, por meio das análises pautadas em estudos

teórico-metodológicos e vivências na instituição escolar, a partir de registros e reflexões sobre

uma experiência didática, que buscou alternativas de ensino nas quais alunos e professores

assumiram a perspectiva de sujeitos sociais que se apropriam dos conteúdos escolares,

modificando-os. Sendo assim, este trabalho articula-se na perspectiva dos conhecimentos

escolares e das relações dos sujeitos com estes conhecimentos, buscando identificar quais as

formas de conhecimento estabelecidas em processos educativos de Geografia. Além das

formas de conhecimento, buscamos evidenciar elementos representativos de experiências

didáticas em Geografia e de processos de sentido em situações de ensino-aprendizagem.

EDUCAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Nesta pesquisa, encontramos estudos que nos ajudaram a compreender a construção de

conhecimentos por meio das representações sociais. Dentre eles, destaca-se o trabalho de

Roger Chartier (1991), estudioso francês que se dedica à história da cultura e das práticas

sociais. Segundo o autor, toda reflexão metodológica enraíza-se, com efeito, numa prática

histórica particular, num espaço de trabalho específico. Apoiando-se em Chartier (1991),

acredito que este trabalho organiza-se em torno de três pólos, geralmente separados pelas

tradições acadêmicas: de um lado, o estudo crítico dos textos; de outro lado, a história dos

livros e dos objetos; por fim, a análise das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens

simbólicos, produzindo assim usos e significações diferenciadas.

A partir dessa vertente, entendemos que, somente ao nos dedicarmos a decifrar

acontecimentos singulares das práticas, tais como situações de ensino-aprendizagem

particulares é que podemos compreender melhor os sentidos que os indivíduos dão ao mundo,

no caso os sentidos que os alunos dão aos temas geográficos em estudo e também às várias e

inusitadas situações com que alunos e professores se deparam na escola e na sociedade.

Segundo Chartier (1991, p. 177)

[...] as tentativas para decifrar de outro modo as sociedades, penetrando nas meadas

das relações e das tensões que as constituem a partir de um ponto de entrada

particular (um acontecimento, importante ou obscuro, um relato de vida, uma rede

de práticas específicas) e considerando não haver prática ou estrutura que não seja

produzida pelas representações, contraditórias e em confronto, pelas quais os

indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles. (CHARTIER, 1991,

p.177)

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Dessa forma, o autor nos ajuda a realizar uma abordagem dos sujeitos a partir das

representações sociais, assim como demonstrado em outras pesquisas em educação que tratam

os professores e alunos que internalizam valores sociais, mas que também são sujeitos do

conhecimento e intervenientes nas práticas sociais. Neste sentido, outro referencial que nos

ajuda a olhar para as representações sociais de alunos e professores que interferem

diretamente na educação, na sociedade, na escola e na construção de conhecimentos

geográficos, está na obra de Lana de Souza Cavalcanti (1998). A autora dedicou-se a uma

pesquisa de cunho qualitativo, apoiada na corrente vygotskyana. Sua pesquisa consistiu em

levantar e analisar conhecimentos cotidianos dos alunos e posteriormente dos professores

sobre conceitos geográficos.

O estudo acerca das representações sociais dos sujeitos é imprescindível para a

compreensão da forma com a qual esses sujeitos constroem seus conhecimentos, pois é a

partir da análise dessa dinâmica que ocorre todos os dias em sala de aula, que surgem

caminhos para uma possível melhoria nas práticas de ensino. Pesquisas nesse âmbito

alcançam melhores resultados com a observação dentro do ambiente escolar e além de

observar, o pesquisador, ao entrar em contato com o aluno e com o professor, através de

entrevistas, aplicação de questionários e registro dos relatos de experiências, consegue

perceber, de fato, quais são os elementos que estruturam, movem e constroem essa realidade.

Para Cavalcanti (1998, p. 30), é importante entender representações sociais nessa

interface entre o concebido e o vivido, ou seja, as representações sociais não são só conceitos,

são também imagens. Além de ser fato, também, que os sujeitos têm necessidade de entender

o mundo para além de uma lógica conceitual preestabelecida.

As representações sociais são mediações para as práticas sociais. São coletivas, uma

vez que são compartilhadas por um conjunto de pessoas. E possibilitam a produção de

processos sociais como a capacidade de comunicação, além de estarem inseridas nas relações

de poder. Desta forma, são objetos de análises dessas representações, as concepções e idéias

dominantes na sociedade. As representações podem ser consideradas como sendo um

conhecimento prático, de senso comum, que é produzido na vida cotidiana e desta forma, ela

adquire o papel de tornar familiar ao sujeito um saber produzido socialmente.

