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1ª EdiçãoDo 1º ao 5º milheiro

Criação da capa: Objectiva ComunicaçãoDireção de arte: Gabriela Diaz

Revisão: Maria Angélica de MattosRevisão de conteúdo: Silzen Furtado

Editor: Gustavo MetidieriDiagramação: Joseh Caldas

© Copyright 2007 byFundação Lar Harmonia

Rua Dep. Paulo Jackson, 560 – Piatã41650-020 – Salvador – Bahia – Brasil

[email protected](71) 3375-1570 e 3286-7796

Impresso no Brasil

ISBN 978-85-86492-24-2

Todo o produto da venda desta obra é destinado às obrassociais da Fundação Lar Harmonia

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Adenáuer Novaes

CNPJ (MF) 00.405.171/0001-09Rua Dep. Paulo Jackson, 560 – Piatã

41650-020 – Salvador – Bahia – Brasil2007

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Novaes, AdenáuerReligião Pessoal – Salvador. Fundação

Lar Harmonia, 11/2007.

240 p.

1. Espiritismo. I. Novaes, Adenáuer,1955. – II. Título

CDD – 139.9

Índice para catálogo sistemático:1. Espiritismo 139.92. Psicologia 154.63. Psicologia da religião 200.1

CIP – Brasil. Catalogação na PublicaçãoCâmara Brasileira do Livro, SP.

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A Jesus,ser humano e mestre.

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UpanishadesQuando o homem sábio reconhece o Atman, o Eu, a vida

interior e, como uma abelha, goza a doçura das flores dos senti-dos, e reconhece o Senhor do que foi e do que há de ser, entãoesse homem ultrapassou o medo.

BudismoPor mais que, na batalha, se vença um ou mais inimigos,

a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias.Sakyamuni.

IslamismoEis aqui um aviso inteligível contra aqueles que fazem da

sua religião um mero assunto de conveniência terrena. A verda-deira religião é muitíssimo mais profunda. Ela transforma a na-tureza intrínseca do homem. Depois dessa transformação, serátão impossível, para ele, mudar, como o é, para a luz, transfor-mar-se em tenebrosidade. Alcorão, 114ª Surata, Versículo 306.

CristianismoTambém o reino dos céus é semelhante a um tesouro es-

condido num campo, que um homem achou e escondeu; e, pelogozo dele, vai, vende tudo quanto tem e compra aquele campo.Mateus, 13:44.

Allan Kardec(...) o Espiritismo repousa sobre as bases fundamentais

da religião e respeita todas as crenças; um de seus efeitos é incu-tir sentimentos religiosos nos que os não possuem e fortalecê-los nos que os tenham vacilantes. O Livro dos Médiuns, Item 24.

C. G. JungNão se pode mudar aquilo que interiormente não se acei-

tou. A condenação moral não liberta; ela oprime e sufoca. A par-tir do momento em que condeno alguém, não sou seu amigo enão compartilho de seus sofrimentos; sou o seu opressor. ObrasCompletas, Vol. XI, par. 519.

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Sumário

Prefácio ...................................................................... 11Iniciação religiosa ..................................................... 15Considerações sobre o religioso ............................... 21O real problema religioso do ser humano................. 27Religião e religiosidade ............................................. 34A palavra religião ...................................................... 39O que é religião ......................................................... 49O que há de comum nas religiões ............................. 54Religiões .................................................................... 67Síntese dos fundamentos das religiões formais ........ 73Religiões em pequenas sociedades ........................... 98Horizonte espiritual ................................................... 103Religião é busca pelo Si-Mesmo ............................... 107Eros e Religião Pessoal ............................................. 111O que é Religião Pessoal ........................................... 116Religião formal e Religião Pessoal ........................... 126Princípios provisórios de uma Religião Pessoal....... 130Características de quem adotou uma Religião Pessoal 137Como construir uma Religião Pessoal ...................... 142Jung e a Religião Pessoal .......................................... 146Religião Pessoal e morte ........................................... 160Religião Pessoal e multirreligiosidade...................... 163Alquimia e religião .................................................... 166Manifestação da função religiosa na Psiquê ............ 170

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Deus ........................................................................... 178Representações do Inconsciente ............................... 185Religião como norma coletiva .................................. 190Espiritismo e religião ................................................ 196Arquétipo paterno ..................................................... 203Ando a procura de uma religião ................................ 208Ego e Espírito ............................................................ 210Religião e política ..................................................... 213Oração da Religião Pessoal ....................................... 216Glossário .................................................................... 221

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Prefácio

Contemplando a mente do homem primitivo, quan-do nada elaborado ali havia, sem uma consciência madurade seu próprio ego1, mesmo assim, é possível constatar aexistência de um elemento que o impulsionava, além danecessidade de sobrevivência. Naquela mente, detentorade pouquíssimos e rudimentares elementos conscientes,com um escasso repertório de habilidades intelectivas paraa compreensão de si mesmo, também se encontra umamarca indelével – seu, até então, inconsciente desejo debuscar-se, de entender-se e sua própria ânsia de viver. Nãosabe ele que, um dia, essa busca se tornará consciente econtará com a condução da religião formal. Sua mente,apta a captar a realidade, inicialmente atenderá aquele im-pulso primal construindo tão somente imagens, para de-pois, quando possuir novos implementos intelectivos,elaborá-las no formato de conceitos. Encerrado num cor-po, limitado por condições inerentes à sua evolução, ali seencontra o espírito no início de mais um ciclo existencial.Mesmo enclausurado, não está à deriva, pois conta comestruturas psíquicas (arquétipos) que o conduzirão natu-ralmente ao encontro mágico e especial consigo mesmo.

1 Alguns termos de origem psicológica podem ter seu significado melhorcompreendido ao final do livro, no Glossário.

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Será longa, laboriosa e proveitosa a jornada,permeada por incontáveis desafios e imprevisíveis expe-riências, as quais, aqueles que lêem estas páginas já en-tenderam a importância de tê-las vivido. O espírito farásua jornada como um herói que se lança ao objetivo semque tenha a consciência plena de tudo que enfrentará. Doinício da jornada, desde que adquiriu a consciência hu-mana, até os dias de hoje, por conta de inúmeras eincontáveis experiências, reforçou sua estrutura psíqui-ca, tornando-a apta a novos desafios. Sua organizaçãomental já o permite escolher, renunciar, ousar e compre-ender melhor os desígnios divinos. Já não se encontramais na infância, muito embora ainda se perceba em ati-tudes imaturas e inconseqüentes.

Nessa jornada, que é vivida dia após dia, ainda sedescobrirá projetado no que acreditava ser Deus, para, sódepois que amadurecer no sacrifício do trabalho huma-no, perceber-se como sendo a própria natureza divina serealizando.

As experiências religiosas ligadas ao sagrado setornam, ao longo da jornada, forjadoras de importantesparadigmas para a compreensão de sua natureza comoespírito e também para o entendimento do que supõe serDeus. Serão aquelas experiências que lhe fornecerão osdispositivos psíquicos capazes de lhe fazer assumir quemé o espírito em si mesmo. Nesse sentido, as crenças reli-giosas e seus cultos, nos quais vivenciou a fé e o contatocom o sagrado, deram-lhe as bases para a construção deuma psiquê saudável. Enquanto no corpo, vive experiên-cias de contato com as forças divinas consideradas ins-tintivas; fora dele, realiza sua dimensão espiritual trans-cendente. Em ambas apreende os princípios das leis deDeus, fundamentais para novos cometimentos.

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No percurso, apega-se a valores que acredita supe-riores, negocia favores considerados divinos, cria siste-mas internos de proteção que, em sua maioria, ao invésde libertá-lo, aprisiona-o. Consolida uma fé que terá derever mais tarde. Enrijece sua mente com dogmas oriun-dos de crenças pueris, tendo depois que flexibilizá-la paraprosseguir em seu processo de iluminação pessoal.

O ser humano de hoje, mesmo depois de milêniosde evolução, ainda se assemelha ao primitivo, pois cam-baleia na direção de Deus, tateando no escuro de suaspróprias fantasias religiosas. Ainda reza para Deus e ajo-elha-se diante da matéria. Não entende que a divindadenão se opõe à matéria, pois a grande dialética é ele mes-mo e Deus, Deus e Espírito, aparentes opostos que neces-sitam de conciliação na psiquê consciente.

O ser humano é o mesmo espírito que vem, há mi-lênios, buscando se encontrar. Seu olhar ainda não é com-pleto. Seu instrumento para isso, o ego, ainda não estátotalmente maduro. Muitos fatores interferem em sua per-cepção. Ele ainda não aprendeu que não precisa ver tudo,mas apenas o essencial. Deve entender que, para conhe-cer as coisas, é preciso dar a volta sobre si mesmo, olhan-do para seu próprio mundo interior. Não percebe, em suamomentânea cegueira, que Deus se escondeu em seu in-consciente. Acumula muita coisa no seu egoísmo e orgu-lho em excesso. Chegará um tempo em que estará prontopara encontrar e perceber a divindade.

Um dia, quando liberto de seus próprios medos epreconceitos, tecidos pela ignorância em relação ao divi-no e a si mesmo, alcançará a liberdade de pensar umaReligião Pessoal. O caminho será longo, mas extrema-mente valioso para si mesmo. Quando então iniciar seuprocesso de vivência da Religião Pessoal, sofrerá reveses

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por conta das próprias armadilhas que criou, medroso dese perder nos labirintos complexos de sua psiquê religio-sa. E os reveses acontecerão por conta, principalmente,do desejo infantil de salvar-se de algo que idealizou comosendo uma tragédia. Inconscientemente acredita que umgrande perigo o ameaça e que o levará a ser banido eter-namente. Teme o que ele próprio construiu. Sua menteainda está estruturada na dialética bem x mal. Teme oabandono divino, qual criança apegada à mãe, temendoperder-se dela.

Uma vez iniciada a jornada, não haverá retorno. Ocaminho é inexorável, ao encontro de si mesmo e da má-xima possibilidade de comunhão com Deus. Descobriráque a atitude religiosa é o íntimo e mais profundo encon-tro com os limites da essência humana, percebendo que osentimento religioso lhe permitirá superar as fronteirasdo humano, tocando o divino.

Convido o leitor a fazer a jornada da religião for-mal à Religião Pessoal, sem receio de se perder de simesmo. Ao contrário, ao encontro de sua verdadeira es-sência – a espiritual. Não preconizo uma nova religião,nem seita moderna, nem culto diferente, mas simples co-nexão, no sentido de íntima ligação, do humano com odivino, sem as regras inconscientemente estabelecidasdesde a infância da humanidade.

Este livro apresenta algumas reflexões para a cons-trução de uma Religião Pessoal. O seu título não sugere aconstituição de uma religião egoísta nem tampouco o des-respeito às existentes. É apenas uma proposta pessoal paraa internalização daquilo que o sagrado tem a revelar. AReligião Pessoal é aquela adotada por cada pessoa, navivência do arquétipo do sagrado, visando sua conexão maisprofunda com o princípio Criador da existência humana.

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Iniciação Religiosa

Minha educação religiosa se deve a múltiplasexperiências, não provindo de uma única escola ou derígida formação doméstica. Vim de uma família de raízescatólicas, porém sem que ninguém se aprofundasse nosestudos religiosos, como é comum aos seus adeptos. Nãose fazia grandes investimentos na consolidação da fé, poisa cidade em que vivia era pequena e sem instituições epessoas que se dedicassem aos estudos aprofundados.Naturalmente segui por um caminho pessoal e pela práti-ca dos fundamentos da fé incipiente que possuía.

Meu pai era militar, mas não era duro com os filhosnem lhes aplicava qualquer disciplina exagerada. Era umhomem bom e preocupado com os estudos dos filhos. Oque mais o aproximava dos preceitos religiosos era a dis-ciplina. Fora isso, não me lembro de ter ouvido dele qual-quer referência a religião. Minha mãe era católica. Váriasvezes a vi rezando o terço ou falando de sua fé em Deus.Cuidava para que os filhos fossem batizados; nada alémdisso. Só nos levava à missa em ocasiões especiais. Erauma mulher envolvida com o desenvolvimento de seusfilhos, preocupada em que eles se tornassem pessoas bemsucedidas.

Posso dizer que cresci sem formação religiosa con-sistente. Religião não era assunto tratado nas reuniões de

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família, nem se recorria à fé para a solução de problemasdomésticos. A principal preocupação de meus pais eracom a educação intelectual formal. Não me lembro dediálogos específicos sobre religião.

A cidade onde nasci era um pequeno povoado aonorte da Bahia, cuja cultura religiosa preponderante era acatólica. O que devo ter aprendido a respeito veio dasexperiências na escola e no meio social. Não havia dro-gas ou violência. O mal era o sexo e o bem era a prospe-ridade material. Palavras religiosas não me faziam efeito.Nunca tive medo de diabo, demônio ou de espíritos ma-lignos. A palavra Deus me levava a pensar num homemvelho e bonachão. Não cresci com condicionantes religi-osos que pudessem nortear minha busca espiritual. Osque possuía eram inconscientes, pré-existentes ou assi-milados da consciência coletiva.

Na adolescência, ingressei em escolas militares, ondeaprendi novamente a disciplina. Nelas não tive nenhumaeducação religiosa formal. Meus medos não me levavam ànecessidade de proteção religiosa, mas de ajuda paterna.Como bom militar, meu pai me ensinava a encontrar emmim mesmo a fortaleza para as adversidades. Achava areligião algo pueril e portador de fragilidade.

Comecei a me interessar pelo Espiritismo e simul-taneamente pelo Cristianismo no final da adolescência.Isso não se deveu a uma doença ou a uma necessidadeconsciente de uma religião. Fui levado à religião por umimpulso inconsciente de querer transcender e por umaimperiosa necessidade de realizar meu próprio destinopreconcebido espiritualmente. Isso aconteceu quando ti-nha dezessete anos e estudava numa escola militar emSão Paulo. Fora uma simples passagem por um grupo deestudos espíritas, sem me aprofundar nos ensinamentos.

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Isso só veio a acontecer de fato aos vinte e um anos, quan-do ingressei num Centro Espírita a convite de um amigo,levando a sério e de forma disciplinada os estudos dascoisas do espírito.

Retornando da escola militar, decidi por uma pro-fissão que exigisse de mim os conhecimentos das ciênci-as exatas, pois me saía muito bem nas disciplinas perti-nentes. Minha graduação em Engenharia Civil possibili-tou-me um olhar espacial, concreto, topológico e ordena-do das experiências da vida. Sentia-me conectado à reali-dade e bem sucedido profissionalmente. Gostava do re-conhecimento de minha competência e seriedade técni-ca. A engenharia me pôs em condições de neutralidadepara absorver melhor o conhecimento religioso, permi-tindo-me estruturar matrizes psíquicas diferentes das pro-movidas pelas religiões. Não teria necessidade de mudarde religião, mas de construir uma pessoal. Em paralelo,fazia minha formação espírita sem seguir nenhum mode-lo ou líder existente no movimento. Isso me blindou con-tra a imitação caricatural reinante de um estereótipo reli-gioso, distanciado do bom senso e da capacidade críticanecessários à construção do saber.

Minha graduação em Filosofia, poucos anos depoisde me iniciar de fato no Espiritismo, permitiu-me umaampla visão crítica não só das escolas filosóficas comotambém de minhas próprias crenças. Cotejava o que apren-dia no Espiritismo com os conhecimentos das escolas fi-losóficas gregas. Bebia as idéias como quem saciava umaintensa sede. A dialética Platão x Aristóteles me encanta-va, ao lado dos escritos de Allan Kardec e do espíritoEmmanuel, este último pela psicografia de Chico Xavier.Meus conhecimentos de engenharia se associavam aosde filosofia para uma compreensão melhor da realidade

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espiritual. Não me contentava com o simples saber, poisjá participava de reuniões mediúnicas de contato com oespiritual, além de me dedicar ao trabalho de promoçãosocial numa comunidade de extrema pobreza material eespiritual. Construía minha religiosidade no tripé consti-tuído pelas ciências exatas, pela Filosofia e pelo Espiri-tismo. Dentro de mim se forjava uma consciência do va-lor do saber, do respeito ao outro e da amplitude da vidaespiritual. Vivia com um sentimento íntimo de felicidadee de conexão profunda com algo maior do que tudo queme diziam a respeito de Deus. Meu universo interior eramaior do que o externo, incluindo-o.

Posteriormente, já entrando na meia-idade, decidipor me graduar em Psicologia, pois ansiava por uma pro-fissão intimista, voltada para o estudo da mente. O Espi-ritismo me fez ir em busca de algo mais do que a afirma-ção de que somos todos espíritos imortais. Queria sabercomo funcionava a mente humana. Queria saber o queera o pensamento, a memória, o inconsciente, a vontade,o instinto, a razão, o eu, entre outros elementos que com-põem a alma humana. Ingressei na universidade e com-pletei meus estudos de psicologia, dedicando-me profis-sionalmente à atividade clínica, pós-graduando-me emPsicologia Analítica. Meus estudos da Psicologia de C.G. Jung2 deram-me o filtro necessário para uma maiorcompreensão do que se passava comigo mesmo. Minhaformação acadêmica e religiosa se ampliava, ganhando oquarto componente que faltava – a psicologia junguiana.

Por outro lado, queria uma religião que tivesse aserenidade e profundidade do Taoísmo, as múltiplas pos-sibilidades de expressão do Hinduísmo, a amorosidade e

2 Psiquiatra, suíço, que viveu de 1875 a 1961.

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solidariedade do Cristianismo, a espiritualidade e harmo-nia do Espiritismo, mas que também me permitisse se-guir minha própria essência consciente. A essa forma pró-pria de viver a religiosidade, chamei de Religião Pessoal.Não se trata de uma mistura de religiões, muito menos deuma nova religião. Tampouco é uma crença artificial,construída do melhor das religiões. É, de fato, uma Reli-gião Pessoal, portanto única para cada indivíduo.

Restava agora a construção de minha Religião Pes-soal. Isso veio se dar após alguns anos de exercício pro-fissional, culminando com a implantação de uma organi-zação não-governamental dedicada à educação de crian-ças em risco social. Não me via mais como um teóriconem como um fomentador de idéias para os outros. Tinhaque viver uma vida que contivesse o que acreditava e oque pregava.

Desenvolvi um senso de respeito à religião do ou-tro, oriundo da idéia de que construía minha própria for-ma de viver o Espiritismo. Percebia que praticava umareligião diferente do que chamavam de religião espírita.Agrada-me bastante a possibilidade de manifestação dosagrado através de vários cultos e formas diferentes desentir o numinoso. O Espiritismo não era uma simplesreligião de culto semanal, mas uma forma de entender avida e os mistérios do universo. Não desvendava tudo,mas retirava os véus das pseudo-verdades para a compre-ensão de algo ainda maior que viria.

Ao estudar as religiões, senti-me na obrigação dedesmistificar minha idéia de Deus e de desconstruir o quetinha constituído como fundamentos de minha concep-ção de Deus. A compreensão do Taoísmo foi importantepara isso. Não me distanciei dos ensinamentos de AllanKardec nem me coloco acima dos que viviam o Espiritis-

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mo como uma religião formal. Entendo que, para cadaconsciência, um culto; para cada indivíduo, um sistema;para cada pessoa, uma verdade.

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Considerações sobre o religioso

Convido o leitor a um estado de consciência es-pecífico para uma melhor compreensão deste livro. Talestado exige que se isente momentaneamente da influên-cia de sua religião formal, tornando-se um livre pensa-dor. Como tratarei de religião, espero que o leitor acom-panhe o raciocínio de um ponto de vista não exclusiva-mente lógico-racional, mas principalmente utilizando suaintuição.

Sem defender especificamente qualquer delas, ana-lisarei religião como um fato psíquico com conseqüênci-as na vida prática do ser humano e na sociedade.

As religiões são dinâmicas, obedecem ao movimen-to da psiquê, sob o influxo de contingências supra-arquetípicas. São acontecimentos que primeiro ocorremno inconsciente, para depois se manifestarem na consci-ência. A atitude religiosa é posterior a ambos. Na consci-ência se manifesta como um símbolo. As contingênciassupra-arquetípicas são aquelas a que o ser humano estáobrigatoriamente submetido e que não sabe como mudá-las. Submete-se a elas porque está inserido num Univer-so gerado supra-arquetipicamente.

Escrever sobre religião sem estar abrigado em prin-cípios e regras de qualquer delas é muito difícil. É comoacreditar, quando se está envolvido sentimentalmente com

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alguém, que se pode atingir a isenção emocional ao sereferir à pessoa. Mas como analisarei as manifestaçõesreligiosas do ponto de vista psicológico, correrei menosrisco de fazê-lo de forma passional. Ademais, como espí-rita, inclino-me a uma adoção universalista em termos dereligião coletiva. Refletir e teorizar sobre religião bus-cando não se guiar pela própria experiência religiosa étão difícil quanto navegar sem uma carta náutica. Deve-se fazê-lo margeando a costa para não se perder no maraberto.

Não é fácil abordar temas relacionados à religião,não apenas em face da transcendência inerente ao temacomo também pelo fato de se estar lidando com algo quese origina na psiquê coletiva, raiz profunda do psiquismohumano. Corre-se o risco de se perder em subjetividadesmuito distantes da compreensão comum.

Tome-se como ponto de partida a construção dosmitos na mente humana. A não compreensão de sua natu-reza, a ignorância a respeito de tudo que cercava o serhumano primitivo, a falta de experiências significativasque forjassem proteções não mágicas e a ignorância rela-tiva aos perigos à sua volta colocaram o ser humano sus-cetível à construção do mito. O mito simboliza aspectospsíquicos coletivos. Não são construções individuais, masfruto da dimensão coletiva da alma humana.

O mito é uma construção psíquica favorável à ma-nutenção do equilíbrio da consciência. Sem ele, o ser hu-mano estaria à mercê dos perigos de seu próprio incons-ciente. Ele é forjado automaticamente para a manutençãoda relação entre a consciência e o inconsciente. Os pri-meiros mitos que apareceram na consciência foram pala-vras ou expressões verbais, que depois foram transfor-madas em sinais. Posteriormente surgiram os mitos

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cosmogônicos e os que tentavam explicar o comporta-mento humano. Entre todos os mitos, os que representa-vam aspectos religiosos da psiquê humana são de fato osforjadores das religiões coletivas. Muitos ainda perma-necem vivos, e outros foram dissolvidos pela compreen-são adequada de seus significados. Mitos nascem e mor-rem cotidianamente. Suas raízes se encontram no misté-rio, na complexidade e nas profundezas do psiquismohumano. Alguns dogmas religiosos apontam diretamentepara eles. São indecifráveis como o é a natureza de Deus.

O principal mito humano é o do encontro com Deus.Antes de se resolver essa questão interna, ter-se-á de seentender o problema da idéia que se faz a respeito de Deus.Como a idéia de Deus se apresenta de múltiplas formas, ede acordo com cada religião, Deus, em si, é o grande mis-tério. Todos os mitos criados coletivamente decorrem daignorância humana a respeito do Universo, portanto, emúltima análise, de Deus. A psiquê humana constrói in-conscientemente os mitos, liberando a energia psíquicadirigida para a busca do divino. O desejo, condenado poralgumas religiões como aquilo que impede a iluminaçãopor fortalecer o egoísmo, se confunde com a própria ener-gia psíquica. Lutar contra o desejo humano, egóico, é re-mar contra a própria vida e todas as possibilidades deexperiência. É um equívoco de lesa existência.

É óbvio assinalar que tudo que ocorre no Universovem de Deus. Essa afirmação, porém, é um limite ao ra-ciocínio humano. É preciso pensar mais além, ou melhor,antes disso, levantem-se questionamentos: A religião éalgo que vem de Deus, considerado como vindo de fora,portanto, algo externo, ou, ao contrário, é uma criaçãohumana, portanto, que vem de dentro? A religião é umfenômeno humano ou divino? As respostas devem consi-

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derar a religião também como um fenômeno psicológicoinconsciente. Isso quer dizer que o fenômeno tem propó-sitos divinos, mas tem seu desenvolvimento e continui-dade através da consciência humana. Importa assinalarque o fenômeno religioso tende a se tornar consciente,logo, sujeito a modificações significativas no decorrer daevolução do espírito. Esse fenômeno proporcionará a as-censão da Religião Pessoal.

O processo psíquico que torna a experiência umfenômeno religioso ocorre de forma sutil e imperceptívelà consciência. Quando o ser humano se conecta a algoreligioso, em seu íntimo, seja por um pensamento ou porum sentimento, ocorre a aproximação do que existe demais sensível e vulnerável em sua psiquê. Naquele mo-mento é que se dá a conexão com a fronteira entre o co-nhecido e o desconhecido. Ali há um abismo que neces-sita ser ultrapassado. Chamo esse momento de conexãoexperiência essencial. É ela que favorece o contato como numinoso e o transcendente. É ela que proporciona osestados alterados de consciência na ascese mística.

A consciência desse processo tem sido cada vezmaior no mundo moderno, porém ainda imperceptível àsreligiões formais, que vão lentamente se modificando, masnão o suficiente para alcançar a individualidade de cadaum. Seus dogmas demoram muito para se dissolverem,mantendo alguns mistérios.

Os princípios ou dogmas que compõem as grandesreligiões apontam para um conjunto de arquétipos. Pres-tam-se à materialização, pela via numinosa, de determi-nantes do pensamento e comportamento humanos. Asdissidências existentes no seio das grandes religiões (OBudismo nasceu do Hinduísmo, o Cristianismo e oIslamismo nasceram do Judaísmo, o Protestantismo e o

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Catolicismo, do Cristianismo, entre outros) atestam queo conjunto de arquétipos se alternam lentamente, dandolugar a determinantes psíquicos mais adequados a cadafase da evolução humana. O dogma aponta para o desco-nhecido, para o arquetípico e o supra-arquetípico. Suapreservação é uma forma de fuga do significado; a buscatranscendente pelo seu significado proporciona crescimen-to espiritual.

A forma de exteriorização do arquétipo religiosoda psiquê mais predominante na atual fase da humanida-de é a que estimula a vivência da espiritualidade. Issosignifica que o indivíduo tende a viver a dimensão espiri-tual na vida social, principalmente nas dimensões ética eecológica, além de tender a estar inserido em atividadesque contribuam para a geração de prosperidade pessoal ecoletiva.

A distinção entre espiritualidade e religião tem setornado mais evidente, principalmente em sua prática. Agircom espiritualidade não requer a adoção de uma atitudereligiosa formal, mas de um compromisso pessoal com oseu próprio processo de evolução e com a responsabili-dade social. Quando a atitude religiosa de um indivíduose apresenta a serviço do processo de encontro consigomesmo e do significado da existência, levando-o a se tor-nar uma pessoa autônoma, comprometida com o coleti-vo, torna-se espiritualidade. A prática religiosa contribuipara o estabelecimento do equilíbrio psíquico. A vivênciada espiritualidade flexibiliza o religioso, reduzindo os ris-cos da dogmatização.

A religião tem sido considerada uma tentativa depor ordem ao caos interior, povoado pelos “demônios”inconscientes. Por força do aparecimento de filosofias econhecimentos novos, ela é convidada a resolver anteci-

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padamente o mistério do desconhecido após a morte. Os“demônios” estão dando lugar à necessidade de funda-mentar a própria existência humana e isso requer muitomais do que manter dogmas. Há necessidade de se mate-rializar a unidade interior na crença em um Deus diferen-te do apresentado pelas religiões formais. O novo Deusdeve conseguir harmonizar o próprio ser humano e a so-ciedade. Um novo ser humano nasce com mais compai-xão e amor. A religião deve ser capaz de conciliar o beme o mal internos, criados pela convivência.

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O real problemareligioso do ser humano

As tradições religiosas representam tendênciascoletivas humanas de busca e manifestação do aspecto psí-quico relacionado ao sagrado. Os dogmas religiosos apon-tam para o obscuro que a consciência não conseguiu aindadecifrar. As religiões não são criações individuais, mas avia pela qual o espírito procura entender-se e explicar-se.A busca pelo encontro com Deus é tão somente o formatodo convite que a própria divindade faz ao ser humano paraque ele se encontre consigo mesmo. Nessa busca por Deus,ele conseguirá responder à dúvida sobre quem ele é, paraque foi criado e como realizar-se a si mesmo.

As religiões têm sido úteis como balizadoras dessabusca, mas não são os únicos meios nem tampouco sãosuficientes. Seus adeptos, após algum tempo, esgotam aspossibilidades de conexão com o sagrado pelas mesmasvias preconizadas por sua religião. O que um dia foiimpulsionador, tornou-se limitante. A cristalização de prá-ticas religiosas ao longo da vida deixa de alcançar os ob-jetivos numinosos a que se propunham inicialmente. Oritual, com o tempo, já não atenderá mais à necessáriaconexão transcendente que impulsiona a psiquê, conse-qüentemente o espírito, para vôos maiores.

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Para alguns, a mudança de religião poderá se con-figurar como alternativa viável para a continuidade dabusca, porém nem sempre isso surte efeito. Outros prefe-rem abandonar suas tradições religiosas, seja por desilu-são, seja porque já integraram seus conteúdos.

O problema religioso, o encontro do espírito comsua máxima essência, se desdobra em outros, como sefossem degraus de uma escada para um patamar superior.Durante a caminhada para o encontro régio, o espíritoconseguirá resolver o sentido da própria existência, o sig-nificado da vida e da morte, o conceito de Deus, quem defato ele é, além de atender à manifestação da função reli-giosa da psiquê, para o que a religião deve contribuir atodo momento, oferecendo possibilidades de compreen-são do sentido da existência humana. Afirmar que a exis-tência, a qualquer tempo, é extemporânea, isto é, não éreal nem deve ser creditada ao momento presente, é omesmo que negar a consciência. Transferir a explicaçãoda existência humana na matéria para o Além obrigará aque se encontre um significado a posteriori para a exis-tência no mundo espiritual. A existência a que me refiro éa do espírito, tanto no corpo quanto fora dele. A existên-cia humana, na matéria ou fora dela, é um dado a priori,condição de partida para o pensar. Não é um problema,mas uma condição. Não é possível o não viver. Não há anão existência. A existência humana é a revelação da pró-pria divindade. Enquanto experiência, deve ser vividaexaustiva e intensamente. A existência humana é a condi-ção para a aquisição de tudo que é possível ao humano.

Cabe a discussão a respeito do para quê a existên-cia, ou seja, o que fazer dela, tanto no momento presentequanto em relação ao futuro. Essa deve ser a constanteinterrogação do espírito. Questionar-se sobre o que fazer

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na vida ou como vivê-la, de acordo com o que dispõe dehabilidades e capacidades para tal. Deve ter uma preocu-pação sobre a função da vida e não necessariamente so-bre sua causa geradora, pois essa é inacessível.

Então, qual a função da vida? Ser vivida em buscade competências adquiridas nas diversas experiências,capacitando-se para a compreensão a respeito de si mes-mo. Nesse sentido, toda experiência humana, mesmoaquelas moralmente condenáveis, deve ser compreendi-da como eliciadora de conhecimentos e competências. Issonão significa a pregação do imoral e do vicioso, mas ape-nas a compreensão de sua ocorrência como pertencenteao humano.

A explicação da existência humana mediante a afir-mação de sua origem divina e de uma destinação que aela retorne parece evasiva, pouco compreensiva, portan-to, incompleta. As religiões deveriam oferecer mais sub-sídios e profundidade à questão. A afirmação básica é deque a existência humana é um fenômeno inerente ao ab-soluto. Não existe seu contrário. Isso não significa quenão se possa teorizar sobre a existência humana. Mas suaexplicação não se deduz pela lógica convencional, razãopela qual o pensar não é suficiente para justificar sua re-alidade, mas apenas a do próprio pensar. Cabe ao ser hu-mano realizar sua existência, atualizando-se a cada expe-riência, visando sempre uma maior compreensão a res-peito de si mesmo. A religião deve oferecer menos res-postas e mais incentivos à vida no corpo.

Em consonância com o significado da existênciaestá o da vida e da morte, portanto, do ciclo em que o serse encontra inserido. A vida e a morte são dois fenôme-nos que delimitam um campo de concepção psicológicapara a percepção e compreensão das experiências do es-

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pírito. São ritos de entrada e saída para a constituição debases estruturais do espírito. Não devem ser encaradoscomo marcos absolutos para o espírito, mas momentosidentificadores de etapas de um processo maior perten-cente ao ciclo da sua fase reencarnatória. Nascer e morrersão processos repetitivos do existir. Nascer e morrer écomo o acordar e o dormir a cada ciclo diário. Deve-seencarar a morte de alguém, sobretudo a sua própria, comoum processo natural, necessário e a ser aguardado comose espera o nascer de uma criança. Não lidar com a mortedessa forma é encarar a vida de forma pueril.

O espírito, ao se perceber identificado nas caracte-rísticas de sua personalidade, deve viver a vida de formaintensa, sem medos, correndo riscos e confiantes na suaimortalidade. A morte não deve ser apontada como vilã,contrária à vida, mas como passagem para o início de umnovo ego. A religião deve ensinar aos adeptos a encarar amorte dessa forma, não deixando de valorizar a própriavida.

A transcendência, o êxtase religioso, os estados al-terados de consciência devem ser considerados comoeventos que sinalizam a transitoriedade da conexão cor-po-mente. A vida no corpo é a conexão do espírito com asentranhas de Deus. A vida no corpo deve ser encaradacomo ponto de inflexão com a materialidade divina. Amorte deve ser considerada como ponto de inflexão coma espiritualidade divina. Sua proximidade, seja por aci-dente, doença grave ou velhice, deve ser vivida em meioa certo planejamento de conformidade do eu. O medo, alamentação e o estresse devem ser substituídos pela tran-qüilidade da consciência imortal. Tal estado não decorrede crença, mas de internalização de paradigmas univer-sais adquiridos nas experiências adredemente buscadas

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na segunda metade da vida no corpo. Essas são as experi-ências de contato mediúnico, que devem ser buscadas portodos. Elas favorecem o estado de tranqüilidade da almaem relação à morte.

A vida espiritual apresentada pela religião deve serconsiderada, como de fato é, como algo futuro a ser vivi-do, mas também como um presente que simultaneamenteacontece para outros. É uma vida dinâmica, que se modi-fica constantemente como a própria vida no corpo. Elaacontecerá da forma como melhor aprouver à evoluçãodo espírito.

As visões ou concepções estáticas a respeito dodepois da morte estreitam as possibilidades de aprendi-zado diante da vida no corpo. A atualização das concep-ções a respeito da vida espiritual deve se tornar preocu-pação da religião. Se assim não for, a religião se cristalizanas formas iniciais de manifestação do arquétipo que agerou.

O conceito de Deus é o fator decisivo para a exis-tência, ou não, do real problema da vida humana. Da con-cepção que se faça de Deus derivam os demais proble-mas da religião. Lida-se com Deus como se o concebe,isto é, a idéia de Deus é a questão. É inconcebível que setenha a mesma idéia a respeito de Deus em todas as épo-cas e nas diferentes culturas. Numa mesma cultura, porforça da evolução material e moral, pressupõem-se mo-dificações nas concepções a respeito de tudo, principal-mente dos assuntos cosmológicos. Toda concepção hu-mana é provisória, também a de Deus.

As religiões devem incorporar novas cosmologias,apresentando-as aos seus adeptos, favorecendo, assim, olivre pensar. Ao afirmar que Deus é algo, deve-se ter emmente que se está fazendo uma inferência conceitual, isto

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é, emite-se uma idéia, mas não uma realidade concreta.Por exemplo, ao afirmar que Deus é imutável, não se estáfalando de uma propriedade de Deus, mas de uma carac-terística de idéia que dele se faz. Tudo que se diz a respei-to de Deus é humano porque se afirma sobre a idéia quedele é feita. As religiões devem oferecer concepções me-nos escravizantes, alienantes e que não favoreçam umcerto enrijecimento psíquico.

A resposta à pergunta Quem sou? está diretamenterelacionada ao conceito que tenho de Deus. Sou uma sin-gularidade divina, sombra da idéia que faço a respeito deDeus. Sou a parte que concebe o todo, individualidadeque inclui a totalidade. Sou a consciência da essência queme permite a visibilidade das entranhas de Deus. Vivopara a consciência suprema realizar-se na minha mani-festação. Sou, pelo exclusivo interesse da Divindade, paraque me torne agindo para o que fui gerado. Sou para aqueleque me criou, nele me percebo. Não lhe pertenço nemdele me desgarrei, pois sou o que nele se realiza. O outro,meu próximo, é meu espelho, cujo polimento e integrida-de constituem tarefa pessoal que contribui para encon-trar-me comigo mesmo. Sou espírito imortal, farol de Deusnas múltiplas dimensões do Universo. Sou mais do queimagino que sou e menos do que minha vaidade e meuorgulho me situam. Sou o poder estruturante da matéria,que me cabe quintessenciar. Nela me movo como quemmanipula as ferramentas de Deus. Meu poder é meu de-sejo, que me lança aos propósitos divinos. Minhas cren-ças, valores e concepções são as balizas que construo parao Universo dentro de mim mesmo. Minha mente é meuprincipal instrumento de consecução dos objetivos a queme proponho. O conhecimento de seu funcionamento éuma chave para a evolução de mim mesmo. Sou um ser

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sem fim, portanto, não necessito de salvação, mas de cons-tante aperfeiçoamento e crescimento espiritual. Nada medestruirá ou me fará retroceder na destinação para a qualfui gerado.

Minha religião é a conexão profunda, misteriosa einquebrantável com aquele que me gerou.

Definir-me, inserindo-me num contexto divino, es-tabilizando minha mente num processo dinâmico de de-senvolvimento espiritual, sentindo-me em conexão co-migo mesmo e com o próximo, prepara-me para o encon-tro da solução do real problema religioso.

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Religião e Religiosidade

Na essência dos ensinamentos das religiões,existe uma tendência comum em torno de se alcançar aatitude moral equilibrada. Em todas elas, pode-se obser-var uma pregação constante na permanente busca peloinefável, incognoscível e transcendente. Nem sempre ocaminho a ser percorrido pelos adeptos consegue atingiresse alvo, pois cada ser humano possui seu repertório deexperiências que balizará sua relação com a religião. Fun-damental é que se perceba, além do aspecto concreto queexiste do divino até o ser humano, o que há psiquicamen-te, isto é, o repertório de experiências acumuladas no in-consciente humano, que interferem no caminho a ser per-corrido. O ser humano constrói uma Religião Pessoal, in-dependentemente do que lhe acontece externamente, porconta da percepção própria a respeito do sagrado.

Os termos religião, atitude religiosa, religiosidade,espiritualismo, inquietação mística, ascese mística, entreoutros, nem sempre se referem aos mesmos objetos deinteresse. A criatura humana, mesmo estando conscientede que busca algo superior para a compreensão de si mes-mo e do universo que a cerca, nem sempre sabe de fato oque quer. Sofre influências inconscientes, oriundas de suaspróprias experiências pregressas, que a levam a acreditarcada vez mais em algo distinto do que conscientemente

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deseja. Medos e anseios pueris interferem na sua com-preensão, levando-a muitas vezes a buscar salvaçõesmágicas e inconseqüentes.

A adoção de uma religião parece ser um ato exclu-sivamente aleatório de seu livre-arbítrio ou resultante deum chamado divino, neste caso externo. Deve ser tam-bém considerada uma necessidade psicológica, portanto,interna. Nesse último aspecto, uma condição coletiva con-tra a qual não se pode resistir. Uma tendência humanaforjadora da cultura e dos valores. Nesse sentido, de exis-tir um imperativo psicológico inconsciente, a autoridadereligiosa que norteia a busca espiritual do ser humanonão deve ser externa (um livro, um líder religioso, umdepoimento de alguém, um governo etc.), muito emborapossa se iniciar dessa maneira. A autoridade real deve sera própria consciência humana, a partir das experiênciasadquiridas em suas vidas sucessivas, conduzidas pelo sen-tido que atribui a sua vida atual e futura. Sobre a tendên-cia inconsciente deve prevalecer uma atitude consciente.Nas organizações religiosas de pequenas comunidades,as escolhas individuais se estruturam contaminadas peloarquétipo dominante que atua em seus líderes. Só a matu-ridade do ego pode fazer a consciência assumir a atitudereligiosa.

Religiosidade é a tendência ao sagrado, isto é, aoque transcende o humano para além dele mesmo. Neces-sariamente não obriga o ser humano à adoção de umareligião. Quando a religião é adotada, a religiosidade ade-quou-se, podendo resultar, ou não, em estagnação da cons-ciência que deseja realizar-se. A religião formal tende apermitir um certo alívio da tensão provocada pelo incons-ciente, que impulsiona o ego na direção do sagrado. Areligiosidade o impulsiona para a compreensão de si mes-

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mo, assimilando os conteúdos inconscientes, direcionandosua energia para a compreensão da realidade e de sua exis-tência no mundo.

