Relaxamento - Tese

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  • ANA CATARINA DE ARAJO ELIAS

    RELAXAMENTO MENTAL, IMAGENS MENTAIS E

    ESPIRITUALIDADE NA RE SIGNIFICAO DA DOR

    SIMBLICA DA MORTE DE PACIENTES TERMINAIS

    CAMPINAS

    2001

  • 1

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA FACULDADE DE CIN CIAS MDICAS

    UNICAMP

    Elias, Ana Catarina de Arajo El42r Relaxamento Mental, Imagens Mentais e Espiritualidade na re

    significao da dor simblica da morte de pacientes terminais / Ana Catarina de Arajo Elias. Campinas, SP : [s.n.], 2001.

    Orientador : Joel Sales Giglio Dissertao ( Mestrado) Universidade Estadual de Campinas.

    Faculdade de Cincias Mdicas. 1. Luto. 2. Cuidados Paliativos. 3. Psicoterapia Breve. 4.

    Doentes terminais cuidado. I. Joel Sales Giglio. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Cincias Mdicas. III. Ttulo.

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    Banca examinadora da Dissertao de Mestrado Orientador: Professor Associado Joel Sales Giglio

    Membros: 1. Professora Associada Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta - USP 2. Professora Associada Neusa Jlia Pansardi Pavani - UNICAMP 3. Professor Associado Joel Sales Giglio - UNICAMP Curso de ps-graduao em Cincias Mdicas, rea de Concentrao em Cincias Biomdicas da Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Estadual de Campinas. Data: 18.06.2001

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    DEDICATRIA

    Iracema Brito, Diretora Presidente do

    TETRAGRAMA Instituto de Estudos Holsticos, a quem

    devo o desenvolvimento da minha Espiritualidade.

    A ela, com Amizade e Respeito, dedico esta minha

    Humilde Obra.

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    AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

    Ao meu pai Darcy Elias, (in memorian), por ter me trazido a este mundo e pelo afeto,

    apoio e incentivo, que sempre nos deu. Atravs de sua morte aprendi que possvel re -

    significar a difcil e traumtica dor da perda e a angstia do sentimento de desamparo.

    minha me Maria das Neves T. de A. Elias, por ter me trazido a este mundo e por ter me

    proporcionado instruo, sempre nas melhores escolas.

    Ao meu orientador Professor Doutor Joel S. Giglio, por suas importantes orientaes

    quanto metodologia cientfica de uma pesquisa qualitativa e por sua disponibilidade em

    me orientar, sempre que precisei.

    Aos meus pacientes J.C.B., R.A.G., R.S.G., L.F.S.S., A.S.R., D.S.L., E.A.R., C.A.S.F., M.I.F.,

    I.F.R., M.A.A.F.A., D.Z.M. e seus familiares, por tudo que me ensinaram.

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    AGRADECIMENTOS EQUIPE MULTIDISCIPLINAR DE CUIDADOS

    PALIATIVOS DO CAISM / UNICAMP

    Agradecemos a Equipe Multidisciplinar de Cuidados Paliativos do CAISM /

    UNICAMP composta pela mdica oncologista Nancy Mineko Koseki, pelas enfermeiras

    Edinaura Pereira de Souza e Simone Pollini Gonalves, pela psicloga Vera Lcia Rezende

    e pela assistente social Marisa Jacobucci.

    KOSEKI (2000), relata que no CAISM iniciou se o atendimento

    especializado a pacientes com cncer em fase avanada, fora de possibilidade de cura ou

    em fase terminal, com o objetivo de proporcionar lhes melhor qualidade de vida e, com

    isso uma morte sem dor. Para que essa meta pudesse ser alcanada formou se uma equipe

    multidisciplinar constituda por mdica, enfermeira, psicloga e assistente social

    trabalhando com o objetivo comum de favorecer o bem estar das pessoas que se

    encontram sob os cuidados do CAISM e para as quais j no existem chances curativas.

    Atravs da existncia consolidada desse referido Setor Multidisciplinar de

    Cuidados Paliativos do CAISM / UNICAMP, onde o Servio de Psicologia tambm se

    insere, esta pesquisadora pde realizar este estudo e atender s pacientes citadas nesta

    pesquisa.

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    AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Kazue Panetta, Responsvel pela Diviso de Oncologia

    do CAISM UNICAMP e a Psicloga Maria Silvia Vellutini Setbal, Chefe do Servio de

    Psicologia do CAISM UNICAMP, por terem autorizado a realizao desta pesquisa na

    Diviso de Oncologia do CAISM UNICAMP, onde o Servio de Psicologia se insere.

    s Psiclogas da Diviso de Oncologia do CAISM UNICAMP, Clara Freud

    de Knobel, Maria Anglica Xavier Fazolin e Vera Lcia Rezende, por terem concordado

    com a realizao desta pesquisa atravs do Servio de Psicologia da Diviso de Oncologia

    do CAISM UNICAMP.

    Enfermeira Simone Polline Gonalves, Diretora do Servio de Enfermagem

    em Oncologia do CAISM UNICAMP, aos Enfermeiros da Oncologia do CAISM

    UNICAMP, Adriana de Cssia Paiva dos Santos, Ednaura Pereira de Souza, Joo Machado

    Teixeira e Slvia Renata Pereira e a Auxiliar de Enfermagem da Oncologia do CAISM

    UNICAMP, Kdma Lurdes Auxiliadora, pela disponibilidade para informar todos os dados

    necessrios para o desenvolvimento desta pesquisa.

    Dra Maria Jos Mastellaro, Diretora Clnica da Unidade de Oncologia e

    Hematologia Peditrica CLEMED, pelo incentivo e apoio no desenvolvimento do Projeto -

    Piloto deste estudo.

    Aos meus amigos do TETRAGRAMA Instituto de Estudos Holsticos, pela

    partilha no caminho do autoconhecimento.

    minha prima Liliam Maria M. Elias Caravaggi, pelo companheirismo

    fraterno e terno, desde a mais tenra infncia.

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    A Luiz Reinaldo Costa Pinto, Regina da Rosa Pinto, Luciana da Rosa Pinto e

    Vanessa da Rosa Pinto pela Amizade e apoio nos vrios dias em que passei na casa deles,

    corrigindo e imprimindo o Boneco desta Dissertao, para Qualificao e Pr Banca.

    Aos meus irmos Carmen T. A. Elias, Jose Henrique T. A. Elias e Maria Teresa

    Elias Preuss, meus cunhados Deise Mara G. Elias e Pedro Paulo Preuss, meus sobrinhos

    Priscila G. Elias, Luza G. Elias, Guilherme G. Elias, Francisco Felipe Preuss, Maria Laura

    Preuss e Andr Elias Lauer, minha tia Maria ngela Mangeon Elias, minha prima Carmen

    Silvia M. E. Nunes e demais familiares, pelas experincias construdas na vida familiar.

    Flaviana Poli, por ter digitado o anteprojeto desse estudo de Mestrado.

  • 8

    Quando voc olhar para outra pessoa, em seus

    relacionamentos, na terapia, na vida, veja a alma dela

    atravs de muitas existncias, do tempo infinito... A alma

    sempre a mesma. preciso enxergar essa parte do ser

    humano, a alma imortal. No a sua forma fsica transitria,

    para poder de fato compreender e ajudar. Ajudar e se ajudar

    porque o terapeuta tambm uma alma.

    (BRIAN WEISS, 1999)

  • 9

    SUMRIO

    PG.

    RESUMO............................................................................................................... 10

    CAPTULO 1: INTRODUO .......................................................................... 11

    CAPTULO 2: REVISO DA LITERATURA ................................................. 14

    CAPTULO 3: JUSTIFICATIVA ....................................................................... 77

    CAPTULO 4: OBJETIVOS ............................................................................... 84

    CAPTULO 5: SUJEITOS E MTODOS ......................................................... 85

    CAPTULO 6: ASPECTOS TICOS................................................................. 93

    CAPTULO 7: RELAXAMENTO MENTA L, IMAGENS MENTAIS E

    ESPIRITUALIDADE DELINEAMENTO DA ESTRUTURA

    TERICA DA TCNICA PARA APLICAO ..............................................

    94

    CAPTULO 8: RESULTADOS........................................................................... 102

    CAPTULO 9: DISCUSSO............................................................................... 213

    CAPTULO 10: CONCLUSO.......................................................................... 257

    SUMMARY ........................................................................................................... 259

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................... 260

    ANEXOS................................................................................................................ 269

  • 10

    RESUMO

    Esta pesquisa, com base na viso biopsicossocial e espiritual do ser humano,

    estudou qualitativamente a eficcia de interveno psicoteraputica, construda atravs da

    integrao das tcnicas de Relaxamento Mental e Visualizao de Imagens Mentais com o

    conceito de Espiritualidade, re - significar a Dor Simblica da Morte (Dor Psquica e Dor

    Espiritual) de pacientes terminais.

    Participaram do estudo cinco pacientes, mulheres com cncer, fora de

    possibilidade de cura.

    O mtodo desenvolvido foi Estudo de Caso Clnico Longitudinal, utilizando

    se para coleta de dados a Entrevista Semi Estruturada.

    Observamos, frente aos resultados, que a Dor Psquica e a Dor Espiritual no

    perodo inicial e intermedirio da fase Fora de Possibilidade de Cura apresentam - se

    equiparadas e no perodo final e bito, a Dor Espiritual prevalente em relao Dor

    Psquica. A re - significao apenas da Dor Espiritual, frente iminncia da morte,

    aspecto suficiente para que o paciente possa ter uma boa Qualidade de Morte.

    Conclumos que a interveno psicoteraputica construda atravs da integrao

    das tcnicas de Relaxamento Mental e Visualizao de Imagens Mentais com o conceito de

    Espiritualidade eficaz para re - significar a Dor Simblica da Morte, proporcionando

    Qualidade de Vida no processo de morrer e morte serena.

    A estrutura terica para aplicao dessa interveno psicoteraputica foi

    delineada, para que outros profissionais da rea da sade possam utiliz la com seus

    pacientes.

  • 11

    CAPTULO 1: INTRODUO

    SAUNDERS (1991) formulou em 1967 o conceito de Dor Total que inclui o

    sofrimento fsico, psquico, social, espiritual, mental e financeiro do paciente, abrangendo

    tambm o sofrimento dos familiares e da equipe mdico hospitalar.

    No atendimento a pacientes fora de possibilidade de cura encontramos

    sofrimento psicolgico importante no que se refere aos aspectos psquicos e espirituais, que

    so dois componentes do conceito de Dor Total introduzido por SAUNDERS (1991).

    Denominamos como Dor Simblica da Morte, a Dor Psquica e a Dor Espiritual

    identificadas. Operacionalizamos o conceito de Dor Psquica como o medo do sofrimento e

    o humor depressivo representado por tristezas, angstias e culpas frente s perdas e o

    conceito de Dor Espiritual como medo da morte e do ps morte, idias e concepes em

    relao Espiritualidade, sentido da vida e da morte e culpas perante Deus. (ELIAS, 1999).