Assim como aponta Cavalcanti (1998, p. 31), outro traço importante da representação

social é o fato de que ela não pode ser entendida apenas como reprodução social, ou seja, ela é

também criação do sujeito, que age e reage ante representações já produzidas.

O ato de representar não deve ser encarado como processo passivo, reflexo na

consciência de um objeto ou conjunto de idéias, mas como processo ativo, uma

reconstrução do dado em um contexto de valores, reações, regras e associações. Não

se trata de meras opiniões, atitudes, mas de “teorias” internalizadas que serviriam

para organizar a realidade (LEME, 1993 apud CAVALCANTI, 1998, p.31).

Entre as representações levantadas por Cavalcanti sobre os principais conceitos

geográficos por alunos, destaco, por exemplo, as representações predominantes sobre o

conceito de “paisagem”, em que na maioria das vezes é representada por imagens de paraíso e

de florestas. Em suma, a representação social é um dos caminhos para a compreensão da

elaboração e veiculação de conceitos e imagens da realidade pelos sujeitos. Tal compreensão

é útil ao professor, à medida que resulta em aparatos metodológicos possíveis para a

construção e reconstrução de conhecimentos para e com os sujeitos.

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CONHECIMENTO ESCOLAR: SUJEITO E ESCOLA

Ao iniciar os trabalhos na escola, houve todo um cuidado no que diz respeito a estudos

teórico-metodológicos, ou seja, a entrada no ambiente escolar foi preparada e os olhares

especialmente direcionados a determinadas questões provenientes desses estudos. A primeira

constatação, perceptível desde a primeira observação em sala de aula foi a de que o aluno e o

professor, juntos, constituem o conhecimento escolar. Uma vez percebido tal fato, os olhares

se lançaram à participação do sujeito na constituição da situação escolar e ao mesmo tempo à

constituição do próprio sujeito (aluno e professor) por esta participação, mediado, ainda, pelos

conhecimentos escolares.

Discutir o conceito de “conhecimento escolar” exige reconhecer duas categorias que o

compõe: a categoria “sujeitos” e a categoria “conhecimento escolar”. Tratando-se da categoria

“sujeitos”, Edwards (2006) considera os alunos e os professores enquanto sujeitos sociais,

ambos constituintes da situação escolar e nesse sentido, aponta que:

“Da perspectiva que considera a escola como aparelho ideológico do Estado, o

professor é o portador e o transmissor da ideologia dominante. Da perspectiva que

considera a escola como a transmissora do acervo cultural e dos valores de uma

geração a outra, é o professor quem realiza tarefa tão fundamental. Em ambas, então,

é o professor e sua função o que se enfatiza como objeto de estudo em relação à

sociedade. [...] Neste trabalho tentarei recuperar a visão dos alunos da situação

escolar, considerando-os, tanto quanto os professores, sujeitos sociais. ”

(EDWARDS, 2006, p. 12)

Nesse sentido, uma vez situado em uma escola, em um bairro, em uma família, em um

grupo de amigos, a vida desse sujeito educativo irá se desenvolver nesse contexto, nesse

“espaço imediato”. Porém, existem também as realidades não-imediatas. O contato dos

sujeitos educativos com essa realidade se dá no cotidiano, das mais diversas formas. E, ainda

de acordo com Edwards (2006), é no dia-a-dia da escola, e mais concretamente em classe, que

o sujeito educativo se expressa em todas as suas dimensões.

Além de ser um sujeito educativo, esse mesmo indivíduo é também um sujeito social.

Este sujeito é social desde seu nascimento, constituindo-se sempre em relação aos outros

sujeitos, mediado, ainda, pelas significações de seu “habitat” – mundo. Contudo, o sujeito e o

mundo não são partes independentes, e sim compõe um ao outro. Considerando que o sujeito

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educativo é também social, ele pertence a uma classe, grupo, etnia, lugar. A posse da cultura

predominante é variável por classes, por setores de classe, mas também, e não menos

importante, pelos próprios sujeitos.

A partir de tal definição abre-se uma possibilidade: a alienação do sujeito. Entendida,

aqui, como a consciência irreflexiva do sujeito em relação a sua dependência dos poderes no

qual se encontra pautado na lógica capitalista presente em determinadas relações sociais de

produção, ou seja, “o meio” muitas vezes pode ser fator predominante para direcionar

determinadas ações dos sujeitos sociais e educativos. Acredito que, tal fato pôde ser

observado através de falas dos alunos e professores, em suas atitudes e reflexões. A posição

dos mesmos reflete intrinsecamente os seus valores de grupo, mas também pessoais. Um

exemplo disso pode ser contemplado em um diálogo que presenciei em uma reunião cuja

pauta era decidir os materiais a serem utilizados no trabalho da feira de ciências da escola:

“ ̶ Aluno A: Vâmo comprar tudo na papelaria aqui perto da escola mesmo. É mais

fácil.”

