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REMUNERAÇÃO VARIÁVEL VINCULADA AO DESEMPENHO DO CONTRATADO E BUSCA DE EFICIÊNCIA NA GESTÃO DAS INFRAESTRUTURAS DE TRANSPORTE Adolfo Luiz Souza de Sá Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco Enilson Medeiros Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte Anísio Brasileiro Universidade Federal de Pernambuco RESUMO Este artigo objetiva avaliar e sistematizar o arcabouço jurídico brasileiro no que concerne a definições e regramentos estabelecidos que possibilitem a adoção da remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, em especial quanto às novidades advindas com a institucionalização e regulamentação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC. Examina-se o aparato legal vigente do ponto de vista de sua aplicação à contratação de obras e serviços de infraestruturas, especialmente as de transportes. Conclui-se que, enquanto a literatura econômica reconhece que a remuneração variável gera incentivos para que o contratado se esforce e, destarte, aumente sua receita e amplie os benefícios almejados pelo contrato, o incentivo contratual é muito bem-vindo a serviços não padronizados e a obras sujeitas a inovações técnicas, favorecendo a introdução de ganhos de eficiência e efetividade, a serem compartilhados entre as partes contratuais. ABSTRACT This paper provides an assessment and a systematization of current Brazilian legal framework from the viewpoint of variable remuneration linked to the technical performance of private contracted parts in concessions arrangements with the public sector. Especially, the paper approaches infrastructure sectors, mainly transport related projects, in which bidding and contracting legislation under the innovative rules of the Differentiated Regime for Public Procurement and Contracting are supposed to a better positioning in order of efficiency goals achievement. Legal texts are scrutinized and real-world solutions are revised in order to understand and evaluate real-world adoption of this new technology of procuring and contracting. The paper conclusions points out that Public Administration may even perform better with the adoption of the differentiated regime in some cases; this shall be an interesting and relevant decision as to achieve better performance results in the concessionaire’s operations; these gains must be shared among stakeholders. 1. INTRODUÇÃO Em 1998, dez anos após sua promulgação, a vigente Constituição da República Federativa do Brasil foi alterada (Emenda Constitucional N° 19) para introduzir, no caput do seu art.37, o princípio da eficiência entre aqueles que regem a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, somando- se aos demais princípios, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Aparentemente desnecessário, tal formalismo seguramente reflete uma maior ênfase no conceito de eficiência da gestão pública, decorrente da reforma do Estado brasileiro nos anos 1990, momento de um processo de transformações cíclicas nas relações Estado-sociedade que se orienta em função de prevalências culturais e ideológicas (Santos, 2000). Com efeito, na última passagem de século, a atuação do Estado na economia e na sociedade passou a ser vista e analisada também da ótica da eficiência: no caso brasileiro, o documento fundamental da reforma do Estado não economiza palavras para afirmar tal intenção ao asseverar que a reforma do aparelho do Estado “passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações” (BRASIL, 1995).

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REMUNERAÇÃO VARIÁVEL VINCULADA AO DESEMPENHO DO CONTRATADO E BUSCA DE EFICIÊNCIA

NA GESTÃO DAS INFRAESTRUTURAS DE TRANSPORTE

Adolfo Luiz Souza de Sá Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco

Enilson Medeiros Santos Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Anísio Brasileiro Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO Este artigo objetiva avaliar e sistematizar o arcabouço jurídico brasileiro no que concerne a definições e regramentos estabelecidos que possibilitem a adoção da remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, em especial quanto às novidades advindas com a institucionalização e regulamentação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC. Examina-se o aparato legal vigente do ponto de vista de sua aplicação à contratação de obras e serviços de infraestruturas, especialmente as de transportes. Conclui-se que, enquanto a literatura econômica reconhece que a remuneração variável gera incentivos para que o contratado se esforce e, destarte, aumente sua receita e amplie os benefícios almejados pelo contrato, o incentivo contratual é muito bem-vindo a serviços não padronizados e a obras sujeitas a inovações técnicas, favorecendo a introdução de ganhos de eficiência e efetividade, a serem compartilhados entre as partes contratuais. ABSTRACT This paper provides an assessment and a systematization of current Brazilian legal framework from the viewpoint of variable remuneration linked to the technical performance of private contracted parts in concessions arrangements with the public sector. Especially, the paper approaches infrastructure sectors, mainly transport related projects, in which bidding and contracting legislation under the innovative rules of the Differentiated Regime for Public Procurement and Contracting are supposed to a better positioning in order of efficiency goals achievement. Legal texts are scrutinized and real-world solutions are revised in order to understand and evaluate real-world adoption of this new technology of procuring and contracting. The paper conclusions points out that Public Administration may even perform better with the adoption of the differentiated regime in some cases; this shall be an interesting and relevant decision as to achieve better performance results in the concessionaire’s operations; these gains must be shared among stakeholders. 1. INTRODUÇÃO Em 1998, dez anos após sua promulgação, a vigente Constituição da República Federativa do Brasil foi alterada (Emenda Constitucional N° 19) para introduzir, no caput do seu art.37, o princípio da eficiência entre aqueles que regem a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, somando-se aos demais princípios, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Aparentemente desnecessário, tal formalismo seguramente reflete uma maior ênfase no conceito de eficiência da gestão pública, decorrente da reforma do Estado brasileiro nos anos 1990, momento de um processo de transformações cíclicas nas relações Estado-sociedade que se orienta em função de prevalências culturais e ideológicas (Santos, 2000). Com efeito, na última passagem de século, a atuação do Estado na economia e na sociedade passou a ser vista e analisada também da ótica da eficiência: no caso brasileiro, o documento fundamental da reforma do Estado não economiza palavras para afirmar tal intenção ao asseverar que a reforma do aparelho do Estado “passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações” (BRASIL, 1995).