O conhecimento a respeito das coisas do espírito,vindo do Espiritismo ou de outras religiões mediúnicas,do Hinduísmo, do Cristianismo ou de crenças esotéricas,deve ser utilizado para a formação da Religião Pessoal.Por enquanto ele ainda é elemento da curiosidade da cons-ciência pueril da humanidade, usado como sistema deproteção contra o medo e o desconhecido. Em face dainfância espiritual do ser humano, tal conhecimento émisturado com crendices e superstições, que apenas aten-dem ao anseio coletivo de aliviar as tensões inconscien-tes. Ainda não estão a serviço da religiosidade nem daformação da Religião Pessoal, muito embora sirvam àatualização do arquétipo, necessitando da conscientizaçãoadequada pelo ego para a internalização do resultante dasexperiências vividas.

É importante ressaltar que a religião coletiva nãose constituiu num conjunto coeso de normas e regras in-terpretadas e aceitas integralmente por todos. Tampoucose deve pensar que a totalidade dos adeptos de uma reli-gião tem a mesma consciência de seus princípios, bemcomo a praticam da mesma forma. Na realidade, os adep-tos das grandes religiões vivenciam o sagrado de diferen-tes formas, mas preferem estar abrigados sob o mantoprotetor da coletividade a assumir, cada um, sua singula-ridade. Pode-se dizer que não existe religião uniforme,pois na realidade seus diversos nomes são denominaçõesoriundas de algum fato gerador numinoso. Foram gera-das por um fenômeno místico e transcendente e se diver-sificaram quando se confrontaram com o processo desimbolização da psiquê de cada indivíduo. O novo (cli-

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ma, tradições, linguagem, etc.), as experiências coletivasde cada povo e as experiências de vidas passadas são res-ponsáveis pela multiplicidade de expressões religiosas.

O número de religiões cresce ao surgimento de cadanovo paradigma que se estabelece. Essa tendência é frutodo processo de amadurecimento da psiquê, bem como dodistanciamento do mito que deu origem àquela religião.Todos possuem sua Religião Pessoal, muito embora nãotenham consciência ou coragem de assumir. Vivem-na naintimidade de sua consciência, muitas vezes receosa demanifestar autenticamente o que pensa e sente.

A religião formal deve favorecer a construção deuma religiosidade madura, capaz de fazer face aos anseiospsíquicos inconscientes de realização pessoal, de desco-berta do Si-Mesmo e de encontro com Deus. Quanto maiso indivíduo assuma sua Religião Pessoal e construa umareligiosidade que suporte todo o mal inerente à naturezahumana, mais cedo alcançará a compreensão de sua exis-tência e viverá sua essência. Por não suportar o mal, areligião exclui parte da natureza humana.

Uma religião que ofereça uma perspectiva de con-tinuidade da existência do eu, que, por conta disso, im-pulsione as pessoas à comunicação interdimensional(mediúnica), que reforce a obrigação ética, que pugne pelaresponsabilidade social pessoal e que convide as pessoasa vivenciar o amor não pode ser vivida simplesmente parauma suposta salvação pessoal ou para encher os templosde adeptos. Uma religião que se fixe em estabelecer oque é moral, bem como em condenar uma imoralidadeformal, que não compreende o dinamismo do Universotende a estagnar, falir ou alienar seus adeptos. É necessá-rio que se entenda que o imoral, com o tempo, pode setransformar em moral ou vice-versa.

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É preciso viver religiosamente, porém sem se alie-nar do mundo, sem deixar de considerar que todos estãonum mesmo momento evolutivo e que isso os nivela es-piritualmente. A Religião Pessoal deve ser capaz de pro-porcionar uma vida pacífica, harmoniosa e comamorosidade.

Uma religião que não resiste à mínima imoralidadeé apenas uma conveniência humana. A religião não é paraformar crentes, mas para fazer evoluir consciências. Suamissão é libertar as consciências, também de seus própri-os egos. Religião sem religiosidade torna-se um movi-mento intelectual, frio e tendente à alienação.

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A palavra religião

Estar conectado a uma ordem cósmica é desejo detodo ser humano. A religião se propõe a oportunizar essadivina conexão, mas como se dirige ao coletivo, dificil-mente seu adepto alcançará esse intento. Muito prova-velmente, com o auxílio da religião formal, o indivíduoterá de constituir sua Religião Pessoal para que se sintaconectado ao divino.

Complexo explicar o que é religião quando se tratade algo de difícil tradução em palavras. O que se sentequando se vive uma experiência religiosa não pertenceao intelecto. Mais difícil ainda é querer escrever ou falarsobre a manifestação religiosa de outra pessoa. Com difi-culdade, ou mesmo parcialmente, consegue-se falar a res-peito da própria religião, isto é, do sentimento religiosoque se tem.

A raiz da experiência religiosa pertence a uma ins-tância psíquica que transcende o campo da consciência,cuja procedência se confunde com a geração do Espírito.O que quer que lhe dê origem esconde-se no inconscientehumano, impulsionando-o para um encontro com a Vida,consigo mesmo e com a Divindade. Sua influência na vida,na cultura e no destino humano é inquestionável.

Questionável é a afirmação de que a cultura deter-mina as características da religião. É o mesmo que dizer

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que a religião é tão somente mais uma das manifestaçõesculturais produzidas pela consciência humana. Põe a re-ligião no mesmo patamar de outras manifestações cultu-rais, tais como o folclore, a arte popular, crendices, com-portamentos coletivos etc., deliberadamente criadas. Defato, as manifestações religiosas fazem parte da culturade um povo, porém não surgem aleatoriamente nem sãolivres produtos da consciência. Não são formadas pelodesejo unilateral de alguém ou de um grupo. São geradaspelas aspirações inconscientes, pelos mistérios que cer-cam o surgimento da vida humana, pelos questionamentosdas origens e do destino humano, pelas forças espirituaisde cada povo, bem como por influência divina. Seria maisadequado afirmar que a cultura de um povo recebe forteinfluência de suas crenças e ritos religiosos, o que podeser observado de forma mais evidente nos países do Ori-ente Médio e na Ásia. Em alguns países, a autoridadereligiosa é também econômica e política. No Brasil, maisacentuadamente no Nordeste, essa influência acontecianas populações mais pobres, nas quais os clérigos se por-tavam lado a lado com o poder político, até mesmo dis-putando lugar.

Pode-se afirmar então que não há religião sem in-fluência cultural, e vice-versa, portanto, sem subjetivida-de. Toda religião ou ritual religioso contém uma manifes-tação da subjetividade psíquica inerente ao humano. Essasubjetividade (leia-se subjetividade igual a impulso in-consciente) permeia toda a cultura humana.

O fenômeno do surgimento de uma nova religião,ou da divisão de uma religião em distintos segmentos,está atrelado a fatores culturais, mas com interferênciasda religião tradicional. Quando ocorre uma certa tensãosocial motivada por fatores morais, seja por uma maior

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liberalidade ou por necessidade de retorno ao sagrado,estabelecem-se condições para aquele surgimento oudesmembramento.

Independentemente do que influencia a vida huma-na, seja a economia, as condições climáticas ou a cultura,existe, em cada indivíduo, um senso ordenador que oimpulsiona à busca do sentido e do significado da exis-tência. Esse senso ordenador que o faz querer elevar-separa além de si mesmo e ao encontro de algo superior étambém conhecido pelo nome de religião.

O termo religião pressupõe a idéia de re-ligação,etimologicamente validada na cultura judaico-cristã, poisderiva da idéia de que Adão teria se desligado de Deus.Todos, teoricamente seus descendentes, deveriam reataraquela ligação pela via da religião. Essa idéia passou afazer parte do inconsciente humano na cultura ocidental.Nas religiões originárias do Judaísmo, isto é, que têm aBíblia como referência maior, o termo encontra respaldo.Nele, também está implícita a idéia de salvação, pois Adão,que representaria a Humanidade, tendo sido expulso doparaíso, precisaria recuperar sua antiga posição. A deso-bediência provocou sua derrocada, conseqüentemente ade toda a Humanidade.

Nas religiões, ou caminhos de busca do transcen-dente, fora do eixo bíblico, deve-se ter outra compreen-são do significado da palavra religião. Talvez se devapensar em religião como busca pelo sagrado, como buscapelo Si-Mesmo (individualidade como Espírito imortal),como encontro com o divino ou como ascese mística. Asalvação pelo erro cometido por Adão não se aplica, porexemplo, ao hindu, ao budista ou ao taoísta, pois não têma mesma construção histórico-religiosa. A atitude religi-osa dos adeptos dessas três religiões não contempla a culpa

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nem a idéia de que devem ser salvos de um perigo subje-tivo e relacionado à Divindade, ou que devam se redimirde algum erro consciente ou inconscientemente cometi-do. A idéia está mais próxima de alcançar a iluminaçãodo que a salvação. Iluminação compreendida como umprocesso de aquisição de conhecimentos e experiênciaspara alcançar um estado de elevação divina. No Budis-mo, por exemplo, deve-se buscar o nirvana no samsara,isto é, a iluminação no mundo, e não fora dele. Ilumina-ção e salvação do espírito, pregados pelas religiões, sãorepresentações de polaridades psíquicas relativas ao Self.

O Espiritismo, ao adotar o Cristianismo, mesmocom interpretações próprias de seus postulados, reforçoua idéia inconsciente da culpa, da salvação e de religação.A salvação também não deve se aplicar ao Espiritismo.Difícil é mudar essa concepção, pois ela conta com o apoioinconsciente da tradição judaico-cristã, inerente aos quevêm reencarnando constantemente no ocidente.

O termo religião, para a maioria das religiões, guar-da relação com a busca do sentido e do significado davida. Mas as religiões, lamentavelmente, não têm alcan-çado, na prática, esse objetivo. Equivocadamente pareceque a responsabilidade disso se daria pela simples aceita-ção da religião. Talvez não. Creio que o adepto tem tam-bém sua responsabilidade. Ele ainda se situa como sofre-dor que precisa de alívio, culpado que necessita de reden-ção, crédulo que deseja confirmação de sua própriaimaginação, devoto envolvido pelo complexo messiânico,inocente em busca de emoções, temente, ingênuo e igno-rante. É preciso que ele saia dessa conformidade e cami-nhe livre para construir os alicerces psíquicos de suaevolução espiritual. Quando o adepto ultrapassar essesestágios, tornando-se consciente de que deve assumir seu

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próprio destino, sendo dono de sua própria vida, perce-berá a importância de constituir sua Religião Pessoal.

Entendo como religião o caminho para o encontroconsigo mesmo, para a compreensão do sentido e do sig-nificado da Vida e de tudo que diz respeito à palavra Deus.Portanto, não associo ao conceito de religião a idéia desalvação, pecado, fusão com Deus, negação do mundomaterial, exclusão social, imolação, sofrimento, adora-ção, idolatria etc.. Religião é pacto do indivíduo com aVida, como proprietário de si mesmo.

Ao pensar em religião, todo e qualquer ser humanodeve reportar-se a um processo de transformação, a umaconexão com o sagrado, visando o encontro consigo mes-mo e a descoberta do sentido e do significado da Vida.Práticas sagradas, rituais e cerimônias devem concorrerdiretamente para esse processo. Tê-las como simbólicasé mera representação, sem possibilidade de consecuçãoreal. É preciso sair do simbólico para a internalizaçãoconcreta do significado do que se vive como sendo sa-grado. Todo símbolo deve ser dissolvido a serviço da com-preensão real de seu significado profundo. Os rituais reli-giosos não precisam ser destruídos, mas seus significa-dos transcendentes devem ser absorvidos pela consciên-cia transformada.

Cada vez mais, no mundo moderno, os adeptos dasreligiões estão sentindo necessidade de inserir o esforçopessoal na aquisição das promessas que sua religião ofe-rece para seu futuro. A espera de um Deus dispensadoreterno de bens àquele que segue preceitos automáticos ecoletivos tem dado lugar ao esforço pessoal pela ascesemística. O esforço pessoal, a autotransformação, a auto-determinação, a renúncia ao egoísmo e ao orgulho, o sa-crifício pelo trabalho comum, a vida harmônica e equili-

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brada em sociedade e a dedicação ao próximo têm sidoos meios pelos quais se alcança aquela ascese. A idéia dosofrimento e da auto-flagelação cede lugar à conquista desi mesmo e ao reconhecimento da própria ignorância paraa busca da auto-realização. O culto externo cede terrenopara a construção pessoal de uma religiosidade operativaem favor da compreensão da vida e de si mesmo. Umareligião que também se ocupe do bem coletivo, de causassociais e, além de tudo, eleve o ser humano para conquis-tas maiores, sem retirá-lo do mundo, tem sido cada vezmais desejada. Religião vivida como meio de salvaçãoou de alívio de tensões é tão somente uma resposta à ten-dência coletiva arquetípica, reduzindo-se apenas a umprimeiro passo para a iniciação e constituição da Reli-gião Pessoal.

À medida que a religião é vivida, seus princípiosvão se dogmatizando. O que era puro vai se tornandomiscigenado pela agregação de conteúdos estranhos,oriundos dos complexos humanos. A comunidade de adep-tos, temendo a perda da garantia proporcionada pelo con-forto na adoção dos princípios religiosos, ferrenhamenteos mantém vivos. Isso cristaliza aqueles princípios,dogmatizando-os. É um fenômeno coletivo ao que nem oEspiritismo, com todo seu racionalismo, escapou. Issopode melhor ser observado quando do surgimento demovimentos ou grupos defendendo a “pureza doutriná-ria”, o retorno ao “Cristianismo primitivo” etc.. Não sepode esquecer que princípios devem sempre sercontextualizados tendo em vista não se tornarem motivosde sacralização de livros, de pessoas ou de templos, ge-rando dogmas. Esse fenômeno, quase impossível de serevitado, promove o atraso no desenvolvimento psicoló-gico de uma comunidade. O retorno à religião primitiva,

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ou como os antigos a viviam, representa uma dificuldadede adaptação ao moderno, ao novo e às atualizações doarquétipo religioso. O medo de perder as garantias e asegurança psíquicas é responsável por isso. A religião éum caminho e não o retorno ao passado. Sua atualizaçãoé um princípio necessário à manutenção de sua vitalidadeimpulsionadora da busca do Si-Mesmo.

Por outro lado, não se deve pensar que a anarquiareligiosa ou uma religião sem regras e normas seja a me-lhor opção. A religião não se sustentaria sem disciplina esem a manutenção de princípios; as divisões internas quenelas ocorrem se devem à necessidade de contextualizaçãoadequada para caber a evolução da psiquê humana. Quan-do os princípios de uma religião se opõem por demais àevolução intelecto-moral da sociedade, dá-se uma tensãointerna que fatalmente leva à cisão.

As religiões parecem que se cristalizam em dogmaspor exigência coletiva daqueles que ainda não alcança-ram a compreensão dos significados dos símbolos gera-dos pelo inconsciente. Aqueles que envelheceram na cul-pa, que ignoram a excelência do Criador, que não arris-cam na vida, que permanecem querendo benesses divi-nas e que se apegam ao egoísmo do poder impedem astransformações na religião.

A espiritualidade que é convidada pela religião deveser vivida em todo percurso da evolução do espírito. Queresteja encarnado, quer desencarnado. Não se deve pregarreligião apenas para a vida futura, mas principalmentepara a vida presente.

Os preceitos religiosos devem se opor à vida hu-mana em seu contexto material? Não seria uma contradi-ção estar no mundo e negá-lo? Não seria adequado pen-sar que é na relação com o mundo que se deve encontrar

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o sentido e o significado da vida humana? Para respondera essas questões, talvez seja adequado inserir-se uma ou-tra idéia de mundo. O mundo deveria ser consideradocomo a união da sociedade material com a sociedade es-piritual. Nessa união está implícito que uma interfere einfluencia na outra, sem primazia de qualquer delas. Dei-xariam de ser vistas como opostos inconciliáveis, mascomo uma totalidade na qual o espírito transita. Quandoo ser humano nega uma em detrimento da outra, ocorreum viés que reduz a própria vida. Quando a religião negauma sociedade em favor da outra, comete o mesmo equí-voco do materialista que se afirma sobre os pilares frá-geis do que apenas revela seus cinco sentidos. Negar omundo material é deixar de aprender aquilo que só nocontato com o corpo físico e nas relações interpessoaispertinentes a ele se adquire.

A religião deve ser facilitadora da relação do indi-víduo consigo mesmo e com o mundo, seja ele materialou espiritual. Deve levá-lo a experiências que produzamreflexões, emoções e sentimentos, diferentes das que temquando é tocado por outros arquétipos. A religião surge apartir da existência de um centro psíquico norteador dabusca humana pelo sentido e pelo significado da vida, oque também pode ser representado no desejo de perfei-ção, de harmonia e de plenitude, que todo ser humanopossui. A religião deve levar o indivíduo à celebração davida e ao encontro consigo mesmo. Quando os rituais re-ligiosos ou a vivência dos princípios das religiões man-têm o indivíduo conformado, limitado em suas capacida-des de vencer desafios e psicologicamente protegido pelafé, estão falhando em seus propósitos, estagnando o quefoi gerado para incessantemente crescer.

As expressões religiosas, através dos ritos, devo-ções e manifestações típicas são representações de esta-

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dos psíquicos. Por isso, a palavra deve ser consideradaem seu significado amplo e não apenas como uma buscapela religação com Deus. Deve ser entendida como umdos caminhos em meio a amplas possibilidades de en-contro com o divino.

A aparente liberdade de escolha religiosa encontraobstáculos nas poucas possibilidades de expressão, poisas religiões formais não se abrem para tal. A religião for-mal é coletiva e não atende à singularidade de cada um.Nenhuma religião atende à totalidade de cada indivíduo.Ele se reduz quando se conforma com ela. A psiquê in-consciente quer se expressar, razão pela qual se prolife-ram seitas e novas religiões que se prestam a atender àsnecessidades humanas interiores, mas nunca serão sufi-cientes à singularidade do indivíduo. Ele terá de fazer suabusca pessoal pela religião de sua própria alma.

O conhecimento científico trouxe inegáveis progres-sos à humanidade. Talvez o maior deles não tenha sido oavanço tecnológico em si. O apaziguamento da consci-ência humana não satisfeita e inquieta com a falta de ló-gica da realidade talvez tenha sido o principal fator deprogresso. A ciência tenta aquietar a consciência, mas tam-bém a deixa sem inúmeras respostas. Facilitar a vidamaterial, liberando o espírito para a criatividade e para avivência de sua subjetividade, tem sido a principal con-tribuição da ciência humana. Por outro lado, as religiõestambém têm proporcionado importantes conquistas parao equilíbrio psíquico. Tradicionalmente as religiões sãoresponsáveis por trazer consolo e orientação aos sereshumanos, principalmente quanto à vida futura e à vidamoral. Sua maior contribuição, porém, foi, e ainda é, aexpressão do inconsciente humano de forma assimilávelpela consciência. A oferta de ritualização do inconsciente

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até uma melhor compreensão dos conteúdos psíquicospara uma maior percepção do Si-Mesmo é a grande con-tribuição das religiões.

Religião é conexão do inconsciente com a consci-ência para o equilíbrio e plenitude do indivíduo. Seu sig-nificado é mais amplo do que atender necessidades deconsolo, de salvação ou de ligação com Deus.

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O que é religião

É mais comum definir-se religião como um siste-ma de crença coletiva em um deus, ou em algo que seassemelhe ao transcendente, e a existência de rituais quediretamente levem ao seu encontro. A palavra é comu-mente associada à crença em Deus, rezar, meditar, cultuar,entrar em transe, negar a vida material, o corpo e o pra-zer, bem como às experiências místicas e rituais ligadosao sagrado. Muitos vêem a religião como manifestaçãoda divindade em que tudo que é espiritual é religioso.

Religião representa a união de pessoas que têm cren-ças e práticas comuns relacionadas ao sagrado e que atri-buem um mesmo sentido à vida futura. Sob seu manto, aspessoas se sentem pertencentes e protegidas por forçassuperiores e abrigadas dos “perigos” e da “perda” da pró-pria alma.

O termo religião usado por mim é pobre para ex-pressar o sentido que lhe atribuo interiormente. Seria ade-quado pensar, no meu caso, que se trata de uma conexãoíntima e profunda com Deus, a que também atribuo umcaráter particular, e que promove conseqüências externassignificativas em minha vida. É, portanto, para mim, maisdo que um sistema religioso, pois, além de transcendênciae imanência, sinto-me envolvido como se fizesse partede tudo. Não me sinto Deus, nem parte dele, mas como sefosse seu próprio olhar e sua própria realização.

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A religião coletiva se aproxima sutilmente dos po-deres constituídos, pois ambos lidam com a mesma mas-sa coletiva. A proximidade da religião com o Estado re-vela implicações ligadas ao poder, portanto, ao domíniodo coletivo sobre o pessoal. A promiscuidade entre o po-der do Estado e o poder religioso revela a fragilidade hu-mana diante do sagrado, usando-o para objetivos nemsempre moralmente aceitáveis. É uma proximidade de-corrente da estreita relação existente entre o sagrado e oprofano. Um é a sombra do outro. A contradição ou mes-mo oposição entre os termos profano e sagrado definebem o que é este último. Sagrado é o que é totalmentediferente, separado. Profano é o que está fora do templo.Eles se encontram, pois são polaridades e uma mesmarealidade.

A religião deve também ser entendida como umfenômeno social, isto é, parte constitutiva da formaçãode toda sociedade. Sociologicamente trata-se de umamanifestação representativa da superioridade do gruposobre o indivíduo, que se submete a um poder cultural-mente presumido. A religião é uma manifestação naturalde todas as sociedades, que sempre esteve e estará pre-sente através de diversos simbolismos, revelando a com-plexidade da psiquê humana. A religião permite ao serhumano unir o maravilhoso, o sobrenatural e o numinoso,enquadrando todos os fenômenos assemelhados como desua esfera de influência.

Na adoção de uma religião, o poder do arquétipo serevela capaz de cooptar o indivíduo em favor do coletivo.Isso não ocorre na Religião Pessoal, pois a diferenciaçãodo indivíduo em relação ao coletivo é condição para suaconstituição. O termo religião deve ser entendido comobusca, conexão e encontro com o sagrado. Quando a ela

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se associa um culto externo ou crença em dogmas, passaa ter um caráter místico coletivo, distanciado da essênciada vida, tornando-se mera projeção psíquica.

Psicologicamente representa o atendimento a umimpulso instintivo da psiquê em atualizar o arquétipo daImago Dei, isto é, do Deus interior ou de sua marca noInconsciente Coletivo. Espiritualmente simboliza a bus-ca do Espírito pelo encontro com sua natureza essencial,pela compreensão do próprio mistério de suas origens epelo motivo para o qual foi criado.

Os rituais religiosos revelam, pelas imagensarquetípicas exóticas, algo pertencente à dimensão obs-cura da estrutura representada, isto é, da psiquê humana.Totens com faces agressivas, figuras monstruosas, for-mas geométricas descontínuas, formas geométricas simé-tricas, animais ferozes, sacrifícios humanos etc., dão lu-gar a movimentos circulares, esculturas angelicais,exaltação à beleza, à estética, o que demonstra mudançasnas representações atualizadoras do arquétipo. A psiquêrevela transformação nas escolhas das imagens represen-tativas do arquétipo divino. As mudanças que ocorrem nasociedade, ao mesmo tempo em que alteram as represen-tações arquetípicas, também decorrem das atualizaçõesnos arquétipos que se verificam a todo momento.

Por outro lado, observa-se uma lenta inversão nadireção do ritual. Os sacrifícios e as expressões externasdão lugar a meditações e reflexões profundas. O recolhi-mento que o ser humano fazia em busca da própria cons-ciência vai tomando o lugar da adoração externa. Eleantes buscava algo que não entendia em si mesmo, aoolhar exclusivamente para a natureza fenomênica. Sutil epersistentemente, o inconsciente exige ser atendido eobservado, pois tem algo importante a revelar. O antigo

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movimento era do inconsciente para a consciência; umnovo movimento surge, sem desprezar o anterior, da cons-ciência para o inconsciente. Agora, a consciência do eudesempenha importante papel. Competências e novas ha-bilidades foram incorporadas ao ego, tornando possível acondução do processo. É o Espírito que precisa se conhe-cer para o grande encontro com o divino. Essas mudan-ças, nas representações em imagens arquetípicas e nadireção do novo movimento, deverão ser incorporadaspela religião, o que pode ser observado na grande procu-ra pela Psicologia em paralelo à religião. Os consultóriosde análise e terapia tomam o lugar antes exclusivamenteocupado pelo confessionário. O sacerdote, guru ou líderreligioso, conselheiro de seus fiéis, atualiza-se qualifican-do-se como psicoterapeuta. Em certos casos, exige-sedeste último o conhecimento espiritual necessário paralidar com uma nova alma em busca de si mesma.

Religião lida com a totalidade da vida, com a mor-te, com a busca da verdade e com a busca do sentido e dosignificado da vida. Esses temas são marcados de dife-rentes formas nas várias culturas e se alteram no decorrerdo tempo. A inexistência do céu, do inferno, os paradigmasadmitidos pela Física Quântica, as pesquisas em torno dareencarnação e as revelações a respeito da continuidadeda vida após a morte puseram em cheque as interpreta-ções religiosas tradicionais. A linguagem da religião nãopode mais ser aquela utilizada na era medieval. Um novotipo de fiel, esclarecido e questionador, exige uma novalinguagem religiosa.

A velocidade de transformação promovida pela re-ligião coletiva é muito menor do que aquela conduzidaconscientemente pela Religião Pessoal. Muito embora areligião coletiva seja dinâmica, sua capacidade de pro-

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mover transformações no indivíduo é extremamente fra-ca. A psiquê humana, impulsionada pelo Espírito imor-tal, exige maior celeridade para sua evolução.

A religião deve ser um vigoroso instrumento detransformação e atualização do arquétipo corresponden-te. Quando não proporciona isso, cristalizando-se emdogmas e teorias ultrapassadas, perde seu papel transfor-mador da alma, sendo apenas um passa-tempo pueril.

Enquanto a religião for procurada para cura, sejado corpo ou da alma, será apenas uma iniciação a algotranscendente. A religião deve ser um instrumento de de-senvolvimento para o espírito. A esperança é de que atecnologia transforme o mundo, para que venha a servirao ser humano. Assim, a religião não será para a salvaçãodo mundo nem para transcendê-lo, mas para que o serhumano se torne seu próprio Deus.

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O que háde comum nas religiões

O bservando práticas religiosas e analisando ospressupostos teóricos da maioria delas, pode-se encon-trar algumas semelhanças que servem para o entendimentoda questão do arquétipo religioso. Essas semelhanças nãoesgotam os conteúdos que trazem em seus princípios. Asreligiões são fenômenos cuja profundidade escapa ao sen-so comum e à simples análise em um livro.

Algumas dessas semelhanças podem fazer parte daReligião Pessoal, pois sua prática permite o sentimentode irmandade e inserção numa religião coletiva, sem per-da da consciência de seu processo interno de transfor-mação.

Regra de ouro – não fazer aos outros o que nãoquer que lhe façam.A maioria das religiões prega uma regra de proce-

dimento nas relações interpessoais – fazer ao outro o quedeseja para si. Isso sugere um certo cuidado para com avida do outro e com o que se faz para ele. Essa regra nãoé universal, pois pode se desejar para si algo que não éadequado ao outro. Deve-se entender que a regra incluidesejar o melhor para o outro, o que lhe traga harmonia,

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paz interior, prosperidade e felicidade. A caridade, a com-paixão e o amor ao próximo são atitudes presentes naconsciência coletiva humana que se inserem nessa regra.

Busca pelo transcendente. Fé.A busca do transcendente pela via da fé é outra ca-

racterística comum às religiões. Os adeptos, convictos dapossibilidade de acesso ao divino, se permitem envolverpela fé, buscando uma conexão íntima com o que consi-deram mais sagrado. A fé, raciocinada ou não, é a via decomunicação utilizada pelos indivíduos. Fé é um estadopsíquico que permite o acesso ou conexão com o arquéti-po numinoso, além de possibilitar a comunicação com asforças superiores da vida. Sem ela, a religião é fria, asse-melhando-se a uma simples filosofia de vida. A fé deveser desenvolvida pelo indivíduo à medida que ele se es-clarece e compreende melhor os segredos do Universo.Práticas meditativas, exercícios de interiorização, esta-dos mentais contemplativos, entre outros, relacionam-sea fé religiosa.

Nova atitude moral. Busca de santidade.A necessidade de transformação moral, presente nas

religiões, exige de seus adeptos atitudes novas perantevelhos hábitos e vícios. Modelos de indivíduos são apre-sentados, servindo de balizadores para o encontro do ide-al de personalidade. A maioria das religiões prega a satis-fação do adepto e o cumprimento de certos preceitos deforma persistente e disciplinada como modo de ingressoao destino final proposto. Muitas vezes, a exigência so-bre o indivíduo é tão grande que lhe impõe uma culpainconveniente. Quanto mais o adepto imita um modeloidealizado, mais se afasta de si mesmo. Para evitar isso,

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deve-se viver o possível, almejando-se o ajustamento entreo pensar, o sentir e o agir.

Conexão com algo pertencente ao sagrado.Nas religiões, o ego deseja conexão com algo sagra-

do, que lhe retire do estado de consciência comum e danormalidade cotidiana. Objetos, lugares, certas experiên-cias e pessoas são particularmente sacralizados por contadas projeções e transferências inconscientes, para que seconsiga um contato mais intenso com a divindade eleita.Rituais, fórmulas mágicas, transes mediúnicos, substânci-as alucinógenas, bem como sortilégios de vários tipos sãoutilizados para obtenção daquela conexão. O indivíduodeseja realizar instantaneamente o que deveria ocorrer nasexperiências comuns de sua vida. Uma passagem se avizi-nha pela adoção da Religião Pessoal – o sagrado é algointerno e não externo, o que exige transformação pelo es-forço contínuo no sacrifício e na renúncia do egoísmo e doorgulho. O indivíduo deverá descobrir que aquilo que existede mais sagrado é algo que habita nele mesmo. É sua pró-pria existência, a qual não pode evitar.

Harmonia com o todo. Ética.Nas religiões, observa-se uma necessidade do indi-

víduo se sentir pertencente ao todo e com ele estar emsintonia e harmonia. A vontade dessa harmonização adveioda consciência, cada vez mais crescente, sobre a conexãoque existe em todas as coisas do universo. Antes que aFísica moderna (Quântica) afirmasse a interligação detodas as coisas (teoria das super-cordas), as religiões,desde sempre, já incentivavam essa idéia. Essa interli-gação, ao mesmo tempo em que conecta cada parte doUniverso, o humaniza. É necessário entender que algo

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permeia as coisas, além delas e além do humano. Por contadisso, uma ética única subjaz. É a ética do autor, da uni-dade de todas as coisas. O autor do Universo, sem razõesnem explicações, nos conectou como individualidadesvivendo uma consciência coletiva. As éticas instituídaspelas religiões derivam da ética divina.

Doutrina (Filosofia e Teologia).Toda religião tem sua doutrina filosófica, geralmente

calcada na sabedoria da cultura da região de onde se ori-ginou, enxertada pela absorção de ensinamentos deixa-dos por algum líder ou fundador. Em geral, sãoensinamentos canalizados, ou mediunicamente recebidos,constituindo-se em revelações transcendentes que visama elevação moral e espiritual das pessoas. Na grande mai-oria dos ensinamentos, o tema central é a divindade oualgo que a ela se assemelhe, orientando as pessoas a umaconduta pertinente com aqueles ensinamentos. Ao longodo tempo, tais ensinamentos recebem enxertos e inter-pretações que visam preservar a tradição religiosa, mui-tas vezes distanciadas do efetivo objetivo de elevar ouiluminar o ser humano. Algumas doutrinas religiosas fo-ram utilizadas com a finalidade de atender a necessida-des políticas nem sempre a serviço da paz e do amor. Todaaplicação de uma doutrina religiosa ou de sua interpreta-ção deve estar a serviço da libertação da consciência e dafelicidade do ser humano.

Respeito ao próximo. Compaixão. Humildade.A moral contida na maioria das religiões inclui o

respeito ao próximo, a humildade e a compaixão. São vir-tudes pregadas que devem levar o indivíduo à paz consi-go mesmo e com o próximo. Toda religião é um código

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ético de conduta que inclui uma série de virtudes, cujaaquisição capacita o indivíduo a estar em conexão comuma certa ordem cósmica divina. As virtudes mais prega-das são o amor ao próximo, a caridade, a fidelidade etemência a Deus, a bondade, a compaixão, a fé inabalá-vel, a humildade, a simplicidade, a paz interior e a ilumi-nação espiritual. À medida que a sociedade integra taisvirtudes, as exigências com o indivíduo são maiores.Quando alguns indivíduos integram tais virtudes numasociedade atrasada, ocorre inevitavelmente uma tensão aser conciliada. Mártires, líderes carismáticos ou revolu-cionários surgem para alívio geral.

Explicações cosmogônicas. Busca pela sabedoria.Toda religião possui uma cosmogonia própria, ge-

ralmente dissociada dos fatos históricos. As religiões ten-tam, cada uma com seu sistema de valores, apresentaruma explicação para as origens e o funcionamento doUniverso. Essas explicações geralmente contemplam osurgimento da Terra e do ser humano, seu destino e o quedeve fazer no mundo. Essas cosmogonias sempre mere-ceram atenção das ciências, que, às vezes, derrubava fal-sas teorias religiosas. Mesmo assim, dificilmente as reli-giões modificam suas cosmogonias, elegendo-as artigosde fé (dogmas) sustentados pela ignorância popular. Em-bora a ciência nem sempre esteja coesa em suas explica-ções e, algumas vezes, tenda a voltar atrás em seus prin-cípios, a manutenção dos dogmas religiosos revela o po-der do arquétipo gerador do símbolo contido na afirma-ção cristalizada. Não há religião sem princípios cosmogô-nicos. A melhor cosmogonia é a que pode ser reconside-rada a cada momento em que a consciência humana seamplia no conhecimento a respeito das coisas.

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Relação com a morte. Imortalidade.A morte é tema básico das religiões e, talvez, por

sua ocorrência, elas existam. A grande maioria delas apon-ta para a imortalidade do espírito e, em alguns casos, paraaqueles que viveram segundo um código de conduta reta.O contato com os mortos, bem como a possível situaçãodeles, é tema recorrente nas religiões. Elas se valem daimponderabilidade do tema e do mistério que o envolvepara lançar suas doutrinas. A morte é a mais fiel repre-sentação do inconsciente, o que possibilita inúmeras ila-ções, sentimentos e projeções de conteúdos. Para melhorlidar com o imaginário sobre o depois da morte apresen-tado pelas religiões, cada ser humano deve imaginar seupróprio destino. Nada deve substituir a imaginária expe-riência da morte pessoal. Todo indivíduo deve avaliar oimpacto de sua experiência imaginária de morte em suapsiquê, transferindo suas ilações para a vida que leva. Amorte é a renovadora da vida; sem ela, o novo não surge,a sociedade não se transforma nem se recria. A oferta depossibilidades melhores para a pessoa após a morte sefundamenta no seu temor. As religiões não deveriam seocupar de propor unicamente uma conduta reta comocondição para uma vida melhor após a morte; deveriamtambém fortalecer a imortalidade real aplicada à vida pre-sente. A imortalidade não deveria ser apresentada condi-cionada à vida reta, pois já é atributo inerente ao Espírito.Deve-se viver o presente considerando a imortalidade doser humano.

Compreensão da natureza humana e da indivi-dualidade.As religiões parecem pôr o ser humano num lugar

inferior e como devedor da natureza. Ocorre que o ser

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humano é o construtor da história, o organizador da Na-tureza e o idealizador, para si mesmo, do que é Deus. Elenunca soube, e talvez nunca venha a saber de fato o queDeus “pensa” a seu respeito. Ele intui, imagina, supõe,sente, porém o que lhe vier sempre será produto de suaprópria concepção e interpretação. Até melhor possibili-dade de compreensão, a natureza humana é produto es-pecial da Criação e seu mais legítimo representante. Oser humano é uma singularidade espiritual que se mani-festa biológica (instintos e sensações), física (expressãocorporal), emocional (comportamento afetivo), intelec-tual (capacidade cognitiva), social (criando grupos soci-ais) e, acima de tudo, espiritualmente (expressões psíqui-cas e mediúnicas). A individualidade do Espírito o credi-ta a ser considerado autônomo, autodeterminado e o úni-co responsável pelo seu destino. A “ajuda” divina deveser compreendida como uma ocorrência a serviço da atu-alização de suas experiências na vida e de sua concepçãode Deus.

Práticas ritualísticas.As religiões se alimentam dos rituais que são prati-

cados com o intuito de que seus adeptos alcancem umestado transcendente de conexão com algo superior. Todareligião deve proporcionar, através de suas práticas, ex-periências místicas, transcendentes ou numinosas. Emgeral, o ritual se processa na dimensão simbólica, cujodomínio pertence ao inconsciente. Ritualizar é atender auma necessidade que se inicia por força da tendência in-consciente do arquétipo do Si-Mesmo. A racionalizaçãoda prática ritualística, realizando-a de forma consciente,sem qualquer sentimento, tem levado a religião a se tor-nar tradição conservadora e mero folclore popular. A

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laicização das manifestações religiosas, tornando-as, porexemplo, eventos carnavalescos e oportunidade de reali-zar negócios informais é uma demonstração da perda daenergia emanada do inconsciente para a consciência. Oritual, antes numeroso e ativado pelo Si-Mesmo, passaráa obedecer a outros arquétipos. Os rituais são formas dealívio psíquico, cuja extinção requer a execução de al-gum mecanismo substituto. É preciso integrar o aspectoreligioso que estava sendo simbolizado no ritual. Umareligião que exclua os rituais deve oferecer outros meca-nismos de representação para a realização do arquétipodo Si-Mesmo, que sejam profundamente compensadorese que lhe integrem as qualidades.

Templos.Os templos religiosos antigos, em geral, foram

erigidos em locais sagrados, nos quais se deram fenôme-nos numinosos e/ou mediúnicos. Situavam-se ou se tor-naram praças centrais, denotando representar o Self. Ou-tros foram erigidos por indivíduos de acordo com o cha-mado numinoso que experienciaram. Eles são referenciaissimbólicos onde cabem os postulados reverenciados.Quanto mais suntuosos, maiores são as qualidades do Si-Mesmo projetadas na divindade ali adorada. São locaisconsiderados sagrados, que servem de projeção do Selfde cada um e da coletividade religiosa. Não são sagradosem si, apenas recebem as emanações psíquicas dos queassim os consideram. A maioria deles, quando alimenta-dos psiquicamente pelos responsáveis por administrá-lose pelos adeptos, servem para perpetuação da fé e da ma-nutenção da religiosidade popular. São locais que se pres-tam à formação de imagens arquetípicas relacionadas àdimensão religiosa da psiquê, bem como às representa-

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ções do Si-Mesmo. Espiritualmente, prestam-se ao agru-pamento daqueles que se situam na esfera da busca pelarealização pessoal e coletiva.

Estrutura organizacional. Divisões e escolas.A organização de uma religião obedece a um

intrincado mecanismo de manutenção do poder por partede seus fundadores. As religiões estão a serviço do pro-cesso de individuação das pessoas, conduzido pelo Selfde cada um. Dada a importância do arquétipo e de suasupremacia no processo, o desejo de poder aparece re-querendo o lugar de comando. Ao mesmo tempo em quese presta à organicidade da religião, uma estruturahierarquizada acaba por engessar a possibilidade de trans-formação das pessoas. Para manter a unidade, criam-seregras, princípios e, às vezes, dogmas que não permitema flexibilização e contextualização das crenças. A reli-gião se torna uma prisão ao espírito por conta das hierar-quias que atravessam gerações, distanciadas da levezaproposta pelos princípios que defendem. Em geral, as re-ligiões se dividem por força da disputa de poder, das di-ferentes compreensões a respeito do sagrado, refletindonovos arquétipos a serem atualizados. Tais divisões, co-muns, por exemplo, no Cristianismo, refletem a riquezada diversidade como uma característica da complexidadeda psiquê humana.