“ ̶ Aluno B: Não seria melhor, a gente ir até o centro e olhar em outras papelarias? Por

causa de quê vamos precisar de muitos materiais. ”

“ ̶ ALUNO C: Vocês estão viajando. Vamos usar tudo reciclado, vamos procurar e

cada um traz o que tiver em casa. Vai ficar muito caro comprar tudo novo na papelaria.”

“ ̶ ALUNO A: Firmeza, o que ninguém tiver em casa, eu posso ver com a minha mãe

de comprar na papelaria então. ”

Através do trecho do diálogo apresentado, é possível perceber que a renda financeira,

neste caso, de cada aluno, foi o fator determinante em suas falas. Cada um defendeu seu ponto

de vista de acordo com a sua realidade e possibilidades econômicas e culturais. Tal fato,

marca as nuances presentes no diálogo entre os sujeitos. Falando-se, ainda, acerca dos

diálogos que os alunos travam entre si, é possível observar que apesar da aparente “bagunça”

que eles promovem, eles conseguem construir uma lógica de entendimento na conversa.

Edwards retrata tal fato defendendo que:

“Os alunos desenvolvem a partir de si mesmos um modo de se relacionar;

estabelecem uma ordem de relações que freqüentemente é vista de fora como

desordem, ruído ou caos na sala de aula. Esta é formada por meios de comunicação

violentos que aparecem como legítimos e necessários, como uma forma possível que

assume a expressão de sentimentos e emoções, e também pelas formas de

comunicação lúdicas que as crianças chama de relax. Por meio desse tipo de

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comunicação verbal e não-verbal, emotiva e racional, que ocorre de modo

espontâneo entre os colegas, elas vão construindo como sujeitos inventando,

assumindo, desarmando as normas do senso comum local.” (EDWARDS, 2006, p.

17).

Contudo, é nesse ambiente de tantas “valorações” percebidas nas práticas diárias dos

alunos que se afixa os conhecimentos que a escola pretende transmitir. As próprias crianças

acabam por “trocar conhecimento” entre elas, dessa forma, constituindo-os. Nesse processo

pode ser ressaltada a singularidade da apropriação. De acordo com Gonçalves, (2006) o

professor como sujeito constrói a situação escolar por meio do manejo dos elementos

estruturantes mais gerais, considerados como sendo: o espaço e o tempo. Porém, o que se

enfatiza é que em qualquer orientação ou método o professor se construa como tal não apenas

pela autonomia do conteúdo, mas também por sua posição central na organização do processo

e, com isso, do domínio dos outros elementos estruturantes.

Entende-se, a priori, que o cenário escolar pode estar formado por dois tipos de

conhecimento, os que são transmitidos e os que são construídos. Sobretudo, historicamente, a

escola tem sido um cenário onde a prevalência é da transmissão de conhecimentos. Dessa

forma, é esperado que ocorram muitos problemas, mas principalmente a possibilidade de

alienação do sujeito no conhecimento. Tal afirmação, pode ser vivenciado através do fato de

que evita-se a problematização dos conteúdos escolares nas aulas. E essa é uma realidade que

circunda escolas do país inteiro, sendo ela pública (municipal, estadual ou federal) ou privada.

Há de se considerar, também, que o conhecimento se constrói em torno de interesses.

Interesses esses, que podem ser diversos. A constituição da situação escolar pelo sujeito

educativo no plano do ‘ser’ e não do ‘dever ser’, proporciona enxergarmos esse processo no

plano da realidade vivida e presenciada. Proporciona, ainda, o saber da experiência. Trata-se

de um saber distinto do saber científico e do saber da informação - plano de ‘dever ser’ - e de

uma práxis distinta da técnica e do trabalho. A observação ativa e a vivência em meio ao

objeto de estudo proporcionam ao pesquisador tirar suas constatações a partir de uma situação

concreta tal qual ela ocorre.

O espaço e o tempo, enquanto elementos estruturantes da situação escolar, demarcam

o que acontece na sala de aula. Porém, tais elementos, não influenciam apenas a vivência dos

alunos. Os professores, também, acabam sendo influenciados por tais fatores. Por exemplo: a

começar pela distribuição dos alunos na classe. Há um ‘mapa’ de sala, onde os alunos têm

seus lugares pré-determinados pelo professor, onde devem sentar-se para realizar suas tarefas.

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Já acerca do tempo, um exemplo, é o horário de entrada e saída, de duração das aulas, e do

intervalo, ainda, simbolizado por um sinal sonoro. Embora seja um fato externo a decisão e

competência tanto dos professores quanto dos alunos.

A diferença nos exemplos citados é que o professor, enquanto figura mediadora tem o

poder, como já foi dito de decidir o lugar dos alunos e organizar a distribuição do tempo.