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No campo das licitações e contratos entre Estado e partes privadas, a busca da eficiência não pode ser relegada a segundo plano. A Constituição Federal, no inciso XXI do art.37, estabeleceu que as contratações dar-se-ão mediante processo de licitação pública, nos termos da lei. Em decorrência, foi promulgada, em 21-06-1993, a Lei 8.666, a qual firma normas gerais sobre licitações e contratos administrativos: esta lei é o marco regulatório para licitar, contratar e executar contratos. Não obstante, muitas têm sido as críticas quanto ao seu excesso de formalismo e a sua carência em mecanismos que visem à eficiência nas licitações e contratos. Em agravo, há outras leis que trazem várias outras regras, e distintas, quanto a licitações e contratos; por exemplo: a Lei 10.520/2002 (que trata da modalidade pregão); as Leis 8.987/95, 9.074/1995 e 11.079/2004 (que tratam das concessões comuns, patrocinadas e administrativas); e, a Lei 12.462/2011, que introduz no arcabouço legal brasileiro o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), com várias novidades, e que, mesmo que seja em caráter opcional, tem servido, como bem coloca Justen Filho (2013), para um período de “experimentação legislativa”. O objetivo deste artigo foi trazer do arcabouço legal brasileiro as definições e as regras que possibilitam o estabelecimento de remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, tratando-se, pois, de divulgar e defender tal vinculação, à busca de eficiência na gestão das infraestruturas. Para tanto, o conteúdo está dividido em sete itens, inclusive esta breve introdução. A “teoria dos incentivos” é citada, no item 2, como base teórica para os “contratos de eficiência” e os contratos de “remuneração variável”, instrumentos que não se confundem. Apesar de o texto da Lei 8.666/93 não fazer referência explícita a estes instrumentos, o item 3 do presente artigo reflete sobre o tema e aponta posições favoráveis à sua utilização no âmbito de aplicações da citada lei. No item 4, aborda-se o conteúdo da Lei 8.987/1995, que trata das concessões comuns e o da Lei 11.079/2004, referentes às concessões patrocinadas e administrativas. Os dispositivos estabelecidos na Lei 12.462/2011, ao instituir o RDC, são abordados no item 5. Exemplos de sua aplicação no RDC também foram pesquisados, o que se expõe no item 6. Por fim, item 7, aduzem-se considerações conclusivas. Cumpre ressaltar, como fecho a esta introdução, que o conceito de infraestrutura utilizado no artigo é associado à base física e à sua gestão, sobre que os diversos setores econômicos se desenvolvem e se relacionam entre si (ver Moreira, 2011), abrangendo, entre outros elementos, as telecomunicações, a energia, o saneamento e, particularmente, as infraestruturas de transporte (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias, terminais, sistemas etc.). 2. CONTRATOS DE EFICIÊNCIA, DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL E A TEORIA DOS INCENTIVOS A Lei do RDC trouxe, também, o conceito de “contratos de eficiência” e o seu “julgamento pelo maior retorno econômico” (conforme art.23), assunto não tratado neste artigo, procedimento contratual que, apesar de vincular remuneração a desempenho, não se confunde com contrato de “remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada” (art.10), mas se assemelha, conforme registra Nester (2012).

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Schwind (2012) acentua que há diferenças marcantes entre os dois contratos citados neste item, conforme a seguir resumido: � nas contratações de “remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada” são

previstas metas que representam vantagens adicionais – em caso de as metas não serem atingidas, não há configuração de inadimplemento contratual;

� nos “contratos de eficiência”, o contratado assume o dever de proporcionar uma redução de despesas, com sua remuneração sendo correspondente a um percentual da redução proporcionada – se o contratado não cumprir com esse dever, terá redução de sua remuneração, podendo haver aplicação de multa.

