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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, jul/set, 1994 339 ARTIGO / ARTICLE A Confiabilidade dos Dados nos Formulários de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), Rio de Janeiro, Brasil Reliability of Data from Authorization Forms for Hospital Admittance, Rio de Janeiro, Brazil Claudia Maria T. Veras 1 Mônica S. Martins 1 VERAS, C. M. T. & MARTINS, M. S. Reliability of Data from Authorization Forms for Hospital Admittance, Rio de Janeiro, Brazil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, Jul/Sep, 1994. This article presents data from a study on quality of information from the data bank on the form used in the Brazilian health care system to authorize hospital admittance (AIH). The form pertains to the Unified Health System (SUS) and is used by hospitals to be reimbursed for the health care provided to patients, with public funds. The AIH data bank is the largest source of information in Brazil on production by hospitals. This study analyzes a sample of forms filled out by private hospitals under contract with the city of Rio de Janeiro in 1986. Study design was based on reliability between interviewers, and agreement was analyzed utilizing the kappa test. Agreement was analyzed between data from AIH forms filled out by administrative personnel and information from medical files for patients, focusing on demographic, administrative, and clinical variables. The first two types of variables were generally more reliable than the third. Reliability for the principal diagnosis was worse than for the prescribed procedure, despite the latter being the reference for unit reimbursement by the Unified Health System. Furthermore, where there was disagreement, hospitals were more likely to adopt a procedure with higher reimbursement value as compared to the data derived from the clinical file. The article proposes measures to improve data quality. Key words: Health Services; Hospital System; Health Evaluation; Planning INTRODUÇÃO Apresenta-se, neste artigo, um estudo da confiabilidade dos dados anotados no formulário de Autorização de Internação Hospitalar (AIH). À época deste estudo os formulários AIH eram documentos preenchidos apenas pelos hospitais privados contratados pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) com a finalidade de obterem reembolso pelos serviços prestados aos pacientes previdenciários. Atualmente, estes formulários constituem-se no documento exigido para o reembolso dos serviços hospitalares prestados pelos hospitais públicos e privados vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados contidos neste documento compõem o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) (ex-Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social - SAMHPS), de âmbito nacional. Este sistema contém informações sobre aproximadamente 15 milhões de internações/ano, sendo uma fonte de dados extremamente relevante para a programação, gerência e avaliação dos serviços hospitalares, além de ser de grande utilidade para a área de investigação em serviços de saúde, para estudos epidemioló- gicos e atividades de vigilância em saúde. 1 Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Rua Leopoldo Bulhões 1480, 7º andar, Rio de Janeiro, RJ, 21041-210, Brasil.

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ARTIGO / ARTICLE

A Confiabilidade dos Dados nos Formulários de Autorização deInternação Hospitalar (AIH), Rio de Janeiro, Brasil

Reliability of Data from Authorization Forms for Hospital Admittance, Rio deJaneiro, Brazil

Claudia Maria T. Veras 1Mônica S. Martins 1

VERAS, C. M. T. & MARTINS, M. S. Reliability of Data from Authorization Forms for Hospital

Admittance, Rio de Janeiro, Brazil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, Jul/Sep, 1994.

This article presents data from a study on quality of information from the data bank on the form used in

the Brazilian health care system to authorize hospital admittance (AIH). The form pertains to the Unified

Health System (SUS) and is used by hospitals to be reimbursed for the health care provided to patients,

with public funds. The AIH data bank is the largest source of information in Brazil on production by

hospitals. This study analyzes a sample of forms filled out by private hospitals under contract with the city

of Rio de Janeiro in 1986. Study design was based on reliability between interviewers, and agreement was

analyzed utilizing the kappa test. Agreement was analyzed between data from AIH forms filled out by

administrative personnel and information from medical files for patients, focusing on demographic,

administrative, and clinical variables. The first two types of variables were generally more reliable than the

third. Reliability for the principal diagnosis was worse than for the prescribed procedure, despite the latter

being the reference for unit reimbursement by the Unified Health System. Furthermore, where there was

disagreement, hospitals were more likely to adopt a procedure with higher reimbursement value as compared

to the data derived from the clinical file. The article proposes measures to improve data quality.

Key words: Health Services; Hospital System; Health Evaluation; Planning

INTRODUÇÃO

Apresenta-se, neste artigo, um estudo daconfiabilidade dos dados anotados noformulário de Autorização de InternaçãoHospitalar (AIH). À época deste estudo osformulários AIH eram documentos preenchidosapenas pelos hospitais privados contratados peloInstituto Nacional de Assistência Médica daPrevidência Social (Inamps) com a finalidadede obterem reembolso pelos serviços prestadosaos pacientes previdenciários. Atualmente, estes

formulários constituem-se no documentoexigido para o reembolso dos serviçoshospitalares prestados pelos hospitais públicose privados vinculados ao Sistema Único deSaúde (SUS). Os dados contidos nestedocumento compõem o Sistema deInformações Hospitalares do Sistema Únicode Saúde (SIH-SUS) (ex-Sistema de AssistênciaMédico-Hospitalar da Previdência Social -SAMHPS), de âmbito nacional. Este sistemacontém informações sobre aproximadamente15 milhões de internações/ano, sendo umafonte de dados extremamente relevante paraa programação, gerência e avaliação dosserviços hospitalares, além de ser de grandeutilidade para a área de investigação emserviços de saúde, para estudos epidemioló-gicos e atividades de vigilância em saúde.

1 Departamento de Administração e Planejamento em

Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Rua

Leopoldo Bulhões 1480, 7º andar, Rio de Janeiro, RJ,

21041-210, Brasil.

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Entretanto, sua utilidade depende da boaqualidade dos dados.

A Qualidade da Informação Médica

As informações hospitalares vêm assumindocrescente relevância para o planejamento, agerência e a pesquisa, impulsionadas pelocrescente desenvolvimento da informática.Países como os Estados Unidos tornarampúblico o acesso às informações hospitalares,como meio de melhor informar o consumidorsobre a qualidade dos serviços.

A tendência de intensificação do uso degrandes bancos de dados sobre a produção deserviços de saúde tem sido acompanhada pormaior preocupação com relação a qualidadedestes dados. Em 1970, o Instituto de Medicinados Estados Unidos (Demlo et al., 1978) realizouum estudo sobre a confiabilidade da informaçãooriginária dos prontuários médicos. Este trabalhodestacou-se por ter sido de âmbito nacional eapontou para a existência de grandes variaçõesna confiabilidade de diferentes itens dos resumosde alta hospitalares. Os dados clínicos(diagnósticos e procedimentos) apresentarammenor confiabilidade do que os dadosdemográficos e administrativos. A confiabilidadedos diagnósticos também variou bastante entresi, e de acordo com o refinamento da codificação,com os diagnósticos com quatro dígitos sendomenos confiáveis que os de três dígitos.

A confiabilidade de um experimento, teste oumedição pode ser definida como a capacidadede não variar os resultados, quando realizadapor diferentes pessoas ou em diferentesmomentos (Almeida-Filho, 1989). No caso dainformação médica a confiabilidade foi definida(Roger, s/d) como a capacidade de reproduzir amesma informação com relação à critériospredefinidos. No caso da informação médicaobtida através dos prontuários médicos, a suaconfiabilidade não informa quanto a veracidadedesta informação. Aponta sim, para a qualidadeda transcrição, da interpretação e da codificaçãodesta informação.

A confiabilidade do diagnóstico principalobservada em diferentes estudos apresentougrande variação, com o percentual de discor-

dância, oscilando bastante com extremos entre42,5% (Demlo et al., 1978) e 5,5% (O'Gorman,1982). No entanto as diferentes abordagensmetodológicas e abrangência de cada estudolimitam a comparação de seus resultados.

