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RENATA BOUTIN ASPECTOS PEDAGÓGICOS DO DESENHO ANIMADO INFANTIL BOB ESPONJA Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2006

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RENATA BOUTIN

ASPECTOS PEDAGÓGICOS DO DESENHO ANIMADO INFANTIL BOB ESPONJA

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2006

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RENATA BOUTIN

ASPECTOS PEDAGÓGICOS DO DESENHO ANIMADO INFANTIL BOB ESPONJA

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Umesp – Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves.

Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2006

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título “Aspectos pedagógicos do desenho animado

infantil Bob Esponja”, elaborada por Renata Boutin, foi defendida e aprovada em 27 de abril

de 2006, perante a banca examinadora composta por Elizabeth Moraes Gonçalves, Liana

Gotlieb e Cicília Peruzzo.

Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a

minha anuência enquanto orientadora, nos termos do Art.34 do Regulamento dos Programas

Pós-Graduação.

Assinatura da orientadora: _____________________________________________________

Nome da orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves

São Bernardo do Campo, 26 de junho de 2006.

Visto do Coordenador do Programa de Pós-Graduação:_______________________________

Área de concentração: Processos Comunicacionais.

Linha de pesquisa: Comunicação Especializada.

Projeto temático: Linguagens e Discursos Especializados na Comunicação.

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Para meu pai, minha mãe, minha irmã e meu

noivo. Amo vocês profundamente.

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Malogramos sempre ao falar do que amamos.

Roland Barthes

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AGRADECIMENTOS

A Deus, sobre todas as coisas;

A minha orientadora Beth: a gratidão e a admiração que sinto não cabem aqui e

ultrapassam os limites acadêmicos;

A Adriana Azevedo que lá na graduação me encantou com suas aulas, despertando em

mim o desejo de ser professora. Orientando meu estágio docente me deu a oportunidade de

sentir o gosto da sala de aula e definitivamente me apaixonar por ela;

Ao Daniello, que já no primeiro semestre de faculdade nos propôs um projeto de

pesquisa sobre programas infantis que resultou na minha primeira apresentação em congresso

e no meu amor pelo tema;

Ao PET (Programa Especial de Treinamento), a nossa primeira tutora, Cicília Peruzzo,

e a turma de “PETianos”: com vocês experimentei momentos únicos de pesquisa e

amadurecimento acadêmico e pessoal;

Aos amigos Ana Lúcia, Carlos, Everton, Franz, Grego, José Augusto, Taís, Lílian,

Lislei e Sara, companheiros de jornada;

A Universidade Metodista de São Paulo, minha casa desde a graduação;

A CAPES pela oportunidade de cursar o mestrado, realizando um sonho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09 1. Metodologia 13 2. Quadro teórico de referência 16

CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES SOBRE O MEIO E A CRIANÇA 31

CAPÍTULO II – O MEIO É A LINGUAGEM 42

1. O meio 42 2. A linguagem audiovisual do Bob Esponja 46 2.1. A imagem em movimento 48

CAPÍTULO III – O DESENHO ANIMADO INFANTIL “BOB ESPONJA” 55

1. A televisão por assinatura 55 2. O canal de transmissão Nickelodeon 57 3. A cena enunciativa de “Bob Esponja” 60 4. O ethos dos personagens fixos 63 4.1. Bob Esponja Calça Quadrada 64 4.2. Patrick Estrela 65 4.3. Lula Molusco 66 4.4. Seu Siri Queijo 67 4.5. Exemplos do ethos dos personagens em diálogos 68

CAPÍTULO IV – LEITURA DOS EPISÓDIOS SELECIONADOS 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS 79 REFERÊNCIAS 81 ANEXOS

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo refletir sobre a importância de se entender o desenho

animado para público infantil para além do entretenimento, como rica fonte de apreensão de

significados. O desenho animado escolhido para análise foi o infantil “Bob Esponja”, que

apresenta elementos típicos da comédia como simplicidade, exagero, inconveniência e

irreverência. O trabalho foi construído pela escolha de quatro episódios, selecionados por

apresentarem enredos que tratavam dos temas família (Beijos da vovó); mentira (Chocolate

com nozes); doença (Espuma) e disputa (Jogos do mestre-cuca) e sua intersecção com a

fundamentação teórica oferecida pela análise do discurso; aspectos da linguagem audiovisual

e considerações sobre as relações existentes entre o público infantil e a TV. Através da leitura

do discurso dos episódios selecionados foi possível a verificação da presença de traços de um

discurso pedagógico fundido no macro discurso do entretenimento.

Palavras-chave: Comunicação – Linguagem – Desenho animado – Discurso.

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ABSTRACT

This study had the objective of thinking about the importance to understand the

cartoons for children public besides entertainment, as a rich space to learn the meanings. The

cartoon chosen to analysis was “Spongebob Squarepants”, that shows typical elements of

comedy as simplicity, exaggeration, inconvenience and irreverence. The work was built by

the chosen of four episodes, because of their themes: family (Grandma kisses); lie (Chocolat

with nuts); illness (Spume); dispute (The games of master cook) and by the dialogue between

these episodes; the basis of the theory offered by the discourse analysis; aspects of media

language and studys about the relations that exists between the children public and the TV

media. Through the analysis of chosen episodes discourse, it was possible to verify the

presence of a pedagogical discourse made in a macro speech of entertainment.

Key words: Comunication – Language – Cartoons - Discourse analysis.

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INTRODUÇÃO

A televisão é um meio muito eficaz de divulgar uma mensagem a um grande número

de pessoas. A dificuldade está em definir que tipo de mensagens e para quem. Na prática, é

qualquer mensagem para qualquer pessoa que esteja em frente ao aparelho de TV.

Considerando-se que grande parte da audiência televisiva é formada por crianças ou jovens –

já que, de acordo com a ONU os menores de dezoito anos constituem 37% da população

mundial (FEILITZEN, 2000, p. 54) – torna-se de extrema importância que a Comunicação,

como campo científico, dê conta de pesquisar as várias abordagens do fenômeno televisivo

relacionado ao público infantil.

Recente pesquisa (CASTRO, 2004b) realizada pelo Instituto Ipsos em dez países

afirma que as crianças e adolescentes brasileiros são provavelmente os que mais vêem

televisão no mundo, e ainda, são os que têm menos hábito de leitura. Os resultados apontam

que no Brasil, cerca de 57% as crianças vêem televisão por no mínimo três horas por dia. A

pesquisa foi realizada em grandes centros urbanos (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Recife e Porto Alegre) e, apesar de não retratar todo o universo da audiência

infantil, são dados preocupantes e que esquentam o debate acerca do papel social que a

televisão pode (e deveria) exercer junto a este público.

Atentos ao fenômeno da relação entre a televisão e as crianças diversos autores, como

Joan Ferrés (1996), Ana Lúcia e Nauro de Rezende (2002), Elza Dias Pacheco (1998), Rosa

M. Bueno Fischer (2003), José Manuel Moran (1991), Maria Aparecida Baccega (2003),

Maria Luiza Belloni (2001), entre outros, concordam com Ulla Carlsson (2002, p.13) quando

ela afirma que “não é exagero dizer que os indivíduos mais vulneráveis neste mundo da mídia

globalizada são nossas crianças. As mudanças que presenciamos – atuais e futuras –

influenciam profundamente suas vidas”. Assim, estes pesquisadores desenvolvem trabalhos

buscando compreender os mecanismos da televisão, seus conteúdos e sua apreensão pelo

público infantil principalmente porque as crianças, ao mesmo tempo que aprendem a interagir

com a televisão, estão aprendendo a interagir com o mundo e formando sua identidade. A

exposição ao conteúdo televisivo é entendida como um dos fatores de influência na formação

da personalidade infantil, uma vez que a criança na maioria das vezes tem mais contato com a

televisão que com a escola ou até mesmo com seus pais. Moran (1991, p. 61) afirma que

“uma criança chega à vida adulta depois de ter assistido a 15 mil horas de televisão e mais de

350 mil comerciais, contra menos de 11 mil horas de escola”.

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Alguns estudos produzidos, porém, buscam objetos que exemplifiquem os malefícios

que a programação televisiva pode causar, ou exploram o excesso de modelos considerados

“ruins” para seus receptores. Muitas vezes são privilegiados nestes estudos conteúdos de

extrema violência, disputa, e maniqueísmo bem delimitado e exacerbado, por exemplo. Sérgio

Macleimont, no artigo “Televisão e crianças – novas perspectivas de relação” (2002) ressalta

que “diante do fenômeno social da televisão, três posturas costumam ser adotadas: aquela que

considera a TV como causa de todos os males, aquela que a concebe apenas como uma fonte

de entretenimento e, finalmente, a que acredita que a TV pode ser um veículo de cultura” (p.

13).

Em relação a primeira postura citada, Arlindo Machado comenta em seu “A televisão

levada a sério” (2003, p.20):

É impressionante o esforço de tantos analistas para tentar provar que o programa de televisão não pode ter qualidades, que ele não pode elevar-se acima do nível ‘mediano’ e que, por ser um produto ‘de massa’, ele não pode ser avaliado com os mesmos critérios que se utilizam para a abordagem de outros meios.

Jesus Martín-Barbero e Germán Rey, no livro “Os exercícios do ver” (2001), dedicam

o subcapítulo “O ‘mal-olhado’ dos intelectuais” para criticar este foco de análise. Dialogam

com Arlindo Machado, também denunciando a crítica vazia contra a televisão e ressaltando o

papel da programação televisiva na dinâmica cultural:

Pois, encante-nos ou nos dê asco, a televisão constitui hoje, simultaneamente, o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformação do cotidiano e dos gostos populares e uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular, entendido não como as tradições específicas de um povo, mas a hibridação de certas formas de enunciação, de certos saberes narrativos (p. 26).

Reconhecendo estas características da televisão, o público infantil como diferenciado e

considerando que este tem como principal produção televisiva os desenhos animados, este

trabalho realizou-se na contramão dos enfoques das pesquisas criticadas, partindo de um

objeto que, em uma análise superficial, não apresentava características consideradas

“negativas” para seu público alvo, como exploração da violência, desrespeito ou reforço de

preconceitos, por exemplo.

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Este estudo buscou problematizar o desenho animado infantil “Bob Esponja” enquanto

capaz de transmitir mensagens que podem ser apreendidas pelo seu público, colaborando com

o campo de estudos das relações entre “mídia e criança” e, especificamente, com os estudos

sobre os desenhos animados para público infantil. Para tanto, pretendeu reconhecer elementos

constituintes no nível da mensagem sem desconsiderar outros aspectos que constituem a

enunciação, como expressões faciais, cenário, interação dos personagens, cortes de cena, entre

outros. Pretendeu desvelar a unidade do discurso e, conseqüentemente, a produção de

sentidos. Para tanto teve que considerar o meio televisão como interferência direta na

linguagem e conseqüentemente na produção de sentidos do “Bob Esponja”.

Foi destacado o seguinte problema: O desenho animado “Bob Esponja”, tratado como

gênero discursivo, constitui-se apenas por um discurso de entretenimento ou permite a fusão

de outros discursos, como o pedagógico?

Para responder a esta questão, foi desenvolvida uma hipótese prevendo que sempre há

uma mensagem subjacente ao que está explícito e que no desenho animado “Bob Esponja”

isso não é diferente. Conforme as tramas são desenvolvidas, o discurso do entretenimento é

fundido com outros discursos de maneira inesperada, promovendo discursos de teor

pedagógico. Este discurso, de caráter implícito ou subentendido, pode ser recuperado pelo

receptor porque a construção discursiva do desenho animado constrói sua verossimilhança1,

ou seja, estrutura seus significados permitindo a “aparência de verdade” a despeito do gênero

ficcional em si e de seu afastamento da realidade concreta vivenciada por seu público alvo.

Os objetivos deste trabalho foram assim divididos:

Objetivo geral: Refletir sobre a importância de se entender o desenho animado além do

entretenimento puro, mas como rica fonte de apreensão de significados para o público infantil

observando seu papel social na formação deste público através da análise dos discursos que

emergem de sua linguagem.

Objetivos específicos:

a) Observar como os personagens do desenho animado infantil “Bob Esponja” se

comportam e interagem;

b) Observar se no desenho animado o discurso do entretenimento pode se fundir com

outros, como o pedagógico, oferecendo ao receptor um produto simbólico

1 Chama-se “verossímil” aquilo que é semelhante à verdade, que tem aparência de verdade. Por exemplo, o personagem “Super-homem” não existe na realidade e contudo é verossímil.

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carregado de conhecimentos importantes que podem ser apreendidos e recuperados

em seu cotidiano;

c) Observar quais significados emergem do discurso do desenho quando são

trabalhadas situações ou conceitos2 de família; mentira; doença e disputa.

d) Compreender se o conteúdo das mensagens dos desenhos e a forma através da qual

as situações se desenvolvem permitem que haja verossimilhança, gerando alguma

referencialidade com as experiências cotidianas do receptor.

O primeiro capítulo “Considerações sobre o meio e a criança” traz uma breve revisão

bibliográfica que resgata considerações já feitas sobre a relação entre o público infantil e a

mídia, com objetivo de atingir maior compreensão de como um produto audiovisual pode se

relacionar com o público infantil e como eles podem interagir. O capítulo dois, “O meio é a

linguagem”, faz uma leitura do meio televisão, ressaltando o poder que tem de encantar sua

audiência. A seguir trata de sua linguagem, fazendo uma ponte entre a linguagem do cinema,

da televisão, e conseqüentemente de um dos produtos da televisão, que é o desenho animado

infantil “Bob Esponja”. O terceiro capítulo, “O desenho animado infantil ‘Bob Esponja’”, o

contextualiza enquanto produto de uma emissora específica, de veiculação específica, para

então compreender sua cena enunciativa e o “ethos” de cada um dos personagens. Isto pode

ser superficialmente chamado de “características comportamentais” de cada um deles, o que

implica em contratos de leitura com seu público, aceitação de comportamentos diversos e

explica o modo de agir de cada um deles nos episódios selecionados para estudo. O último

capítulo traz uma leitura dos episódios selecionados, ressaltando o teor das mensagens que

são transmitidas para seu público e desvelando discursos considerados pedagógicos na medida

em que servem de modelos ou exemplos de conduta para seus espectadores que têm uma

maneira particular de se relacionar com a mídia.

2 “O conceito é uma atividade mental que produz um conhecimento, tornando inteligível não apenas esta pessoa ou esta coisa, mas todas as pessoas e coisas da mesma espécie [...] é o meio que o indivíduo tem para reconhecer esta coisa (ou outra qualquer da mesma espécie), compreendendo-a, tornando-a inteligível para si [...] Os conceitos, que alguém atualmente possui, não apareceram de repente, de uma só vez, mas foram formados progressivamente e o processo de sua formação continua [...] Um dos pontos mais fundamentais para o desenvolvimento intelectual do ser humano consiste no alargamento, aperfeiçoamento e aprofundamento dos conceitos, dando ao indivíduo uma visão, cada vez mais precisa e adequada, de si e do mundo em que vive” (RUDIO, 2003, p.23-24).

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1. METODOLOGIA

Diversos autores como Luna (2002), Rudio (2003) e Santaella (2001), por exemplo,

ressaltam em suas obras que uma pesquisa pesquisa pode tornar-se uma experiência frustrante

caso não se saiba, desde o princípio, não só onde se quer chegar, mas principalmente como

chegar. Face ao caráter exploratório da pesquisa e à definição do problema, hipótese e

objetivos, a análise do discurso foi escolhida por ter como objetivo compreender como

objetos simbólicos produzem sentidos, que artifícios utiliza o enunciador para que seus

objetivos interpretativos sejam alcançados. Ela vai além da interpretação lexical e da

construção de enunciados interdependentes, aprofundando a interpretação ao emergir

mecanismos e marcas que permitiram a compreensão do fenômeno da transmissão de alguns

significados.