    Visando encontrar um mtodo cientfico para re significar a Dor Simblica da

    Morte dos pacientes terminais desenvolvemos uma interveno psicoteraputica integrando

    as tcnicas de Relaxamento Mental e Visualizao de Imagens Mentais com o conceito de

    Espiritualidade.

    Escolhemos a associao entre o Relaxamento Mental e a Visualizao de

    Imagens Mentais porque estas tcnicas proporcionam um maior contato com a realidade

    subjetiva interna e favorecem mudanas de atitudes e idias frente s experincias atuais de

    sofrimento. (ACHTERBERG, 1996; CARVALHO, 1994a, 1994b, 1999a; CAUDILL,

    1998; EPSTEIN, 1990; ROSEN, 1994; SIMOTON, SIMONTON, CREIGHTON, 1987).

    O conceito de Espiritualidade foi estruturado a partir de pesquisas que

    descrevem o relato de pacientes que passaram por uma Experincia de Quase Morte

    (E.Q.M.) e voltaram a viver normalmente porque estas pessoas experimentaram de forma

    consciente a natureza espiritual da existncia e trouxeram, em seus relatos, elementos

    importantes para re significar a Dor Simblica da Morte, principalmente no que se refere

    a Dor Espiritual. (KBLER ROSS, 1998; MOOD JR, 1989,1992)

    A presente pesquisa, por ter considerado como questo bsica a re

  • 12

    significao da Dor Simblica da Morte de pacientes fora de possibilidade de cura, ou seja,

    ter visado a anlise e a compreenso da realidade dentro de um processo especfico, situou -

    se dentro de uma abordagem qualitativa ramificada no enfoque subjetivista

    compreensivista. (TRIVIOS, 1987).

    O instrumento escolhido para coleta de dados foi a Entrevista Semi

    Estruturada porque este instrumento permite que as pacientes definam, com seus prprios

    termos, como sentem seu sofrimento. (KOVCS, 1999). A definio da paciente, atravs

    de seus prprios termos, de como sentia a Dor Simblica da Morte, foi aspecto fundamental

    para a aplicao da interveno psicoteraputica proposta.

    A base deste estudo foi a viso biopsicossocial e espiritual do ser humano.

    A viso biopsicossocial e a inter relao entre a mente e o corpo foram

    abordados e estudados, no ltimo sculo, de forma importante, por diversos mdicos,

    psiclogos, enfermeiros e outros pesquisadores da rea da sade e tornaram se, frente s

    evidncias, no final do sculo XX, questes comprovadas e aceitas pela comunidade

    cientfica. (ACHTERBERG, 1996; CARVALHO, 1994a, 1994b; CAUDILL, 1998;

    EPSTEIN, 1990; FIGUEIR, 1999; FREUD, 1975; JUNG, 1986; KOVCS, 1999; LANG,

    2000; MARTY, 1993; MAYOL, 1992; MELLO FILHO, 1997; MONTAGU, 1988;

    PIMENTA, 1999; ROSEN, 1994; SIEGEL, 1989; SIMOTON, SIMONTON,

    CREIGHTON, 1987; TUCKER, 1999;).

    No final do sculo XX pesquisas, abordando a importncia da incluso da

    Espiritualidade nos tratamentos mdicos convencionais e dando suporte para a ampliao

    da viso de ser humano para biopsicossocial e espiritual, comearam a ser publicadas no

    cenrio cientfico internacional da rea mdica. Vrios, entre esses estudos, recomendaram

    que o Currculo de cursos como Medicina, Enfermagem e outros da rea da sade fossem

    revistos de forma apropriada e passassem a incluir no seu contedo programtico a

    aprendizagem sobre aspetos espirituais. (BRADY et al, 1999; BURTON, 1998; FRYBACK

    & REINERT, 1999; GIOIELLA, BERKMAN, ROBINSON, 1998; KBLER ROSS,

    1998; MILLER, 1997; MOOD JR, 1989,1992; MYTKO & KNIGHT, 1999; PUCHALSKI

    & LARSON, 1998; SAUNDERS, 1991; THOMSEN, 1998;)

  • 13

    Esta pesquisa se reportou a esta demanda porque apresentou um mtodo

    acadmico que incluiu a questo da Espiritualidade no tratamento mdico convencional de

    pacientes terminais.

  • 14

    CAPTULO 2: REVISO DA LITERATURA

    A reviso da literatura deste estudo foi orientada por cinco palavras - chave:

    Pesquisa Qualitativa; Dor Simblica da Morte; Relaxamento Mental; Visualizao de

    Imagens Mentais; Espiritualidade.

    2.1. PESQUISA QUALITATIVA

    A cincia, definida por KUHN (1996) como um processo pelo qual vamos

    juntando pedaos de informaes que so por sua vez, somados isoladamente ou em

    combinao ao grande e sempre crescente estoque de tcnicas e conhecimentos cientficos,

    fundamentada em paradigmas. Paradigma um conjunto de crenas que so aceitas

    durante um determinado perodo de tempo pela comunidade cientfica. Os pesquisadores,

    mesmo sem perceberem, so influenciados pelos paradigmas vigentes da sua poca. Uma

    mudana de paradigmas inclui uma grande e profunda modificao no nvel de idias e

    percepes do mundo.

    KUHN (1996) afirma que vivemos, neste final de milnio, um perodo de

    transio, de mudanas quanto aos paradigmas que norteiam o conhecimento cientfico,

    questo de grande importncia porque o estudo dos paradigmas que prepara basicamente

    o estudante para ser membro da comunidade cientfica na qual atuar mais tarde. Como o

    estudante rene-se a seus professores, homens que aprenderam as bases de seu campo de

    estudo a partir dos modelos concretos vigentes, sua prtica subseqente raramente ir

    provocar desacordo declarado sobre esses pontos fundamentais.

    Esse autor pontua que a emergncia de um novo paradigma afeta a estrutura do

    grupo que atua nesse campo.

    Quando pela primeira vez, no desenvolvimento de uma cincia da natureza, um

    indivduo ou grupo produz uma sntese capaz de atrair a maioria dos praticantes dessa

    cincia, as escolas mais antigas comeam a desaparecer gradualmente. Seu

    desaparecimento em parte causado pela converso de seus adeptos ao novo paradigma.

  • 15

    Mas sempre existem alguns que se aferram a uma ou outra das concepes mais antigas;

    so simplesmente excludos da profisso e seus trabalhos so ignorados. O novo paradigma

    implica uma definio nova e mais rgida do campo de estudos. Guiados por um novo

    paradigma os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas

    direes. E o que ainda mais importante: durante as revolues os cientistas vem coisas

    novas e diferentes quando empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos

    pontos j examinados anteriormente. (KUHN, 1996).

    Estamos assim, neste incio de novo milnio, saindo dos paradigmas que

    norteiam a Cincia Clssica e passando para os paradigmas que fundamentam a Nova

    Cincia. A pergunta bsica, formulada no sculo XX, foi sobre o que vem a ser

    Realidade. Em 1937, FREUD (1975), no Esboo de Psicanlise colocou que a realidade

    pura inatingvel pois observamos um objeto como ele se apresenta nossa percepo, e,

    por detrs do que percebido pelos nossos rgos sensoriais, est o que se pode chamar,

    estado real das coisas.

    A Cincia Clssica est baseada na filosofia de Descartes (1596 - 1650). Este

    filsofo do sc. XVII estruturou sua filosofia no clebre enunciado racionalista: "Penso,

    logo existo. (DESCARTES, 1996).

    No final da Geometria, Descartes, segundo a Coleo Os Pensadores (1996),

    afirma: "Em matria de progresses matemticas, quando se tem os dois ou trs primeiros

    termos, no difcil encontrar os outros. Essa idia, de uma ordem natural inerente

    progresso do conhecimento, fundamental para o projeto cartesiano de construir uma

    matemtica universal". A partir do que ele experimenta no campo matemtico, Descartes

    tende a ver o desconhecido como um termo ignorado, mas que ser necessariamente

    descoberto desde que, a partir do j conhecido seja construda uma "cadeia de razes" que

    a ele conduza. Generaliza o procedimento matemtico que faz do desconhecido um termo

    relativo a outros termos, (o conhecimento existente), e que em funo destes pode ser

    descoberto. O importante, e que constitui o preceito metodolgico bsico apontado no

    Discurso do Mtodo, que s se considere verdadeiro o que for evidente, ou seja, o que

    puder ser observado com clareza e preciso. Mas a ampliao da rea do conhecimento

    nem sempre oferece um panorama permevel a este tipo de observao, e,

  • 16

    conseqentemente, adequado pronta aplicao do preceito de evidncias. Eis porque

    Descartes prope outros preceitos metodolgicos complementares ou preparatrios da

    evidncia: o preceito da anlise, (dividir cada uma das dificuldades que se apresentem em

    tantas parcelas quantas sejam necessrias para serem desenvolvidas), o da sntese,

    (conduzir com ordem os pensamentos, comeando dos objetos mais simples e mais fceis

    de serem conhecidos para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais

    complexos) e o da enumerao, (realizar enumeraes de modo a verificar que nada foi

    omitido). Tais preceitos representam a submisso a exigncias estritamente racionais.

    E assim Descartes, dentro dos preceitos acima citados, concebeu o universo

    com um sistema mecnico que consiste em objetos separados, os quais por sua vez, podem

    ser reduzidos a seus componentes materiais fundamentais, cujas propriedades e interaes,

    acreditava - se, determinam completamente todos os fenmenos naturais. Essa concepo

    cartesiana da natureza foi, alm disso, estendida aos organismos vivos, considerados

    mquinas constitudas de peas separadas. (CAPRA, 1982). Esta foi base do pensamento

    da Cincia Clssica: racional, cartesiano, dual e reducionista.

    A Pesquisa Qualitativa, que considera o significado e o processo como

    elementos chaves, propicia para estudos que se fundamentam nos paradigmas da Nova

    Cincia, diferente da Cincia Clssica que prioriza nmeros e estatsticas. As bases

    histricas do momento presente (1990 at hoje) orientam a Pesquisa Qualitativa nos

    seguintes aspectos: abandono do conceito de pesquisador afastado, pesquisa mais orientada

    e ativa, maior crtica social, teorias que se ajustam a problemas e situaes especficas,

    biografia pessoal do entrevistador por trs do processo. (DENZIN & LINCOLN, 1994).

    ALVES (1996) pondera que a Cincia Clssica tem como propsito estabelecer

    regras para a construo de um discurso objetivo, livre de dolos e intromisses indevidas

    de nossas emoes e sentimentos, e por isto pensou que o caminho correto o que parte dos

    fatos e no diz coisa alguma alm daquilo que os nossos cinco sentidos podem constatar.

    Esse autor pontua que na Cincia Clssica o cientista no deve falar. o objeto que deve

    falar por meio dele, da o estilo impessoal, vazio de emoes, sentimentos e valores:

    observa se, constata se, conclui se... Durante muito tempo pensou se que este seria o

    caminho seguro, assptico, metdico, pelo qual seria possvel construir declaraes tericas

    isentas de contaminao das emoes e sentimentos.