Lebrão (Lebrão, 1978) estudando asinformações hospitalares no estado de São dePaulo observou cerca de 30% de discordânciasentre os dados registrados no Boletim CAH -101 (Posteriormente, denominado de BoletimCH - 106) da Secretaria Estadual de Saúde e osdados anotados nos prontuários médicos. Noque diz respeito a variável diagnósticoprincipal o estudo acima identificou dis-cordância em 17,51% dos casos estudados.

Problemas na concordância do diagnósticoprincipal se explicam, em parte, pelacaracterística dessa informação, algumas vezesextremamente subjetiva. Demlo (Demlo &Campbell, 1981) observou que em 6,5% dosprontuários analisados a equipe de pesquisa nãoconseguiu selecionar o diagnóstico principal.Este problema ocorreu, particularmente,naqueles casos com mais de um diagnóstico.De forma geral, a confiabilidade do diagnósticoprincipal tendeu a ser maior nos casos depacientes com um único diagnóstico (73,5% deconcordância) comparativamente aos casos depacientes com múltiplos diagnósticos (54,7%de concordância). O diagnóstico principal édefinido como o diagnóstico que após a alta dopaciente é identificado como o que melhorjustificou aquela internação.

A vinculação da informação clínica (diagnó-sticos e procedimentos) aos mecanismos dereembolso através do mecanismo de pagamento,como o utilizado pelo programa Medicare nosEstados Unidos que tem como unidade depagamento o Diagnosis Related Groups (DRG)ou no Brasil com o reembolso pelo Mecanismode Pagamento Fixo por Procedimento (Veras,1992), pode influenciar a qualidade desta infor-mação. DRG é um sistema de classificação depacientes internados, que agrupa pacienteshomogêneos, segundo o volume de recursos queconsomem durante a sua estadia no hospital(Noronha, 1991). O Mecanismo de Pagamento

Fixo por Procedimento foi implantado em1983 como mecanismo de reembolso do Inampspara remunerar serviços prestados pelos hospi-tais privados contratados de todo o país. A

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Confiabilidade de Dados

partir de 1991 passou a ser adotado comomecanismo de financiamento para os hospitaispúblicos do país, permanecendo até o presentecomo o mecanismo de reembolso para todos osserviços hospitalares com financiamentopúblico. Simborg (Simborg, 1981) chamouatenção para o que denominou de DRG creep,isto é, a alteração deliberada e sistemática noperfil nosológico e de procedimentos do hospitalcom o objetivo de aumentar o reembolso.

Estudos mais recentes (Hsia et al., 1988; Beguiet al., 1989) buscaram analisar a magnitude e otipo de alteração na qualidade da informaçãoclínica gerada pela introdução de unidades depagamento baseadas em dados clínicos. Hsia etal. (1988) realizaram um estudo dirigido paramensurar a ocorrência de erro na codificação dosdiagnósticos que afetavam o reembolso, naqueleshospitais com mecanismos de reembolsobaseados no DRG. Observaram, em média, 20,8%de chance do hospital codificar incorretamentea informação clínica. Observaram também, queaqueles hospitais que apresentaram erro decodificação nos diagnósticos tiveram uma maiorproporção de erros que foram financeiramentefavoráveis ao hospital.

Além da ocorrência de alteração intencionalna codificação dos diagnósticos com o objetivode maximizar o valor de reembolso, a baixaconfiabilidade dos diagnósticos pode resultarde problemas inerentes à ClassificaçãoInternacional de Doenças (CID-9) e,particularmente, das dificuldades em inter-pretar-se as informações no prontuário médico.Estas dificuldades têm várias origens:ilegibilidade das anotações médicas; ausênciade informação e ambigüidade de algumas notasmédicas. Por fim, o grau de aderência às regrasde codificação existentes também tem impactona confiabilidade dos dados clínicos.

O objetivo deste estudo foi avaliar aconfiabilidade dos dados no banco constituídopela coleção de formulários AIH preenchidospelos hospitais privados contratados peloInamps na cidade do Rio de Janeiro em 1986.

A variável clínica anotada no formulário AIHdiretamente ligada ao mecanismo de reembolsoé o procedimento realizado. Esta variávelconstitui-se na unidade de pagamento do Meca-nismo de Pagamento Fixo por Procedimento.

Isto implica em dizer, que manipulação nestainformação pode maximizar os lucros doshospitais. Nesse sentido, além de analisar-se aconfiabilidade desta variável, buscou-setambém avaliar em que medida as discordânciasobservadas favoreceram financeiramente ohospital. Quer dizer, buscou-se analisar aocorrência nas internações dos hospitaisprivados contratados da cidade do Rio deJaneiro, do fenômeno denominado nosEstados Unidos como DRG Creep, discutidoacima.

O estudo objetivou, também, coletar dadosanotados no formulário AIH, mas não digitadosno banco de dados como: o Código deEndereçamento Postal (CEP) da residência dospacientes internados. Buscou-se avaliar afreqüência de diagnósticos secundários nasinternações, a partir dos prontuários médicos,dado a importância dessa informação para adiscriminação da gravidade do doente —variável de confundimento para a análise daqualidade da assistência e do consumo derecursos hospitalares. Por fim, apesar de nãodirigir-se para análise da validade da informaçãonos prontuários médicos, uma primeiraaproximação a esta questão foi realizada, tendocomo referência o diagnóstico principal.

METODOLOGIA

Amostra

O desenho do estudo foi dirigido para a análiseda confiabilidade dos dados do banco constituídopelos dados dos formulários AIH emitidos peloshospitais da cidade e não para analisar a qualidadeda informação de cada hospital.

Partiu-se de uma amostra por conglomeradoestratificada em duas etapas para selecionarhospitais representativos do universo de 29hospitais privados classificados como hospitaisde agudos e contratados pelo Inamps na cidadeem 1986. A primeira etapa do processo amostralconsistiu na seleção de uma amostra de hospitais,sendo a segunda etapa uma amostra aleatória dosformulários AIH (unidade amostral) dos hospitaisamostrados na primeira etapa.

Inicialmente, os hospitais foram classificadoscom relação a um conjunto de características

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representadas por indicadores apresentados naTabela 1. Para efetuar-se a classificação doshospitais utilizou-se o procedimento estatísticode análise dos componentes principais (Normanet al., 1975) — um método de análise fatorial quepermite a transformação de um conjunto devariáveis em um novo conjunto oucomponentes principais que não correlacionam-se entre si. Este método tem a capacidade desimplificar dados originais, representando-ospor meio de um número menor de variáveis doque o inicialmente considerado.

As características dos hospitais privadoscontratados de pacientes agudos variamconsideravelmente. Variam, por exemplo, comrelação à natureza jurídica: privados com finslucrativos e filantrópicos/beneficentes. Contudo,esta variável não apareceu associada a outrascaracterísticas dos hospitais, analisadas nesteestudo, sendo, dessa forma, excluída do processode classificação. A distribuição geográfica doshospitais pelas regiões administrativas da cidademostrou uma concentração nas regiões próximasao centro e na zona norte — áreas da cidade queconcentram populações de média e baixa renda.As regiões com maior concentração depopulação de alta renda como: Copacabana,Ipanema ou Leblon não dispunham de nenhumhospital privado contratado em 1986. Noentanto, não observou-se associação entre rendamédia familiar da população residente e ascaracterísticas do hospital. Isto é, considerandoapenas aquelas regiões administrativas ondeexistia hospital privado contratado (agudo) nãoobservou-se variação significativa entre o nívelde renda e as características do hospital. Dessaforma, a localização geográfica do hospitaltambém foi excluída da análise.