Quanto ao objeto, conforme o texto legal (art.23), o “contrato de eficiência” aplica-se a serviços, mesmo que seja possível a inclusão de obras e o fornecimento de bens na contratação de tais serviços: o objetivo é que o “contrato de eficiência” não seja empregado para contratações cujo objeto seja somente a realização de obras, devendo, destarte, estar associado à prestação de um serviço. Por outro lado, os contratos de “remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada” se aplicam a “obras e serviços, inclusive de engenharia” (caput do art.10). Encontra-se, por trás da adoção de tais contratos, a “teoria dos incentivos”, ao fomentar o interesse para que o contratado se esforce com o propósito de obter o resultado que atenda às necessidades do contratante, a considerar que o executante também será beneficiado com compensação financeira. A presença de incentivos econômicos, bem empregados, favorece a busca de soluções cooperativas, em prol da boa consecução do objeto contratado (Laffont e Tirole, 1993). Em verdade, conceitos advindos da “teoria neoinstitucional” (Williamson, 1985, com respaldo em Coase, 1937) formam a base para o processo de alteração das relações entre Administração Pública e iniciativa privada, em busca de eficiência e efetividade. Evidentemente, uma incursão teórica de maior profundidade neste tema requereria – o que não é o caso deste artigo – abordar um bom número de conceitos, tais como: custos de transação, assimetria de informações, risco moral (moral hazard), seleção adversa, contratos incompletos, modelo agente-principal (Nóbrega, 2011). 3. ANTECEDENTES DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL À LUZ DA LEI 8.666/93 A Lei 8.666/93, com 126 artigos, que estabelece normas gerais para licitações e contratos, apesar das várias alterações nestes vinte anos de sua vigência, não traz qualquer dispositivo que faça previsão expressa para a adoção de remuneração variável. A considerar que a Lei do RDC positivou a possibilidade de o contratado se sujeitar a variações em sua remuneração, a remuneração variável vinculada ao desempenho não representa uma novidade absoluta (Aurélio, 2011), conforme exposto neste e no item seguinte deste artigo. Segundo Ribeiro et al. (2012), há duas correntes na doutrina jurídica brasileira: a mais “ortodoxa”, que defende a necessidade de afirmação legal para pleno cumprimento ao princípio da legalidade (a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza); e a mais “progressista”, que não vê impedimento, desde que haja compatibilidade com a “lógica do sistema”, visando ao cumprimento de objetivos prestigiados pela ordem constitucional. Aragão (2007), defendendo a “plasticidade contratual” na modelagem em busca de eficiência, coloca que o dinamismo e a alteração das necessidades não podem ser “aprisionáveis em compartimentos conceituais estanques e exaustivos”.

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Não se limitando ao princípio da legalidade, Ribeiro et al. (2012) comentam outras posições divergentes: os que se demonstram contra a utilização da remuneração variável em decorrência da falta de correlação entre o custo contratado e o que será efetivamente pago, trazendo imprevisões orçamentária e financeira; outros, favoráveis, defendendo que a medição do que foi realizado não deve se restringir apenas a aspectos quantitativos, aplicando-se, sobremodo, aspectos qualitativos. Assim, são poucos os exemplos de aplicação de remuneração variável sob a regência da Lei 8.666/93, não tendo sido encontrado, na revisão bibliográfica, em relação a contratos de obras e serviços de engenharia. O caso mais empregado, segundo Schwind (2012), é o da contratação de serviços de advocacia, vinculando-se o pagamento de honorários ao êxito da causa, e não por pro labore (o contratado somente será remunerado se o serviço prestado propiciar determinado benefício previamente estabelecido), citando, ainda, dois exemplos, em casos concretos, de reconhecimento jurisprudencial: � o Tribunal de Contas da União-TCU, sob Acórdão 589/2004-Plenário, julgou regular a

contratação de risco de escritório de advocacia remunerado por um percentual sobre os benefícios obtidos para a Administração;

� o Tribunal de Justiça de São Paulo, sob Apelação Cível 990.10.059277-7, 3ª Câmara de Direito Público, reputou válida a forma de remuneração de um contrato de empresa para desenvolver software para arrecadação de determinado tributo municipal ao vincular a remuneração a aumento da arrecadação acima da média mensal previamente estipulada.

Ademais, destaca Schwind (2012), tanto o Banco Interamericano de Desenvolvimento como o Banco Mundial, em suas regras para financiamento aprovadas pelo Congresso Nacional, com respaldo no §5°, art.42 da Lei 8.666/93, adotam “aquisições baseadas no desempenho”, prevendo a possibilidade de pagamento de prêmios por uma melhor qualidade dos produtos. 4. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL NAS CONCESSÕES COMUNS, PATROCINADAS E ADMINISTRATIVAS A Constituição explicita, no caput do art.175, que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou em regime de concessão ou permissão, sempre mediante licitação, a prestação de serviços públicos. A legislação específica citada na Constituição somente veio com a promulgação, em 13-02-1995, da Lei 8.987, que além de dispor sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, admite, em seu art.1°, a concessão de obras públicas, tendo também definido, no inciso III do art.2°, a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública. Foram estabelecidas, com a Lei 9.074/1995, entre outras providências, normas para outorga e prorrogações das concessões. Com a Lei 11.079, de 30-12-2004, instituíram-se normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPP) no âmbito da Administração Pública, trazendo o conceito de concessão patrocinada e de concessão administrativa, distinguindo-os do conceito de concessão comum. Vale explicitar, sucintamente: � concessão patrocinada: contratação de serviços públicos que envolvam, adicionalmente à

tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, sob regência da Lei 11.079/2004, sendo aplicadas subsidiariamente a Lei 8.987/1995 e as leis que lhe são correlatas (Lei 9.074/1995 e Lei 8.666/93);

