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COMANDO DA AERONÁUTICA CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS RELATÓRIO FINAL A - 025/CENIPA/2013 OCORRÊNCIA: ACIDENTE AERONAVE: PP-AJV MODELO: C90A DATA: 03FEV2013

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COMANDO DA AERONÁUTICA

CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS

RELATÓRIO FINAL

A - 025/CENIPA/2013

OCORRÊNCIA: ACIDENTE

AERONAVE: PP-AJV

MODELO: C90A

DATA: 03FEV2013

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ADVERTÊNCIA

Em consonância com a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, Artigo 86, compete ao

Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SIPAER – planejar, orientar,

coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e de prevenção de acidentes

aeronáuticos.

A elaboração deste Relatório Final, lastreada na Convenção sobre Aviação Civil

Internacional, foi conduzida com base em fatores contribuintes e hipóteses levantadas, sendo um

documento técnico que reflete o resultado obtido pelo SIPAER em relação às circunstâncias que

contribuíram ou que podem ter contribuído para desencadear esta ocorrência.

Não é foco do mesmo quantificar o grau de contribuição dos fatores contribuintes,

incluindo as variáveis que condicionam o desempenho humano, sejam elas individuais,

psicossociais ou organizacionais, e que possam ter interagido, propiciando o cenário favorável ao

acidente.

O objetivo único deste trabalho é recomendar o estudo e o estabelecimento de

providências de caráter preventivo, cuja decisão quanto à pertinência e ao seu acatamento será de

responsabilidade exclusiva do Presidente, Diretor, Chefe ou correspondente ao nível mais alto na

hierarquia da organização para a qual são dirigidos.

Este relatório não recorre a quaisquer procedimentos de prova para apuração de

responsabilidade no âmbito administrativo, civil ou criminal; estando em conformidade com o item

3.1 do “attachment E” do Anexo 13 “legal guidance for the protection of information from safety

data collection and processing systems” da Convenção de Chicago de 1944, recepcionada pelo

ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n º 21.713, de 27 de agosto de 1946.

Outrossim, deve-se salientar a importância de resguardar as pessoas responsáveis pelo

fornecimento de informações relativas à ocorrência de um acidente aeronáutico, tendo em vista que

toda colaboração decorre da voluntariedade e é baseada no princípio da confiança. Por essa

razão, a utilização deste Relatório para fins punitivos, em relação aos seus colaboradores, além de

macular o princípio da "não autoincriminação" deduzido do "direito ao silêncio", albergado pela

Constituição Federal, pode desencadear o esvaziamento das contribuições voluntárias, fonte de

informação imprescindível para o SIPAER.

Consequentemente, o seu uso para qualquer outro propósito, que não o de prevenção de

futuros acidentes, poderá induzir a interpretações e a conclusões errôneas.

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SINOPSE

O presente Relatório Final refere-se ao acidente aeronáutico com a aeronave PP-AJV, modelo C90A, ocorrido em 03FEV2013, classificado como causado por fenômeno meteorológico em voo.

Trinta e cinco minutos após a decolagem, houve a perda de contato radar da aeronave com os órgãos de controle de tráfego aéreo.

A aeronave foi encontrada no dia seguinte em uma área de plantação.

Todos os ocupantes faleceram no local do acidente.

Houve a designação de Representantes Acreditados do National Trasportation Safety Board – USA e do Transportation Safety Board - Canada.

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ÍNDICE

GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS E ABREVIATURAS ............................................. 5

1. INFORMAÇÕES FACTUAIS. ......................................................................................... 6

1.1. Histórico do voo. ............................................................................................................ 6

1.2. Lesões às pessoas. ....................................................................................................... 6

1.3. Danos à aeronave. ........................................................................................................ 6

1.4. Outros danos. ................................................................................................................ 6

1.5. Informações acerca do pessoal envolvido. .................................................................... 6

1.5.1. Experiência de voo dos tripulantes. .......................................................................... 6

1.5.2. Formação. ................................................................................................................ 7

1.5.3. Categorias das licenças e validade dos certificados e habilitações. ........................ 7

1.5.4. Qualificação e experiência no tipo de voo. ............................................................... 7

1.5.5. Validade da inspeção de saúde. .............................................................................. 7

1.6. Informações acerca da aeronave. ................................................................................. 7

1.7. Informações meteorológicas. ........................................................................................ 7

1.8. Auxílios à navegação. ................................................................................................. 10

1.9. Comunicações. ............................................................................................................ 10

1.10. Informações acerca do aeródromo. ........................................................................... 11

1.11. Gravadores de voo. ................................................................................................... 11

1.12. Informações acerca do impacto e dos destroços. ..................................................... 12

1.13. Informações médicas, ergonômicas e psicológicas. ................................................. 13

1.13.1. Aspectos médicos. ................................................................................................ 13

1.13.2. Informações ergonômicas..................................................................................... 13

1.13.3. Aspectos Psicológicos. ......................................................................................... 13

1.14. Informações acerca de fogo. ..................................................................................... 14

1.15. Informações acerca de sobrevivência e/ou de abandono da aeronave. ................... 14

1.16. Exames, testes e pesquisas. ..................................................................................... 14

1.17. Informações organizacionais e de gerenciamento. ................................................... 19

1.18. Informações operacionais. ........................................................................................ 19

1.19. Informações adicionais. ............................................................................................. 20

1.20. Utilização ou efetivação de outras técnicas de investigação. .................................... 20

2. ANÁLISE. ..................................................................................................................... 20

3. CONCLUSÃO. .............................................................................................................. 23

3.1. Fatos. .......................................................................................................................... 23

3.2. Fatores contribuintes. .................................................................................................. 24

4. RECOMENDAÇÃO DE SEGURANÇA ........................................................................ 25

5. AÇÃO CORRETIVA OU PREVENTIVA JÁ ADOTADA. .............................................. 26

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GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS E ABREVIATURAS

ACC-CT Area Control Center - Curitiba

ANAC Agência Nacional de Aviação Civil

ATC Air Traffic Control

CA Certificado de Aeronavegabilidade

CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos

CG Centro de Gravidade

CINDACTA Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo

CIV Caderneta Individual de Voo

CMA Certificado Médico Aeronáutico

CMV-CW Centro Meteorológico de Vigilância - Curitiba

CPTEC Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos

CVR Cockpit Voice Recorder

DCTA Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial

FAA Federal Aviation Administration

FIR-CW Flight Information Region - Curitiba

FL Flight Level

FMS Flight Management System

IAE Instituto de Aeronáutica e Espaço

IAM Inspeção Anual de Manutenção

IFR Instruments Flight Rules

IFRA Habilitação Técnica de Tipo / IFR - Avião

IMC Instrument Meteorological Conditions

INFRAERO Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

NTSB National Transportation Safety Board

PCM Piloto Comercial - Avião

PPH Piloto Privado - Helicóptero

PPR Piloto Privado - Avião

SBLO Designativo de localidade - Aeródromo de Londrina

SBMG Designativo de localidade - Aeródromo de Maringá

SBMT Designativo de localidade - Aeródromo do Campo de Marte

SBSP Designativo de localidade - Aeródromo de Congonhas

TSB Transportation Safety Board

UTC Universal Time Coordinated

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1. INFORMAÇÕES FACTUAIS.