Dialética bem X mal.Essa é a questão central das religiões, pois a deci-

são sobre essa contenda é sua principal reivindicaçãocomo suprema autoridade. As religiões se mostram juízesabsolutos em determinar o que é um e outro, bem comoem estabelecer o destino das opções de cada um em ado-

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tar este ou aquele comportamento, o que poderia ter me-lhor efeito sobre as consciências se, de fato, conseguissereduzir a culpa gerada nas opções de escolha comporta-mental. Em geral, as religiões conseguem, mesmo ofere-cendo horizontes espirituais consoladores, incutir culpasperniciosas. Não percebem que os chamados “demôni-os” habitam o inconsciente humano. Teimam em tornarabsolutos entes subjetivos, criados pela psiquê humanacomo âncoras flexíveis. Não aceitam a relatividade dobem e do mal, exigindo de seus adeptos compromissossuperlativos à sua condição humana. Teimam em querertornar divino o que ainda não completou sua percepçãodo humano. Querem esclarecer para libertar, mas opri-mem ensinando dogmas de como obter favores divinos.A supervalorização do Bem faz surgir a força reativa doMal. E vice-versa. São polaridades como Yin e Yang. Beme mal são polaridades psíquicas que representam entesimaginários que compõem o Self. Na Religião Pessoalvive-se o possível, buscando ações que se tornem coe-rentes com uma ética interna de não prejuízo a si e aopróximo.

Datas comemorativas.As religiões comemoram datas em que celebram

rituais marcadores de eventos históricos para reavivar afé dos seus adeptos. São eventos que vão gradativamentese ampliando e se tornando parte do folclore popular. Saemdo privado e passam para o público, deixando seu carátersagrado, se é que algum dia o tiveram. A comemoraçãode datas se distancia do conteúdo do evento originado,transformando-se em mera expressão de divulgação dareligião. Sua sacralização se deve às exigências dofundamentalismo, cuja origem não se encontra no arqué-

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tipo do Si-Mesmo, mas num complexo coletivo de poder.As datas que evocam eventos significativos deveriam seraproveitadas na intimidade de cada indivíduo, sem osexageros das festas coletivas que esvaziam o significadoprofundo da religião.

Livro sagrado.As religiões se perpetuam também graças a livros

que conservam e divulgam ensinamentos consideradossagrados. O processo de sacralização dos livros que con-têm os princípios das religiões dá-se com a passagem degerações que lhes transmitem o resultante das experiên-cias numinosas que foram vividas. A conservação de li-vros, divinizados pela exigência psíquica na geração desímbolos, contribui para a continuidade da crença religi-osa, bem como para a universalidade dos princípios dou-trinários. Equívocos são cometidos quando, sob pretextode contextualizar a compreensão do que foi escrito, seadultera o conteúdo, incluindo “vírgulas”, alterando pa-lavras, adicionando-se notas explicativas, ou com tradu-ções mal feitas. Todo livro, seja religioso ou não, refleteo pensamento de alguém ou de um grupo, emitido numaépoca envolvida por contextos político-históricos. Todapalavra ou expressão humana não é absoluta, pois ela é arepresentação da subjetividade psíquica, que, como tal,deve ser contextualizada livremente por quem a ouve oulê, sem que as fontes originárias devam ser alteradas. Aoinvés de se alterar fontes originárias, deve-se escrevernovos livros sobre antigos textos. A sacralização dos li-vros contribui para a perpetuação de dogmas. Na Reli-gião Pessoal o “livro sagrado” é aquele que é escrito nocoração da pessoa com o sentimento de amor que é capazde ser vivido no dia-a-dia. As religiões se fundamentam

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em revelações consignadas em livros, cuja compreensão,nem sempre racional, deverá levar seus adeptos à evolu-ção espiritual. A passagem da letra para a efetiva evolu-ção do espírito requer um sem número de experiências,cuja intensidade e qualidade não se encontram nos livros.

Fundador, profeta, guru, mestre, médium,avatar, deuses etc..As religiões também costumam sacralizar a vida

de seus fundadores. Eles são transformados em profetas,mestres, gurus, grandes médiuns, avatares, semideuses,às vezes em vida, e, na maioria dos casos, após a morte.Em certos casos, nem chegam a ser considerados mortos,mas transubstanciados. As religiões confundem a mensa-gem com a pessoa. Ao mitificar o ser humano estão pro-jetando o Self num representante mais próximo de suasqualidades, consideradas divinas. A mitificação do fun-dador ou líder religioso é uma exigência do Self. Com otempo, as características da pessoa desaparecem, dandolugar ao mito, representação do Self coletivo. Tais lídereseram pessoas tão comuns como qualquer “mortal”. Asprováveis características especiais demonstradas não osdistanciam de suas outras, humanamente reais. Antes deserem mitificados, eram pessoas reais e com todas as ne-cessidades humanas. Quanto mais se mitifica uma pes-soa, mais se distancia de sua real personalidade e da pos-sibilidade de se assimilar suas qualidades. Imitar um lí-der pode ser uma atitude alienadora quando se abdica deviver a própria natureza. Deve-se viver a própria vidacomo o líder viveu a que lhe era pertinente. A ReligiãoPessoal é a da autodeterminação, na qual o indivíduo setorna proprietário de si mesmo sem alienações ou imita-ções de modelos divinizados.

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Desprezo equivocado pelo mundo material.A oposição entre vida material e vida espiritual está

presente na grande maioria das religiões, reforçando o graude alienação do indivíduo ao seu momento presente. Odesprezo à matéria está na razão direta do grau de imagi-nação fantasiosa a respeito da vida espiritual. Quanto maisse nega a vida material, mais se especula a respeito da vidaespiritual. Deve-se entender que a vida material é conti-nuidade da vida espiritual, não sendo simplesmente seureverso; também uma não é representação da outra. Se as-sim fosse, a vida material seria um grande teatro e todosseríamos títeres. Práticas místicas em favor de uma supos-ta transcendência espiritual, que pregue a eliminação dodesejo e da vivência comum que a vida cotidiana nos exi-ge, reprime a totalidade da natureza humana, que é dupla-mente instintiva e espiritual. Não se trata de supervalorizara matéria em detrimento do espírito nem tampouco de sedesprezar a ascese espiritual pela transcendência, mas decompreender que a vida material é vivida pelo espírito enela ele também apreende as leis de Deus.

Há semelhanças significativas entre as religiões,mas há diferenças em todas elas que atestam a diversida-de da psiquê humana, quiçá do próprio Deus. Mesmo ten-do tantas semelhanças, o sectarismo ainda impera no seioda sociedade. O ecumenismo não é alcançado. O encon-tro entre os líderes religiosos torna-se uma utopia, porconta do orgulho e da força do arquétipo em cada indiví-duo. A exclusividade ainda é a marca da fé.

A religião formal domina as consciências, ofere-cendo-lhes tranqüilidade, felicidade e salvação. A Reli-gião Pessoal oferece-lhes esforço, autodeterminação e apropriedade de si mesmas.

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Ao longo da história pode-se perceber osurgimento, desenvolvimento, divisão e declínio de reli-giões. A religião é um acontecimento cultural coletivo,mas também é um fato individual psíquico. Acontece in-ternamente antes de se tornar um fato externo. Após lon-go processo de maturação, algumas religiões despontamcom o surgimento de um profeta, emissário ou sábio, oupor causa de uma divisão por descontentamento ou novainterpretação de seus cânones.

Tal fenômeno, a divisão, reflete uma insatisfaçãodaquilo que é individual. O apelo religioso coletivo jánão atende à psiquê individual. Sua massificação inibe amanifestação da instância psíquica sagrada, agora maissingularizada. A evolução do indivíduo, caracterizada poruma nova percepção da totalidade da vida, exige novarepresentação do sagrado. A religião formal não suportanovas possibilidades de representação exigidas pela mentetransformada.

As ramificações das religiões é um fenômenoinexorável, que pode dar a idéia de que a marca divinaem cada ser humano é pessoal, singular, portanto, única.Há um “deus interno” exclusivo em cada ser humano. Asdivisões internas existentes nas religiões denunciam aexistência de inquietações na psiquê. Um exemplo claro

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dessas divisões pode ser notado no Bramanismo e no Ju-daísmo. Com seus cismas, suas cisões, suas alianças como poder temporal e as dissensões, dão mostras de que,gradativamente, há um processo lento de amadurecimen-to da psiquê a caminho da Religião Pessoal.

A religião coletiva é uma força bruta a ser depuradapor cada indivíduo no seu contato com as experiênciasnuminosas. As religiões tradicionais permanecem no ní-vel arquetípico, não alcançando a individualidade. É pre-ciso propor alternativas no nível da consciência pessoal.O refinamento ocorre com a Religião Pessoal. Uma ex-pressão religiosa mais próxima para cada indivíduo pas-sa a ser necessária. O coletivo vai cedendo lugar ao indi-vidual. O surgimento de muitas religiões é uma demons-tração das exigências da psiquê individual, não mais li-mitada ao fenômeno coletivo. As liberdades e garantiasindividuais de manifestação religiosa permitem osurgimento da religião individual.

Lentamente as religiões vão se reinventando, refun-dindo-se com o surgimento de novos paradigmas. A cris-talização do dogma cria uma tensão, favorecendo osurgimento de dissidências e de novos dogmas. Nessesentido, Buda está para o Hinduísmo como Lutero, parao Catolicismo e Jesus, para o Judaísmo. De um lado, oHinduísmo, ao tempo em que estimula a iluminação, ini-be a individualidade; do outro, o Judaísmo, particulari-zando a salvação e a relação direta com Deus, contribuipara o egocentrismo.

A diversidade de religiões, bem como as diferentesinterpretações e vivências de cada uma delas, atestam acomplexidade do sagrado na psiquê. Essa complexidadeaponta para a ordem divina, representada pelo Self. A pre-tensão de certas doutrinas de ser a religião da humanida-

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de é uma exigência arquetípica não só do Catolicismo.Os princípios universais encontrados em todas elas pos-sibilitam a idéia equivocadamente hegemônica de supre-macia. É difícil ao cristão, por exemplo, não pensar queJesus falou para a humanidade, assim como ao mulçumanopensar que Allah não é o absoluto.

As religiões sacralizam certos eventos, bem comopessoas e fatos naturais da história. Criam cosmogonias,englobando tudo e todos. Essa é a razão por que se tornadifícil aceitar a total dessacralização da existência huma-na quando se tem consciência e certeza da presença deDeus em todas as coisas. A sociedade, com seus siste-mas, é obrigada a resolver todos os questionamentos hu-manos, sanando suas angústias, ou isso é tarefa exclusivada religião? A religião é um dos sistemas da sociedade oudeve, por negar o mundo, considerar-se externa a ele, ten-do, então, o papel de responder às questões magnas dahumanidade? Esse papel, inicialmente entregue à religião,tem sido ocupado também pelas ciências, que não lhesubstituirá o lugar. Ciência e religião não se complemen-tam, pois existem outras possibilidades de percepção darealidade que ambas não alcançam. Enquanto não perce-berem que lidam com o Espírito imortal, estão apontandoutopias a respeito do espiritual.

As religiões tratam de questões que, ao longo dotempo, vão perdendo sua função simbólica religiosa. Ocor-re um processo natural de dessacralização. Temas como amorte e a sobrevivência do espírito estão perdendo forçana religião por conta do amadurecimento da consciênciahumana. Sucessivamente a religião tratará de outros te-mas que também, um dia, perderão sua coloração religio-sa. Assim se deu com o raio e o trovão, fenômenos antessacralizados pelo ser humano primitivo e que hoje, por

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ter todo o seu mistério desvendado, são do domínio daciência.

Esse fenômeno, da dessacralização, uma espécie desecularização, se deve ao amadurecimento do espírito,aprendendo a cada experiência reencarnatória. Essadessacralização recebeu, após a idade média, a contribui-ção do racionalismo e do Espiritismo, que desmistificarammuitas teorias absurdas. A psiquê humana, em sua fun-ção religiosa, encontrará outro meio de manifestar suaincessante necessidade de entendimento a respeito do di-vino, que, em última análise, é a busca pelo Si-Mesmo. Asecularização não conta apenas com a razão, mas, princi-palmente, com a realização do Si-Mesmo, por via da Re-ligião Pessoal. Não se trata de um culto à razão nem daanulação da religião coletiva formal, pois esta émobilizadora e impulsionadora na direção da ReligiãoPessoal.

As causas que justificam o surgimento de uma reli-gião podem não mais se apresentar de forma superlativae maravilhosa como antes. O ser humano de hoje não é omesmo nem passa pelas mesmas tribulações que aquelede dois ou três mil anos atrás. Ainda que se perceba omesmo e que pertença a uma coletividade, não é o mes-mo individualmente. Por isso, a maioria das religiões ca-ducaram em certos princípios e em alguns apelos. O serhumano de hoje é muito mais esclarecido, e a sociedadejá tem outros níveis de exigência. O ser humano para quemBuda, Jesus, entre outros, falavam não é o mesmo de hoje.Por mais que se queira transpor, Benares ou Jerusalémnão são Nova York ou São Paulo. As religiões devemcontextualizar seus princípios, muito embora a maioriadeva manter a essência. Assim como com Buda, com Je-sus também se deu a questão da divinização do homem.

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Da mesma forma, as palavras e ensinamentos originaisforam consecutivamente alterados ao longo dos séculos,fazendo surgir, desde a morte deles, diferentes escolas edoutrinas. Essas mudanças ocorrem à serviço da consti-tuição da Religião Pessoal de cada um.

A religião deve pugnar pela liberdade de busca in-terior, sem necessitar mais de um cânone superior que adetermine. Missionários ascetas dão lugar a pessoas co-muns vivendo naturalmente, envolvidas com suas famíli-as, inseridas no mundo sem sair dele. Não são mais cru-cificados ou apedrejados nem fazem exagerados votos depobreza. O ideal ascético, monástico, distancia o ser hu-mano do mundo, sobrecarregando os demais indivíduos,que suprem os esforços que caberiam a eles. À socieda-de, alguém doa a cota de energia que seria dada pelosascetas. O ascetismo, quando não se põe a serviço da so-ciedade, confunde-se com o egoísmo. O ascetismo pare-ce fazer parte das propostas de devoção da maioria dasreligiões formais, como uma espécie de negação do mun-do. Na Religião Pessoal, sua prática está condicionada auma dedicação intensa à melhoria da sociedade e à com-paixão pelo próximo.

Religião é um processo de interiorização, de mer-gulho e transcendência do eu. É uma procura peloSi-Mesmo e pelas razões fundamentais da existência hu-mana. Trocá-la pela simples crença em algo ou pelaadoção de regras e princípios, sem a preocupação comaquele processo, significa enrijecer a mente e menospre-zar sua importância. Por outro lado, qualquer proposta deascensão espiritual, reforma íntima, individuação ourealização pessoal que negue a vida na matéria comtodos os seus percalços e desejos não estará alimentandoo espírito.

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As religiões são manifestações do Si-Mesmo ou ain-da representações do arquétipo sagrado. Surgiramgradativamente ao longo da história da humanidade numademonstração da dinâmica psíquica coletiva. As religi-ões tribais e das pequenas sociedades deram origem àsreligiões formais. O Hinduísmo, o Judaísmo, o Zoroastris-mo, o Jainismo, o Taoísmo, o Budismo, o Confucionismo,o Islamismo, o Cristianismo Paulinista, o CatolicismoOrtodoxo, o Sikhismo, o Luteranismo, o Anglicanismo,as religiões Pentecostais e o Espiritismo são faces damanifestação do arquétipo sagrado.

Religiões ou “caminhos” são tendências coletivasque conduzem o ser humano à busca de sua própria iden-tidade essencial. Não contêm verdades, mas pressupos-tos teóricos e vivenciais que aproximam o ser humano desi mesmo. Religião é uma necessidade do inconscienteque precisa da consciência para acontecer.

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Síntese dos fundamentosdas religiões formais

O irresistível apelo da religião parece estar relaci-onado com uma proposição supra-arquetípica, isto é, comum projeto divino, além do ser humano. As religiões sur-gem independentemente do desejo de um líder, em tornodo qual se forma todo um mito. Esse mito, forjado peloinconsciente, se distancia da natureza humana, tornando-se característico do arquétipo que o rege, o que pode serconstatado na descrição que se faz da personalidade dosfundadores das religiões ou de seus principais fomen-tadores. Geralmente não se descreve uma pessoa, mas um“deus”; descreve-se uma imagem arquetípica e não a doindivíduo que iniciou a religião ou que desenvolveu al-gumas idéias religiosas diferentes daquelas tradicionais.É difícil o adepto aceitar que seu “deus” nunca deixou deser humano.

A idéia de que religião se refere a uma religaçãopode estar associada à existência da consciência e do ego.Inicialmente o ser humano mais primitivo vivia inconsci-entemente, sem uma identidade pessoal, portanto, sem aconsciência do ego, dissociado do meio e da profusão desímbolos automaticamente gerados pela sua psiquê dian-te das experiências naturais do viver. O inconsciente era

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sua própria e única condição legítima de existência. Comas experiências no tempo e pela existência de uma indivi-dualidade inerente à condição de Princípio Espiritual (Si-Mesmo), formou-se sua representação no campo da cons-ciência, dando surgimento ao ego. Este, de certa forma, éo representante da identidade essencial do indivíduo, que,por sua vez, permanece oculta e inacessível à consciên-cia, o que configura a existência de uma dualidade. Essadualidade representa o rompimento natural entre o incons-ciente e a consciência.

Pode-se entender, pelo exposto, que religião, nosentido de religação, é a conexão que se deseja entre oego e o Si-Mesmo. É o desejo de ligação da consciênciado ego com o sentido e o significado da vida, ou ainda,religação da consciência com a dimensão espiritual. Essesentido pode, então, ser aplicado a todas as religiões, queseriam manifestações da tendência coletiva em tornarconsciente a individualidade humana, que jaz originaria-mente no inconsciente.

Por esse motivo, as religiões sempre existiram etalvez nunca venham a desaparecer de fato, pois se confi-guram como a ânsia do Espírito em querer se revelar comoé, em essência. A busca do encontro com Deus é a másca-ra dessa ânsia. A pregação das religiões, sem o querer,levando seus adeptos a buscarem Deus, está a serviço darealização inconsciente daquela ânsia. Desde aquelas quese formaram em grupos tribais até as que possuem mi-lhões de adeptos, todas as religiões falam de algo inefá-vel e misterioso que denominam Deus. O concebem forada essência humana, atribuindo-lhe o poder de tê-la cria-do, fortalecendo a concepção da individualidade huma-na. Com isso, ao mesmo tempo, distanciam o ser humanodele mesmo e da assunção de sua autodeterminação.

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Quanto mais o ser humano se aproximar do que de fato éDeus, mais próximo estará de iniciar a jornada na direçãode si mesmo.

Portanto, a religião é mais do que uma cosmogoniaque tenta explicar a realidade e o indivíduo. Há algo maisalém do sentido que o indivíduo lhe atribui. Ela é o veí-culo para os alicerces morais da psiquê e para a busca doSi-Mesmo. Sua voracidade em deificar as coisas restrin-ge o conhecimento humano. A sacralização da natureza éum fenômeno que limita a percepção do sentido maior dareligião.

Ao sacralizar as coisas, as religiões enrijecem osaber. Religião sem reflexão petrifica o conhecimento,tornando a mente humana prisioneira de conceitos, to-lhendo-lhe a liberdade de criar e ampliar suas capacida-des intelectivas, o que pode ser observado nos mitos dacriação nelas existentes. A psiquê consciente, por nãoencontrar justificativas para o surgimento da consciên-cia, resultante da invisibilidade do inconsciente, possibi-lita a formação do símbolo. Daí surgirem os mitos. Emtodas as religiões encontra-se uma “explicação” para acriação do mundo e para a gênese humana.

Na religião formal os ritos de ascensão humana sãocoletivos, não havendo lugar para práticas individuais,que, quando ocorrem, são assumidas pelo grupo ou delederivam. O indivíduo desaparece no coletivo por forçado distanciamento do Si-Mesmo, proporcionado pela re-ligião coletiva. O rito perpetua o mito, cooptando a indi-vidualidade.

A religiosidade humana é tão antiga quanto a vidaem grupo. As manifestações ligadas ao sagrado perten-cem aos primórdios da civilização e foram a base das gran-des religiões. O ser humano primitivo, inconscientemen-

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te vivia sua religiosidade através de ritos particulares quese estenderam ao grupo por força da similaridade entreseus pares. A religião do homem primitivo se aproxima-va muito da imagem arquetípica e de uma representaçãomais fidedigna do inconsciente.

Pode-se enxergar as religiões de maior número deadeptos como originárias de dois grandes troncos, que,por sua vez, são resultantes de manifestações religiosastribais. Sem fazer referência às crenças africanas nemàquelas de longínquas regiões do globo, não catalogadaspela história das religiões, pode-se perceber dois grandestroncos que geraram as religiões modernas. De um lado oHinduísmo (Bramanismo) e do outro, o Judaísmo. Sãomanifestações do arquétipo do sagrado, que se diferenci-am por aspectos culturais e pelas características da for-mação do ego em cada sociedade.

HinduísmoO Hinduísmo é um conjunto de cultos e religiões

da Índia, antes conhecido como Bramanismo ou religiãobrâhmane. Hoje, cerca de oitenta por cento da populaçãoindiana são hindus. Não há uma data de início, mas regis-tram-se eventos ligados ao bramanismo anteriores a cin-co mil anos atrás. Segundo o Hinduísmo, os seres huma-nos possuem uma alma imortal (atman), que reencarna(samsara) de acordo com os atos praticados na encarnaçãoanterior (carma), até alcançar a libertação desse ciclo(moksha). O Hinduísmo é, em síntese, o caminho eterno.Geralmente a história do Hinduísmo é dividida em pré-védica, védica, dos puranas, dos upanishades, medieval emoderna. Cada um desses nomes está associado a certaspráticas e a períodos da história da Índia. No Hinduísmonão há hierarquias nem sacerdotes, pois a cultura popular

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se mistura à prática religiosa, não havendo uma unidadede culto nem de doutrina. Apresenta-se como monoteísmoe como politeísmo, a depender da região da Índia.Brahman é o deus supremo, porém não necessariamentetem o mesmo significado do deus cristão. À idéia deBrahman (absoluto e que engloba tudo e todos), deus su-premo, contrapõe-se a de Atman, que corresponde ao serindividual. Os Vedas, que significa verdade ou sabedoriadivina, são as antigas escrituras, que contêm textos deonde se extraem as interpretações das diversas escolas doHinduísmo. Bagavhad-Gita é a parte mais conhecida dosVedas. Contém cânticos que narram a batalha de Krishnaatravés de seu guerreiro Arjuna. Além de Brahma (mani-festação humana de Brahman), Vishnu (Krishna –preservador do Universo), Shiva (deus da criação e dadestruição) e Shakti (Mãe divina – princípio feminino doUniverso) formam a trindade ou a quaternidade da divin-dade Brahman no Hinduísmo. Essas deidades represen-tam aspectos psíquicos coletivos, bem como estruturasda psiquê humana. O Hinduísmo visa a iluminação oumoksha, que também significa a libertação dos desejos.A saída da roda do samsara, ou das reencarnações, repre-senta a maior aquisição na evolução do indivíduo. OHinduísmo respeita imagens e o que elas representam.Há oferendas e sacrifícios aos deuses com vistas à aquisi-ção de suas qualidades. Os hindus buscam alcançar oSathiagara ou encontro com a verdade. Praticam o Ahinsaou não-violência. Há muitos templos sagrados na Índia,além de ser comum as casas terem altares domésticos.Para os hindus, alguns deuses habitam certos locais sa-grados. O Hinduísmo é uma religião de muitos cultos erituais, cuja diversidade expressa a riqueza da psiquê hu-mana, que não se amolda a uma única manifestação, for-

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mando um mosaico incrivelmente belo. Talvez a obser-vação das expressões apresentadas pelos rituais doHinduísmo seja a maneira mais direta de se perceber asua dinâmica psíquica, com seus intrincados meandros.O colorido das vestes, as performances, os tipos huma-nos, a diversidade de simbolismos, a quantidade imensade significados, a plêiade de deuses, entre outros aspec-tos, tornam o Hinduísmo um admirável e encantador con-junto de crenças. O sistema hinduísta, com suas práticase seus deuses, parece revelar o complexo funcionamentoda psiquê; um verdadeiro diálogo do ego com o Si-Mes-mo. O diálogo de Arjuna e Krishna, no Bhagavad Gita,expressa muito bem aquela complexidade.

JudaísmoA história do Judaísmo se confunde com a da reli-

gião de Moisés e sua relação com o Egito. Moisés foieducado segundo as crenças egípcias, o que influenciou aforma como conduziu seu povo na peregrinação rumo àterra prometida (Canaã), bem como os fundamentos doJudaísmo. Por volta do Século XIII a. C., Moisés “rece-beu” os dez mandamentos, contendo os princípios de umanova religião, consolidando assim, entre os judeus des-cendentes da tribo de Judah, sua forma de governar. Ini-cialmente os judeus formavam tribos com suas crenças emitologias. Posteriormente, com Moisés, iniciou-se a for-mação de uma consciência unificadora. Moisés escreveuos cinco primeiros livros da Bíblia, conhecidos como Torá,que relatam a história do povo hebreu. Como noHinduísmo, no Judaísmo cultura e religião se confundem,fenômeno esse que se tornou fundamental para a consti-tuição da identidade judaica. A característica principal doJudaísmo, que o distingue das demais religiões, é o

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monoteísmo, cuja crença é originária de Abraão. Os ju-deus acreditam num Deus que os escolheu como respon-sáveis por receber a lei contida nos dez mandamentos edisseminá-la pelo mundo. Desde que formaram uma na-ção, os judeus foram dominados pelos egípcios, pelosbabilônios, pelos persas, pelos gregos, pelos sírios e pe-los romanos. Hoje, possuem um Estado livre e indepen-dente. A vida religiosa judaica envolve cultura, religião ecomportamento. Atualmente existem os sefarditas e osashkenazim, divididos geograficamente e pelos seus cos-tumes locais, mas sem grandes diferenças doutrinárias. OJudaísmo, junto com o Cristianismo e o Islamismo for-mam as principais religiões monoteístas. O Judaísmo apre-senta características de respeito e fidelidade a Deus, alémda obediência a um rígido código moral de conduta. Asaga sofrida pelo povo judeu, migrando do Egito para aPalestina, e as dominações a que foi submetido, enquan-to buscava um lugar para se estabelecer, foram funda-mentais para a constituição das matrizes psíquicas capa-zes de abrigar as idéias cristãs. Uma delas é a espera per-manente por uma redenção, através da conduta correta epela busca de Deus. A culpa do “pecado original”, come-tido por Adão e Eva, tornou-se importante elemento ge-rador de complexos inconscientes. A crença em um deusúnico não parece ser uma evolução em relação aopoliteísmo. Religiões politeístas surgiram antes e depoisdo Judaísmo. O deus monoteísta parece ter as mesmascaracterísticas do conjunto dos deuses das religiõespoliteístas. A idéia de um deus único corresponde à ne-cessidade coletiva de fortalecer o ego, ainda fragilizadopelas constantes perdas ao longo da história do povohebreu. O monoteísmo judaico, caracterizado por um deusque fez um pacto, com o ser humano, de fidelidade e pre-

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gação, contribuiu para a construção do sentimento de ex-clusividade e de superioridade, prejudicial à evolução dosindivíduos. A disciplina, o sentido de família e a consci-ência da unidade dos indivíduos na interdependência detodos tornaram-se marcas do Judaísmo. É a psiquê se fir-mando mais ainda na consolidação de um ego cada vezmais maduro.

ZoroastrismoInstituída por Zoroastro ou Zarathustra, cultuava o

deus supremo Ahura Mazda (Senhor Sábio). Religiãodualista que se disseminou por volta de 700 a. C. no Irã,na Índia e no Paquistão., aliás monoteísta e dualista, poisconsiderava a existência de dois deuses que se digladia-vam, um representando o bem ou a luz e o outro, o malou as trevas. Seus adeptos deveriam escolher entre o beme o mal. Surgiu em oposição ao politeísmo reinante. Paraos zoroastrianos ou mazdeístas, existe Deus e um opositora ele. A ética do Zoroastrismo é fazer o bem para merecê-lo depois. Pregavam a responsabilidade pessoal e eramtolerantes com outras religiões. Seus princípios influen-ciaram o Judaísmo e o Cristianismo, principalmente nodualismo maniqueísta. O monoteísmo zoroastriano, si-milar ao judaico-cristão, vem a propósito da necessidadede consolidar um ego ainda frágil diante do arquétipo doSelf.

JainismoO Jainismo teve como fundador Vardhamara

Mahavira, contemporâneo de Buda. Surgiu contra o sis-tema de castas da Índia. São seguidores dos Jinas ouMestres Elevados. Dão ênfase ao ascetismo e negam omundo. Os jainas são adeptos da teoria da auto-salvação

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e acreditam que, para atingir o nirvana e se libertar dociclo de renascimento, é preciso meditar, seguir oascetismo e os cinco grandes votos ou princípios: da não-violência (ahimsa) em atos, palavras e pensamentos, sen-do terminantemente proibido matar ou fazer mal a qual-quer ser vivo, razão por que são vegetarianos; de não rou-bar e de ser honesto; de não mentir ou injuriar; de culti-var o desapego às pessoas, aos sentimentos e às coisas;da abstinência sexual. No Jainismo não há um deus cria-dor, nem os deuses são supremos. São puristas e cultuamo jejum. Para os jainistas, os homens morrem e renascem(samsara) até atingir o nirvana, podendo animar a estru-tura física de animais, vegetais ou seres humanos(metempsicose). Esse ciclo de renascimentos decorre danecessidade de purgação do carma, o qual se origina dospensamentos, palavras e ações praticadas, que impreg-nam na alma (jiva) as resultantes da próxima vida. OJainismo têm poucos adeptos. Prega a mendicância er-rante. O Jainismo é uma espécie de derivação do Budis-mo, sendo um pouco mais exigente quanto aos cuidadoscom o corpo; os fundamentos doutrinários, porém, são osmesmos. O surgimento do Jainismo denuncia mais umamudança na manifestação do arquétipo do sagrado, commaior influência na restrição da realização dos desejoshumanos. A tendência parece ser a de intensificar amoralização e a negação do mundo com ênfase na restri-ção dos instintos corporais. A oposição do sagrado às li-vres exigências dos instintos humanos se afirma constan-temente na proposta jainista.

TaoísmoFilosofia ou religião constante nos textos do Tao Te

Ching, atribuído a Lao Tse ou Tzu. Tao ou Dao é igual a

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caminho. Acredita-se que Lao Tse teria sido um contem-porâneo mais velho de Confúcio e que ele se baseou no IChing para formular seus escritos, que são a base doTaoísmo. O Taoísmo, ao longo do tempo, recebeu a in-fluência do Budismo e da cultura chinesa como um todo,formando um certo sincretismo com o Confucionismo. OTao é uma espécie de elemento imutável de todas as coi-sas ou a suprema consciência que permeia tudo no uni-verso. A dinâmica dos opostos (O Yin flui naturalmentepara o Yang, que flui para o Yin) é fundamental para acompreensão do Taoísmo, pois o movimento de um parao outro denuncia a existência de uma unidade essencialna Natureza. O Taoísmo propõe a busca da ordem naturalde todas as coisas, baseando-se na contemplação, na me-ditação e na simplicidade. Nessa busca, a intuição temprevalência sobre a lógica racional, considerada artifici-al. A atitude adequada para aquela busca é Wu wei, ouinação (não ação), que significa estar em harmonia com oTao, agindo sem artificialismo, em consonância com anatureza. O Taoísmo é místico, pois tem xamãs e adivi-nhos, e também dá ênfase à fisiologia, à farmacologia e àacupuntura. Os taoístas acreditam nos poderes sobrena-turais, na cura holística e na imortalidade. Na Antiguida-de, havia alquimistas taoístas. Os taoístas praticam exer-cícios de Tai Chi (Chi é a energia que se move dentro docorpo pelos meridianos). O Taoísmo exalta o femininomais do que o confucionismo, de caráter masculino. Pode-se notar que o Taoísmo é uma das maneiras de se viverem contato com a totalidade do Self, projetado na essên-cia que a tudo permeia. Assim como o Confucionismo, oTaoísmo deveria ser praticado pelos adeptos de todas asreligiões, pois são modos complementares de percepçãodo sagrado em todas as coisas e nas relações com as pes-

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soas, propondo a harmonia do indivíduo com o outro ecom o meio que o cerca.

BudismoFundado por Siddhartha Gautama, o Buda (ilumi-

nado, desperto), na segunda metade do Século VI a. C.,na Índia, o Budismo prega a busca pela iluminação. Anecessidade de transformação interior, independentementedas explicações cosmológicas, é a marca do Budismo.Há vários tipos de Budismo, de acordo com a região daÁsia, sobretudo no Japão e na China. Como noHinduísmo, de onde se originou, muito embora difira dele,entre outras características, pela existência de um funda-dor, o Budismo prega a reencarnação e a lei do carma,que é movida pelo desejo egóico. No Budismo, a verdadeé ver a realidade como ela é, propondo, porém, o desliga-mento do que é efêmero e ilusório. Muito embora negueo mundo e os desejos, enfatiza a necessidade de se terdomínio sobre as emoções. Buda significa pessoa ilumi-nada e budhi é estar desperto, estar atento. Siddhartha,que pertencia a uma casta nobre e rica da Índia, um diasaiu de sua morada e viu um homem pobre, um doente,um velho e um cadáver. Dessa percepção, ele refletiu so-bre sua condição diferente daquelas, concluindo que oser humano passa por diferentes processos, o que lhe per-mite desenvolver vários princípios. Passou a pregar qua-tro deles: o primeiro, que a existência tem sofrimento; osegundo, que o apego é o esforço de possuir algo perma-nentemente num mundo transitório; o terceiro, que tudopode cessar; o quarto, que tudo pode ser alcançado pelocaminho óctuplo (oito verdades). Segundo a doutrinabudista, o homem está preso ao ciclo de mortes erenascimentos (denominado de samsara), pois os seus

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pensamentos, sentimentos, desejos, palavras e ações põemem movimento a lei do carma (lei de causa e efeito, deação e reação) e atraem os sofrimentos nas futurasencarnações. Somente o próprio homem pode se libertardesse ciclo (auto-salvação) e, para isso, precisa atingir oestado máximo de evolução espiritual, a plena ilumina-ção (bodhi), o nirvana. A idéia de reencarnação no Bu-dismo admite que é possível o indivíduo voltar como ani-mal, diferindo da idéia de evolução humana comumenteaceita. Buda negava o valor do sistema sacrificial, afir-mando o próprio trabalho como forma de ascensão. Paraele, tudo é impermanente e transitório. Trocou o ritual dosacrifício de animais pelo serviço ao próximo. No Budis-mo, deve-se compreender o sofrimento e aprender a lidarcom ele. Para Buda, o eu é irreal. Deve-se cultivar a cal-ma, a clareza e a compaixão, além de se buscar a vidapura em meio a um mundo corrompido. É fundamentalcultivar a mente para se alcançar estágios superiores. NoBudismo, não há início para o Universo, pois existemséries de ciclos de ressurgimento como num eterno retor-no. Nos templos budistas são comuns os rituais, cânticose a meditação. O equilíbrio, a compaixão e a vida reta sãodestaques no Budismo, juntamente com a busca pelaintegração com a unidade da vida. O Budismo se disse-minou no mundo com várias escolas (Hinayana eMahayana) e práticas. O seu surgimento no seio doHinduísmo denuncia que a manifestação do arquétipo semodificou, sendo direcionada para o interior da alma hu-mana. É de se observar uma tendência maior à morali-zação, restringindo a liberdade de manifestação simbóli-ca do arquétipo religioso pelo culto externo. Essa tendên-cia pode estar associada a um processo de laicização, na-tural e crescente na humanidade. O Budismo apresenta

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uma face do arquétipo religioso extremamente relevanteao ser humano – a compaixão.

XintoísmoOriginária do Japão, a religião xintoísta é, na reali-

dade, um conjunto de crenças e práticas adotadas na tra-dição cultural japonesa. Xintoísmo significa os caminhosdo Cami. Cami é aquilo que é venerado – um ser huma-no, deuses, natureza etc.. Cami é o sagrado. Há váriossantuários xintoístas sem uniformidade de construção.Não tem fundador ou pregação. O Xintoísmo se consoli-dou depois da entrada do Budismo, do Confucionismo,do Taoísmo e do Cristianismo no Japão. Xintoísmo sig-nifica a herança religiosa nativa do Japão. O xintoístamistura as diversas religiões sem quaisquer conflitos. Oscamis têm as polaridades do bem e do mal. Não são so-brenaturais. Para o xintoísta há várias divindades na na-tureza, e dão ênfase a nela encontrar o sagrado. Não éuma religião confessional e privilegia o relacionamentofamiliar, o culto aos ancestrais e o respeito aos mais ve-lhos. O Xintoísmo se aproxima muito da religiosidadenatural e do anseio humano de se sentir conectado às for-ças da natureza. O Xintoísmo é uma das mais autênticasmanifestações do arquétipo do sagrado sem o espíritosectário, característico de outras religiões. Sua existênciaaté os dias de hoje revela, pelo seu animismo, que psiquêe natureza se confundem e se conectam naturalmente.

ConfucionismoReligião ou filosofia voltada para a conduta huma-

na, no que diz respeito à moral, à política, à pedagogia e àreligião. Não há sacerdócio nem se refere a Deus ou aimortalidade. O Confucionismo valoriza a disciplina, o

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estudo, o trabalho, a consciência política e o respeitomútuo. Confúcio era um conselheiro que viveu no Sécu-lo V a. C.. Reviveu os ensinamentos de Lao Tse. OConfucionismo usa o livro das mutações I Ching. Faladas polaridades Yin e Yang, como forças interiores hu-manas e da natureza. Confúcio ensinava princípios mo-rais e éticos. Dizia: o que não queres que façam a ti, nãofaças aos outros. Falava em revelar o absoluto no relati-vo. Pregava a reciprocidade e solidariedade nas relações.Ensinava o aprimoramento das sensibilidades morais.Cultuava as virtudes do afeto e do amor. Afirmava a de-voção e piedade filial, o respeito ao próximo e aos maisvelhos. Pregava a reverência aos ancestrais, a bondade, aharmonia, a obediência e o não-confronto. Afirmava aprática da harmonia e da benevolência e que o eu é abertoà transcendência. No Confucionismo, é possível enxer-gar, com maior nitidez, as bases da religião da transfor-mação interior. Pode-se perceber, nessa doutrina, o privi-légio que é dado à vivencia do Self na sociedade. A práti-ca devocional e as representações simbólicas do sagradosão substituídas pela harmonia dos opostos na convivên-cia com o outro e consigo mesmo. Parece-me que todasas religiões deveriam levar seus adeptos aos princípiosda prática confucionista.

CristianismoA data exata do surgimento do Cristianismo como

religião é talvez improvável. A morte de seu fundadordeixou lacunas doutrinárias, além da inexistência de umlíder formal. Tudo ainda era novo e confuso para os queficaram, pois Jesus não pregava a constituição de umareligião formal. Parecia que ele queria apenas disseminaridéias entre seus pares, que lhes trouxessem uma noção

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maior a respeito de suas próprias interpretações dos códi-gos religiosos. Formou-se então, no Judaísmo, uma espé-cie de seita, sem que lhe negasse os fundamentos bási-cos, principalmente o da busca por uma redenção e a cren-ça monoteísta. Poucos anos depois da morte de Jesus,surge um importante personagem, Saulo de Tarso, poste-riormente Paulo, que dará corpo à seita, tornando-a maisuniforme, expandindo-a e criando uma rede como umaigreja. Nasce o Cristianismo ou, talvez, o Paulinismo. Porconta de suas interpretações e das culturas locais, surgemas diferenças doutrinárias que iniciam as divisões em umanova religião. Desde aquela época até os dias de hoje,surgiram muitas cisões no Cristianismo. Têm-se os se-guintes seguimentos que se intitulam religião cristã: Cris-tianismo Católico Apostólico Romano (católico = univer-sal), Cristianismo Ortodoxo (ortodoxo = verdadeiro),Cristianismo Luterano ou Protestante (contrário ao cató-lico), Cristianismo Anglicano, Cristianismo Presbiteriano,Cristianismo Metodista, Cristianismo Batista, Cristianis-mo Pentecostal, Assembléia de Deus, Deus é Amor, Evan-gelho Quadrangular, Igreja Universal do Reino de Deus,Testemunhas de Jeová, Igreja Adventista, Espiritismo,entre muitos outros. A divisão por princípios doutrináriosparece ser uma marca no Cristianismo, que consegue abri-gar múltiplas tendências, favorecendo múltiplas possibi-lidades de atualização do arquétipo religioso. De certaforma, reduz a possibilidade fundamentalista e sectária, eisso favorece a constituição da Religião Pessoal. Sãomuitas religiões com a mesma matriz psíquica. A adoçãodo Cristianismo no ocidente pode estar relacionada aoutilitarismo e pragmatismo das sociedades. O Cristianis-mo tornou-se uma espécie de matriz religiosa, berço deinúmeras religiões que se forjaram de acordo com o en-

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tendimento e com as culturas que lhes adotaram os prin-cípios.