  • 17

    Em relao Nova Cincia ALVES (1996) afirma que elaboramos teorias no

    porque a lgica o permita ou as observaes s produzam e sim porque estamos

    descobrindo que os fatos no dizem coisa alguma a no ser quando so trabalhados pela

    Imaginao e Intuio. Em todo ato de verdadeira criao cientfica, o Homem trabalha

    alm dos cinco sentidos. A Natureza um texto a ser decifrado. Temos visto que quando a

    natureza diz sim, ela est realmente dizendo apenas talvez.

    O sim como talvez pode ser exemplificado na crena de que a Terra era o

    centro do Universo nos sculos anteriores a Galileu ou no fato da pneumonia ter sido

    considerada como doena mortal antes da descoberta dos antibiticos. A nossa confirmao

    de hipteses se restringe a um talvez limitado ao conhecimento alcanado pela poca.

    (ELIAS & GIGLIO, 2000).

    O benefcio da Pesquisa Qualitativa justamente no colocar como ponto

    principal da investigao, o sim ou no hiptese formulada ou qualificada em termos de

    probabilidade mas priorizar o estudo do significado e do processo das proposies

    formuladas.

    Segundo WEISS (1999) durante centenas de anos acreditou se que o

    desenvolvimento tecnolgico resolveria os problemas da humanidade, e que a soluo para

    a doena, misria e sofrimento viria atravs da Cincia. Observa se, atualmente, que a

    tecnologia e a cincia por si s no foram capazes de resolver os problemas da humanidade

    principalmente porque esta tecnologia tanto pode ser usada para o bem quanto para a

    destruio; s quando aplicada com sabedoria, equilbrio e justia, ela consegue tornar se

    um instrumento para a construo da Paz.

    Frente aos temas e reflexes acima articulados conclumos que, para nossa real

    sobrevivncia, no nos suficiente apenas a tecnologia avanada contempornea oferecida

    pela Cincia Clssica. Para vivermos com dignidade e plenitude preciso ir alem dos

    aspectos racionais, duais, reducionistas e cartesianos. Fundamentada em um paradigma

    monista, sistmico, a Nova Cincia procura resgatar essa lacuna deixada pela Cincia

    Clssica e nos remete para alm da tecnologia avanada. Posiciona nos em nossa real

    dimenso: corpo, mente, emoo e esprito inter - relacionados em um todo. A Nova

  • 18

    Cincia nos mostra que no somos fragmentos de uma engrenagem mecnica e nem cpias

    automatizadas de modelos pr - estabelecidos, mas que somos sim, seres nicos, que

    pensam e sentem, capazes de se tornarem livres atravs do caminho da individuao e que a

    evoluo da humanidade no depende da tecnologia apenas mas, principalmente, do quanto

    cada homem possa vir a se autoconhecer e desenvolver seu prprio potencial, equilibrando

    se nos confortos e facilidades oferecidos por essa tecnologia. (ELIAS & GIGLIO, 2000).

    As posies qualitativas baseiam-se especialmente na fenomenologia e no

    marxismo. Por isso, em geral, podemos distinguir dois tipos de enfoque na Pesquisa

    Qualitativa, que correspondem a concepes ontolgicas, gnosiolgicas, especficas na

    anlise e compreenso da realidade: os enfoques subjetivistas compreensivistas e os

    enfoques crtico - participativos.

    Os enfoques subjetivistas compreensivistas privilegiam os aspectos

    conscienciais, subjetivos dos atores, (percepes, processo de conscientizao, de

    compreenso do contexto cultural, da realidade a - histrica, da relevncia dos fenmenos

    pelos significados que eles tm para o sujeito). Os enfoques crtico participativos com

    viso histrica - estrutural privilegiam a dialtica da realidade social que parte da

    necessidade de conhecer (atravs de percepes, reflexo e intuio) a realidade para

    transform-la em processos contextuais e dinmicos complexos. (TRIVIOS, 1987).

    Na pesquisa qualitativa o pesquisador no fica fora da realidade que estuda,

    margem dela, dos fenmenos aos quais procura captar seus significados e compreender.

    (TRIVIOS, 1987). Por esta razo consideramos que os pressupostos tericos da

    pesquisadora, citados tanto no captulo 3 - Justificativa como nesse captulo - Reviso da

    Literatura, fator relevante a ser considerado no estudo, pois foi embasada nesse

    referencial que a pesquisadora trabalhou.

    O investigador, sem dvida, ao iniciar qualquer tipo de busca, parte pr -

    munido de certas idias gerais, elaboradas conscientemente ou no. impossvel que um

    cientista inicie seu trabalho despojado de princpios, de idias gerais bsicas. Mas, por

    outro lado, na concepo fenomenolgica da pesquisa qualitativa o investigador deve estar

    tambm dotado de amplo e flexvel esprito de trabalho. Isto elimina a possibilidade da

  • 19

    colocao de hipteses, que devem ser testadas empiricamente, e de esquemas de atividades

    levantados a priori, questionrios padronizados, anlises de resultados de acordo com certos

    cnones rgidos, etc., to comuns nos modelos positivistas e empiristas tradicionais. Estes,

    buscando a objetividade e neutralidade do dado atingido, procuravam eliminar toda

    possibilidade de presena do sujeito nos resultados. A pesquisa qualitativa rege-se por

    critrios diferentes dos manejados pelo positivismo, para alcanar produtos com validade

    cientfica. A ausncia de hipteses rgidas a priori, que deviam ser empiricamente

    verificadas, apoiando-se, de maneira fundamental, na estatstica, obrigou o pesquisador a

    ter um conhecimento geral aprofundado da realidade que servia de contexto ao foco em

    estudo e dos suportes tericos principais que guiavam sua ao. Isto permite a flexibilidade

    para formular e reformular hipteses medida em que se realiza a pesquisa (TRIVIOS,

    1987). Nesse estudo a nossa flexibilidade esteve diretamente ligada escolha da qualidade

    do material para o trabalho psicolgico com imagens mentais e relaxamento mental ou seja,

    que histrias, que orientaes imaginrias, que msicas, etc., oferecemos para cada uma

    das pacientes. O critrio da escolha desse material dependeu do histrico de vida e das

    preferncias de cada paciente. A pesquisadora fez, com cada paciente, em todo o processo,

    uma anlise de quais metforas foram mais indicadas para ela e tambm considerou as

    preferncias, as escolhas pessoais de cada um delas na definio do material. Um segundo

    aspecto, tambm ligado flexibilidade pertinente Pesquisa Qualitativa, refere - se a

    conduta da pesquisadora durante a coleta de dados na Entrevista Semi Estruturada. Os

    roteiros (Anexos: 1, 2, 3, 4), foram utilizados, apenas, como guias de referncia,

    priorizando - se as necessidades especficas de cada paciente frente a sua Dor Simblica da

    Morte. Pelas razes acima descritas, a flexibilidade proposta pela Pesquisa Qualitativa foi

    de suma importncia para este estudo, dada sua natureza.

    Em relao seqncia das etapas assinaladas para o desenvolvimento do

    trabalho, a Pesquisa Qualitativa no to rgida como a Pesquisa Quantitativa. Pelo

    contrrio, por exemplo, a coleta e a anlise dos dados no so divises estanques. As

    informaes que se recolhem, geralmente, so interpretadas e isto pode originar a exigncia

    de novas buscas de dados. O denominado relatrio final da Pesquisa Quantitativa

    naturalmente que existe na Pesquisa Qualitativa, mas ele se vai constituindo atravs do

    desenvolvimento de todo o estudo e no exclusivamente resultado de uma anlise ltima

  • 20

    dos dados (TRIVIOS, 1987). Neste estudo, a coleta e a anlise de dados sero feitos

    conforme o texto acima citado. A pesquisadora partiu da identificao inicial da Dor

    Simblica da Morte da paciente, como coleta de dado inicial para desenvolver a

    interveno psicoteraputica construda atravs da integrao das tcnicas de Relaxamento

    Mental e Visualizao de Imagens Mentais com o conceito de Espiritualidade. Mas, a

    seguir, a anlise de cada sesso foi tambm uma nova coleta de dados para o trabalho da

    sesso seguinte. Desta forma a coleta e a anlise de dados aconteceram de forma

    simultnea e interativa durante todo o processo da pesquisa, at o relatrio final.

    Segundo TRIVIOS (1987), a entrevista semi - estruturada um importante

    mtodo da investigao porque ao mesmo tempo em que valoriza a presena do

    investigador, oferece todas as perspectivas possveis para que o informante alcance a

    liberdade e a espontaneidade necessrias, enriquecendo a investigao.

    A entrevista semi - estruturada pode ser entendida como aquela que parte de

    certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessam a pesquisa

    e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que

    vo surgindo medida em que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o

    informante, seguindo espontaneamente a linha de seus pensamentos e de suas experincias

    dentro do foco principal colocado pelo investigador, comea a participar da elaborao do

    contedo da pesquisa.

    A durao da entrevista flexvel e depende das circunstncias que rodeiam

    principalmente o informante e o teor do assunto em estudo, mas essa no deve se prolongar

    muito alm de trinta minutos para no se tornar repetitiva e empobrecida.

    Alm de dar incio, de maneira sistemtica sua pesquisa, o entrevistador deve

    fazer contatos informais prvios com seus possveis entrevistados tornando-se conhecido e

    apresentando o propsito de sua presena.

    Os propsitos devem ser esclarecidos quanto aos objetivos da entrevista e do

    trabalho pelo pesquisador de forma mais explcita possvel.

    Quanto ao registro da entrevista o investigador tem vrias alternativas: pode ir

  • 21

    anotando o desenvolvimento da entrevista, escrevendo s as idias principais ou

    procurando reter tudo na memria para, imediatamente aps o trmino da mesma,

    reelabor - la e analis - la. Pode tambm gravar as entrevistas, mas deve transcrev - las

    antes de realizar a entrevista seguinte. Se a entrevista gravada for acompanhada de

    anotaes gerais sobre atitudes ou comportamentos do entrevistado, pode contribuir melhor

    ainda para aos esclarecimentos que procura o cientista. necessrio um rapport antes do

    incio da entrevista para que esta possa se desenvolver em um clima de simpatia,

    confiana, lealdade, harmonia, entre pesquisador e entrevistado.

    tambm muito importante que o entrevistado saiba claramente sobre sua

    utilidade, sua importncia para as metas que se pretende atingir. Para tanto o cientista deve

    ser acolhedor s colocaes do entrevistado e deve tambm oferecer possibilidades ao

    informante de iniciar a entrevista, dando respostas a aspectos de sua vida que possam

    esclarecer o entrevistado sobre o trabalho que est sendo realizado.

    As perguntas na entrevista semi - estruturada podem ser de vrios tipos,

    dependendo do estudo: os da linha terica fenomenolgica devem ser de natureza descritiva

    para que se possa descobrir os significados dos objetos em questo. As perguntas

    descritivas podem ser gerais, especficas ou focadas em tarefas.