Aeronave

Modelo: C90A Operador:

Matrícula: PP-AJV Z. AIR Investimentos e Participações LTDA. Fabricante: BEECHCRAFT

Ocorrência

Data/hora: 03FEV2013 / 22:10 (UTC) Tipo(s):

Local: Fazenda Água do Miranda Causado por fenômeno meteorológico em voo

Lat. 22º43’33”S Long. 050º24’48”W

Município – UF: Cândido Mota – SP

1.1. Histórico do voo.

A aeronave decolou do Aeródromo de Maringá (SBMG), PR, às 21h37min (UTC), com destino ao Aeródromo de Congonhas (SBSP), SP, com um piloto e quatro passageiros a bordo, para um voo de transporte.

O piloto preencheu por telefone um plano de voo IFR para o FL210. O deslocamento ocorreu no período noturno e prevaleciam condições meteorológicas de voo por instrumentos (IMC) em rota.

Cerca de 35 minutos após a decolagem, houve a perda de contato radar com os órgãos de controle de tráfego aéreo do setor onde a aeronave se encontrava.

A aeronave foi encontrada no dia seguinte, em área rural, totalmente destruída.

1.2. Lesões às pessoas.

Lesões Tripulantes Passageiros Terceiros

Fatais 1 4 -

Graves - - -

Leves - - -

Ilesos - - -

1.3. Danos à aeronave.

A aeronave ficou destruída.

1.4. Outros danos.

Não houve.

1.5. Informações acerca do pessoal envolvido.

1.5.1. Experiência de voo dos tripulantes.

Horas Voadas

Discriminação Piloto

Totais Desconhecido

Totais, nos últimos 30 dias 24:30

Totais, nas últimas 24 horas 02:05

Neste tipo de aeronave 441:45

Neste tipo, nos últimos 30 dias 24:30

Neste tipo, nas últimas 24 horas 02:05

Obs.: A Caderneta Individual de Voo (CIV) não foi encontrada. As horas voadas pelo piloto foram obtidas, aproximadamente, por cruzamento de dados informatizados fornecidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e controle de movimentos da aeronave acidentada no Aeroporto Campo de Marte (SBMT), fornecido pela INFRAERO.

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1.5.2. Formação.

Não foi possível rastrear as informações sobre a escola de formação do comandante. Contudo, verificou-se que este obteve a licença de Piloto Privado – Avião (PPR), em 19FEV1991, de Piloto Privado – Helicóptero (PPH), em 09DEZ2001, e de Piloto Comercial – Avião (PCM), em 14FEV2012.

1.5.3. Categorias das licenças e validade dos certificados e habilitações.

O comandante estava com a habilitação técnica de aeronave tipo BE90 válida. A habilitação para voo por instrumentos – Avião (IFRA) estava vencida (JAN/2013), apesar de a prova teórica de voo IFR, realizada junto à ANAC, estar válida.

1.5.4. Qualificação e experiência no tipo de voo.

O piloto não estava qualificado para efetuar o tipo de voo proposto em plano de voo (IFR vencido).

1.5.5. Validade da inspeção de saúde.

O piloto estava com o Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válido.

1.6. Informações acerca da aeronave.

A aeronave, de número de série LJ-1647, foi fabricada pela Beechcraft, em 2001, estava registrada na categoria (TPP) e o seu tipo requeria, apenas, um tripulante para a operação.

O Certificado de Aeronavegabilidade (CA) estava válido.

As cadernetas de célula, motor e hélice não foram encontradas, no entanto, em consulta à oficina que realizava a manutenção, verificou-se que estavam com as escriturações atualizadas.

A última inspeção da aeronave, do tipo IAM, foi realizada em 23AGO2012 pela oficina CONAL. Nessa data a aeronave acumulava 3.137 horas totais.

Apesar dessas informações, constatou-se durante a investigação que o piloto desligava o horímetro da aeronave para mascarar a quantidade de horas voadas, sendo assim, não se pôde afirmar que as inspeções, revisões e demais serviços de manutenção estavam sendo realizados dentro dos prazos previstos pela legislação em vigor e pelo programa de manutenção do fabricante.

1.7. Informações meteorológicas.

A situação sinótica da região do acidente evidenciava a presença de uma frente fria com intensidade de moderada a forte sobre a FIR – CW. De acordo com as informações meteorológicas, o eixo de atuação da frente fria estendia-se desde Ponta Porã, MS até o litoral dos Estados do Paraná e de Santa Catarina.

Havia uma grande área com nebulosidade em multicamadas, associada à trovoadas ativas, afetando os Estados do Paraná e de São Paulo. Os setores 9 e 10 da FIR-CW encontravam-se comprometidos pela presença de núcleos de trovoadas, principalmente na faixa norte destes setores, onde se encontrava a cidade de Assis, SP.

Analisando-se a Carta de Tempo Significativo (SIGWX), utilizada graficamente para descrever as condições meteorológicas, identificou-se que a nebulosidade em multicamadas estava associada a nuvens do tipo cumulus.

Todos os setores estavam sendo monitorados pelo Centro Meteorológico de Vigilância de Curitiba (CMV-CW) - Centro Meteorológico associado ao ACC-CT (Area

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Control Center), que tinha a finalidade de manter vigilância contínua sobre as condições meteorológicas reinantes que pudessem afetar as operações de voo dentro da FIR-CW.

Por tal razão, foi emitido pelo ACC-CT um SIGMET (Significant Meteorological Information) relativo às condições meteorológicas observadas ou previstas em rota que pudessem afetar a segurança das aeronaves em voo. Tal informação continha dados da área de atuação de fenômenos como: turbulência, trovoada, gelo, linha de instabilidade, bem como o seu deslocamento.

03/02/2013 SBCW 031940-2300Z

SBCW CURITIBA FIR EMBD TS FCST WI S2233

W05547- S2028 W05440 - S1857 W05227 - S2220

W04903 - S2325 W04952 - S2359 W05524 - S2233

W05547 TOP FL400 MOV ENE 06KT NC

Figura 1 – SIGMET na FIR-CW: Trovoadas embutidas e topo no FL 400.

Analisando-se as cartas de vento, relativas aos FL180 e 240, mais próximas ao FL210 (nível de voo utilizado pela aeronave acidentada), identificou-se a predominância de vento de 35kt de intensidade e direção compatível com o SIGMET.

A temperatura predominante para a região do acidente era de -16°C para o FL240 e -5°C para o FL180. Por interpolação simples, chegou-se a valores próximos de -10°C / -11°C para o FL210.

Figura 2 - Imagem satélite da frente sobre as regiões Sul e Sudeste do Brasil – 22h00min (UTC). Fonte: INPE / CPTEC.

De acordo com a radiossondagem efetuada em SBLO (Londrina, PR) para o dia 04FEV2013, às 00h00min (UTC), ou seja, duas horas após a ocorrência, pôde-se perceber que entre 400 e 300hPa de pressão atmosférica, correspondente ao nível voado pela aeronave acidentada, havia uma proximidade entre a temperatura do ar e do ponto de orvalho, propiciando condições de formação de gelo.

Maringá

(SBMG)

Congonha

s (SBSP)

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Figura 3 - Radiossondagem em SBLO – 00h00min (UTC) 04FEV2013.