Foram identificados sete componentesprincipais que explicavam 83% da variânciaexistente entre os hospitais. A análisedemonstrou que os hospitais variavam entre siem relação a taxa de mortalidade, especialidades,disponibilidade de leitos de UTI e volume deformulários AIH preenchidos pelo hospital.Observou-se, também, que a disponibilidade deleitos de UTI era inversamente correlacionadacom o número de formulários AIH preenchidospelo hospital, indicando que os hospitais maisbem equipados tendiam a atender um menor

número de pacientes financiados pelo Inamps.No procedimento amostral adotado, os

hospitais foram inicialmente classificados emquatro conglomerados: com relação a suaposição (alta ou baixa) em dois componentesprincipais (fatores) denominados: mortalidadee cuidado intensivo. Subseqüentemente, oshospitais em cada um dos quatro conglomeradosforam classificados com relação a um terceirofator: volume de formulários AIH preenchidospelo hospital que representava o volume deinternações do hospital financiadas peloInamps. Este processo resultou em oitoconglomerados de hospitais. A amostra dehospitais foi obtida a partir da seleção aleatóriade hospitais em cada conglomerado. Comoapenas um terço dos 29 hospitais foramclassificados com sinal positivo no fator volumede formulários AIH preenchidos pelo hospital,a mesma relação foi mantida na amostra. Esseprocesso resultou na seleção de dez hospitaisdentre os quais seis tinham sinal negativo nofator acima e quatro sinal positivo (Tabela 1).

A segunda parte do processo amostralconsistiu na seleção de uma amostra aleatóriade formulários AIH nos dez hospitaisselecionados no primeiro estágio. O tamanhoda amostra foi fixado em 1.934 formulários AIH.Estes foram selecionados proporcionalmenteao volume de formulários AIH preenchidos porcada hospital da amostra.

O tamanho da amostra foi posteriormentejulgado adequado para o estudo. O tamanhomínimo da amostra para avaliar a confiabilidadedos diagnósticos de alta freqüência, como porexemplo Parto Normal, foi calculado em 811formulários. Esta estimativa usou a fórmula doerro padrão da estatística Kappa (k) comintervalo de confiança de 99 por cento com umaprecisão de 0,05. Para diagnósticos de baixafreqüência como por exemplo: Hérnia Inguinal(2,3%) o tamanho mínimo da amostra foicalculado em 1.955 com um intervalo deconfiança de 99% e uma precisão de 0,08.

Medindo a Confiabilidade

O desenho deste estudo foi baseado naconcordância interavaliadores. Buscou-setestar a equivalência dos resultados de

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Confiabilidade de Dados

interpretações independentes — a informaçãoanotada nos formulários AIH e aquelasanotadas nos prontuários médicos. Utilizou-seo teste Kappa (k) que é o procedimentoestatístico adequado para avaliar aconfiabilidade de variáveis categóricas enominais (Cohen, 1960). Kappa é interpretadocomo a proporção de concordância entre duasou mais medidas de n observações, após aexclusão das concordâncias ao acaso. Kappa étambém considerado como um teste adequadopara medir concordâncias, corrigidas pelasconcordâncias ao acaso, pois não aumenta opercentual de discordância nos casos depopulações homogêneas – aquelas com taxaspróximas de 100 ou 0% (Shrout et al., 1987).Compara as diferenças entre as concordânciaobservadas e esperadas até o valor máximopossível desta diferença. Kappa é igual a 1quando existe perfeita concordância(entrevistadores concordam em todos os casos).É igual a 0 quando a concordância observadaequivale aquela esperada ao acaso e é negativaquando a concordância observada é menor doque a esperada ao acaso.

(1)

onde po = proporção de concordância

observada

pc = proporção de concordância esperada

O erro padrão do (k)

(2)

A estatística Kappa parte dos seguintespressupostos:

• Os casos a serem analisados sãoindependentes.

• Os entrevistadores atuam de formaindependente um do outro.

• As categorias analisadas são mutuamenteexclusivas e exaustivas.

Para atender ao critério de independência doscasos, teria-se que excluir do banco de dados asreinternações, o que não foi possível dado aestrutura do banco estudado. No entanto, comonos hospitais estudados cada admissão é anotadaem um prontuário médico diferente,considerou-se que, no caso desta pesquisa, ocritério acima não foi violado.

É preciso destacar-se que o procedimentoamostral por conglomerados gera maior erroamostral do que as amostras aleatórias,implicando maior variância nos casos deamostras que se utilizem do primeiroprocedimento (Blalock Jr., 1985). No entanto, émuito comum, na pesquisa social eepidemiológica, a não utilização de amostrasaleatórias, principalmente, com objetivo desimplificar o trabalho de campo, reduzindo oscustos da investigação. Como aconteceu nesteestudo, a opção pela amostra por conglomeradospossibilitou a diminuição do número dehospitais no estudo, minimizando as di-ficuldades de acesso e reduzindo o tempo detrabalho de campo e seus custos.

Entretanto, a fórmula utilizada para corrigir avariância da estatística Kappa assume que os dadosse baseiam numa amostra aleatória simples.Portanto, deve-se interpretar com cautela osintervalos de confiança obtidos. Isto porque osintervalos reais são maiores do que aquelesobservados nos dados. Como conseqüência, pode-se eventualmente rejeitar a hipótese nulaHo: k = 0 quando esta não deveria ser rejeitada.No entanto, não espera-se neste estudo grandeserros padrão dado o grande tamanho da amostra.Além disso, para obter-se maior rigor no teste dehipóteses, o intervalo de confiança utilizado nestaanálise foi de 99%. Espera-se, assim, que eventuaiserros nas conclusões da pesquisa, introduzidospelo tipo de procedimento amostral utilizado,tenham sido bastante minimizados.

A análise de concordância foi realizada coma utilização do programa CONCORDdesenvolvido por Klein & Coutinho (1988) parauso em microcomputadores. A concordânciafoi medida com uso da estatística Kappa comintervalo de confiança de 99% e testada a partirda hipótese nula H0 : k = 0.

Para a análise do impacto financeiro nasdiscordâncias observadas na variável procedi-

O

O

O

O O

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mento realizado, comparou-se o valor da in-formação retirada do prontuário médico como valor do procedimento realizado anotadopelo hospital no formulário AIH.

Com o objetivo de fazer uma abordageminicial da questão da validade do diagnósticoprincipal nos formulários AIH, introduziu-seno questionário uma pergunta dirigida para aavaliação da entrevistadora (todas profissionaismédicas) da adequação do diagnóstico anotadono prontuário. Esta avaliação baseou-se emcritérios implícitos.

As entrevistadoras foram também solicitadasa pesquisarem no prontuário a existência, emcada internação, de múltiplos diagnósticos.Com esse objetivo, o formulário desenhadopara a pesquisa conteve mais campos (quatro)para diagnósticos secundários (comorbidadese complicações), do que o formulário AIH (umcampo).

Treinamento e Trabalho de Campo

O grupo de entrevistadoras da pesquisa foiconstituído por três profissionais médicas quecoletaram os dados a partir dos prontuáriosmédicos anotando-os em um formuláriodesenvolvido pela pesquisa à semelhança doformulário AIH, com orientações para o seupreenchimento listadas em um instrutivo. Oinstrutivo foi desenvolvido com base noMódulo do Hospital (Inamps/Dataprev, 1993)publicado pelo Inamps para ser utilizado peloshospitais privados contratados como guia parao preenchimento dos formulários AIH. Destaforma, buscou-se orientar o preenchimento dosformulários da pesquisa com os mesmoscritérios usados para o preenchimento dosformulários AIH. Exceção foi introduzida, paraos casos cujo diagnóstico principal anotado noprontuário era: Cicatriz Uterina, SofrimentoFetal ou Distócia. Nestes casos, adotou-secritérios explícitos desenvolvidos com oobjetivo de padronizar a identificação destesdiagnósticos entre os entrevistadores.