IslamismoO Islamismo é uma religião que surgiu na Arábia,

no século VII, baseada nos ensinamentos de Muhammadou Maomé, que nasceu em 570 d. C.. Maomé é conside-rado pelos mulçumanos3 como o último e maior profeta.Islã quer dizer submisso a Deus. Maomé recebeu umarevelação que o fez começar a pregar as verdades religio-sas consideradas como negligenciadas pelo Judaísmo epelo Cristianismo. O Islamismo é uma religião monoteístae Deus é conhecido pelo nome de Allah. O Alcorão é olivro sagrado, escrito por Maomé e, em alguns países, é alei do Estado. O Sufismo é o misticismo islâmico, emque há o predomínio de rituais místicos de movimento docorpo, de forma rítmica, para se atingir o êxtase. Por con-ta de disputas pela sucessão de Maomé, os muçulmanosse dividiram em sunitas e xiitas. Os sunitas descendemdos califas (representantes de Maomé) e os xiitas, da fa-mília de Maomé. A maioria dos muçulmanos é sunita.Cinco princípios norteiam os adeptos: declarar sua fé emAllah todo dia, rezar cinco vezes ao dia, doar parte deseus lucros mensais aos pobres, jejuar no Ramadã e iruma vez na vida a Meca. No Islamismo, não há distinçãoentre o material e o espiritual, pois deve-se viver semprepara Allah. Trata-se de uma religião de característicaspopulares, cuja exigência para se tornar adepto é a decla-ração, perante outro muçulmano, de sua fé. Tem caracte-rísticas continentes, tornando a psiquê voltada para o sa-grado como algo permanente na consciência.

3 Muçulmano significa “aquele que se submeteu a Deus”.

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CatolicismoA aproximação dos princípios cristãos com o anti-

go império romano fez surgir o Catolicismo. Contribuiu,para essa aproximação, a forte rejeição que as teses cris-tãs encontraram no Judaísmo, tornando o paganismo ro-mano um refúgio. Aliar-se ao opressor pode também tersido uma estratégia inconsciente para uma maior disse-minação. Por outro lado, aos poucos, a nova seita foisacralizando e mistificando os princípios cristãos comouma maneira de obter a adesão popular. Para isso, osincretismo do paganismo romano com a nova seita foiprovidencial. Por questões doutrinárias, no início da novaseita, principalmente relacionadas à divindade ou não deJesus, surgiu a primeira grande divisão. De um lado, aIgreja Católica Romana, e de outro, em oposição, a IgrejaOrtodoxa. Conciliar os ensinamentos de Jesus, a tradiçãomitológica politeísta romana e as práticas e costumes doJudaísmo das classes mais pobres com a formação de umanova religião foi o grande desafio dos líderes cristãos-católicos. Inevitavelmente se formaram hierarquias bemdefinidas e concessões doutrinárias distantes da propostainicial de transformação interior. A aceitação de Jesuscomo Deus, a canonização dos escritos pelos quatroevangelistas e pelos apóstolos, a consolidação dos bisposcomo continuadores dos apóstolos e o surgimento do papasão alguns dogmas instituídos pelo Catolicismo. Essesdogmas são representações de instâncias psíquicas nãocompreendidas pelo ego. É a confirmação do que está napsiquê e que precisou ser materializado para se consoli-dar e ser integrado à alma humana. É um processo deenraizamento para a compreensão de algo maior. Os sím-bolos, cuja formação foi forjada pela fé, ainda predomi-nam sobre a razão e o pragmatismo. Por esse motivo sur-

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giu o gnosticismo, que se opôs ao Cristianismo, pregan-do o conhecimento através do próprio conhecimento enão pela fé. Hoje, o Catolicismo ainda possui alguns ritossimbólicos que demonstram a necessidade da psiquê semostrar como de fato é.

SikhismoO Sikhismo é uma religião monoteísta criada no

século XV, no Punjabe, na Índia. Sikh quer dizer apren-diz ou discípulo, alguém que acredita em Deus e nosensinamentos dos Dez Gurus. Foi criado pelo Guru Nanak(1469-1539). Pregava a vida familiar, o trabalho comuni-tário e a ida ao templo. Possui um forte sincretismo doHinduísmo com a parte sufi do Islamismo. Seus seguido-res acreditam na reencarnação e pregam que o egocentris-mo é o motivo do afastamento do homem de Deus. Sãodeveres sikhis: manter constantemente Deus na consci-ência, sustentar-se por um trabalho honesto e dividir oque tem com os mais pobres. O Sikhismo combate a lu-xúria, a ganância, a raiva, a soberba e o apego às coisasmateriais. Guru Nanak pregava contra a intolerância reli-giosa, afirmando que todos são iguais, não havendo hindusou muçulmanos. O livro sagrado do Sikhismo é o GranthSahib, considerado o Décimo Guru, que contém princi-palmente escritos do Guru Nanak. O Sikhismo se apre-senta como um sincretismo religioso visando o aperfei-çoamento da tradição religiosa indiana voltada para ainteriorização e harmonização do indivíduo. É o arquéti-po em sua expansão nas formas de representações.

ProtestantismoO Cristianismo protestante tem origem no Catoli-

cismo. Surgiu por conta de discussões teológicas, princi-

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palmente por causa das indulgências e de outras práticascatólicas. O Protestantismo prega a confiança nas escri-turas e a fé em Jesus. Em 1517, Lutero divulga seus pro-testos, o que provocou sua excomunhão da Igreja Católi-ca Romana. No mesmo diapasão, Zwingli cria a igrejareformada e Calvino uma outra forma radical contra aIgreja Católica Romana. Os ingleses criam a IgrejaPresbiteriana, com os puritanos. Surgem os Quakers, osMethodistas e a Igreja Episcopal. Há uma grande diversi-dade de igrejas protestantes, sobretudo nos Estados Uni-dos, pois não há um comando central como no Catolicis-mo. O surgimento do Protestantismo parece estar sinto-nizado com um certo pluralismo religioso numa socieda-de cansada do obscurantismo religioso, intelectual e po-lítico. Trata-se de uma adaptação da manifestação do ar-quétipo às novas exigências sociais e ao novo momentopsíquico, que exigia libertação dos condicionamentos dafé cega. O que se seguiu ao Protestantismo foi umamultiplicidade de igrejas cristãs, de acordo com as idéiasde seus novos líderes e com as culturas em que emergi-am. A religiosidade humana exigia maior abertura e no-vas formas de ser vivida. A prosperidade, em lugar dapobreza, passou a ser a pregação mais coerente com avida no mundo, como forma de compensação por não seestar pleno na vida espiritual. Mais do que uma revoltacontra as indulgências ou contra o Catolicismo, o Protes-tantismo era uma possibilidade de se trazer para o mundoo que era pregado para ser vivido no Além. Em termospsicológicos, trouxe-se para a consciência o que estavateimosamente no inconsciente. A iconoclastia protestan-te inviabilizava a simbolização ampla e convidativa doCatolicismo. Mortos os símbolos, restou pouco espaçopara os rituais. O fiel deveria consolidar sua fé em Jesus,

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dedicando-se ao trabalho, à família e às obrigações paracom o Estado. A nova religião era mais uma conformida-de do que uma possibilidade de ascensão espiritual efetiva.

CeticismoEm meio ao florescimento do Protestantismo, sur-

ge o Ceticismo. Para o Ceticismo, o papel central das re-ligiões é ser um sistema de compromissos dos fiéis, sub-metendo-os a algo maior. O Ceticismo pregava um pre-domínio maior da razão pelas ciências. É o futuro dasreligiões, libertando os indivíduos para aquisição e livreexpressão do mais alto saber. O contexto social é maisamplo e mais complexo que a existência humana, portan-to, não deve ser desprezado como fazem as religiões. Tudoé parte de uma estrutura maior, havendo uma ordem cós-mica. Ceticismo é a reação ao excesso de pretensão decertos conhecimentos, principalmente os religiosos. OCeticismo deu origem ao iluminismo. Para o Ceticismo,as coisas são como se as percebem, sendo a visão demundo a razão de se ser como se é. Nesse sentido, com-preender-se é mais importante do que compreender omundo. Ainda sobre a religião, os ceticistas diziam querezar é acreditar que não se tem controle sobre a própriavida. O Ceticismo contribuiu para o surgimento doPositivismo. A tendência ceticista existente na mente hu-mana está a serviço da construção de uma ascensão espi-ritual consciente. A humanidade caminha do inconscien-te para a consciência, isto é, a individualidade se impõeao coletivo. O Ceticismo também está a serviço dessepropósito, além de oferecer reflexões às religiões no pro-cesso de libertação das consciências. Com o Ceticismo,as manifestações do arquétipo religioso, na forma de ri-tuais, são encaradas como meros produtos da cultura.

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Religiões antigasAs religiões antigas, na sua maioria, eram politeístas

e possuíam muitos rituais como forma de contato com adivindade. Acreditavam que os deuses poderiam favorecero ser humano, desde que este lhes oferecesse algum sacri-fício. Em geral, projetavam seus próprios elementos psí-quicos nos deuses que cultuavam. Por esse motivo, os deu-ses de culto se assemelhavam, mesmo que as culturas nãotivessem qualquer contato. Em geral, eram religiões tribais.

Religião egípcia. Admitia a crença na imortalida-de, era politeísta, tendo como principais divindades Isis,Osires, Rá, Set e Hórus. A morte tinha um significadoprofundo e não assinalava a extinção da vida, mas merapassagem para outro mundo. Como em certos reinados eno papado, os faraós, ou reis do Egito, eram considera-dos divindades, o que simboliza a representação do ar-quétipo do Self numa figura humana.

Religião greco-romana. Era politeísta, tendo muitostemplos, rituais, e oferecia sacrifícios aos deuses. Os deu-ses eram bons e maus, encarnando aspectos da personali-dade humana. A religião e a vida pública se misturavam.Cultuava Lares e Penates, dois dos seus principais deuses.

Religião nórdica. Era politeísta, cultuando o deusWotan ou Odin. Seus adeptos realizavam rituais e acredi-tavam na imortalidade.

Religião celta. Era politeísta. Seus adeptos inclina-vam-se para o sagrado com forte tendência mística e commuitos rituais de iniciação. Os sacerdotes eram chama-dos de druidas.

ConsideraçõesAs religiões apresentam possibilidades de manifes-

tação do arquétipo sagrado ou religioso de acordo com a

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cultura de cada coletividade ou indivíduo. Suas crenças,que excluem e condenam os que não as professam, deno-tam a fragilidade da verdade que afirmam. Nada mais sãodo que direcionadores do ego para a percepção do Si-Mesmo. Demonstram a força do arquétipo direcionadorda busca do ego pelo próprio significado de sua existên-cia real. Quando conceituam Deus, descrevem a vida fu-tura, definem felicidade e estabelecem os princípios doencontro com a totalidade, se referindo indiretamente aosaspectos inconscientes da dinâmica psíquica. Definemmais estruturas da mente, processos psíquicos e os fato-res que interferem na percepção da realidade do que defato o que é Deus.

A religião que se firma exclusivamente num livrosagrado, desprezando quaisquer outras formas de análiseda fé e dos preceitos doutrinários, auto-intitulando-se averdadeira ou a que descende diretamente de Deus, temtendência ao fundamentalismo. Incluem-se como tal aque-las que prometem melhores condições após a morte ex-clusivamente aos seus adeptos, condenando os outros.Aqueles que propõem seguir literalmente os preceitosdeixados pelo seu fundador correm risco semelhante, poisa maioria deles não intencionou criar uma religião. Reli-gião é um movimento dinâmico da mente humana coleti-va, cujo propósito é autoconhecer-se. O fundamentalismoreligioso prejudica o processo de auto-determinação ne-cessário ao ego. Fundamentalismo quer dizer que não háfundamentos religiosos a serem negociados. Não há pos-sibilidade de sincretismo. Os fundamentalistas esquecemo significado e ficam nas palavras. O radicalismo, fana-tismo ou fundamentalismo são manifestações da psiquêcarente de unidade, síntese e harmonia. Da mesma for-ma, a negação do mundo corresponde à absolutização do

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Além. São expressões nefastas do fundamentalismo. Ne-gar o mundo, construído por Deus, é querer ser mais reli-gioso que o próprio.

Na sua maioria, as religiões se põem em oposição àvida material, pois conceituam o espiritual exatamentena direção oposta. Ora, não é a vida um fenômeno único?Por acaso, o que fez um não fez o outro? A fé não deveexcluir a experiência que lhe possibilita a realização. Deusnão pode ser um futuro, mas um real presente, posto quesua existência para o ser humano está delimitada pelo seupróprio inconsciente.

É claro que, por detrás dos ensinamentos ofereci-dos pelas religiões, há algo precioso, poderoso e funda-mental à existência humana. Esse algo não é a concepção(humana) a respeito de Deus, tampouco uma promessade vida futura desligada do que se vive no presente. Avida é mais do que o ensinado pelas religiões e menos doque aquilo que o egoísmo humano lhe atribui.

As religiões não começam com a grandiosidade,nem seus fundadores têm o poder místico que a histórialhes atribui. Com o tempo, a tradição popular religiosavai mitificando tudo que envolveu o início, principalmentea vida do principal fundador e seus ditados. A religião vaise aproximando do arquétipo, distanciando-se do indiví-duo. Esse é seu segredo de crescimento e aceitação. Suapenetração popular começa nas classes menos favorecidas,sofridas e ansiosas por uma salvação, para depois alcan-çar as outras.

No Cristianismo temos Jesus, o cidadão judeu, serhumano comum; Jesus, o “cristão” pregador de uma novamensagem; Jesus, o mito criado pela tradição popular quese revelou como representação do arquétipo do Si-Mes-mo. Há uma certa pressão, até no próprio Cristianismo,

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para sua aproximação maior do Jesus homem em lugardo mito.

Com o tempo, as religiões formais, manifestaçõescoletivas naturais do arquétipo religioso, vão se subdivi-dindo no curso do atendimento à psiquê individual. Porexemplo, no Judaísmo ocorreu o que já foi dito sobre omovimento natural ou passagem coletiva da religião for-mal para a pessoal. O povo hebreu vivia no Egito comouma subsociedade. Uniu-se, tomou consciência de seuscostumes diferenciados e se constituiu como povo. Es-cravizados, os hebreus se fortaleceram na necessidade dese libertar da opressão. Começaram a adotar uma religiãomonoteísta, dentro de uma sociedade politeísta. Essa ocor-rência reafirma psiquicamente a supremacia do indiví-duo sobre o coletivo, fortalecendo a percepção do Self decada um. Em sua peregrinação em busca da terra prome-tida, formaram uma nação constituída de váriossubgrupos. Liderados por Judah, se constituíram nos Ju-deus, monoteístas e salvacionistas. Muitos anos depois,com sua fé baseada nos escritos do Torá (pentateuco bí-blico), assistiram ao surgimento da primeira grande divi-são – o Cristianismo. Era a psiquê individual insatisfeitacom a coletiva. Os anos se passaram e o próprio Cristia-nismo começou a se dividir em Católico, de influênciaromana, e em ortodoxo, de influência grega. Com forteinfluência judaica conservadora, surge o Islamismo, comonova divisão, mas se apresentando como algo diferencia-do do Judaísmo. Novamente a psiquê coletiva dava lugara outra forma de manifestação do sagrado. Mas as divi-sões não pararam aí. O Catolicismo romano sofre novogolpe – a reforma protestante. Uma nova forma de mani-festação do sagrado. O que era coletivo, tornava-se indi-vidual, para se transformar, de novo, em fenômeno cole-

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tivo. O Protestantismo se afirma, sobretudo na Europa,gerando conflitos dentro do Catolicismo. Quase quinhen-tos anos depois do surgimento do Protestantismo, pode-se perceber a grande variação de manifestações em seusistema. A grande variedade de religiões pentecostais éum testemunho da imposição da psiquê individual sobrea coletiva. A Religião Pessoal se impõe diante dacoletivização religiosa por influência do arquétiporeligioso.

Ainda sobre a questão politeísta x monoteísta, difí-cil afirmar categoricamente que se trata de uma evoluçãode uma a outra. São polaridades que representam dimen-sões psíquicas da compreensão do arquétipo divino. Deusé unidade e multiplicidade. O monoteísmo torna-se im-portante na medida em que consolida a idéia do Self e daindividualidade. O politeísmo contribui para a percepçãoda pluralidade divina no psiquismo. O avanço notório dasreligiões monoteístas em detrimento das politeístas pare-ce significar uma necessidade maior da religião continenteem lugar da livre expansão das idéias, o que provocaráuma distensão futura de proporções incomensuráveis ede agradáveis efeitos sobre a sociedade.

As religiões do mundo não se referem às mesmascoisas, não propõem o mesmo objetivo. Isso pode ser cons-tatado, por exemplo, nas diferenças entre o Taoísmo e oCristianismo. O primeiro propõe uma harmonia aqui e ago-ra, uma ordem que perpassa cada coisa e cada experiênciahumana. O segundo propõe uma possibilidade futura, umasaída do mundo e uma supra ordem chamada Deus.

A constituição da Religião Pessoal é a saída paratodos que já se beneficiaram e se conscientizaram da reli-gião formal e estão em busca do Si-Mesmo e de Deus,sem as exigências externas e as obrigações infantis.

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Religiões empequenas sociedades

Em todas as sociedades primitivas, as hierofaniasestiveram presentes. Hierofanias são manifestações dosagrado, tais como canibalismo, holocaustos (queima to-tal do animal de sacrifício), totemismo, danças ritualísti-cas, reuniões circulares em torno do fogo, vestes orna-mentais ligadas ao sagrado, altares, ritos de iniciação aosagrado, amuletos, porções miraculosas, objetosnuminosos, livros sagrados etc.. Isso corrobora a idéia deuma tendência psíquica coletiva em contraste com a afir-mação de uma escolha pessoal. Todas essas manifesta-ções representam aspectos psíquicos que carecem de de-senvolvimento adequado, visando o autoconhecimento,isto é, o encontro com o Si-Mesmo.

O homem primitivo não dava nome às coisas. Sim-plesmente via imagens que lhe suscitavam emoções. Nãohavia materialismo nem espiritualismo. Suas imagens,sensações e emoções eram os principais ingredientes paraa formação de idéias. Suas manifestações religiosas eramexpressões puras do inconsciente. A ignorância em faceda realidade, completamente desconhecida da razãoincipiente, fez surgir a simbolização e a geração de ritu-ais, fazendo face à tensão gerada. A religião atende a ne-

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cessidade do ser humano de apreensão do significado dascoisas, da vida e de si mesmo.

A ignorância a respeito da morte e da finitude davida no corpo contribuiu para o surgimento da religiosi-dade humana. Talvez tenha sido a consciência da morteque contribuiu decisivamente para a instalação da funçãoreligiosa na psiquê.

É difícil aceitar que as sociedades primitivas, semuma estrutura social organizada, sem uma ordem bem de-finida, possam ter dado, por escolha consciente, origem àreligião. Isso fortalece a idéia de uma psiquê religiosa in-consciente ou em de Deus que dá origem à religião.

Como exemplo de religião de pequenas sociedadestem-se o Xamanismo, um tipo de religião tribal, caracte-rizada pela cura dos males físicos e espirituais e pelo res-peito à Natureza. Era professada pelo Xamã (No Brasil,Pajé), que tinha o poder de se comunicar com os mortos ecom as divindades da Natureza. Em seus rituais utilizavaervas, danças, cânticos, transes mediúnicos, bem comoamuletos e trajes específicos que simbolizavam seu do-mínio sobre os mistérios da vida. O poder divino era atri-buído ao indivíduo iniciado no conhecimento místico ena arte de cura. Ele era a garantia da segurança contra afúria e a insatisfação dos deuses e da Natureza. Tal insta-bilidade atribuída aos deuses e à Natureza nada mais erado que fenômenos psíquicos ainda inconscientes e semcontrole do ego.

O xamã (profeta, curandeiro, advinho, sacerdote,bruxo) era alguém ligado ao espiritual, a poderes sobre-naturais, com sonhos significativos para o destino do gru-po, com poderes sobre a morte, com magia, com orácu-los, psicopompos etc.. Os xamãs são a ponte de comuni-cação entre os deuses e os homens, entre os espíritos e as

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pessoas, entre o ser humano e seus ancestrais. Desempe-nhavam um papel extremamente relevante em momentosde crise e de ameaça coletiva. Quando alguém adoecia,eram chamados para afastar o mal da pessoa ou da tribo.Em geral, usavam o mal, ou o bem para combater o mal.Geralmente eram do sexo masculino. Suas roupas e más-caras eram representações dos espíritos ou das forças queos guiavam nos rituais.

Aqueles indivíduos tomavam o lugar da imagemarquetípica do Self para garantia da ordem coletiva. Suaexistência se impunha à cultura e ao poder do chefe. De-terminavam a necessidade, ou não, do sacrifício pessoale coletivo em favor da continuidade da sociedade. Sacri-ficavam animais, o próprio corpo ou os prazeres possí-veis em favor de alguma divindade, para obter vantagempessoal ou coletiva. O sacrifício era a solução para a trans-gressão ou a quebra de tabu. Algumas culturas pratica-vam o canibalismo para receber os poderes do morto.

As religiões tribais têm grande número de rituais epoucos escritos sobre seus princípios. São mais práticase vivenciais do que teóricas. Em sua maioria, seus prati-cantes acreditavam que os espíritos controlavam a reali-dade e que deveriam lhes obedecer ou agradar. Os ani-mais estavam ou estão presentes nos rituais e crenças pri-mitivas por serem representações de aspectos psíquicosinstintivos. O totemismo era outra forma de tentar mate-rializar e controlar a manifestação da divindade.Cultuavam o sol, o fogo, animais sagrados, espíritos di-versos etc.. Os espíritos eram considerados seres que ha-bitavam um reino celestial, indiferentes aos humanos epossuíam força.

As religiões tribais davam explicações cosmogô-nicas (mito da criação) baseadas na própria natureza, apro-

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ximando-se muito do mito, sem base lógica. Em geral, acrença firme na vida após a morte era comum, sem asexigências de provas ou manifestações explícitas. Nelas,há uma aproximação maior com o mediunismo natural.São manifestações da religiosidade natural que envolvi-am a vida e a manutenção da comunidade. Seus ritos, emgeral, eram ligados à fertilidade.

As religiões tribais apresentam manifestações dapsiquê primitiva, movida pelo desejo inconsciente de co-nexão com o divino e o transcendente, transferido para aNatureza. Não são fenômenos individuais ou promovi-dos simplesmente pela cultura, mas ocorrências geradaspelo automatismo psíquico, que surgem a partir da ânsiado espírito imortal em encontrar sua mais íntima essênciae de manter contato com seu Criador e fonte de vida.

Às vezes, por conta do viés racional, dito científi-co, as práticas das religiões tribais são vistas como frutoda ignorância do homem primitivo em face de um mundonovo e complexo para ele. Não há diferença naintencionalidade do cristão de hoje quando faz o sinal dacruz e do pajé tribal em suas danças, pois ambos desejammanter contato com as forças superiores do Universo. Poracaso, os acontecimentos que culminaram no ataque àstorres gêmeas, no coração da cidade de New York, nosEstados Unidos, não atestam a ingenuidade do ser huma-no em acreditar em tais meios para alcançar fins nem sem-pre coerentes com a ciência? O ser humano de hoje, emcertos casos, é tão ou mais primitivo quanto o foi no pas-sado.

Nas crenças primitivas a religião é diária, vividacomo um pensamento coletivo. Sua tradição é oral, seusritos são musicais e apresentam diferentes formas de po-deres espirituais. São frágeis em doutrinas e na especula-

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ção filosófica. As pessoas se sentem vivendo um únicomito, contribuindo para a integridade do Universo em queacreditam. Não há uma Religião Pessoal nem tampoucouma consciência do eu definida fora dos limites do cole-tivo. Cada um é útil na manutenção de cada um dos ou-tros.

Nas sociedades primitivas, como em algumas soci-edades teocráticas de hoje, a cultura é a própria religiosi-dade. As experiências dos indivíduos se dão no seio dareligião. Não há cultura fora da religião nem possibilida-de de compreensão do mundo fora de seus limites. A reli-gião submete o indivíduo à Natureza para que, no contatocom ela, se estruture, reconhecendo e desenvolvendo suaprópria força.

A diversidade de religiões primitivas, mesmo quan-do em comunidades próximas umas das outras, reflete acomplexidade, não só da psiquê como também da pró-pria divindade. Psiquê e Divindade apresentam seu as-pecto plural na diversidade religiosa. Enxergar, procuran-do compreender os diversos ritos religiosos como mani-festações da divindade contribui para entendê-la.

Da mesma forma que as religiões tribais, pela suagrande diversidade e por conta de características cultu-rais específicas de cada região, representam a pluralidadeda psiquê humana, a miscigenação e o sincretismo religi-oso, principalmente entre dominados e dominadores, re-fletem o caráter flexível de sua face religiosa, que permi-te o surgimento de reinterpretações do sagrado. A divin-dade se revela sutilmente nas manifestações religiosas dapsiquê.

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Horizonte espiritual

A psiquê humana naturalmente constrói hori-zontes, nos quais projetam suas aspirações futuras de gozo,de fruição ou de habitação (estado mental). Quando, porexemplo, alguém decide fazer uma viagem a algum lu-gar, imagina antecipadamente o local, além de se preocu-par onde e como vai repousar. Assim, projeta tudo quelhe acontecerá a cada minuto, na expectativa inconscien-te, ou consciente, que assim aconteça. Da mesma forma,no que diz respeito à vida após a morte, isto é, ao futurohumano, a vida além-túmulo também é imaginada. Asreligiões oferecem possibilidades, consideradas reais,subsidiando a imaginação de seus féis. Muitas vezes, aque-las possibilidades se tornam o único horizonte possível àmente pouco acostumada a reflexões profundas.

No campo do Espiritismo, essas possibilidades re-cebem o contributo de inúmeras mensagens psicografadas,bem como de livros de autores encarnados, além de con-sistentes experiências científicas levadas a efeito em di-versos países e oferecem horizontes espirituais modela-dos pelas perspectivas psiquicamente idealizadas pelospraticantes. O horizonte apresentado é conhecido comoMundo Espiritual ou Espiritualidade, e seus habitantesvivem em um estado que Allan Kardec chamou deerraticidade.

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O Mundo Espiritual apresentado (ou formado peloimaginário da maioria dos espíritas) se mostra, de certamaneira, estereotipado por situações, paisagens, lingua-gem e personagens convencionais. Estereótipos que ge-ralmente não saem da dialética do bem e do mal, do felize do infeliz, do luminoso ou obscurecido, do evangélicoou distanciado dos valores cristãos etc.. Aquilo que, defato, é pertencente àquele mundo não é descrito e, quan-do se tenta fazê-lo, surge o problema da linguagem, quedificulta a compreensão. Parece haver uma comunidadede espíritos espíritas que contracenam com infelizes edoentes, como se aquele mundo espiritual fosse tão so-mente constituído de mentores, guias, médicos, benfeito-res etc. e de doentes abrigados sob a proteção de institui-ções por aqueles dirigidas.

A imagem construída não brota do nada. Ela surgeda existência real de projetos de nobres espíritos que seinteressaram por reduzira miséria humana, moral e inte-lectual, melhorando a sociedade. Esse horizonte, porém,necessita ser ampliado. A complexidade do Universo alémda matéria é inimaginável, não só à mente humana encar-nada como também ao espírito, encarnado ou não, no es-tágio atual de sua evolução. No mundo espiritual existemcomplexas habitações, uma grande diversidade de rela-ções, múltiplas possibilidades de aparência, num univer-so amplo e ilimitado, disponível à concepção do imagi-nário humano.

Ampliar horizontes espirituais permitirá o surgi-mento de consciências mais livres e capacitadas ao exer-cício de sua individualidade. A mente livre permitirá oexercício do amor em plenitude. Assim, o horizonte espí-rita tornar-se-á a dimensão do ser humano novo, livre ecriativo para a realização efetiva do plano de Deus para

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ele constituído. Paisagens, idéias, conceitos e imagensconstruídas com o auxilio da literatura espírita devem serconsideradas tão somente pontos de apoio, não mais doque âncoras psíquicas iniciais. Plasmar na própria menteum horizonte novo, construído pelos ideais de beleza, le-veza, liberdade, arte e amor é tarefa de todos nós, sobre-tudo daqueles que se propõem a conduzir almas, enquan-to aprimora a própria. Aprisioná-las em horizontes pe-quenos em que prepondera o maniqueísmo é crime delesa liberdade.

Com isso não quero parecer um iconoclasta vulgar,mas alguém que deseja ampliar a percepção humana arespeito da vida espiritual. Considerando a complexida-de da vida na matéria e compreendendo a força sutil comque a divindade se põe ante o humano, busco uma maiorvisibilidade da vida no Além.

Impossível dissociar religião de vida espiritual e demediunidade. A mediunidade é a faculdade humana quepermite a comunicação com espíritos desencarnados. Seusurgimento pertence aos primórdios da constituição psí-quica humana. Via de regra, as religiões se desenvolve-ram em meio a fatos mediúnicos considerados sobrena-turais, cujos protagonistas foram tidos como deuses oupossuídos por eles.

O horizonte espiritual, por mais que se imagine algoutópico ou surreal, será muito mais complexo e exube-rante do que jamais se sonhou. O que plasmou a Nature-za com toda a sua diversidade, utilizando-se de umacriatividade superlativa, não reserva ao humano algo queele próprio poderia ter concebido ou mesmo ter construído.

Enquanto o ser humano permanecer submetido aodogma, à tendência arquetípica que o aprisiona no coleti-vo, vai querer um céu maravilhoso, destinando, aos que a

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ele não se assemelham, o inferno dantesco que ele pró-prio tenta lhes esconder.

Seus horizontes espirituais devem ser outros, dife-rentes do primitivo, que se via após a morte como umforte guerreiro lutando contra as feras monstruosas que,sem ele saber, habitavam em seu inconsciente. Todos sãoseres criados pela luz e para ela se dirigem.

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Religião é buscapelo Si-Mesmo.

A palavra religião é aplicada para diferentes ex-periências de fé, de culto, de ritual, de numinosidade e derelação com o sagrado. Seu sentido está de fato ligado aosagrado, isto é, àquilo que transcende à consciência, àquiloque retira o ego do controle racional. Sua vivência temrepresentado a busca do ser humano pelo que lhe é consi-derado a finalidade e o sentido da vida. No ato religioso,a imaginação do ser humano tem estado a serviço de co-nexões com divindades e com sentimentos de transcendên-cia. E a sua consciência, em relativo estado alterado, vi-brando numa freqüência diferente da habitual, tenta seconectar a algo que lhe retire do foco pessoal para alcan-çar limiares superiores, onde supõe encontrar algo quelhe propicie elevação, poder e felicidade.

O movimento da consciência na direção do cultoexterno, quando exclusivamente feito para o encontro comalgo fora da realidade possível ao humano, se dá na dire-ção contrária à busca por uma compreensão da próprianatureza e identidade essencial. Quanto mais o ser huma-no busca a divindade exterior ou o que parece estar pró-ximo dela, mais se afasta da sua natureza essencial. Omovimento de busca deve ser na direção do Si-Mesmo,

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isto é, da individualidade para o encontro com a divinda-de. O ser humano se conhece muito pouco e isso o leva aquerer preencher o vazio da ignorância pela qualificaçãosuperlativa de uma divindade. Esse desvio de si mesmopara o deus que ele concebe atrasa sua evolução, bemcomo seu verdadeiro encontro consigo mesmo e comDeus.

Mesmo fazendo de diferentes maneiras, as religi-ões se esforçam para consolidar elementos morais na vidahumana. As religiões têm favorecido o melhoramento dasociedade, seja validando antigos e importantes valores,seja propiciando o surgimento de uma ética superior paraa vida humana. Caminha-se para uma ética global, assu-mida pelas nações, por todas as religiões e filosofias, gra-ças à consciência cada vez maior da unidade da espéciehumana. Há uma crescente percepção coletiva de que to-dos fazem parte de uma mesma família de espíritos, sub-metidos a idênticos processos evolutivos, e de que estãonum mesmo plano de realizações. A busca pelo Deus ex-terno tem fomentado uma certa identificação coletiva in-consciente. Mesmo considerando que as religiões apre-sentam diferentes propostas e que nem sempre propõemo mesmo fim para o indivíduo, elas se tornam responsá-veis pela possibilidade de manifestação do arquétipo re-ligioso. Por esse motivo, se prestam à mesma finalidadena vida humana.

No propósito de levar o ser humano à sua máximarealização, as religiões se perpetuam afirmando princípi-os envolvidos por antigos mistérios. Muitas vezes, essesprincípios são afirmados em encíclicas, éditos, livrossacralizados, congressos e encontros de líderes, porém,na prática, não costumam alcançar a grande maioria deadeptos que vive cotidianamente a religião. No dia-a-dia

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da pregação religiosa, costuma-se ser mais tolerante comvistas a uma difusão mais rápida e uma maior cooptaçãode adeptos. Uma religião tolerante e mais próxima doscostumes sociais se difunde mais rapidamente, contribu-indo para um maior número de seguidores. Decisões dis-tanciadas da vivência comum das pessoas contribuem parauma menor possibilidade do ser humano alcançar suamáxima essência.

Quando o ser humano se encontra no limite de suamiséria e de suas condições de subsistência, num estadode inferioridade, costuma aceitar propostas religiosas quemagicamente o tirem daquelas situações. As conversõesreligiosas costumam ocorrer em situações limítrofes en-tre o bem e o mal, entre o certo e o errado, quando asforças estão nas últimas. Isso justifica um elevado núme-ro de adeptos em religiões extremamente castradoras, queobrigam a aceitação cega de princípios, o que dificulta apercepção do Si-Mesmo.

Toda religião tem um ou mais princípios afirmati-vos, como se fosse dogma. Tais dogmas estão relaciona-dos com a psiquê humana e seus processos. Em últimaanálise, estão referenciados com o Si-Mesmo. Quando sãocuidadosa e profundamente analisados, são percebidoscomo símbolos que representam os mistérios a respeitoda natureza espiritual do ser humano. Sua decodificaçãotem sido tentada, por longos anos, por estudiosos das ci-ências e por místicos de várias ordens religiosas, sem su-cesso. Uma maior aproximação com o Si-Mesmo levaráo ser humano à compreensão melhor do significado da-queles símbolos.

A existência de um grande número de religiões éresultante da infância da humanidade no que diz respeitoao conhecimento da natureza essencial humana e a res-

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peito de Deus. A união das religiões acontecerá com opreenchimento de experiências na psiquê de cada ser hu-mano que o levem ao encontro com o Si-Mesmo, o queexigirá um trato maior com o espiritual, com a mediuni-dade e com a reencarnação. Viver experiências ligadas aquestões relacionadas a esses temas capacita o espíritoao entendimento maior de si mesmo.

Quanto mais o ser humano penetrar no mistério queenvolve sua própria essência, na percepção precisa de suaindividualidade, na compreensão de sua natureza essen-cial, mais próximo ele chegará ao encontro do significa-do de Deus. A Psicologia, com seus estudos a respeito dapsiquê, oferecerá novos subsídios à religião para que oser humano alcance melhor aquele intento.

A Religião Pessoal também deverá levar o indiví-duo ao estado psíquico de receptividade e de conexão como sagrado. Sua construção, dentro ou fora da religião for-mal, será um grande passo para o processo evolutivo doespírito imortal.

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Eros e Religião Pessoal

Construo minha Religião Pessoal por força do de-sejo íntimo de encontrar-me, de compreender-me e de mesentir com o outro. Tenho a coragem de estabelecer osnovos limites à minha própria mente, antes acrisolada pelotemor de um deus opressivo. Arrisco-me em reconstruí-la por ver-me desejoso de ir mais além de mim mesmo,de alçar vôo na direção do que não compreendo e que seiser necessário ultrapassar. Minha decisão é fundamenta-da num convite interno do Criador da Vida, que me dá acerteza de que se trata da conquista de um novo patamarna minha existência.

Não temo me perder. Nada a perder nem temer, pois ointeresse em me conhecer e, em seguida, revelar aquele queme gerou, é mútuo. Se devo me tornar “perfeito”, ser feliz,encontrar-me, realizar-me, ou qualquer que seja a finalidadepara a qual fui criado, é para a glória daquele que me fez.Portanto, nesse sentido, Deus e Criatura estão no mesmopropósito. Só os tímidos não se arriscam, protegendo-se de-masiadamente do viver, escudando-se por detrás de um deusque substitui sua segurança. Só os fracos não se exigem maisdo que a cultura e a religião formal oferecem em matéria dedesenvolvimento e crescimento espiritual.

A Religião Pessoal é o oceano onde desaguam osrios que representam as religiões formais. Alcançar uma

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Religião Pessoal é a decorrência principal de uma pro-funda vivência, coerente e determinada, nas fileiras deuma religião formal. Todo crente sincero, consciente damagnitude de sua própria existência, sabe que deve pros-seguir na busca de algo acima dos muros da religião quelhe obriga a limitar-se, sob pena de ser anatematizado.

Uma religião cujo Deus obriga seus adeptos a temê-lo, a adorá-lo e a observar princípios que lhes neguem aprópria vida humana em favor dele próprio não os levaráalém da própria sobrevivência, à semelhança de um nú-cleo feudal medieval, há muito ultrapassado, que cria for-talezas para indivíduos cada vez mais medrosos. Umareligião cujo profeta, missionário, pastor ou sacerdote,humano como qualquer criatura, transforma-se em mitoa ser adorado, tal qual o próprio Deus que idolatra, nãoelevará seu adepto para além da condição servil em quevive. Uma religião cujo templo restringe seu uso àquelesque se condicionaram aos rituais e atitudes que enrijecema mente humana não levará um só crente ao encontro coma essência da vida. Uma religião cuja história contempledemasiadamente o passado, justificando exclusivamenteneste o futuro, excluindo qualquer possibilidade de refle-xão e contextualização não avançará no equacionamentodos enigmas do Universo. Uma religião cuja fonte de sa-ber tenha se cristalizado em palavras e símbolos, sem apossibilidade de penetrar nos significados profundos queeles representam, não oportunizará que se alcance a sa-bedoria universal. Uma religião que se utilize de seuspostulados para fomentar a discórdia e o desamor, tor-nando-se instrumento do poder, não proporcionará a igual-dade e a fraternidade entre as criaturas. Uma religião cujoadepto seja conduzido ao individualismo, sem a mínimapercepção da condição de ser coletivo, espiritualizado e

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de estar inserido no meio em que vive, torna-se apenasum movimento intelectual e egocêntrico. Uma religiãoque exclua as demais como caminhos para o encontrocom a finalidade da vida não poderá construir a paz entreas nações.

Quando as religiões propõem rejeitar o mundo, ex-cluindo o necessário contato com a realidade, se opõemao processo de evolução humana. Nesse sentido, a reli-gião formal é contraditória, dogmática e negativista.

A ciência toma o lugar da religião na medida emque esta não apresenta referenciais no mundo para a rea-lização do indivíduo; tenta mostrá-los fora dele. Por ou-tro lado, a obstinação dos que se arvoram em detentoresdo saber, negando a experiência mística como porta deacesso ao conhecimento, leva o ser humano ao emburreci-mento.

A religião sobrevive graças ao eros humano, isto é,ao desejo e à ânsia pelo encontro real com o divino. Sem ointenso desejo de se conectar ao divino, a religião não so-brevive. Dialeticamente, o eros tem se aplicado ao mundoou se dedicado a Deus. Em ambas as direções, seja pelo“pecado” ou pela devoção, eros sustenta a necessidade deamplitude. Esse desejo, que pode ser dirigido às duas di-mensões, deve se voltar para a construção da Religião Pes-soal. Na dimensão religiosa, eros voltado exclusivamentepara a religião formal mantém o ser humano na inconsci-ência. Quanto mais o ser humano é inconsciente de si mes-mo, mais sua religião apresentará elementos dogmáticos,cuja compreensão permanecerá inacessível. A presença deeros em seu psiquismo se deve à sua condição de filho daNatureza. O ser humano não é gerado dissociado da Natu-reza. Ela é mãe dos corpos e dos instintos. Eros pertence àprópria essência do ser humano.