Não existe, porém, uma única maneira de aplicar os pressupostos da análise do

discurso. Foram utilizadas balizas conceituais que fundamentaram o desenvolvimento da

pesquisa, processo explicado por Eni Orlandi, em “Análise de discurso: princípios e

procedimentos” (2003):

Face ao dispositivo teórico da interpretação, há uma parte que é da responsabilidade do analista e uma parte que deriva da sua sustentação do rigor do método e no alcance teórico da Análise de Discurso. O que é de sua responsabilidade é a formulação da questão que desencadeia a análise [...] é essa responsabilidade que organiza sua relação com o discurso levando-o à construção de ‘seu’ dispositivo analítico, optando pela mobilização desses ou aqueles conceitos, esse ou aquele procedimento, com os quais ele se compromete na resolução de sua questão. Portanto, sua prática de leitura, seu trabalho com a interpretação, tem a forma de seu dispositivo analítico [...] o dispositivo teórico, que objetiva mediar o movimento entre a descrição e a interpretação, sustenta-se em princípios gerais da Análise de Discurso enquanto uma forma de conhecimento com seus conceitos e método. [...] Feita a análise, e tendo compreendido o processo discursivo, os resultados vão estar disponíveis para que o analista os interprete de acordo com os diferentes instrumentais teóricos dos campos disciplinares nos quais se inscreve e de que partiu (p. 27-28, grifo nosso).

A primeira etapa da investigação, naturalmente, constituiu-se por uma aproximação

com o objeto pesquisado e investigação teórica. O desenho animado infantil “Bob Esponja” –

criado por Stephen Hillenburg, um ex-professor de Biologia Marinha – é produzido e

transmitido pelo canal de TV por assinatura Nickelodeon. Foi criado em 1998, nos Estados

Unidos e chegou à programação da Nickelodeon Brasil no ano 2000, sendo exibido

diariamente. Sua exibição, nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2005 era assim

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distribuída: de segunda a quarta-feira às 2h, 12h30 e 19h30; de quinta a sexta-feira às 2h e

12h30 e aos sábados e domingos às 6h e 13h30.

Horário Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo

02h00 Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja

06h00 Bob Esponja Bob Esponja

12h30 Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja

13h30 Bob Esponja Bob Esponja

19h30 Bob Esponja Bob Esponja Bob Esponja

Disponível em: <http://www.mundonick.com.br>. Acesso em 05 jan. 2005.

Cada um destes blocos dura trinta minutos e são apresentados dois episódios,

entrecortados por comerciais. Cada episódio do “Bob Esponja” tem aproximadamente onze

minutos considerando o tempo de exibição linearmente. Nos meses de fevereiro e março de

2005 foi feita a gravação diária dos episódios: durante a semana ao meio dia e meia e aos

finais de semana às treze horas e trinta minutos (sublinhados na tabela acima). Esta decisão de

gravar apenas um bloco por dia deveu-se ao fato de que os mesmos episódios eram

transmitidos nos diferentes horários. No total foram 59 (cinqüenta e nove) dias de gravação,

que resultaram em 118 (cento e dezoito) episódios. Muitos deles, porém, eram repetidos, o

que resultou em um total de 74 (setenta e quatro) episódios diferentes. Este processo permitiu

que fossem observadas as características gerais do objeto e que fosse feita uma pré-análise de

seu conteúdo, permitindo a seleção do material empírico.

Por motivações teóricas e analíticas, optou-se por utilizar a “amostra intencional”, ou

seja, para execução da pesquisa, foram selecionados quatro episódios que representassem

situações que a pesquisadora julgou representativas e pertinentes ao objetivo do estudo.

Procurou-se buscar enredos que tratassem de situações ou conceitos que pudessem ser

vivenciadas pelo público infantil. O assunto em torno do qual o enredo se desenvolveu foi

chamado de tema.

Os episódios escolhidos foram:

a) Beijos da vovó – tema família;

b) Chocolate com nozes – tema mentira;

c) Espuma – tema doença;

d) Os jogos do mestre-cuca – tema disputa.

Esta seleção intencional da amostra é considerada válida pela análise do discurso, uma

vez que:

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A delimitação do corpus não segue critérios empíricos (positivistas) mas teóricos. [...] Não se objetiva, nessa forma de análise, a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a completude, ou exaustividade em relação ao objeto empírico.[...] A exaustividade almejada – que chamamos vertical – deve ser considerada em relação aos objetivos de análise a à sua temática. Essa exaustividade vertical, em profundidade, leva a conseqüências teóricas relevantes e não trata os ‘dados’ como meras ilustrações. Trata de ‘fatos’ da linguagem com sua memória, sua espessura semântica, sua materialidade lingüístico-discursiva. Assim, a construção do corpus e a análise estão intimamente ligadas; decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas. Atualmente, considera-se que a melhor maneira de atender à constituição do corpus é construir montagens discursivas que obedeçam critérios que decorrem de princípios teóricos da análise de discurso, face aos objetivos de análise, e que permitam chegar a sua compreensão. Esses objetivos,em consonância com o método e os procedimentos, não visa a demonstração mas a mostrar como um discurso funciona produzindo (efeitos de) sentidos (ORLANDI, 2003, p. 62-63, grifo nosso).

Optou-se por utilizar no corpo do trabalho frames dos episódios que colaboravam com

a compreensão de sua linguagem não-verbal e por transcrever na íntegra os diálogos dos

quatro episódios selecionados. A transcrição proporcionou maior aproximação com os

discursos e ilustrou etapas do trabalho, uma vez que “é na superfície dos textos que podem ser

encontradas as pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de produção de sentidos que

o analista vai interpretar” (PINTO, 2002, p. 26). Este procedimento foi importante para a

compreensão do contexto interpretativo do infantil “Bob Esponja” e tornou possível observar

como esse produto audiovisual apresenta seus significados e quais discursos emergem de sua

linguagem.

Importante ressaltar que não foram selecionados episódios que tratassem da questão

escolar porque nenhum dos personagens freqüenta a escola. Bob Esponja freqüenta apenas a

escola de pilotagem, mas esse mote não é freqüente, já que dos setenta e quatro episódios

diferentes, apenas três eram relacionados à escola de pilotagem e neles o que se privilegia não

é o contexto escolar, mas algumas confusões que o personagem causa quando está tentando

pilotar um barco. Seus pais também não fazem parte da análise diretamente porque Bob

Esponja mora sozinho. Seus pais apareceram apenas em um episódio, “Lar doce abacaxi”, no

qual o abacaxi onde Bob Esponja mora é devorado por vermes. A tentativa de morar com o

amigo Patrick foi frustrada (pois este mora sozinho em uma pedra porque é uma estrela-do-

mar) e no instante em que seus pais estacionam o barco em frente ao que restou da casa para

levá-lo (único momento em que eles aparecem) um novo abacaxi “brota”, porque havia

restado uma semente que foi germinada instantaneamente com uma lágrima do Bob Esponja.

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2. QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

Ao abordar os temas “pesquisa” ou “conhecimento científico”, uma série de

pressuposições e estereótipos vêm à mente: o cientista louco, fórmulas incríveis em uma

lousa, teorias de compreensão quase impossível...Na realidade, porém, a pesquisa faz parte do

dia a dia e está presente nos mais simples ensinamentos da escola e atividades domésticas até

nos complexos trabalhos científicos. Cabe, então, diferenciar a pesquisa do cotidiano da que

gera conhecimento científico. Rudio (2003, p.9) esclarece que:

“Pesquisa”, no sentido mais amplo, é um conjunto de atividades orientadas para a busca de um determinado conhecimento. A fim de merecer o qualificativo de científica a pesquisa deve ser feita de modo sistematizado, utilizando para isto método próprio e técnicas específicas e procurando um conhecimento que se refira à realidade empírica. Os resultados, assim obtidos, devem ser apresentados de forma peculiar.

A realidade empírica é entendida como aquela que pode ser verificada através da

experiência e que é revelada por meio de fatos, termo aqui entendido como qualquer coisa que

exista na realidade. São considerados fenômenos empíricos, além dos físicos e fisiológicos

também os psíquicos, e qualquer outro que possa ser observado direta ou indiretamente

(RUDIO, 2003, p.9-12).

A questão do método é determinante para a execução de uma pesquisa científica. Gil

(1999, p.26) e Rudio (2003, p. 17) concordam que o método pode ser definido como o

caminho que o pesquisador irá percorrer para a execução de sua pesquisa. Este caminho, mais

do que um “modelo de procedimentos” a serem seguidos determinará a orientação do

pensamento reflexivo do pesquisador.

Metodologia é o nome normalmente dado ao conjunto de métodos e técnicas utilizadas

para a realização de determinada pesquisa. Luna (2002, p. 13-14) afirma que o sentido da

palavra metodologia tem mudado com o passar do tempo, juntamente com o status conferido

a ela no contexto da pesquisa. O que antes era visto como uno foi desmembrado e hoje pode-

se falar em “Métodos e Técnicas” para a disciplina instrumental e “Quadro Teórico-

Metodológico” para a orientação do pensamento reflexivo do pesquisador citado no parágrafo

anterior. “Em outras palavras, abandonou-se (ou vem-se abandonando) a idéia de que faça

qualquer sentido discutir a metodologia fora de um quadro teórico que, por sua vez, é

condicionado por pressupostos epistemológicos” (LUNA, 2002, p.14).

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O quadro “teórico de referência”, também chamado de “teórico-metodológico” ou

“teórico-epistemológico” deve nascer das exigências que o objeto pesquisado e os objetivos

pretendidos criam e não apenas da simpatia do pesquisador por determinada linha ou qualquer

outra razão menos relevante. “Problemas específicos exigem soluções específicas, do mesmo

modo que soluções específicas só podem ser encontradas por meio do auxílio de teorias que

se adequam às soluções buscadas” (SANTAELLA, 2001, p.183). O pesquisador é um

intérprete da realidade pesquisada segundo seu método e sua postura teórico-epistemológica,

como caracteriza Luna (2002, p.14). A teoria orienta, restringindo a amplitude dos fatos a

serem estudados; conceitualiza e classifica conceitos; resume conhecimentos existentes sobre

o assunto; prevê fatos e conseqüências; indica lacunas no conhecimento do pesquisador

(GOODE; HATT, 1989, p. 13-18).

Para o presente estudo, o enquadramento teórico mais relevante é a análise do

discurso. O interesse pelos estudos interpretativos tem suas origens na antiga cultura grega,

inicialmente utilizada para a interpretação de oráculos e práticas retóricas. Pouco a pouco,

estendeu-se para os textos de uma maneira geral. Uma das primeiras práticas interpretativas

utilizada para os textos literários foi a hermenêutica, que era especializada na interpretação de

quaisquer textos (PINTO, 2002, p. 14-15). Assim, traz algumas semelhanças conceituais e de

pressupostos com a análise do discurso (que será evocada em todas as etapas da análise do

objeto), especialmente na sua origem interdisciplinar e no trato com a questão da linguagem e

da interpretação. Nesta etapa, se buscará compreender do que trata a hermenêutica.

Paul Ricoeur, em sua coletânea de artigos publicados nos anos setenta e oitenta

intitulada “Do texto à ação”, de 1986, defende que a hermenêutica, sendo uma teoria

filosófica da interpretação, elaborada e desenvolvida primeiramente na sua aplicação a signos,

símbolos e textos, pode revelar-se igualmente eficaz e produtiva em relação à ação humana e

suas estruturas temporais (RICOEUR, 1989, p.05). Ele relaciona texto, ação e história, sem

enxergar nenhum destes elementos (nem a própria hermenêutica) como estática ou imutável.

Pode-se inferir que, para ele, trata-se de um processo. O discurso, aqui entendido como o

texto, a fixação do acontecimento de linguagem, é autônomo e através dele é possível

“descobrir” a intencionalidade do produtor deste discurso e o contexto no qual estava inserido

(RICOEUR, 1989, p.04-06).

[...] a linguagem mais do que descrever a realidade, revela-a e cria-a. A nossa relação como o real não é direta, mas sempre mediatizada por ‘configurações’ e ‘refigurações’. São elas que ordenam, criam congruência e dão forma, sentido e ordem à experiência humana (RICOEUR, 1989, p.09).

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A interpretação do receptor deste discurso é uma grande ocupação desta linha de

pensamento, mas como este estudo não trata sobre a recepção e sim sobre a produção, não

discorrerá sobre este aspecto.

Ricoeur propõe a existência de uma “unidade funcional entre os múltiplos modos e

gênero narrativos” (1989, p.24), sobre a qual trata Bakhtin (autor da análise do discurso) e

também o que, com os conhecimentos de análise do discurso pode-se chamar de polifonia,

quando julga importante “[...] pôr à prova a capacidade de seleção e organização da própria

linguagem, quando esta se estrutura em unidades de discurso mais longas que a frase a que

podemos chamar textos” (RICOEUR, 1989, p. 25).

Para este estudo, a afirmação a seguir foi transportada para o campo da comunicação

mediada, indo além da escrita e mais especificamente para a construção discursiva do desenho

animado infantil “Bob Esponja”, embasando o caráter ideológico, contextual e passível de

interpretação presentes nesta produção: “Graças a escrita, o discurso adquire uma tripla

autonomia semântica: em relação à intenção do locutor, à recepção pelo auditório primitivo,

às circunstâncias econômicas, sociais, culturais da sua produção” (RICOEUR, 1989, p. 42). A

seguir, define a “tarefa” da hermenêutica:

Uma vez liberta do primado da subjetividade, qual poderá ser a primeira tarefa da hermenêutica? É procurar, no próprio texto, por um lado, a dinâmica interna que preside à estruturação da obra, por outro lado, o poder de a obra se projetar para fora de si mesma e engendrar um mundo que seria, verdadeiramente, a ‘coisa’ do texto. Dinâmica interna e projeção externa constituem aquilo a que eu chamo o trabalho do texto. A tarefa da hermenêutica é a de reconstruir este duplo trabalho do texto (RICOEUR, 1989, p. 43).

Sua outra obra, “Interpretação e Ideologias”, de 1990, também colabora para o maior

entendimento da “apropriação” da hermenêutica na orientação do pensamento reflexivo deste

trabalho. Ele deixa claro a saída do nível do texto (semântico) para o nível do discurso

propriamente dito, no qual a referência (entendida aqui como o contexto) de produção e

recepção passa a ser considerado, e a importância deste contexto no ato interpretativo.

O que interessa, na presente discussão, é que a polissemia das palavras recorre, em

contrapartida, ao papel seletivo dos contextos relativamente à determinação do valor atual que

adquirem as palavras numa mensagem determinada, veiculada por um locutor preciso a um

ouvinte que se encontra numa situação particular. [...] Produzir um discurso relativamente

unívoco com palavras polissêmicas, identificar essa intenção de univocidade na recepção das

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mensagens, eis o primeiro e mais elementar trabalho da interpretação (RICOEUR, 1990, p.

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Este livro é dividido em quatro partes. A primeira, “Funções da hermenêutica”, é

dividida em dois capítulos, sendo o segundo “Função hermenêutica do distanciamento”, mais

relevante para este estudo e flagrante das congruências com a análise do discurso.