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� concessão administrativa: contratação de serviços em que a Administração Pública é a usuária direta ou indireta, sob regência da Lei 11.079/2004, sendo aplicado adicionalmente o disposto nos artigos 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei 8.987/1995 e no artigo 31 da Lei 9.074/1995 (além da aplicação subsidiária da Lei 8.666/93);

� concessão comum, que não constitui PPP: contratação de serviços públicos que não envolvam contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, sob regência da Lei 8.987/1995, sendo aplicadas as leis que lhe são correlatas (Lei 9.074/1995 e Lei 8.666/93);

� contratações que não caracterizam concessão comum, patrocinada ou administrativa, que conforme §3° do art.3° da Lei 11.079/2004, são regidas exclusivamente pela Lei 8.666/93.

Após relacionar o arcabouço jurídico aplicável às concessões, faz-se necessário expor o que cada lei trouxe, direta ou indiretamente, quanto à vinculação de remuneração a desempenho. Em relação à Lei 8.987/95, o art.23, que é aplicável a concessões comum, patrocinada e administrativa, exige que os contratos tenham, em outras cláusulas essenciais, as relativas: “ao modo, forma e condições de prestação do serviço” (inciso II) e “aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço” (inciso III). Antes, no art.18, que trata do edital de licitação, é exigido que este contenha “metas e prazo da concessão” (inciso I) e a “descrição das condições necessárias à prestação adequada do serviço” (II). É explícito, ainda, no caput do art.38 (também aplicável ao gênero concessão), que a “inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais”. Em seguida, no §1° combinado com seu inciso I, é ressaltado que se “o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço”, o concedente poderá declarar a caducidade da concessão (caducidade, à luz da Lei 8.987/95, relaciona-se à extinção da concessão por descumprimentos contratuais). Quanto à Lei 9.074/95, no art.25, ao final do capítulo que trata especificamente das concessões dos serviços de energia elétrica, constam dois parágrafos quanto à existência de cláusulas contratuais obrigatórias e relativas: (i) a “requisitos mínimos de desempenho técnico” e a “sua aferição pela fiscalização através de índices apropriados” (§1°); (ii) à “qualidade técnica” do serviço prestado, com vinculação a “penalidades progressivas” e “que guardarão proporcionalidade com o prejuízo efetivo ou potencial causado ao mercado” (§2°). Respaldados pelo que consta na legislação acima reproduzida, Ribeiro e Prado (2007) afirmam, adotando posição de corrente doutrinária progressista, que a vinculação da cobrança de tarifas pelo concessionário ao cumprimento de níveis mínimos de disponibilidade e de qualidade do serviço faz parte da “essência das concessões comuns”, já estando posta, pois, a possibilidade de vincular remuneração a desempenho, não sendo relevante a omissão textual de remuneração variável no texto da Lei 8.987/95. Ribeiro et al. (2012) citam dois exemplos de contratos de concessões de rodovias em cuja modelagem foi utilizado um redutor para o cálculo do reajuste anual ou da revisão tarifária em decorrência de descumprimento a índices de qualidade do serviço prestado.