    No campo da pesquisa histrico - estrutural, dialtica, as perguntas podem ser

    denominadas como explicativas ou causais. Elas tm por objetivo determinar as razes

    imediatas ou mediatas do fenmeno social. Alm das explicativas ou causais as perguntas

    nesse tipo de estudo podem tambm ser: consequenciais, porque tem por objetivo apreciar

    os resultados futuros para o grupo, da existncia de um fenmeno social; avaliativas

    quando se pretende estabelecer juzos de valor sobre os fenmenos sociais; hipotticas

    quando o informante encaminhado a vrias situaes possveis de existir, nas quais ele

    pode participar, apreciar, etc.; categoriais que tentam classificar fenmenos sociais,

    idias, pessoas, coisas, etc.

    Como essa pesquisa situou - se na linha fenomenolgica, as perguntas foram de

    natureza descritiva e especfica, pelo carter do estudo.

  • 22

    Segundo DENZIN & LINCOLN (1994) o pesquisador qualitativo "bricoleur"

    e sua produo a "bricolage" ou seja, estivemos, dentro dessa Pesquisa Qualitativa, em

    busca de caminhos que re - significassem o sofrimento de pacientes terminais no processo

    de morrer, com objetivos e referenciais tericos muito bem definidos, mas estivemos

    tambm abertos para considerar os aspectos particulares, imprevisveis e complexos da

    natureza humana e com a "bricolage" construmos um relatrio final que conclusse alguns

    aspectos por um lado e apresentasse questes para reflexo e novas pesquisas por outro.

    Tivemos dentro dessa pesquisa, com abordagem qualitativa, como varivel

    putativa a Qualidade de Vida. KOVCS (1999) pondera que embora a Qualidade de Vida

    seja um conceito aparentemente fcil de ser compreendido, ele extremamente difcil de

    ser avaliado, pois carrega um colorido muito peculiar para cada ser humano. As escalas de

    Qualidade de Vida procuram abordar estas dimenses, pedindo que o indivduo v se

    avaliando em cada uma delas. Entretanto, segundo essa psicloga, uma abordagem mais

    qualitativa pode ser mais afinada a cada pessoa, pois permite ao paciente definir com seus

    prprios termos aquilo que considera mais pertinente em relao sua prpria Vida e

    interferncia da doena ou do sofrimento na sua Qualidade. Assim, conclumos que,

    tambm por essa razo, a entrevista semi estruturada foi um instrumento melhor para

    nosso estudo do que as escalas padronizadas.

    2.2. DOR SIMBLICA DA MORTE

    O comit de taxonomia da International Association for the Study of Pain"

    I.A.S.P. (Associao Internacional para o Estudo da Dor), conceituou a dor como uma

    experincia sensorial e emocional desagradvel associada a leses teciduais reais ou

    potenciais ou descrita em termos de leses teciduais. (MERSKEY et al, 1979). Desta

    forma conclumos que a maneira que cada ser humano sente, reage e memoriza a dor

    nica e pessoal porque est ligada diretamente estrutura do seu mundo interno.

    SAUNDERS (1991), que iniciou nas ltimas dcadas o movimento de criao

    dos Hospices na Inglaterra, locais onde eram e so oferecidos cuidados paliativos aos

    pacientes Fora de Possibilidade de Cura, formulou, em 1967, o conceito de Dor Total que

    inclui a Dor Fsica (sensao dolorosa associada a leses reais), a Dor Psquica (medos do

    sofrimento, da morte, do desconhecido, tristezas, raiva, revolta, perdas, inseguranas,

  • 23

    incertezas, desespero, depresso), a Dor Social (isolamento, rejeio, abandono, mudanas

    de papis, dependncia, inutilidade) e a Dor Espiritual (falta de sentido na vida e na morte,

    medo do ps - morte, do submeter-se, das culpas perante Deus, busca de f, de conforto

    espiritual). Posteriormente acrescentou as dimenses da Dor Financeira e Mental do

    paciente, incluindo tambm a Dor dos Familiares e da Equipe Mdico - Hospitalar nos seus

    cuidados.

    HESTER (1995) reformulou o conceito de dor, j descrito anteriormente, e o

    dividiu em sete dimenses: cognitiva, fisiolgica, sensorial, comportamental, emocional,

    scio - cultural e ambiental. A dimenso cognitiva refere - se ao significado da dor,

    estratgias de luta, atitudes e crenas acerca da dor e de seus tratamentos, preferncias de

    cuidados e a forma como ela afeta os processos de pensamento e a autopercepo. A

    dimenso fisiolgica refere - se s estruturas anatmicas e aos processos fisiolgicos da

    dor, sua etiologia e caractersticas e as respostas fisiolgicas a ela. A dimenso sensorial

    refere - se intensidade e seu padro com o tempo, isto , como a dor se manifesta. A

    dimenso comportamental refere - se a vocalizaes, s respostas motoras, como os

    movimentos faciais e corporais, postura corporal, ao estado do comportamento e ao sono.

    A dimenso emocional refere - se aos atributos individuais, incluindo nervosismo,

    irritabilidade, agitao, ansiedade e solido. A dimenso scio - cultural refere-se herana

    etno - cultural, atitudes e crenas da famlia, filiao religiosa, apoio dos parentes e de

    outras pessoas importantes, relaes interpessoais e envolvimento em atividades,

    brincadeiras, escola ou trabalho. A dimenso ambiental refere - se localizao, aos

    estmulos e s condies do meio.

    A Psicanlise, por sua vez, analisou a dor psicognica ou seja, de origem

    apenas psicolgica (exemplo: reaes de converso). Mas, nos ltimos trinta anos, o que

    tem sido constatado que, independentemente de sua etiologia, psicognica ou

    somatognica, o sofrimento causado pela dor esta sempre relacionado a uma problemtica

    psicolgica. Em outras palavras, no sentir a dor h sempre um componente psicolgico.

    Ressentimento, depresso, ansiedade, desesperana, carncia de afeto, hipocondria, so, por

    exemplo, caractersticas freqentemente encontradas nos pacientes de dor crnica.

    (CARVALHO, 1994a).

  • 24

    FIGUEIR (1999) pontua que o conceito atual de Dor considera a mesma

    como um fenmeno Biopsicossocial e subjetivo. Neste modelo a Dor no mais vista

    como uma entidade dicotmica, mas como resultado de uma combinao de fatores

    biolgicos (sensoriais), psicolgicos (afetivos, cognitivos), comportamentais, sociais e

    culturais que contribuem de forma integrada para a experincia dolorosa individual. A Dor

    uma experincia subjetiva para o paciente e difcil para o mdico quantific la

    objetivamente. Uma abordagem multidisciplinar, envolvendo clnicos, psiclogos,

    enfermeiros, assistentes sociais e outros especialistas mdicos, funciona melhor na

    avaliao desses pacientes.

    Para KOVCS (1999) Cuidados Paliativos uma rea de especializao com

    abordagem multidimensional, que promove o alvio e controle de sintomas incapacitantes,

    relacionados com certas doenas e seus tratamentos e tem como objetivo a promoo da

    qualidade de vida. No existe uma proposta de prolongar a vida a todo custo e sim,

    favorecer todo e qualquer tratamento que promova qualidade de vida e alvio do sofrimento

    at o momento da morte.

    Sade foi definida pela Organizao Mundial de Sade (1958), no como a

    mera ausncia de doenas ou enfermidades, mas um estado de bem estar completo nas

    reas: fsica, mental e social. Dessa forma o termo Qualidade de Vida define todos aspectos

    de bem estar do paciente, incluindo tambm a sade espiritual e econmica.*

    O grupo da Organizao Mundial de Sade, (O.M.S.), que elaborou a Escala de

    Qualidade de Vida, conceituou Qualidade de Vida como: A percepo de uma pessoa, de

    sua posio na vida, no contexto do sistema de valores e da cultura em que vive e de suas

    metas, expectativas, padres e interesses .* Este conceito muito abrangente e portanto

    podemos considerar a Qualidade de Vida como um constructo hipottico que s pode ser

    avaliado atravs de variveis intervenientes.

    * Organizao Mundial de Sade (O.M.S.) apud BERZON, R. Understanding and using health related

    quality of life Instruments within clinical research studies. In: STAQUET, M.; HAY, R.; FAYERS, P. Quality of Life Assessment in Clinical Trial Methods and Practice. Oxford, Oxford University Press. 1998, p.3-6

    *Organizao Mundial de Sade apud CELLA D. & BONOMI, A. Measuring quality of life. In: PAZDUR, R. et al Cancer Management; A multidisc. Approach medical, surgical and radiation oncology. New York, PRRHuntington, 1996. p. 773802.

  • 25

    Nesse estudo onde a Qualidade de Vida esteve vinculada ao processo de

    morrer, na re - significao da Dor Simblica da Morte de pacientes Fora de Possibilidade

    de Cura, consideramos como variveis intervenientes a Dor Psquica e a Dor Espiritual.

    Entendemos assim, frente ao acima exposto, como Dor Simblica da Morte, a Dor

    Psquica e a Dor Espiritual durante a experincia do morrer. (ELIAS, 1999).

    Acreditamos que, em relao s culpas frente s perdas (Dor Psquica), e em

    relao s culpas perante Deus (Dor Espiritual), a influncia da cultura sobre o indivduo

    apresenta importante papel. PIMENTA & PORTNOI (1999) afirmam que:

    O aprendizado social essencial no desenvolvimento dos significados atribudos dor. Esse

    aprendizado se inicia na unidade familiar e se modifica, integra e se mantm na convivncia

    social mais ampla. Em grande parte das culturas, a dor considerada como uma das possveis

    fatalidades que podem ocorrer a seus membros. Diante de uma experincia dolorosa os

    indivduos costumam se perguntar: Por que isso aconteceu comigo?. O que eu fiz para

    merecer isso?. Em busca de respostas para essas questes recorrem, no apenas cincia, mas

    s religies, s crenas e aos valores morais de sua cultura.

    As religies desempenham papel importante no processo de aculturao. Elas representam um

    conjunto organizado de crenas e prticas, cuja finalidade responder pela orientao tica,

    filosfica e ideolgica de um determinado grupo. As religies moldam a percepo que um

    indivduo tem de si mesmo e tambm sua resposta dor. A f religiosa pode ajudar muito na

    tolerncia dor, mas pode, tambm, levar o indivduo a interpretar a dor como punio e

    procurar em preces e rituais, o perdo para possveis erros... Se a dor for vista como punio

    divina, os indivduos tentaro experimenta la sem queixas a fim de que se transforme numa

    forma de expiao para aliviar sentimentos de culpa. Se dor interpretada como conseqncias

    de transgresses morais, procuraro a cura por penitncias, jejuns ou preces. Se for atribuda

    malevolncia de terceiros (feitiaria ou encantamentos), tentaro alvio de maneira indireta, por

    meio de rituais ou exorcismo.