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O ser humano vem descobrindo que a Natureza éum ente vivo que segue leis próprias, o que o destitui dolugar de poder sobre ela. Dar nomes aos fenômenos natu-rais é mera forma de burlar essa verdade. O culto à Natu-reza deve se transformar em respeito. Aprender com ela éo melhor caminho. E a Natureza, mesmo que venha a serdominada pela inteligência humana, revela aspectos obs-curos em seu funcionamento. Assim também se dá com apsiquê, cujo funcionamento escapa à compreensão da ló-gica humana. A religião não poderá dispensar gratuita-mente o poder de eros, sob pena de excluir a própria di-vindade.

A maioria dos problemas ecológicos mundiais apon-tam para um agente único – o próprio ser humano. Não sepode mais acusar forças ocultas, inconscientes, deusesmitológicos, Deus ou o demônio. A culpa foi materializa-da, e ela chama a consciência humana para uma solução.Não é mais o mal o responsável, mas a própria liberdadede escolha, a razão humana. A religião não pode separar aNatureza do espírito. Causas ecológicas são também cau-sas religiosas. A Religião Pessoal, diferentemente da reli-gião formal, inclui o respeito à Natureza e a preocupaçãocom o meio ambiente como parte de seu código de prin-cípios.

A religião promovida por eros em complementaçãoao logos é mais do que uma proposta de cura para a alma.Considerar que religião é apenas a recuperação de algoperdido ou corrompido é tentativa de retorno à infância.A religião deveria ser considerada como a possibilidadede se tornar o fator catalisador da alma, para que ela setorne além do que ela é. Uma entrega religiosa dominan-do a psiquê promove a sensação de que algo está esca-pando de ser vivido. A vida fica incompleta.

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A religião parece querer tirar o ser humano da Ter-ra. Isso é apenas um convite para que ele observe as es-trelas. Esse convite não poderá retirá-lo da Terra, na qualele foi gerado. Em suas entranhas pulsa o coração do Cri-ador de todas as coisas. Sem eros, o logos é vazio. Semlogos, eros é apenas paixão. O Self “ama o mundo”, en-volvido pela energia de eros, mas o ego se depara com adura realidade dele, analisada pelo logos.

A Religião Pessoal conduz à construção de umaconsciência aberta, livre e flexível ao que vier. O que defato vier a acontecer com ela será fruto de sua própriacriatividade, conduzida por eros. Uma proposta racionalnão é suficiente para despertar a psiquê religiosa, condu-zindo-a à percepção do divino. Só uma idéia permeadapor eros, ou um sentimento próximo ao Self, poderá des-pertar a psiquê religiosa.

Numa das muitas genealogias de Eros, deus doamor, ele é filho de Nix (noite). Nix pôs um ovo, cujasmetades partidas deram origem a Urano e Géia (Céu eTerra). Eros é o elemento conectivo dessas duas metades,força coesiva do Universo. Eros é o convite para que areligião siga o caminho do amor, pois é ele que conecta oser humano ao outro, a Deus e a si próprio.

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O que é Religião Pessoal

Religião Pessoal é a religião construída pela pró-pria pessoa a partir dos paradigmas de sua religião deorigem ou de suas experiências relacionadas ao sagrado.Deve ser gradativamente construída ao longo da vida doindivíduo, após reflexões sobre si mesmo, quando em seusembates com o sagrado e pelas experiências numinosasque vive. Não é uma religião coletiva nem tampouco seopõe às religiões tradicionais. É fruto de uma certa insa-tisfação interna, e surge da tentativa de preencher lacu-nas deixadas pelo simbolismo pouco esclarecedor da re-ligião de berço. Pode também ser construída na ausênciade uma educação religiosa formal. A Religião Pessoal podereceber contribuição dos paradigmas de todas as religiões,até mesmo da Religião Pessoal de outros indivíduos.

Sua vivência proporciona um estado de equilíbriointerno, que se reflete no externo, em face da eliminaçãodas tensões entre a consciência e o inconsciente no que dizrespeito às necessidades de expressão do arquétipo religi-oso. Nela não cabem culpas morais, deus punitivo, obriga-ções redentoras, penitências aflitivas, atitudes sacerdotais,disputas religiosas, comparações com as crenças alheiasnem necessidade de afirmação nesse campo. Na ReligiãoPessoal, há sim, autenticidade do indivíduo consigo mes-mo, comprometimento para com seu desenvolvimento es-piritual e cumplicidade com o crescimento do outro.

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Sua vivência admite a assunção de qualquer outrareligião ou mesmo de nenhuma delas, pois nasce das ne-cessidades interiores do próprio indivíduo visando aten-der-lhe anseios íntimos. No caso de se assumir outra reli-gião além da pessoal, isso se dá de forma consciente, semsectarismo nem fundamentalismo. Portanto, assumir umareligião ou professar a própria não exigirá um embate te-ológico externo, mas uma procura por algo que asserenea própria alma na direção do equilíbrio psíquico e do de-senvolvimento da personalidade integral.

Um dos princípios capazes de auxiliar na constru-ção de uma Religião Pessoal é a não-subserviência aoconceito de um deus todo poderoso, entronizado pelamaioria das religiões, o que não significa a negação da-quele poder, mas apenas a iniciativa de se libertar do jugode uma prisão psíquica de difícil saída. Um deus todopoderoso implica numa criatura insignificante, que nadapode fazer. A mudança desse paradigma significa tam-bém a gradativa compreensão de que esse poder se reali-za através do humano. Tal compreensão deverá levar apessoa à percepção de seu próprio poder na realização desua vida e na construção de seu destino. Na prática, éuma gradual transferência do poder externo para a cons-ciência do poder interno.

Para construir a Religião Pessoal é necessário en-tender que se trata de uma empreitada difícil e laboriosa.Exigirá sacrifícios, mas sem sofrimentos e renúncias exa-geradas. Há que se mexer com a própria mente, na pró-pria forma de pensar, isto é, com princípios cuidadosa-mente plantados, que garantem a estabilidade da consci-ência. Princípios religiosos sempre serviram para o equi-líbrio psíquico nos momentos de insegurança. Há que sealcançar estruturas psíquicas, até então consideradas se-

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guras. É preciso reconhecer que as matrizes psíquicasexistentes consolidaram uma forma de entender a reli-gião como instrumento de levar a pessoa ao medo, à crençano sofrimento como meio de elevação, a crer no sobrena-tural, ao sentimento de inferioridade pessoal diante davida, ao não reconhecimento de sua capacidade, ao medoda morte etc.. Incluem-se nessas matrizes a forma de tro-ca de favores ao lidar com a divindade, a espera de mila-gres e a distorção da vida futura.

Há que se desconstruir as antigas matrizes psíqui-cas forjadas pela religião coletiva. Há que se abandonaruma certa segurança proporcionada por elas, retirar omedo do desconhecido e do que virá, além de sedesmistificar a idéia de um deus externo e julgador.

Os componentes das matrizes psíquicas sãodirecionadores da vida cotidiana, pois são forjadores damoral, das virtudes, dos excessos e das aspirações pesso-ais. Nem todos deverão ser modificados, mas terão de serreavaliados de forma gradual e segura. Seu início se dácom uma atenção séria a um anseio interior de mudança,que aponta para algo profundo e importante para o indi-víduo. O vazio e a angústia, normalmente existentes nacriatura humana, terão a devida atenção do ego, pois sãorepresentações da vida real, interior e misteriosa, requisi-tando a consideração necessária.

É preciso coragem e cuidado para romper padrõespsíquicos construídos ao longo de várias encarnações. Asegurança construída, sutil ou conscientemente, é muitoforte para ser desfeita de forma simples e rápida. É traba-lho que exige tempo, determinação e construção de algoainda mais consistente, que preencha a consciência e for-taleça a identidade do eu. Não haverá mais lugar paraproteções externas, mas para novas estruturas na perso-

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nalidade que favoreçam a existência autônoma e que tra-gam realização pessoal, além de um significado existen-cial profundo. Esse algo pode ser a Religião Pessoal, queproporcionará autodeterminação ao espírito.

As palavras “religião” e “salvação”, de tradição ju-daica, têm forte influência no entendimento da busca hu-mana pelo significado da vida – o encontro com Deus,realização espiritual, transcendência, imortalidade etc.. Noentanto, a palavra religião, usada na Religião Pessoal,ultrapassa o sentido aplicado originalmente pelo Judaís-mo. Por isso, não haverá realização de perfeição em umaencarnação nem necessidade de salvação de coisa algu-ma. As religiões formais são formas provisórias e iniciaisda Religião Pessoal.

Religião Pessoal é um Caminho Pessoal, ou, comodiriam os orientais, um Tao Pessoal. É a assunção da Cons-ciência Divina Pessoal. Religião Pessoal é não se preocu-par com a salvação, mas com o propósito do desejo daexistência. Isso porque o mundo espiritual é apenas ummundo e não o mundo. Ele não é negado, mas compreen-dido como uma passagem efêmera de algo maior – a livreexpressão do espírito no Universo.

Dois princípios precisam ficar bem claros na cons-trução da Religião Pessoal: a continuidade do eu e aconectividade. São os dois pilares básicos que fundamen-tam o pensar, o agir e o existir. O primeiro representa aimortalidade do espírito, e o segundo, a exigência da evo-lução no contato com outra pessoa. Em resumo, todos osseres humanos são imortais e ninguém evolui sozinho.

Continuidade do euA constituição da Religião Pessoal parte do princí-

pio da continuidade do eu em todos os pensamentos e

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atos. Isso significa que a pessoa deve ter em mente que, oque quer que aconteça à sua vida e ao seu corpo, tambéma morte física, seu eu continuará existindo tal qual é hoje.Não se trata apenas de acreditar na vida após a morte,mas de se ter consciência da continuidade de si mesmo,como pensa, sente e age. Uma continuidade um poucodiferente da idéia da crença na imortalidade, que apenasoferece uma esperança de uma situação futura proporcio-nal ao que o indivíduo fez enquanto encarnado. A conti-nuidade do eu significa a não existência de um hiatoavaliatório entre a vida no corpo e a vida após sua morte.Esse momento avaliatório, que de fato pode existir para opróprio indivíduo, ocorre principalmente para aqueles quepsicologicamente o concebem. Estes, após a morte, irãoatravessá-lo por acreditarem em sua realidade e por seinserirem em um sistema que o inclui. Não se trata de ummundo virtual ou imaginário, mas de uma sociedade dosque se incluem nesse sistema de crenças, e as crençasformam o arcabouço e o tecido sobre o qual a realidadese forja e acontece.

O conceito de continuidade do eu deve se tornarum estado de espírito capaz de retirar a criação mental,pré-formada, de uma vida futura idealizada pelosparadigmas religiosos, mesmo que eles de fato sejam re-ais. Isso não quer dizer que as informações que,porventura, sejam recebidas do Mundo Espiritual, pelamediunidade ou através dos sonhos, sejam incorretas.Porém, para certas pessoas, tais informações podem in-duzir a uma vida material calcada na esperança de umfuturo idealizado, afastando-as da construção de uma per-sonalidade auto-determinada e transferindo para o Alémsua autêntica existência.

A continuidade do eu é a permanente responsabili-dade pelos próprios atos, bem como a segurança de si

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mesmo em relação ao que vive e faz. É uma espécie dedestemor e firmeza de espírito para o enfrentamento dosdesafios da vida. A preocupação com a vida futura deixade existir na medida em que o espírito se sente seguro desi e responsável pelo seu próprio destino. Aquele que viveconsciente da continuidade do eu sabe que sua situaçãoapós a morte será mero prosseguimento de seu estado deconsciência e da consciência do eu que tenha construído.

A continuidade do eu é um fenômeno cotidiano. Aassunção e manifestação do eu é um fenômeno quase bi-ológico, tendo em vista seu automatismo. Por vezes, fru-to de repetições constantes, o fenômeno pode se tornarde propriedade do eu. Não será surpresa após a morte seuressurgimento natural. A consciência do eu brota inespe-radamente na vida consciente, oriundo da vida inconsci-ente, que nunca cessa de acontecer. O movimento do euentre a consciência e o inconsciente se assemelha aopendular. O eu oscila entre a consciência e o inconscientede forma intensa, automática, célere e constante. A idéiade um eu estático contribui para a não percepção de seudinamismo e de sua impermanência. A Religião Pessoaladmite esse movimento pendular como base para umabusca constante pela assertividade na vida, considerandotambém seu aspecto inconsciente.

O movimento pendular do eu gera um campo natu-ral de atração que proporciona ao eu a capacidade deaglutinar e associar conteúdos, além de lhe conferir a com-petência de estabelecer sintonia com o Si-Mesmo. O cam-po formado lhe confere a função de ser o centro aglutinadorda consciência, de acessar simultaneamente o inconscien-te e de ser a identidade representativa do espírito.

A Religião Pessoal é, portanto, uma auto-consciên-cia oriunda da certeza de que se é um espírito gerado para

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se tornar autônomo, comprometido consigo mesmo econectado ao Universo. Não é uma religião para templos,sacerdotes, paramentos, rituais, adorações, amuletos, sal-vação ou libertação prometeica. É compromisso com ouso do fogo sagrado, doação divina interior e singular,que se possui em si mesmo.

ConectividadeA continuidade do eu é um dos princípios da vida

que se deseja realizar e atribuir significado. Sua consci-ência é fundamental na constituição da Religião Pessoal.O outro princípio é a possibilidade de conectividade. É oque legitima a existência, pois o outro será sempre oreferencial necessário ao espírito para a realização de ex-periências. O espírito é sem o outro, mas não realiza suaexistência sem o contato com ele. A conectividade é oprincípio da relação com o outro.

Toda realização humana parece conter a necessida-de de um certo compartilhamento, com alguém, daquiloque se faz. Mesmo aqueles que gostam de realizar suasexperiências de vida sozinhos, estão, consciente ou in-conscientemente, esperando ser observados e avaliados.Como a consciência do ser humano é dual, um outro ésempre presente como um interlocutor, numa espécie derelação virtual com um alter ego.

Todos os sentimentos humanos, que antes eramemoções instintivas, nascem da capacidade inata no serhumano de estabelecer conectividade. Numa dimensãomais profunda, a conectividade promove a capacidade,que o ser humano possui, de amar. Só ama quem se conectaao outro. As experiências humanas que contenham, emsua base, o desejo de conexão com alguém, ou que serealizem objetivando a conectividade, são geradoras de

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crescimento e desenvolvimento ao espírito. A conectivi-dade é o desejo permanente de, no contato com o outro, oser humano encontrar-se consigo mesmo. Não é possívelevoluir sem se conectar. O princípio da conectividade sig-nifica a necessidade da relação afetiva com alguém. Rea-lizar trocas afetivas nutre o espírito de motivação e entu-siasmo. A afetividade é a atualização do instinto do pra-zer numa dimensão que ultrapassa os limites da emoção,alcançando a sensibilidade do espírito.

O excesso de racionalidade priva o ser humano dodesenvolvimento de sua conectividade. Encontrar respos-tas lógicas, oriundas de conexões racionais e simplistasreferentes à complexidade da vida, pode distanciar o serhumano de sua sensibilidade e capacidade conectiva.

Na mitologia grega, numa das genealogias dos deu-ses, o sentido correspondente à conectividade é encon-trado em Eros, filho de Afrodite e Ares. Ele é o princípiounificador e coordenador dos elementos. Afrodite é a deusado desejo, do amor e do prazer sensual e Ares é o deus daguerra, cuja característica principal era a agressividade eviolência. Pois bem, Eros é filho desse casamento de for-ças bastante antagônicas, razão pela qual pode-se suspei-tar que a união entre duas pessoas contém um misto derepulsão e, simultaneamente, de atração. Não há uniãosem o desafio da possibilidade de rejeição pelo outro e derejeição ao outro. A conectividade é uma das necessida-des humanas para a evolução do espírito. Graças a elacombate-se a solidão e o isolamento afetivo.

Os dois princípios, continuidade do eu e conectivi-dade, impulsionam o espírito para a realização do signifi-cado de sua existência, bem como para o encontro do sen-tido da vida. São duas alavancas psíquicas que justificam

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a individualidade humana. Todos são impulsionados poresses dois princípios que nunca cessam de existir.

A consciência deve mover-se a partir desses doisprincípios. Uma vez que se tome consciência deles, nãose conceberá a vida como uma puerilidade ou como umasimples manifestação genética. Eles correspondem aosarquétipos do Si-Mesmo e da Ânima/Ânimus.4

É preciso alcançar-se a conscientização da imorta-lidade do Si-Mesmo e da mortalidade do ego para se ini-ciar a construção da Religião Pessoal. Essa mortalidadecorresponde à consciência da impermanência das coisas,pois nada será como antes nem o momento futuro serávivido como foi idealizado. Sentir-se imortal e conectadoé não temer a morte do corpo nem a perda da alma.

A Religião Pessoal permite a resolução do enigmado abismo porventura existente entre a criatura e o Cria-dor, sem inverter os papéis. A conectividade com o outrose torna possível pela consciência da inquebrantável li-gação existente entre Criador e criatura.

Uma pergunta pode surgir: A que ficariam entre-gues aqueles que precisam de consolo ao assumirem suaReligião Pessoal? O consolo para eles virá da consciên-cia dessa forte ligação – Criador-criatura –, bem como dacerteza da continuidade do eu.

A Religião Pessoal tem como objetivos:� promover a autocompreensão e a autodetermina-

ção da pessoa, tornando-a consciente da proprie-dade de si mesma;

� fazer o ser humano alcançar a máxima compre-ensão do funcionamento do Universo e sua res-ponsabilidade neste;

4 Optei por acentuar as palavras ânima, ânimus e psiquê em função da pronúnciaque normalmente se utiliza. Conservei a grafia original nas transcrições.

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� levar o ser humano ao estado de felicidade per-manente, sem esquecimento de sua participaçãona realização do outro;

� atualizar o arquétipo da psiquê religiosa, arquéti-po da Imago Dei, para o encontro com o Si-Mes-mo;

� tornar o ser humano o principal agente de trans-formação e desenvolvimento da sociedade em quevive;

� levar o ser humano a compreender o sentido e osignificado da vida e da razão última de sua exis-tência pessoal.

A esses objetivos se juntam aqueles que serão des-cobertos no decorrer da construção da Religião Pessoal,bem como após sua definitiva instalação.

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Religião formale Religião Pessoal

Na religião formal, adota-se, por tradição e con-tinuidade, os valores familiares. Em relação aos valoresreligiosos, os filhos os herdam geneticamente dos pais,recebem pela educação por eles transmitida, sofrem asinfluências do meio social, são contaminados pelozeitgeist, além de construírem seus próprios conceitossobre religião. Mesmo que não o queiram, possuem umareligiosidade por assimilação inconsciente. Aqueles que,porventura, dizem não ter uma religião, não estão se refe-rindo a esse conteúdo, que representa um rudimento desua religião formal. A adoção dessa religião é impostapor herança e pela convivência. A Religião Pessoal não éadotada, mas construída. Na Religião Pessoal, não se tomaemprestada uma crença, tampouco se se converte a ela.Sua construção decorre de um longo processo dematuração de convicções a respeito do sagrado e do reli-gioso, oriundas de experiências numinosas.

A religião formal sofre forte influência da sombracoletiva, pois impõe sobre a consciência o medo do peca-do. Nela, todos são naturalmente pecadores. Demônios eentidades aversivas fazem parte do cenário que compõeo universo dialético da religião formal. Ou se seguem os

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seus preceitos ou se se torna escravo deles. O bem e omal são oferecidos como opção ao adepto. Sua escolhaserá decisiva para seu destino. Ou o céu ou o inferno. Emgeral, os adeptos das outras religiões, que não a do pró-prio crente formal, estarão sumariamente no inferno. Ocontrário ocorre com os adeptos da Religião Pessoal, que,além de estimularem a adoção de uma crença, seja for-mal ou pessoal, consideram que todos os indivíduos sãolivres para exercitar sua fé.

Na Religião Pessoal, bem e mal são conceitos rela-tivos que representam dimensões psíquicas relacionadasao valor das ações. Esse valor diz respeito à relação con-sigo mesmo e com a norma social. Na Religião Pessoal,não há temor do mal nem sanção sumária pós-morte paraa eventual ação considerada vinculada ao mal. As conse-qüências dessa eventual ação se darão considerando-seinúmeros fatores, entre eles, a necessidade de educaçãodo indivíduo. A consciência da assunção da responsabili-dade pelas ações, quaisquer que sejam, é facilmenteassimilável na Religião Pessoal; portanto, não há temordo futuro ou do destino decorrente da vida atual. A som-bra pessoal é considerada inerente a todo ser humano,não sendo uma “ofensa” a Deus. Na Religião Pessoal,não há afirmação de punição, castigo ou sofrimento porqualquer ação considerada má. Isso não implica que omal seja estimulado ou considerado um bem. A própriaconsciência do indivíduo, cotejada pela norma social, seráimportante para que ele assuma a responsabilidade poraprender como fazer o bem. As virtudes não são assimi-ladas por causa das sanções a serem aplicadas quando oindivíduo se comporta contrariamente a elas, mas porqueadquiri-las implica em capacitar-se para uma maior com-preensão do Universo e das Leis de Deus.

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Além do combate às imperfeições e da rejeição aosvícios, na Religião Pessoal prioritariamente se trabalhapara integrar, à personalidade, competências adequadas àevolução do espírito, o que implica em não se ocupar tan-to em apenas combater o mal, mas em compreendê-locomo inerente ao sistema psíquico constitutivo do huma-no. O mais importante é viver experiências atualizadorasdas tendências humanas comuns, adquirindo capacida-des psíquicas para novos desafios que a Vida impõe. NaReligião Pessoal, o indivíduo deve gradativamente inte-grar sua sombra como parte de sua personalidade, geradaem suas relações com a norma social. Portanto, não advémde sua relação com Deus.

A Religião Pessoal não é uma busca individual desalvação, mas de realização do arquétipo que conduz aoencontro do Si-Mesmo. É um processo maduro de per-cepção do Universo como campo de realização do espíri-to imortal. Não é uma religião dominical nem adequaçãoa um grupo referencial para inserção na sociedade.

Na Religião Pessoal não há necessidade de reden-ção, pois não há pecado a ser expiado. Redimir-se signi-fica assumir as conseqüências da própria ignorância, quemerece educação, não expiação. É importante absorver aidéia de que a necessidade de uma redenção implica in-conscientemente em acatar uma culpa, o que induz aopensamento de uma punição. Nesse aspecto, a religiãonão deve ser considerada mero veículo para a redençãodas criaturas, mas, principalmente, a manifestação do ar-quétipo religioso. Tal manifestação naturalmente se dará,como tudo que é tendência humana, isto é, a atitude reli-giosa é conseqüência de uma instância psíquica a priori.Não é uma criação deliberada da consciência, mas umaimposição da Vida que quer se tornar conscientemente

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conhecida. A aceitação de um Deus pronto e acabado, aque se deve obedecer sob pena de se perder a própria exis-tência ou destituí-la de sentido, faz parte da entrada doadepto na religião formal. O Deus da religião formal éadmitido e o da Religião Pessoal deve ser sentido. Essadiferença implica uma relação mais madura com Deus euma maior percepção do significado psicológico de Deus.

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Princípios provisóriosde uma Religião Pessoal 5

Os princípios que a seguir esboço foram extraí-dos a partir de minhas experiências numinosas, vividasno contato com o Espiritismo, do conhecimento adquiri-do sobre a Psicologia Analítica e do estudo das diversasreligiões formais conhecidas. Não são princípios rígidosnem coletivos. São balizadores de uma busca pessoal parao encontro comigo mesmo. Tendo sido útil a mim, muitoembora possam não ter ressonância para outras pessoas,podem oferecer um caminho inicial. O primeiro diz res-peito à concepção de Deus, o segundo se refere a ummodelo de ser humano a ser alcançado, o terceiro propõeum lema de vida, o quarto oferece uma forma de inserçãodo ser humano numa conexão íntima com o Universo e oúltimo aborda a utilidade da própria Religião Pessoal.

1. Construção de uma idéia pessoal de Deus, in-dependentemente do que de fato seja e do que éafirmado pelas religiões.Uma concepção pessoal de Deus deve excluir a

antropomorfização de seus atributos em qualquer dimen-

5 Este tema é um desdobramento do capítulo “As religiões e a constituição dareligião pessoal”, do livro Mito Pessoal e Destino Humano, do autor.

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são. Inclui a idéia de uma força ou de uma “vontade” quepermeia tudo, não individualizada ou redutível a qualquerforma. Aquela força se apresenta na explosão telúrica des-comunal de uma erupção vulcânica, na luta cruel e desi-gual do mais forte contra o mais fraco pela sobrevivênciaentre as espécies animais na natureza, tanto quanto nas su-tis expressões do amor entre seres humanos que permutamenergias afetivas. Todas as percepções humanas vistas comopolaridades nada mais são do que expressões da divindadeque tudo inclui e que em tudo se impregna. Essa concep-ção, mesmo que provisória, implica na construção de umarelação com a divindade sem temor, sem subserviência,sem veneração, buscando a auto-consciência de Deus. Nãosou Deus, tampouco ele está em mim ou fora de mim, mastenho consciência de que minhas concepções sobre Deussão representações possíveis ao meu nível de compreen-são da realidade do Universo. Num nível bem concreto,correndo o risco de resvalar para uma antropomorfização,a relação com Deus se assemelha à que se pode ter com umamigo-conselheiro, guia luminoso a todo instante. Nessarelação não há espaço para medo ou expectativa de avalia-ção da existência.

2. Escolha de um modelo de personalidade quepossa ser provisoriamente seguido enquanto nãose alcança a percepção da própria singularidade.A escolha do ser humano ideal é pessoal, conscien-

te de que se trata de um modelo para servir de projeçãodas qualidades que se deseja integrar a si mesmo. Não setrata de adoração ou subserviência ao modelo escolhido.Tal modelo será gradativamente abandonado à medidaque se percebe a existência daquelas qualidades em simesmo, o que implica em não se seguir ad eterno idola-

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trando uma figura humana do passado da história da reli-gião, pois se adquire a consciência de que foram indiví-duos que serviram de referencial para a atualização doarquétipo religioso. Isso não significa a desvalorizaçãoou desrespeito ao modelo escolhido, tão útil às pessoas,mas o reforço à auto-consciência de sua própria indivi-dualidade. A adoração, que é uma projeção do Self,gradativamente, com as experiências que são vividas, dálugar à integração do que era atribuído ao mito. Não setrata de retirar as qualidades antes atribuídas às figurasreligiosas, características típicas da formação de um mito,pois são patrimônio das religiões que se criaram em tor-no delas. A finalidade da escolha de um modelo provisó-rio se deve à dificuldade inicial de se perceber a própriaindividualidade (Si-Mesmo). Enquanto não chega a elaconscientemente, projeta-se o ideal em uma personalida-de adorada que reflita as melhores qualidades almejadaspelo próprio indivíduo.

3. Constituição de um princípio impulsionadorcomo um lema pessoal, norteador da própriavida.Esse princípio é uma espécie de mantra a ser lem-

brado quando surgirem dúvidas, desafios, escolhas ou si-tuações difíceis a serem enfrentadas. Não se trata apenasde repetir internamente as palavras, mas de integrar o sen-tido delas à própria vida. O maior deles, penso eu, é souuma individualidade imortal, indestrutível, gerada paraalcançar a felicidade. Este é o que uso na constituição deminha Religião Pessoal. Não é algo a se pôr o tempo todona consciência, mas para os momentos em que se neces-site de algum estímulo impulsionador para a continuida-de do que se pretende alcançar. Dele podem se derivar

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uma série de conceitos e deduções úteis à vida da pessoa.Com ele, aumenta-se a tolerância, renovam-se propósi-tos, distanciando-se do que não é adequado à felicidadedo indivíduo. Cada palavra do enunciado tem uma forçaespecífica e aponta para dimensões distintas, tornando-sepertinente para várias situações. Explicando-me: sou (im-plica numa propriedade e estado de espírito permanente)uma individualidade (unidade e singularidade total)imortal (continuidade do eu), indestrutível (eterno), ge-rada (concebido por Deus) para alcançar (sentidoevolutivo) a felicidade (estado pleno de encontro consi-go mesmo e de compreensão do sentido e do significadoda Vida). Cada um deve constituir o seu lema, de acordocom a sua Religião Pessoal.

4. Conectar-se de forma constante e natural como que o criou.Esse propósito diz respeito ao sentimento de perten-

cimento e conexão que devemos ter para com o que tudopermeia e que nos criou. Não é algo a ser feito de formatotalmente lógica, controlada ou consciente, pois nasce deum desejo, de uma intenção sutil de conexão interior como imponderável e impulsionador da vida. Essa comunica-ção tem também o objetivo de pôr a pessoa em estado dedisponibilidade psíquica para a divindade. É uma espéciede oração permanente. A oração que o crente faz com ointuito de obter favores, dá lugar a um estado de ligaçãopermanente para tornar-se disponível ao Criador. Orar évibrar no ritmo do Universo, sentindo Deus em si mesmo,na evocação da própria criatividade. Tal conexão ou tenta-tiva, conduz a uma sensação de leveza e participação emalgo maior do que a própria vida que se tem. Assemelha-seà sensação de alegria e, simultaneamente, de êxtase místi-co experimentado nos momentos de profunda conexão com

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o Criador da Vida. Esse contato não retira a pessoa da cons-ciência nem a exclui da natural comunicação com os ou-tros. Trata-se, portanto, de um estado natural e espontâneode ser e estar, vivendo sua mais real experiência. Possibili-ta a sensação de bem-estar e de se sentir em companhia dealgo muito íntimo e forte.

5. Encontrar uma utilidade prática para sua Re-ligião Pessoal, tornando-a mais do que um esta-do interno, colocando-a a serviço da sociedade.Religião Pessoal não é devocional nem serve ex-

clusivamente a si mesmo. Há uma utilidade prática para areligião, pois não serve apenas para a elevação da pessoa,mas também para que a vida social se torne melhor. Odesenvolvimento da Religião Pessoal favorece o alcanceda percepção da importância de uma sociedade melhor,na qual o indivíduo a representa e cuja atuação visa esteobjetivo. O outro, enquanto co-participante do mesmomeio, corresponde à imagem de Deus que não cabe emmim mesmo. Vê-lo tão bem como eu mesmo representauma responsabilidade cotidiana e um desafio a ser venci-do para a realização pessoal. A inclusão do outro decorreda percepção de sua individualidade e também da almacoletiva (Inconsciente Coletivo) que todos possuem. AReligião Pessoal deve estar a serviço da pessoa no mun-do, independentemente da necessidade de se transcenderao mundo. Ter uma participação ativa na manutenção dosvalores e no desenvolvimento da sociedade faz parte daconstrução da Religião Pessoal.

Religião Pessoal não introduz culpa, mas respon-sabilidade pessoal compartilhada com o Universo e comDeus. Eleva o ser humano à condição de um ser consci-

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entemente portador de responsabilidade para com os des-tinos do Universo à sua volta. Sua Religião Pessoal o le-vará para um novo patamar em sua evolução, ampliandoseus limites, aumentando sua capacidade criativa, elevan-do-o além dos horizontes estabelecidos pelas religiõesformais e situando-o no lugar mais alto da Criação.

Seguir os princípios provisórios de sua ReligiãoPessoal, substituindo-os gradativamente por paradigmascada vez mais robustos, é o caminho natural de todo crenteocupado com sua ascensão espiritual.

A decisão de encarar a mudança de uma religiãoformal para a Religião Pessoal custará esforço e exigirácoragem, pois terá de se enfrentar o temporário sentimentode orfandade. Sem este, não se descobre a real paternida-de do ser humano, pois ela se encontra ainda no terrenodo mito de um Deus salvacionista e com potenciais atri-butos humanos.

O propósito da constituição da Religião Pessoal nãoexclui o ser humano de seu necessário convívio com asociedade. A busca real é a transcendência para níveiscada vez mais quintessenciados, sem negar a capacidadede viver nos níveis inferiores.

Aquele que constituiu sua Religião Pessoal adotaalguns comportamentos como conseqüência da elaboraçãode seus princípios religiosos. Sua atitude religiosa inclui:

� pausas para meditação em meio a sua vida natu-ral de trabalho e obrigações sociais;

� busca pela simplicidade sem negação do moder-no nem exclusão do mínimo conforto material;

� auto-consciência de Deus sem fanatismos ou re-ligiosidade exterior;

� dessacralização das coisas sem negação da reli-giosidade alheia nem do valor sagrado do que con-sideram como tal;

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� dedicação ao próximo sem profissionalismo dacaridade;

� realização de serviços voluntários em benefícioda sociedade;

� ampliação de sua espiritualidade, buscando estu-dos mais profundos sobre a própria mediunidade;

� exercício da serenidade, sem passividade, nas di-versas atitudes da vida cotidiana.

São simples lembretes que ampliam a dimensãoreligiosa pessoal, favorecendo um melhor convívio soci-al e uma maior possibilidade de realização no coletivo.

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Características de quem adotouuma Religião Pessoal

A Religião Pessoal é um ácido penetrante quedestrói a blindagem promovida pela continência forjadaà psiquê com a complacência da religião formal. Quemnão estiver preparado para construir suas próprias estru-turas psíquicas de sustentação contra a força avassaladorado inconsciente não deve adotá-la. Essa adoção só deveocorrer em um ego maduro e disposto ao risco do contatocom a real força da vida.

A construção da Religião Pessoal, passada a fasede turbulência, vazio e solidão, permite um estado per-manente de leveza, de segurança interna, de compreen-são dinâmica dos processos humanos e de constante co-nexão com o que permeia todas as coisas. Na ReligiãoPessoal, o indivíduo não teme afirmar suas dúvidas emmatéria de religião, pois a fé, em qualquer grau, é semprea crença em algo inefável, passível de equívoco.

Simultaneamente, a Religião Pessoal pode levar apessoa a um profundo sentimento de pequenez diante dacomplexidade da vida e do Universo, como também àconsciência, às vezes inflada, de que é seu principal agentede transformação das coisas. Quanto a isso, é necessárioo cuidado, tanto com a inflação do ego quanto com sua

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excessiva inferioridade. O desligamento das normas ins-tituídas pelas religiões formais pode levar os mais apres-sados a enveredar pela anarquia de valores morais ou pelaconfusão sem princípios.

Para a maioria, uma Religião Pessoal é uma amea-ça ao sistema religioso formalmente adotado, que lhe temtrazido harmonia, paz interior e salvação. Para outros,ainda que seja pessoal, poderá lhe subtrair o que já con-quistou. De fato, nesse sentido, será uma ameaça muitoséria. Digo que não é possível fugir disto porque, em al-gum dia, a própria psiquê promoverá uma ruptura a fimde que o Si-Mesmo se revele. Nesse momento, o aparentecaos tomará lugar à ordem para que o senhor da própriaexistência, o Si-Mesmo, se instale definitivamente na cons-ciência, impondo um novo reino.

A Religião Pessoal, pela leveza e ausência de culpaque proporciona ao indivíduo, favorece e facilita a cone-xão com a dimensão religiosa. O traço característico dapersonalidade que encontrou sua Religião Pessoal é agrande disposição para a vida, para o enfrentamento se-reno da complexidade que ela apresenta e para a conquis-ta da autodeterminação do espírito.

Em quem já a elaborou, nota-se um apurado sensocrítico na análise de questões ligadas ao sagrado, bemcomo a seriedade e tranqüilidade no trato com a religiosi-dade própria e a alheia. O caráter de respeito ao sagrado épermeado pela alegria e pela amorosidade no trato com aquestão religiosa, principalmente quando se refere à deoutrem. Observa-se uma capacidade maior em escutar ooutro sem se opor, cotejando opiniões e explicitando me-lhor suas próprias idéias. A escuta é atenta e, antes daemissão de uma opinião própria, acrescenta-se algo quedemonstre a compreensão da fala do outro. A ênfase na

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escuta ao outro se justifica pela necessidade que se temde ser melhor compreendido e de obter do outro a máxi-ma atenção, alcançada pelo estado em que se encontratodo aquele que sente ter sido compreendido.

Alcançar uma Religião Pessoal põe o indivíduo numestado natural de consciência moral constante. Sua moralpessoal será igual ou melhor que a coletiva, levando-o aodesejo permanente de melhoria da ética social coletiva. Semjulgamento do outro, em qualquer circunstância, as atitu-des de quem alcançou a Religião Pessoal passam a ser per-cebidas como adequadas e pertinentes, sendo então consi-deradas dignas de exemplo. A coerência com os propósi-tos superiores da própria vida favorece a construção de umaética mais adequada ao seu desenvolvimento espiritual eao progresso da sociedade. O estado de conexão semprepresente com sua essência dota-o de singular percepção datotalidade, o que amplia sua capacidade de análise e decompreensão da realidade. Isso favorece o encontro comsua própria singularidade, desidentificando-se com o cole-tivo. O ego se posiciona afinado com o Self. Suaespiritualidade deixa de ser adágio, tornando-se atuante emfavor de si e do meio em que transita. Seu olhar passa a serpreponderantemente pela perspectiva espiritual, isto é, pelaconsciência permanente de que algo transcendente permeiaa vida. Sua vida material estará sempre conectada ao espi-ritual, sem perda de continuidade, sem posturas sacerdo-tais, sem afetação, sem ares de superioridade do saber esem atitudes de pretenso solucionador de enigmas alheios.O respeito e o cuidado com o próximo não ultrapassam oslimites naturalmente existentes entre a singularidade dooutro e sua capacidade de alcançar o que se espera dele.Sua admiração ao próximo está fundamentada na consci-ência de que uma pessoa representa Deus, isto é, de que o

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ser humano, por se auto-referenciar, é Sua obra prima, esua psiquê é o veículo dessa percepção. Por conta de seuconstante aperfeiçoamento e de sua busca pelo saber, nãose vincula ao medo. O conhecimento de si mesmo reduzsua ignorância, permitindo-lhe um domínio maior sobre omedo natural ante os desafios da vida e de tudo que possaparecer ameaçador. A ausência de medos fortalece a cons-ciência da propriedade de si mesmo. Sua conexão com asforças superiores da vida lhe permite admitir que o proces-so de construção da Religião Pessoal é um propósito con-junto seu e do que lhe criou.

Sentindo-se conectado à divindade, sua consciên-cia ecológica é fortemente aflorada, permitindo oengajamento em causas de proteção à natureza. Sua per-cepção da existência de um organismo terrestre o man-tém interligado à Natureza e conectado às suas forças vi-tais, sentindo-se parte integrante dela. Sua forte coerên-cia interna e o comprometimento com seus propósitos,instituídos em consonância com a ética da Vida, fortale-cem sua ética pessoal e para com o outro. Com isso, con-segue construir em torno de si uma sensação de seguran-ça e de bem estar, contaminando tudo a sua volta com aenergia da felicidade. Sua ética se estende ao contato comos espíritos, estabelecendo um laço permanente e pessoalcom as personalidades daqueles que já se encontram nadimensão espiritual, o que significa uma continuidade dasrelações interpessoais, independentemente da morte docorpo. A descontinuidade é aparente e temporária. SuaReligião Pessoal e seu profundo senso de responsabilida-de para com a existência dota-o de autodeterminação, istoé, da capacidade de fazer escolhas conscientes, de se auto-referenciar, da liberdade de viver sua própria essência ede viver com autenticidade.

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A Religião Pessoal conduz a um estado de tranqüi-lidade ativa, de estar desperto para tudo que se passa in-terna e externamente. Leva a um ponto no qual a pessoadesejava estar, mas que não sabia de fato como se senti-ria. O ego adquire a maturidade de se conduzir em meio àescuridão do incognoscível. É um ponto a partir do qualnão se poderá mais voltar. Nesse ponto, a noção de res-ponsabilidade se instala como uma forte impregnação napersonalidade. A alteridade na conduta para com o outrodefinitivamente se afirma, surgindo uma sutil, suave epermanente compaixão, só restando ao indivíduo amar eamar sempre.

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Como construira Religião Pessoal

Descondicionar-se lenta, consistente e gradati-vamente.

Na busca pela Religião Pessoal, não criar qualquerexpectativa ou ansiedade pela sua imediata construção.Não se esquecer de que não se trata da simples adoção deum credo ou da admissão de uma teoria logicamente crí-vel e intelectualmente aceitável.

Escolher alguns temas relacionados à religião, pas-sando a tecer profundas reflexões sobre seus significa-dos, independentemente das consagradas e tradicionaisinterpretações religiosas. São importantes os temas: Re-ligião, Deus, Fé, Pecado, Castigo Divino, Imortalidade,Culpa, Sentido da Vida, entre outros.