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Com a Lei 11.079/2004, aplicável a concessões patrocinadas e administrativas, foi exigido, no inciso VII do art.5°, que os contratos tenham cláusulas que prevejam “critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado” e, no art.6°, que é referente à “contraprestação da Administração Pública”, é explícito, em seu §1°, que o “contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato”, sendo este o primeiro dispositivo legal que faz textual referência à remuneração variável vinculada ao desempenho, o que se constitui, sem embargo, um incentivo para o cumprimento de metas contratuais. Quanto aos “critérios objetivos de avaliação do desempenho”, Ribeiro e Prado (2007) alertam para a necessidade de que os indicadores de performance (definindo os níveis de serviço a serem cumpridos) sejam objetivamente verificáveis pelos mecanismos de monitoramento do cumprimento dos indicadores, o que muitas vezes não ocorre. Colocam que é fundamental a vinculação do mecanismo de pagamento aos indicadores, sendo importante que sejam previstas deduções “para o caso de não cumprimento ou cumprimento deficiente dos indicadores de performance”. Apesar do caput do art.6° tratar especificamente da contraprestação pecuniária a ser paga pela Administração, há de se defender que a aplicabilidade do seu §1° se estenda a outras receitas, inclusive à receita tarifária. Ribeiro et al. (2012) asseveram que “o poder público pode (e deve) estruturar a política tarifária, de forma a premiar ou punir financeiramente a atuação do parceiro privado”, não havendo, pois, qualquer “incompatibilidade sistêmica”. Resta, para findar este item, diferenciar que a variação de pagamento de acordo com a performance do contratado se reflete diretamente na receita do concessionário, tendo um objetivo bem distinto da aplicação de multa, não cabendo, pois, a abertura de processos administrativos punitivos. Ou seja, o pagamento ocorrerá de acordo com a qualidade e/ou quantidade do serviço prestado, não havendo punição (Ribeiro e Prado, 2007). 5. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL NO RDC A Lei 12.462, de 04-08-2011, conversão da Medida Provisória 527/2011, instituiu o RDC (em seu Capítulo I, artigos 1° ao 47), tendo sua aplicação em caráter opcional e, de início, restrita e exclusiva às licitações e contratos necessários à realização (conforme art.1°): dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014; de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais distantes até 350 km das cidades sedes dos eventos acima. Entretanto, a ampliação de sua aplicação não demorou, atualmente sendo previsto seu emprego nas “ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC” (inciso IV, art.1°), nas “obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino” (§3°, art.1°), nas “obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS” (inciso V, art.1°) e na “modernização, construção, ampliação ou reforma de aeródromos públicos” (art.63-A, sob recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil), conforme alterações da Lei do RDC trazidas, respectivamente, pelas Leis 12.688, 12.722, 12.745/2012 e 12.833/2013 (decorrentes de conversão das MPs 559, 570, 580/2012 e 600/2013, respectivamente). Ademais, sem ter havido alteração da Lei do RDC (o que é estranho), houve mais duas possibilidades de aplicação do novel regime:

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� em “contratações das obras e serviços no âmbito do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária II”, segundo registrado no §4° do art.54 da Lei 12.815/2013 (conversão da MP 595/2012), lei que dispõe, entre outros, “sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias”;

� em “obras e serviços de engenharia relacionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de armazéns destinados às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários”, quando geridos e fiscalizados pelo Banco do Brasil S.A. ou suas subsidiárias, estes contratados pela Companhia Nacional de Abastecimento, sob autorização constante na Medida Provisória 619, de 06-06-2013 (prorrogada em 01-08-2013 por mais sessenta dias).

Se por um lado se especula que o conteúdo do RDC venha a servir de base para o novo marco regulatório das licitações/contratações, a substituir a Lei 8.666/93 (Zymler e Dios, 2012; Ribeiro et al. (2012); Justen Filho, 2013), face à “insatisfação” com esta (Justen Filho, 2013), por outro, há críticas contundentes em razão de a exceção, aos poucos, estar se tornando a regra (Mukai, 2013; Rêgo, 2013). Cabe ressaltar que a opção pelo RDC, cf. §2°, art.1°, deverá constar de forma expressa no instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei 8.666/1993, exceto nos casos expressamente previstos na própria Lei 12.462/2011. Na prática, ao se adotar o RDC, afasta-se a quase totalidade dos dispositivos contidos na Lei 8.666/93 em referência ao procedimento licitatório (Mukai, 2013). E é justamente por isso que se deve estudar a Lei do RDC em profundidade, identificando-se o que pode ser aproveitado para a melhoria dos procedimentos licitatórios e dos contratos decorrentes, na busca de melhores resultados para a Administração Pública (e para o erário). A Lei do RDC, além de ratificar, explicitando entre seus princípios, a eficiência (art.3°), traz, textualmente, entre seus “objetivos” “ampliar a eficiência nas contratações públicas” (inciso I, §1°, art.1°), o que significa a busca da proposta que represente a melhor relação custo-benefício para o setor público (Aurélio, 2011). Quanto à remuneração variável, somente dois artigos da lei em tela se referem a tal procedimento: � ao tratar dos Aspectos Gerais, Seção I, o inciso IV do art.4° traz, como uma das diretrizes,

condições “compatíveis com as do setor privado, inclusive mediante pagamento de remuneração variável conforme desempenho, na forma do art.10 desta Lei”;

� e o art.10, inserido na Subseção I, referente ao objeto da licitação, Seção II, que trata das regras aplicáveis às licitações no âmbito do RDC.

Consta no caput do citado art.10: “Na contratação das obras e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato”.