Todavia, o professor tem vivenciado historicamente que, tais ações são controladas também

por agentes externos (seus superiores), ou seja, tanto para os alunos quanto para os

professores há sempre alguém que ‘manda mais’ controlando os espaços-tempos nos quais

estão inseridos.

Pude presenciar várias cenas de conflitos onde os alunos desejavam sentar-se nos

lugares que eles julgavam convenientes e os professores vetavam com a justificativa que ele

sabia o melhor lugar para cada um; ou que determinado aluno não poderia sentar-se próximo a

outro colega porque isso resultaria em indisciplina e baixo aproveitamento de ambos.

Tornando-se essa situação comum no ambiente da sala de aula.

A relevância de analisar o espaço e o tempo escolares se dá na concepção de que o

espaço em que se realiza a atividade escolar é uma ordenação estruturada da realidade, em

que adquirem significado as relações que ali se estabelecem. O ordenamento espacial e social

é o elemento simbólico que estrutura as práticas. Como aponta Edwards:

“A disposição física da sala de aula contém uma mensagem implícita sobre as

valorações das relações professor-aluno, e, portanto, também da relação com o

conhecimento. Analisar o espaço e seus usos é interpretar as práticas educativas

também como um elemento simbólico que silenciosamente estrutura e dá sentido às

múltiplas atividades que ocorrem em seu interior. ” (EDWARDS, 2006, p. 31)

Com o tempo, não é muito diferente simbolicamente falando. Os tempos que se

destinam a diversas atividades, os cortes no tempo e o modo de regulá-lo vão estruturando

significações específicas que vão encontrar com as práticas ali desenvolvidas. É possível

observar o duplo sentido que os elementos estruturantes – o tempo e o espaço – possuem: ora

podem ser meios “coercitivos”, ora podem ser “permissivos”. Todavia, além desses elementos

será a forma do conhecimento e a lógica de interação que definirá por completo a situação

escolar.

As relações entre os sujeitos não se dão somente através do professor – aluno. Mas

também entre os próprios alunos. Tal relação, segundo Edwards (2006) nem sempre está

vinculada as solicitações do professor ou da escola, mas sempre constitui um espaço e um

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tempo bastante desconhecido em que os alunos elaboram diversos conhecimentos de maneira

coletiva e informal, por iniciativa própria.

A partir dessa constatação é possível apontar o quanto a convivência das crianças,

enquanto alunos é importante para a formação e/ou constituição dos mesmos. Dado que em

algumas realidades, em sua maioria, o aluno acaba apropriando-se do universo da escola

(professores, colegas e funcionários) como o seu próprio universo. Principalmente nos dias de

hoje, onde os pais têm de ter até mais de um emprego e acabam tendo que passar mais tempo

trabalhando do que em casa.

Esses momentos em que os alunos têm para trocar informações, seja qual for o ‘tema’,

serve para os alunos gerarem uma visão de mundo compartilhada o que também levará à

formação de sensos comum. Muitas vezes essas relações se dão através de brigas e discussões

entre os alunos com a intervenção ou não do professor. Quando se trata de brigas é comum os

próprios alunos tentarem resolver o problema, na maioria das vezes sem a mediação do

professor. E quando solicitam, é através de acusações contra o colega. Como foi possível

observar, em algumas salas, os alunos criam suas relações de poder e não se sabe o que

determina a hierarquia, como por exemplo: aquele colega de sala que impõe respeito aos

demais por si só.

Todavia, essa ‘troca’ ocorre também no que diz respeito à realização de tarefas. Os

alunos tiram suas dúvidas uns com os outros. Porém, dentro de algumas condições, e uma

delas é manter a relação de igualdade, uma vez que, quando um colega passa a explicar sobre

determinada tarefa ela acaba assumindo perante os colegas a figura do professor naquele

momento.

Outro fator que pode ser nitidamente observado em sala de aula e no restante do

ambiente escolar diz respeito à independência que os alunos demonstram, hoje. É muito claro

através de suas falas e de suas atitudes. Como exemplo, será citado um trecho de um diálogo

entre dois alunos e uma professora:

“ ̶ PROFESSORA: Pessoal, as meninas da limpeza vieram reclamar que o banheiro

está ficando muito sujo depois do intervalo de vocês. E tem até uns “espertinhos” que estão

jogando papel molhado no teto. O que vocês me dizem? ”

“ ̶ ALUNO A: Professora, eu até vi uns caras fazendo isso, mas é sujeira entregar os

caras, né! ”

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“ ̶ ALUNO B: Ô Dona, a senhora não precisa esquentá não, porque nós vai resolver

essa parada e não vai dá nada pra ninguém não, de boa? Vou trocar idéia com os caras, eles

tão vacilando com as tia da limpeza...”