    No mtodo proposto neste estudo procuramos re - significar essa viso cultural

    da dor como punio, purificao ou ao de terceiros, atravs dos dados colhidos nos

    relatos dos pacientes que vivenciaram uma Experincia de Quase Morte e voltaram a viver

    normalmente, os quais afirmam que o sofrimento no procede de punio divina e sim

    fruto de uma complexa cadeia de circunstncias que resulta em experincias difceis,

    atravs das quais algo pode ser aprendido mas independente do que se aprende, este

    sofrimento deve ser minimizado o mximo possvel. (MOOD JR, 1992).

  • 26

    Segundo MAYOL (1992) para o cncer efetivamente instalar se algo deve

    desarranjar o material gentico da clula fazendo com que ela, aps sofrer alteraes,

    comece a multiplicar se rpida e desordenadamente. O tempo entre a desorganizao

    celular e o incio da proliferao anormal depende dos vrios fatores capazes de regular a

    reproduo da clula, como o estado hormonal, o estado imune, o estado psicolgico, a

    idade e o estado nutricional do indivduo, ou seja, alm dos fatores causais do cncer, para

    ele poder expressar se, existe tambm a necessidade da concomitncia de deficincias

    imunolgicas, distrbios emocionais, distrbios endcrinos ou erros alimentares. Em

    relao aos fatores emocionais as pessoas com maior probabilidade de adquirir cncer so

    as introvertidas, com traumas emocionais, que guardam as crises dentro de si. Reprimem,

    negam ou racionalizam suas emoes, fogem do contato com seu mundo interior, perdem a

    iniciativa de buscar solues alternativas e deprimem se.

    Segundo DEL PORTO (2000) a caracterstica mais tpica dos estados

    depressivos a prevalncia de sentimentos de tristeza e vazio. No plano psquico um

    sintoma importante da depresso o Humor Depressivo, caracterizado por sensaes de

    tristeza, autodesvalorizao e sentimentos de culpa.

    A Dor Simblica da Morte, conforme definimos acima, composta pela Dor

    EspirituaL e pela Dor Psquica, a qual est vinculada aos estados depressivos permeados

    de tristezas, medos, angstias e culpas. Esses aspectos depressivos que compem a Dor

    Psquica aliceram a Dor Simblica da Morte e sobre a Dor Espiritual, estes aspectos se

    projetam.

    KBLER ROSS (1998) afirma que a morte apenas uma transio da vida

    para outra existncia e que, para se viver dignamente o processo de morrer, deve - se viver

    verdadeiramente at a hora da morte. Viver verdadeiramente, segundo essa mdica

    psiquiatra, fazer o que se gosta de fazer e aprender a mais difcil das lies: o amor

    incondicional.

    Existe um paralelo entre o Nascimento e a Morte porque so polaridades de

    uma mesma realidade, a de VIVER. Compreendendo-se a Dor Simblica do Nascimento

    como a angstia de desligamento, angstia bsica, podemos tambm compreender a Dor

  • 27

    Simblica da Morte como ligada angstia de desligamento de forma inversa, dentro das

    dimenses psquicas e espirituais.

    RANK, baseando - se em sua experincia clnica,* afirma que o nascimento

    constitui um trauma com o qual o indivduo jamais se reconcilia. Muitas pessoas que no se

    adaptam s exigncias do mundo externo parecem procurar durante toda a vida reconstruir

    simbolicamente as condies de vida intra - uterina. Mesmo que julguemos exageradas as

    afirmaes de RANK, preciso levar em conta que o grau de sucesso da experincia do

    nascimento contribui fortemente na impresso que o ser humano ter da vida. Naturalmente

    a impresso no algo consciente, mas um registro na personalidade, a qual poder

    fundamentar os tipos de reao s experincias futuras. O nascimento constitui a primeira

    reao de separao, das muitas que o indivduo ter que sofrer durante o seu

    desenvolvimento. Neste sentido, o recm - nascido no tem outra alternativa seno viver a

    prpria angstia do desligamento, a qual pode ser considerada como o prottipo do

    fenmeno psicolgico da angstia que aparecer mais tarde nas diversas fases do

    desenvolvimento.

    A promessa da morte e a experincia do morrer, mais do que qualquer outra

    fora na vida, o que leva o ser humano evoluo. A morte parte da existncia humana,

    do seu crescimento e desenvolvimento, tanto quanto o nascimento. A morte uma parte da

    existncia. A morte no um mal a ser extirpado, um inimigo a ser combatido ou uma

    priso de onde devemos escapar, mas sim parte integrante de nossa vida e que d

    significado existncia humana. (KBLER-ROSS, 1996a, 1996b).

    A citao acima de KBLER ROSS (1996a, 1996b) sugere que a vida um

    espao de tempo delimitado entre o nascer e o morrer. O fato de haver um limite nos impele

    a fazer algo produtivo, til e belo. Isto significa encontrar um significado positivo, digno e

    verdadeiro para o presente. Um significado que traga paz, crescimento, luz, fora interior,

    beleza, sentimentos de amor e ampliao da conscincia de si e do mundo. Cindir o

    processo de morrer da vida deixar de viver antes da morte.

    *RANK. O. apud D ANDREA, F.F. - Desenvolvimento da Personalidade. 10 ed., Rio de Janeiro, Editora

    Bertrand Brasil, 1991. 185p.

  • 28

    TOLSTI (1998), em seu conhecimento inato, descreveu a terrvel solido do

    paciente no seu processo de morrer, pela ocultao da verdade em "A Morte de Ivan Ilitch.

    O personagem Ivan Ilitch viveu seu tormento maior no exatamente pela doena que o

    consumia, mas pela mentira, a qual era aceita por todos, familiares, amigos e ele prprio.

    Dizia - se que ele estava apenas doente mas no morrendo, que ele poderia ficar calmo,

    confiar nos mdicos e, de alguma forma, curar se - ia. Ele, no seu ntimo, assim como

    todos, sabia que isto era mentira, por causa desta farsa, vivia sua dor, sua terrvel solido.

    No lhe foi dada oportunidade de viver a verdade: ficar calmo para poder morrer em paz.

    No lhe foi dada oportunidade de um trabalho teraputico que lhe possibilitasse uma re -

    significao do processo de morrer, compartilhada com todos, para que pudesse chegar

    morte com dignidade e em paz.

    A tentativa de nos debruarmos sobre o assunto morte e o morrer

    freqentemente tomada como algo mrbido e de mau gosto. Todos ns temos a experincia

    de termos ouvido, incontveis vezes, pessoas declararem que a morte ideal aquela

    acontecida durante o sono, sem que estivesse sequer doente, sendo a pessoa vitimada por

    algum mal sbito. Isto o que nossa cultura atualmente prope: a morte como surpresa,

    sem que nos d tempo de que a percebamos, de que soframos qualquer angstia em funo

    do morrer. E aqui no me refiro dor fsica, mas ao sofrimento oriundo do medo. Se

    estabelecermos contato com a idia de nossa prpria finitude dificilmente deixaremos de

    viver um processo de re - significar a vida e a transformarmos nossa relao com o viver,

    dando geralmente, uma nova qualidade a esse ato. (CARVALHO V., 1996).

    A Organizao Mundial de Sade define, como j citado, Qualidade de Vida

    como o bem estar fsico, psquico, social e espiritual, e a ausncia de sofrimento nessas

    reas. Desta forma como cita KOVCS, (1999), Qualidade de Vida e cuidados Dor esto

    intimamente relacionados.

    Tambm fato que algumas mortes so melhores que outras. Algumas vezes,

    apesar de tratamento mdico adequado, servio social atencioso, o paciente morre de uma

    forma muito ruim, com muita aflio e inadequado enfrentamento. As diferenas entre uma

    morte ruim e uma boa morte no podem ser descritas simplesmente considerando - se o

    grau e quantidade de sintomas fsicos ou o poder econmico do paciente. Esperana,

    verdade e a qualidade da sobrevida so fatores importantes inter - relacionados para uma

  • 29

    boa morte. Esperana um sentimento intangvel, imensurvel e muito real. A esperana

    fruto do otimismo, da expectativa e da aceitao positiva do passado, tanto em relao aos

    sucessos como aos fracassos. A esperana indicada para fortalecer pessoas na adversidade

    porque esta a sua caracterstica, a sua funo. (WEISMAN, 1979).

    MASERA et al, (1999), para orientao dos profissionais de sade,

    sistematizaram em dois perodos distintos os cuidados que devem ser oferecidos a uma

    criana que est morrendo de cncer. O primeiro perodo compreende o momento em que o

    tratamento considerado sem efeito e torna se necessrio tomar a difcil deciso de

    mudar a orientao do tratamento de curar para cuidados paliativos. O segundo perodo

    refere - se a assistncia criana e seus familiares, durante o perodo de cuidados

    paliativos, e ao acompanhamento da famlia depois da morte do paciente.

    Em relao ao primeiro perodo os autores enfatizam que o manejo na

    transio da fase curativa para a paliativa crtico para proteger a criana, e para isso

    orientam os seguintes passos:

    - Cada Centro deve desenvolver uma filosofia uniforme para os aspectos chaves

    do tratamento.

    - Toda a Equipe de Sade (e no s os mdicos), a famlia (incluindo irmos se

    tiverem idade adequada), e a criana (dentro do limite de sua idade), devem participar da

    deciso de se mudar da fase curativa para a de cuidados paliativos. Por outro lado se a

    criana desejar manter se pouco informada, seu desejo deve ser respeitado.

    - Existem pais que superprotegem a criana, fazendo a sentir se pior. Outros

    insistem em perseguir uma irrealstica possibilidade de cura, aumentando o sofrimento da

    criana, e outros ainda, querem parar o tratamento prematuramente. Esses conflitos so

    passveis de soluo se a equipe de sade procurar entender e discutir o assunto de forma

    adequada com a famlia.

    Em relao ao segundo perodo, a fase dos Cuidados Paliativos, MASERA

    et al, (1999), fazem as seguintes recomendaes:

  • 30

    - As decises mdicas a respeito dos Cuidados Paliativos devem ser tomadas

    com a participao de toda a Equipe de Sade. A criana, frente a estas decises, deve ser

    acompanhada nessa fase, tanto nos aspectos fsicos como tambm nos aspectos

    psicolgicos e espirituais.

    - Sempre que for possvel, deve - se permitir ficar em casa na fase terminal, s

    crianas que assim o desejarem.

    - Os pais e a equipe de sade devem estar atentos as comunicaes verbais e

    no verbais da criana.

    - Acompanhamento aos pais deve ser oferecido durante a fase de cuidados

    paliativos.

    - Deve haver consultas de luto depois da morte da criana para a famlia.

    - A equipe de sade deve encorajar pais e irmos enlutados a participarem de

    grupos de auto ajuda assim como, se necessrio, um psiclogo os deve acompanhar.

    - Depois que uma criana morre, a histria mdica individual dela deve ser

    avaliada por toda a equipe de sade, para que possam, enquanto equipe, sempre se

    aperfeioar na ajuda a futuras famlias.