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Ou seja, a adoção de remuneração variável possui caráter opcional (“poderá ser”), aplicando-se à contratação de obras, serviços de engenharia e a outros serviços, tendo sido excluída, pelo texto legal, a sua aplicação a outros objetos. No entanto, Aurélio (2011) entende seu emprego para a aquisição de bens em contratos que não forem de “trato instantâneo”, no que concorda Schwind (2012). Justen Filho (2013) acrescenta que a lei não vedou sua aplicação a outros contratos, desde que a contratação envolva a produção ou o fornecimento do bem em condições diferenciadas, visando-se a um benefício adicional. Ribeiro et al. (2012), reconhecendo que o texto legal exclui a aplicação ao “fornecimento puro de bens”, sustentam que não é lógico não aplicar as inovações a contratos de conteúdo misto. Segundo esses, a lei do RDC reserva a remuneração variável a “obrigações de fazer” e não a “obrigações de dar”. Com efeito, o limite legalmente imposto pela Lei do RDC, em seu parágrafo único do art.10, refere-se a que “a utilização da remuneração variável será motivada e respeitará o limite orçamentário fixado pela administração pública para a contratação”. O que foi acima reproduzido (inciso IV do art.4° e art.10) é todo o conteúdo da Lei do RDC em referência ao assunto em tela; em sendo tão sucinta a abordagem explícita no texto da Lei, coloca-se um desafio para os gestores na sua aplicação, não se podendo deixar de considerar a experiência acumulada na modelagem das licitações das concessões (regidas pelas Leis 8.987/95, 9.074/95 e 11.079/2004). Com a publicação do Decreto 7.581, de 11-10-2011 (que possui 114 artigos, distribuídos em sete títulos, alterado pelo Decreto 8.080, de 20-08-2013), foi regulamentada a Lei do RDC no âmbito da Administração Pública Federal, pouco se trazendo em detalhamento quanto à remuneração variável, assunto tratado somente nos artigos 8° e 70 do referido regulamento. Assim, cumpre explicitar o que consta no decreto citado e não resta explícito no texto legal (apesar de ser uma decorrência lógica): i) no art.8°, em seu inciso XIV, obriga-se que o instrumento convocatório discrimine “os critérios objetivos de avaliação do desempenho do contratado, bem como os requisitos da remuneração variável, quando for o caso”; ii) no art.70: � o caput faz a ressalva que, nas licitações, deverá ser “observado o conteúdo do projeto

básico, do projeto executivo ou do termo de referência”; � o §1° exige que a motivação para a utilização da remuneração variável deverá abordar os

“parâmetros escolhidos para aferir o desempenho do contratado” (inciso I), o “valor a ser pago” (II) e o “benefício a ser gerado para a administração pública” (III);

� o §2° ressalta que “Eventuais ganhos provenientes de ações da administração pública não serão considerados no cômputo do desempenho do contratado”;

� o §3° explicita que o “valor da remuneração variável deverá ser proporcional ao benefício a ser gerado para a administração pública”;

� e, por fim, o §4°, referindo-se aos “casos de contratação integrada”, disciplina que “deverá ser observado o conteúdo do anteprojeto de engenharia na definição dos parâmetros para aferir o desempenho do contratado”.

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Caberá, a cada ente federativo brasileiro, regulamentar a Lei 12.462/2011, o que poderá acarretar algum detalhamento, a considerar o lacônico texto legal em relação ao assunto em vista. Não tendo sido possível fazer pesquisa abrangente no âmbito dos demais entes federativos, traz-se, para exemplificar, que, em referência ao Poder Executivo do Estado de Pernambuco, o regulamento veio com o Decreto Estadual 39.471, de 05-06-2013 (que possui 110 artigos, distribuídos em sete títulos, já alterado pelo Decreto 39.687, de 08-08-2013). Identificou-se que, quanto ao assunto em tela, houve reprodução do que consta no texto do decreto de âmbito federal, acima comentado, não tendo sido posto detalhamento adicional. Reproduzidos os textos normativos, passa-se a registrar o que se pôde extrair da incipiente doutrina, em especial quanto à abordagem percuciente de Justen Filho (2013), que afirma ser a remuneração variável, trazida pelo RDC, “uma solução interessante e útil”, fazendo, contudo, relevantes ressalvas, o que se resume a seguir:

a) o foco é o estabelecimento de níveis de serviço, sendo, assim, a remuneração variável parte de um contrato com “obrigações de resultados”, não sendo relevantes os meios utilizados, estes adequados para contratos com “obrigações de meio” (Ribeiro, 2011, utiliza os termos “obrigações de performance” ou outputs versus “obrigações de investimentos” ou inputs, interessante discussão que aqui não se abordou); b) é solução adequada quando a natureza do objeto e as circunstâncias comportam níveis variados de satisfação das necessidades pela Administração Pública. No entanto, na graduação, não pode haver nível de serviço que não satisfaça as necessidades. Deve, sim, haver remuneração adicional que premie a excelência, sendo uma “contrapartida por uma atuação superior ao exigível”, estabelecendo-se, assim, um benefício para quando houver superação da qualidade mínima, aferida com base em parâmetros mínimos aceitáveis de desempenho. A remuneração adicional, na condição de prêmio por excelência, somente é cabível quando o benefício, materializado em melhor nível de serviço, for útil, mas não em caráter essencial (a considerar que há um nível mínimo de qualidade que satisfaz); c) o benefício adicional deve ser, obrigatoriamente, correspondente à superação do mínimo exigível, desde que a superação seja decorrente de esforço do contratado; d) deve haver proporcionalidade entre o acréscimo de remuneração e o benefício obtido pelo contratante, sendo necessário, pois, mensurar as vantagens em decorrência da superação dos padrões mínimos exigidos; e) o não atingimento dos parâmetros mínimos de níveis de serviço acarreta descumprimento contratual, configurando inadimplemento, afastando-se, assim, o recebimento de uma prestação com qualidade inferior ou que não cumpra ao exigido contratualmente; f) deve-se fazer presente, na motivação para a adoção da remuneração variável, a demonstração da vantagem para a Administração e para a coletividade, respaldados em elementos técnicos e econômicos, considerando-se aí dados objetivos; g) todas as regras para o emprego devem estar disciplinadas exaustivamente no instrumento convocatório, não se admitindo proposta diferenciada pelos licitantes; h) quando for adotado o regime de contratação integrada, devido à ausência de projeto básico quando da licitação, o anteprojeto deve estabelecer regras precisas e determinadas no tocante à qualidade mínima aceitável.