Consultando-se estudos e publicações especializadas de conteúdo meteorológico (Aircraft Icing Avoidance and Protection – NTSB-SR-81-1 e Pilot`s Handbook of Aeronautical Knowledge – FAA – H – 8083-25A), aprofundou-se o estudo sobre as nuvens do tipo cumulus e sua relação com a formação de gelo na estrutura das aeronaves.

Este tipo de nuvem, como as demais, resulta da condensação do vapor d’água em suspensão na atmosfera. As nuvens tipo cumulus podem conter muita umidade em seu interior, quando do seu desenvolvimento.

Para a formação de gelo na estrutura da aeronave, contribuem vários fatores meteorológicos e aerodinâmicos. Os mais importantes são: a presença de água em estado líquido, a temperatura, o tamanho das gotas d’água em suspensão e o tamanho e velocidade do objeto que impacta contra as gotas.

O fator meteorológico mais importante é a existência de água. O volume de gelo que se acumula na estrutura de uma aeronave é diretamente proporcional ao volume de água sob a forma de gotas. Quando a água está em forma de vapor, neve ou cristais de gelo normalmente não adere à estrutura da aeronave.

O segundo fator mais importante é a temperatura. Ela afeta diretamente a formação de gelo em si, bem como a forma como este vai se desenvolver na fuselagem da aeronave. A vasta maioria dos eventos com gelo ocorre entre 0°C e -15°C. Quando a temperatura do ar externo está abaixo de -20°C, a formação de gelo na aeronave passa a ser considerada um evento raro, à medida que o componente “água” tende a se solidificar.

Assumindo-se um gradiente padrão de perda de 2°C de temperatura do ar externo a cada 1.000ft em subida, percebe-se que estas condições são normalmente encontradas por volta do FL200, daí este evento passa a ser reconhecido pela comunidade aeronáutica como o freezing level ou nível de congelamento.

Proximidade entre a

temperatura do ar e

ponto de orvalho

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Vale ressaltar, contudo, que este gradiente é meramente um referencial para calibração de altímetros, ou seja, o planejamento de voo deve ser conduzido com base na consulta às cartas de vento e outros auxílios afins, que promovam o conhecimento oportuno das reais condições de temperatura para os níveis de voo pretendidos.

O tamanho e a velocidade das superfícies da aeronave também exercem influência na formação de gelo. De maneira simplificada, quanto mais espessa a superfície de impacto (sobretudo aerofólios), menor a probabilidade de formação de gelo. Quanto maior a velocidade da superfície, maior a probabilidade. Não obstante tais características, o voo em menor velocidade não é indicado como uma forma de reduzir a possibilidade de gelo. Velocidades reduzidas implicam maiores ângulos de ataque e, consequentemente, maior exposição da área alar da aeronave, potencializando a formação de gelo nessa estrutura.

Componentes ou superfícies mais delgadas acumulam gelo com mais facilidade. Logo, é grande a probabilidade de os bordos de ataque da empenagem (deriva e estabilizadores horizontais) acumularem gelo antes dos bordos de ataque das asas.

Ainda, com relação ao gelo formado na estrutura da aeronave, o peso deste elemento, quando acumulado em voo, fica em torno de 50 libras por pé cúbico. Em contrapartida, mesmo os pequenos acréscimos de gelo nos bordos de ataque dos aerofólios podem reduzir o coeficiente máximo de sustentação em até 30%.

O coeficiente de arrasto tem efeito contrário ao coeficiente de sustentação. Ou seja, torna-se maior à medida que mais gelo se molda aos aerofólios da aeronave, podendo dobrar, ou, nos casos de maior severidade, triplicar o arrasto original produzido por estas superfícies. Assim, será necessária maior potência do motor para manter o voo nivelado. Da mesma forma, a eficiência das pás de hélice pode ser degradada pelo acúmulo de gelo, se estas não forem assistidas por dispositivos de proteção contra gelo ou se estes estiverem inoperantes.

O controle de rolamento pode ser degradado se o gelo se formar nas asas, à frente dos ailerons. O controle de arfagem também pode ser deteriorado por conta de gelo nos bordos de ataque da empenagem e das asas, afetando o fluxo aerodinâmico sobre a empenagem da aeronave.

Portanto, a não ser que haja alguma disposição em contrário no manual do fabricante da aeronave, é expressamente recomendável a utilização dos sistemas anti-ice ou de-ice, eventualmente presentes nos bordos de ataque dos aerofólios, tão logo seja avistada a formação de gelo nestas superfícies ou, ainda, quando as condições de gelo se fizerem presentes.

1.8. Auxílios à navegação.

Nada a relatar.

1.9. Comunicações.

A subida da aeronave ao FL210 ocorreu conforme a autorização expedida pelos órgãos ATC. Após o FL110, a aeronave manteve a proa de Bauru, SP. O Centro de Controle de Área de Curitiba (ACC-CT) coordenou a chegada PIRA2 para a aeronave em São Paulo. Nenhuma consulta sobre a atualização das condições meteorológicas foi solicitada pelo piloto.

A investigação teve acesso a todas as comunicações rádio mantidas entre os órgãos ATC e a aeronave, até o acidente. A autorização de decolagem foi coordenada pelo piloto. Todas as demais comunicações com os órgãos ATC foram desempenhadas pela passageira posicionada no assento reservado a um copiloto.

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1.10. Informações acerca do aeródromo.

A ocorrência se deu fora de aeródromo.

1.11. Gravadores de voo.

A aeronave possuía um Cockpit Voice Recorder (CVR), modelo A100S, fabricado pela empresa L3 Communications, P/N S100-0080-00 e S/N 000137440.

Apesar dos graves danos sofridos pelo componente, foi possível recuperar a gravação dos últimos 30 minutos de voo. Nestes, foram captadas as comunicações entre a aeronave e os órgãos ATC, o som ambiente obtido pelo microfone posicionado no cockpit, bem como as comunicações via interfone entre o piloto e a passageira sentada no assento do copiloto.

Em mais de um momento, durante a subida da aeronave ao FL 210, observou-se que o piloto conversava com os passageiros transportados.

Pouco antes do nivelamento, a passageira sentada no assento do copiloto sugeriu ao piloto que solicitasse o FL230 ou FL250 ao ACC-CT, de forma a evitar o voo dentro das nuvens presentes no FL210. O piloto discordou, alegando que a aeronave estava muito pesada para prosseguir na subida.

A passageira insistiu, por sentir que um dos passageiros (sentado atrás) estava incomodado com o voo dentro de nuvens e que, pelo que observava no exterior da aeronave, o FL230 ou FL250 poderia livrar as formações. O piloto replicou que manteria o FL210 por mais meia hora, com o objetivo de consumir mais combustível, e que depois prosseguiria ao FL230. A passageira comentou que, em mais meia hora, possivelmente já estivessem fora das nuvens.

Pouco após o nivelamento, percebeu-se o ajuste das hélices em 1.850 RPM. Não foi observada a conferência de qualquer lista de verificações durante todo o voo. No início das gravações (começo da subida), o piloto apenas checou se a pressurização da aeronave estava de acordo.

No final da subida e cerca de sete minutos antes da perda de controle, a passageira informou a presença de gelo. Não foi possível determinar se o comentário fazia alusão à presença deste elemento nos para-brisas ou nas asas da aeronave.