“ ̶ PROFESSORA: Assim espero, pois caso contrário vou ter que levar o caso pra

diretoria. E aí vocês, já sabem. ”

Como pode ser analisado, o aluno B, toma a frente do ‘problema’ e mostra autonomia

ao apontar uma alternativa para a resolução. Tal fato, pode ser considerado algo positivo ou

negativo, a depender dos meios que os alunos escolherão para resolver não somente os

conflitos que venham a surgir no cotidiano escolar, mas também em suas vidas de uma

maneira geral.

AS FORMAS DE CONHECIMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES

Nesse momento, o foco é no conhecimento escolar e como este, efetivamente, se

apresenta na prática escolar, isto é, como é construído ou reconstruído pelos sujeitos em sua

práticas/ações. Esse conhecimento não é aquele presente nos conteúdos oficiais escolares. E

sim, aqueles que se apresentam em sua existência social, dadas determinadas mediações

institucionais. Se dá pela descrição da existência material do conhecimento na sala de aula e

pela forma como é transmitido e apresentado pelo professor e como os alunos também

participam desse momento.

As formas de conhecimento, segundo Edwards (2006), estão constituídas em duas

dimensões: a lógica do conteúdo e a lógica da interação. E dividem-se em três formas de

conhecimento, como pode ser observado no quadro síntese abaixo:

Quadro 2: Formas de conhecimento no ensino

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Fonte: Gonçalves (2006) adaptado de Edwards (1997)

É importante salientar que podem existir outras formas de conhecimento presentes na

situação escolar, embora, não estejam citadas neste trabalho. Tais formas de conhecimentos

podem ser percebidas e analisadas através de observações e vivências em sala de aula. Um

professor, não necessariamente tem de utilizar apenas uma forma de conhecimento, também.

Ele pode apresentar várias formas de conhecimento em um mesmo processo de aprendizagem

com seus alunos. É o professor quem faz a conexão entre os alunos e o conhecimento. Uma

vez que, tem de reelaborar os conteúdos presentes no currículo dando uma conotação mais

erudita a ciência além de representar a autoridade em classe.

Segundo Edwards (2006) os conteúdos acadêmicos podem ser apresentados como

verdadeiros e, nesse sentido, podem transmitir visões de mundo autorizadas (com autoridade),

as quais constituem o terreno em que os sujeitos realizam suas apropriações, seja aceitando,

rejeitando ou construindo conhecimentos.

Durante os minicursos ministrados na escola foi possível observar essas situações. Um

exemplo está nas falas de uma aluna, em que, na maioria das vezes que eu a questionava sobre

algo, a resposta sempre vinha com uma outra questão: “É verdade, que ... ?”, e então colocava

sua dúvida a partir de alguma “verdade” propagada, em geral por mídias de massa ou por

conversas que se tornavam predominantes nos corredores da escola. A ação da aluna ao

direcionar suas dúvidas, dessa forma, e não de outra, indica que apesar de ter se encontrado

com essa tal “verdade” ela ainda deseja, pela figura do professor, legitimá-la.

Tratando-se acerca da existência material do conhecimento na classe é possível

afirmar que os conteúdos trabalhados adquirem ressignificações a partir da maneira como é

apresentado. Segundo Edwards (2006, p. 69):

A forma tem significados que se agregam ao conteúdo transmitido, produzindo-se

uma síntese, um novo conteúdo. Por exemplo: a sequência e ordem dos conteúdos, o

rito do dado, o controle da transmissão, a demanda de resposta textual, a posição

física requerida para responder, etc. não são apenas formas vazias, mas são em si

mesmas uma mensagem que altera e, como veremos, ressignifica conteúdos, como o

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de aparelho digestivo ou o da leitura narrativa, que a escola transmite. (EDWARDS,

2006, p. 69)

Desta forma, o conteúdo acaba se transformando na forma. E o é o professor quem vai

determinar de qual forma os conteúdos serão transmitidos aos alunos. Da ótica da posição do

sujeito em relação às diversas formas de conhecimento é possível descrever que o principal

foco desta análise é o sujeito-objeto. Seguindo os pensamentos da autora, o sujeito assume

uma posição perante o conhecimento que implica em algumas relações: de interioridade e de

exterioridade com o conhecimento. As relações de exterioridades se caracterizam pela

situação, por exemplo, quando o aluno tem o conteúdo como algo “inacessível” a partir do seu

contexto particular e social.

Já as relações de interioridades se dão através de significações. Ocorrem quando os

sujeitos podem encontrar sentido no que estão estudando. E de uma forma ou de outra,

conseguem fazer com que tal conhecimento, já faça parte de sua vida cotidiana. Para Edwards

há relações de “exterioridades” quando se diz respeito aos conhecimentos tópicos” e

“operacionais” e de “interioridade” com conhecimentos “situacionais” e “de significado”. Na

próxima seção serão descrita as três formas de conhecimentos analisadas nas vivências no

ambiente escolar, a partir dos estudos de Edwards e de observações e registros de situações da

escola onde atuei no projeto.