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Quanto ao enunciado no caput do art.10 da Lei do RDC, ao exigir que a base para o estabelecimento da remuneração variável, vinculada ao desempenho da contratada, será o estabelecimento de “metas”, “padrões de qualidade”, “critérios de sustentabilidade ambiental” e “prazo de entrega”, apesar de o texto legal ter sido abrangente, os conceitos advindos podem ser divergentes. Justen Filho (2013) aduz seus comentários para cada um, ressaltando, de início, que nada impede a cumulatividade desses, a depender dos interesses administrativos a serem satisfeitos. Assim, resumidamente: � meta: consiste em determinar um nível de serviço ou de desempenho a ser atingido ao

longo de um período de tempo. Poderá haver metas intermediárias e finais, estas mais complexas. A meta pode ser estabelecida em atos externos à licitação;

� padrão de qualidade: está relacionado, por exemplo, a rendimento, composição, vida útil, definidos, em geral, em normas técnicas os padrões mínimos aceitáveis. Somente ter-se-á remuneração adicional se a elevação da qualidade propiciar benefício diferenciado;

� critério de sustentabilidade ambiental: a considerar que toda atividade humana é apta a gerar efeitos ambientalmente negativos, não se terá remuneração variável pelo simples cumprimento dos requisitos impostos pela legislação e pelos órgãos de controle ambiental, sendo necessária a exigência de providências adicionais, a produzir benefícios extraordinários;

� prazo de entrega: a redução do prazo máximo fixado somente deverá ocasionar remuneração adicional se a antecipação acarretar um benefício material e objetivo.

Não se pode deixar de ressaltar que conceitos trazidos no art.10 possibilitam distintas interpretações, o que pode ocasionar a adoção de indicadores que não atendam às particularidades da execução do objeto contratual. Nesta linha de pensamento, Ribeiro et al. (2012) entendem ser um desafio, caso a caso, a eleição dos indicadores de desempenho, que devem ter correlação lógica com o objeto. Citam, como exemplo de dificuldade, que uma obra bem construída não é apenas aquela que tenha cumprido rigorosamente o projeto, mas a que traga redução de custos de manutenção na sua operação, o que somente será mensurável posteriormente. Outro exemplo, numa distribuição objetiva de riscos, poder-se-ia valer da regra do “tudo ou nada” de pagamento para quando não se atingir a meta contratual (o que, em contrapartida, pode afastar interessados em participar da peleja licitatória ou elevar excessivamente os preços propostos). Quanto ao não atingimento de metas, Schwind (2012) ressalta que, na remuneração vinculada a estas, não há aplicação de sanção, a considerar que as metas não são obrigatórias de atendimento, o que não pode significar o descuido com a qualidade da obra ou dos serviços, a considerar a exigência de condições mínimas e satisfatórias de qualidade. Segundo Aurélio (2011), as metas devem ser alcançáveis em condições normais, mas consideradas de excelência pelo mercado executor. Ribeiro et al. (2012) ressaltam que o art.10, em comento, estabelece que a remuneração variável deve ficar necessariamente vinculada ao desempenho na execução contratual, sob indicadores de desempenho objetivos, não sendo admissível compensação financeira, por exemplo, em função de uma maior pontuação técnica obtida no certame licitatório.