Primeiramente ele propõe a organização da problemática da noção do texto em cinco

temas: a efetuação da linguagem como discurso, a efetuação do discurso como obra

estruturada, a relação da fala com a escrita no discurso, a obra do discurso como projeção de

um mundo, o discurso e a obra de discurso como mediação da compreensão de si. Define que

todos estes critérios juntos constituem os critérios da textualidade (RICOEUR, 1990, p.44).

Apesar de num primeiro momento realizar a “lingüística imanente”, a análise do texto no

texto, logo extrapola estas condições e determina, citando Austin e Searle (importantes

também para a análise de discursos), os “atos de discurso”, divididos para melhor

compreensão em três níveis: nível do ato locucionário (ato de dizer); nível do ato

ilocucionário (aquilo que fazemos ao dizer) e nível do ato perlocucionário (aquilo que

fazemos pelo ato de falar).

Ricoeur levanta três questões que podem adaptar-se ao contexto cotidiano de trocas

simbólicas mediadas: primeiro o “distanciamento que a ficção introduz em nossa apreensão

do real”, já que “um relato, um conto ou um poema não existem sem referente. Mas esse

referente estabelece uma ruptura como o da linguagem cotidiana. Pela ficção, pela poesia,

abrem-se novas possibilidades de ser-no-mundo na realidade cotidiana” (RICOEUR, 1990,

p.56); segundo que a apropriação faz parte do processo de comunicação e está ligada ao

distanciamento citado acima. A apropriação é a “compreensão pela distância, compreensão a

distância” (RICOEUR, 1990, p.58), e responde ao texto, não ao autor, ou seja, o processo de

compreensão não dependerá somente das aspirações do produtor, mas do universo sócio-

cultural no qual está inserido o receptor e a própria mensagem. Terceiro, que é impossível

distanciar a hermenêutica das ideologias presentes em todo ato discursivo.

Thompson (2002, p. 355-356) discute a “Metodologia da Interpretação” e a

“Hermenêutica de Profundidade”. Esta, segundo ele, é um eficiente referencial metodológico

para tratar de construções simbólicas, considerando que estas construções simbólicas estão

inseridas em contextos sociais e históricos variados:

[...] a HP [hermenêutica de profundidade] apresenta, não tanto uma alternativa aos métodos de análise existentes, mas um referencial

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metodológico geral, dentro do qual alguns desses métodos podem ser situados e ligados entre si [...] Ela nos possibilitará mostrar como diferentes enfoques da análise da cultura, ideologia e comunicação de massa podem ser inter-relacionados de uma maneira sistemática, combinados dentro de um movimento de pensamento coerente, que iluminará diferentes aspectos desses fenômenos multifacetados (THOMPSON, 2002, p.356).

A hermenêutica também define que o “campo-objeto” da investigação social é um

“campo-sujeito”, que apresenta uma “lógica” própria, ou seja, os desenhos animados além de

objetos são sujeitos, inseridos em determinado contexto, em determinada tradição histórica

(THOMPSON, 2002, p.359-360). Thompson critica Ricoeur quando lembra que uma análise

que se detém apenas aos “textos” é muito parcial, sendo indispensável a questão do contexto

sócio-histórico específico no qual as formas simbólicas estão construídas “A produção, a

circulação e recepção de formas simbólicas são processos que acontecem dentro de contextos

ou campos historicamente específicos e socialmente estruturados” (THOMPSON, 2002,

p.368). Mas pondera que a HP também trabalha com o caráter ideológico das formas

simbólicas:

A análise da produção e transmissão é essencial à interpretação do caráter ideológico das mensagens, pois ele lança uma luz sobre as instituições e as relações sociais dentro das quais essas mensagens são produzidas e difundidas, bem como sobre as afirmações e pressupostos dos produtores (THOMPSON, 2002, p.395).

Ao esclarecer quais são as três tradições de pensamento particularmente relevantes

para seus estudos, este autor define a hermenêutica como segue:

A hermenêutica ensina que a recepção das formas simbólicas – incluindo os produtos da mídia – sempre implica um processo contextualizado e criativo de interpretação, no qual os indivíduos se servem dos recursos de que dispõem, para dar sentido às mensagens que recebem. Ela também chama a nossa atenção para o fato de que a atividade de ‘apropriação’ faz parte de um processo mais extenso de formação pessoal, através do qual os indivíduos desenvolvem um sentido, para eles mesmos e para os outros, de sua história, de seu lugar no mundo e dos grupos sociais a que pertencem. Ao enfatizar o caráter criativo, construtivo e socialmente vinculado da interpretação, a hermenêutica converge com alguns estudos etnográficos sobre a recepção dos produtos da mídia, enquanto ao mesmo tempo enriquece este trabalho com os recursos de uma tradição interessada no elo de ligação entre a interpretação e a formação do eu (THOMPSON, 2004, p.17).

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Portanto, ela poderia ser fundamento para um estudo de recepção (que não é o caso) e

para o estudo do produto audiovisual em si, como demonstra a tabela a seguir que resume as

três fases do enfoque da hermenêutica de profundidade com seus diferentes tipos de análise:

Situações espaço-temporais

Campos de interação

Análise sócio-histórica Instituições sociais

Estrutura social

Meios técnicos de transmissão

Referencial Análise semiótica

metodológico da Análise formal ou Análise da conversação

hermenêutica de discursiva Análise sintática

profundidade Análise narrativa

Análise argumentativa

Interpretação/

re-interpretação

Formas de investigação hermenêutica (THOMPSON, 2002, p.365)

Este estudo tratou, portanto, de duas das etapas citadas na tabela: a Análise sócio-

histórica (quando considera as particularidades da televisão como o “meio técnico de

transmissão”) e a Análise formal ou discursiva. Para esta etapa, no entanto, utilizou a análise

do discurso como referencial teórico, considerando-a como uma “evolução” da prática

interpretativa da hermenêutica, pois de acordo com Milton José Pinto (2002, p. 15) esta, ao

buscar interpretar quaisquer tipos de textos reconstituindo seu sentido semântico original

buscava impor uma interpretação privilegiada. A análise do discurso é extremamente

preocupada com os processos interpretativos, porém de maneira mais abrangente e sem a

preocupação com literalidades: interessa o processo, o todo discursivo. Como o que se quer

dizer é dito e interpretado, dentro de condições de produção, emissão e recepção bastante

específicas. O sentido não é anterior à decodificação, mas constituído por ela (KOCH, 1984,

p. 26).

A Análise de Discurso (AD daqui para frente) restitui ao fato de linguagem sua complexidade e sua multiplicidade (aceita a existência de diferentes linguagens) e busca explicitar os caracteres que o definem em sua

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especificidade, procurando entender o seu funcionamento. Isto porque a AD trabalha não só com as formas abstratas, mas com as formas materiais da linguagem. E todo processo de produção de sentidos se constitui em uma materialidade que lhe é própria. Assim, a significância não se estabelece na indiferença dos materiais que as constituem, ao contrário, é na prática material significante que os sentidos se atualizam, ganham corpo, significando particularmente (ORLANDI, 1996, p. 461).

Esta perspectiva teórica tem no russo Mikhail Bakhtin seu fundador, mas suas origens

remetem aos estudos da semiótica e da lingüística. Esta, inaugurada por Ferdinand de

Saussure em seu “Curso de Lingüística Geral” (resultado de anotações de aulas reunidas e

publicadas por dois de seus alunos) de 1916, entendia o texto como ambiente de análise que

supera a gramática normativa, mas considerava como “linguagem” apenas a verbal, oral e a

escrita. A linguagem era entendida como um sistema de signos, como uma estrutura

sistemática, e estabeleceu-se uma dicotomia fundamental: a distinção entre “língua” (âmbito

social) e “fala” (âmbito pessoal).

Até a década de 60 os estudos de linguagem preocupavam-se somente com a estrutura

da língua, com sua constituição, e partia-se do pressuposto de que o significado estaria no

código. Era a “lingüística imanente”. Esta, porém, desconsiderava fatores importantes quando

se objetiva total compreensão do processo lingüístico.

As tentativas de explicar o funcionamento da linguagem somente ao nível da lingüística imanente, ou seja, condicionar os fatores de uso aos fatores internos ao sistema lingüístico, se mostram parciais e não satisfazem um olhar mais abrangente e mais explicativo sobre a linguagem (ORLANDI, 1987, p. 88).

A lingüística estava sedimentada no estruturalismo, e com o passar do tempo e a

amplitude das necessidades de novas explicações para os fenômenos lingüísticos, passou a

não dar conta da análise de um texto. Percebeu-se que era importante entender o processo da

linguagem, já que “enquanto ‘língua’ se refere exclusivamente à linguagem verbal,

‘linguagem’ se refere a qualquer tipo possível de produção de sentido, por mais ambíguo,

vago e indefinido que seja esse sentido” (SANTAELLA, 1996, p.312). Foram introduzidos

outros elementos, como as características do enunciador, do enunciatário e as condições nas

quais determinado discurso é emitido, ao observar-se que esses fatores interferiam

diretamente no processo de significação. Porém, na lingüística e nas contribuições que

recebeu de outras ciências posteriormente, a noção de estrutura não se desfez, passou-se ao

chamado pós-estruturalismo, isto porque:

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Cada elemento do sistema, além de revelá-lo, só adquire sentido no interior do sistema e por referência a outros elementos. Nada tem significação por si só, mas sim por não ser outro. O princípio de diferenciação está na base deste tipo de pensamento. A coisa não vale pelo que ela é, mas por sua relação opositiva com outros elementos, pelo que ela não é (ARAÚJO, 1998, p.121).

Essa relação opositiva múltipla somada às interferências que a realidade social do

falante causa em sua linguagem gerou um dos marcos da análise do discurso, a obra

“Marxismo e filosofia da linguagem” (BAKHTIN, 1981), cuja primeira edição é de 1929, na

qual são apontadas essas relações sociais como agentes transformadores dos processos de

linguagem e reapresentada a questão da ideologia como inerente a qualquer processo

comunicacional. O signo é ideológico por excelência e a realidade é determinada pelo signo,

que reflete e refrata a transformação desta realidade (BAKHTIN, 1981, p. 32). Relaciona-se

com o conceito de “língua viva”, em constante transformação e ressignificação, e quer dizer

que as construções simbólicas que o homem utiliza para se expressar podem tentar espelhar

uma realidade, e até refleti-la, mas não sem alterar um pouco sua angulação.

A análise do discurso é, então, uma convergência de disciplinas, pois se fundamentou

na Lingüística, no Marxismo e na Psicanálise. Além disso, ela praticou uma renovação de

práticas de estudos e desta forma vem preencher uma lacuna representando um grande avanço

nos estudos de linguagem, já que extrapola o texto, capta as diferentes significações e

intencionalidades que permeiam o texto e interferem na apreensão de seu todo. Orlandi (2003,

p.15) explica melhor:

Há muitas maneiras de se estudar a linguagem: concentrando nossa atenção sobre a língua enquanto sistema de signos ou como sistema de regras formais, e temos então a Lingüística; ou como normas de bem dizer, por exemplo, e temos a Gramática normativa. [...] A análise de discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas estas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.

Muitos autores passaram a embasar seus estudos sobre processos de linguagem na

corrente teórica da análise do discurso, escapando da citada “análise imanente” que, em um

mundo em constante transformação, já não responde satisfatoriamente às necessidades dos

estudos porque isola a socialização da linguagem e seu processo interno (psíquico e

ideológico) de produção.

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A fronteira que separa o lingüístico e o discursivo é sempre colocada em causa em toda prática discursiva, e é próprio da relação entre língua e discurso que as regras fonológicas, morfológicas e sintáticas – que são as condições materiais de base sobre as quais se desenvolvem os processos discursivos – sejam objeto de recobrimentos e de apagamentos parciais. Daí a proposta da AD de uma teoria não subjetiva da enunciação, pois o lingüístico e o discursivo se comunicam (ORLANDI, 1987, p. 101).

A análise do discurso configura-se, portanto, como um campo de pesquisa, uma

prática metodológica e um viés epistemológico. Apresenta uma série de pressupostos, e um

dos principais é a noção do discurso como prática social. Isto implica que tanto a linguagem

verbal quanto outras semióticas com as quais são construídos os textos estão inseridas num

contexto sócio-histórico mais amplo e não se encerram em si.

O analista de discursos é uma espécie de detetive sociocultural. Sua prática é primordialmente a de procurar e interpretar vestígios que permitem a contextualização em três níveis: o contexto situacional imediato, o contexto institucional e o contexto sociocultural mais amplo, no interior dos quais se deu o evento comunicacional (PINTO, 2002, p.26).

O significado de uma palavra não estará no sistema da língua, enquanto estrutura, mas

na sociedade que a criou, reelaborou seu significado, a utilizou num determinado contexto,

numa determinada formação ideológica ou discursiva.

A linguagem não é mero instrumento do homem, é ela que constitui o homem. As línguas carregam uma história, trazem nelas as marcas de uso anteriores, e essa carga de passado entrava a renovação do homem e as mudanças em sua história. Não basta, pois, usar a linguagem com o intuito de comunicar sentidos novos, é preciso trabalhar suas formas, libertá-la do que ela tem de estereotipado, de velho. Nenhuma linguagem é transparente ou inocente, e as que assim se propõem são suspeitas: toda linguagem que se ignora é de má fé (BARTHES, 1988, p. 19).

Barthes (1978, p. 11-12) entende o viés ideológico da linguagem como a intersecção

desta com o “poder”, que estaria presente em todo e qualquer mecanismo de intercâmbio

social, não sendo inerente apenas ao Estado:

[...] mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas [...] o poder é o parasita de um organismo trans-social, ligado à história inteira do homem, e não somente à sua história política, histórica. Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda a eternidade humana é a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua.

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Santaella (1996), Orlandi (1987), Koch (1984) e Pinto (2002) concordam que nenhum

discurso está desvinculado de intencionalidade, mas carregado de ideologias3, havendo

sempre um sentido oculto a ser desvelado, um “querer-dizer”. Este trabalho se apropria deste

conceito quando pressupõe que o discurso do desenho animado, permeado pela ideologia de

seus produtores, pode apresentar uma fusão de discursos e acabar incorrendo em uma

mensagem final de caráter ideológico. Não há discurso neutro, não há nem postura analítica

neutra, visto que a seleção dos termos utilizados, o caminho percorrido, os objetivos, a

construção textual estão sempre permeados pela ideologia do produtor do enunciado. A

ideologia caminha entre as interações sociais.

Por outro lado, por meio do discurso – ação verbal dotada de intencionalidade – tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas de suas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar constitui o ato lingüístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende ‘neutro’, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade (KOCH, 1984, p. 19).

Pinto (2002, p. 26) observa também que é na análise direta dos textos que se pode

encontrar os indícios que levarão a compreender com que intenções eles foram produzidos e

como eles produzem sentidos.

A análise de discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido. A análise de discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação (ORLANDI, 2003, p. 26).

A principal contribuição da análise do discurso é de ser uma ferramenta metodológica

que fornece balizas conceituais e fez emergir do discurso do desenho animado estudado os

elementos buscados para que fosse compreendida sua linguagem, considerando as

especificidades do veículo onde este é exibido, do conteúdo do desenho e do público

pretendido. Não basta entender apenas o que determinado episódio do desenho “disse”.

3 “A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar [...]. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador [...]” (CHAUI, 2003, p. 108).

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A análise do discurso não procura só compreender o que o texto diz ou mostra, mas como ele

o diz ou o mostra (PINTO, 2002, p. 27).

[...] a análise de discursos procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados àqueles produtos na sociedade. Os produtos culturais são entendidos como textos, como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e/ou de outros sistemas semióticos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente (PINTO, 2002, p. 11).