Para subsidiar as reflexões, considerar:� religião como compromisso ético consigo mes-

mo, caminho para a realização do significado davida, busca do encontro com o divino em si mes-mo e transcendência da vida material, vivendo-aplenamente;

� Deus como Criador e colaborador do processode evolução do ser humano, pelo que ele se tornaconsciente e livre para realizá-lo;

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� fé como um sentimento que estabelece o grau deconexão, de consistência e de coerência do serhumano com o que o criou;

� pecado como aquilo que o ser humano cometequando trai sua ética superior, passível de ajusteimediato por ele mesmo;

� castigo divino como uma crença pertencente aoimaginário popular, considerando que os processosvivenciais, aversivos ou não, são educativos ao es-pírito, tendo um tempo limite para se concluírem;

� imortalidade como uma condição sine qua nonpara a existência humana, sendo inseparável doconceito de vida;

� culpa como uma dinâmica psíquica equivocada enefasta à construção de um processo educativosem sofrimento, devendo ser abolida sumariamen-te, assumindo-se todas as conseqüências dos atoscometidos;

� sentido da vida como algo que começa com o sim-ples viver e que possibilita a realização de todasas melhores qualidades do ser humano.

Nos momentos de reflexão, procurar atentar paraas recomendações que se seguem.

Desconstruir velhos conceitos religiosos sem per-der a noção da íntima conexão com a força criadora doUniverso. Construir gradativamente novas concepçõesreligiosas, firmemente convicto de que a força que im-pulsiona o ser humano nele quer se tornar consciente.

Reformular o relacionamento com o Deus das reli-giões formais, não mais se submetendo ao poder a eleatribuído. Lembrar-se de que Deus é uma singularidade,cuja percepção se dá de forma pessoal.

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Nada imaginar sobre o que acontecerá após a mor-te; deixar isso para depois. Em princípio, até conceberalgo mais próximo do real, deixar para quando acontecer.O que quer que venha a ocorrer após a morte, encararcom determinação. A morte inclui a saída deste mundoou sociedade; portanto, viver a vida intensa e responsa-velmente, capacitando-se para o que advier.

Não alimentar qualquer idéia de sofrimento em re-lação a erros cometidos no passado. Pensar sempre napossibilidade de aprender com eles. Os desafios e reve-ses fazem parte da consciência que se atualiza para atranscendência.

Não alimentar culpa nem se crer devedor de alguém.Apenas se sentir responsável pelas conseqüências do atocometido, considerado mal, e ponderar que assim agiupor conta da própria ignorância.

Conscientizar-se de que a realização pessoal passatambém pelo bem-estar proporcionado ao outro. Portan-to, vincular-se afetivamente às pessoas, ampliando, cadavez mais, a capacidade de amar.

Muito embora se possa fazer reflexões sem se afas-tar da própria vida que se leva, é sempre oportuno fazeruma pausa, desfrutar um período sabático, para adquirirmaior tranqüilidade. Também compartilhá-las com pes-soas que possam subsidiá-las e que saibam escutar a almahumana.

Evitar a tomada de decisões sem o amadurecimen-to necessário e não se esquecer de que se trata de ummundo íntimo, lugar sagrado onde mora a essência do serhumano. Contextualizar as mudanças que desejar fazerem na própria vida, evitando medidas extemporâneas enão vinculadas ao progresso já alcançado. Lembrar-se de

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que o Universo caminha na direção do aperfeiçoamentodo espírito, calcando a evolução no que possibilite a feli-cidade.

A Religião Pessoal jamais deverá proporcionar iso-lamento, idéia de superioridade, sentimento de grandeza,desejos salvacionistas nem tampouco tentativas de con-versão alheia.

Aquele que encontrou a sua Religião Pessoal nãoenvergará a capa de santo nem apresentará uma face mas-carada de bondade, falsificada pela vaidade ou pelo or-gulho.

No caminho dos que desejam crescer, há pedras elimos, que deverão ser desgastados pelos pés que apren-deram a fincar-se nas forças telúricas para alçar vôos maisaltos.

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Jung e a Religião Pessoal

Muito embora fosse um homem profundamen-te religioso, Jung soube escrever criticamente sobre fé. Suaobra psicológica trata com relevância da alma religiosa,sem qualquer tendência sectária. Fez análises psicológicassobre temas religiosos sem que fosse sacerdote, místico outeólogo. Ele via a religião como uma espécie de instinto,afirmando a necessidade de cada um construir sua Reli-gião Pessoal. Mesmo tendo sido um homem religioso, nãoo era como os homens de seu tempo nem, talvez, como osde hoje. Sua religiosidade estava presente na forma séria,respeitosa e independente com que tratava tudo o que diziarespeito à religião. Questões religiosas eram por ele trata-das como fenômenos psicológicos. Sua consciência sobrea existência de Deus era tão forte, que mandou insculpir noportal de pedra de sua casa a frase vocatus atque nonvocatus, Deus aderit 6. Quando lhe foi perguntado, aos 84anos, se ainda acreditava em Deus, ele respondeu: “Eu sei.Não necessito crer, porque sei”.7

Psiquiatra de formação, interessou-se pelo estudoda mente humana, em particular por tudo o que se refe-risse à sua dinâmica e a sua estrutura. Seu conceito sobre

6 Invocado ou não, Deus estará presente.7 McGuire, William e Hull, R. F. C.. C. G. Jung: entrevistas e encontros. São Paulo:

Cultrix, 1982. p. 375.

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religião ultrapassa o senso comum, relacionando-a com atranscendência.

Eu gostaria de deixar bem claro que, com o termo ‘re-ligião’, não me refiro a uma determinada profissão defé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissãoreligiosa, por um lado, se funda originalmente na ex-periência do numinoso, e, por outro, na pistis, na fide-lidade (lealdade), na fé e na confiança em relação auma determinada experiência de caráter numinoso ena mudança de consciência que daí resulta. Um dosexemplos mais frisantes, neste sentido, é a conversãode Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo“religião” designa a atitude particular de uma consci-ência transformada pela experiência do numinoso.8

Para ele, a religião poderia ser um substitutivo pe-rigoso da experiência de vida, necessária a todo ser hu-mano. Ela poderia se prestar às projeções do inconscien-te como uma representação do que ainda não poderia serassumido pelo próprio indivíduo. A proposta de uma vidareligiosa não poderia substituir a vida comum, na qual asexperiências interpessoais conscientes devem ser inten-samente vividas.

Tudo o que o homem deveria, mas ainda não podeviver em sentido positivo ou negativo, vive como fi-gura e antecipação mitológica ao lado de sua consci-ência, seja como projeção religiosa ou – o que é maisperigoso – conteúdos do inconsciente que se proje-tam então espontaneamente em objetos incongruen-tes, como por exemplo em doutrinas e práticas higiê-nicas e outras “que prometem salvação”.9

8 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983. v. XI,par. 9, p. 4.

9 Idem, Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. v. IX/1, par. 287, p. 169.

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Seu conceito de individualidade ou de eu interiorinclui o aspecto religioso quando o relaciona com Deus,mesmo que de forma figurada. Não se trata de umadeificação teológica do ser humano, pois sua busca erapor uma compreensão do psiquismo sem transferir o pro-blema para a religião.

Dei a este ponto central o nome de si-mesmo (Selbst).Intelectualmente, ele não passa de um conceito psico-lógico, de uma construção que serve para exprimir oincognoscível que, obviamente, ultrapassa os limitesda nossa capacidade de compreender. O si-mesmo tam-bém pode ser chamado ‘o Deus em nós’. Os primórdiosde toda nossa vida psíquica parecem surgir inextrica-velmente deste ponto e as metas mais altas e derradei-ras parecem dirigir-se para ele. Tal paradoxo é inevi-tável como sempre que tentamos definir o que ultra-passa os limites de nossa compreensão.10

Ele acreditava que havia uma natural função religi-osa, de caráter divino, no interior da alma humana, atri-buindo à Psicologia o papel de mostrar ao ser humanocomo chegar até essa percepção. Isso corrobora a idéiade que a religião é a manifestação de algo inconsciente,não forjado pela cultura ou por uma escolha exclusiva-mente consciente. Sobre isso, ele afirma:

Todavia, quando demonstro que a alma possui umafunção religiosa natural, e quando reafirmo que a ta-refa mais nobre de toda a educação (do adulto) é a detranspor para a consciência o arquétipo da imagem deDeus, suas irradiações e efeitos, são justamente os teó-logos que me atacam e me acusam de ‘psicologismo’.

10 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1981. v. VII, par. 399,p. 226.

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(...) Ela contém e corresponde a tudo quanto o dogmaformulou a seu respeito e mais ainda, aquilo que tornaa alma capaz de ser um olho destinado a contemplar aluz. Isto requer, de sua parte, uma extensão ilimitadae uma profundidade insondável. Já fui acusado de ‘dei-ficar a alma’. Isto é falso, não fui eu, mas o próprioDeus quem a deificou! Não fui eu que atribuí umafunção religiosa à alma; simplesmente apresentei osfatos que provam ser a alma ‘naturaliter religiosa’, istoé, dotada de uma função religiosa: função esta quenão inventei, nem coloquei arbitrariamente nela, masque ela produz por si mesma, sem ser influenciadapor qualquer idéia ou sugestão. Numa trágica ceguei-ra, esses teólogos ignoram que não se trata de provara existência da luz, e sim de que há cegos incapazesde saber que seus olhos poderiam enxergar. Seria muitomais importante ensinar ao homem a arte de enxer-gar. É obvio que a maioria das pessoas é incapaz deestabelecer uma relação entre as imagens sagradas esua própria alma, isto é, não conseguem perceber aque ponto tais imagens dormitam em seu próprio in-consciente. Para tornar possível esta visão interior, épreciso desimpedir o caminho que possibilita essa fa-culdade de ver. Sinceramente, não posso imaginarcomo isso seria exeqüível sem a psicologia, isto é,sem tocar a alma.11

Para ele, o conceito de Deus, que cada ser humanotem, interfere decisivamente na vida humana, na liberda-de e na capacidade de julgamento. O conceito de éticaestá atrelado também ao de Deus.

A doutrina que ensina que o indivíduo depende deDeus representa uma exigência tão grande sobre elequanto a do mundo. Pode até acontecer que o homem

11 Jung, C. G. Obras Completas. 4ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1991. v. XII, par. 14,p. 25.

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acate essa exigência de maneira tão absoluta a pontode se alienar do mundo da mesma forma que o indiví-duo se aliena de si mesmo quando sucumbe à menta-lidade coletiva. Tanto num caso quanto no outro, oindivíduo pode perder sua capacidade de julgar e de-cidir-se livremente. A isto tendem, manifestamente,as religiões quando não se comprometem com o Esta-do. Neste caso, prefiro falar, de acordo com o uso cor-rente, de ‘confissão’ e não de ‘religião’. A confissãoadmite uma certa convicção coletiva, ao passo que areligião exprime uma relação subjetiva com fatoresmetafísicos, ou seja, extramundanos. A confissão com-preende, sobretudo, um credo voltado para o mundoem geral, constituindo, assim, uma questão intramun-dana. Já o sentido e a finalidade da religião consistemna relação do indivíduo com Deus (cristianismo, ju-daísmo, islamismo) ou no caminho da redenção (bu-dismo). Esta é a base fundamental de suas respectivaséticas que, sem a responsabilidade individual peranteDeus, não passariam de moral e convenção.12

Reconhece a força do arquétipo religioso, colocan-do-o como detentor de uma energia específica, cuja não-percepção pela consciência não apaga sua existência noinconsciente. No seu entender, a negação de todos os pos-tulados religiosos por uma pessoa requer algo de consis-tente e possuidor da mesma força energética do arquéti-po. O ateísmo não é a negação da religiosidade inata, masde um Deus que não mais corresponde ao desenvolvi-mento da psiquê. Consciente da existência do arquétiporeligioso, ele afirma:

O arquétipo das idéias religiosas possui, como todoinstinto, a sua energia especifica, que ele não perdeainda que sua consciência o ignore. Assim como pode

12 Jung, C. G.. Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993. v. X, par. 507, p. 241.

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ser afirmado com a maior probabilidade que todo serhumano possui todas as funções e qualidades huma-nas médias, podemos supor a presença de fatores reli-giosos normais, isto é, de arquétipos, e essa expectati-va não falha como é fácil reconhecer. Quem conseguedescartar um manto de fé, só pode fazê-lo graças àconvicção de ter um outro à mão – plus ça change,plus ça reste la même chose! [Quanto mais se trans-forma, mais permanece a mesma.] Ninguém escapado preconceito da condição humana.13

Mostrou a importância que o ser humano atribui àreligião como um sustentáculo às suas decisões. Sua fun-ção é reguladora do equilíbrio psíquico, dando-lhe segu-rança, ao menos aparente ou provisória, contra as forçasinconscientes que teimam em se manifestar sem a devidaconsciência do ego.

Dessa maneira, o homem sempre cuidou para que todadecisão grave fosse, de certo modo, sustentada pormedidas religiosas. Nascem, assim, os sacrifícios parahonrar as forças invisíveis, as bênçãos e demais ges-tos rituais. Sempre, e em toda parte, existiram ‘ritesd’entrée et de sortie’ (ritos de entrada e de saída) que,para os racionalistas distantes da psicologia, não pas-sam de superstição e magia. No entanto, a magia é,em seu fundamento, um efeito psicológico que nãodeve ser subestimado. A realização de um ato ‘mági-co’ proporciona ao homem uma sensação de seguran-ça, extremamente importante para uma tomada dedecisão. Toda decisão e resolução necessitam dessasegurança, pois elas sempre pressupõem uma certaunilateralidade e exposição.14

13 Jung, C. G. Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. v. IX/1, par.129, p. 75.

14 Idem, Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993. v. X, par. 512, p. 244.

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A segurança proporcionada pela religião é compa-rável àquela que o ser humano atribui ao Estado. Trata-sede uma certa transposição de projeção. A segurança quese tem quando se percebe protegido pelo Estado é exter-na e a que se obtém com a religião é interna. Ambas sereferem a conteúdos psíquicos que deveriam ser tornadosconscientes. Justificando o poder do arquétipo, Jung com-para a devoção religiosa à militância política.

O próprio ditador, para executar seus atos, não podese valer apenas das ameaças, precisando encenar opoder com grande pompa. Nesse sentido, as marchasmilitares, as bandeiras, faixas, paradas e comícios nãodiferem muito das procissões, tiros e fogos de artifí-cio usados para expulsar os demônios. A diferençaentre essas representações religiosas e os aparatos doEstado reside no fato de que a sugestiva encenação dopoder estatal cria uma sensação de segurança coletivaque, no entanto, não oferece ao indivíduo nenhum tipode proteção contra os demônios internos. Quanto maiso indivíduo se enfraquece, mais se agarra ao poderestatal, isto é, mais se entrega espiritualmente à mas-sa. E do mesmo modo que a Igreja, o Estado ditatorialexige entusiasmo, abnegação e amor, cultivando onecessário terror à semelhança do temor de Deus queas religiões exigem ou pressupõem.15

Respondendo aos questionamentos do filósofo ju-deu-austríaco Martin Buber, Jung justifica sua análisepsicológica a respeito do conceito de Deus. No texto aseguir, reafirma a ligação entre Deus e criatura, forjadana intimidade da psiquê, sem qualquer participação hu-mana. Ele situa o ser humano como refém do que Deusimplantou em seu inconsciente.

15 Jung, C. G. Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993. v. X, par. 512, p. 244.

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É estranho que BUBER se escandalize com a minhaafirmação de que Deus não pode existir sem uma li-gação com o homem, e a considere como uma propo-sição de caráter transcendente. Mas eu digo expressa-mente que tudo, absolutamente tudo o que dizemos arespeito de ‘Deus’ é uma afirmação humana, isto é,psíquica. Mas será que a noção que temos ou forma-mos de Deus nunca está ‘desligada do homem’? Po-derá BUBER informar-me onde foi que Deus criousua própria imagem, sem ligação com o homem?Como e por quem semelhante coisa pode ser consta-tada? Vou especular ou ‘fabular’ aqui – excepcional-mente – em termos transcendentes. Deus, na realida-de, formou uma imagem sua, ao mesmo tempo incri-velmente esplêndida e sinistramente contraditória, sema ajuda do homem, e a implantou no inconsciente dohomem como um arquétipo, um (...), não para que osteólogos de todos os tempos e de todas as religiões sedigladiassem por causa dela, mas sim para que o ho-mem despretensioso pudesse olhar, no silêncio de suaalma, para dentro desta imagem que lhe é aparentada,construída com a substância de sua própria psique,encerrando tudo quanto ele viesse, um dia, a imaginara respeito de seus deuses e das raízes de sua própriapsique.16

Em termos de capacidade para julgar o mundo eentender de religião, Jung afiança que a mente humanaestá impregnada de valores e paradigmas cristãos, o quedificulta muito a possibilidade de uma isenção. Isso con-tribui para um estilo de vida e uma forma particular decompreensão da realidade. Não se pode excluir os princí-pios religiosos, sejam adquiridos naturalmente pela cul-tura dominante ou conscientemente adotados, do sentidoque se atribui à vida e à forma que é vivida.

16 Jung, C. G. Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. v. XVIII/2, par. 1508,p. 245.

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Nossa consciência está impregnada de cristianismo eé quase inteiramente por ele formada; por isso a posi-ção inconsciente dos contrários não pode ser aceita,simplesmente porque parece excessiva a contradiçãocom as concepções fundamentais dominantes. Quan-to mais unilateral, rígida e incondicional for a defesade um ponto de vista, tanto mais agressivo, hostil eincompatível se tornará o outro, de modo que a prin-cípio a reconciliação tem poucas perspectivas de su-cesso. Mas, se o consciente pelo menos reconhecer arelativa validade de todas as opiniões humanas, o con-trário também perde algo de sua incompatibilidade.Entretanto, esse contrário procura uma expressão ade-quada, por exemplo, nas religiões orientais, no budis-mo, no hinduísmo e no taoísmo. O sincretismo (mis-tura e combinação) da teosofia vem amplamente aoencontro dessa necessidade e explica o seu elevadonúmero de adeptos.17

Novamente Jung vincula a noção de individualida-de ao conceito de Deus, afirmando que o Si-Mesmo é umaimagem divina no interior da alma humana. O processode realização do ser humano é comparável a uma experi-ência religiosa de longo curso, na qual o ego se lança aoencontro com a totalidade do Si-Mesmo, para a unidadetranscendente.

A finalidade da evolução psicológica é tal, como naevolução biológica, a auto-realização, ou seja, aindividuação. Visto que o homem só se percebe a sipróprio como um ego, e o Si-mesmo como totalidade,é algo indescritível, não se distinguindo de uma ima-gem de Deus, a auto-realização não é outra coisa emlinguagem metafísica e religiosa, do que a encarnaçãodivina. É isto precisamente que vem expresso na

17 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1981. v. VII, par. 118,p. 70.

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filiação de Cristo. Como a individuação significa umatarefa heróica ou trágica, isto é, uma missão dificíli-ma, ela implica o sofrimento, a paixão do ego, ou seja,do homem empírico, do homem comum, atual, quan-do entregue a um domínio mais amplo e despojado desua própria vontade, que se julga livre de qualquercoação. Ele é como que violentado pelo Si-mesmo.18

No texto a seguir, é possível perceber o que podesignificar, para o processo de individuação humano, olugar atribuído à religião. A relevância a ser dada poderácustar o tempo em que ela se dará. A segurança que sepretende ter na adoção de uma religião poderá alienar oser humano de si mesmo, além de excluí-lo de uma realrelação com o divino.

Uma projeção exclusivamente religiosa pode privar aalma de seus valores, torná-la incapaz de prosseguirem seu desenvolvimento, por inanição, retendo-a numestado inconsciente. Ela pode também cair vítima dailusão de que a causa de todo o mal provém de fora,sem que lhe ocorra indagar como e em que medidaela mesma contribui para isso. A alma parece assimtão insignificante a ponto de ser considerada incapazdo mal e muito menos do bem. Entretanto, se a almanão desempenha papel algum, a vida religiosa se con-gela em pura exterioridade e formalismo. Como querque imaginemos a relação entre Deus e a alma, umacoisa é certa: é impossível considerar a alma como“nada mais do que”. Pelo contrário, ela possui a dig-nidade de um ser que tem o dom da relação conscien-te com a divindade. Mesmo que se tratasse apenas darelação de uma gota de água com o mar, este últimodeixaria de existir sem a pluralidade das gotas.19

18 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983. v. XI, par. 233, p. 156.19 Idem, Obras Completas. 4ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1991. v. XII, par. 11, p. 22.

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Jung considera ainda que só é possível um vínculoentre o ser humano e Deus se existir na psiquê algo efeti-vamente divino, posto por Deus para que não houvessepossibilidade de desligamento e para que fosse de fatopercebido pelo ser humano.

Seria uma blasfêmia afirmar que Deus pode manifes-tar-se em toda a parte, menos na alma humana. Ora, aintimidade da relação entre Deus e a alma exclui deantemão toda e qualquer depreciação desta última.Seria talvez excessivo falar de uma relação de paren-tesco; mas, de qualquer modo, deve haver na almauma possibilidade de relação, isto é, forçosamente eladeve ter em si algo que corresponda ao ser de Deus,pois de outra forma jamais se estabeleceria uma cone-xão entre ambos. Esta correspondência, formuladapsicologicamente, é o arquétipo da imagem de Deus.20

Percebia a religiosidade latente em todas as experi-ências humanas, como se tudo refletisse a vontade divi-na. O ser humano, quer em seus atos virtuosos ou emseus vícios, espelha uma busca por um entendimento davontade divina.

(...) trata-se de uma atitude humana profundamenterespeitosa em relação ao fato, em relação ao homemque sofre esse fato e em relação ao enigma que a vidadesse homem implica. O homem autenticamente reli-gioso assume precisamente tal atitude. Ele sabe queDeus criou todas as espécies de estranhezas e coisasincompreensíveis, e que procurará atingir o coraçãohumano pelos caminhos mais obscuros possíveis. Épor isso que a alma religiosa sente a presença obscurada vontade divina em todas as coisas.21

20 Jung, C. G.. Obras Completas. 4ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1991. v. XII, par. 11, p. 23.21 Idem, Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983. v. XI, par. 519, p. 340.

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A ritualização da experiência numinosa ou de conta-to com o sagrado, no seu entender, ao mesmo tempo queoportuniza a manifestação da psiquê religiosa, aliviando atendência do inconsciente em tensionar a consciência, di-ficulta o acesso ao significado profundo que encerra.

As confissões de fé são formas codificadas e dogma-tizadas de experiências religiosas originárias. Os con-teúdos da experiência foram sacralizados e, via de re-gra, enrijeceram dentro de uma construção mental in-flexível e, freqüentemente, complexa. O exercício e arepetição da experiência original transformaram-se emrito e em instituição imutável. Isto não significa neces-sariamente que se trata de uma petrificação sem vida.Pelo contrário, ela pode representar uma forma de ex-periência religiosa para inúmeras pessoas, durante sé-culos, sem que haja necessidade de modificá-la.22

Sobre a culpa, muitas vezes reforçada pela religiãoformal, Jung ressalta o prejuízo em se alimentar qualquersentimento correspondente na consciência, reafirmandoo propósito da individuação como uma meta que não des-preza os contributos da atitude religiosa.

O problema da cura é um problema religioso. Umadas imagens que ilustram o sofrimento neurótico nointerior de cada um é a da guerra civil no plano dasrelações sociais que regulam a vida das nações. É pelavirtude cristã que nos impele a amar e a perdoar oinimigo que os homens curam o estado de sofrimentoentre as pessoas. Aquilo que por convicção cristã re-comendamos exteriormente, é preciso que o aplique-mos internamente no plano da terapia das neuroses. Épor isso que os homens modernos não querem mais

22 Jung, C. G.. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983. v. XI, par. 10, p. 4.

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ouvir falar em culpa ou pecado. Cada um já tem mui-to o que fazer com a própria consciência já bastantecarregada e o que todos desejam saber e aprender écomo conseguir reconciliar-se com as próprias falhas,como amar o inimigo que se tem dentro do própriocoração e como chamar de ‘irmão’ ao lobo que nosquer devorar.23

Criticando as imitações religiosas ou aqueles quepregam uma petrificação de propostas arcaicas de com-portamento, reafirma a necessidade de uma atitude sin-gular no processo de desenvolvimento da personalidade.Sua afirmação se alinha com a proposta de constituiçãode uma Religião Pessoal quando admite que:

O homem moderno também não está mais interessa-do em saber como poderia imitar a Cristo. O que quer,antes de tudo, é saber como conseguir viver em fun-ção de seu próprio tipo vital, por mais pobre ou banalque seja. Tudo o que lhe lembra imitação se lhe afigu-ra contrário ao impulso vital, contrário à vida, e é porisso que ele se rebela contra a história que gostaria deretê-lo em caminhos previamente traçados. Ora, paraele todos esses caminhos conduzem ao erro. Ele estámergulhado na ignorância, mas se comporta como sesua vida individual constituísse a expressão de umavontade particular divina, que deveria ser cumpridaantes e acima de tudo — daí o seu egoísmo, que é umdos defeitos mais perceptíveis do estado neurótico.Mas quem disser ao homem moderno que ele é dema-siado egoísta perdeu irremediavelmente a partida comele. O que se entende perfeitamente, pois, agindo as-sim, não faz senão empurrá-lo cada vez mais para aneurose.24

23 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983. v. XI, par. 523,p. 343.

24 Ibidem, par. 524, p. 343.

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Pelos textos selecionados, pode-se observar umatendência de Jung em querer aproximar o ser humano cadavez mais de uma religiosidade verdadeira, coerente e éti-ca, além de querer inseri-lo em uma filiação divina dire-ta. Fica claro, ao menos pela perspectiva da Religião Pes-soal, que a posição de Jung não é a de um iconoclastavulgar nem a de um anarquista contra a religião formal,mas a de quem está comprometido com o processo dedesenvolvimento do ser humano, propondo uma compre-ensão isenta da tradição religiosa petrificada.

Sua religiosidade foi atestada pelos princípios dei-xados, pelas propostas de compreensão da psiquê huma-na, pelas considerações a respeito da alma e pelapostulação a respeito do Inconsciente Coletivo, fator deirmandade entre as criaturas.

A psiquê é a matéria prima de Deus, e por onde elese apresenta. Jung soube muito bem entender e retratarambos.

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Religião Pessoal e morte

O mundo moderno, com a tecnologia, a informáti-ca e a internet, impõe novas formas de comportamento,bem como diferentes percepções da realidade. Refletirsobre a vida, a morte, o destino, o sentido da existênciahumana deixa de ser privilégio dos filósofos, tornando-se uma necessidade cotidiana de todos.

A física newtoniana cedeu espaço à Relatividade,que, por sua vez, teve de conviver com a MecânicaQuântica. Hoje, novas teorias explicativas da realidadesurgem na tentativa de encontrar uma saída lógica para acompreensão do universo. A teoria das cordas (stringstheory) e a multidimensional (eleven dimension) tentampreencher o vazio deixado pelas teorias clássicas anterio-res. Ainda não surgiu, porém, uma teoria que justifique anecessidade humana de entender a sua essência, a mortedo corpo e de se encontrar com seu Criador, o que perten-ce ao supra-humano. A consciência, por mais que se am-plie e que se arvore em ser o farol do Espírito, ainda éincipiente para penetrar em certos mistérios que envol-vem a gênese e o destino humano.

Por mais que a física tente “enxergar” e explicar amatéria e suas relações, não consegue penetrar em suagênese. Se assim é com o “palpável”, que dirá com o quesó se pode conhecer indiretamente, isto é, pelas represen-

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tações. As razões para que assim seja não são cognoscí-veis. É um problema insolúvel.

A questão da morte tem sido objeto de atenção ci-entífica numa clara invasão do que era apenas do domí-nio da religião. Ou a ciência está se aproximando da reli-gião, assumindo sua face religiosa, ou a morte deixou deser, de fato, um mistério obscuro. A mudança na reduçãodo mistério da morte pode ser constatada pela experiên-cia do luto. O tempo em que se ficava de luto se reduziudrasticamente. As pessoas choram menos pelos seus mor-tos, ocupando-se mais com suas obrigações cotidianas. Adepressão provocada pela morte de alguém próximo ounão se instala ou demora menos.

O prolongamento do tempo de vida, as melhorescondições de saúde e o retardamento do envelhecimentofavorecem uma expectativa menos exigente da vida apósa morte, pois a vida bem vivida deixa pouco espaço paraque, só na morte, a felicidade se realize. A morte está setornando uma condição não só aceitável para todos comoum portal de acesso a novas possibilidades de experiên-cias. Não é mais algo tão fóbico quanto antes. Sua ocor-rência passa a ser, algumas vezes, ansiada por aquelesque perderam o rumo e a esperança de mudar externa-mente sua vida. Nesse caso, mesmo sendo uma fuga, eum acontecimento que dificultará futuras experiênciasreencarnatórias, passa a ocupar um lugar menos obscurona psiquê.

Como a visão do mundo e das coisas se amplia paraaqueles que já construíram sua Religião Pessoal, a morteserá um dos tantos eventos do processo de desenvolvi-mento espiritual da pessoa. Jamais será encarada compesar ou como fim último da pessoa humana. Não há ex-pectativa ou qualquer ansiedade pela possibilidade de

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ocorrência imediata. Ante a ameaça de acontecer, por contado preparo da Religião Pessoal, poucas mudanças serãonecessárias e nenhum desespero tomará conta da consci-ência. A morte, mesmo não desejada, pela necessidade dese fechar ciclos ainda em aberto, não é temida nem consi-derada como uma tragédia. Mortes de entes queridos sãorecebidas com tranqüilidade, graças à consciência da con-tinuidade da vida, bem como da possibilidade concretade comunicabilidade. As mortes coletivas são encaradascomo simples ajustes promovidos pela Consciência Di-vina para o equilíbrio da sociedade material e da espiritual.

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Religião Pessoal emultirreligiosidade

As diferentes religiões se devem às distintas cul-turas, que são múltiplas expressões do inconsciente, queé plural e constantemente se encontra em mutação. A re-ligião do outro é uma das muitas possibilidades de mani-festação da psiquê religiosa, não sendo a verdade,tampouco algo que deva ser contestado como errado ouequivocado. Tal atitude seria como querer uma uniformi-dade psíquica, sem correlato na natureza.

Os conflitos entre grupos que apresentam diferen-tes expressões religiosas decorrem de particularidadesantes culturais do que doutrinárias. Nenhuma doutrinanasce do absurdo, pois não há origem distinta para o fe-nômeno religioso na psiquê. Todas são expressões legíti-mas que merecem respeito.

As diversas culturas dos diferentes povos revelama complexidade do inconsciente. São, em seu conjunto,manifestações arquetípicas da estrutura psíquica huma-na. O conjunto das manifestações relacionadas ao sagra-do forma a representação da psiquê religiosa em suas ri-cas nuances e nos aspectos que representam a divindade.

As dissensões, que, por um lado, atestam a imaturi-dade humana, por outro, favorecem a observação da

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multiplicidade de percepções de uma mesma função psí-quica. Elas podem também significar que a idéia de umadivindade una pode ser apenas a representação da indivi-dualidade humana projetada. As divisões que ocorreramnas religiões, e que ainda ocorrem, sobretudo noHinduísmo e no Cristianismo, enfatizam o movimentona direção da Religião Pessoal, o que quer dizer que areligião coletiva vai cedendo lugar à Religião Pessoal pelaforça do próprio arquétipo religioso.

Se a multiplicidade de religiões, as dissensões reli-giosas e as divisões no seio das religiões se referem àdiversidade e à complexidade da individualidade, ou ain-da, ao mistério que é a própria Divindade, então a intole-rância religiosa é um sinal da infância em que se encontraa humanidade. Face perversa do fundamentalismo religi-oso, a intolerância religiosa tem sido responsável pelapermanência da humanidade num estado de desequilíbrioque impede seu progresso moral. No holocausto, ocorri-do antes e durante a Segunda Guerra Mundial, pode-seperceber a perseguição de cristãos contra judeus. O Cris-tianismo passou de perseguido a perseguidor num movi-mento cíclico absurdo, revelando a que ponto chega aintolerância religiosa. A intolerância religiosa, sobretudoa observada contra os judeus e, mais recentemente, con-tra os mulçumanos, demonstra que o ser humano, emmatéria de religião, lida mais com a idéia de Deus do quecom o próprio Deus. Sua religião formal tem sido utiliza-da para manifestar sua barbárie. A construção da Reli-gião Pessoal evitaria essa intolerância.

As excessivas regras e proibições das religiões for-mais, algumas medievais, engessam as possibilidades demanifestação da rica psiquê humana. Resumir uma reli-gião em algumas regras é restringir as possibilidades de

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manifestação da psiquê humana na direção da realizaçãopessoal.

Repressão religiosa combina com religião formal,com procrastinação da realização do sentido e do signifi-cado da existência humana. Compreender e aprender coma diversidade de religiões significa avançar na direção daconstrução de sua Religião Pessoal. A multiplicidade dereligiões evita a hegemonia religiosa ainda existente emalgumas sociedades, bem como favorece a criatividadena manifestação da psiquê religiosa.

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Alquimia e religião

Os alquimistas estavam à procura da essência davida na intimidade da matéria, que cada vez mais desapa-recia dos seus olhos devido aos processos aos quais a sub-metiam. Seu olhar, ao contemplar o vazio da intimidadeda matéria, o levavam ao contato com seu mundo incons-ciente, à percepção do Si-Mesmo. O que não viam namatéria não encontravam na consciência, mas lhes apon-tava para algo no inconsciente que precisava ser visto.Naquela busca pela matéria quintessenciada, eles consta-tavam sua ignorância a respeito da própria mente.

O místico alquímico, tal qual o ego em busca doSi-Mesmo, tateava a escura e misteriosa dimensão incons-ciente. Suas operações no forno quente, alimentadas pelofogo intenso que refundia a matéria, denunciavam a tra-jetória a ser seguida pelo ego em sua jornada e em meioàs exigências da vida cotidiana.

A alquimia antiga fez surgir a Química, a Farmaco-logia e outras atividades humanas ligadas aos processosindustriais. Mas a principal atividade fomentada pelosalquimistas é a clínica psicoterápica de hoje. O psicotera-peuta, com seus estudos e sua prática clínica, analisandoe intervindo na alma do outro e na sua própria, executaoperações alquímicas de alto valor terapêutico. Seu tra-balho envolve a consciência e o inconsciente, o logos e o

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sentimento, numa alquimia constante de poderosas for-ças intervenientes no processo de cura da alma.

O alquimista era uma espécie de “sacerdote” à pro-cura de Deus, que operava nas entranhas da matéria numadimensão não humana. Seu microscópio e suas teoriasquímicas alcançavam a compreensão do que era ocultoaos sábios e religiosos de seu tempo. Suas conclusõessobre operações químicas e suas descobertas sobre as pro-priedades da matéria revelavam os sutis processos psí-quicos e o dinamismo da mente humana. Buscavam umacoisa e encontravam outra. Mesmo aqueles que busca-vam transformar a matéria em ouro, com “fome” de ri-queza, estavam, sem o querer consciente, envolvidos nabusca do verdadeiro tesouro interior – a essência da indi-vidualidade ou o Si-Mesmo. Eram levados, por desejosinadequados, ao acesso ao inconsciente, rico em conteú-dos a serem elaborados. Alquimia é uma das formas maisconcretas da busca inconsciente pelo Si-Mesmo.

Os trabalhos alquímicos contribuíram para o desen-volvimento das chamadas ciências ocultas e para o avan-ço dos estudos a respeito da religião. No silêncio de ma-drugadas intermináveis, os alquimistas, em consonânciacom nobres espíritos, promoviam experiências psíquicase mediúnicas tão importantes quanto as que hoje se fa-zem em nome da ciência.

Suas operações, muitas vezes, eram precedidas derituais e de invocações de natureza mística, visando àcomunhão do físico com o sagrado para a consecução deseus objetivos. Eles sabiam que estavam lidando com algoextremamente importante, e por que não dizer, divino. Asoperações alquímicas Nigredo (enegrecimento), Albedo(brancura) e Rubedo (enrubecimento) nada mais eram doque representações de experiências a serem vividas peloego em seu processo de amadurecimento.

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Hoje, à semelhança dos alquimistas, agem aquelesque se dedicam ao estudo da mente humana, buscando,em seus espaços terapêuticos, entendê-la enquanto auxi-liam o próximo a se compreender. São arqueólogos daalma humana, praticantes da “religião” que propõe a li-gação do ego com o Si-Mesmo e o transcendente encon-tro com o divino. Seu trabalho é silencioso, oculto e per-sistente. Sua tarefa é árdua e pouco compreendida princi-palmente pelos que já se bastam e que se envolvem de-masiadamente com o externo. Seu forno é sua própriamente. Seu fogo é sua energia psíquica motivadora davida, agora sob seu próprio domínio. Quanto mais seaprofundam, mais desconstroem conceitos e mais encon-trarão a si mesmos, compreendendo melhor o sentido davida. Suas observações e intervenções nos processos psí-quicos lhes promoverão transformações, conectando-osaos princípios da vida e à essência das coisas. Certamen-te encontrarão, no desconhecido que enfrentam, a pró-pria mensagem do Criador da Vida.

Os alquimistas eram indivíduos que buscavam umaprática religiosa não convencional. Suas vidas, dedicadasà descoberta dos mistérios das coisas, no sacrifício de suasenergias e de seu tempo, propiciaram que a chama dosagrado permanecesse acesa, independentemente das re-ligiões. O alquimista projetava seus processos psíquicosnas combinações químicas que realizava, visando alcan-çar a pedra filosofal, que nada mais era do que o Si-Mes-mo, em seu inconsciente.

As religiões também passam por processosalquímicos ao longo do tempo. Não só por intervençãode congressos, conclaves e outros meios de se estabele-cerem novas regras ou reafirmação de antigas, mas tam-bém pelo surgimento de clamores populares, às vezes,

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capitaneados por figuras revolucionárias. Verdadeiros al-quimistas, esses indivíduos contribuem sobremaneira parao favorecimento de mudanças na atualização das repre-sentações do arquétipo religioso.

Graças a essas intervenções, a religião formal seatualiza, favorecendo a construção da Religião Pessoal.Algumas baixas no número de adeptos não ocorrem so-mente porque eles mudam de religião, mas também pelapassagem para a Religião Pessoal. Com o tempo e o cho-que com a cultura globalizada, a religião formal vai dan-do lugar, num processo alquímico de miscigenação, àReligião Pessoal.

Aquele que já construiu sua Religião Pessoal sabeque continuará alquimicamente a promover mudançasprofundas em sua alma, a fim de que ela se torne aquilopara que foi designada. O processo é constante e as trans-formações não cessam. O desconhecido não é temido nemtampouco minimizado. O resultado, o encontro com o Si-Mesmo, é a máxima obra humana e, simultaneamente,divina.

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Manifestação da funçãoreligiosa na Psiquê

O que de fato move o ser humano? Seus instin-tos? Sua libido sexual, como queria Freud? O desejo depoder e sua condição de criatura, consoante Adler? Odesejo de realização pessoal, pelo Processo de Individua-ção, conforme Jung? A busca pela integração com o Cria-dor devido à função religiosa na psiquê?

A idéia de que a fome é o instinto primário no serhumano reduz seu significado a um corpo. Pode-se afir-mar que não há escolha – a subsistência não é um instin-to, mas condição absoluta para a existência humana numcorpo físico. Ambos se confundem, isto é, o corpo com asua manutenção. A necessidade de manter o organismovivo não é uma escolha, sequer inconsciente. Escolhassão tendências inconscientes ou conscientes que podemser evitadas sem prejuízo significativo à existência. Pode-se descartar os instintos primários como motivadores, dadaa obrigatoriedade de seu atendimento. Por outro lado, ig-norar o Espírito é não entender que o princípio organizadore o organismo que lhe suporta surgem simultaneamentecomo antípodas de uma formulação transcendental. En-quanto o corpo necessita de manutenção física, o “instin-to” básico do Espírito é a busca pela consciência do sig-nificado da existência.