CONHECIMENTO TÓPICO

A forma de conhecimento tópica está direcionada para uma identificação tópica da

realidade. Desta forma, a apresentação do conhecimento se dá por uma relação de

contigüidade e é simbolizado mais por termos do que por conceitos. É uma representação que

exige exatidão, não permitindo a ambigüidade e tem a necessidade de serem nomeados com

precisão. O conhecimento acaba se dando de forma segmentada.

Destaca-se, na apresentação do conhecimento tópico, a localização do conteúdo em

determinada ordem e seqüência. Como pode-se notar, essa forma de conhecimento, exige do

aluno respostas únicas, precisas e textuais. Como se os alunos tivessem que responder as

indagações dos professores a maneira dos professores, de acordo com que eles querem

“ouvir” e na ordem colocada como “ideal”.

Tal como se apresenta, o conhecimento tópico nega a possibilidade de elaboração

pessoal dos alunos. O caráter que carrega consigo de verdade inquestionável leva a tal fato.

Muitas vezes os alunos tentam estabelecer uma relação do conteúdo que o professor

está trabalhando com suas experiências de vida, e nessa forma de conhecimento tópica, tal

ação é vetada, pois o professor exige do aluno uma reprodução fiel do conteúdo tratado e

ainda em uma seqüência estabelecida por ele. Tal ação leva o aluno a deixar de lado, abstrair

suas experiências particulares e sua capacidade de relacionar conhecimentos, para poder

obedecer a essa lógica e conseguir dar a resposta “correta” ao professor, a resposta que o

professor deseja receber. Fazer uma pergunta supõe um conjunto de conhecimentos que tornam possível

formulá-la, ou seja, uma pergunta é uma síntese de conhecimentos postos num

momento dado em determinada direção. Nesse sentido, quem pergunta de certo

modo antecipa uma resposta. (EDWARDS, 2006, p. 58)

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Tal forma de conhecimento está presente em muitas atividades realizadas em sala de

aula. E é muito mais comum do que se possa imaginar. Acredito que muitos professores

acabam guiando suas aulas, baseados nessa forma, até inconscientemente, uma vez que os

livros didáticos geralmente apresentam o conteúdo a partir de maneira tópica e, como no

Brasil o papel atribuído ao livro didático em sala de aula é quase que representando a

totalidade da fonte de conhecimento usada, o professor acaba, muitas vezes, apenas

reproduzindo um modelo histórico de lecionar. Segundo Edwards (2006. p. 80), esse tipo de

conhecimento apresenta o paradoxo de que, presumindo dar conta do todo - ou o que

denominamos pretensão de delimitar todo o saber sobre um tema -, fragmenta a realidade.

O conhecimento acaba sendo textual, onde saber significa nessa dimensão, lembrar de

modo exato como está no texto ou como o professor falou, escreveu no quadro etc. Os alunos

acabam concentrando suas atenções em adaptar-se à lógica do professor. Tal processo

caracteriza uma conceituação de caráter empirista, ou seja, a relação do sujeito com o objeto

de conhecimento é de exterioridade, e apresenta-se de forma imediata através da percepção.

Em algumas aulas do minicurso que ministrei, foi possível encontrar rastros da forma

de conhecimento tópico. Sempre realizávamos leituras, onde os alunos tinham de aguardar

sua vez para ler. Tal ação indica uma lógica de interação, onde o ponto central transfere-se

para a prontidão para a leitura, ou seja, saber onde está e começar no momento certo, e

desviando a atenção do conteúdo da leitura propriamente dito.

CONHECIMENTO OPERACIONAL

O conhecimento como operação, é apresentado como tentativa de superar a forma de

conhecimento tópico e pode-se dizer que é uma das formas de conhecimentos mais presente

nas práticas cotidianas escolares.

Segundo Edwards (2006, p. 81):

Trata-se da operação do conhecimento no interior de um sistema de conhecimento.

Por exemplo: usar as operações matemáticas no interior do sistema numérico. Usar a

definição das palavras homófonas, para classificá-las no interior do universo das

palavras. Usar as palavras-chave para discriminar os objetos no interior da sintaxe

das orações. Usar a fórmula do volume no interior do universo dos corpos

geométricos, etc.

O conhecimento operacional é baseado em uma lógica dedutiva, ou seja, o professor

pressupõe que o aluno tenha conhecimentos prévios para aprofundar os estudos sobre um

determinado conteúdo através do uso de mecanismos e instrumentos que permitem o aluno a

pensar. Ele se opõe à técnica de memorização, e tal fato, acaba sendo substituído pela

repetição de exercícios. É característica do conhecimento como operação, o uso de uma

linguagem técnica e cientifica.