Aproximadamente dois minutos antes da perda de controle, após a coordenação com o ACC-CT para a chegada IFR em São Paulo (PIRA2), percebeu-se a preocupação de inserir a chegada no Flight Management System (FMS), localizado no console central da aeronave.

Trinta segundos antes do fim das gravações, ouviram-se dois avisos sonoros identificados como buzina de estol (intermitente por quase dez segundos) e aviso de abandono de nível de voo pré-selecionado (FL210). Os comentários do piloto no cockpit evidenciavam que este não sabia o que se passava com a aeronave.

Nos 20 segundos finais, observou-se um forte barulho relacionado com o aumento do fluxo aerodinâmico passando pela aeronave.

Em nenhum momento foi observada qualquer redução deliberada de potência nos motores, em meio à perda de controle em voo.

Não houve aviso sonoro de desengajamento do piloto automático, tampouco de sobrevelocidade.

O estresse pelo qual a estrutura da fuselagem foi submetida após a perda de controle, provavelmente foi o responsável pelo acionamento de um sensor de impacto e pela desativação do CVR.

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1.12. Informações acerca do impacto e dos destroços.

Os destroços foram encontrados em uma plantação de soja em área rural do município de Cândido Mota, SP. Não havia evidências de impactos anteriores à queda. Havia uma rede de transmissão de energia elétrica à retaguarda da aeronave sem quaisquer avarias.

O motor esquerdo, a ponta da asa direita, o leme direcional e os estabilizadores horizontais foram encontrados em uma área circular com 1.000 metros de raio em relação à fuselagem. As quatro pás de hélice de cada motor, apesar das deformações resultantes do impacto contra o solo, estavam conectadas aos seus respectivos cubos.

A orientação da aeronave no local da queda indicava aproximadamente a proa magnética 080°.

As equipes de resgate tiveram que destruir a parte frontal da aeronave, com o objetivo de remover os corpos do piloto e da passageira que ocupavam o cockpit.

Figura 4 - Local da queda.

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Figura 5 - Detalhe da torção na fuselagem à direita.

1.13. Informações médicas, ergonômicas e psicológicas.

1.13.1. Aspectos médicos.

A investigação verificou que o piloto não possuía restrições médicas antes do acidente.

1.13.2. Informações ergonômicas.

Nada a relatar.

1.13.3. Aspectos Psicológicos.

Informações individuais

O piloto possuía habilitação recente no tipo de aeronave (menos de um ano) a qual foi custeada por seu contratante. Executava funções administrativas na empresa operadora da aeronave e realizava voos particulares para o seu contratante.

Foi descrito por pessoas que o conheciam como carismático, estudioso, metódico e organizado. Passava uma imagem de um piloto responsável e experiente.

De acordo com informações levantadas junto a pessoas que estiveram com o piloto e passageiros momentos antes do voo, eles estavam, aparentemente, tranquilos.

Na época do acidente, conforme relatos, o piloto não demonstrava estar cansado ou sobrecarregado com o trabalho. Profissionalmente, sentia-se realizado e também estava bem no âmbito familiar.

A esposa do piloto era a passageira sentada no assento do copiloto no voo do acidente e trajava uniforme de tripulante. Conforme levantado nas entrevistas realizadas,

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era habitual o casal voar junto, apesar de a esposa não ter nenhuma licença ou habilitação de aeronauta.

No voo em questão, em alguns momentos, o piloto passou orientações para essa passageira e, conforme o registro do CVR, ela assumiu a fonia nas comunicações em certas fases do voo.

Segundo um copiloto que voou com este comandante, ele era mais cauteloso do que ousado na operação e costumava fazer os desvios necessários em condições meteorológicas adversas.

Contudo, este copiloto revelou que não teve acesso ao diário de bordo da aeronave nas ocasiões em que havia voado com o comandante, que o diário de bordo nunca ficava na aeronave e que, nos voos realizados juntos, o comandante não cumpria o checklist da aeronave, chegando a reportar que não precisava cumprir esse tipo de rotina e que iria lhe ensinar a fazer tudo de memória.

Outro copiloto, em formação, que fazia voos freelancer com o comandante, também relatou que ele fazia uso de uma espécie de checklist de memória denominado de “seven killers”, provavelmente criado por ele mesmo. Conforme foi relatado também, ele possuía hábitos operacionais particulares que adquiriu voando e não costumava adotar procedimentos previstos em manual.

Informações psicossociais

O piloto possuía um bom relacionamento familiar e se mostrava sempre disponível para as pessoas.

No trabalho, mantinha um ótimo relacionamento com os colegas. Foi descrito pelos pares como comunicativo, sempre de bom humor e alegre.

De acordo com as informações obtidas, o piloto tinha muita confiança do seu contratante e este confiava também no trabalho dele, tanto como piloto quanto gestor de todos os assuntos relacionados à aeronave.

Por meio da escuta do CVR, identificou-se um clima de desentendimento entre o piloto e a passageira que estava sentada ao seu lado, porém, não foi possível determinar se as dificuldades de interação se deram em função do voo ou por questões pessoais.

O piloto passou boa parte do tempo conversando com um dos passageiros que estava sentado atrás, explicando dados técnicos do voo. Aparentemente, buscava criar um clima amistoso.

A passageira que auxiliava o comandante também evidenciou estar voltada à questão do bem-estar do passageiro, que aparentava estar com receio do voo, no entanto, ela também demonstrava estar consciente das condições do voo, chamando a atenção do comandante para isso.

1.14. Informações acerca de fogo.

Não havia nenhuma evidência de fogo em voo.

1.15. Informações acerca de sobrevivência e/ou de abandono da aeronave.

Nada a relatar.

1.16. Exames, testes e pesquisas.

A pesquisa foi realizada nas dependências da oficina homologada pela ANAC, em Sorocaba, SP, para onde os destroços foram transportados e com o acompanhamento dos investigadores e engenheiros do DCTA.

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De acordo com o Relatório Técnico do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), foi constatado que as superfícies de fratura encontradas nas peças analisadas apresentaram aspectos característicos de falha por sobrecarga.

A junção do estabilizador horizontal, que se soltou em voo, apresentava evidências de compressão. Percebeu-se, nos dois lados da porção inferior do estabilizador vertical e do leme direcional, rupturas leves no revestimento e marcas significativas de um material de pigmentação escura.

Os bordos de ataque do estabilizador horizontal da aeronave eram cobertos por superfícies de borracha preta. As marcas encontradas na base do estabilizador vertical levam a crer que eram resultantes do impacto das seções do estabilizador horizontal no momento do desprendimento.

Os motores Pratt & Whitney que equipavam a aeronave, modelo PT6A-21, foram detalhadamente analisados na sede do fabricante em Sorocaba, SP. Uma equipe de especialistas, supervisionada por um engenheiro aeronáutico do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do DCTA, apresentou um Relatório Técnico sobre a investigação do grupo motopropulsor da aeronave.

De acordo com este documento, o motor esquerdo, estava operacional, porém, não desenvolvia potência no instante em que ocorreu o impacto contra o terreno. Isso indicou que o conjunto asa/motor pode ter se desprendido da aeronave quando ela ainda estava no ar. A hélice desse motor também apresentava evidência de que estava parada no momento do impacto.