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A se considerar que o pagamento está atrelado ao desempenho, poder-se-ia levar ao entendimento equivocado, na remuneração variável definida no RDC, que não caberia a aplicação de multa ou outras sanções, inclusive a rescisão, o que deve ocorrer se o contratado não executar o contrato conforme as condições mínimas definidas (Ribeiro et al. 2012). Fez-se, pois, necessário pesquisar se havia procedimentos licitatórios já realizados ou em andamento e/ou contratos firmados, com remuneração variável sob RDC, conforme registrado no item 6 seguinte. 6. INSTRUMENTOS CONVOCATÓRIOS DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL NO RDC Foram realizadas, a priori, consultas livres em páginas eletrônicas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), com acessos em 01-07-2013 (www.dnit.gov.br e www.infraero.gov.br), não tendo sido encontrados instrumentos convocatórios (nem minutas de contrato) que tenham utilizado, sob RDC, “remuneração variável”. A escolha inicial foi em decorrência de tais instituições, de forma pioneira, estarem adotando o RDC em suas licitações. Foi, ainda, realizada pesquisa no “Google” (www.google.com.br), sem êxito. Destarte, em 02-07-2013, foram efetuadas 17 consultas no Sistema de Informação ao Cidadão (e-SIC), disponibilizado na página www.acessoainformacao.gov.br (sistema mantido pela Controladoria Geral da União (CGU) em decorrência do disciplinado na Lei 12.527/2011, que tem o propósito de regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas). Foi perguntado, em relação à remuneração variável vinculada ao desempenho, sob regência do RDC, à CGU, se já havia exercido o controle de procedimentos licitatórios e contratos e à Advocacia-Geral da União (AGU), se já havia analisado. Ainda, ao Ministério dos Transportes, à Empresa de Planejamento e Logística S.A., ao Dnit, à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), à Infraero, à Secretaria da Aviação Civil (SAC), à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), à Secretaria de Portos, à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ao Ministério das Cidades, ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério da Integração Nacional, se já tinham realizado procedimentos licitatórios e contratos. Todos responderam negativamente, ressalva tão-somente quanto à inadequação da resposta da AGU, que colocou, a priori, que não tinha realizado (a pergunta foi se tinha analisado) e sob recurso, que não há condições de responder. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A se considerar que a Lei do RDC tinha, de início, abrangência bastante restrita e com duração prevista a se findar em 2014 (para contratações relacionadas à Copa do Mundo) e 2016 (para contratações relacionadas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos), era de se esperar que a aplicação da remuneração variável vinculada ao desempenho fosse comedida, no aguardo de interpretações doutrinárias e de posições advindas dos órgãos que exercem o controle da Administração Pública Brasileira.

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Caso se confirmem as especulações de que o RDC venha a servir de base para uma nova lei de licitações e contratos, revogando-se a Lei 8.666/93 e outras, é de se esperar que os gestores públicos, passada a etapa de “experimentação legislativa” e tendo-se segurança no arcabouço jurídico, passem a utilizar as inovações trazidas, com o objetivo de serem obtidos melhores resultados nas licitações e contratos, em busca de eficiência, representada, sem contradita, por resultados que sejam mensuráveis para a sociedade. Ribeiro et al. (2012), ao tratar dos principais aspectos do RDC relacionados com a implantação de projetos de infraestrutura e empolgados com as novidades que visem a contratos que tenham uma lógica econômica que busquem eficiência, defendem a aplicação do RDC às licitações e contratos de concessão (comum, patrocinada ou administrativa), apesar de haver posições contrárias na incipiente doutrina (Justen Filho, 2013), assunto que aqui não foi possível abordar. Os citados autores destacam, ainda, que o regime de contratação integrada (quem projeta, executa), regime não tratado neste artigo, é muito bem empregável na remuneração variável vinculada ao desempenho, trazida pelo RDC, ao se aproximar muito da lógica econômica “concessional” (quem projeta, executa e a este é dada a atribuição de manter e gerir o serviço e sua infraestrutura). Distinguem-se, sem embargo, duas interpretações doutrinárias para adoção de modelagem contratual em que se empregue a remuneração variável vinculada ao desempenho: � a primeira, sob lógica econômica “concessional” (principalmente em decorrência do que

consta no inciso VII, art.5° e no §1°, art.6° da Lei 11.079/2004), em que a avaliação de desempenho na execução contratual acarreta, em função da nota obtida na avaliação, redução da remuneração do concessionário/contratado (seja da receita tarifária vindo do usuário do serviço, seja da contraprestação pecuniária paga pelo concedente/contratante);

� a segunda, advinda da redação do art.10 da Lei do RDC e do art.70 do Decreto 7.581/2011, em que se paga um adicional ao executante/contratado, a título de prêmio ou bonificação, por cumprimento de metas, padrões de qualidade, parâmetros de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega, superiores a um nível mínimo exigido, mínimo este que já satisfaz plenamente ao contratante.

Na primeira condição, a possibilidade de redução, por desempenho inferior, é um estímulo para que o contratado mantenha o nível de serviço exigido, caso contrário irá receber menos. Na segunda, o prêmio, por excelência, é um estímulo ao contratado para executar o objeto em condições superiores ao nível mínimo exigido, nível este já considerado adequado. Caberá, pois, à pratica, ao julgamento de casos concretos e à doutrina indicarem qual é a melhor modelagem a ser adotada, à busca de melhores resultados para à Administração Pública. Ribeiro et al. (2012) asseveram que a literatura econômica reconhece que a remuneração variável gera incentivos para que o contratado se esforce e, em decorrência, aumente sua receita. O incentivo contratual é muito bem-vindo a serviços não padronizados e a obras sujeitas a inovações técnicas, favorecendo a introdução de ganhos de eficiência, a serem compartilhados entre as partes contratuais.

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