O trabalho de campo foi acompanhado poruma supervisora. As entrevistadoras tra-balharam como grupo e não como entre-vistadoras individuais. Foram submetidas a 40horas de treinamento que envolveu:

• Treinamento no uso do instrutivo.• Treinamento no uso da Tabela de Procedi-

mentos (Inamps, 1983) publicada peloInamps e utilizada para a codificação dosprocedimentos.

• Treinamento na coleta de informações doprontuário médico e preenchimento doformulário.

Os dados foram coletados no próprio hospital,após a seleção dos prontuários relativos aosformulários AIH amostrados, seleção estarealizada pela supervisora de campo. Osdiagnósticos eram transcritos diretamente paraos formulários pelas entrevistadoras e,posteriormente, codificados por profissionaisespecializados em codificação de doenças.

Negociando Acesso aos Prontuários dosHospitais

A pequena tradição no Brasil no campo dainvestigação em serviços de saúde, parti-cularmente, na realização de investigações emestabelecimentos do setor privado, implicouum processo de negociação com os hospitaisprivados contratados bastante delicado edemorado. A resposta dos hospitais foi bastantevariada: alguns hospitais colocaram seusarquivos à disposição da pesquisa logo noprimeiro contato e explicitaram interesse pelapesquisa, enquanto outros mantiveram umapostura de desconfiança quanto aos nossosobjetivos, com alguns terminando por nãopermitir acesso aos seus arquivos médicos.

O primeiro contato da equipe de pesquisa comos hospitais foi, na maioria dos casos, com oDiretor Administrativo, quando buscou-seagendar um encontro com o responsável pelosetor de arquivo médico do hospital. A entrevistacom os responsáveis por este setor teve comoobjetivo conhecer a forma de organização dainformação médica nos hospitais, o processo decodificação dos diagnósticos para sua anotaçãonos formulários AIH, além de programar aparticipação do hospital na pesquisa.

Com exceção de dois hospitais, os arquivosmédicos eram organizados em ordem cronoló-gica com base na data de alta dos pacientes. Amaioria dos hospitais mantinham a sua via do

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Confiabilidade de Dados

formulário AIH anexado ao prontuário dopaciente. Portanto, após a identificação doprontuário pela supervisora de campo oformulário AIH era separado do prontuário.

Apenas um dos hospitais analisados adotavaum resumo de alta com as principais informaçõescontidas no prontuário médico. Dessa forma, nagrande parte dos casos, os dados para opreenchimento dos formulários AIH eramretirados diretamente dos prontuários médicospor pessoal administrativo sem treinamentoespecífico. Isto é, a maioria do pessoaladministrativo, envolvido com o preenchimentodos formulários AIH nos hospitais, não haviarecebido um treinamento detalhado para opreenchimento deste formulário, nem para acodificação de diagnósticos. Observou-se namaioria dos hospitais que as funções de manuseioe guarda dos prontuários médicos confundiam-se com as funções dos setores responsáveis pelofaturamento destas unidades. Ou seja, o uso maisrotineiro dos prontuários estava voltado para opagamento e eventual auditoria realizada porsupervisores do Inamps. Outra característicacomum aos hospitais estudados era a inexistênciade um Prontuário Único isto é, prontuários ondea referência é o paciente e não a internação.Portanto, o paciente era registrado como um novocaso a cada internação.

O trabalho de campo durou aproximadamenteum ano, principalmente, devido a dificuldadesenfrentadas no acesso aos hospitais, que serãodiscutidas mais a frente.

Perdas

A taxa de resposta obtida foi de 69%. Portanto,31% dos formulários AIH amostrados foramclassificados como não-respostas — um total de603 observações. Uma causa importante de perdafoi a recusa de hospitais de participarem dapesquisa. No entanto, a tendência foi doshospitais dissimularem esta recusa. Algunshospitais adiaram, sistematicamente, a data doinício da coleta de dados, com argumentosvariados, fazendo com que um período limitetivesse que ser estabelecido, a partir do qual oadiamento passou a ser interpretado pela equipede pesquisa como uma recusa indireta de acesso.

Dois hospitais negaram acesso. Em um

terceiro hospital as perdas foram extremamentealtas (83% da amostra naquele hospital) o que foiinterpretado como uma forma indireta de recusade acesso aos seus prontuários pela equipe depesquisa. Um quarto hospital não foi, inten-cionalmente, visitado pela equipe da pesquisa, poissua participação na amostra era de apenas trêsformulários. Estes quatro hospitais concentraram38,5% das perdas.

Uma grande proporção de perdas (33%) foramde prontuários de um grande hospitalfilantrópico que concentrou um quarto dosprontuários da amostra. A explicação para ogrande número de perdas neste hospital, comonos outros hospitais, são várias: impossibilidadede encontrar-se o prontuário — em alguns casoso próprio hospital informou que o prontuáriohavia extraviado ou que havia sido jogado fora— até a recusa de alguns chefes de enfermariasem dar acesso aos prontuários de seus pacientes.

A taxa de não-resposta foi menor nas ma-ternidades e maior nos grandes hospitais. Asperdas também foram proporcionalmentemaiores naqueles hospitais com sinal negativono fator — volume de formulários AIHpreenchidos pelo hospital. Isto é, aqueleshospitais que atendem a um maior número depacientes financiados pelo Inamps foramresponsáveis por uma menor proporção deperdas (Tabela 1).

As características das respostas e dasnãorespostas foram comparadas, usando-se asinformações disponíveis no banco de dados deformulários AIH. Observou-se marcadas dife-renças entre os dois grupos, apresentadas naTabela 2. As observações classificadas como não-respostas concentraram um maior percentual deformulários AIH com procedimentos clínicos; ataxa de mortalidade hospitalar desses pacientesfoi um pouco maior e o número de altas por partonesse grupo foi bem menor. Dentre o grupo denão-respostas (perdas) houve também uma sobre-representação de formulários AIH de pacientescom diagnóstico principal Varizes das Extre-midades Inferiores CID-9 454.9. Vale ressaltar, queem outro estudo com base neste mesmo banco dedados, observou-se freqüências pouco usuais deatendimentos com o diagnóstico acima,levantando-se a suspeita de fraude (Veras, 1992).

Pelo exposto acima, tem-se como hipótese

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TABELA 1. Número de Formulários AIH Amostrados e Freqüência de Não-Respostas por Hospital

Código do Hospital Formulário AIH Não-Respostas

1 AM

2 MI

3 MJ

4 MP

5 IB

6 SC

7 PB

8 BS

9 HE

10 VT

137

448

228

330

31

513

122

39

83

03

02

85

07

82

01

200

101

39

83

03

Total 1934 603

TABELA 2.Distribuição de Freqüência de Algumas Variáveis do Formulário AIH

para Respostas e Não-Respostas

Respostas Não-Respostas

Idade Média Mediana

40 34

45 44

Sexo Homens (por cento) Mulheres (por cento)

33,8 66,2

38,1 61,9

Total 1331 603

Tipo de Admissão Eletiva (por cento) Não Eletiva (por cento)

11,3 88,7

16,4 83,6

Total 1331 603

Tipo de Alta Alta (por cento) Permanência (por cento) Transferência (por cento) Óbito (por cento)

93,2 0,7 1,9 4,3

93,2 0,2 1,0 5,6

Total 1331 603

Tipo de Procedimento Realizado Cirúrgico (por cento) Clínico (por cento)

61,4 38,6

48,9 51,1

Total 1331 603

Procedimentos Realizados Parto Normal (por cento) Cesariana (por cento) Insuficiência Cardíaca Congestiva - Adulto (por cento) Acidente Vascular Cerebral (por cento) Curetagem Pós-Aborto (por cento) Crise Hipertensiva (por cento) Herniorrafia Inguinal Unilateral (por cento) Pneumonia Não-Especificada (por cento) Tratamento Cirúrgico para Fratura do Colo do Fêmur (por cento) Diabetes (por cento) Varizes - um membro inferior (por cento) Varizes - dois membros inferiores (por cento)

24,7 6,9 5,8 4,8 2,9 2,6 2,0 2,0 1,4 1,3 0,1 0,2

11,6 3,0 6,5 3,5 3,0 1,7 1,5 2,2 0,5 1,8 5,1 3,3

Total 1331 603

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Confiabilidade de Dados

que a confiabilidade nas perdas seria menor doque a confiabilidade verificada no grupo deformulários analisados. Como conseqüência,a confiabilidade verificada neste estudo seriamaior do que a confiabilidade verdadeira.