Dessa forma, a análise do discurso pode ser considerada como a análise dos processos

de construção de significados. Interessa-se em observar e despreender dos textos – lembrando

que, para a análise de discurso tudo que produz significado, seja verbal ou não verbal,

intencional ou não é considerado um texto – sua materialidade significante e ideológica.

Pretende desvelar a intencionalidade atingindo um enunciatário (receptor) e exigindo dele um

esfoço de interpretação e ressignificação. A completude dos significados, como apontado em

outras teorias, está em quem recebe a mensagem, não em quem a emite.

Outros dois importantes aspectos que as linguagens necessariamente envolvem estão, primeiro, no seu poder de referencialidade do qual decorrem os graus de aplicabilidade da linguagem a algo que está fora dela, o chamado referente, e que ela, de modo mediato, torna presente. Segundo, o poder interpretativo da linguagem, quer dizer, os efeitos de interpretação que ela está apta a produzir no receptor (SANTAELLA, 1996, p. 316-317).

Torna-se evidente que o significado de uma palavra não se encontra inerente a ela,

dependendo (no mínimo) das condições de sua produção, da intencionalidade de seu

enunciador e da propensão deste receptor a apreender determinada ideologia, determinado

conceito. Na prática analítica isto não é tão simples assim. A análise de discurso fornece,

então, alguns conceitos e pré-determinações que sistematizam e favorecem a atividade de

pesquisa do analista.

Assim, apresenta alguns termos próprios, como enunciador (que emite a mensagem);

enunciatário (o receptor); enunciação (o momento histórico no qual o enunciador emite a

mensagem); campo discursivo (diferentes orientações discursivas que se equilibram dentro de

um mesmo contexto discursivo, “oposição de ideologias”); cena de enunciação (espaço onde

ocorre a enunciação e que influencia em todo o processo significativo por ser parte do

contexto de produção); postos, pressupostos e subentendidos do enunciado; entre outros

(PINTO, 2002; ORLANDI, 1987; KOCH, 1984, MAINGUENEAU, 2004).

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O termo condições de produção representa o momento histórico e social no qual

determinada enunciação foi realizada. É indissociável de qualquer estudo em análise de

discurso, pois determina as implicações inerentes à produção do significado e sua

interpretação. “Enunciação é o ato de produção de um texto e se opõe a enunciado, que é o

produto cultural produzido, o texto materialmente considerado” (PINTO, 2002, p. 32). As

condições de produção determinam o terreno no qual a enunciação será realizada.

A Teoria da Enunciação tem por postulado básico que não basta ao lingüista preocupado com questões de sentido descrever os enunciados efetivamente produzidos pelos falantes de uma língua: é preciso levar em conta, simultaneamente, a enunciação - ou seja, o evento único e jamais repetido de produção do enunciado. Isto porque as condições de produção (tempo, lugar, papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais, objetivos visados na interlocução) são constitutivas do sentido do enunciado: a enunciação vai determinar a que título aquilo que se diz é dito”. (KOCH, 1995, p.14).

O texto apresenta um contexto, que é tudo que o cerca. Engloba os elementos

lingüísticos da mensagem (verbais e não-verbais) e os não lingüísticos, como sua sustentação

sócio-cultural, a emissora na qual é transmitido o desenho animado e o fato de ser uma

produção para televisão. O contexto pode ser observado de duas maneiras: o contexto

situacional imediato - mais restrito, referente às características da mensagem do produto

audiovisual em si, por exemplo - e o contexto situacional ampliado - que valoriza as

condições de produção, tudo o que cerca o produto e possibilita sua transmissão

(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 124).

Intrínseco ao conceito de condições de produção está o de contrato de comunicação,

que é empregado para designar “o que faz com que o ato de comunicação seja reconhecido

com válido do ponto de vista do sentido. É a condição para os parceiros de um ato de

linguagem se compreenderem minimamente e poderem interagir, co-construindo o sentido

[...]” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 130).

Possivelmente, é o contrato de comunicação estabelecido entre os desenhos animados e

as crianças que colabora na apreensão de sentidos, na fidelidade com o conteúdo, na

construção da verossimilhança no caso do Bob Esponja, por exemplo. Isto pode ser chamado

também de “leis do discurso”, ou seja, regras previamente estabelecidas, porém não

necessariamente explicitadas que permitem a significação no processo comunicacional.

O simples fato de entrar em um processo de comunicação verbal implica que se respeitem as regras do jogo. Isso não se faz por meio de um contrato

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explícito, mas por um acordo tácito, inseparável da atividade verbal. Entra em ação um saber mutuamente conhecido: cada um postula que seu parceiro aceita as regras e espera que o outro as respeite (MAINGUENEAU, 2001, p.31).

Essas leis são definidas por Maingueneau (2001, p. 34-37) como lei da pertinência –

implica que uma enunciação deve interessar ao destinatário e estar vinculada ao contexto em

que se desenvolve; lei da sinceridade – que espera o envolvimento do enunciador no ato de

fala que realiza. Relaciona-se com a importância que o enunciador deve dispensar à sua

mensagem para que esta possa transmitir credibilidade:

A segunda fase do enunciado, que lhe determina a composição e o estilo, corresponde a necessidade de expressividade do locutor ante o objeto de seu enunciado. A importância e a intensidade desta fase expressiva variam de acordo com as esferas da comunicação verbal, mas existe em toda parte: um enunciado absolutamente neutro é impossível.A relação valorativa com o objeto do discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado (BAKHTIN, 1997, p.308).

Lei da informatividade – determina que o conteúdo das mensagens devem ter

elementos novos ao destinatário. Do contrário, ele terá que realizar inferências para buscar a

compreensão do tema e talvez o processo comunicacional não seja realizado com fidelidade;

lei da exaustividade – o enunciador deve ser capaz de avaliar de se expressar sem que haja

exagero, um excesso de informação que leve ao descaso com sua mensagem ou falta de

informação, que não atende às necessidadesdo destinatário. Em ambos extremos, pode ocorrer

a não-comunicação; lei da modalidade – esclarece que deve haver clareza e economia no

conteúdo das mensagens e que esta, para fazer sentido, deve encarnar uma materialidade que

permita ao destinatário desprender seu significado.

Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações (BAKHTIN, 1997, p.302).

A postura que o enunciador e o destinatário irão assumir em cada uma dessas leis

passará pelo gênero de discurso no qual estará sendo realizada a troca de significados. Na

análise de discursos, cada texto pertence a um gênero de discursos ou a uma espécie de

discursos e em cada um deles, a construção da enunciação é diferente, determinada por

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diferentes contextos de produção, posições ideológicas ou lugares de fala (PINTO, 2002,

p.32). Estes gêneros são determinados por diferentes tipos de discursos, presentes em

condições sócio-históricas determinadas. Pode-se dizer, por exemplo, que o desenho animado

configura-se como um gênero de discurso no interior da tipologia discursiva da televisão

(MAINGUENEAU, 2004, p. 63). Este quadro favorece a manutenção do contrato

comunicacional, pois enunciador e enunciatário estabelecem uma relação dialógica, ou seja,

há uma interação entre enunciador e enunciatário no espaço do discurso, na qual o dialogismo

representa a troca, a interação, a condição do sentido do discurso, “em outros termos,

concebe-se o dialogismo como o espaço interacional entre o eu e tu, ou entre o eu e o outro no

texto” (BARROS, 2003, p. 02-03).

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor (BAKHTIN, 1997, p.290).

Toda significação é entendida como conseqüência de um acordo entre enunciador e

enunciatário, socialmente organizados em um processo de interação. Dessa forma, o processo

comunicacional é condicionado tanto pela organização social dos participantes quanto pelas

condições em que a interação acontece, em uma condição de produção e em um gênero

discursivo específico.

A linguagem instituída define um campo de compreensão. A comunicação é a relação que se estabelece entre dois sujeitos situados neste campo, fornecendo-lhes um domínio comum de referência, pano de fundo relativamente ao qual a sua relação momentânea se destaca em primeiro plano (GUSDORF, 1995, p. 56).

Em meio ao processo de interação social, ocorre um fenômeno conceituado pela análise

de discurso como polifonia. Esta também acontece no cotidiano das produções artísticas,

profissionais e acadêmicas, ou seja, em todos os âmbitos da produção de significado. Está

acontecendo, por exemplo, na execução deste estudo quando a pesquisadora, após ler diversos

textos, de diferentes autores passa a produzir enunciados que não são só dela, mas que se

constituem como um emaranhado de outros discursos, apreendidos em diferentes momentos.

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Vozes de outros enunciadores que, por aceitação ideológica e outros processos mentais de

aceitação, passam a constituir uma nova voz, carregada de todos eles:

[...] a compreensão de um enunciado é sempre dialógica, pois implica a participação de um terceiro que acaba penetrando o enunciado na medida em que a compreensão é um momento constitutivo do enunciado, do sistema dialógico exigido por ele. Isso significa que, de alguma maneira, esse terceiro interfere no sentido total em que se inseriu. Esse jogo dramático das vozes, denominado dialogismo ou polifonia, ou mesmo intertextualidade, é uma forma especial de interação, que torna multidimensional a representação e que, sem buscar uma síntese do conjunto, mas ao contrário uma tensão dialética, configura a arquitetura própria de todo discurso (BRAIT, 2003, p. 25).

As múltiplas vozes com as quais se preocupa a análise do discurso não dizem respeito

apenas a “falas” de outras pessoas. VERÓN, apud KOCH (2002, p.47), classifica a

intertextualidade profunda, que ocorre nos processos de certos universos discursivos como o

dialogismo entre a TV e o cinema. Além deste exemplo claro, no processo de produção de um

discurso “há uma relação intertextual com outros discursos relativamente autônomos que,

embora funcionando como momentos ou etapas de produção, não aparecem na superfície do

discurso ‘produzido’ ou ‘terminado’”. O estudo destes textos pode oferecer uma maior

compreensão do processo de produção em si, sendo importante, por exemplo, para este estudo

sobre a linguagem de um desenho animado. No decorrer do trabalho estes e outros conceitos

serão retomados, de maneira mais ou menos explícitas, uma vez que “[...] a análise de

discurso tem um procedimento que demanda um ir-e-vir constante entre teoria, consulta ao

corpus e análise. Esse procedimento dá-se ao longo de todo o trabalho” (ORLANDI, 2003, p.

67).

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CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES SOBRE O MEIO E A CRIANÇA

A televisão invade o campo existencial da criança, tendo em vista que “atualmente,

mais de 85% dos lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho de TV e estima-se que

em cada um desses lares haja aproximadamente duas crianças. Mais de 32% da população

está na faixa dos 0 aos 14 anos” (CARMONA, 2002, p. 332).

Diante deste fato, são importantes estudos que busquem compreender melhor a relação

entre o público infantil e a televisão, pois “se para o adulto a tevê tem aberta toda a riqueza de

potencialidades, é de fundamental importância considerar a audiência do telespectador

infantil. Milhões de crianças, no Brasil, passam em média quatro horas diárias diante de um

aparelho de tevê” (REZENDE; REZENDE, 2002, p. 4).

Este turbilhão de imagens que preenche o cotidiano das crianças e adolescentes vai formando sua personalidade ao mesmo tempo (mas provavelmente não da mesma forma) que suas experiências do mundo exterior, real, concreto. É importante lembrar que a televisão é um objeto técnico absolutamente integrado ao cotidiano das crianças que com ela interagem “naturalmente” da mesma forma como elas interagem com o gatinho ou com seus brinquedos. Esta presença constante de imagens fictícias, que ocupam partes cada vez maiores do tempo livre das crianças, rouba-lhes (ocupando-o) o tempo da não-escola, dedicado ao brinquedo e á imaginação, à vida social cheia de experiências interativas com seus pares e com os adultos (BELLONI, 2001, p.65).

A primeira premissa que deve ser abandonada no início de uma pesquisa com este

intuito é a idéia de que programas infantis possuam, necessariamente, caráter educativo e que

este público tenha mais contato com a programação voltada a ele.

Conforme estudo feito pelo instituto MultiFocus (CASTRO, 2004a), especializado em

comportamento infanto-juvenil, sob encomenda da ONG Midiativa4, os programas mais

vistos por crianças de zero a nove anos em março de 2004 eram: Globo Repórter (Globo); Big

Brother Brasil (Globo); Da cor do pecado (Globo); Celebridade (Globo); Canavial de paixões

(SBT), Jornal nacional (Globo); SPTV- 2ª edição (Globo); Roda a roda (SBT); Chocolate com

pimenta (Globo) e Fantástico (Globo). Observa-se que nenhum destes programas é

originalmente produzido para o público infantil. Pfromm Netto (2001, p. 125) ressalta que um

dos fatores que faz com que seja constatada esta maior audiência de programas para adultos é

o fato de que na maioria dos lares há apenas um aparelho de televisão, normalmente

4 Midiativa é uma ONG que tem como objetivo desenvolver pesquisas sobre a questão “mídia e criança” e educar novas gerações para o relacionamento com os meios.

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“controlado” por um adulto e que, além disso, basta observar a grade de programação da

televisão aberta para perceber que a oferta de programas infantis é muito pequena.

Desta forma, a preocupação em torno do conteúdo dos programas para público infantil

fica ainda maior, pois, uma vez que as crianças têm um contato menor com estas produções

espera-se que, pelo menos com elas, a criança possa ter acesso a um conteúdo que traga

algum tipo de benefício para sua formação pessoal, educacional e cidadã. Ou, ao menos, que

não transmita valores e conceitos prejudiciais para o bom desenvolvimento infantil.

Dentre os programas infantis preferidos por crianças, está o gênero “desenho

animado”, que é o produto principal da programação infantil de TV em todos os países, tendo

seu apelo comprovadamente baseado em representações simplistas, por exemplo, do bem e do

mal (JEMPSON, 2002, p.125). Normalmente, os desenhos animados são definidos por seus

produtores como um produto de entretenimento, assim como a maioria dos programas para

público infantil. Giroux (apud PILLAR, 2001, p. 50) questiona as implicações e tudo que

pode envolver a idéia do “puro entretenimento” inclusive nos desenhos animados e afirma que

“Disney é de fato um dos maiores educadores do século XX, e não existe uma educação isenta

de valores, de posições ideológicas implícitas ou explícitas”.

De maneira geral, os estudos sobre produções para crianças seguem caminhos

diversos. É comum entre a maioria dos pesquisadores que os desenhos e outros programas

influenciam sim a formação das crianças, mas uma linha adota uma visão mais negativista,

focando essencialmente os aspectos prejudiciais dos conteúdos, como a dependência

psicológica que a criança pode desenvolver, os aspectos negativos e positivos da exposição à

mídia, o conteúdo da programação, ou ainda o excesso de conteúdo violento oferecido.

Outros estudam buscam compreender os porquês deste tipo de conteúdo ser tão

freqüente, por exemplo, nos desenhos animados. Rezende e Rezende (2002, p. 37) concordam

que a maioria dos conteúdos dos desenhos animados atuais remetem à violência e afirmam

que a enxurrada de desenhos violentos deve-se ao fato de que há pouca ou nenhuma

resistência dos países subdesenvolvidos ao que lhes é imposto pelas grandes potências, ou

seja, que as crianças brasileiras já se familiarizaram com a necessidade de “ação” nos enredos,

que acompanha o “boom” de filmes de ação e violência, especialmente dos norte americanos.