Figura 6 - Lado direito do conjunto formado pelo estabilizador vertical e leme direcional.

Figura 7 - Lado esquerdo do conjunto formado pelo estabilizador vertical e leme direcional.

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O motor direito estava operacional e desenvolvendo potência no instante em que ocorreu a colisão da aeronave contra o solo, evidenciado pelos danos internos graves que este sofreu. Com relação à hélice desse motor, havia deformações e amassamentos sem padrão definido que, a princípio, poderiam indicar erroneamente falta de potência, contudo, essa hipótese foi refutada devido aos indícios observados, os quais permitiram afirmar que esse motor desenvolvia potência compatível com nível médio para alto.

O Sistema de Proteção de Gelo instalado na aeronave atendia aos requisitos da autoridade americana e certificadora primária da aeronave, a Federal Aviation Administration (FAA) para voo em condições conhecidas de formação de gelo. Não obstante e conforme descrito no próprio manual de voo da aeronave, a certificação referida foi baseada em testes conduzidos sob condições naturais e simuladas de formação de gelo, excluídas as mais severas que, eventualmente, pudessem exceder a capacidade do Sistema de Proteção de Gelo e/ou comprometer, de forma inaceitável, o desempenho da aeronave.

O manual não proibia o voo sob condições de gelo, além das condições testadas. Contudo, esclarecia que a tripulação deveria estar preparada para alternar o destino prontamente, caso o acúmulo de gelo se tornasse perigoso.

Esse sistema contava com dispositivos pneumáticos, conhecidos como de-ice boots, instalados nos bordos de ataque das asas, dos estabilizadores horizontais e do estabilizador vertical. Havia, também, aquecimento elétrico para a lâmina interna dos para-brisas (em camadas), para o tubo de pitot, para as hélices, para os separadores inerciais do motor, para o dispositivo de alarme de estol e para a ventilação do combustível. Os gases de exaustão também serviam para manter as entradas de ar do compressor das turbinas livres de gelo.

A aeronave era dotada, também, de luzes nas carenagens externas das naceles dos motores, capazes de iluminar os bordos de ataque das asas para uma eventual identificação de gelo nestas superfícies, sobretudo no período noturno.

Para a operação dos aquecedores dos para-brisas do piloto e do copiloto, dois interruptores, localizados no painel inferior direito do piloto poderiam ser acionados nas posições NORMAL (para cima), que permitia o aquecimento das áreas secundárias de cada para-brisas associado, e HI (para baixo), que permitia o aquecimento das áreas primárias de cada para-brisas associado, além da posição OFF (posição central). Cada interruptor deveria ser levantado para vencer uma trava quando de sua movimentação para a posição HI. Esta trava prevenia a seleção inadvertida desta posição, quando do movimento do interruptor de NORMAL para OFF.

Para a operação dos de-ice boots, um interruptor (tipo spring loaded), também localizado no painel inferior direito do piloto, poderia ser colocado momentaneamente em duas posições: SINGLE (para cima), que permitia o enchimento automático e alternado dos boots das asas (por seis segundos) e da deriva (por quatro segundos), e MANUAL (para baixo), que permitia o enchimento de todos os boots simultaneamente, pelo tempo que o interruptor fosse mantido manualmente nesta posição. Na posição central o sistema permanecia desligado.

Era necessária alimentação elétrica para o enchimento dos boots. A perda dessa fonte de energia faria com que uma bomba de vácuo mantivesse os boots colados aos bordos de ataque.

O manual de treinamento da aeronave, fornecido pelo operador, instruía que uma camada de gelo de ½ polegada deveria ser permitida antes que a operação dos de-ice boots fosse iniciada de forma a evitar que o gelo fino se quebrasse e grudasse nos boots ao invés de se dispersar em voo. Caso o gelo fino ficasse grudado, os ciclos de enchimentos subsequentes poderiam criar uma camada de gelo além dos contornos do

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bordo de ataque protegidos pelos boots, tornando o processo de remoção do gelo ineficaz.

Figura 8 - Representação esquemática do painel inferior direito do piloto.

Figura 9 - Painel inferior direito do piloto, conforme encontrado em meio aos destroços.

O painel inferior direito do piloto concentrava praticamente todos os comandos do Sistema de Proteção de Gelo instalado na aeronave. Este foi encontrado razoavelmente danificado; com alguns interruptores sujos de terra, capas plásticas identificadoras dos interruptores quebradas, bem como algumas deformações resultantes do impacto.

Verificou-se que, com exceção do interruptor de aquecimento das hélices, todos os demais foram encontrados desligados, inclusive os dois interruptores de aquecimento dos para-brisas (Windshield). No entanto, exceto pelos interruptores de Windshield que possuíam trava, as posições dos demais interruptores não puderam ser assumidas como as posições existentes pré-impacto.

O enchimento dos de-ice boots funcionava com pressão pneumática sangrada dos compressores das turbinas. Essa operação era controlada pelo interruptor localizado no painel inferior direito do piloto. O interruptor, quando acionado, atuava eletricamente na válvula distribuidora, localizada debaixo do piso da cabine de passageiros. Essa válvula estava bem danificada em virtude do impacto contra o solo e não foi possível realizar

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qualquer teste em bancada. Não obstante, como a alimentação elétrica do componente estava íntegra, utilizou-se um procedimento de indução alternada de ar nas conexões pneumáticas, simulando-se a pressão sangrada dos compressores. Assim, chegou-se à conclusão de que a referida válvula estava em condições normais, antes da queda da aeronave.

Observou-se, ainda, que as linhas pneumáticas que chegavam e saíam da válvula distribuidora estavam íntegras até a raiz das asas, apesar das torções e amassamentos oriundos da energia do impacto.

Foram realizados testes no atuador do compensador do profundor da aeronave acidentada, instalando-o em outra aeronave do mesmo modelo, e verificou-se que a posição do atuador da aeronave acidentada era compatível com a deflexão total a cabrar. Os cabos metálicos do sistema do atuador estavam rompidos por sobrecarga.

Apesar de a aeronave ser certificada para voo em condições conhecidas de formação de gelo, constava no manual de voo do modelo que uma velocidade mínima de 140kt deveria ser mantida em voo, de forma a prevenir a formação de gelo na parte inferior das asas que, obviamente, não poderiam ser adequadamente descongeladas. Constava, também, que todos os componentes do Sistema de Proteção de Gelo deveriam ser mantidos ligados sob tais condições.

As ações requeridas pelo piloto no caso de formação de gelo severa, publicadas no manual do fabricante da aeronave traziam o seguinte alerta Warning:

LIMITAÇÕES EM CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO DE GELO SEVERA (exigida por FAA AD98-04-24)

Formação de gelo severa pode resultar de condições ambientais fora daquelas para as quais a aeronave estiver certificada. Voo em chuva congelante, geada ou condições de gelo misto (super-resfriado cristais de água e gelo líquidos) pode resultar em acumulação de gelo em superfícies que excedam a capacidade do sistema de proteção contra gelo, ou pode resultar na formação fora das superfícies protegidas. Este gelo pode não ser removido usando os sistemas de proteção contra gelo, e pode degradar seriamente o desempenho e controlabilidade da aeronave.