RESULTADOS

Local de Moradia

Indicadores de uso de serviços de saúde sópodem ser referidos a uma população quandoo local de moradia dos usuários é conhecido.Além do mais, o local de moradia dos usuáriosdos serviços é um dado fundamental para aanálise do fluxo de pacientes entre municípiose distritos sanitários, informação importantepara o planejamento/programação da oferta deserviços de saúde e para a alocação de recursosfinanceiros.

Observou-se neste estudo que a grandemaioria dos pacientes admitidos nos hospitaisprivados contratados – 81,5% – residiam nacidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, agrande maioria dos pacientes não-residentes,residiam nos municípios que compõem a Re-gião Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 10,6%dos prontuários médicos analisados não haviaanotação do endereço do paciente.

A confiabilidade da variável local de mora-dia - Código de Endereçamento Postal (CEP) -não pode ser medida pois esta informação não

estava presente no banco de dados por não estarsendo digitada.

Confiabilidade das Variáveis Idade e Sexo

A confiabilidade das variáveis idade e sexo foijulgada alta (Tabela 3). Estes resultados estão deacordo com aqueles obtidos por Lebrão (1978).Vale ressaltar, no entanto, que em 259 prontuáriosnão havia informação sobre a data denascimento, impedindo, assim, o cálculo da idadedesses pacientes. A ausência desta informação deimportância tanto para a avaliação clínica comoepidemiológica é de per se um indicador da baixaqualidade do prontuário médico.

Confiabilidade das Variáveis de Processo

Confiabilidade da variável Tipo de Admis-são foi julgada como insatisfatória (Tabela 3),limitando o seu uso tanto para a pesquisa comopara o planejamento. Entretanto, a variávelTempo de Permanência apresentou boa con-fiabilidade. A confiabilidade desta variável foimelhor do que aquela obtida pelo estudo reali-zado em 1974 com base nas informações pro-duzidas pelos hospitais da cidade de São Paulo(Lebrão, 1978). Uma melhoria na qualidade destainformação pode ter sido influenciada pelo novomecanismo de pagamento introduzido no paísem 1983. O tempo de permanência do doente nohospital é um elemento da produção de serviçosinfluenciado diretamente por esta nova lógicade reembolso (Veras, 1992).

TABELA 3. Índices de Concordância (k) para Variáveis Demográficas e Administrativasno Formulário AIH

Kappa (k) 99% Intervalo de Confiança

Grupo Etário

Sexo

Tipo de Admissão

Tempo de Permanência

Cirurgião Principal

Primeiro Auxiliar Cirúrgico

Segundo Auxiliar Cirúrgico

Anestesista

Consultas

0,973

0,993

0,410

0,904

0,889

0,524

0,195

0,694

0,284

0,93 — 1,00

0,92 — 1,00

0,34 — 0,48

0,87 — 0,93

0,82 — 0,95

0,46 — 0,59

0,13 — 0,25

0,62 — 0,76

0,26 — 0,31

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Veras, C. M. T. & Martins, M. S.

Serviços Profissionais

No Mecanismo de Pagamento Fixo porProcedimento é exigido, para fins de pagamen-to, a identificação, no formulário AIH, dosprofissionais que compuseram a equipe cirúr-gica nos casos de procedimentos cirúrgicosrealizados por profissionais sem vínculo empre-gatício com o hospital. Existem, também,normas que estabelecem a composição mínimadas equipes cirúrgicas para cada grupo deprocedimentos. Entretanto, a confiabilidadeobservada para as variáveis relativas à com-posição da equipe cirúrgica tendeu a ser baixa(Tabela 3).

A confiabilidade da variável presença docirurgião principal foi maior do que a con-fiabilidade das variáveis relativas à presençados cirurgiões auxiliares. Observou-se umamaior freqüência de anotação da presença doscirurgiões auxiliares nos formulários AIH doque nos prontuários médicos. Este resultadopode estar indicando que o Inamps estavareembolsando médicos por serviços que nãoforam prestados, apesar das normas de boaprática adotadas exigirem a prestação destesserviços, com objetivo de resguardar a qualida-de da assistência prestada aos pacientes.

Tendência oposta foi observada com relaçãoaos anestesistas que apresentaram maior fre-qüência de anotação de sua presença na equipecirúrgica nos prontuários médicos com-parativamente à freqüência observada nosformulários AIH. A explicação desse padrão nãotransparece de imediato, já que a anotação dessainformação no formulário AIH é condiçãonecessária para o reembolso deste profissional.

O que parece explicar esse fato, é a práticaadotada por muitos anestesistas de cobrar osserviços prestados diretamente do paciente, combase na Tabela de Procedimentos da AssociaçãoMédica Brasileira (AMB) que remunera melhordo que a Tabela de Procedimentos do Inamps(Comunicação Pessoal). A ausência de anotaçãodeste ato no prontuário seria intencional, deforma a evitar duplo faturamento. Apesar daausência de anotação no formulário do profis-sional responsável pelo ato anestésico e acobrança dos serviços profissionais diretamentedo paciente ferirem as normas do Inamps, estastêm sido prática rotineira dentre os anestesistas.

A confiabilidade da variável número deconsultas médicas durante a internação tam-bém foi bastante baixa (Tabela 3). Esta altadiscordância explica-se basicamente pela ten-dência dos hospitais em não anotarem nosformulários essa informação, pois o reembolsodas consultas médicas é realizado independen-temente do anotado. Isto é, os hospitais sãoreembolsados uma consulta médica por dia,independentemente do que está escrito noformulário. Exceção a esta regra ocorre, somen-te, naqueles casos de consultas especializadas.

A confiabilidade da informação sobre osServiços Auxiliares de Diagnóstico e Terapia(SADT) mostrou-se no geral baixa. Esta é umainformação bastante objetiva (realização ou nãode determinados exames) e, portanto, passívelde concordância entre as fontes analisadas. Asexceções foram os seguintes exames: PatologiaClínica, Radiologia e Eletroencefalograma ouEletrocardiograma que apresentaram melhoríndice de concordância (Tabela 4). Esta aná-lise considerou apenas se a informação estava

TABELA 4. Índices de Concordância (k) para Serviços Auxiliares de Diagnósticos e Terapia(SADT) nos Formulários AIH

Kappa (k) 99% Intervalo de Confiança

Anatomia Patológica

Ventilação

Fisioterapia

Hemoterapia

Nebulização

Patologia Clínica

Radioterapia

Eletrocardiograma e Eletroencefalograma

0,516

0,437

0,216

0,671

0,151

0,914

0,814

0,777

0,45 — 0,58

0,38 — 0,51

0,15 — 0,27

0,60 — 0,74

0,14 — 0,18

0,84 — 0,98

0,74 — 0,88

0,71 — 0,85

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Confiabilidade de Dados

escrita em cada uma das fontes analisadas, nãolevando em conta o número de vezes que cadatipo de exame foi realizado em cada internação.Isto sugere que, no conjunto, a qualidade dainformação sobre os SADT é melhor paraaqueles serviços que apresentaram alta con-fiabilidade neste estudo. A confiabilidade dosexames: Cardioversão e Medicina Nuclear nãopode ser medida devido a ausência destesprocedimentos na amostra.