Assim, a audiência elevada desses desenhos não se deveria à necessidade de ver atos

violentos, mas sim à necessidade de ação, da profusão de imagens proporcionada por eles e à

grande oferta destes conteúdos. Pfromm Netto (2001, p. 117) concorda esta linha de

pensamento lembrando que grande parte da programação diária das emissoras é composta por

produções estrangeiras, e assim “a violência é também um componente habitual dos desenhos

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animados, todos produzidos no exterior, pois praticamente inexiste no Brasil a produção de

desenhos animados destinados ao público infantil”.

Outras linhas ocupam-se de verificar que tipos de mensagens os produtos audiovisuais

transmitem, separando seus aspectos positivos e negativos e defendendo a urgência de

preparar este público infantil para o contato com o meio, não restringi-lo; reiterando o papel

da escola e dos pais, como o meio social no qual estes receptores estão incluídos, para que a

criança tenha subsídio para desenvolver seu senso crítico diante das mensagens.

Existem provas cabais de que, se maus programas (e também maus comerciais, hoje abundantes na nossa televisão) podem envenenar a mente da criança, bons programas são comprovadamente eficazes para ajudá-la a crescer e a ser feliz, para desenvolver nela a cooperação, a autoconfiança, o altruísmo, o respeito mútuo, a tolerância, a consciência de responsabilidades sociais, a socialização civilizada – enfim, os efeitos que os especialistas denominam “efeitos pró-sociais (PFROMM NETTO, 2001, p. 154).

Os estudos demonstram, porém, que o que prevalece no dia-a-dia são as influências

negativas, como a tendência á imitação, submissão, isolamento, apatia. O desenvolvimento do

consumo exagerado, da violência, da falta de organização, da atividade sexual precoce e

diminuição da comunicação familiar. A diminuição da capacidade crítica, dificuldade para

ordenar o pensamento, dispersão e surgimento de respostas estereotipadas (LOBATO,

MORAES, VANNUCHI, 2003, p. 57). Ferrés (1996, p. 19-20) destaca outros aspectos

negativos que podem ser detectados na televisão, como a visão fragmentada da realidade que

apresenta, a super exposição de assuntos que não deveriam fazer parte do repertório infantil e

a chamada cultura-mosaico, na qual se sabe pouco sobre muito, sem nenhuma profundidade.

Diante deste quadro, fica um pouco difícil imaginar a quantidade de aspectos positivos

inerentes à televisão. É uma via dupla, pois muitas vezes, características que poderiam

configurar-se como negativas, se bem trabalhadas, passam a se converter em aspectos

positivos. Por exemplo, crianças que vêem muita televisão têm melhores aptidões para

construir conceitos de relações espaço-temporais, para compreender as relações entre o todo e

suas partes e até para identificar os ângulos das “tomadas de imagens”, o que significa um

reforço das faculdades de abstração. A televisão também teria a habilidade de desenvolver na

criança o vocabulário, o raciocínio matemático, de instigar a capacidade de resolução de

problemas, de estimular a criatividade. E pode ir além, pois quando a criança tem contato com

um material de boa qualidade, pode ter estimulada além da criatividade, o senso crítico, a vida

em sociedade, a cooperação, a solidariedade, a amizade, o esforço escolar, entre outras

qualidades (LOBO, 1990; CARLSSON, FEILITZEN, 2002 ).

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De acordo com os pesquisadores, estes efeitos positivos só ocorrerão se a criança for

preparada para lidar com a simulação imposta pela televisão, desenvolvendo habilidades para

isso através do conhecimento dos aspectos técnicos da produção e transmissão das

mensagens, compreensão dos diferentes tipos de programação, capacidade de distinção entre

o real e a ficção, compreensão dos objetivos (consumo) e os modos de funcionamento

(persuasão) das mensagens publicitárias. De acordo com diversos estudos, a criança precisaria

entender e aceitar que as mensagens televisuais influenciam sentimentos, valores, auto-

representação, opiniões e comportamentos. Ela deveria ser capaz de desenvolver uma visão

crítica a respeito da violência e, principalmente, perceber como o mesmo fato pode ser

passado de maneiras diferentes em diferentes programas ou emissoras (BELLONI, 2001;

BACCEGA, 2003; CARLSSON, FEILITZEN, 2002). É indispensável desenvolver a

autonomia, competência e o senso crítico desta criança para que ela usufrua as boas

influências da televisão e possa aproveitá-la como fonte e facilitadora da apreensão de

conhecimento pertinente e agradável de ser assimilado.

São diferentes enfoques de pesquisa, e de acordo com Ferrés (1996, p. 12), “a atitude

mais adequada é a aceitação crítica, o equilíbrio entre o otimismo ingênuo e o catastrofismo

estéril, um equilíbrio que assuma a ambivalência do meio, as suas possibilidades e limitações,

as suas contradições internas”.

Todavia, dentro da complexidade do fenômeno da audiência infantil há um ponto

pacífico entre a maioria dos estudos, que é a preocupação com os efeitos que podem causar

nas crianças a capacidade que a televisão tem de influenciar, ditar posturas, transmitir

conhecimento, fornecer padrões e modelos de comportamento ao gerar um processo de

identificação com o público infantil que pode fazer com que quaisquer mensagens midiáticas

sejam apreendidas.

Esse processo identificatório tem nas crianças os seus melhores agentes. De fato, as observações sociopsicológicas têm localizado, na infância, uma facilidade toda especial para imitar os comportamentos e as atitudes vistos no vídeo, como se a representação televisiva da presença física desencadeasse um processo equivalente ao efeito da presença real (SODRÉ 2000, p. 51).

Uma das hipóteses para a aprendizagem que pode ser proporcionada por conteúdos

televisivos é a “aprendizagem por observação” (BANDURA, 1969), que defende que a

criança aprende por experimentação e observação, fenômenos inconscientes e que assim as

reações de adesão ou rejeição aos personagens tendem a ser produzidas mais por

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envolvimentos emotivos que por considerações ideológicas ou éticas. As reações emotivas

provocadas pelos personagens induziriam as crianças a assumir ou rejeitar os valores por eles

representados (BANDURA, 1969, p. 74-75).

Um dos modos fundamentais pelos quais novos tipos de comportamento são adquiridos e padrões existentes são modificados envolve modelação e processos vicários [nos quais há “imitação”, “identificação”, “contágio” ou “aprendizagem por observação”]. [...] Assim, por exemplo, uma pessoa pode adquirir complicados padrões de respostas simplesmente observando o desempenho de modelos apropriados; respostas emocionais podem ser condicionadas por observação das reações afetivas de outras pessoas enquanto passam por experiências dolorosas ou agradáveis; comportamentos de medo ou esquiva podem ser extintos vicariamente através da observação do comportamento de aproximação modelado em direção aos objetos temidos, sem que nenhuma conseqüência adversa ocorra para o sujeito envolvido; inibições podem ser induzidas pela observação da punição do comportamento de outros; e, finalmente, a expressão de respostas bem aprendidas pode ser acentuada e socialmente regulada através de ações de modelos influentes (op. cit., p. 69).

Aproximando as considerações de Bandura (1969, p. 70) dos objetivos deste trabalho,

pode-se supor que a exposição de espectadores ao comportamento de personagens de

determinado programa pode fazer com que este adquira novos conhecimentos e padrões de

respostas que não existiam antes em seu repertório comportamental ou ainda ter reforçados

padrões apreendidos na coletividade mas ainda inativos, algo como um “despertar” para idéias

ou modos de agir que estavam latentes.

Entende-se que a exposição freqüente aos desenhos animados, por exemplo, permite

que a criança adquira um conhecimento do comportamento, da personalidade e do modo

como os conflitos são habitualmente solucionados por seus personagens. Esse “saber o que

esperar” colabora com o processo de modelagem ou de aprendizado, uma vez que para que

isto ocorra não basta a exposição, é necessária a apropriação de padrões de comportamento

que se tornam cristalizados no espectador.

Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende organizar os próprios processos mentais. O indivíduo deixa, portanto, de se basear em signos externos e começa a se apoiar em recursos internacionalizados (imagens, representações mentais, conceitos, etc.) (REGO, 2003, p. 62).

Mas, evidentemente, esta “internacionalização de significados” é bem menos simples

do que parece, não se dá como defendia a teoria da agulha hipodérmica (lembrando que cada

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teoria pode fazer sentido no momento histórico no qual se insere), quando sugeria uma

objetividade suprema da mídia e a ocorrência de um fenômeno de “estímulo-resposta” no qual

“todo membro do público de massa é pessoal e diretamente ‘atacado’ pela mensagem”

(WRIGHT, apud WOLF, 2003, p. 4) independentemente de outros fatores ou interferências.

Bandura (1969, p. 71-77) considera o processo em sua complexidade e lembra que não

só a exposição determina a aprendizagem por observação, mas também o que chama de

reforço. Não haverá a simples aceitação das mensagens, o processo passa pela intersecção

destas com as respostas internas geradas pelo espectador para então e talvez haver a

aprendizagem por observação. As características dos observadores como auto-estima, nível de

competência perante o meio, status social e sócio-econômico, estado emocional, entre outros

irão determinar o grau e a profundidade da aprendizagem por observação (BANDURA, 1969,

p. 79-80). Ou seja, espectadores diferentes construirão sentidos diferentes e conseqüentemente

diferentes apreensões e aprendizados.

Vygotsky afirma que o desenvolvimento do indivíduo está relacionado com o contexto

sócio-cultural em que ele está inserido, e que se instaura um movimento de recepção e

reelaboração de conteúdos fornecidos (REGO, 2003, p. 58). O aprendizado, que se dá na

interação entre este indivíduo e o mundo que o rodeia, é determinante para seu

desenvolvimento (REGO, p. 76).

É importante então a noção de mediação, que supera o conceito de receptor passivo e

passa a encará-lo como ativo no processo de construção de sentidos.

Apesar da criança não ter mecanismos de defesa iguais aos dos adultos, ela assiste televisão num jogo de interações e constrói a realidade atribuindo significado àquilo que vê, conforme sua experiência, seus filtros culturais, os códigos assumidos e os seus esquemas conceituais (MEDEIROS, 2002, p. 21).

A recepção televisiva seria um processo de duração mais extensa que a efetiva

audiência ao programa, sendo anterior e posterior a este momento (GÓMEZ, 1991, p. 10,

tradução nossa). Estudos mais recentes focam a importância do meio no qual o indivíduo está

inserido e o papel dos pais e educadores na orientação que darão às crianças para que elas se

relacionem com a mídia. A televisão é consumida principalmente no âmbito familiar

(FERRÉS, 1996) e daí a importância de que a família prepare um contexto que garanta uma

experiência enriquecedora como telespectadores. Mesmo sabendo-se que as preferências dos

programas de crianças dependem de variáveis como idade, sexo ou nível cultural, muitos

autores destacam a importância da influência da família nas escolhas da programação das

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crianças. Considerar a importância da família nos remete à cautela necessária ao se falar de

“criança”, pois facilmente pode-se esquecer que elas não são uma massa homogênea:

[...] não se pode falar da ‘criança’ em abstrato, mas dos filhos de uma classe ou de outra. O ser criança está profundamente enraizado em um tempo e um espaço, influenciando e sendo influenciado pelo meio sociocultural. A criança, como sujeito, vai se constituir na interação com o meio; ao mesmo tempo em que se constrói, reconstrói o mundo para se apropriar dele. Deste modo, quando falamos em criança, pensamos num sujeito marcado pelos atravessamentos culturais, políticos e ideológicos de uma determinada classe social, numa determinada sociedade, numa certa época (PILLAR, 2001, p. 22).

Pesquisadores como BELLONI (2001), FERRÉS (1996), GÓMEZ (1991) e LOBO

(1991), por exemplo, concordam que é muito importante que os pais discutam o conteúdo dos

programas. Que perguntem para este mini-telespectador o que o atrai tanto em determinado

quadro, como ele o entende, se os coleguinhas da escola também o assistem. Os pais devem

orientar a criança, estando presentes durante a exibição do programa e preparados para

responder e estimular que sejam feitas perguntas.

Concordam também que se deve considerar que a televisão é um canal de

comunicação face a face, embora não permita o diálogo. Na medida em que a criança percebe

que está recebendo mais (ou até melhores) informações na TV do que através de conversas ou

de leitura, deixa de “ter tempo” para estas atividades e passa a dedicar-se mais a televisão,

desinteressa-se por parentes, amigos e livros, que perdem importância. Por isso é decisiva a

participação dos pais ou responsáveis.

Porém, é preciso ponderar que é muito difícil crer que todos os pais tenham condições

de dar este tipo de suporte aos seus filhos. Muitas vezes eles também não sabem como lidar

com a televisão. Assim como as diferenças entre “crianças”, é imprescindível diferenciar os

contextos familiares.

As crianças socialmente favorecidas, cujas famílias podem proporcionar-lhes lazer e estímulos variados, têm na tevê mais uma fonte de entretenimento. Certamente essas crianças têm oportunidade de comentar, ou até mesmo de discutir, com seus familiares e amiguinhos as mensagens televisivas. [...]. O mesmo não se pode dizer das crianças que não têm outra opção além da companhia da tevê. Crianças que ficam sós grande parte do dia, sem amigos, com parcos e quase sempre os mesmos brinquedos que já não oferecem desafios, confinados em apartamentos pequenos [...] vêem tevê e não programas de tevê (REZENDE; REZENDE, 2002, p. 20, grifo nosso).

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Assim, além do papel dos pais, é extremamente debatida e cobrada por especialistas a

introdução, nas escolas, de atividades que ensinem as crianças a se relacionar com a mídia. É

na escola que a criança passa boa parte de seu dia e troca experiências (positivas ou não) com

seus colegas. É o ambiente onde acontece a interação e, muitas vezes, é retransmitido o

conhecimento e o comportamento transmitido pela televisão e que já foi absorvido. Ferrés

defende inclusive que “uma escola que não ensina a assistir à televisão é uma escola que não

educa” (1996, p. 7)

Caberia à escola integrar a televisão ao seu cotidiano, trazê-la para a sala de aula de

modo criativo, critico, competente. Deveria-se estimular a mediatização do processo de

ensino/aprendizagem aproveitando ao máximo as potencialidades comunicacionais e

pedagógicas dos recursos técnicos: criação de materiais e estratégias, metodologias, formação

de educadores (professores, comunicadores, produtores, tutores); produção de novos

conhecimentos (BELLONI, 2001, p.10).

Estes fatores são importantes porque o que ocorre no processo da audiência infantil (e

provavelmente em outras faixas etárias também) é a leitura negociada (GOMÉZ, 1991, p.

10), ou seja, vários fatores externos influenciarão a aprendizagem, que poderá se dar em

forma de aceitação, rejeição ou ainda em um meio termo que seria uma reelaboração de

conteúdos. E a própria mídia faz parte deste processo de leitura negociada, complexidade

destacada por Thompson (2004):

[...] com o desenvolvimento das sociedades modernas, o processo de formação do self [eu] se torna mais reflexivo e aberto, no sentido de que os indivíduos dependem cada vez mais dos próprios recursos para construir uma identidade coerente para si mesmos. Ao mesmo tempo, o processo de formação do self é cada vez mais alimentado por materiais simbólicos mediados [...] (p. 181).

Assim ocorre um fenômeno interessante: a aprendizagem, ainda que mediada e

negociada dependerá tanto das particularidades dos espectadores envolvidos quanto dos

próprios conteúdos da mídia, que também faz parte da mediação nas quais os espectadores

estão envolvidos.