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Pensar que o móvel central do ser humano é suanecessidade de alimentar-se ou mesmo a busca imperati-va do prazer pelo sexo é enxergar parcialmente a ques-tão. Para uma melhor análise e compreensão da humani-dade de hoje, o ser humano primitivo deve ser nossoreferencial de observação. Conceitue-se o primitivo comoaquele ser humano de linguagem rudimentar, isto é, pou-cos verbos e substantivos, de baixa capacidade afetiva,com expectativa de vida abaixo dos 40 anos, alta quanti-dade de doenças originárias da absorção pelos pés, vidasedentária, pouca quantidade de utensílios fabricados,habitação rupestre, agricultura itinerante, sem nome pró-prio, ocupado basicamente com sua manutenção no mun-do etc.. Mover-se apenas para se alimentar e explorarnovas áreas de subsistência coletiva não parece ser causasuficiente para justificar a atual saga humana na direçãodas estrelas. Da mesma forma, o princípio do prazer pa-rece pouco relevante, considerando a grande quantidadede problemas pertinentes. No ser humano primitivo, pre-dominava a motivação inconsciente, pois as motivaçõesconscientes estavam relacionadas ao alimentar-se e à ga-rantia de segurança pessoal e coletiva. O medo motivadopelo instinto de sobrevivência nele imperava. A noite es-cura do homem das cavernas era mãe do desconhecido.Seu pensamento girava em torno da natureza e do que elapoderia oferecer para garantir o alimento e a segurança.O abrigo e o alimento eram tesouros inestimáveis.

As relações do ser humano com a natureza para aobtenção de alimentos e segurança, aliadas à baixa quali-dade de linguagem implicam em baixa complexidade psí-quica. Essa baixa complexidade significa a existência deum ego frágil, fixado em princípios rudimentares, incons-cientemente pressionado pelo temor e pela luta instintiva

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de sobrevivência. Os arquétipos se expressavam empouquíssimas imagens correspondentes. A vida humanaera a vida instintiva. Algo inconsciente a movia. A fun-ção religiosa poderia então ser o fator motivador eimpulsionador de sua busca por um significado e pelacompreensão de si mesmo.

O que leva inicialmente uma pessoa (o ser humanomais primitivo, aquele do tempo das cavernas) ao sagra-do? Um instinto típico? Culpa? Morte? Medo? Jung afir-mava a existência de uma função religiosa na psiquê, queage como um instinto, uma tendência inata, o que situa aquestão da vivência religiosa como uma obrigatoriedade.Não é uma escolha, pois se trata de uma tendência psí-quica a ser atualizada sob pressão do inconsciente. A evo-lução do espírito implica na passagem da atualização davida inconsciente para a consciente. A forma de atualiza-ção ditada pela consciência é fator representativo da evo-lução do espírito. Não se trata de um processo de racio-nalização de algum segredo, mas de conexão conscientee profunda com a divindade. A experiência religiosa trans-cendente, que emociona e toca em profundidade o queexiste de mais sagrado no indivíduo, é intransferível,independe da consciência racional, mesmo tendo de serpor ela compreendida.

A religião deve ser compreensiva à multiplicidadede manifestações, pois estas não só revelam a diversida-de do inconsciente humano como também salientam arelatividade das assertivas e dogmas pregados.

Cada religião se depara com o desafio de explicarseu Deus, que é intolerante ao Deus da outra; sua fé, quecondena a da outra; o destino futuro de seus adeptos, querenegam o da outra; suas práticas ritualísticas, que ridi-cularizam as da outra. Beira a incoerência, se não se tra-

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tasse de algo que representa a complexidade da psiquêreligiosa.

A solução harmoniosa e coerente do problema reli-gioso é a constituição da Religião Pessoal. As religiõesformais devem enxergar a diversidade religiosa como algoinevitável, por conta da função religiosa inerente à psiquêhumana. A Religião Pessoal não exclui a importância dareligião formal, que deveria levar o ser humano àquela.O futuro das religiões é conduzir seus adeptos à ReligiãoPessoal. A Religião Pessoal não é a união de todas as re-ligiões, mas algo que decorre do exercício de cada umadelas. Portanto, é algo conseqüente e fruto da vivênciacoerente e séria do sagrado na vida cotidiana.

A razão básica pela qual existe a função religiosa éa imperativa busca pelo Si-Mesmo. Essa busca proporci-onará, ao ser humano, a habilidade para lidar com ques-tões misteriosas que atraem o ego desde sua geração di-vina. Religião diz respeito à totalidade da vida, à morte,ao espiritual e ao transcendente. O ser humano está sem-pre atrás de algo indefinível, que as religiões chamam deDeus, como se buscasse a si mesmo, sua essência, suaalma. Parece haver uma garantia íntima ou certeza de queencontrará esse Algo.

A chamada busca religiosa é decorrente de uma fun-ção psíquica primitiva e natural, originariamente consti-tuída a priori. Ela é que direciona o indivíduo para omotivo da vida. É o norte da vida espiritual. Ela é respon-sável pela cultura, pelas religiões, pelas artes e pelos gran-des desafios humanos.

A religião não é apenas algo decorrente do arquéti-po paterno nem alternativa para sublimação da energiasexual. Sua linguagem é cheia de símbolos e imagenstranscendentes. Aponta para a continuidade da consciên-

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cia, para o além do aquém. A repressão da função religi-osa ou sua exclusiva realização para glorificação divinatorna-a pequena e de reduzida utilidade.

As religiões trazem, em seus dogmas, representa-ções de conteúdos obscuros e ocultos que jazem nasprofundezas do inconsciente, ali misteriosamente insta-lados. Seu sentido é encontrar a individualidade, a singu-laridade de todo ser humano. Não devem ser apenas fe-nômenos a serem vividos dominicalmente ou para entre-tenimento de sacerdotes. A existência de uma função psí-quica atesta, por si só, a seriedade de seus propósitos.

A partir da segunda metade da vida, a atitude reli-giosa de uma pessoa se configura como uma resposta aosignificado mais profundo de sua existência. O encontrocom uma Religião Pessoal torna-se a solução mais ade-quada ao dilema de seu significado. A Religião Pessoal éuma experiência viva, conscientemente assumida em res-posta às exigências da função que a gerou. Ela é aespiritualidade da pessoa.

A religião deve, antes de apresentar a face de Deus,como pretendem algumas, conectar o consciente ao in-consciente. No inconsciente está o numinoso, o misterio-so e estremecedor produto da divindade. Oculto, pelaimpossibilidade de estar na consciência em face de suapoderosa força. É a experiência de contato com onuminoso que faz surgir a religião. A religião é um movi-mento coletivo, cujo surgimento não pertence a individu-alidade nem nasce pelo querer de alguém. É produto dacoletividade, como um fenômeno de massa, quecorresponde a algo que se processa na psiquê de cadapessoa. Os rituais religiosos são formas inferiores de con-tato com o divino. O contato direto é fulminante. A Reli-gião Pessoal amadurece o ego para o contato necessário emaduro com o divino.

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A função religiosa pode e deve ser estimulada. Otrabalho consiste em depurar os princípios apresentadospelas religiões, buscando perceber seus significados ocul-tos; retirar das normas religiosas o que pode ser identifi-cado pela consciência como sendo acessório; conhecer ese envolver em experiências relacionadas ao sagrado,desenvolvendo percepções eliciadoras de idéias transcen-dentes. A função religiosa deve ser constantemente atua-lizada em experiências de contato com o numinoso, espi-ritual ou sagrado. A experiência religiosa é um sentimen-to íntimo e intransferível. A espiritualidade vivenciadaatualiza, renova e revitaliza a religião.

Deve-se descobrir o que de fato é sagrado para simesmo, pois isso é uma representação da imagemarquetípica correspondente, gerada pela função religiosa.O sagrado é o Si-Mesmo em cada ser humano. As ima-gens religiosas, os rituais tradicionais e as lições regular-mente apresentadas pelas religiões formais nem sempreconseguem evocar o sentimento de conexão profunda coma divindade ou com o Si-Mesmo. Cada pessoa deveredescobrir o que lhe toca a alma.

Os cultos e adorações a certos ícones atuais sãomanifestações inconscientes da função religiosa. Amodernidade tem apresentado novos modelos no lugarde antigas figuras sacras, o que quer dizer que as imagensarquetípicas têm sido projetadas em novos moldes, embusca de outros significados. No mundo de hoje, a fun-ção religiosa da psiquê exige novas formas de atualiza-ção. Não é mais possível, diante dos avanços científicose da nova consciência, sustentar-se uma idéia religiosadogmática. O dogma aliena e paralisa o processo de aqui-sição do saber. É preferível acreditar provisoriamente nomistério. O mistério leva o ser humano à Religião Pessoal,bem como à espiritualidade.

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A religião é uma autêntica manifestação da psiquêcoletiva, que deseja ser conhecida. É algo que se impõe eque precisa de respostas. Sua atualização é responsávelpelo desenvolvimento da espiritualidade no ser humano.A espiritualidade se conquista e se apresenta naturalmen-te nas experiências religiosas. Quando a religião não con-duz ao desenvolvimento da espiritualidade, não cumpresua função.

A marca de Deus é um componente estrutural apriori da psiquê, equivalente ao Si-Mesmo, isto é, à indi-vidualidade. A função religiosa da psiquê contém e é im-pulsionada por esses dois elementos, que, num certo sen-tido, se confundem. O Si-Mesmo é o equivalente humanode Deus.

Todos estão em busca do Si-Mesmo. Chamam-node Deus, pois o identificam mais com o ego do que com oSi-Mesmo. A busca religiosa é uma etapa, consignadacomo encontro com o divino, que visa o conhecimentode si mesmo. É a forma mais agradável e consistente dese chegar à essência de si mesmo. Se Deus não tivesseposto, no inconsciente do ser humano, a idéia de que de-veria buscá-lo, dificilmente ele procuraria primeiro co-nhecer-se. Buscar Deus é uma estratégia Dele mesmo,para que o ser humano se conheça. O ser humano acredi-ta que, seguindo preceitos religiosos, estará com Deus.No entanto, quando sentir que isso está próximo, desco-brirá que está começando a se conhecer.

Tudo quanto se teorizar sobre o que as religiõesbuscam, e afirmam que se pode encontrar após a morte,pode ser tomado como suposição. Como se trata de re-presentação dos conteúdos psíquicos inconscientes, nãopassam de material simbólico, portanto, passível de com-preensão de acordo com o estado da consciência. Sobre

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tudo que pertence à dimensão espiritual, só se pode falarde forma simbólica. A psiquê religiosa sacraliza objetosquando eles remetem o ego a uma instância desconheci-da e de difícil explicação. Locais, fenômenos da nature-za, objetos etc., são deificados pela psiquê religiosa.

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Deus

A lém de qualquer consideração de ordemmetafísica ou teológica, Deus é uma necessidade psico-lógica. É um princípio constitutivo da estrutura psíquicahumana, cujo nome foi adotado em consonância à exis-tência real de um ente transcendente. Por outro lado, doponto de vista psicológico, por conta da moral religiosa,sem Deus não há transgressão. Esta surge devido à igno-rância e possibilidade de se exercer o livre-arbítrio. Sema transgressão não se progride. A relação entre Deus etransgressão é muito tênue, o que pode ser percebido nomito de Adão e Eva quando se se depara com a presençada serpente no paraíso, sem que tenha sido o ser humanoquem a colocara ali.

A que Deus as religiões se reportam? Particularmen-te escrevo sobre um conceito, sobre uma determinada idéia,mas não sobre o ser que elas pretendem afirmar. Seria pre-tensão demais querer falar do não-humano. Querer alcan-çar isso pode alienar as consciências mais lúcidas. Não setrata de discutir a respeito da natureza de Deus, mas daidéia de Deus construída em minha consciência, já que noinconsciente esta só é possível indiretamente. ConceituarDeus não é o mesmo que compreender sua existência.

Deus, tal qual se postula, não está dentro nem fora,muito menos entre, pois são palavras que expressam situ-

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ações ou aspectos dimensionais da psiquê. Qualquer des-crição espaço-temporal se torna pobre. Melhor seria, parauma compreensão de Deus, referir-se ao sentimento, cujadescrição em palavras é meramente figurativo, e não oque verdadeiramente se sente. Mais adequado do que des-crever ou conceituar Deus é senti-lo.

Quando o ser humano experimenta uma angústiainexplicável, um “aperto no coração” ou uma saudade dealgo indefinível, muito provavelmente se trata da falta dosentimento de Deus. É um convite de Deus para ser nota-do. Por motivos imponderáveis, a pessoa se distancioude uma essência que a convida ao encontro. Essedistanciamento, muito embora sentido, não é de fato umaseparação. Não é possível separar o que não se conectana dimensão física. Deus fez a criatura humana, que bus-ca incessantemente encontrá-lo, para que ela se conheçae o realize. Não seria mais adequado que ele se revelassesem rodeios? Que saísse do inconsciente para a consci-ência? Melhor seria que se apresentasse desde o ato dacriação. Talvez assim seja. Talvez não o tenhamos procu-rado “onde” ele de fato se encontra. Por isso, Deus é umarealidade inacessível a mim. Mas, há algo que constante-mente teimo em lhe atribuir, que percebo pertencer a mimmesmo e que devo considerar um fator individual – opoder. Sua principal característica é querer assumir umlugar eterno de poder sobre mim mesmo. A favor dessepoder é que se erguem as tradições religiosas, retirando-odo ser humano.

O Deus descrito, cultuado e buscado pelas religi-ões é um complexo primitivo a ser dissolvido e atualiza-do. Em torno de seu nome, o ser humano agregou seusmedos, conflitos, anseios e perspectivas, tornando-o ob-jeto representativo do que não é nem pode ser vivido.

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Divindades (Deus, Allah, Vishnu, Krishna, Afrodite, Exu,Omolu etc.) são potencialidades psíquicas, poderosas es-truturas sustentadoras da mente humana. Sua permanên-cia na consciência não só inibe a solução dos conflitosem seu entorno como também a manifestação real da di-vindade. Tendo ou não esse propósito, o Deus do Judaís-mo e do Cristianismo se tornou ameaçador e não foi ca-paz de levar seus adeptos à felicidade.

O ser humano não se justifica como uma unidadesem seu criador. Tudo o que nele há não é produto exclusi-vo de si mesmo, e ele não tem autonomia sobre o que lhe éinconsciente. Há algo nele, de que ele tenta se apossar, quenão lhe pertence legitimamente. Esse movimento é a vida.

A busca da Unidade ou a idéia de um Deus único,que é a tentativa do encontro com a própria individuali-dade, reflete a face múltipla do Criador. Uma religião únicadepõe contra a chamada inteligência divina. A vida é muitodiversa para caber uma única idéia a respeito de qualquercoisa. Paradoxalmente, um Deus Salvador e responsávelpelo ser humano o põe sempre em perigo. Tudo de bomque se afirma sobre Deus contribui para que se radicalizea existência de um grande e poderoso mal. Melhor serásair do maniqueísmo da consciência para uma percepçãode totalidade e multiplicidade sobre o Criador da Vida.

O culto interior ou a liberdade interna do entendi-mento a respeito de Deus e de religião é algo inexprimível.O culto externo ou a adoção de uma religião é sua mera esimplória representação. Por muito tempo, a consciênciaestará envolvida naquela percepção dicotômica,dissociada da totalidade divina.

Uma das soluções é passar da adoração para a de-voção. A primeira se assemelha à contemplação, e a se-gunda deve ser aqui entendida como comunhão ou

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integração. Trata-se de um novo relacionamento com oque quer que seja Deus. Uma outra, é a adoção da Reli-gião Pessoal, cujo Deus tem características diferentesdaquelas descritas pelas religiões formais. O Deus dasreligiões formais precisa de um novo manto, de uma novaluz sobre a humanidade para despejar sua claridade nasconsciências. O novo manto é cultivar o sentimento ínti-mo de conexão com Deus, através da relação com outrapessoa. As disputas hegemônicas protagonizadas pelasreligiões formais dificultam aquele sentimento. Conexõeshumanas de disputas são desperdícios íntimos de energiacriativa. A Religião Pessoal poderá abrigar o novo manto.

Quanto maior o número de atributos e qualifica-ções superlativas humanas dadas a Deus, maior a sombrano inconsciente humano, o que pode soar como umadesqualificação ou negação do significado humano deDeus. Na realidade, é uma tentativa de aproximar o queseja Deus de algo que o ser humano intui e sente semprecisar de uma descrição lógica.

Se, por um lado, o culto a Deus promove a reduçãodo caos na mente humana, por outro, impede no ser hu-mano sua autonomia e a apreensão do saber. Sua autode-terminação acontecerá após o equilíbrio interno, quandojá tenha alcançado o domínio sobre si mesmo. Quantomaior o poder de Deus, menor a autonomia e a autodeter-minação para senti-lo em si mesmo.

Há que se construir uma íntima ligação com a cau-sa maggiore na essência de si mesmo. Trata-se de umaconexão de natureza não-linear, sutil e não dirigida. Porisso o risco de uma inflação egóica ou da assunção de umcomplexo é muito grande. Quando a conexão entre cria-tura e Criador se estabelece de forma harmônica e equili-brada, os rituais se tornam mais conscientes.

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A consciência de um Deus único representa, de umlado, um avanço no processo de conscientização da pró-pria individualidade; por outro lado, representa um siste-ma de auto-defesa contra a força da multiplicidade dasrepresentações do sagrado. A idéia de um Deus único élógica e, ao mesmo tempo, contraditória, pois representauma negação da unidade de cada ser humano. Um Deusúnico que fez singularidades e é único não fez uma únicacoisa, mas a multiplicidade delas.

Dois questionamentos simples, mas embaraçosos,atribuídos a Einstein e a Jung, pela impossibilidade derespostas precisas e isentas do espírito sectário, merecemdestaque. O primeiro, o que fez Deus após ter criado ouniverso; o segundo, por que Deus preferiu estar no in-consciente ao invés de se por na consciência humana.Esses questionamentos decorrem da lógica humana embuscar uma causalidade linear para o Universo e da idéiada obscuridade de Deus.

Deus inicialmente “se apresenta” como uma ima-gem primordial, propositadamente oculta no inconscien-te do ser humano, surgindo gradativamente na sua cons-ciência, entre outros formatos, como uma idéia numinosae transcendente. Posteriormente, quando sob o domíniode elementos civilizatórios, quando a lógica causal vier ase implantar em sua mente, o ser humano admitirá a idéiade Deus como Causa Primeira. Aquela imagem, tantoquanto a idéia que o ser humano fez e faz de Deus, menosainda pelo formato adotado, nem de longe se aproximadaquilo que de fato é a Fonte Geradora da Vida. Apresen-tar novos e velhos formatos, refundir antigas formas deconcepção ou opor-se a outras tem sido a maneira maiscomum do ser humano apresentar a idéia que ele temde Deus.

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O escuro e infinitamente pequeno lugar em que oser humano se põe, à procura da potente luz na qual acre-dita se encontre aquela Fonte Geradora, o distancia cadavez mais da condição precípua para atingi-la. Tal condi-ção é a percepção de si mesmo como sendo a própria FonteGeradora se realizando.

Longe dos holofotes da consciência, jaz um imen-so mundo inconsciente no qual o espírito habita. Naquelemundo, Deus se mostrou como uma imagem suficiente-mente potente, qual um arquétipo, para impulsionar o serhumano a buscar-se, acreditando encontrá-lo. Deus, pelalógica humana, criou uma série de contradições que ne-cessitam de compreensão e de integração para o necessá-rio desenvolvimento espiritual do ser humano.

A forma como o ser humano lida com a divindadeou com o poder que supõe ser responsável por sua cria-ção decorre apenas da relação que ele tem com a idéia deDeus, e não com o próprio. Isso é mais evidente nos cul-tos primitivos, em alguns dos quais, os elementos da na-tureza eram considerados o próprio Deus. Para o primiti-vo, não o simbolizavam, pois acreditavam estar lidandocom o próprio Deus. Isso também ocorre na atualidade,pois nada garante ao crente que seu entendimento sobreDeus de fato é real. Independentemente de ser real ounão, de lidar com Deus ou com uma idéia pessoal dele, éessa idéia que se torna norteadora da busca de um sentidoe de um significado para a vida. Essa idéia parece serfundamental à existência humana, porque é maior do quequalquer outra que possa vir de sua mente consciente.

Quando o ser humano atribui qualidades, evidente-mente humanas, a Deus, ele admite, sem o querer, a exis-tência de opostos. Um Deus justo promoverá justiça einjustiça; um Deus de amor promoverá amorosidade e

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ódio; um Deus bom promoverá bem e mal; um Deus po-deroso promoverá poder e fragilidade; um Deus inteli-gente promoverá sabedoria e ignorância. As qualidadeshumanas atribuídas a Deus devem ser entendidas comometáforas simbólicas a respeito do que seja a divindadeem relação ao humano. O que Deus de fato é não perten-ce à razão humana.

A Teoria da Relatividade e a Teoria Quânticaenfatizam a relação entre observador e objeto observado.Sempre que o objeto é observado, sofre algum tipo demodificação. Transpondo isso para a percepção de Deus,pode-se afirmar que uma melhor observação deve alteraressa concepção. A Teoria Quântica provoca a religião. ODeus das religiões, agora melhor observado, modifica-seno interior da psiquê humana. Sempre que o ser humanose modificar, semelhante movimento ocorrerá com o Deusem que ele acredita. A Religião Pessoal não exclui o serhumano disso, pois certamente o levará a uma concepçãoa respeito de Deus muito mais próxima de sua verdadeiraessência.

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Representações do Inconsciente

As representações do inconsciente através dosrituais religiosos são tentativas de reduzir a tensãoprovocada pela busca do significado da existência e peloencontro com a singularidade do Si-Mesmo. A gama vari-ada de rituais religiosos em todas as culturas e em todasas épocas atesta que o fator desencadeador possui umanatureza complexa, múltipla e diferente da que a consci-ência imagina. A não-acessibilidade imediata da consci-ência a esse fator representa um imenso abismo a ser trans-posto pelo ego. A consciência, mesmo sendo uma aquisi-ção recente na evolução humana, não permite a presençaimediata das aquisições nas experiências do passado. Elaas enterra, deixando, nos subterrâneos de sua estrutura,milênios de história com todas as experiências que for-mam sua própria natureza. Resta tornar-se veículo de re-presentação do que se encontra sob seus pés. Seu movi-mento, suas aspirações e seu presente se devem ao dina-mismo que se agita em suas entranhas.

Coletivamente, nos subterrâneos do inconscientehumano, persiste a tendência de cada indivíduo a movi-mentar-se em meio à ignorância sobre o Si-Mesmo. Asrepresentações são as pistas para a compreensão do quese esconde teimosamente no interior de cada ser humano.Paradoxalmente, por mais consciente que seja de si mes-

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mo, ele não se auto-explica. Carregará sempre sua pró-pria ignorância. Por mais sábio que seja, não alcança di-retamente quem ele próprio é. Sua arrogância esbarra nadificuldade em aceitar a ignorância como parte estruturalde seu ser.

Em várias tribos indígenas, encontram-se os cha-mados rituais de iniciação, que visam introduzir o neófitono mundo adulto ou em contato com o sagrado. Nadamais são do que representações de processos psicológi-cos visando à autotransformação. São dinamismos psí-quicos que se atualizam nos rituais. Suas manifestaçõesatendem aos anseios arquetípicos do espírito imortal. Osrituais ligados à fertilidade do solo para uma melhor co-lheita em tempos de escassez são atualizações do arquéti-po da deusa Mãe-Terra (fertilidade, capacidade criadoraetc.), que foi parcialmente esquecida pela predominânciaseguinte do arquétipo do Deus–Pai (civilização, logos,ciência etc.).

Ao longo da história da Humanidade, como hojeainda acontece em algumas culturas, o arquétipo quemobiliza o ser humano para a realização de rituais esteverepresentado em vários cultos. Foram projeções inicial-mente coletivas, que depois, com o aparecimento da ci-ência, se modificaram, aproximando-se da consciência eperdendo seu poder transcendente. Segue-se uma relaçãoresumida das principais projeções do referido arquétipo.

1. Projeção do arquétipo em fenômenos da nature-za (raios, trovão, chuva, rios etc.). A consciência aindapreenchida exclusivamente pelo inexplicável, pelos fe-nômenos que se apresentavam de forma destrutiva aocorpo físico, isto é, àquilo que é extensão de seu próprioser, colocava-os como superiores e geradores de tudo queera sentido. O que era ameaçador tornava-se divino. Aí

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nascia o medo de Deus e o embrião da idéia de um serTodo Poderoso.

2. Da Natureza, próxima e ameaçadora, àquela dis-tante e incomensurável, o ser humano passou a projetar oSi-Mesmo nos objetos celestes (sol, lua, estrelas, plane-tas, cometas, fenômenos astronômicos etc.). O olhar paraas estrelas simboliza a razão humana em contraposiçãoao animal, que se volta para a terra onde encontra seualimento. O sol, representando ou sendo considerado opróprio Deus, ou símbolo do Si-Mesmo, está presente emvárias culturas.

3. Do imponderável e distante para o palpável econhecido, o ser humano passou a projetar o arquétipoem objetos materiais (montanhas, amuletos, pedras, totens,ervas, árvores etc.) ou animais (urso, elefante, cobra, en-tre outros). Os objetos ou animais escolhidos eram tidoscomo possuidores de poderes mágicos, numa clara proje-ção do poder inconsciente do Si-Mesmo. Adorá-los pode-ria permitir a absorção de tais poderes.

4. Quando o ego se apresentou mais maduro, o ar-quétipo pôde se projetar em seres humanos dotados depoderes sobrenaturais (líderes místicos, pajés, médiunsetc.). Essa forma de projeção permitiu uma maior consci-ência dos valores disseminados pelas religiões. Seres hu-manos visíveis, não apenas o inconsciente, passaram aensinar, divulgar e dirigir a consciência para a compreen-são do sagrado.

5. Quando o ego se apresentou inflacionado e omedo ainda dominava as consciências, a projeção do ar-quétipo transportou-se para figuras humanas dotadas decargos ou de poder estatal (reis, imperadores, senhoresfeudais, coronéis etc.), que eram entronizados como sedivinos fossem, numa demonstração clara da flexibilida-de de representações inerentes ao arquétipo.

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6. Esgotando-se as projeções no que era conhecidoou passível de verificação direta, a representação externado arquétipo passou a ocorrer em entidades sobrenaturais(santos, espíritos protetores, divindades domésticas etc.).Não alcançando o divino, a psiquê humana aceitou algoque se aproximasse do inconsciente. São intermediáriosentre o ser humano e Deus, que passaram a ter os mes-mos atributos e poderes da divindade.

7. Ainda vinculado pelo dinamismo inconsciente, aprojeção do arquétipo passou a acontecer em deusesmíticos (Zeus, Hera, Apolo, Atena, Afrodite, Oxalá etc.).A psiquê humana, sem alcançar de fato a consciência doSi-Mesmo, passa a projetar seus atributos nas representa-ções de processos inconscientes.

Pode-se dizer que não há sociedade sem rituais. Nãome refiro apenas aos rituais chamados de religiosos, poismuitos comportamentos humanos repetitivos são repre-sentações da função religiosa da psiquê. Por exemplo, ohábito de se banhar no mar, presente sobretudo nos paí-ses tropicais, possui correspondência ao ritual de purifi-cação de algumas religiões, numa espécie de batismo. Osantigos faziam rituais com sacrifícios e oferendas visan-do manter sob controle as forças sobrenaturais dominan-tes em seu inconsciente, oriundas da psiquê religiosa.

Os rituais atualizam e dão movimento à energiapsíquica pertinente. Hoje, requerem consciência, sensode propósito e sentimento de conectividade. Não devemse tornar meros movimentos repetitivos e afastados deum sentido transcendente. Devem mobilizar a energiapsíquica, que jaz no inconsciente, a serviço do processode autoconhecimento. Experiências criativas, tentativasde visualizar diferentes percepções da realidade, conspi-

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rações íntimas para ocorrência de certos fenômenos co-muns da vida cotidiana, planos que culminam em benefí-cios coletivos, eventuais contemplações da Imago Dei dealguém, sentir-se plenamente conectado ao Criador semqualquer demonstração externa, são tentativas de trans-cender em meio à vida cotidiana.

As religiões, na sociedade moderna, distanciaram-se da Natureza, dos deuses tribais, das oferendas, aproxi-mando-se cada vez mais do Si-Mesmo. No meio do cami-nho, elas se encontraram com a mediunidade nas pessoascomuns. Não mais nos santos nem nos deuses, mas naspessoas como um atributo coletivo. Os rituais estão con-tando com presenças espirituais fora dos templos religio-sos, numa desmistificação do sagrado associado a um lu-gar. O ser humano tornou-se seu próprio templo, aproxi-mando-se cada vez mais do Si-Mesmo.

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Religião como norma coletiva

Por detrás das normas sociais, instituídas legal eformalmente, há uma consciência superior que norteia asações humanas como se fosse uma constante idéia dire-tora da vida psíquica. Paira, principalmente no inconsci-ente humano, um sistema religioso balizador e condutorda psiquê, levando-a até um ponto ideal. Ao mesmo tem-po em que oferece garantias coletivas de um futuro ideal,estreita a criatividade natural e propõe uma divindadelimitadora de qualquer expansão fora de seus princípios.

O sentimento religioso é um fenômeno transcen-dente que ocorre no interior da psiquê humana e que serevela em um formato irracional, ilógico e aceitável apriori. A descrição do fenômeno religioso, comohierofania, acontece com o colorido humano. Tudo queocorre, nesse particular, tem a participação da consciên-cia e, antes de tudo, do inconsciente humano. Mesmoconsiderando que são manifestações que se originam noinconsciente, seu reconhecimento passa pela consciên-cia, adotando um formato racionalmente acessível.

A utilização da religião tem buscado disciplinar,orientar e conduzir a psiquê humana para um ordenamen-to, em princípio, transcendente. Conseqüentemente, o egoabsorve esse molde como norma de conduta ou compor-tamento social aceitável e idealizado.

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A religião conduz a mente humana em uma certaordem e a um destino que parecem ser os melhores e osmais seguros para o indivíduo. Contraditoriamente, elaaponta para a individualidade com normas coletivas,muitas vezes cristalizando a própria mente em formas eclichês mentais de difícil mudança.

As religiões conduzem ou caminham para um oumais dos seguintes processos:

� Esoterismo (para iniciados) – Penetra em ques-tões que visam desvendar o que pertence à tradição reli-giosa e que se encontra oculto. Esse caminho se destina apoucos estudiosos e dedicados sinceros. Em geral, levaos indivíduos à estagnação e ao apego à letra de livrossagrados.

� Praticidade – Oferece modos de conduta quefacilitam a vida prática sem ferir princípios e normas re-ligiosas. A necessária transcendência é conscientementeadiada. Visa facilitar a vida cotidiana dos adeptos, pre-tendendo torná-los felizes e exemplos dignos de imitação.

� Espiritualização – Visa orientar seus adeptos aalcançar um estágio de transcendência, valorizando a vidano Além em detrimento da vida material. Prioriza o aper-feiçoamento moral, concitando as pessoas à aquisição devirtudes que as aproximem do divino.

� Santificação – Propõe a negação da vida materi-al em favor da beatitude e da vida monástica. A vida mun-dana é condenada e o ser humano comum é impuro e pe-cador por natureza. Por esse motivo, o mais importantetrabalho de todos é livrar-se do mal e das tentações.

� Devoção – Conclama as pessoas a se unirem emtorno de uma fé ou de uma crença em um Deus protetorque lhes trará paz e harmonia. Pretende mostrar um ca-minho de suprema ventura a partir de certas práticas

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ascéticas. Seus adeptos vivem no mundo, mas proclamamum outro melhor; voltam-se para seus próprios muros,mantendo uma hierarquia interna.

� Racionalização – Tenta explicar tudo, valorizan-do a razão e a ciência. Nega a necessidade de rituais e derealização fora de seus princípios. Seus adeptos sãoespiritualistas, mas não se afastam da vida comum. Pro-põe a realização pessoal em detrimento da coletiva. É maistolerante às crenças alheias.

� Ritualização – Serve para a cristalização de dogmase princípios. Oferece um mundo à parte, no qual a divindadeocupa um papel relevante como suprema autoridade,dispensadora de proteções e garantia de imortalidade. Asse-melha-se a crenças tribais, colocando-se como de origemdivina. É mantenedora de crenças arcaicas e extemporâneas.

As religiões formam um sistema de defesa indivi-dual e coletivo, contribuindo para a manutenção de umdeterminado grupo social. Além de valorizar a transcen-dência e a espiritualidade, a religião é um sistema cultu-ral de grande importância para a formação da consciên-cia coletiva.

Difícil sair do abrigo de uma religião. É reconfor-tante sentir-se pertencente a uma comunidade espiritual.A norma religiosa coletiva se transforma na principal es-trutura psíquica de proteção e garantia de uma ordem queevitaria um possível caos no mundo. A norma coletivapassa a ser a única possibilidade da existência de um cam-po no qual tudo se cria e se busca. O divino pregado einstituído pela religião torna-se o máximo, tomando olugar do universo criativo, natural e acessível a todos.

Ao invés de um processo natural, pessoal, de en-contro com o máximo de si mesmo, restou ao ser humano

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uma idéia refreadora. Sua desdita encontra alívio e solu-ção na esperança redentora da religião, que passou a teroutro nome, uma espécie de sinônimo – esperança. Espe-rança é um outro nome que se dá à religião; é o caminhoque a psiquê encontrou para legitimar sua imortalidade.

Nos escaninhos mais profundos da psiquê humana,no inconsciente, subjaz uma sutil certeza – a realidadematerial é o reverso de algo muito precioso. Esse algoora é percebido como a individualidade, ora como o pró-prio Deus. A realidade é um conduto para as realizaçõesdo espírito, uma espécie de “estação redutora” de algopotencialmente maior. Esperar que a norma religiosa con-duza a esse algo será tão tedioso e doloroso quanto oacorrentamento de Prometeu.

Embora convidativa, pois emula um ideal de pes-soa, a religião mobiliza forças internas condutoras dabusca pelo significado da vida. Torna-se, porém,limitadora do universo possível à psiquê em face de suasnormas rígidas e excessivamente humanas. É exatamenteessa influência humana que reduz o alcance da religião,porquanto a necessidade de contenção da própria psiquêlimita a transcendência necessária à evolução.

Os livros sagrados (Vedas, Torá, Bíblia, Alcorão, IChing etc.) refletem a religiosidade coletiva das diversassociedades, mas não alcançam a totalidade do arquétiporeligioso na psiquê. São patrimônios da inteligência hu-mana, livros que encerram verdadeiros tesouros para aalma, mas se perdem no labirinto de normas e princípiosainda muito humanos. Não que devam ser alterados. Umlivro considerado sagrado perpetua ensinamentos, nãodevendo ser modificado com o tempo. Seu conteúdo éque deve ser sempre contextualizado a cada época e deacordo com a cultura daquele que o lê. As religiões, atra-

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vés de seus livros, atualizam o divino no humano enquantoveiculam mensagens subliminares com os paradigmas dasleis de Deus.

O arquétipo é uma estrutura psíquica que leva o serhumano a uma forma coletiva de ser e viver. Serve comoforma inicial ante a ignorância natural do ser humano. Asexperiências vividas, influenciadas pelos arquétipos, de-vem levar o ser humano a fazer escolhas individuais, nãomais premido pelo inconsciente. O arquétipo religioso levaà religião coletiva, que deverá conduzir o ser humano àReligião Pessoal. Ele aprende com a norma coletiva paradepois constituir sua norma pessoal, superior e mais ade-quada que a primeira.

Os líderes e fundadores das religiões estabelecemo que consideram uma nova forma de lidar com o sagra-do. Instituem a norma coletiva. Com o tempo e o alcancepopular, tornam-se algo coletivo, miscigenam-se comcrenças e cultos populares, e se aproximam de algo per-tencente à dimensão coletiva da psiquê. A religião secoletiviza para depois se dividir, fragmentando-se ao en-contro da Religião Pessoal. É o que ocorre com osincretismo religioso, que demonstra o fenômeno comumda existência de uma dimensão coletiva na psiquê.

A passagem da norma coletiva da religião formalpara a constituição de uma ética pessoal superior podeser percebida na formação das Organizações Não-Gover-namentais (ONGs). Elas se constituem substituindo, emseus deveres, o Estado, propondo-se a uma ética superi-or, livres de interesses menores. De alguma forma, elastambém ocupam um lugar aparentemente exclusivo dasreligiões.

A religião formal se mostra como norma coletiva,necessária para o desenvolvimento da humanidade. Quan-

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do percebida como fator de busca pessoal, dá um passoimportante para a constituição da Religião Pessoal.

Em matéria de religião, tudo que é misterioso atraia mente ainda incipiente em relação ao sentido e ao signi-ficado da vida. Essa atração deverá levar o ser humanoao que existe de mais profundo e maravilhoso na almahumana.

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Espiritismo e religião

A rigor, o Espiritismo não deveria ser considera-do uma religião. Não pelo fato de seu fundador, AllanKardec, não tê-lo caracterizado explicitamente como tal,mas, principalmente, por ele ter adotado uma religião jáconstituída como referencial. Em seus escritos, não háuma proposta de revisão do Cristianismo, nem ele se pro-pôs a ser um reformador religioso. O Espiritismo não sur-giu para reformular ou consertar o Cristianismo. Sua pro-posta é tratar das relações do mundo material com o espi-ritual e de revelar as leis do mundo dos espíritos.

O Cristianismo foi a religião em que o Espiritismose amparou, adequando-se, durante sua história e transladopara o Brasil, a uma legitimação social mais ampla. Semisso, isto é, sem se apresentar como uma religião, poderianão haver possibilidade de nele se projetarem as imagensarquetípicas exigidas pela psiquê religiosa. Tornar-se umareligião configura-se como uma estratégia para uma me-lhor assimilação de seus princípios. Por outro lado, seconsiderado como religião cristã, como assim denomi-nou Allan Kardec25 ao afirmar sua bandeira, o Espiritis-mo seria, então, mais uma das dissidências que ocorre-ram no Cristianismo. Dificilmente, porém, se aceitaria essa

25 O Livro dos Médiuns, 52ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1985, item 350.

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tese, pois os adeptos do Espiritismo não seguem orienta-ções papais nem realizam rituais presentes na grandemaioria do atos litúrgicos das igrejas cristãs.

O Cristianismo primitivo se dividiu em CatólicoRomano e em Ortodoxo. Após essa divisão surgiu o Pro-testantismo do Católico Romano. Em seguida, a IgrejaAnglicana. No Protestantismo, surgiram muitas dissidên-cias, que podem ser percebidas pelo crescimento do nú-mero de religiões pentecostais, principalmente nos Esta-dos Unidos e no Brasil. A divisão do Cristianismo emvárias escolas, ou religiões, (Católica Romana, Ortodo-xa, Protestante, Luterana, Metodista, Anglicana,Adventista, Pentecostal etc.) parece ocorrer por força danecessidade de ampliação da consciência divina no serhumano.

O Espiritismo cristão surgiu principalmente entreaqueles que professavam o Cristianismo Católico Roma-no, o que não significa ter havido uma dissidência religi-osa. De fato, houve a assimilação de novos conteúdos, denatureza mediúnica e relativos à reencarnação. O Cristia-nismo, em seus valores morais, não difere, no Espiritis-mo, daquele apresentado no Catolicismo nem nas demaisreligiões cristãs.

A escolha do Cristianismo como veículo para dis-seminação do Espiritismo tem sido eficaz na propagaçãode conceitos básicos a respeito da vida espiritual. Assim,em contato com uma religião, a coletividade humana podeser melhor e mais eficazmente conduzida a entender umanova idéia.

Em face do avanço do conhecimento científico emdetrimento do saber empírico, o que reduziu o conheci-mento religioso apenas a uma fé, o Espiritismo tornou-sea opção mais adequada à transcendência espiritual.

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Independentemente da veracidade dos princípiosespíritas, sua adoção aos princípios religiosos judaico-cristãos, adaptando-os à cultura brasileira, deixa muitaslacunas ou vazios ao adepto esclarecido. Por exemplo,exclui as propostas das religiões orientais, não restandoao adepto a possibilidade de aderir a uma religiãouniversalista ou holística. Os princípios espíritas não serestringem a questões de fé ou a virtudes a serem adquiri-das pelos adeptos, pois visam, sobretudo, o esclarecimentoa respeito das questões de natureza espiritual. O espiritu-al aqui referido independe das correlações religiosas quepossam ser feitas.

O Espiritismo brasileiro se transformou numa reli-gião sincrética com fortes traços oriundos do Cristianis-mo Católico. O sincretismo incorporou também concei-tos orientais, aceitos por grande parte dos brasileiros. Umdeles é a noção de carma, associada à idéia de causalida-de absoluta, que, como uma lei de ação e reação, engessaa criatividade e a inteligência humana. Em alguma di-mensão, ou circunstância, pode ocorrer sua existência,mesmo assim, outras possibilidades podem determinar suanão ocorrência. O carma não é absoluto. O ato humanonão pode ser aceito como irrevogável.