1. Durante o voo, as condições de gelo severas que ultrapassam aqueles para os quais a aeronave estiver certificada devem ser determinadas pelas seguintes indicações visuais. Se um ou mais desses sinais visuais existe, solicitar, imediatamente, prioridade do Controle de Tráfego Aéreo para facilitar uma rota ou uma mudança de altitude para sair das condições de gelo.

a - incomum e extensa acumulação de gelo na fuselagem e para-brisa em áreas que não são normalmente observados acúmulo de gelo.

b. - acumulação de gelo sobre a superfície superior da asa, atrás da área protegida.

c. - acumulação de gelo nas naceles do motor, hélice e spinners observado mais atrás do que o normal.

2. Uma vez que o piloto automático, quando instalado e operacional, pode mascarar sinais táteis que indicam mudanças adversas nas características de condução do voo, o uso do piloto automático é proibido quando qualquer um dos sinais visuais especificados acima existir, ou quando a compensação de rolamento ou alarmes do piloto automático são emitidos enquanto o avião está em condições de gelo.

3. Todas as luzes de inspeção da asa de gelo devem estar funcionando antes do voo em condições conhecidas ou previstas de formação de gelo durante a noite.

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De acordo com os Abnormal Procedures publicados no manual de voo da aeronave, alguns procedimentos deveriam ser adotados em condições de gelo severas:

CONDIÇÕES DE GELO SEVERAS

As seguintes condições meteorológicas podem ser propícias à formação de gelo severa em rota:

• chuva visível e abaixo de zero grau Celsius de temperatura ambiente.

• gotas que espirram ou espalham no impacto, em temperaturas abaixo de zero grau Celsius.

PROCEDIMENTOS DE SAÍDA DE ÁREA COM FORMAÇÃO DE GELO SEVERA:

Estes procedimentos são aplicáveis a todas as fases de voo desde a descolagem à aterragem. Monitorar a temperatura do ar ambiente. Enquanto gelo severo pode se formar a temperaturas tão frias quanto -18 graus Celsius, uma maior vigilância deve ser feita a temperaturas próximas às de congelamento com umidade visível presente. Se os sinais visuais especificados para condições de gelo severo são observados, realizar o seguinte:

1. Pedir, imediatamente, prioridade ao Controle de Tráfego Aéreo para facilitar uma rota ou uma mudança de altitude para sair das condições de gelo severas, a fim de evitar a exposição prolongada a condições de voo mais severas do que aquelas para as quais o avião foi certificado.

2. Evitar manobras bruscas e excessivas que possam agravar as dificuldades de controle.

3. Não acionar o piloto automático.

4. Se o piloto automático estiver acionado, segure o manche com firmeza e desacople-o.

5. Se um rolamento incomum não comandado for observado, reduzir o ângulo de ataque.

6. Não estender os flapes quando operando em condições de gelo. A operação com flapes estendidos pode resultar em uma redução do ângulo de ataque com a possibilidade de formação de gelo maior do que a normal sobre a parte de trás da superfície superior a asa, possivelmente, atrás da área protegida pelos sistemas da aeronave.

7. Se os flapes estiverem estendidos, não recolher até a fuselagem estar livre de gelo.

8. Reportar estas condições meteorológicas para Controle de Tráfego Aéreo.

Por fim, levantou-se que o radar da aeronave estava operando de modo intermitente.

1.17. Informações organizacionais e de gerenciamento.

Nada a relatar.

1.18. Informações operacionais.

A aeronave estava dentro dos limites de peso e do centro de gravidade (CG) especificados pelo fabricante.

No dia anterior ao acidente, a aeronave havia decolado do Aeródromo do Campo de Marte, SBMT, às 18h43min (UTC), com destino ao Aeródromo de Maringá, SBMG, lá pernoitando. A aeronave foi abastecida com 446 litros de querosene de aviação, completando a capacidade máxima dos tanques. O piloto acompanhou a operação.

O plano de voo IFR, passado via telefone pelo comandante, previa a manutenção de 200kt em rota, no FL 210. A autonomia reportada foi de 4horas e 30minutos e o tempo em rota estimado era de 1hora e 30minutos. A rota proposta previa a navegação direta até o

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fixo KARIU (fixo de saída da terminal Londrina), depois direto até o VOR de Sorocaba (SCB) e, em seguida, até o destino. A alternativa era São José dos Campos, SP (SBSJ).

Analisando-se a coletânea de imagens radar, fornecidas pelo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo II (CINDACTA II), verificou-se que o nivelamento da aeronave no FL210 (nível final proposto) ocorreu entre 22h06min (UTC) e 22h07min (UTC), ou seja, cerca de 25 minutos após a decolagem e 5 minutos antes da perda de controle em voo nivelado..

1.19. Informações adicionais.

Ainda, com relação às gravações do CVR, foram recuperadas algumas conversas entre o comandante e a passageira (sentada à direita do comandante) que levaram a investigação a crer que o piloto desligava, deliberadamente, o disjuntor do sistema elétrico dos flapes.

Descobriu-se que, por uma característica do sistema elétrico da aeronave, que o horímetro tornava-se inoperante enquanto este disjuntor se mantivesse saltado. O horímetro é um dispositivo que registra as horas de utilização dos motores, com propósito de agendar futuras inspeções. Em determinado momento, a passageira sentada ao lado do comandante manifestou seu incômodo com a ação, questionando o porquê de o comandante não providenciar logo a revisão da aeronave, visto que a segurança de todos a bordo ficava comprometida.

O comandante retrucou, informando que tal revisão era cara e que lhe foi dito que não havia mais interesse em permanecer com a aeronave. O comandante ainda mencionou que estava subtraindo 30% em cada voo, dando a entender que esse valor se referia à contagem das horas.

Figura 10 - Painel de disjuntores do copiloto. Detalhe de um dos disjuntores dos flapes partido.

1.20. Utilização ou efetivação de outras técnicas de investigação.

Não houve.

2. ANÁLISE.

A categoria (TPP) e o tipo da aeronave requeriam apenas um tripulante para a operação, porém, o comandante não estava habilitado para voar em condições IFR pois, sua habilitação havia vencido em janeiro de 2013, segundo os registros da ANAC.

A proximidade da data de expiração, por si só, talvez não fosse tão relevante, à luz da segurança de voo, caso o piloto fosse extremamente experiente em voo IFR. Contudo, sua experiência na aeronave e neste tipo de voo era inferior a um ano. Também, não possuía habilitações expedidas em outros tipos de aeronave de asa fixa. A escolha do

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FL210 sob as circunstâncias meteorológicas apresentadas sugeriu a inexperiência ou a inadequação do planejamento para o voo IFR, considerando a passagem de uma frente que seguia na direção do voo proposto.

No dia do acidente, uma passageira ocupava o assento da direita da cabine sem possuir habilitação emitida pela ANAC.

Por meio dos dados extraídos do CVR, ficou claro que a passageira sentada no cockpit realizava a comunicação com os órgãos de controle, manuseava o FMS, entre outras atividades afetas às funções de um tripulante. Suas manifestações demonstravam, intuitivamente, um nível de consciência situacional superior ao do comandante.