Na proporção em que o ambiente social do indivíduo vai crescendo em complexidade (em parte através da maciça oferta de formas simbólicas mediadas), os indivíduos vão construindo sistemas de conhecimento prático (extraídos em parte de materiais mediados) que lhes permitem enfrentar esta complexidade e as demandas da vida no mundo moderno. A mídia assim tanto contribui para o crescimento da complexidade social quanto

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proporciona uma fonte constante de conselhos sobre como enfrentá-la (THOMPSON, 2004, p. 190).

De qualquer forma, não é difícil observar o poder que a televisão tem perante seu

público, uma vez que ela “alimenta o imaginário infantil com todo o tipo de fantasias e

contos. É um refúgio nos momentos de frustração, de tristeza ou de angústia. [...]. Ela dá

sentido (?) [sic] à realidade. Decide o que é e o que não é importante” (FERRÉS, 1996, p. 7).

Em diferentes níveis, há uma apropriação de conteúdos, que acontece porque as

mensagens da televisão também agem por impregnação, de modo quase subliminar, pois o

“conteúdo” é mascarado pela forma, por apelos comunicacionais muito eficazes, tais como

alusões arquetípicas, situações humorísticas ou de grande dramaticidade, personagens vividos

por galãs ou atrizes muito apreciadas (BELLONI, 2001, p. 40). Bandura, já em 1965 (apud

BANDURA, 1969, p. 74-75) observou em estudo que as respostas dadas pelas crianças aos

estímulos de um filme depende do comportamento dos personagens, da forma como o

conteúdo é exibido e principalmente das recompensas recebidas pelos personagens por cada

ação ou atitude. Além disso, os “apelos comunicacionais” com os quais se preocupa Belloni

também são determinantes para manter o nível de atenção das crianças durante a exibição do

filme (BANDURA, 1969, p. 78-79).

Uma das características da programação televisiva que mais desperta encanto e

fascínio é o “efeito de real” que ela introduz, passando a ser este um termo recorrente nos

estudos sobre mídia e criança, pois elas têm um modo particular de receber os discursos que

lhes são passados.

Ferrés (1996, p. 47) pondera que, apesar do tratamento de “janela para a realidade”

comumente oferecido à televisão, esta “realidade” é discutível. E para ele é preocupante a

confusão entre a imagem e a realidade feita pelas crianças, inclusive em programas de ficção.

“Se elas [as crianças] são especialmente vulneráveis às mensagens da televisão é devido

exatamente à sua incapacidade de distinguir entre a imagem e a realidade. [...] Para as

crianças uma história possui vida própria. Inclusive quando admitem a existência de

simulação em alguma história, as incorporam de alguma forma à realidade” (op. cit., p. 47).

Pillar (2001, p. 14-15) ratifica esta afirmação, defendendo que inicialmente a criança

tende a considerar tudo o que vê na televisão, inclusive desenhos animados como reais. O

conceito de realidade estaria relacionado às vivências com pessoas e objetos reais, em

situações concretas. E como a televisão faz parte do cotidiano da criança torna-se difícil para

ela delimitar o real e a fantasia porque ambos se misturam na tela. Para a autora, os primeiros

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indícios do que seria “ficção” surgem em relação a monstros, magos ou duendes, personagens

que ela não vê fora da tela. (PILLAR, 2001, p. 14).

Sodré (2000, p. 33) caminha por outro raciocínio, afirmando que quando não há uma

realidade externa que possa se assemelhar ao conteúdo de determinado programa, por

exemplo, é criado o “simulacro”, que é a não diferenciação entre o real e o imaginário, entre o

“verdadeiro” e “falso”.

O simulacro, construção ficticiamente substitutiva no confronto com a realidade, tem o valor de contiguidade e de contemporaneidade em relação ao objeto substituído. A linguagem simula sempre, embora em diferentes gradações: pode aproximar-se de seu referente, pode simular sem qualquer referente [...] (BENTZ, 1998, p. 285).

Para a criança inexiste a necessidade de referência de um modelo externo ao vídeo

para que haja aceitação. Isso acontece porque este programa passa a impor seu “próprio real”,

que se sobrepõe a experimentação e vivência do real (SODRÉ, 2000, p. 33). Assim, se pode

supor que o desenho animado infantil “Bob Esponja”, embora sem referentes no mundo da

criança, é apreendido e compreendido dentro de seu contexto, sendo assim verossímil.

Outro termo que passou a ser recorrente nos estudos sobre mídia e criança é o de

“qualidade” (da televisão ou da programação). Arlindo Machado (2003, p. 13) lembra os

múltiplos sentidos que esta expressão pode conter e que, ao utilizá-la está se atestando que

televisão e qualidade caminham separadamente, o que nem sempre é verdade. Geoff Mulgan

(apud MACHADO, 2003, p. 24-25) enumera sete diferentes acepções pra o conceito de

“qualidade”, que pode se referir puramente à técnica; à capacidade de detectar as demandas de

audiência; à competência de exploração da linguagem televisiva; aos aspectos pedagógicos

(valores e modelos); à capacidade de mobilizar a população em torno de temas de interesse

coletivo; à valorização de individualidades ou à existência de diversidade.

Independentemente da significação que o termo qualidade possa ter, não se pode

deixar de discutir o assunto (op. cit. p. 25). Pfromm Netto (2001, p. 157) afirma que a busca

pela qualidade na programação permitirá o conhecimento do que é oferecido atualmente, pois

é necessário que se saiba:

quais são os valores, as convicções, a atitude perante os semelhantes, os padrões de conduta, a visão do mundo, a filosofia de vida, a ética que, voluntária ou involuntariamente estamos transmitindo ao público infantil e que as crianças estão incorporando às suas personalidades, à sua maneira de ser, de viver e encarar a sociedade?

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Atenta a importância deste conhecimento, a ONG Midiativa criou o “Prêmio

MídiaQ5”, com intuito de valorizar a qualidade da programação televisiva destinada a crianças

e adolescentes.

Para poder concorrer a este prêmio, os programas infantis foram avaliados por pais e

deveriam se encaixar na maioria das categorias criadas por educadores e psicólogos para

determinar se um programa é de qualidade. São elas: 1) Confirmar valores (transmitindo

conceitos como respeito à família e ao próximo); 2) Incentivar a auto-estima (não reforçar

preconceitos nem estereótipos); 3) Preparar para a vida (propor temas importantes para a

futura vida profissional e social); 4) Gerar curiosidade (despertar o gosto pelo saber); 5) Não

ser apelativo (não banalizar a sexualidade nem a violência e não incentivar o consumismo); 6)

Ser atraente (ter música, ação, humor); 7) Despertar o senso crítico (fazer a criança e o jovem

refletir); 8) Mostrar a realidade (apresentar a vida como ela é, apontando os limites e as

conseqüências de cada ação); 9) Gerar identificação (mostrar situações próximas da vivência

das crianças e dos jovens); 10) Ter fantasia (estimular a brincadeira e fazer sonhar). O

desenho animado “Bob Esponja” foi o campeão na categoria de oito a onze anos,

demonstrando que ele não apresenta características consideradas negativas pelos pais e

reforçando a escolha deste desenho para este trabalho.

5 Disponível em: <http://www.midiativa.org.br/index.php/midiativa/content/view/full/2595> . Acesso em 15 jan. 2006.

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CAPÍTULO II – O MEIO É A LINGUAGEM

1. O MEIO

A televisão no Brasil já completou cinqüenta e cinco anos e muitas pesquisas vêm

sendo desenvolvidas na expectativa de “decifrar” este grande fenômeno. Concepções teóricas

e focos de análise são aprimorados constantemente, buscando compreender a televisão seja

considerando-a como fenômeno tecnológico, seja tentando depreender características de sua

programação, ou ainda realizando pesquisas de audiência. Dentro de cada um destes itens

ainda pode-se abrir um leque muito grande de vieses, o que faz do meio TV um objeto de

pesquisa extremamente rico e ao mesmo tempo muito difícil. “Televisão é um termo muito

amplo, que se aplica a uma gama imensa de possibilidades de produção, distribuição e

consumo de imagens e sons eletrônicos [...]” (MACHADO, 2003, p. 19).

A televisão não pode ser entendida como um “simples” meio transmissor de

informações ou de mensagens de entretenimento. Ela vai muito além disso, podendo reforçar

ideologias, induzir comportamentos, servir de modelo, reformular a realidade, operar no

controle social. Maingueneau (2004, p.72) afirma que nenhuma mídia é um simples “meio”.

Sua constituição, suas bases de funcionamento e as intenções dos produtores de seu conteúdo

imprimem um certo aspecto às mensagens, um certo modo de funcionamento.

Capparelli e Lima (2004, p. 07) entendem a televisão como um objeto complexo de ser

analisado, porque se encontra nas tensões entre mercado e cultura, entre o político e o

econômico, entre o coletivo e o individual. Silverstone (2002, p. 16-17) concorda,

acrescentando que a mídia deve sempre ser entendida como um processo social,

historicamente constituído.

Muniz Sodré (2000, p. 10-11) também entende a televisão como uma forma de

relacionamento social, definida por fatores políticos e econômicos que instituem novas formas

de ver, de falar, de interagir. Considerando o sistema televisivo como parte de uma estratégia

política e econômica global, ele funciona como um dispositivo de mobilização e integração de

suas audiências, e assim, como “um tipo de administração ou gestão da vida social”, fazendo

com que os meios de comunicação de massa sejam “dissimuladamente político-pedagógicos”

(op. cit.,p. 32).

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De fato, a análise dos diversos aspectos do fenômeno televisivo tem mostrado que a televisão (o sistema de broadcast e suas extensões industriais) não pode ser pensada como um mero esquema técnico de transmissão de imagens, mas como a ponta de um sistema complexo, articulado com todas as instâncias sociais de uma economia de mercado (op. cit., p. 09).

Como participante dos mecanismos político e econômico, a televisão depende do

estabelecimento de uma relação de poder com seus espectadores, comportando-se como

possuidora de um discurso legitimado. Uma das maneiras que utiliza para isso é a distinção

muito clara entre emissor e receptor. Este pode contar com uma “ilusão” de participação no

processo, mas não pode responder diretamente a programação. O poder está no “ou”: “ou se é

emissor ou se é receptor” (op. cit., p. 11). Algumas vezes, por exemplo quando é realizada

uma pesquisa de audiência, e um autor de telenovelas “muda” alguns planos em relação a

determinado personagem para permitir sua aceitação perante seus espectadores, pode haver

uma ilusão de mudança de papéis, pode-se acreditar que o público realmente possua o poder

de dialogar com o meio e, mais que isso, ser ouvido. Essa “aceitação” da opinião pública,

porém, é relacionada com a necessidade da televisão de manter níveis de audiência que

permitam sua manutenção econômica (mantendo investimentos publicitários) e que crie no

receptor uma maior identificação, mantendo o poder sobre ele (op. cit., p. 39).

Outro ponto que pode ser destacado como determinante na manutenção do poder da

televisão refere-se ao “efeito de real” proporcionado pelo fascínio que a TV impõe,

especialmente em virtude da profusão de suas imagens.

Esta “fascinação” pelas imagens na tela é explicada por Sodré (2000, p. 11-14) com

apoio de aspectos mitológicos e psicanalíticos. A fascinação do ser humano pelo “olhar” pode

remeter à lenda de Narciso ou de Eros e Psiquê, construções mitológicas que dão destaque à

postura do indivíduo em relação às questões do olhar de si mesmo e do outro. Em Narciso, é

abordada a questão do simulacro, considerado aqui como imagens que podem tomar

autonomia face à realidade externa, construindo o “duplo de si mesmo”, a impressão de

retrato fiel. Em Eros e Psiquê “o olhar é tido como suscetível de evocar sentimentos de temor,

mistério e amor [...]” (op. cit., p.13) e assim é trabalhado o poder do olhar, a crença de que o

olhar possa permitir uma fusão entre os seres, o que olha e o que é olhado.

Na televisão, porém, há um descompasso entre estes elementos. Suas produções

refletem um olhar particular sobre determinados fenômenos e não permitem um processo

interacional. O receptor, além de ver sem ser visto, não consegue exprimir o olhar que

desejaria lançar sobre aquilo que lhe é mostrado. “Quando há desequilíbrio de poder na

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relação, o olhar de um pode objetivar, congelando o movimento livre do outro [...]. No

imaginário, o olhar do outro é capaz de nos congelar como objeto, objetivar-nos e, por aí

mesmo, dominar” (op. cit., p. 14). Essa dominação responde a uma relação organizada de

poder, onde aquele que detém o poder sobre o olhar do outro, não se deixa ver. E esse poder

permite a retenção do olhar do outro, captando sua atenção (op. cit., p. 44) e construindo uma

aura de credulidade na imagem mostrada intencionalmente.

É preciso ter em mente que jamais lidamos com um ‘real em si’, independente da elaboração realizada pelos sistemas de representação socialmente gerados. O que chamamos de ‘real’ (o vivido, real-histórico, estrutura globalmente determinada pela Histórica) é o resultante de um modelo de representação que o opõe a imaginário (para onde acorrem as diferenças projetadas do real). O real conhecido (a realidade) é algo socialmente produzido (op. cit., p.09).

O real, então, não é representável, somente demonstrável. Ele não pode ser atingido e

escapa a qualquer discurso (BARTHES, 1978, p. 22), mas os mecanismos da televisão

acabam impondo uma realidade que não existe e a programação da TV elabora um universo

simulado, construindo-se assim um real imaginário. Juremir Machado da Silva (2003, p. 09)

define “imaginário”:

Num sentido mais convencional, o imaginário opõe-se ao real, na medida em que, pela imaginação, representa esse real, distorcendo-o, idealizando-o, formatando-o simbolicamente. Numa acepção mais antropológica, o imaginário é uma introjeção do real, a aceitação inconsciente, ou quase, de um modo de ser partilhado com outros, com um antes, um durante e um depois (no qual se pode interferir em maior ou menor grau). [...] O imaginário é uma rede etérea e movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou virtualmente.

As imagens e os discursos oferecidos pela televisão podem, assim, operar mutações na

estrutura psíquica e nos modos de percepção do espectador. Sua linguagem é determinante

neste processo, pois gera o efeito de “aparência” da verdade, de reprodução fotográfica da

realidade quando utiliza elementos como a montagem e os movimentos de câmera para

construir um sentido “à primeira vista, parece que toda representação (significante) coincide

de maneira exata e unívoca com a informação conceitual que veicula (significado)”

(MARTIN, 1990, p. 18).

Assim, o que acontece pode ser chamado de representação da realidade, e portanto o

raciocínio seguinte é o de que não poderá haver uma linguagem “neutra”, pois ela estará

sempre carregada de ideologias, que não serão compreendidas em uma relação causa-efeito,

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porque a ideologia não é inerente ao produto audiovisual, mas fruto de seu confronto com o

espectador. Espectadores diferentes constróem sentidos diferentes. “Assim, a imagem

reproduz o real, para em seguida, em segundo grau e eventualmente, afetar nossos

sentimentos e, por fim, em terceiro grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação

ideológica e moral” (op. cit., p. 28, grifo nosso).

A significação é possível porque o discurso do audiovisual se apresenta fechado em

uma estrutura, em uma linguagem que permite sua inteligibilidade, seu “fazer sentido”, que é

cada vez mais fabricado pelos dispositivos ideológicos de mercado, pelos mecanismos de

representação dessa ordem social (op. cit., p. 09). Complementando o pensamento de Martin,

Sodré (2000, p.35) acrescenta:

Incorporando todas as técnicas de reprodução desenvolvidas na modernidade, mas também todo o ethos moderno de organização da vida social em termos de simultaneidade e novidade, ela invade, com projetos de absorção, o campo existencial do espectador, oferecendo-lhe um espaço e um tempo simulados.