    - A equipe de sade deve estar preparada para modificar suas metas filosficas,

    direes e guias sempre que necessrio, baseada na reviso dos casos e nos comentrios dos

    pais.

    O Guia, elaborado por MASERA et al (1999), pode parecer primeira vista,

    bvio, ingnuo e simplista, mas para quem vive esta realidade no seu dia a dia, ele

    extremamente importante e necessrio.

    Profissionais de sade, principalmente mdicos, so educados para curar, e por

    essa razo quando constatam que nada mais h para fazer do ponto de vista curativo,

    angustiam se, deprimem se e culpam se. Um Guia como este oferece suporte para

    essas angstias, depresses e culpas e mais, apesar de sua objetividade, abre espao para

  • 31

    profissionais de sade refletirem sobre a forma de se lidar com a morte e sobre os outros

    propsitos das Cincias Mdicas, alm da cura de enfermidades.

    No curar um paciente no significa fracasso e isto que implicitamente este

    Guia diz. E diz mais: quando um paciente no responde ao tratamento mdico, isto no o

    fim e sim apenas o comeo de uma outra forma de se tratar. H muito que se fazer com o

    paciente terminal e sua famlia para aliviar seus sintomas e sofrimentos fsicos, psquicos e

    espirituais.

    Embora esta dissertao de Mestrado tenha tido como sujeitos pacientes

    adultas, esse Guia contempla perfeitamente tambm essa faixa etria com as devidas

    correes, como por exemplo: de pais e irmos, para cnjuge e filhos.

    O tema desta Dissertao veio justamente ao encontro de um dos objetivos

    proposto por MASERA et al (1999): oferecer alvio para o sofrimento psquico e espiritual

    do paciente.

    Consideramos importante tambm acrescentar a essa palavra chave

    (Qualidade de Vida na Dor Simblica da Morte), a viso das diversas culturas sobre a

    morte e o ps morte, e, para tal, trouxemos um resumo da pesquisa desenvolvida e

    publicada pela Psicloga e Psicoteraputa Norte Americana, Sukie Miller, presidente do

    Institute for the Study of the After Death (Instituto para o Estudo do Ps Morte), com

    colaborao de um grupo de prestigiados pesquisadores.

    No decorrer de oito anos, MILLER (1997) colheu dados em diferentes culturas

    de todo o Planeta sobre as crenas em relao ao ps morte. Ao analisar os resultados

    observou que a despeito da diversidade de suas origens culturais, as referncias s jornadas

    do ps morte so constitudas, em maior ou menor grau, por quatro bem definidos

    aspectos ou estgios, os quais ela denominou:

    - Estgio 1: Do Espao de Espera;

    - Estgio 2: Da Fase de Julgamento;

    - Estgio 3: Do Reino das Possibilidades;

  • 32

    - Estgio 4: Do Retorno ou Renascimento.

    Segundo MILLER (1997) os indivduos das mais diversas culturas acessam

    esses quadros do ps morte e constroem seus modelos tericos atravs da Imaginao

    Vital, conceituada por ela como uma capacidade psquica, no de meramente visualizar,

    mas sim, de vivenciar, um outro plano de realidade no possvel de ser percebido pelos

    cinco sentidos e que no constitui fantasia ou alucinao. Pontua que nas culturas em que

    a Imaginao Vital opera de modo mais livre, a morte no , necessariamente, uma fonte de

    terror.

    De acordo com a classificao e denominao da autora MILLER (1997), esses

    quatro estgios do ps morte acima citados, podem de forma resumida, serem assim

    descritos de acordo com as diferentes culturas e doutrinas religiosas:

    ESTGIO 1 - DA ESPERA: o viajante, o que morreu, o indivduo que

    deixou essa vida, passa pela transformao de um ser fsico em um ser espiritual, para

    poder ento realizar sua migrao para o mundo espiritual. Descanso, conforto e uma

    oportunidade de abrandar o medo so os supostos benefcios que o estgio 1, Lugar de

    Espera, oferece.

    Em relao a esse estgio os ndios Guaranis do Brasil acreditam que quando a

    alma se aproxima de seu ponto de chegada deve aguardar at que Nhanderu lhe abra a

    porta. este o lugar de espera ou descanso da alma. Os ndios Kadaneu do Mato Grosso,

    Brasil, acreditam que as pessoas que morrem deslizam para um universo que se mostra

    virtualmente idntico quele que acabam de deixar. semelhana dos egpcios, enterram

    seus mortos com todos os seus pertences. Os Espritas Brasileiros, com base na doutrina de

    Kardec, acreditam que os que morreram recentemente so transportados por uma nave

    espacial, para um Hospital, onde o esprito do morto passa por um processo de limpeza,

    de recuperao dos traumas que precederam sua morte e por um perodo de adaptao sua

    nova forma de vida. Os Xams, por sua vez, tem permisso para entrar e sair livremente

    desse Lugar de Espera trazendo consigo descries detalhadas e reconfortantes dessas

    paragens. No Sistema Indiano, o Atman (Eu dos indianos), fica, suportando a mais

    extrema fome, empoleirado nos ombros do Mahapatra, (ltima posio social entre os

  • 33

    indivduos), enquanto este oferece cuidados especiais aos restos mortais com o objetivo de

    facilitar a natural transformao do esprito, a qual deve ocorrer, para que este possa seguir

    alm desse momento que o Lugar de Espera. Para o Judasmo, nos sete dias que precedem

    o bito, o esprito ronda entre os vivos e aprende que est morto atravs da semana solene

    do sentar shiva. Na Tradio Bali, o Lugar de Espera o perodo onde pacientemente os

    vivos e o morto aguardam a cremao. O corpo lavado e vestido, um pequeno espelho

    colocado sobre cada um dos olhos do morto para assegurar que ele seja forte na prxima

    existncia e uma flor posta em cada uma de suas orelhas para que ele s escute sons belos

    no futuro. At o dia da cremao mantm se acesa uma lmpada que devera guiar a alma

    de volta a seu lar.

    De forma geral o Lugar de Espera um local de calma e transio onde o ser

    passa, em definitivo, do mundo fsico para o espiritual.

    Segundo MILLER (1997) as verses mais desenvolvidas relativas ao Lugar de

    Espera da Jornada do Ps Morte, procedem dos Sistemas Esotricos de crenas relatados

    por Paul Beard, ex presidente do College of Psychic Studies de Londres, um dos

    principais documentaristas do movimento esotrico. MILLER, (1997), afirma que Paul

    Beard em seu livro Living On elaborou, atravs da Imaginao Vital, a descrio desse

    Lugar de Espera, o qual chamou Summerland (Terra de Vero), e o denominou como um

    espao de descanso. Descreveu esse local como um espao reconfortante, cujo cenrio

    construdo de acordo com as escolhas ntimas de cada indivduo, e para onde,

    primeiramente, o esprito se dirige aps a morte. Acrescentou que esse Lugar de Espera

    construdo pelos que acabam de morrer pelo poder de seus pensamentos. Afirmou tambm

    que esse Lugar de Espera a ante sala mais acolhedora e reconfortante que cada

    indivduo pode imaginar.

    ESTGIO 2 - DO JULGAMENTO: Nesse estgio a vida passada do viajante

    escrutinizada, avaliada e, em decorrncia disso, ele ou ela vem determinado seu destino.

    De acordo com a grande maioria das culturas que crem nesta etapa, o Julgamento a mais

    difcil de ser enfrentada. Os sistemas que acreditam no Julgamento podem ser classificados

    em quatro tipos:

  • 34

    1) Mtodo do Registro Contbil: Nesse mtodo, as unidades quantificveis do

    bem praticado - recursos arrecadados - so somados e pesados em relao aos pecados ali

    quantificados - cheques emitidos. Para o Catolicismo e seus derivados, quando o esprito se

    apresenta no azul, o Paraso lhe est assegurado, mas se o balano se mostra no

    vermelho, o esprito condenado ao Inferno. Os Egpcios do perodo antes de Cristo,

    tambm acreditavam neste mtodo. Afirmavam que o esprito seria julgado por um comit

    de 42 deuses; o peso do corao (sede da conscincia, smbolo da alma, para esse povo

    antigo), era comparado ao peso de uma pena. Se a balana permanecesse imvel, a alma

    alcanaria o Paraso. Se, ao contrrio, a balana se movesse, seu destino seria o Inferno. O

    Judasmo, embora concentre seu sistema de crenas mais na vida, propriamente, do que no

    que vem depois da morte, tambm acredita no Julgamento, e o classifica dentro deste

    mtodo. Afirma que dois anjos acompanham o indivduo por toda a vida. Um anota as boas

    aes e o outro anota as ms. No dia do Grande Julgamento todos os pesos, todas as

    medidas e todas as balanas sero expostos e cada pessoa dever reconhecer sua medida e

    de acordo com ela, receber ou no sua recompensa.

    2) Mtodo Crmico: Esse mtodo diz respeito soma total de todas as

    possibilidades do empenho humano e s conseqncias ticas que essa somatria acarreta.

    Representa a manipulao computadorizada de detalhes quase que infinitamente inter

    relacionados.

    Enquanto o mtodo do Julgamento de Registro Contbil traz em seu bojo a

    convico de que, durante a vida, as pessoas podem alterar seus destinos se adquirirem

    mais crditos, a complexidade do Mtodo Crmico apresenta um tipo de neutralidade

    fatalista, ou seja, nada nos impede de progredir e alcanar uma vida melhor, da prxima

    vez. Dentre os que acreditam nesse mtodo podemos citar os adeptos da Doutrina Esprita e

    os Indianos.

    3) Mtodo da Evoluo: nesse mtodo o universo visto como em constante

    evoluo e as vidas so avaliadas de acordo com o grau de crescimento individual e a

    produo de alguma obra que contribua para o bem de todos. Esse modelo a forma

    propulsora que rege a religio Bahai e a Teosofia, movimento espiritual de carter

    universal desenvolvido por volta de 1800 por madame Blavatsky. Tanto para o Bahai

  • 35

    como para a Teosofia no existem juzes externos. Ao contrrio, cada um seu prprio juiz.

    O esprito avalia no tanto suas aes, mas as intenes que se ocultaram por detrs delas e

    o grau, segundo o qual, essas intenes se colocaram ou no, em harmonia com a direo

    seguida pela evoluo da Conscincia Universal. Segundo a religio Bahai e a Teosofia

    essa auto avaliao pode ser muito dolorosa porque os acontecimentos no so apenas

    recordados, mas, tambm, revivido e sentido, todo o sofrimento que o esprito causou a si

    prprio e a terceiros, enquanto estava vivo na Terra.

    3) Mtodo do Desafio: esse mtodo corresponde viso do Julgamento do

    Budismo Tibetano. representado por uma srie de fatos que parecem ter sido

    brilhantemente desenvolvidos para fazer com que o esprito perca seu rumo, reencarne em

    condies de inferioridade e no atinja sua meta: escapar da Roda da Vida e viver no

    Nirvana.

    Consiste em uma combinao do mtodo crmico com o mtodo evolutivo.