Fora a pressurização da aeronave, nenhuma lista de verificação foi observada durante todo o voo. Esta não aderência aos procedimentos normais da aeronave era algo que, conforme levantado, ocorreu em outros voos.

Como a aeronave aproximava-se de uma dispendiosa revisão de motores (3.600 horas), há indícios de que o comandante desarmava o disjuntor em voo para evitar o cômputo do horímetro. A redução irregular, em cada operação, do número total de horas efetivamente voadas em cerca de 30% poderia tornar a aeronave mais atrativa, uma vez que, segundo as gravações obtidas no CVR, havia a intenção de venda do aparelho. Do ponto de vista da investigação, o levantamento de todos os registros de horas de voo da aeronave perderam qualquer credibilidade.

Mesmo com o funcionamento intermitente do radar, o comandante foi alertado para a formação de gelo, cerca de 7 minutos antes da perda de controle. Este fato associado às conversas do comandante com a passageira no cockpit, às discussões sobre qual nível de voo ocupar e à atenção dos dois voltados ao FMS por mais de dois minutos ininterruptos, evidenciou que ninguém efetivamente pilotava a aeronave naqueles momentos. Fato comprovado pela surpresa do comandante ao constatar que a aeronave estava fora de controle.

Cruzando-se as condições de temperatura e ponto de orvalho, o voo dentro de nuvens do tipo cumulus e o decréscimo da velocidade em cruzeiro (ratificada pela revisualização radar), criaram o ambiente favorável para a formação de gelo severo na estrutura da aeronave, aumentando assim seu peso e degradando o perfil aerodinâmico dos aerofólios.

Como o piloto automático estava engajado, no modo altitude hold, ou seja, ajustado para manter a altitude selecionada, a tendência da aeronave era aumentar o ângulo de ataque para manter o nível de voo no caso da degradação da sustentação.

A redução da velocidade proporcionou o acúmulo de gelo na asa, aumentando ainda mais o arrasto e a velocidade de estol. A ação do piloto automático pode ter mascarado os indícios da aproximação da condição de estol.

A buzina de estol (intermitente por quase dez segundos nos últimos momentos do CVR) caracterizou a perda de sustentação. O cessar da buzina e o aumento do ruído relacionado ao fluxo aerodinâmico passando pela aeronave apontaram para o ingresso em uma espiral descendente, não identificada de imediato pelo piloto. Provavelmente, este nunca havia treinado manobras semelhantes, até porque não havia previsão no próprio manual de voo da aeronave para tal.

A restrição de visibilidade (IMC), assim como o giro da aeronave, pode ter contribuído para a não identificação da atitude da aeronave, ou seja, para a desorientação espacial do comandante.

A proximidade com a Velocidade Máxima Operacional (VMO) e em meio à adversidade da situação, provavelmente contribuiu para que os limites estruturais da aeronave fossem excedidos na tentativa tardia de recuperação da alta razão de descida

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por parte do comandante. Dessa forma, explicar-se-iam os danos por sobrecarga atestados pelo DCTA e a sequência de desintegração da estrutura ainda em voo.

O painel de controle do Sistema de Proteção de Gelo apresentava a maioria dos interruptores associados desligados, exceto o relacionado ao aquecimento das hélices. A movimentação no impacto e o trabalho das equipes de emergência podem ter alterado a posição original de todos os interruptores, levando, inicialmente, a investigação a desconsiderar a informação. Contudo, o aquecimento dos para-brisas estava também desligado e estes eram os únicos interruptores protegidos por trava, quando na posição HI, a mais compatível com a situação enfrentada pelo comandante. Assim, inferiu-se que o sistema de proteção de gelo pode não ter sido acionado, permitindo o acúmulo de gelo nas superfícies da aeronave.

O estresse pelo qual a estrutura da fuselagem foi submetida após a perda de controle, provavelmente foi o responsável pelo acionamento de um sensor de impacto e pela desativação do CVR, impedindo a gravação até a queda da aeronave.

A aeronave se chocou contra o solo em uma atitude praticamente nivelada. As lesões fatais do tripulante e dos passageiros apresentaram relação direta com a alta energia do impacto (intensa e instantânea desaceleração vertical).

Na época do acidente, o comandante não parecia estar cansado ou sobrecarregado com o trabalho e encontrava-se num bom período de sua vida.

Foi possível identificar no registro do CVR que, em alguns momentos do voo, o comandante deu orientações à passageira que ocupava o assento da direita e que ela assumiu a fonia nas comunicações em certas fases, demonstrando bom conhecimento teórico e das rotinas operacionais.

Entretanto, essa passageira não possuía capacitação e tão pouco habilitação para assumir tal função, porém, o comandante agiu como se ela fosse a copiloto, o que demonstra um comportamento complacente frente a atitudes contrárias à segurança de voo.

A frequência com a qual realizava os voos com essa passageira a bordo, inclusive trajando uniforme de tripulante, sem qualquer restrição do operador da aeronave e a conclusão com sucesso desses translados provavelmente reforçaram sua atitude de atribuir-lhe funções aplicáveis a um copiloto.

O comandante passou parte do tempo conversando com os passageiros que estavam a bordo, explicando dados técnicos do voo, aparentemente intencionado em criar um clima amistoso.

As condições meteorológicas presentes preocupavam a passageira sentada no cockpit e ela chegou a sugerir ao comandante, por diversas vezes, que solicitassem mudança de nível de voo, aparentando estar ansiosa com a situação presente.

Em um determinado momento, a passageira chegou a alertar o comandante sobre uma formação de gelo no exterior da aeronave. Há indícios de que, pela falta de resposta, este não lhe deu atenção, voltando-se novamente para a conversa com os passageiros sentados na parte traseira da aeronave.

Pelo exposto, observa-se que a atenção do comandante estava mais direcionada para prover o conforto aos passageiros, do que para as condições do voo em si.

Em dado momento, o comandante chegou a comentar e mostrar para a passageira no cockpit a formação de gelo. Contudo, pela forma despreocupada com que falou sobre o fenômeno e, depois, nos momentos finais antes da perda de controle, quando a questionou de forma desesperada sobre o que estava acontecendo com a aeronave, observou-se baixa consciência situacional do comandante.

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Durante entrevistas, um copiloto que já havia voado com o comandante, relatou que ele era mais cauteloso do que ousado na operação e que costumava fazer desvios necessários em condições meteorológicas adversas. Revelou, também, que este não tinha o hábito operacional de usar o checklist da aeronave e que, quando voaram juntos, este lhe disse que ensinaria como fazer tudo de memória.

Outro copiloto relatou que o comandante fazia uso de uma espécie de checklist de memória denominado de “seven killers”, que provavelmente foi criado por ele mesmo.

Esses dados refletem que eram comuns os desvios dos procedimentos previstos que, provavelmente, foram reforçados pela falta de supervisão das atividades desempenhadas pelo comandante e pela baixa aderência às normas e manuais.

As pesquisas e testes também revelaram que os motores estavam operacionais, que a válvula pneumática distribuidora de acionamento dos de-ice boots estava funcionando normalmente e que suas linhas associadas também não continham quaisquer anormalidades.