Estes são alguns fatores que demonstram a grande importância da televisão. Ela é

muito mais que um ‘meio de informação’, é uma estrutura, uma forma específica de

organização de conteúdos. Independentemente do programa que se assista ou da emissora (ou

das intenções desta), a linguagem televisiva se afina na “produção de um mesmo real

imaginário e fascinante”, que pode determinar novas maneiras de ver a si e ao outro (SODRÉ,

2000, p. 11).

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2. A LINGUAGEM AUDIOVISUAL DO “BOB ESPONJA”

Em âmbitos técnicos, pode-se dizer que a animação é a arte de conferir a ilusão de

movimento a desenhos estáticos. A animação em duas dimensões (2D) é a mais comum e

caracteriza-se, em princípio, por desenhos feitos em folhas de acetato que são dispostos sobre

uma mesa de animação (ou caixa de luz) e filmados um a um por uma câmera de animação,

que imprimirá à seqüência de imagens uma velocidade de dezesseis ou mais quadros por

segundos. Como toda técnica audiovisual ela evoluiu e, por exemplo no caso do desenho

animado “Bob Esponja”, as imagens são desenhadas a mão, escaneadas e no computador

recebem toda a pós-produção, como a colorização, a animação e a inserção de áudio. Mas a

animação, que hoje abarca diferentes técnicas – como o stop motion, conhecido como

animação em “massinha”; a animação em 3D, toda feita no computador; a pixilation, na qual

pessoas fazem poses como bonecos e são filmadas quadro a quadro – começou há muito mais

tempo, com técnicas rudimentares que foram sendo aperfeiçoadas a partir da invenção do

cinema.

A elaboração dos primeiros desenhos animados tinha muitas semelhanças com a

linguagem do cinema, uma vez que se pode afirmar que as duas expressões artísticas

caminharam juntas: em 1908 foi exibido o primeiro desenho animado em um projetor de

filmes moderno, Fantasmagorie, de Émile Courtet6. Já em 1928 os estúdios Disney

produziram o primeiro desenho animado sonorizado: “Steamboat Willie”, que marcou a

estréia do personagem Mickey Mouse, famoso desde então. Em 1932 a Disney lançou “Flores

e Árvore”, o primeiro a usar technicolor e em 1937, o primeiro longa-metragem de animação,

“Branca de Neve e os Sete Anões” 7.

A partir da invenção de televisão, o desenho animado passou a ter outro espaço de

veiculação, o que implicou em novas construções. Não seria possível, por exemplo, manter o

mesmo tempo de duração, ou o mesmo nível de tensão que são indispensáveis nas telas dos

cinemas. Então, uma nova categoria de desenhos animados passou a ser produzida: os

desenhos animados para televisão. Com isso, pode-se dizer que a linguagem do desenho

animado “Bob Esponja” é uma fusão das linguagens televisiva e cinematográfica8.

6 Disponível em: <http://www.marel.pro.br>. Acesso em 14 nov. 2005. 7 Disponível em: <http:// www.guiadoscuriosos.com.br/index.php?cat_id=50007>. Acesso em 14 nov. 2005. 8 A utilização do termo “linguagem” refere-se a maneira própria que o cinema e a televisão tem de se expressar, de construir suas narrativas representando a realidade.

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Cabe então, compreender melhor alguns elementos dessa linguagem que colaboram

com o processo de significação das imagens audiovisuais.

O cinema também serviu de inspiração para a linguagem televisiva, uma vez que

“permitiu a criação de protocolos ritualísticos para a televisão” (METZ, 1971, p. 35). Apesar

de manter semelhanças de linguagem com o cinema, a televisão é muito diferente dele,

porque ao mesmo tempo em que incorpora os aspectos técnicos da imagem em movimento,

responde a outras motivações político-econômicas. Metz (1971, p. 279) define as diferenças

entre estes meios como de ordens tecnológicas; sócio-político-econômicas; psicossociológicas

e de gêneros oferecidos.

Porém, em termos de compreensão e análise, as características da linguagem

cinematográfica podem ser transportadas para a linguagem televisiva, pois estas utilizam os

mesmos traços materiais (como tipos de planos, movimentos de câmera ou iluminação).

Entre o cinema e a televisão, os empréstimos, adaptações ou reutilizações de figuras são muito numerosos, mas o fato resulta principalmente de que os dois media constituem, pelo menos em seus traços físicos essenciais, uma única e mesma linguagem (METZ, 1971, p. 279).

A seguir serão descritos, tendo como base as obras “A linguagem cinematográfica”, de

Marcel Martin (1990) e “Da criação ao roteiro”, de Doc Comparato (2000), alguns aspectos

da linguagem cinematográfica com a intenção de relacioná-los com a linguagem do desenho

animado, que também se apropria destes elementos para criar suas cenas. Por tratar o desenho

animado como unidade de discurso, se faz necessária a compreensão de todo o sistema que

colabora com a construção do implícito dos enunciados. A forma como se apresenta o

discurso é tão importante quanto ele e caminha junto com sua compreensão.

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2.1. A IMAGEM EM MOVIMENTO

Os movimentos das imagens aproximam o espectador dos personagens e do enredo.

As linguagens como close ups, afastamentos, cortes, tomadas isoladas, planos gerais,

acelerações, ampliações e reduções proporcionam ao espectador a “experiência do

subconciente visual” (COMPARATO, 2000, p. 313) e assim, ajudam a contar a estória.

Os enquadramentos de câmera podem ser usados com diversas finalidades, como

deixar certos elementos da ação fora da cena; evidenciar detalhes significativos ou

simbólicos; direcionar a leitura da cena; modificar o ponto de vista do espectador ou ainda

obter efeitos de movimento significativos para o desenrolar da estória (MARTIN, 1990, p. 35-

36). Os diversos tipos de planos, bastante explorados no “Bob Esponja”, colaboram com a

clareza da narrativa.

O plano geral mostra os personagens envolvidos na cena e/ou o cenário completo no

qual a estória irá se desenvolver (COMPARATO, 2000, p. 314):

Este frame, do episódio “Os jogos do mestre cuca” mostra o lugar onde vai se

desenvolver a estória, o “Coliseu fast food”. O plano geral aqui funciona como ambientação,

fazendo com que o espectador, habituado com outros cenários, consiga rapidamente entender

o “tom” do episódio, sabendo que a trama não se desenvolverá nos arredores da casa do Bob

Esponja. Quando o plano geral é usado com essa finalidade não espera a “entrada” dos

personagens em cena: a câmera se movimenta rapidamente para acompanhar o

desenvolvimento da estória, normalmente em um travelling para frente (que será explicado

adiante). Pode-se inferir que quando usado com essa finalidade, o plano geral colabora com o

contrato enunciativo, significando “estamos em outro cenário, mas não se preocupe que já já

você vai entender”, e cria um ar de suspense, de interesse pela mensagem totalmente nova que

está por vir.

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Isso porque os episódios de “Bob Esponja”, em sua absoluta maioria, se desenvolvem

nos arredores da casa de Bob Esponja, muitas vezes começando com uma imagem que mostra

uma ilha enquanto o narrador saúda “Bem vindos à Fenda do Bikini”. O espectador sabe que

em poucos segundos a imagem será cortada para o ambiente submarino no qual as estórias se

desenvolvem, normalmente começando com um plano geral das casas de Patrick, Lula

Molusco e Bob Esponja, da esquerda para a direita.

Este é um dos planos menos explorados no desenho, limitando-se quase que

completamente a abertura dos episódios, porque “Bob Esponja” é composto por “episódios

seriados” - nos quais se repetem os personagens e a estrutura narrativa, mas cada episódio

apresenta começo, meio e fim, não interligando-se com os demais (MACHADO, 2003, p. 84-

85). Ou seja, não é necessária uma ambientação recorrente. O espectador já sabe onde o

episódio está se passando, mesmo que a cena comece com um close, por exemplo.

Os planos americano – que ‘corta’ o personagem na altura dos joelhos; e médio – que

apresenta o personagem da cintura para cima (COMPARATO, 2000, p. 314) têm

praticamente a mesma função no “Bob Esponja”, mesmo porque, por tratar-se de animação de

formas não humanas é muito difícil distinguir os limites entre a “cintura” e o “joelho” destes

personagens. Esse enquadramento ajuda a narrar a estória, servindo para acompanhar os

personagens; para mostrar simultaneamente os personagens conversando ou ainda para

simplesmente evidenciar a expressão corporal do personagem ou uma ação dele.

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Os frames anteriores ilustram este plano: o primeiro é um diálogo entre Bob Esponja e

Patrick (Chocolate com nozes) e o segundo o registro da gestualidade de Patrick ao se

preparar para cuidar do Bob Esponja, que está doente (Espuma). Neste caso, o sentido se

complementa pela fala de Patrick “Não me toque, estou esterilizado!” e pelo contexto do

episódio.

Este plano também é utilizado em situações de “ping-pong”, quando os personagens

são mostrados separadamente enquanto seu diálogo caminha para um momento de tensão ou

ainda quando, já sem diálogo, a expressividade corporal dos personagens se encarrega de

denotar a eminência de um embate. Normalmente estas situações são seguidas por closes ou

big closes.

O ‘close’ ou o ‘big close’ servem para evidenciar expressões faciais do personagem,

ressaltando seu papel na estória e aproximando-o do espectador. Assumem assim um papel

psicológico preciso (MARTIN, 1990, p. 35-36), expressando o pensamento do personagem a

respeito da situação que está sendo desenvolvida.

Este tipo de plano pode ter uma duração rápida, significando ação imediata após o

momento de tensão ou pode ter uma duração mais lenta, quando o objetivo é que o espectador

possa se aprofundar no momento psicológico que o personagem atravessa, criando

expectativa na audiência.

A sequência abaixo faz parte do episódio “Os jogos do mestre cuca”. Ela demonstra

através dos planos citados acima, sem a necessidade de diálogos, o nível de tensão existente

entre os dois personagens. Eles irão se enfrentar em uma competição e estão com muita raiva

um do outro não só por causa da competição em si, mas porque acreditaram em mentiras que

seus técnicos inventaram nas cenas anteriores com a intenção de inflamá-los e incitá-los a

competir de maneira agressiva. A montagem estabelece um ritmo tenso, e tem início com a

imagem dos dois frames abaixo. Trata-se do fim de uma discussão verbal entre Bob Esponja

e Patrick e o início de uma sequência não verbal carregada de significados.

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A seguir, os planos de “close” e “big close” continuam a seqüência, evidenciando

ainda mais a aura de tensão e criando uma relação de suspense, de querer saber qual será o

desfecho da seqüência ao mesmo tempo que já se espera a ação, a luta.

A sequência formada pelos seis frames acima é entendida como uma unidade de

discurso, pois ela significa com uma linguagem não verbal que esclarece o que o espectador

deve compreender: independentemente de sua amizade, Bob Esponja e Patrick estão bravos e

irão se enfrentar violentamente. Os olhos de Bob Esponja estão exageradamente grandes, o

que pode denotar que, além da raiva, ele está sentindo surpresa e estranhamento pela situação

de combate nunca vivenciada (este é o único episódio no qual eles brigam, e no final fazem as

pazes, saindo abraçados). Patrick demonstra sua raiva através das sobrancelhas, que ficam

arqueadas, em uma referência à linguagem das histórias em quadrinhos, fonte de muitas

contribuições à expressividade de desenhos animados. O formato da boca é o mesmo, em

posição contrária ao sorriso, e no big close a boca de ambos aparece exageradamente aberta,

aproximando o espectador da expressão facial dos personagens e marcando a passagem de um

momento psicológico no qual havia dúvida quanto ao embate para a demonstração da

disposição de ambos para a luta.

Os ângulos de filmagem também são utilizados no desenho animado. Com o uso da

contra-plongée – na qual a tomada do personagem é feita de baixo para cima – cria-se uma

ilusão de superioridade, exaltação e triunfo (MARTIN, 1990, p. 41), pois faz com que os

personagens pareçam mais altos, mais importantes. No “Bob Esponja” esse recurso é

utilizado para demonstrar que o personagem teve uma grande idéia, resolveu determinado

problema ou vivencia uma situação psicológica na qual se sente superior, como é o caso do

personagem Lula Molusco no frame a seguir, que o mostra fazendo uma manifestação contra

o “abuso” de seu patrão, Seu Siri Queijo.

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Já na angulação contrária, a plongée, o efeito é, evidentemente, o oposto. Esta tomada

tem o poder de humilhar o indivíduo, de caracterizar sua inferioridade perante os demais. No

desenho costuma denotar que o personagem fez algo de errado, que está “levando bronca” ou

então que está se sentindo triste por algum motivo. Aqui o erro cometido por Bob Esponja ao

não querer mais o carinho de sua avó (pois ele considerava-se muito “adulto” para isso) é

evidenciado no instante em que ele pede perdão com esta perspectiva de angulagem.

Além dos enquadramentos, a elaboração do desenho animado respeita “movimentos de

câmera”, que servem para acompanhar um personagem ou um objeto em movimento; criar a

ilusão de movimento de um objeto estático; descrever um espaço ou uma ação; definir

relações espaciais entre elementos da ação ou personagens; realçar aspectos dramáticos de um

personagem ou objeto e expressar o ponto de vista de um personagem ou sua tensão mental

(MARTIN, 1990, p. 45-46). “Podemos dizer que há uma função encantatória dos movimentos

de câmera que corresponde, no plano sensorial (sensual) aos efeitos da montagem rápida no

plano intelectual (mental)” (op. cit., p. 47).

São vários os movimentos de câmera, mas nem todos são utilizados na linguagem do

desenho animado, como o “Process shot” – quando se projeta uma cena pré-filmada por trás

dos personagens; ou a “desfocagem” – que foca um personagem ou objeto, privilegiando-o

perante os demais constituintes da cena (COMPARATO, 2000, p. 316-317).

Já outros são imprescindíveis. O “travelling” é feito quando a câmera acompanha o

movimento de um personagem ou objeto com a velocidade que este se move. “O travelling

consiste num deslocamento da câmera durante o qual permanecem constantes o ângulo entre o

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eixo óptico e a trajetória do deslocamento” (MARTIN, 1990, p. 47). É o travelling que dá a

sensação de movimento da imagem. Ele pode ser vertical (embora quase não seja utilizado)

ou horizontal. Horizontalmente pode se mover mantendo a distância do objeto ou personagem

ou ainda “para frente” ou “para trás”, com intenções narrativas específicas.

O “travelling para trás” (op. cit., p. 47-48), costuma ser utilizado para concluir uma

cena; promover afastamento no espaço; acompanhar um personagem que avança (quando o

Bob Esponja corre em direção a algum lugar, por exemplo); desligamento psicológico ou

impressão de solidão ou desânimo (quando a imagem “vai se afastando” de Bob Esponja que

está sentado em seu sofá refletindo sobre algum problema, ou sobre algo de errado que fez).

Mais comum é o “travelling para frente”, movimento mais natural, que dá ao

espectador a sensação de aproximação da cena e normalmente é acompanhado de mudanças

no plano da imagem – quanto mais para frente, maior o objeto ou o personagem fica. Ele

também tem funções expressivas, como introdução (muito utilizada no começo de episódios,

a imagem sai de um plano geral que mostra as casas do Patrick, Lula e Bob e vai se

aproximando da casa de algum deles); realce de um elemento dramático importante (quando a

imagem vai se aproximando de um rolo de fita-crepe que Patrick vai usar para tampar os furos

no corpo do Bob Esponja causando-lhe desconforto, por exemplo); passagem à interioridade

ou à tensão mental (quando a imagem vai se aproximando de Patrick criando uma lógica com

a próxima cena, que é uma recordação, por exemplo).