O fato do professor chegar à sala de aula e dar início a aula sem retomar o assunto –

mesmo que o conteúdo da mesma seja uma seqüência do conteúdo trabalhado na aula anterior

– e aplicar atividades orais ou escritas que necessitam de conhecimentos prévios desses

alunos, remonta à idéia da presença da forma de conhecimento operacional, uma vez que

trata-se de operar com o conhecimento no interior de si mesmo.

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Nessa forma de conhecimento, como também, na forma de conhecimento tópica, o

aluno é induzido a deixar de lado suas considerações e elaborações pessoais, no intuito de

absorver a lógica que trama a adequação das operações selecionadas pelos professores para

que os alunos respondam as suas indagações. Em outras palavras, pode-se dizer que o aluno

não necessariamente precisa entender o conteúdo em questão – por mais ou menos abstrato

que ele se apresente - no todo, porém, ele precisa entender os mecanismos que o levarão a um

resultado correto.

CONHECIMENTO SITUACIONAL

Nessa forma de conhecimento situacional, o conhecimento é construído em torno do

que uma realidade é para um sujeito. Contudo, a situação engloba um conjunto de relações a

partir do sujeito, e o envolve nelas. Para Edwards (2006, p. 98), o mundo do sujeito está

perpassado por toda a gama do abstrato e do concreto, do imediato e do distante. Neste

sentido, no conhecimento situacional o referente para o sujeito é o mundo que assim o

significa, mediado pela situação.

Uma das mais marcantes diferenças entre o conhecimento situacional do

conhecimento tópico e operacional é que os conceitos não são dados prontos aos alunos. E

sim, construídos pelos mesmos a partir de suas valorações sociais. Dependendo da aceitação

de cada professor a essas elaborações dos alunos, pode ocorrer ou não, por parte do professor,

uma validação do saber informal dos alunos como conhecimento.

Como a significação é o eixo central dessa forma de conhecimento, a resposta no

ensino não é única. A ênfase é colocada na elaboração do aluno. As produções que

os alunos fazem [...] mostram o caráter social e compartilhado desse tipo de

conhecimento. (EDWARDS, 2006, p. 103)

As elaborações e/ou produções feitas pelos alunos também podem apontar seus

anseios sobre formas culturais e de vida de outras classes sociais. Visto que, mesmo não

pertencendo a uma classe social diferente da sua, tem contato com pessoas de outro grupo

social (um colega, um funcionário da escola, seus professores) ou de alguma forma isso faz

parte de suas bagagens culturais. O conhecimento situacional acaba por levar o aluno a pensar

em uma dada situação, ou em uma parte especifica dela, e procura imediatamente sua posição

ou ponto de vista em relação a ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizar o levantamento bibliográfico e as leituras sobre as discussões traçadas

acerca das representações sociais dos sujeitos, das relações dos sujeitos com o conhecimento e

suas formas, buscou-se nesse trabalho, chamar a atenção dos olhares para as problemáticas

das questões abordadas. Não é pretensão aqui, descrever todas as situações que foram

presenciadas durante as vivências na escola ou todos os apontamentos dos autores que me

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serviram de aporte teórico. E sim, destacar situações e principalmente desenvolver reflexões

teórico-práticas que sejam relevantes para a sociedade como um todo, com ênfase para os

sujeitos escolares e para os pesquisadores da área.

Tratando-se do contexto da escola em que atuei como membro do projeto PIBID,

aprendi, também, que não surte efeitos positivos de aprendizagem ao aluno a prática de

destacar seus “defeitos”, mesmo que a intenção seja despertá-los para uma possível

superação. Rotular, definitivamente não é o melhor caminho. O desejo de “padronizar” dentro

da educação acaba por negar que a identidade do sujeito é multifacética e que os sujeitos são

heterogêneos entre si. Isso “mata” a criatividade dos sujeitos e podem lhe causar sérios

traumas na perspectiva da ação de construir conhecimento e se deixar tocar por eles. A

realidade que vamos nos deparar na escola, especialmente na sala de aula, é a mais diversa. E

o professor acaba sendo o ponto nodal da organização dessa diversidade. É o professor quem

realiza a atividade e estabelece as “regras do jogo”.