Confiabilidade das Variáveis Clínicas

Diagnóstico

Seguindo o padrão descrito por outros estudos,observou-se que a confiabilidade, para osdiagnósticos com alta freqüência no banco dedados, tendeu a ser mais alta quando analisadacom base em diagnósticos codificados commaior nível de agregação (três dígitos) do quecom menor nível de agregação (quatro dígitos)— ver Tabela 5 e 6. Os diagnósticos, codifica-dos com quatro dígitos, com base na Clas-sificação Internacional de Doenças - CID 9(OMS, 1975), apresentaram um k = 0,72 ediagnósticos codificados com três dígitos apre-sentaram um k = 0,82.

No estudo realizado por Maria Lúcia Lebrão(1978) o nível de concordância observado paraos diagnósticos foi de 82,5% para codificaçãoem três dígitos, o que pode ser considerado umresultado próximo ao obtido por esse estudo.Entretanto, os resultados dessas investigaçõesnão podem ser diretamente comparados,devido a diferenças metodológicas.

As medidas de confiabilidade variaram muitoentre os diagnósticos com alta freqüência nobanco de dados: a confiabilidade foi julgada

alta para Parto Completamente Normal CID-9650.9 e para Hérnia Inguinal sem Menção deObstrução ou Gangrena CID-9 550.9 e foi julgadamoderada para os diagnósticos — InsuficiênciaCardíaca Congestiva CID-9 428.0 e DoençasCerebrovasculares Aguda Mal Definida CID-9436.9. Entretanto, para Obstrução Causada porMá Posição do Feto no início do Trabalho deParto CID-9 660.1; Pneumonia Bacteriana Não-Especificada CID-9 482.9; Diabetes Mellituscom Complicações Não-Especificadas CID-9250.9 e Fratura do Colo do Fêmur Parte Não-Especificada, Fechada CID-9 820.8 os índicesde concordância observados não foramconsiderados diferentes daqueles que poderiamter sido obtidos ao acaso (Tabela 6).

A ausência de concordância no caso dePneumonia Bacteriana refletiu principalmentediscrepâncias em nível da identificação doagente etiológico. Isto é, nos prontuários médi-cos com diagnóstico principal de Pneumoniaa pesquisa tendeu a codificar este diagnósticocomo Pneumonia Devido a Microorganismonão Especificado CID-9 486.9, enquanto nosformulários AIH a tendência foi de codificá-loscomo Pneumonia Bacteriana Não-EspecificadaCID-9 482.9.

Já, no caso do diagnóstico principal DiabetesMellitus e Fratura do Colo de Fêmur, a con-fiabilidade foi maior para as categorias com trêsdígitos do que aquelas com quatro dígitos,indicando que as discordâncias se deramprincipalmente em nível da especificação dadoença (Tabela 6).

Observou-se que os diagnósticos anotados nosformulários AIH são freqüentemente codificadosnos dígitos 8 ou 9, considerados como classificaçõesinespecíficas e residuais para a categoria diagnós-tica, denotando a pouca precisão obtida no pro-cesso de codificação desta variável.

TABELA 5. Índices de Concordância (k) para as Variáveis Clínicas nos Formulários AIH

Kappa (k) 99% Intervalo de Confiança

Diagnóstico Principal

Quatro Dígitos

Diagnóstico Principal

Três Dígitos

Procedimentos Clínicos

Procedimentos Cirúrgicos

0,720

0,811

0,741

0,943

0,679 — 0,761

0,772 — 0,849

0,687 — 0,795

0,894 — 0,992

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350 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, jul/set, 1994

Veras, C. M. T. & Martins, M. S.

Kappa (k) 99% Intervalo de Confiança

Parto Normal (CID-9 650.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,892

0,892

0,822 — 0,962

0,822 — 0,962

Insuficiência Cardíaca Congestiva (CID-9 428.0)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,905

0,793

0,835 — 0,974

0,723 — 0,863

Doença Cerebrovascular Aguda (CID-9.436.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,787

0,717 — 0,857

Trabalho de Parto Obstruído (CID-9 660)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,000

0,000

Fratura de Colo de Fêmur (CID-9 820.8)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,8798

0,000

0,810 — 0,949

Hipertensão Essencial (CID-9.401.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,725

0,736

0,655 — 0,821

0,666 — 0,806

Hérnia Inguinal (CID-9.550.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,970

0,919

0,899 — 1,000

0,849 — 0,989

Pneumonia Bacteriana (CID-9.482.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,000

0,000

Diabetes Mellitus (CID-9.250.9)

Três dígitos

Quatro dígitos

0,775

0,000

0,705 — 0,844

Por fim, a ausência de concordância paraObstrução Causada por Má Posição do Feto noinício do Trabalho de Parto CID-9 660.1, umacategoria diagnóstica fortemente associada arealização de cesariana, questiona a adequaçãoda indicação de parto cirúrgico para as pacien-tes classificadas nos formulários AIH no diag-nóstico acima. Vale lembrar que nesta pesquisa,no caso do diagnóstico Obstrução do Trabalhode Parto, foi desenvolvido critério explícito paraa sua identificação. O critério utilizado exigia,para o estabelecimento do diagnóstico de Traba-lho de Parto Obstruído, a anotação no pron-tuário médico do resultado do exame (manual,RX ou ultrassonografia) que indicasse a existên-cia de desproporção de origem materna ou fetal.

Na grande maioria (98,5%) dos prontuáriosmédicos analisados havia um diagnóstico princi-

pal anotado, sendo que em 85,4% destes a equipeda pesquisa avaliou esse diagnóstico como sendocorreto. Nos casos que não houve concordânciacom o diagnóstico escrito no prontuário, arazão principal apontada pelas entrevistadoraspara justificar essa discordância foi a ausênciade compatibilidade entre as informaçõesclínicas e o diagnóstico principal anotados noprontuário.

A análise da freqüência de múltiplos diag-nósticos (comorbidades e complicações) de-monstrou que a anotação do diagnóstico secun-dário no formulário AIH é bastante incompleta.Observou-se a anotação de algum diagnósticosecundário em apenas 1,9% dos formuláriosAIH amostrados, enquanto nos prontuáriosrelativos a essas internações, verificou-se aexistência de pelo menos um diagnóstico secun-

TABELA 6. Índices de Concordância (k) para Alguns Diagnósticos Selecionados

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Confiabilidade de Dados

dário em 42,4% destes. Observou-se, também,em 11,7% dos prontuários, a ocorrência de pelomenos quatro diagnósticos secundários.

Procedimentos Realizados

A confiabilidade dos procedimentosrealizados, dentre aqueles mais freqüentes nobanco de dados, foi alta (k = 0,907), maior doque a confiabilidade verificada para osdiagnósticos principais mais freqüentes,codificados com quatro dígitos. Observou-se,também, um maior k para os procedimentoscirúrgicos comparativamente aos proce-dimentos clínicos - o que reflete a menorsubjetividade da informação cirúrgica (verTabela 5).