A religião cultuada no Espiritismo contém os se-guintes princípios:

� existência de Deus como Criador de tudo queexiste;

� existência, individualidade e imortalidade do Es-pírito, independente do corpo físico;

� os espíritos desencarnados habitam o mundo es-piritual, pré-existente ao mundo material;

� o homem é constituído de uma tríade – Espírito,Perispírito e Corpo Físico;

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� os espíritos evoluem visando a perfeição moral;� a reencarnação é o meio pelo qual os espíritos

retornam a um novo corpo para processarem suaevolução espiritual;

� no Universo há diferentes mundos habitados porespíritos de variados graus de evolução;

� os espíritos se comunicam com os encarnados pelamediunidade, havendo influência mútua;

� a moral cristã é a moral espírita;� a maior das virtudes é a prática da Caridade;� incentivo ao amor ao próximo, à tolerância, à

paciência e à humildade, combatendo o egoísmoe o orgulho;

� revelação das leis do mundo espiritual.

Espiritismo e Cristianismo são inseparáveis. Entre-tanto, é preciso afirmar o que de fato o Espiritismo acres-centa ao Cristianismo e o que apresenta independente dele.A confluência dos dois se situa no campo da moral. Ne-nhuma das religiões oriundas das divisões no Cristianis-mo exercita a mediunidade tal como é estudada e pratica-da no Espiritismo. Tampouco a descrição do mundo espi-ritual feita pelo Espiritismo é comum a qualquer outrareligião.

A maior freqüência aos centros espíritas ocorre naschamadas reuniões doutrinárias, em que as pessoas recebemos ensinamentos espíritas. Essas reuniões correspondem àsreuniões de culto semanal nas outras religiões, e têm sido amaneira mais eficaz de se divulgar o Espiritismo.

Ser espírita não é simplesmente ser cristão. O Espi-ritismo incorpora, em seus princípios, alguns conceitosdo Cristianismo, o que, muito embora situe o Espiritismocomo religião cristã, não delimita o alcance de sua dou-

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trina nem esgota seu saber. Ser espírita não implica numaatitude exclusivamente religiosa. Embora cristão, o espí-rita vive sua fé de maneira pessoal. Quando muito, adotauma outra interpretação das parábolas do Cristianismo.O Espiritismo não adota os rituais do Cristianismo Cató-lico e do Ortodoxo nem se concentra exclusivamente nafé em Cristo, como no Protestantismo.

O Cristianismo se apresenta como uma representa-ção do mito do salvador e do redentor. A força do Cristi-anismo, presente nos acontecimentos que marcaram suahistória, reside na aproximação das classes menosfavorecidas e na apresentação de princípios muito próxi-mos da essência divina em cada ser humano. Nesse as-pecto, o Judaísmo fez o trabalho de base.

Na história do Cristianismo viram-se sacrifícios,divulgação ampla, adoção indiscriminada, consolidaçãodos dogmas, perseguições, divisões, relação de poder como Estado, centralização, perda de adeptos e sincretismo.Pode-se dizer que o Cristianismo foi tentando se amol-dar, ao longo da história da humanidade, ao desenvolvi-mento do ser humano e da sociedade em que ele vive.Algum sucesso obteve, pois seu grande número de adep-tos e sua longa vida atestam isso.

O Espiritismo migrou da França para o Brasil, adap-tando-se à cultura brasileira. Tem tido pouca modifica-ção desde sua implantação, ocorrida no final do SéculoXIX. No início do Século XX, em seu seio, por questõesrelacionadas a divergências quanto à prática mediúnica,surgiu a Umbanda, proporcionando o nascimento de umaoutra religião. Por conta da prática mediúnica, o Espiri-tismo, a Umbanda e o Candomblé, este último de origemafricana, têm sido confundidos e sofrem preconceitos porparte das demais religiões cristãs. O número de adeptos

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que migram do Catolicismo para essas religiões tem au-mentado muito, sobretudo nas classes mais favorecidasmaterialmente.

Uma das forças atrativas de uma religião é sua ca-pacidade de oferecer elementos para projeção do Self. Amaioria dos carismáticos líderes religiosos conseguia essafunção pelo que falavam, pelo comportamento tendenteao mítico e mágico e pelo que transpareciam. O Cristo éuma das representações do Self mais conhecidas. Jesusconseguiu fazer com que as pessoas nele projetassem opróprio Self. Jesus pode ter sido incompreendido e atéconsiderado controvertido, mas ele encarnou a represen-tação do Self coletivo. Em matéria de religião, principal-mente a Cristã, quanto mais as pessoas se distanciam dosfatos, mais se aproximam do mito. Ao longo da história,Jesus foi se tornando o Cristo. No Espiritismo, o Self étambém projetado em Jesus.

Em relação ao modo como o Cristianismo passou aser vivido, pode-se observar uma certa tendência aoascetismo, prática que não era dos doze apóstolos, muitomenos de Jesus. A personalidade do apóstolo Paulo podeter feito a diferença. Sua vida monástica pode ter influen-ciado a conduta e as normas do Cristianismo. No Espiri-tismo brasileiro, há uma certa tendência de seus adeptosem propagar uma vida quase monástica, por influênciado Cristianismo. Felizmente o êxito tem sido pequeno.

Mesmo que não se encontre assumidamente em AllanKardec o registro de que o Espiritismo é uma religião, elese tornou de fato uma religião. No Brasil, os dispositivoslegais garantem tal afirmação. Sua prática, seus postula-dos e sua conexão com o Cristianismo atestam isso.

O Espiritismo não deixa de ser uma religião dife-rente, pois não se observam altares, culto a imagens,

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liturgias, votos de castidade ou de pobreza, paramentosnem hierarquias de comando em seus templos ou organi-zações. Sua religião se fundamenta na busca constantepelo aperfeiçoamento moral dos adeptos e por sua cons-tante busca pela unidade com Deus.

A discussão que existe entre alguns adeptos do Es-piritismo sobre sua identidade religiosa, tentando negá-la, é inócua, pois não se trata de uma designação da cons-ciência. Naturalmente, o contato com o espiritual assumeum caráter religioso. As propostas espíritas são comuns àgrande maioria das religiões. A prática espírita tem sidoexecutada no seio da grande maioria das religiões. Nãohá como fugir da tendência arquetípica, pois os elemen-tos projetivos estão presentes.

O caráter mediúnico, a crença e a pregação consis-tente sobre a reencarnação, o forte apelo à caridade pes-soal, além do trabalho de combate às obsessões espiritu-ais, fazem do Espiritismo uma religião diferente e encan-tadoramente atraente.

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Arquétipo paterno

O ser humano não foi criado com a condição ina-ta de determinar instantaneamente seus limites. Ao longode sua evolução, duramente, ele tem aprendido a estabe-lecer seus próprios limites. Teve de entender que não po-dia tudo nem devia abusar de seus potenciais vitais. Tevede construir uma moral a partir do resultante de suas ex-periências, vividas com sacrifícios e renúncias.

Os processos geradores de limites têm um centrodirecionador comum – o arquétipo paterno. Aquele queconduz o ego dentro de certos limites, estabelecendo anecessidade de escolhas, mostrando o sim e o não, o cer-to e o errado, o adequado e o não adequado.

Um dos instrumentos atualizadores desse arquéti-po é a religião. Sua utilidade está a serviço do amadureci-mento do espírito, no que diz respeito também à aquisi-ção da noção de limites. Os abusos cometidos em nomeda religião decorrem da natureza desse arquétipo, o quejustifica as grandes religiões nascerem em decorrênciade ensinamentos trazidos por homens. O caráter masculi-no, paterno e refreador, está presente em toda religião.

A exclusão do feminino nas origens e desenvolvi-mento dos paradigmas das religiões reflete o predomíniodo arquétipo paterno. As religiões exercem controle, comoo pai sobre seus filhos, o que talvez decorra da intensa

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força gerada no contato com o sagrado, que necessita dadevida educação. A exclusão do feminino enviesou a re-ligião do indivíduo enquanto homem e enquanto mulher,estereotipando condutas e estabelecendo hierarquias. Porter sido escolhida como representação do pecado, a mu-lher, como símbolo do feminino, foi reprimida e estigma-tizada.

Pela possibilidade de aplicação de uma sançãomoral, sugerida pelas religiões, a pressão se exerce nasconsciências humanas, limitando sua natural condição deliberdade. Como nem sempre prevalece o que diz a cons-ciência, pois a natureza do inconsciente, anterior e repri-mida, é a de se realizar para que a vida aconteça, ocorremas transgressões. Inevitavelmente advém a culpa.

Religião e culpaDifícil dissociar uma da outra. É um desafio de todo

ser humano, a caminho da constituição da Religião Pes-soal, viver sua religiosidade sem culpa. Isto requer cora-gem e senso de propósito. Sem medo e sem receio decastigo algum, pois quem fez a criatura só a puniria sefosse mau educador.

Religião sem culpa, sem pecado e sem castigo épraticamente impossível. Salvo se seus paradigmas pre-conizassem que toda transgressão merece reconsideraçãoe escolha compartilhada do processo educativo necessá-rio ao aprendizado. Mesmo assim, toda experiênciaeducativa a ser vivida deve ser acompanhada de elemen-tos favorecedores de auto-compreensão.

Com a Religião Pessoal, o ser humano caminha paraa eliminação total da culpa. Aquele que se realizou, ou seencontra a caminho, não possui culpa de qualquer natu-reza. A culpa é um poderoso mecanismo de desequilíbrio

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psíquico, requerendo processos de redenção pela dor. Aignorância dos adeptos, o medo de estar fora do abrigooferecido pela religião, o temor de um destino aversivoapós a morte, a forte tradição religiosa, o receio de enca-rar o desconhecido são fatores responsáveis pelo excessode culpa que campeia na consciência da criatura humana.

Religiões que sacralizam livros, dificultando seuacesso aos adeptos, que pregam exclusividade no contatocom Deus, que disseminam o medo de um futuro de so-frimento para o pecador são obstáculos à libertação dasconsciências. Desvincular-se de religiões opressoras tor-na-se fundamental para a adoção da Religião Pessoal.

O discurso dos líderes religiosos, geralmente car-regado de admoestações sobre os perigos do ser humanose aventurar para fora dos cânones por eles pregados, dessaforma, atesta o método para instalar a culpa nos adeptos.A religião que deveria libertar, aprisiona pelo medo e pelaculpa.

Quando o olhar dos líderes das religiões na direçãode seus adeptos estiver impregnado pelo amor semelhan-te àquele que o Deus, tão citado em suas pregações, tinhapara com suas criaturas, não haverá espaço para adver-tências de caráter intimidador. Tais admoestações são fei-tas como se oferecessem salvação mediante barganha,barateando aquilo que deveria ser considerado sagrado,em troca da permanência do expectador, crente fervorosodo imaginário de seus líderes.

Não há religião que satisfaça, quando seus líderesfogem do dever de conduzir seus liderados ao caminhoda felicidade e da alegria de serem chamados de filhos deDeus. Religião não é tribunal nem tem jurisdição sobreas consciências humanas para lhes impingir qualquer des-tino futuro.

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Religião e transgressãoTransgressão e norma são elementos que se apro-

ximam muito. Uma vive em função da outra. Não é poracaso que se tornam comuns os escândalos envolvendolíderes religiosos. Vêm à público apenas aqueles que sãodescobertos, em meio a uma quantidade não disponívelde transgressões intra-muros. Isso não é de se estranhar,pois os líderes são também adeptos de suas próprias pre-gações. Por se reprimirem mais do que os outros, estãomais sujeitos a transgredir.

Vivem sob uma culpa maior por conta da aceitaçãoda vocação religiosa, que lhes impõe regras a serem cum-pridas sob pena de resvalarem para o destino nefasto pre-gado em suas próprias admoestações. O rompimento coma norma ou preceito religioso torna-se uma instigante ten-tação, quase uma compulsão psicológica a martelar a cons-ciência. Todo desejo proibido que não é vivido, ou com-preendido, ou convertido conscientemente, torna-se umconvite a ser realizado de forma inconsciente, com preju-ízo ao desenvolvimento da personalidade. Quando a re-pressão ocorre, instala-se a neurose. O indivíduo adoecepor conta de sua recusa a viver algo que nasce de suaânsia pela vida.

A transgressão não significa necessariamente a re-alização do ilícito ou do pecaminoso, pois nem sempre oque é lícito é moral, ou o que é ilícito é imoral. Trata-sede aferir o que estaria de acordo com uma moral superiore que deveria ser vivido. É uma espécie de rompimentocom uma pieguice e inocência pueril, proporcionada pelaaceitação de uma religião exclusivamente protetora eintimidadora.

As normas religiosas geralmente se estabeleceramem torno do dogma, que funciona como uma barreira à

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descoberta dos significados ocultos relacionados com osfenômenos numinosos. Os dogmas tratam de colocar ân-coras psicológicas de apoio ao que não pode ser assimila-do pela consciência.

A religião arquetípica deverá dar lugar à ReligiãoPessoal. A amorosidade deverá prevalecer sobre ahegemonia do arquétipo paterno. A religião do amor de-verá imperar sobre toda sanção.

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Ando a procurade uma religião...

Quero uma religião que não me proíba, mas queme eduque; que não me incrimine, mas que me ofereça so-luções; que não me reprima, mas que me ensine a encontrarmelhores formas de expressão; que não me condene, masque ofereça um adequado senso de justiça; que não meinferiorize, mas que me aproxime do Criador da Vida.

Quero uma religião que me deixe sorrir nas ma-nhãs de domingo, permitindo que minha prece seja o olharpara a natureza.

Quero uma religião que, nos dias mais escuros domeu viver, dela não me lembre quando sentir medo e nelanão me abrigue feito criança em consolações pueris.

Quero uma religião que me incentive a oferecerrosas aos doentes e a levar alegria aos enterros, e a sóchorar quando souber que a dor foi compreendida e que omorto vive e está bem.

Quero uma religião que me oriente a reverenciar ainocência e a aplaudir de pé os que respeitam a sabedoriados mais velhos.

Quero uma religião que possa encontrá-la com quemestiver, por onde for, também no coração dos que ferem egritam achando ter razão.

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Quero uma religião que abrigue aqueles que se ar-riscam em viver e abençoe os que se perdem nos labirin-tos escuros da própria ignorância.

Quero uma religião que possa senti-la na compai-xão, seja com a abundância dos perdulários ou com amiséria dos aparentemente incapazes, sem que me falte anecessária solidariedade.

Quero uma religião que me faça sentir irmão dequem me contraria ou me rouba a esperança, também dosque me reverenciam inocentemente.

Quero uma religião que retire a venda de minhacegueira, sem me tirar a ignorância completa, educando-me para a continuidade do aprendizado.

Quero uma religião que não exclua nem estigmati-ze nenhuma criatura, nem crie castas de eleitos ou de sal-vos pela adoção de princípios lógicos.

Quero uma religião cujo cântico e cuja liturgia in-cluam a voz da alma e o pulsar dos corações, para que umdia, quando não mais precisar de nada, eu encontre a mimmesmo.

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Ego e Espírito

O eu não é o senhor da personalidade, muito em-bora como centro da consciência ocupe temporariamenteaquele lugar. À semelhança do “ponto eletrônico”, utili-zado pelos apresentadores de televisão, que serve paracomunicação entre eles e o diretor do programa, o egoassimila os conteúdos do inconsciente e do que vem daindividualidade do Espírito.

A idéia da existência de um Eu Superior apenasestabelece uma hierarquia absoluta, na qual um deles setorna obediente ao outro, mesmo que pareça autônomo.Não há nada que garanta a existência dessa autonomia, oque, se assim fosse, conferiria um caráter de gênese alea-tória ao ego.

Há, além de uma relação de interdependência entreo ego e o Espírito, pois este é representado por aquele,uma causalidade deste para com o primeiro. O Espíritogera o ego, que lhe serve de identidade consciente. O egoé uma função, entre outras definições, que representa aparte consciente do Espírito no aparelho psíquico e ad-quire outra configuração após a morte do corpo físico. Asexperiências vividas pelo ego são assimiladas e filtradaspelo aparelho psíquico, alcançando o Espírito. Este apre-ende aquilo que resulta das experiências e que serve deconstituição para a consolidação das leis de Deus.

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Um ego frágil, inseguro, que não tenha vivido ex-periências promotoras do amadurecimento e da conexãoprofunda com o Si-Mesmo, tende a abrigar-se sob pode-rosas defesas internas e externas. A adoção de uma reli-gião ou crença é a primeira e primordial dessas defesas,ainda na infância, sob influências dos pais e do meio so-cial. Na fase infantil a ancoragem se estabelece nas figu-ras parentais. Na adolescência se transfere para os grupossociais de referência.

O amadurecimento do ego não se dá apenas pelaadoção de princípios religiosos, mas principalmente pelacoragem de viver a vida enfrentando os desafios que elaapresenta, consolidando em si mesmo o aprendizado. Essaconsolidação deve conter a consciência de sua própriacapacidade e a aquisição da liberdade de escolha do pró-prio destino. Quanto mais livre a consciência e quantomais amadurecido o ego, profundamente conectado à es-sência do Si-Mesmo, mais se poderá admitir uma Reli-gião Pessoal. É preciso se despir de todo medo, de todo oreceio de Deus e de todas as honras para se iniciar o pro-cesso de construção da Religião Pessoal. Sem isso, seráum arremedo de individuação ou de evolução da perso-nalidade.

Um ego maduro deverá aprender a enfrentar todasas possibilidades arquetípicas que se apresentem em suaexistência, compreendendo que uma psiquê racional, umapsiquê religiosa, uma psiquê política, uma psiquê masculi-na/feminina etc., são faces presentes em uma mesma indi-vidualidade. Não há hierarquia na origem e na atualizaçãodelas. Vivê-las, atualizando a própria vida, é algo a queninguém poderá se furtar. São convites naturais da Vida.

Por detrás dos estados psíquicos, encontra-se o Es-pírito, ou a individualidade no que lhe é singular. Os de-

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safios da vida não são apenas aqueles que se mostramexternamente, mas também as configurações psíquicasque, invariavelmente, surgem como cenários internos aserem atualizados. A atitude religiosa deve acontecer nouso da totalidade das funções psíquicas, qualquer que sejaa psiquê que esteja sendo atualizada.

A religião formal permanece vinculada ao ego, do-sando-lhe o grau de profundidade de suas reflexões, nemsempre permitindo sua aproximação ao Si-Mesmo. A Re-ligião Pessoal, inevitavelmente, o obrigará a alcançar oEspírito, sob pena de novamente mascarar sua evolução.

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Religião e política

O mundo, ou melhor, a humanidade, é um orga-nismo vivo, com conexões em várias dimensões. Cone-xões comerciais, educacionais, elétricas, eletrônicas, viá-rias, aeronáuticas, virtuais, afetivas, religiosas, políticas,entre outras, que ligam as pessoas instantaneamente, for-mando uma grande rede.

Política, além de ser a arte de governar é também aação do indivíduo visando a resultados ótimos para a so-ciedade. Mínimas tentativas de intervenção social consti-tuem ações políticas. Nesse sentido, a ação de uma pes-soa investida de um caráter religioso ou em nome de umareligião é também uma ação política. Um ato religiosovisando à melhoria da sociedade é um ato político. Nessemesmo sentido, a ação política que vise ao desenvolvi-mento espiritual das pessoas é, em si, uma atitude religi-osa. Atitude política e atitude religiosa se confundem naprática da Religião Pessoal, pois nesta não há espaço paraa ação egocêntrica.

A educação política de uma pessoa se inicia muitocedo. Pais e educadores, e o próprio meio social no qual apessoa é criada, contribuem para a formação política deforma sutil e interna. Já dizia Aristóteles que “o homem éum animal político”. Portanto, a política é parte integran-te da personalidade da pessoa. Todos agem consoante uma

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ideologia. O mesmo se dá em matéria religiosa. Todossão influenciados pela religião e influenciam, recorrendoa valores nela adquiridos, quer se identifiquem ou nãocomo adeptos de alguma delas.

As primeiras experiências da criança que a leva-ram à percepção de uma sociedade dividida em classes(ricos e pobres, pretos e brancos, cultos e não cultos, na-cionais e estrangeiros etc.) e que a fizeram se perceberintegrante de alguma, tornam-se marcantes para uma es-colha política futura. O mesmo ocorre no que se refere àreligião da classe dominante. Os valores pertencentesàquela classe serão importantes para a definição dos pró-prios valores, contra ou a favor daqueles. A atitude políti-ca do futuro adulto certamente sofrerá a influência da pro-jeção escolhida na infância. Da mesma forma, as primei-ras experiências ligadas ao sagrado e ao religioso provo-cam projeções e atitudes pertinentes. Pais que ensinamreligião aos seus filhos quando crianças, irão, de maneiraquase determinante, direcionar a atitude religiosa no fu-turo. A doutrinação dos filhos deve ser gradativamentesubstituída pela educação de princípios gerais pertencen-tes à essência de todas as religiões. Isso facilitará a futuraconstituição da Religião Pessoal.

Por outro lado, política e poder sempre estiverampróximos da religião. Governantes se aproximaram dareligião com o intuito de dominar; líderes religiosos as-sumiram o poder utilizando-se de seus carismas. Reli-gião e Política nunca se separaram, pois têm processoscomuns e, às vezes, o mesmo objetivo – a condução dasmassas.

Diferentemente da religião formal, a Religião Pes-soal não se relaciona ao poder, pois sua ação política temobjetivos específicos, métodos e ações muito claras. Sua

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participação política, mesmo quando em mandato, temum caráter estritamente espiritual.

A religião formal quando toma o lugar de um go-verno laico, normatizando, interferindo em todas as di-mensões da vida cotidiana, torna-se apenas um poder ci-vil. Quando o Estado exclui a religião da participação nadisseminação de valores, torna-se frio e estagnante. Aunião dos dois, favorecendo a constituição da ReligiãoPessoal, possibilitará a aquisição da felicidade das pessoas.

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Oração da Religião Pessoal

Criador da Vida.Auxilia-me a encontrar em mim mesmo sua essên-

cia, que me identifica como criatura singular.Percebendo quanta dor e miséria enfrenta a criatu-

ra humana, ajuda-me a contribuir para a erradicação doque a atormenta.

Diante de tanta violência e desagregação que asso-lam nossa sociedade, possibilita-me ser um elemento deunião e fraternidade entre os seres humanos.

Quando vejo o sofrimento e o desespero quegrassam no seio de inúmeras comunidades, deixa-me serum que socorre e asserena as almas aflitas.

Ante aqueles que agridem e usurpam os direitos dosoutros, faz-me capaz de restabelecer a justiça e o equilíbriocom amorosidade nas mentes dos que assim procedem.

Vendo a discriminação e o fanatismo que se insta-lam nos agrupamentos humanos, concede-me a condiçãode ser humilde, testemunhando o valor da simplicidade.

Assistindo à prevalência de pessoas más e inconse-qüentes sobre ingênuos, permite-me a condição de pes-soa comum que exalta o amor entre as criaturas,intermediando conflitos.

Enfim, orienta-me para enxergar em mim mesmoaquilo que vejo no outro e que condeno, tornando-meaquilo para o qual fui designado.

Ensina-me, sobretudo, a amar em todos os atos.

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InvocaçãoSenhor da Vida!Para onde estamos indo, nós criaturas humanas?

Aonde eu mesmo chegarei com o que busco?Sei que minhas convicções a teu respeito têm me

melhorado e à própria humanidade, levando as pessoas auma condição melhor. Sei, entretanto, que muito aindaprecisa ser feito. Mesmo considerando a grande diversi-dade religiosa, e percebendo as divergências considerá-veis existentes, sua importância não pode ser desprezada.

Ainda é pouco o que faço? Mas angustia-me a es-pera de que todos melhorem para que eu mesmo mereçaalgo melhor. E aqueles que já alcançaram, em seu saber,em seu coração, a semente do amor, que já se ocupamnaturalmente em auxiliar os demais, devem ficar à esperade todos?

Da-lhes algo mais. Ofereça-lhes, enquanto assimagem, um encontro especial que reservas para aqueles queti conhecem, respeitam e colaboram contigo. Mesmo nãosendo um modelo de bondade e de perfeição, não me cansode perdoar, de auxiliar e de amar meus semelhantes. As-sim faço por mim e pelo próximo, percebendo ainda, den-tro de mim mesmo, o mal que tanto procuro eliminar. Mas,quero ir mais além enquanto assim ajo.

Com essa proposta, não me sinto alguém orgulho-so, acima dos limites admitidos à minha condição de es-pírito imperfeito. Quero apenas uma luz, um conselho,uma orientação maior, para que não me fixe no caminho,enquanto a estrada me pede para continuar.

Não me deixes acreditar que já alcancei a finalida-de da vida ou, ao contrário, que me situo apenas comoservo fiel. Ainda que me veja como seguidor fidedigno

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de teus ensinamentos, destitui-me de qualquer idéia desuperioridade ou de merecimento exclusivo.

Lança-me novos desafios, enquanto ultrapasso osque me competem vencer. Enquanto venço a mim mes-mo e ajudo a meu próximo, deixa-me percebê-lo melhor.Ajuda-me na construção da minha Religião Pessoal paraque eu e tu mesmo nos encontremos onde e comoprevistes.

Sou o que busco ser e quero estar onde é possívelalcançar, pelos teus desígnios.

Diálogo íntimoDeus, ser supremo que me criou,Divina força que me gerou,Olha-me e vê como me sinto. Ciente de tudo que

me tens revelado direta e indiretamente, ciente de tudo oque significa tua criação.

Em minha mente, espelho do teu ser, tudo indicatua presença, tua criação e teu ser. Sou o que quiseste queeu fosse.

Tudo faço visando realizar o que queres que metorne. Vivo consciente de que estou imerso em teu ser.

Que queres de mim? Que devo fazer em face de teuser?

Não me incomodo com as dores, provas e sofri-mentos a mim impostos. Comove-me, e me movimentono auxílio, quando lido com a dor e o sofrimento do ou-tro. Às vezes, pergunto-me até onde vais com isso tudo,principalmente quando percebo que o sofrimento do ou-tro nem eu mesmo suportaria.

Faz-me senti-lo em cada ato que realizo.Acorda-me para a compreensão de minha própria

essência.

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Realiza-te em mim, tornando-me consciente de tuapresença em minha individualidade.

Alimenta em mim a construção de minha auto-de-terminação.

Contribui para uma maior empatia em minhas rela-ções com os outros, reconhecendo-te neles.

Sê comigo um só.

Sentindo Deus em si mesmoPerceber-se, identificar-se e apropriar-se constan-

temente da íntima conexão com aquilo que o constituiu.Persistir em querer aproximar as polaridades Eu x

Deus, percebendo um fluxo contínuo na unidade Eu-Deus.Mesmo exercendo as atividades cotidianas, manter

a consciência do eu, permanecer naquela íntima conexão.Ouvir a Grande Voz que ressoa nos íntimos pensa-

mentos. A individualidade que se é vibra constantemen-te, representando-se no ego.

Em tudo que se fizer e em qualquer coisa que sepensar, Deus se faz acontecer.

LembretesEnfrentar os desafios da vida com determinação,

coragem e discernimento; mesmo assim, saber os mo-mentos em que se deve recuar ou abandonar algum obje-tivo. A vida ensina as mesmas coisas em diferentes expe-riências. Uma outra direção, bem como uma outra estra-tégia, pode ser a medida adequada a ser tomada.

Já que nem sempre se poderá evitá-la, descobrir asverdadeiras razões da raiva quando ela ocorrer. Procurarnão represá-la definitivamente, buscando direcioná-la aalguma atividade produtiva e coerente com a própria per-sonalidade. Fazer da raiva uma aliada, visando a capaci-dade de realização e o crescimento pessoal.

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Procurar compreender as razões últimas dos pró-prios segredos, pois eles revelam certas fragilidades in-conscientes na personalidade. Sempre que possível, com-partilhar os segredos pessoais com alguém. Evitar comen-tar os segredos alheios que se venha conhecer.

A paciência está diretamente relacionada à sabedo-ria. A hora de intervir e agir em determinados momentosdeve estar a serviço de propósitos maiores que contribu-am para a própria evolução e a do outro.

A senha da vida é o amor, que resulta no surgimentodo amor no outro. No íntimo de cada ser existe uma eter-na e inesgotável fonte de amor e de força propulsora paratodas as realizações da vida. Pôr conscientemente essafonte em movimento constante.

A Religião Pessoal é o passaporte para a transcen-dência a qualquer dimensão, sobretudo para aquela emque o ser humano põe o seu futuro.

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Glossário 26

Ânima. O aspecto feminino interior do homem.Representa o somatório das experiências do homem commulheres (mãe, irmã, amiga, esposa, amante etc.). É aimagem feminina “perseguida” pelo homem. Sua proje-ção inicial estabelece-se primeiramente na mãe e, depois,sobre outras mulheres. É uma espécie de imago maternaque acompanha e influencia o homem por toda sua vida.O homem tende a, inconscientemente, comparar todamulher, que se apresente a ele, com sua ânima. Jung con-siderava importante o confronto com a ânima/ânimus parao desenvolvimento do ser humano.

Ânimus. O aspecto masculino interior de toda mu-lher. Representa o somatório das experiências da mulhercom homens (pai, irmão, esposo, amigo, amante etc.). Éa imagem masculina “perseguida” pela mulher. Jung di-zia que “Como a anima corresponde ao Eros materno, oanimus corresponde ao Logos paterno.”27 “O animus éuma espécie de sedimento de todas as experiências an-cestrais da mulher em relação ao homem, e mais ainda, éum ser criativo e engendrador, não na forma da criação

26 Adaptado do livro Mito Pessoal e Destino Humano, do autor.27 Jung, C. G. Obras Completas. Petrópolis-RJ: Vozes, 1982. v. IX/2, par. 29, p. 12.

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masculina.”28 Da mesma forma que com a ânima, é dese-jável a integração parcial do ânimus a fim de auxiliar oindivíduo a lidar com a complexidade das relaçõesinterpessoais, assim como consigo mesmo.

Arquétipo. Estruturas virtuais, primordiais dapsiquê, responsáveis por padrões e tendências de com-portamentos comuns. São anteriores à vida consciente.Não são passíveis de materialização, mas de representa-ção simbólica. Para Jung, são hereditários e representamo aspecto psíquico do cérebro. São universais, comuns atodos os seres humanos e ordenam imagens reconhecí-veis pelos efeitos que produzem. Pode-se percebê-lospelos complexos que todos têm, pelas imagens arquetípi-cas que geram, assim como pelas tendências culturaiscoletivas.

Complexo. Conteúdos psíquicos carregados deafetividade, agrupados pelo tom emocional comum. São“temas emocionais reprimidos capazes de provocar dis-túrbios psicológicos permanentes”, e que “reagem maisrapidamente aos estímulos externos”. “São manifestaçõesvitais da psiquê, feixes de forças contendo potencialidadesevolutivas que, todavia, ainda não alcançaram o limiar daconsciência e, irrealizadas, exercem pressão para vir àtona.”29 São unidades vivas dentro da psiquê inconscien-te e que gozam de relativa autonomia. Eles se formam noinconsciente, de forma involuntária e a partir das váriasexperiências da vida. Por vezes se é dirigido pelos com-plexos. Eles não são elementos patológicos, salvo quan-

28 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1981. v. VII, par. 336,p. 198.

29 Silveira, Nise. Jung Vida e Obra. 14ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1994. p. 37

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do atraem para si excessiva quantidade de energia psí-quica, manifestando-se como conflito perturbador da per-sonalidade. Os complexos têm a facilidade de alterar oestado de espírito, sem que se aperceba de sua presençaconstelada na consciência. À semelhança de um campomagnético, não são passíveis de ser observados direta-mente, mas por meio da aglutinação de conteúdos quelhes constituem. No âmago de um complexo, sempre seencontra um núcleo arquetípico. Os complexos são ele-mentos presentes nas obsessões espirituais.

Ego. O sujeito da ação consciente. Num certo sen-tido, é o primeiro complexo a se formar na consciência,sendo seu centro. Estrutura-se a partir do inconsciente eé, muitas vezes, confundido com o centro organizador ediretor do aparelho psíquico, o Self. Conhecer a si mes-mo não é conhecer o eu ou ego, que só conhece seus pró-prios conteúdos, mas, também, conhecer aquele centroorganizador. O processo de desenvolvimento da persona-lidade, a individuação, consiste em diferenciar o ego desuas estruturas arquetípicas auxiliares. O ego, o Self (cen-tro organizador da psiquê) e o ego onírico (o eu dos so-nhos) são instâncias psíquicas diferentes. O ego se baseiano arquétipo do Si-Mesmo, sendo, de certa forma, seuagente no mundo da consciência.

Energia psíquica. A energia vital que impulsiona oser humano em seu processo de individuação. Atravésdela, existente na psiquê de cada ser humano, vivem-seas experiências necessárias para o desenvolvimento dapersonalidade. É a energia que promove a vida e faz comque ela aconteça. Palavras como desejo, impulso, vonta-de e instinto estão diretamente relacionadas ao conceitode energia psíquica.

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Extroversão. Movimento promovido pela energiapsíquica na direção do objeto externo. O sujeito é mobi-lizado pelo objeto externo, atribuindo-lhe um valor mai-or do que o que ele tem. Na extroversão, o indivíduo estáalienado de si em função do objeto e de toda a subjetivi-dade que o compõe. Na extroversão, o indivíduo se voltapara fora, em direção a seu desejo, subordinando-se àssolicitações oriundas do objeto.

Função transcendente. Função psíquica que per-mite a geração de um símbolo entre conteúdos inconsci-entes e conscientes, pela confrontação de opostos. Essafunção permite que os conteúdos do inconsciente possamvir à consciência na forma de símbolos e fantasias.

Imago Dei. Engrama psíquico representado pelasimagens sagradas de Deus. Tudo que, para o ser humano,representa Deus, é gerado pela Imago Dei presente emseu psiquismo. Todos os adjetivos, figuras, representa-ções simbólicas, sentimentos e concepções lógicas ousubjetivas a respeito de Deus são originários da marcaimpressa no psiquismo humano, denominada Imago Dei.

Individuação. Um dos conceitos centrais da Psico-logia Analítica de Jung. É o processo de desenvolvimen-to da personalidade pela diferenciação psicológica do eu.É um processo no qual o ego visa tornar-se diferenciadoda coletividade, embora nela vivendo, ampliando suasrelações. Para se alcançar a individuação é necessárioevitar as tendências coletivas inconscientes. A individua-ção respeita as normas coletivas e o individualismo ascombate. O contrário à individuação é ceder às tendênci-as egocêntricas e narcisistas ou à identificação com pa-

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péis coletivos. A individuação leva à realização do Self, enão simplesmente à satisfação do ego. É um processo di-nâmico que passa pela compreensão da finitude da exis-tência material, objetiva, face à inevitabilidade da mortefísica.

Introversão. Movimento da energia psíquica nadireção de conteúdos internos da psiquê. É uma espéciede regressão da libido no psiquismo humano. Naintroversão, a pessoa dá mais valor ao seu próprio mundosubjetivo, dando pouca atenção à realidade, isto é, o ob-jeto tem pouco valor em relação ao sujeito.

Persona. Complexo funcional que permite ao egoapresentar-se e adaptar-se a situações externas ligadas àconvivência. O termo persona deriva das máscaras que osatores gregos usavam para os diversos papéis ou persona-lidades que interpretavam. É o aspecto ideal do eu que seapresenta ao mundo e que se forma pela necessidade deadaptação e convivência pessoal. É o que se pensa que é.Muitas vezes a persona é influenciada pela psiquê coleti-va, confundindo as ações como se fossem individuais. Elarepresenta um pacto entre o indivíduo e a sociedade, sendoum conjunto de personalidades ou uma multiplicidade depessoas numa só. A identificação do ego com a personaprovoca o afastamento da identidade pessoal, isto é, corre-se o risco de não se saber quem realmente se é. Todos são,ao mesmo tempo, seres individuais e coletivos, pois, alémde terem uma natureza singular também têm atitudes queos confundem com a coletividade.

Personalidade. Atitude externa de uma pessoa, emdeterminado ambiente, que envolve seu caráter, seus prin-

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cípios, valores, sentimentos e demais aspectos acessórios,característicos da individualidade. Na personalidade deum indivíduo, estão incluídos seus processos conscientese inconscientes, bem como tudo que envolve sua vida derelações. A personalidade de uma pessoa inclui sua indi-vidualidade, isto é, o Espírito que ela é. A personalidadenão é a individualidade. Enquanto esta evolui, desenvol-vendo-se ao encontro do Si-Mesmo, aquela é mutável acada nova existência.

Psiquê. O mesmo que aparelho psíquico. Repre-senta a totalidade das funções psíquicas e todos os pro-cessos que envolvem o deslocamento de energia a servi-ço do processo de individuação. Engloba não só os pro-cessos conscientes e inconscientes como também aque-les que fogem ao domínio imediato da realidade. Nele seencontram os opostos que anseiam em se completar. Jungdizia que a psiquê é o princípio e o fim de todo conheci-mento, é o objeto e o sujeito da ciência. São quatro osníveis da psiquê: consciência pessoal, inconsciente pes-soal, consciência coletiva e Inconsciente Coletivo.

Self. Arquétipo da totalidade, isto é, tendência exis-tente no inconsciente de todo ser humano à busca domáximo de si mesmo e de encontro com Deus. É o centroorganizador da psiquê. É o centro do aparelho psíquico,englobando o consciente e o inconsciente. Como arqué-tipo, se apresenta nos sonhos, mitos e contos de fadascomo uma personalidade superior, como um rei, um sal-vador ou um redentor. É uma dimensão da qual o egoevolui e se constitui. O Self é o arquétipo central da or-dem, da organização. São numerosos os símbolos oníricosdo Self, a maioria deles aparecendo como figura centralno sonho.

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Si-Mesmo.30 A individualidade humana, completa-mente desvestida dos aspectos coletivos inerentes à per-sonalidade. É o Espírito, enquanto essência, princípio in-teligente individualizado. O Si-Mesmo se realiza atravésdo ego, isto é, na consciência, atualizando o arquétipo doSelf. O Si-Mesmo é a essência do ser humano, princípiodivino que se manifesta através da personalidade.

Sincronicidade. Conceito usado por Jung para de-signar dois ou mais eventos que parecem ter uma correla-ção, sem que se encontre um nexo causal entre eles. É umprincípio de conexões acausais. Na ocorrência de fenô-menos sincronísticos, o tempo e o espaço são reduzidos avetores secundários, não quantificáveis. Tais eventos sãochamados de fenômenos da coincidência significativa.Jung dizia que os fenômenos da sincronicidade “mos-tram que o não-psíquico pode se comportar como o psí-quico, e vice-versa, sem a presença de um nexo causalentre eles”.31 Os eventos ligados aos fenômenos da per-cepção extra-sensorial são considerados por Jung comosendo da sincronicidade.

Sombra. Representa o que não se sabe ou se nega arespeito de si mesmo. A sombra é o arquétipo que repre-senta os aspectos obscuros da personalidade e desconhe-cidos da consciência e que estão mais acessíveis ao ego.Normalmente tem-se resistência em reconhecer e inte-grar a própria sombra, o que leva o indivíduo, inconsci-entemente, às projeções. Essa integração é geralmentefeita com relativo esforço moral. A sombra representa o

30 Para Jung, Self é o si-mesmo (selbst).31 Jung, C. G. Obras Completas. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1991. v. VIII, par.

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que se considera mal, e o que o ser humano não se dáconta de que lhe pertence, fazendo parte dele tanto quan-to o bem. A sombra contém o bem e o mal desconhecidosou negados no ser humano, ou que não foram conscienti-zados. Portanto, é acertado dizer-se que a sombra contémtambém qualidades boas. Ela dá lugar à persona por umanecessidade de adaptação social. Sua exposição torna oindivíduo inadequado e inviabiliza sua convivência har-mônica. Nos sonhos, a sombra costuma aparecer comopersonagens do mesmo sexo do sonhador, muitas vezesem atitudes aversivas ou como alguém conhecido eantipatizado por ele. Tem-se uma tendência a projetar ascaracterísticas pessoais da sombra nos outros, conside-rando-os moralmente inferiores. Reconhecer a própriasombra é um grande passo no processo de individuação.A sombra se opõe ao ego e ambos se relacionam numregime mútuo de compensação.

Supra-arquetípico. Tendências divinas a que todoser humano está sujeito, além daquelas internas,direcionadas pelos arquétipos. É aquilo que obedece aleis universais, por enquanto, sem qualquer possibilidadede manipulação pelo humano. O supra-arquetípico é aqui-lo que limita o ser humano, impossibilitando-o de fazerou ser diferente. O supra-arquetípico é o Divino que atudo permeia.

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