Em minhas experiências docentes na escola, pude perceber que não agi como uma

professora “boazinha”, no sentido de ser permissiva. Em minha visão, fui uma boa professora

no sentido de buscar ser ética com meus alunos. Acredito que a maneira contundente de falar

algo em sala de aula – em alguns momentos, energética - tentando conduzir a aula da melhor

maneira possível, me fez questionar-me quanto ao que preço os alunos aprenderam algo? Às

vezes, o medo de perder o “controle” da sala, faz com que sejamos autoritários. E reflexões

como essa, servem para motivar nossa autoavaliação permanente, bem como nossa

criatividade para refazer nossas práticas, e demanda o nosso comprometimento na realização

de nossas tarefas. Assim, a prática, além da significação, acaba tomando sentido enquanto

sujeito constituinte e construtor do conhecimento escolar, social e pessoal.

As experiências na escola e as reflexões sobre elas, especialmente por meio da

elaboração desta pesquisa, trouxeram outras aprendizagens quanto à didática, pois aprendi

que, além de organizar minhas práticas, é necessária certa flexibilidade para adequar o ritmo

de trabalho e objetivos da docência às necessidades e demandas dos alunos. O professor não

está em sala para provar suas vaidades ou despejar uma gama de conteúdos acadêmicos e sim

cumprir seu papel profissional e social da docência. Além do mais, é a partir dessa

organização e/ou estruturação que pode ou não permitir aos sujeitos expressarem suas

singularidades. Outra aprendizagem refere-se ao fato de ter evidenciado que não parece muito

frutífero iniciar uma aula com perguntas diretas e a determinados alunos. Ele pode não se

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lembrar do conteúdo e sentir-se humilhado. Assim, observei que aulas em que a professora

retoma o assunto da aula anterior há maior participação dos alunos e aproveitamento da aula.

Acredito que a maior aproximação que um professor pode alcançar de seus alunos é através

do respeito mútuo, e esta também é uma das maiores conquistas de qualquer profissional e

antes de tudo, ser humano.

A partir das formas de conhecimento apresentadas e das relações que os sujeitos

escolares têm com elas, é possível apontar que todas foram vivenciadas no ambiente escolar.

As formas de conhecimento, com toda a certeza, permitem tanto ao aluno como ao professor

uma lógica de interação maior, proporcionando, ainda, construções de conhecimentos mais

ricas tanto pelos alunos quanto pelos professores. E isso é possível porque há a apropriação de

significado pelos sujeitos. Cada qual, leva sua representação social para a sala de aula e ali

após essa miscigenação de conhecimentos cada qual abstrai e internaliza à sua maneira

particular.

Acredita-se que tal realidade só poderá ser mais comumente encontrada a partir do

momento em que houver maior valorização dos saberes docentes e dos saberes discentes na

formação de professores e alunos. Com toda a certeza, adentrar ao espaço escolar, conviver

com os sujeitos escolares, tanto alunos como professores verdadeiramente ocasionou uma

ressignificação das experiências vivenciadas no projeto PIBID e na construção da pesquisa.

Formas tradicionais de lidar com o ensino-aprendizagem ainda permanecem

fortemente presentes no cotidiano escolar e, muitas vezes, amarradas por uma estrutura

institucional. O planejamento de uma aula, por exemplo, ainda que seja objeto de grandes

discussões político-pedagógicas em todas as instâncias (da escola a debates internacionais),

exige que o professor tenha que considerar que o tempo seja homogêneo para todos os alunos,

ou seja, o professor pré-determina que os alunos vão cumprir as dadas tarefas em um mesmo

período de tempo. Obviamente, cada aluno tem seu ritmo particular. Todavia, pensando na

realidade das escolas hoje, é difícil, senão impossível ao professor planejar uma aula

pensando na especificidade de cada aluno, uma vez que as salas de aulas que observei havia

cerca de 40 alunos. É imprescindível refletir sobre as técnicas e as estratégias de ensino, mas

não podemos esquecer do que temos nas reais condições de trabalho do professor e de

aprendizagem dos alunos, sendo estes, na maioria das vezes, fatores que limitam e engessam o

processo educativo.

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Estes são apenas uns dos exemplos das contradições entre o prescrito nas leis e

diretrizes e o viabilizado para o trabalho do professor, o que demonstra que o sistema

educacional brasileiro se encontra em crise, de função educativa e social, de valores e ética. E

ainda, demonstra fortes tendências mercadológicas de gestão do sistema escolar, que precariza

a estrutura da instituição e o trabalho docente, impõem formas de avaliação dos rendimentos

pautados em normas e regras externas a realidade escolar e culpabiliza o professor pelos

insucessos dos alunos. Esta política coercitiva evidencia-se de maneira bastante contraditória

aos discursos político-educacionais em voga no novo milênio.

Contudo, acredito que é somente através da ação-reflexão e das ressignificações da

prática, que pode haver a sinalização de mudanças. É necessário que ocorra um salto

qualitativo nas condições de trabalho para que as melhorias se efetivem, mas não depende

somente delas, pois estas mudanças começam dentro de cada sujeito escolar.

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