A análise do impacto das discordâncias (341observações) no reembolso dos hospitais apon-tou para a ocorrência, com uma freqüênciaconsiderada alta, de discordâncias que resultamno aumento deste valor em favor do hospital(Figura 1). Isto é, em 31% das discordâncias oprocedimento identificado pelo hospital tinhavalor de pagamento superior ao procedimentoidentificado pela pesquisa. Já, em 29% dasdiscordâncias, o hospital e a pesquisa identifica-ram diferentes códigos de procedimento para asaltas hospitalares que tinham, no entanto, mes-mo valor de pagamento. Essas últimas foramconsideradas discordâncias menores. Em 20%das discordâncias, o procedimento identificadopelo hospital tinha valor de reembolso menordo que o procedimento identificado pela pes-

quisa e em 20%, não pode-se proceder a análisepor razões diversas, como ausência de infor-mação.

Confiabilidade das Variáveis de Resultado

Dentre as variáveis rotineiramente presentesnas estatísticas hospitalares, o óbito é a variávelmais freqüentemente utilizada para avaliaçãodo resultado (outcome) da assistência prestada.Tanto o óbito hospitalar como a ocorrência detransferência do paciente para outro hospitalforam variáveis de resultado da assistência cujaconfiabilidade foi considerada alta (Tabela 7).No entanto, é necessário destacar que 55 obser-vações foram excluídas desta análise por faltade informação nos prontuários médicos sobreo desenlace da internação.

Já, a variável óbito no recém-nato apresen-tou baixa confiabilidade: os entrevistadores dapesquisa identificaram, com base nos pron-tuários médicos, maior freqüência de óbitos emrecém-natos do que aquela medida com basenas informações anotadas nos formuláriosAIH. Este resultado vai implicar distorções nocálculo da mortalidade perinatal que vai variarentre as fontes, sendo menor quando baseadanos dados do formulário AIH. Já a confiabili-dade da variável nascido vivo, outro com-ponente para o cálculo da taxa de mortalidadeperinatal foi alta (k = 0,99). No cálculo destataxa, com base nos dados da AIH, os óbitos dorecém-nato referem-se àqueles ocorridos nohospital no período entre o nascimento e oóbito.

FIGURA 1. Nível de Concordância da Variável Procedimento Realizado e Impacto dasDiscordâncias no Valor do Reembolso

Concordâncias74.4%

Comparação entreEntrevistadores

Efeito de Discordânciano Reembolso

Discordâncias25.6%

Maior Valor31%

Desconhecido20%

Sem Impacto29%

Menor Valor20%

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Veras, C. M. T. & Martins, M. S.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que a qualidade dos dadosnos formulários AIH preenchidos pelos hospitaisprivados contratados de pacientes agudos da cidadedo Rio de Janeiro no ano de 1986 variou bastanteentre variáveis. Dentre as variáveis administrativase demográficas: sexo, idade e tempo de permanênciaapresentaram alta confiabilidade. Os erros existentesforam, provavelmente, resultado de problemasmenores ocorridos durante a transcrição dos dados.Entretanto, a confiabilidade da variável tipo de ad-missão foi baixa, restringindo a sua utilização comoinformação para avaliação da produção hospitalar.

A confiabilidade para as variáveis relacionadascom a composição da equipe cirúrgica também foibaixa. Estas são variáveis diretamente relacionadascom o pagamento dos serviços profissionais.Segundo a lógica do Mecanismo de PagamentoFixo por Procedimento, na medida em que aumentao número de profissionais médicos envolvidos emcada internação, particularmente no caso de inter-nações classificadas em procedimentos cirúrgicos,maior é a chance de cada profissional receber ummenor valor de reembolso pelos serviços prestados.Com o objetivo de prevenir reduções inaceitáveisna composição das equipes cirúrgicas, com impactonegativo sobre a qualidade da assistência, foramdefinidas normas que indicam a composiçãomínima das equipes cirúrgicas para cada grupo deprocedimentos. No entanto, parece que ocumprimento dessa norma não estava sendochecado regularmente. Este estudo apontou parauma maior freqüência de cirurgiões nos dadosanotados nos formulários AIH do que nos dadosanotados nos prontuários médicos, sugerindo quealguns hospitais anotavam informação noformulário com objetivo de reembolso, sem terprestado o serviço ao paciente. Situação inversa foiobservada com os anestesistas, já que a anotaçãoreferente a participação destes profissionais naequipe cirúrgica apresentou maior freqüência nos

prontuários do que nos formulários. Como jádiscutido anteriormente, esse padrão prova-velmente resulta da prática adotada pelos anes-tesistas de cobrarem valores acima da tabeladiretamente dos pacientes: para evitar duplofaturamento, seus nomes não aparecem nosformulários. Esse último fato, também, aponta paraausência de crítica de dados dirigida para omonitoramento de práticas ilegais, já que a cobrançadireta ao paciente é proibida.

Com relação às variáveis clínicas, observou-segrande variabilidade na confiabilidade. De modogeral, os Serviços Auxiliares Diagnósticos eTerapêuticos (SADT) apresentaram baixaconfiabilidade. Entretanto, a confiabilidade destainformação pode ser melhorada, tendo comoparâmetro a melhor confiabilidade observada paraalguns serviços diagnósticos tais como: PatologiaClínica e Radiologia. Por outro lado, observou-seuma maior freqüência de SADT nos formuláriosAIH do que nos prontuários, sugerindo que nemtodos os serviços anotados nos formulários foramefetivamente realizados. Isto pode resultar da práticade anotar informações padronizadas nos formulá-rios de pacientes classificados em um mesmoprocedimento realizado, independentemente deverificação dos serviços efetivamente prestados. Taisdesvios só poderão ser corrigidos com um sistemade crítica da informação prestada pelos hospitais,com posterior análise mais detalhada das distorçõesobservadas.

A confiabilidade do diagnóstico principalobservado nesse estudo foi similar àquela obser-vada pelo estudo (Lebrão, 1978) realizado emSão Paulo na década de 1970, apontando quepouco foi feito no país, no período entre estesdois estudos, que tenha tido impacto na melhoriada qualidade da informação diagnóstica. Osresultados indicam que os estudos de qualidadeda assistência médica e de morbidade baseadosnesses dados devem se concentrar em categoriasdiagnósticas mais agregadas: diagnósticos com

K appa (k) 99% Intervalo de C onfiança

Ó b ito

Transferência

Nascido M orto

Ó b ito (recém -nato)

0,973

0,833

0,932

0,639

0 ,903 — 1 ,000

0 ,763 — 0 ,903

0 ,862 — 1 ,000

0 ,572 — 0 ,706

TABELA 7. Índices de Concordância (k) para Variáveis de Resultados Presentes no Formulário AIH

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Confiabilidade de Dados

três dígitos apresentaram maior confiabilidadedo que os diagnósticos com quatro dígitos. Estesresultados se aplicam aos diagnósticos maisfreqüentes nos hospitais privados contratadosda cidade do Rio de Janeiro em 1986.

Por outro lado, a confiabilidade variou de for-ma importante entre diagnósticos, com algunsdiagnósticos apresentando maiores problemas.Por exemplo, a concordância foi zero no caso deTrabalho de Parto Obstruído CID-9 660,levantando óbvias dúvidas quanto a adequação daindicação do procedimento mais associado a estesdiagnósticos: a cesariana.

Considera-se que os maiores problemas asso-ciados com a qualidade da informação diagnósticadiz respeito aos processos de anotação, coleta ecodificação desta informação. A maioria doshospitais estudados não dispunham de umformulário do tipo sumário de alta para anotaçãodas informações básicas sobre a internação. No casodos hospitais analisados neste estudo, os dados parao preenchimento dos formulários AIH eram re-tirados diretamente dos prontuários por umprofissional administrativo. Com grande freqüência,esses prontuários continham informação ilegível,incompleta e imprecisa, dificultando a correta trans-crição da informação. O processo de codificaçãodos diagnósticos também era realizado, na maioriados casos, por pessoal administrativo sem nenhumtreinamento para esta atividade. Além do mais, abase de classificação adotada pelo Inamps é umresumo da Classificação Internacional de Doenças(CID-9) publicada pela Organização Mundial deSaúde (OMS), que omite os termos de inclusão e deexclusão para cada categoria diagnóstica,aumentando assim as chances de classificaçõeserradas ou maldefinidas.