    Embora para os Budistas Tibetanos o Julgamento Final seja influenciado tanto

    pela forma como o esprito viveu sua existncia, como pelo estado de sua mente no

    momento da morte, h um terceiro aspecto, mais importante que os outros, o qual define o

    destino do viajante. Este aspecto a forma pela qual o esprito ir lidar com os desafios

    que encontrar pela frente, aps sua morte. Estes desafios so 49 situaes denominadas

    estado de Bardo, fase intermediria entre as encarnaes.

    Os Tibetanos afirmam que o estado mental do individuo no momento da morte

    fator relevante. Nesta pesquisa, tambm trouxemos este aspecto entre nossos

    pressupostos. Para o Budismo Tibetano esse estado influencia os resultados que sero

    alcanados no ps morte, na Fase do Julgamento, e para esse estudo, o estado mental do

    paciente durante o processo terminal influencia sua Qualidade de Vida frente morte

    iminente e ao morrer propriamente dito.

    Em relao atitude correta a ser adotada pelo Esprito frente aos consecutivos

    aparecimentos de monstros, nos 49 desafios, o Livro Tibetano dos Mortos esclarece que

    esses monstros devem ser reconhecidos como iluso transitria; nada mais so do que

    distraes da mente em relao verdade fundamental, de que tudo iluso. Os Budistas

    Tibetanos recomendam a prtica da Meditao, (reflexo sria e constante), para exercitar a

  • 36

    mente no discernimento da iluso. A Meditao faz parte da essncia da prtica budista em

    vida, mas seu valor estende se tambm ao plano do ps morte porque ela o meio pelo

    qual o viajante se prepara para se portar com serena compreenso quando chegar sua vez

    de enfrentar os 49 encontros que se daro no Bardo.

    Tambm praticada a leitura do Livro Tibetano dos Mortos para os agonizantes

    e para os que faleceram, durante os 49 dias seguintes ao de sua morte, com o objetivo de

    lembrar a esses viajantes que tudo iluso, dar lhes firmeza para que no se distraiam e

    proporcionar lhes o tom de voz baixo e contnuo que facilita o estado de Meditao.

    Tambm existem culturas e / ou doutrinas religiosas que concebem os sistemas

    de ps morte isentos de Julgamento. Entre vrios grupos indgenas mexicanos, a nica

    diferena que existe entre a vida e a morte a forma que seu esqueleto adquire. Para os

    caadores do grupo Iomba da Nigria no h diferena entre a vida e a morte; depois de

    morto, o indivduo passa a habitar outro ambiente e assume uma forma de existncia que

    lhe familiar.

    ESTGIO 3 DO REINO DAS POSSIBILIDADES: nesse estgio o viajante

    desfruta dos resultados do Julgamento ou se submete a eles. Nos sistemas onde esse

    julgamento tem peso relativamente pouco significativo, simplesmente passa a existir nas

    paragens do ps - morte. A autora pontua que a descrio desse estgio foi elaborada

    atravs da Imaginao Vital, conceituada anteriormente, porque esse estado de conscincia

    proporciona aos indivduos acesso a nveis secretos de realidade.

    Esse estgio a abertura em relao a possibilidades. Essa abertura origina se

    no instante do Julgamento no estgio 2 e, para todos os mtodos, a verdade da vida que o

    indivduo levou determinar o destino de seu esprito.

    Alguns relatos ligados ao Estgio III do ps morte so verses idealizadas da

    vida terrena. A pequena diferena que existe nestas verses, entre os mundos da vida e da

    morte, podem ser resumidas pelo dito popular: a Terra o mercado, o Cu, o lar.

    Alem da Familiaridade do Lar, outros elementos ocupam lugar importante na

    compreenso desse estgio, na maior parte dos sistemas de crena. Entre esses elementos a

  • 37

    autora cita a Luz que, para Jung, pode ser um smbolo do esprito, para a tradio crist

    pode significar graa, caridade, f. Em todas as culturas os espaos do ps morte mostram

    se inundados por uma bela e, em geral, incomum Luz. Tambm paisagens onde se

    localizam rvores Especiais so citadas com freqncia nas descries dos cenrios do

    ps morte. Cu e Inferno, Tempo e Espao so outros elementos freqentes nas

    descries do ps - morte dos Reinos das Possibilidades. Para os sufistas, o Cu apresenta

    se com paredes douradas guarnecidas de tijolos de prata; a terra feita de aafro e todos

    seus habitantes apresentam faces to radiantes como as da lua cheia. L no existem

    funes orgnicas como urinar, defecar e outras, mas aos espritos permitido comer e

    beber o que quiserem e nunca avanam alem da idade de 33 anos. O Inferno por sua vez,

    para os sufis um local onde os pecadores assam em fogo ardente, bebem gua de uma

    fonte fervente e alimentam se de comidas podres e cheias de espinhos. As figuras de

    Anjos, Guias, Guardies e Companheiros tambm so encontrados com muita freqncia

    nos relatos sobre o ps - morte, na grande maioria das culturas e doutrinas religiosas. Em

    geral, afirmado que os espritos humanos no so deixados sua prpria sorte at que

    encontrem seu caminho por entre as paragens do ps morte, mas so guiados por Anjos,

    Guias, Guardies e Companheiros representados por parentes e amigos j falecidos, que

    os auxiliam na Jornada pelo Reino das Possibilidades.

    ESTGIO 4 DO RETORNO: a autora afirma que as possibilidades que se

    abrem aos viajantes do ps morte nem sempre os tomam e prendem para sempre. Para

    muitas das culturas hoje existentes no mundo a Jornada no Ps Morte concebida como

    um crculo onde o retorno est implcito na partida. Contida na morte esta a semente do

    renascimento ou reencarnao.

    Alm das culturas e doutrinas religiosas que crem na reencarnao, no retorno

    do esprito a Terra em um novo corpo, alguns cientistas srios e competentes comeam a

    estudar dentro de uma metodologia cientfica a possibilidade deste processo reencarnatrio

    ser verdico. Entre eles MILLER (1997) cita o Dr. Ian Stevenson, psiquiatra da

    Universidade de Virgnia. O Dr. Ian Stevenson publicou 4 volumes sobre o tema, (Cases of

    Reincarnation, vols 1 4, the University Press of Virgnia, 1975, 1977, 1980, 1983), assim

    como tem feito publicaes em peridicos srios e importantes do planeta, como o The

  • 38

    Lancet , onde escreveu, na sesso de Correspondncia, sobre um caso de vidas passadas.

    STEVENSON (1999) relatou ter examinado um par de gmeos monozigotos, comprovado

    por exames, em Sri Lanka, com estatura, feies, temperamento e coeficiente de

    inteligncia muito diferentes e cujos pais afirmaram estar criando - os de forma semelhante.

    Com trs anos de idade os gmeos comearam a contar sobre suas vidas passadas, as quais

    haviam sido muito diferentes. A explicao para estas significativas diferenas fsicas,

    cognitivas e emocionais entre esses gmeos monozigotos foi atribuda s experincias de

    vidas passadas relatadas pelas crianas. Segundo MILLER (1997) o Dr. Roger Woolger,

    psiclogo, outro cientista que faz uso da terapia da regresso tanto para tentar esclarecer

    como para diminuir os sintomas fsicos ou psquicos inexplicveis dos que o procuram.

    MILLER (1997) afirma que, ao contrrio do Dr. Ian Stevenson, o Dr. Woolger considera

    irrelevante pesquisar se a histria verdica ou no e sim considera importante se as

    explanaes trazem alvio ao sofrimento do paciente. Publicou seu trabalho no livro Other

    Lives, Other Selves, Nova York, Doubleday, 1987.

    Outro cientista citado por MILLER (1997) que se dedica a investigar esse tipo

    de lembrana, o Dr. Brian Weiss, formado pela Universidade de Colmbia, Nova York,

    graduado como mdico na Escola de Medicina da Universidade de Yale. Foi diretor do

    Departamento de Psiquiatria do Mount Sinai Medical Center, de Miami, onde

    atualmente mantm o Weiss Institute e sua clnica particular. Tem publicado seus estudos

    e trabalhos sobre vidas passadas atravs dos livros: Muitas Vidas, Muitos Mestres, S o

    Amor Real, A Cura Atravs de Terapia de Vidas Passadas, Meditando com Brian Weiss,

    A Divina Sabedoria dos Mestres e Os Espelhos do Tempo, todos publicados no Brasil pela

    Editora Sextante.

    Alm desses trs cientistas referidos pela autora, sem dvida, existem outros

    profissionais srios que trabalham e pesquisam sobre o assunto, mas como este no o

    objeto de estudo dessa pesquisa, limitar nos emos a estas citaes, neste momento.

    Por todas as questes acima expostas, discutidas pelos autores citados,

    consideramos que a Dor Simblica da Morte de pacientes terminais passvel de ser

    trabalhada atravs de interveno psicoteraputica.

  • 39

    2.3. RELAXAMENTO MENTAL

    A Comunidade Cientfica Mdica denominou as ondas cerebrais como Beta,

    Alfa, Teta e Delta conforme o registro de sua freqncia, por minuto, no

    eletroencefalograma e observou que cada freqncia est associada a um estado especfico

    de conscincia, ou seja, acordado, conscincia de si ampliada, sonho, sono, etc.

    ROSEN (1994), baseado nos estudos de Milton Erickson, afirma que o estado

    de transe ou estado de Relaxamento Mental, ou freqncia cerebral Alfa, o estado mental

    mais propcio para que a aprendizagem ocorra, para a produo de insights e para

    favorecer mudanas de atitudes e idias.

    O estado de Relaxamento Mental no se refere a um estado de sonolncia

    induzida. Os pacientes no so submetidos, nem dirigidos pela vontade do terapeuta, e nem

    perdem o controle sobre os seus atos. Na realidade, o Relaxamento Mental um estado

    natural que todos ns experimentamos, como no sonho acordado ou devaneio, na

    meditao, na orao, ou quando realizamos determinados exerccios, como os exerccios

    aerbicos, que tm sido conhecidos como uma espcie de meditao em movimento.

    Nessas situaes, certas experincias sensoriais e psquicas interiores assumem um carter

    vivido, tanto que os sons e movimentos exteriores perdem a sua importncia. No estado de

    Relaxamento Mental os pacientes podem compreender de maneira intuitiva o significado

    dos sonhos, smbolos e outras manifestaes inconscientes. Despreocupam-se das suas

    idias e dos seus problemas e se aproximam do que Erickson denominou aprendizagem

    inconsciente. Podem aceitar com menos crticas as sugestes do terapeuta. No entanto, se

    elas entram em choque com os valores que o indivduo apresenta esta aceitao apenas

    transitria ou no se produz. Para ajudar o paciente a entrar em Relaxamento Mental, o

    terapeuta pode induzi - lo a esse estado, atravs da narrao de uma histria interessante. O

    terapeuta mantm-se alerta para perceber as mudanas sutis que indicam o grau de ateno

    responsiva do indivduo: um relaxamento dos msculos faciais, o olhar fixo sem piscar,

    uma imobilidade quase total. Se esta constelao de elementos estiver presente o terapeuta

    pode presumir com total segurana que seu paciente entrou em Relaxamento Mental.