Por fim, o atuador do compensador do profundor, com deflexão a “cabrar”, denota que o piloto automático engajado no modo altitude hold manteve a altitude da aeronave, compensando a redução de velocidade até que esta atingisse um valor crítico para o voo em condições de formação de gelo, podendo ter acarretado a perda de sustentação, sem que houvesse qualquer intervenção por parte do piloto, conforme requerido pelo manual do fabricante da aeronave.

3. CONCLUSÃO.

3.1. Fatos.

a) o piloto estava com o Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válido;

b) o piloto estava com o Certificado de Habilitação Técnica (CHT) válido;

c) o piloto estava com a Habilitação para voo IFR expirada segundo os registros da ANAC;

d) a aeronave estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) válido;

e) a aeronave estava dentro dos limites de peso e balanceamento;

f) o radar da aeronave apresentava funcionamento intermitente;

g) o voo IFR foi realizado dentro de camadas de nuvens do tipo cumulus;

h) a aeronave atravessou uma região de formação de gelo;

i) a passageira sentada ao lado do piloto observou que havia gelo no exterior da aeronave;

j) o piloto conversava ativamente com um outro passageiro durante o voo;

k) a aeronave perdeu a sustentação cerca de 5 minutos após o nivelamento em cruzeiro;

l) houve relevante aumento da velocidade da aeronave após a parada do alarme de estol;

m) partes da aeronave se desprenderam da estrutura ainda em voo;

n) os grupos motopropulsores estavam operacionais;

o) todos os demais sistemas estavam operacionais;

p) o atuador do compensador do profundor estava todo defletido no sentido a cabrar;

q) a fuselagem apresentava torção à direita;

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r) a aeronave ficou destruída; e

s) todos os ocupantes faleceram no local do acidente.

3.2. Fatores contribuintes.

- Aplicação dos comandos – indeterminado.

A não identificação do estol de imediato, por parte do comandante, pode tê-lo privado de manipular os comandos conforme estabelecido nos procedimentos de emergência da aeronave, contribuindo para o ingresso desta em atitude anormal.

- Atenção – indeterminado.

O foco da atenção do comandante estava mais direcionado aos passageiros sentados na parte traseira, em detrimento das condições de voo que se encontrava. Isso influenciou diretamente na manutenção de uma baixa consciência situacional, que pode ter dificultado a identificação imediata da condição de estol da aeronave.

- Atitude – contribuiu.

Houve complacência ao permitir que funções de copiloto fossem assumidas por pessoa sem capacitação e habilitação para tal. Não houve, mesmo em condição adversa, o cumprimento de procedimento previsto, como a realização do checklist da aeronave.

- Condições meteorológicas adversas – contribuiu.

Comprovou-se o voo sob condições de formação de gelo na aeronave, por meio da declaração da passageira presente no cockpit (CVR). O FL 210, escolhido e mantido pelo comandante, ensejava todas as condições propícias à formação de gelo severo na aeronave. Correlacionando-se as condições meteorológicas vigentes com a redução da velocidade, atestada pela revisualização radar, foi devidamente esclarecida a conexão da perda de controle em voo com a degradação da performance da aeronave.

- Desorientação – indeterminado.

O giro da aeronave, após o estol, pode ter contribuído para a perda dos referenciais dos órgãos de equilíbrio (sistema vestibular) do comandante, impossibilitando-o de associar o lado da curva descrita pela aeronave e as devidas ações corretivas.

- Instrução – indeterminado.

A não aderência às listas de verificações da aeronave, por parte do comandante, bem como a adoção deliberada de procedimentos não previstos (desarme do disjuntor e “seven killers”) suscitaram dúvidas sobre a qualidade da instrução ministrada ao comandante.

- Julgamento de Pilotagem – contribuiu.

O comandante escolheu inadequadamente o nível de voo para o deslocamento até São Paulo. Mesmo sugerido a ocupar um nível superior, manteve o FL 210. Ainda, informado sobre gelo na aeronave, não acionou o Sistema de Proteção de Gelo, conforme expressamente determinado pelo manual de voo.

- Memória – indeterminado.

O comandante possuía o hábito de fazer uso de um checklist não previsto para a aeronave, o que pode ter influenciado as ações do comandante diante da situação que se encontrava no voo.

- Percepção – contribuiu.

A habilitação recente no tipo de aeronave; a desatenção e distração em voo; as atitudes de inobservância com operações e procedimentos previstos em manuais concorreram para a baixa consciência situacional do comandante.

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- Planejamento de voo – indeterminado.

O plano de voo foi passado via telefone. Logo, não se pôde determinar o quão ciente estava o comandante sobre as reais condições de voo no trajeto, uma vez que o mesmo não compareceu à sala AIS em SBMG. De qualquer modo, a escolha de um freezing level para conduzir o voo, considerando que a frente se deslocava praticamente na mesma proa da rota proposta, pode evidenciar um planejamento inadequado.

- Pouca experiência do piloto – indeterminado.

A investigação não conseguiu determinar a experiência total do comandante e, também, não foi possível verificar se a sua experiência em voo por instrumentos seriam suficientes para a realização do voo proposto, visto que o comandante tomou decisões que contrariavam as boas práticas como, por exemplo, escolher um nível de voo propício à formação de gelo.

- Processo decisório – contribuiu.

Com a consciência situacional comprometida, o piloto não interpretou corretamente as informações disponíveis na aeronave e as informações fornecidas pela passageira sentada no cockpit, decidindo por manter um nível de voo sob condições meteorológicas inadequadas.

- Processos organizacionais – contribuiu.

A falta de acompanhamento/supervisão das atividades desempenhadas pelo comandante permitiu que comportamentos e atitudes contrárias à segurança de voo fossem adotados em voo, como se pôde observar também nesta ocorrência.

- Supervisão gerencial – indeterminado.

Aparentemente, não foi exercida uma supervisão gerencial eficaz, por parte do operador da aeronave, sobre as ações do comandante e sobre os procedimentos de manutenção da aeronave.

4. RECOMENDAÇÃO DE SEGURANÇA

Medida de caráter preventivo ou corretivo emitida pelo CENIPA ou por um Elo-SIPAER

para o seu respectivo âmbito de atuação, visando eliminar um perigo ou mitigar o risco

decorrente de condição latente, ou de falha ativa, resultado da investigação de uma ocorrência

aeronáutica, ou de uma ação de prevenção e que, em nenhum caso, dará lugar a uma presunção

de culpa ou responsabilidade civil, penal ou administrativa.

Em consonância com a Lei nº 7.565/1986, as recomendações são emitidas unicamente

em proveito da segurança de voo. Estas devem ser tratadas conforme estabelecido na NSCA 3-13

“Protocolos de Investigação de Ocorrências Aeronáuticas da Aviação Civil conduzidas pelo

Estado Brasileiro”.

Recomendações emitidas no ato da publicação deste relatório.

À Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), recomenda-se:

A-025/CENIPA/2013 - 01 Emitida em: 15/04/2016

Alertar os Inspetores de Aviação Civil sobre as características de determinadas aeronaves que as permitem mascarar o cômputo de horas para o controle de inspeções.

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Assegurar-se de que os conhecimentos referentes aos fenômenos meteorológicos e suas implicações na condução segura dos voos são adequadamente transmitidos nos cursos aprovados por esta agência.

5. AÇÃO CORRETIVA OU PREVENTIVA JÁ ADOTADA.

Não houve.

Em, 15 de abril de 2016.