Observou-se que, em parte, as discordânciaspodem resultar de erro médico na identificação dodiagnóstico principal: os médicos entrevistadoresda pesquisa tenderam a discordar com cerca de 14%dos diagnósticos anotados nos prontuários.

Um outro problema sério identificado nainformação diagnóstica foi a baixíssima freqüênciade anotação do diagnóstico secundário, limitandoo uso desses dados para avaliação da ocorrência demúltiplos diagnósticos, dado a enorme freqüênciade falsos negativos. Os sumários de alta e os sistemasde informações hospitalares deveriam não só teralta taxa de preenchimento do diagnóstico

secundário, como os campos destinados para ascomorbidades e complicações deveriam serampliados para quatro ou cinco, de forma a permitiruma análise mais refinada dos tipos de pacientesque o hospital atende; discriminando doentes porníveis de gravidade e permitindo a classificação dasinternações em grupos de pacientes homogêneos— todas estas informações de absoluta relevânciapara programação e gerência dos serviços, avaliaçãode qualidade e análise de custos hospitalares.

A confiabilidade da variável procedimentorealizado foi considerada alta, apesar destaconstituir a unidade de pagamento do Mecanismode Pagamento Fixo por Procedimento, isto é, de seruma variável que define os valores de reembolsodos hospitais. Apesar deste resultado favorável,observou-se que nos casos de discordâncias queenvolveram procedimentos com valores dereembolso diferentes, a probabilidade maior foi dohospital classificar a internação em procedimentosde maior valor comparativamente ao procedimentoanotado pelo entrevistador da pesquisa. Apossibilidade de manipulação da informação comobjetivos de maximização do valor do reembolsoaponta para necessidade de medidas mais efetivasde controle.

Por fim, dentre as variáveis de resultado, óbito etransferência apresentaram alta confiabilidade emorte perinatal apresentou baixa confiabilidade. Abaixa confiabilidade das mortes perinatais resultarãoem taxas de mortalidade perinatal hospitalarsubestimadas.

No geral, considera-se que os resultados obtidospor este estudo indicam que a qualidade dasinformações disponíveis no banco de dadosconstituído pelos dados anotados nos formuláriosAIH era, de alguma forma, melhor do que a qua-lidade corriqueiramente imputada a esse banco dedados. Entretanto, problemas sérios de qualidadeexistem que inviabilizam o uso de algumas variáveise restringem o uso de outras, indicando a ne-cessidade de implementação de medidas dirigidaspara o seu aprimoramento, tais como: melhoria daqualidade no preenchimento dos prontuáriosmédicos; introdução de sumários de altaestruturados para alimentar os sistemas de in-formações dos hospitais; clara atribuição deresponsabilidades pelas informações produzidas— o médico assistente deveria preencher osumário de alta e assumir a responsabilidade

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Veras, C. M. T. & Martins, M. S.

pela informação anotada, como ocorre em outrospaíses; treinamento de pessoal para codificação dediagnósticos; utilização da versão original daClassificação Internacional de Doenças da OMSem substituição à versão resumida publicada peloInamps e introdução de novos e efetivosmecanismos de monitoramento da qualidade dosdados fornecidos pelos hospitais. Sugere-se tambéma introdução de um Prontuário Único nos hospi-tais que poderá impactar positivamente noacompanhamento clínico do paciente como para apesquisa. Possibilitaria, também, o controle de duplofaturamento, prática conhecida e destacada poralguns autores (Gay & Kronenfeld, 1990), utilizadapelos serviços para contornar a remuneraçãoinsuficiente ou, simplesmente, aumentar o valor deseu reembolso.

Por fim, vale ressaltar que em alguns problemasde saúde e/ou procedimentos não identificou-secódigo adequado na Tabela de Procedimentos, fatoque por si só aponta para a importância de rever-seeste documento. No caso da amostra de formuláriosAIH estudada observou-se os seguintes problemase procedimentos para os quais não identificou-seum código na Tabela de Procedimentos: Retiradade Prótese, Curetagem Pós-Parto, Isquemia Cere-bral Transitória, Curetagem, Glaucoma e HanseníaseTuberculóide. Na realidade, as mudanças freqüentesna prática médica, como resultado de novosconhecimentos e inovações tecnológicas, indicama necessidade de revisões periódicas nesta tabela.

As recomendações acima se fazem necessáriastanto para evitar-se gastos desnecessários noreembolso dos hospitais financiados por dinheiropúblico, como para permitir que usuários, gerentes,provedores de serviços e pesquisadores disponhamde uma fonte de informações confiável comoinstrumento para a melhoria da eficiência e daqualidade dos serviços prestados à população.

AGRADECIMENTOS

Esta investigação recebeu apoio financeiro daOrganização Panamericana da Saúde/Organiza-ção Mundial da Saúde. Os resultados apresen-tados e as opiniões apresentadas neste artigo sãode responsabilidade unicamente das autoras.Gostaríamos, também, de agradecer à Profa. CéliaLandman pelo apoio dado na análise estatística e

às médicas Nair Navarro de Miranda, CarlaSimone D. de Gouveia e Georgina Sarantakospela importante contribuição dada durante otrabalho de campo e na interpretação de algunsresultados e ao pesquisador Iuri da Costa Leitepela colaboração no processamento dos dados.

RESUMO

VERAS, C. M. T. & MARTINS, M. S. AConfiabilidade dos Dados nos Formuláriosde Autorização de Internação Hospitalar(AIH), Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Públ.,Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, jul/set, 1994.

Apresenta-se neste artigo um estudo sobre aqualidade das informações contidas no bancoconstituído por dados dos formulários deAutorização Hospitalar (AIH). O formulárioAIH é um documento do Sistema Único deSaúde (SUS) preenchido pelos hospitais parareembolso da assistência prestada aospacientes financiados com recursos públicos.O banco gerado por dados dos formuláriosAIH representa a maior fonte de informaçãodo país sobre a produção hospitalar. Nestetrabalho analisou-se uma amostra deformulários AIH preenchidos pelos hospitaisprivados contratados da cidade do Rio deJaneiro em 1986. O desenho do estudobaseou-se na confiabilidade entreentrevistadores e na análise de concordânciautilizou-se o teste Kappa. A concordânciaentre os dados anotados nos formulários AIHpelos funcionários administrativos doshospitais e as informações contidas nosprontuários médicos foi medida para variáveisdemográficas, administrativas e clínicas. Deforma geral, as duas primeiras classes devariáveis apresentaram melhor confiabilidadedo que a terceira. A confiabilidade dodiagnóstico principal foi pior do que aconfiabilidade do procedimento realizado,apesar desta última ser a unidade depagamento do mecanismo de reembolsoadotado pelo SUS. Entretanto, nos casos dediscordância, observou-se uma maior chancedo hospital anotar um procedimento comvalor de reembolso maior do que aquele

Page 17: Reliability of Data from Authorization Forms for Hospital ... · Médico-Hospitalar da Previdência Social - SAMHPS), de âmbito nacional. Este sistema contém informações sobre

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 339-355, jul/set, 1994 355

Confiabilidade de Dados

identificado a partir dos dados anotados noprontuário médico. Medidas para oaprimoramento da qualidade dos dados foramsugeridas.

Palavras-Chave: Serviços de Saúde; SistemaHospitalar; Avaliação em Saúde; Planejamento

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