    (ROSEN, 1994).

  • 40

    Na nossa experincia clnica temos usado como alternativa para uma histria

    interessante, uma msica instrumental clssica ou popular com ritmo lento, ou intuitive

    music ou new age ou instrumental para crianas.

    A respirao lenta e profunda tem sido apontada pela literatura cientfica como

    um quesito fundamental para se atingir o estado de relaxamento mental ou estado de transe

    ou estado alfa. Deve-se observar principalmente a respirao porque ela um ponto chave

    para um bom trabalho com Imagens Mentais. Devemos pedir ao paciente que observe a sua

    prpria respirao. Nesse processo de prestar ateno no movimento de respirar, o paciente

    alm de comear a voltar-se para o seu interior tambm estrutura uma freqncia

    respiratria mais harmoniosa, mais rtmica.

    Na respirao lenta e profunda pode - se orientar o paciente para expirar mais

    profundamente e por mais tempo do que o inspirar. O expirar mais longo estimula o nervo

    vago, que se origina na base do crebro, estende-se pelo pescoo e manda extenses para os

    pulmes, o corao e o trato intestinal. Sob a influncia da expirao longa e lenta, o vago

    tem um papel de aquietamento e relaxamento, baixando a presso sangnea, diminuindo as

    pulsaes, as contraes musculares do intestino e o ritmo respiratrio. O acalmar dessas

    funes leva a uma facilitao do trabalho com Imagens Mentais.

    A American Cancer Society (CASSILETH et al, 1994), orienta aos pacientes

    e seus familiares a fazerem exerccios de relaxamento e respirao profunda, mentalizando

    um lugar agradvel como uma praia ou um campo florido pelo menos trs vezes ao dia

    quando sentirem se ansiosos, deprimidos, ou amedrontados.

    CAUDILL (1998) aborda a relao mente corpo como sistmica e por essa

    razo coloca que a experincia de estresse definida como a percepo de uma ameaa

    fsica ou psicolgica e a percepo de no estar preparado para lidar com ela pode estar

    associada tanto a sintomas fsicos como emocionais.

    Frente a uma ameaa de perigo emitimos uma resposta automtica chamada de

    resposta de luta ou fuga provocada pela liberao de adrenalina do Sistema Nervoso

    Simptico e outros hormnios como o cortisol e o hormnio do crescimento. No corpo isto

  • 41

    representado pelo aumento da freqncia cardaca e respiratria, aumento da presso

    sangnea, mudana do fluxo sangneo para os msculos, etc., na procura do

    restabelecimento da homeostase. Quando o corpo forado nesse processo alm de sua

    capacidade podem aparecer inmeros sintomas: reduo da imunidade a doenas, diarrias

    e/ou constipao, distrbios do sono, fadiga, dores de cabea, falta de ar, perda/ganho de

    peso, aumento da tenso muscular, ansiedade / depresso, e dores crnicas que podem ser

    definidas como estresse crnico adverso.

    Existem tcnicas que suscitam uma resposta de relaxamento, que parece

    desempenhar um papel na reduo das respostas corporais ao estresse. Entretanto a resposta

    de relaxamento no automtica como a resposta de luta e fuga. Seu desenvolvimento

    exige prtica com determinadas tcnicas mentais, antes de poder ser evocada para evitar o

    estresse.

    Segundo essa autora, CAUDILL (1998), quem primeiro estudou a resposta de

    relaxamento foi Herbert Benson e seus colaboradores da Harvard Medical School e este

    cientista aps rever muitas obras religiosas e filosficas percebeu que durante sculos a

    humanidade recebeu instrues para suscitar esse reflexo calmante e tambm percebeu que,

    embora muitas tcnicas pudessem evocar essa resposta corporal natural, havia duas etapas

    simples comuns a todas: 1) Focalizar a mente numa frase, palavra, respirao ou ao

    repetitiva. 2) Adotar uma atitude passiva em relao aos pensamentos que atravessam a

    mente.

    Os efeitos fsicos da resposta de relaxamento podem ser divididos em mudanas

    imediatas, (diminuio da presso sangnea, da freqncia cardaca, do ritmo respiratrio e

    do consumo de oxignio) e mudanas a longo prazo, (resposta do corpo adrenalina,

    diminuio da ansiedade e da depresso e melhora na capacidade para lidar com fatores

    estressantes da vida).

    A chave para evocar a resposta de relaxamento a conscincia focalizada. A

    respirao pode ser objeto desse foco. H dois tipos de respirao: a torcica (curta e

    superficial), e a diafragmtica (lenta e profunda). A respirao diafragmtica mais

    completa do que a torcica e pode provocar uma sensao de calma e relaxamento quando

  • 42

    realizada intencionalmente. CAUDILL (1998) descreve trs exerccios para o treino da

    respirao diafragmtica e dois exerccios para o treino da focalizao da ateno na

    respirao. Pontua que focalizar se em sua prpria respirao e respirar

    diafragmticamente, tambm pode ajudar o indivduo a suportar exames desconfortveis.

    Para preparar o paciente para praticar a evocao da resposta de relaxamento a

    autora CAUDILL (1998), enumera as seguintes orientaes:

    Minimizar distraes e ficar confortvel.

    Diminuir ou eliminar temporariamente a tagarelice mental.

    Resolver problemas que possam impedir a prtica das tcnicas da resposta de

    relaxamento como falta de tempo, aumento da percepo da dor, problemas para ficar

    quieto e relaxar, sensaes ou experincias peculiares, convulses, diabetes - insulino

    dependentes, hipertenso.

    As tcnicas para evocar propriamente as respostas de relaxamento so sete,

    divididas pela autora em dois tipos: Bsicas e Avanadas.

    As Bsicas so subdivididas em cinco tcnicas: 1) Usase uma frase ou palavra

    chave. 2) Combinase respirao e imaginao. 3) Relaxamento muscular progressivo. 4)

    Usase o movimento repetitivo, sincronizando - o com a respirao e a mente. 5) Criase

    na mente um lugar seguro, associado paz e conforto.

    As Avanadas so subdivididas em duas tcnicas: 6) Auto Hipnose.

    7) Visualizao.

    Nesse estudo, para estimularmos o Relaxamento Mental utilizamos a tcnica

    nmero dois: Respirao e Imaginao, associada a msicas suaves compatveis com as

    preferncias das pacientes, e como Visualizao de Imagens Mentais utilizamos as

    tcnicas nmero cinco: Lugar de paz e conforto e nmero sete: Visualizao, combinadas e

    adaptadas realidade individual de cada paciente e integradas ao conceito de

    Espiritualidade.

  • 43

    Como mais uma evidncia da inter - relao entre soma e psique existem os

    estudos com placebos. ACHTERBERG (1996) refere-se a este aspecto citando os trabalhos

    de Norman Cousins e afirmando que o que h de mais significativo quanto aos placebos,

    no tanto o veredicto que eles proporcionam sobre a eficcia das novas drogas, mas uma

    prova clara de que aquilo que passa pela mente pode provocar alteraes na qumica do

    corpo. Fatos como esse indicam que os mesmos caminhos e conexes que intervm no uso

    dos placebos podem ser ativados sem eles. O principal ingrediente o sistema de crenas

    dos seres humanos. A confiana na capacidade de mobilizar os prprios recursos uma

    prodigiosa fora em si. O prximo grande avano na evoluo humana pode muito bem ser

    representado pela capacidade dos seres humanos de trabalharem com uma nova

    compreenso da qumica cerebral, de presidirem a si mesmos.

    2.4. VISUALIZAO DE IMAGENS MENTAIS

    JUNG (1986) relata que Paracelso, no sculo XV, tecia consideraes sobre a

    inter relao entre soma e psique.

    Philippus Aureolus Bombast Von Hohenheim, conhecido como Theophrastus Paracelsus,

    nasceu a 10 de novembro de 1493. Aos trinta e oito anos apareceram, em seus escritos,

    mudanas caractersticas. Ao lado do mdico surgiu o filsofo. Na verdade, filosfica no

    bem o termo para esta manifestao espiritual. Talvez fosse melhor cham-la gnstica. A

    enfermidade significava para ele um desenvolvimento natural, algo espiritual, vivo, uma

    semente. Podemos mesmo afirmar que Paracelso encarava a enfermidade como uma

    constituinte prpria e necessria da vida humana e no um odioso corpus alienun como ns a

    entendemos hoje. A medicina moderna no pode mais entender a alma como simples apndice

    do corpo e por isso comea a levar cada vez mais em considerao o assim chamado fator

    psquico. Aproxima-se de certa forma na concepo paraclsica o conceito de matria animada

    pela psique. Como Paracelso foi outrora o pioneiro da cincia mdica, parece-nos que hoje se

    tornou o smbolo de uma importante modificao em nossa concepo sobre a natureza da

    doena e sobre a essncia da vida em si .

    Paracelso afirmava que: Tal como o homem imagina ser, assim ser. Ele aquilo que imagina

    ser. O homem uma oficina de trabalho visvel e invisvel. A oficina visvel o seu corpo, a

    invisvel a imaginao... a imaginao o sol na mente do homem... O esprito o mestre, a

    imaginao o instrumento, e o corpo o material plstico... O poder da imaginao um

    grande fator na medicina. Pode causar doenas... e pode cur-las... Os males do corpo podem

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    ser curados por meio de remdios fsicos ou pelo poder do esprito que age atravs da mente.

    FREUD (1975) por trs dcadas estudou e pesquisou o funcionamento do

    aparelho psquico. Em 1911 classificou o funcionamento do aparelho psquico em

    processos primrios e secundrios. O pensamento primrio o pensamento das

    representaes simblicas, atemporal e que pode conter aspectos de condensao e

    deslocamento no sentido psicanaltico do termo. O pensamento secundrio o consciente,

    racional, comum que obedece s leis habituais da sintaxe e da lgica.

    O pensamento primrio apenas constitui anormalidade quando ocorre, aps a

    primeira infncia, em atividade exclusiva ou predominando sobre o pensamento

    secundrio. O uso do pensamento primrio ocorre na vida cotidiana de forma natural como

    por exemplo, nas Artes Plsticas. (BRENNER, 1987). O pensamento primrio pode, dessa

    forma, ser usado em benefcio do paciente.

    FREUD (1975), em 1923, construiu sua terceira hiptese de aparelho psquico,

    denominada estrutural e que no exclui as anteriores mas sim as complementa. A hiptese

    estrutural formada pelas instncias psquicas Id, Ego e Superego. O Id inconsciente e

    constitudo por energia, basicamente de duas naturezas: a eros ou vida e a tnatos ou

    morte, combinadas em quantidades proporcionais diferentes em cada ser humano e que,

    quando em ao, produzem uma excitao psquica ou tenso que impele o indivduo

    atividade.

    JUNG (1986), em 1948, estudou os conc