A “panorâmica”, é outro movimento de câmera importante e de mais simples definição

e compreensão. Ela acontece quando a câmera se move horizontalmente (conhecido como

“pan”) ou verticalmente (conhecido como “tilt”) sobre seu eixo, sem permitir alterações no

plano da imagem. Serve normalmente para seguir um personagem ou explorar um espaço,

mostrando o cenário.

A linguagem cinematográfica também conta com efeitos óticos. No desenho animado,

muitos deles não são utilizados, como o “fade in” e “fade out” (a imagem vai ficando mais

clara ou mais escura); o “encadeamento” com ou sem desfocagem (fusão de duas imagens); o

“freezing” (congelamento da imagem); a “câmera lenta”, entre outros (COMPARATO, 2000,

p. 317-320).

O encadeamento é utilizado nesta sequência, que pretende dar ao espectador a

sensação de estar “entrando” no cérebro do Bob Esponja. Em movimento, estes frames (e

outros mais) vão se fundindo enquanto significam:

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Outro efeito ótico muito utilizado é o “corte”, que é a passagem direta de uma cena

para outra, indispensável para estruturar e significar a narrativa. O corte também pode ser

feito com o efeito de “tela múltipla” – a tela é dividida em partes, mostrando ações

simultâneas (COMPARATO, 2000, p. 317) e costuma ser utilizado quando, por exemplo, os

personagens estão conversando ao telefone e é possível ver os dois ao mesmo tempo, cada um

na sua casa.

O entendimento do mecanismo dos movimentos de câmera (ou no caso deste trabalho,

de sua apropriação pelo desenho animado) colabora com o entendimento da imagem como

linguagem, que evoluiu progressivamente do ponto de vista estático para o dinâmico enquanto

ampliava suas possibilidades significativas. Em outras palavras, pôde-se destacar o potencial

da imagem em colaborar na construção discursiva, ao imprimir nos enunciados formas não

verbais de significar, diferentes modos de mostrar enunciados que são apropriados por quem

elabora o discurso e que conduzem a determinada leitura, determinada compreensão do

espectador. Como afirma a análise do discurso (PINTO, 2002, 36-43) o entendimento de uma

mensagem pode envolver o não-verbal. Observou-se que no caso do desenho animado “Bob

Esponja” essas estratégias são eficazmente utilizadas, fazendo parte de sua unidade

discursiva.

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CAPÍTULO III – O DESENHO ANIMADO INFANTIL “BOB ESPONJA”

1. A TELEVISÃO POR ASSINATURA

A televisão divide-se hoje entre os canais de sinal aberto (que podem ser sintonizados

por qualquer aparelho de TV) e os de sinal pago (captados mediante o pagamento de uma

assinatura). A TV por assinatura surgiu nos Estados Unidos na década de 40 como forma de

pequenas comunidades receberem os sinais de TV aberta que não chegavam a suas casas com

boa qualidade. As pessoas associavam-se e adquiriam uma antena de alta sensibilidade.

Depois, com o uso de cabos, levavam o sinal até as residências. Esse sistema ficou conhecido

como CATV, termo que é até hoje sinônimo por cabo.

No Brasil, foi em 1991 que os grandes grupos de mídia iniciaram este processo, com a

criação da TVA pelo grupo Abril (operando com MMDS) e da Globosat pelas Organizações

Globo (operando via satélite de banda C). Foi coma a promulgação da Lei de TV a Cabo em

1995 que o sistema passou a funcionar de uma maneira melhor9.

A televisão por assinatura tem hoje, no Brasil, 3,8 milhões de domicílios assinantes e

16 milhões de espectadores em potencial:

Disponível em: <http://www.abta.org.br/site/content/midia/images/MidiaFatos2005-2006-Port-English.pdf >. Acesso em 14 jan. 2006.

9 Disponível em: <http://www.abta.com.br/site/content/panorama/>. Acesso em: 15 maio 2005.

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Com quase doze anos de vida, a televisão paga mostra um perfil muito diferente das

outras mídias. Os picos de audiência, durante a semana, estão em torno das 22h e a divisão

por canais é mais equilibrada do que na TV aberta, em que poucos detêm toda a audiência.

Nos finais de semana, o público é maior e o pico acontece às 18h10. Praticamente todos os

canais oferecidos em sistemas de assinatura são produzidos nos EUA e têm, além disso, uma

diferença fundamental em relação à TV aberta: a segmentação de sua audiência. “Novas redes

pessoais assumem cada vez mais as características da mídia de massa tradicional. Essas redes

servem, coletivamente, a grandes públicos com necessidades de informação específicas”

(DIZARD, 2000, p.259).

Um dos públicos mais valorizados por estas empresas é o infantil, que hoje conta com

sete canais voltados a elas (Cartoon Network, Disney Channel, Boomerang, Jetix,

Nickelodeon, Discovery Kids, e TV Rá-Tim-Bum – único de produção nacional) e é o público

que mais dedica tempo à TV por assinatura, conforme dados da ABTA (Associação Brasileira

de TV por Assinatura).

Faixa etária Tempo dedicado à TV por assinatura

4-11 anos 2h39

12-17 anos 1h56

18-24 anos 1h53

25-34 anos 2h02

35-54 anos 2h08

55 ou mais anos 2h10

Tabela produzida com dados disponíveis em: <http://www.abta.org.br/site/content/midia/images/MidiaFatos2005-2006-Port-English.pdf> Acesso em: 10 jan. 2006.

10 Disponível em: <http://www.abta.com.br/site/content/panorama/>. Acesso em: 15 maio 2005

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2. O CANAL DE TRANSMISSÃO NICKELODEON

Para a análise do discurso, tão importante como o enunciado em si é a sua enunciação.

E isto se aplica aos dois âmbitos de enunciação, tanto o imediato quanto o ampliado. Para

compreender o conceito de contexto imediato, tome-se por exemplo a seguinte fala do Bob

Esponja (episódio Beijos da vovó) ao chegar no restaurante: “Não é ótimo? Todo mundo está

de bom humor hoje!”. A significação deste enunciado, seu “fazer sentido” só se completa

dentro do contexto do episódio, formando uma relação de dependência direta com os

acontecimentos anteriores, com a entonação do enunciador e com a imagem do desenho. No

caso, os clientes do restaurante estão rindo muito desde que Bob Esponja entrou, mas não

porque “estão de bom humor”. O que acontece de fato é que há uma marca do beijo de sua

avó em sua testa e as pessoas estão zombando dele, que na sua ingenuidade só entende o que

está acontecendo quando Lula Molusco explica ironicamente: “Eu adoro cortar o seu barato,

Bob Esponja! Eles estão rindo de você e não com você!” (ênfase dada pela entonação do

personagem). Ou seja, o desenvolver da história, a entonação, as imagens (entre outros

elementos) são indispensáveis para a compreensão dos enunciados. Em um texto entendido

como discurso, todos os elementos constituintes são indissociáveis.

Podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto-histórico, ideológico (ORLANDI, 2003,p. 30).

O contexto ampliado, por sua vez, envolve os elementos que estão além do “Bob

Esponja” em si, mas que determinam suas condições de produção, seu “querer dizer” dentro

de determinada condição social e histórica.

Sua produção, portanto, passa pela ideologia do canal e por todo o contexto da

produção televisiva. E neste âmbito e produção também tem particularidades, pois se trata de

um canal por assinatura.

O animado infantil “Bob Esponja” é exibido e produzido pela Nickelodeon, e

provavelmente pelo perfil de sua audiência, a emissora não disponibiliza em seu site oficial

(http://www.mundonick.com.br) informações institucionais. O site fornece informações sobre

a programação; jogos; e espaços interativos, nos quais a criança pode responder a uma

pesquisa, votar no desenho preferido, enviar fotos para que sejam publicadas ou ainda

escrever mensagens. Estima-se que a página receba aproximadamente 2,8 milhões de visitas

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mensais e que a Nickelodeon seja a segunda colocada no ranking de audiência dos canais por

assinatura para público infantil11, perdendo para a concorrente direta, Cartoon Network.

Apesar de fazer parte do rol de “canais para crianças”, a programação da Nickelodeon

é para um público bem variado, o que pode ser demonstrado por uma análise superficial de

sua grade de programação.

Na maioria dos horários são exibidos desenhos animados produzidos pela emissora.

Entretanto, a programação conta com muitos seriados para público jovem (de produção

própria também) e em fevereiro deste ano passou a exibir, a partir das 22h, seriados antigos

como “Alf, O é Teimoso” e “A Feiticeira”, que já fizeram parte da programação da televisão

aberta e visam, provavelmente, atender os 21% de sua audiência que tem mais de trinta e

cinco anos e já conhecem estas séries.

Distribuição da audiência da Nickelodeon por sexo e faixa etária:

Disponível em: < http://www.lamac.org/_pt/nick_2.php>. Acesso em 10 jan. 2006.

11 Disponível em: <http://www.maxpressnet.com.br/noticia.asp?TIPO=PA&SQINF=209810&EDIT=IN>.Acesso em 10 jan. 2006.

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São exibidas apenas duas produções nacionais: “Patrulha Nick” e “Nick Tônico”,

apresentados por adolescentes que discutem temas diversos, como a programação da

emissora, escolha de profissão, comportamento, música pop, entre outros. No decorrer dos

blocos há inserção de desenhos animados, normalmente os mais votados em pesquisas pelo

site.

Como não havia informações institucionais no site da emissora, recorreu-se a outros,

como o da ABTA (http://www.abta.com.br) e da LAMAC12 (http://www.lamac.org).

Os discursos encontrados são semelhantes:

É um canal de entretenimento para crianças e uma das maiores produtoras de programas infantis do planeta. Oferece uma programação variada, de alta qualidade e repleta de novidades, incluindo séries e curtas produzidos exclusivamente para crianças. No Brasil, Nickelodeon está disponível para quase 3 milhões de assinantes e é transmitida pela TVA, Net, Sky e DirecTV, entre outras. Entre os destaques da programação estão sucessos como: Bob Esponja, Rocket Power, Rugrats, Jimmy Neutron e Patrulha Nick. A Nick fala com a criança e não como criança13.

Na LAMAC a emissora é assim caracterizada:

Nickelodeon não é um canal infantil, é para criança. A Nick é uma marca dedicada para crianças, colocando-as em primeiro lugar e guiada pela missão: Conectar-se às crianças e conectá-las ao seu mundo através do entretenimento! Mais do que feito para a criança, a Nick é um canal feito pela criança. Somos comprometidos com a criação de um ambiente televisivo que seja divertido e seguro para elas14.

Supõe-se que estas informações tenham sido fornecidas a essas empresas pela

assessoria de imprensa da emissora. É curiosa a importância dada ao “falar para criança e não

como criança”. Acredita-se que este enunciado da emissora diga respeito a sua preocupação

em não perder sua audiência adulta, que compõe 42% do total. Talvez isso explique também o

fato de que, em uma emissora que exibe essencialmente desenhos animados e que tem 42% de

sua audiência concentrada no público infantil, se proponha apenas a “conectar as crianças ao

entretenimento”, não apresentando nenhuma preocupação em produzir programas de gênero

educativo.

12 “A LAMAC, Conselho Latino-Americano de Publicidade em Multicanais, é uma associação formada por 30 redes de televisão por assinatura, cujo propósito é desenvolver agressivamente o investimento publicitário em multicanais (cabo, MMDS e DTH) na América Latina. Em parceria com seus canais associados, busca superar os obstáculos da indústria, desenvolver recursos para medir a efetividade da publicidade em TV por assinatura e criar plataformas de comunicação que apoiem a parcela justa do investimento publicitário em TV paga”. Disponível em: <http://www. http://www.lamac.org/_pt/index.php>. Acesso em 25 jan. 2006. 13 Disponível em: <http://www.abta.org.br/site/content/midia/images/MidiaFatos2005-2006-Port-English.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2006: 14 Disponível em: <http://www.lamac.org/_pt/nick_1.php>. Acesso em 10 jan. 2006.

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3. A CENA ENUNCIATIVA DE "BOB ESPONJA"

A enunciação, momento que atribui a cada enunciado uma orientação de leitura, uma

significação almejada, é diretamente ligada ao contexto no qual essa enunciação é feita.

Assim, enunciados e situações vivenciadas no desenho animado “Bob Esponja” podem não

“caber” em outro desenho animado. Cada texto, cada construção significativa, responde a uma

estrutura interna que lhe confere sentido, que permite além de sua inteligibilidade, sua

compreensão (determinada pelas construções discursivas em si, dos elementos fornecidos

durante os episódios de “Bob Esponja”, por exemplo) e sua interpretação (que dependerá de

outros fatores, como predisposição a aceitação do conteúdo, mediações familiares e escolares,

experiências pessoais da audiência).

A análise do discurso confere a esta estrutura interna o nome de “cena de enunciação”,

na qual defende-se que a enunciação acontece em um espaço instituído, que é definido de

maneira mais ampla pelo gênero de discurso (desenho animado), e também pela dimensão

construtiva de determinado discurso (como o específico do desenho animado infantil “Bob

Esponja”). Esses espaços, o instituído e o construído, colocam-se em cena instaurando um

espaço próprio de enunciação (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 95).

O desenho animado infantil “Bob Esponja Calça Quadrada” (tradução fiel do inglês

“Spongebob Squarepants”) é uma produção da Nickelodeon que faz muito sucesso:

Bob Esponja é visto por 58 milhões de pessoas a cada mês nos EUA, recorde de público para o segmento infantil na televisão a cabo. O personagem deu ainda origem a uma linha de produtos licenciados que movimenta mais de US$ 700 milhões15.

Sua ambientação se dá em uma cidade chamada “Fenda do Bikini”. Em alguns

episódios o desenho começa com uma narração em “off”, e nessas costuma-se dizer que a

“Fenda do Bikini” está no fundo do Oceano Pacífico. O nome da cidade é uma tradução feita

do original “Bikini Bottom”, que em uma tradução literal seria algo como “Fundo do Bikini”.

Todos os personagens do desenho são marinhos, com exceção da Sandy, que é uma

esquila e não é uma personagem fixa. Ela pode ir à “Fenda do Bikini” porque usa uma roupa

especial com um “capacete” para poder respirar. Sua casa é uma espécie de “redoma”, que

tem duas comportas separando o oceano da terra firme:

15 Disponível em: < http://www.lamac.org/_pt/nick_2.php>. Acesso em 05 dez. 2005.

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Casa da Sandy, episódio “Espuma”

Os personagens marinhos a visitam em poucos episódios e, para tanto, usam um

capacete que costuma ser um aquário ou um vidro de pickles cheios de água. Nenhum

episódio se preocupa em explicar como ou por que existe esse “espaço de terra firme” no

fundo do mar, o que fica implícito é que ela, buscando por aventuras, decidiu morar nesta

“redoma”. Os episódios se desenvolvem naturalmente e dentro do contexto, essa situação faz

sentido, pois “a ‘verdade’ dá lugar à ‘credibilidade’ do enunciado. [...] Nos modernos mass-

media, o fato (referencial descrito) não pode ser avaliado independentemente de sua

veiculação. Em outras palavras, o fato é construído pelo discurso que o enuncia” (SODRÉ,

2000, p. 42, grifo nosso).

A maioria dos episódios desenvolve-se nas proximidades da casa do personagem

principal “Bob Esponja”. Entende-se este “bairro” seja um pouco afastado do centro, porque

não apresenta movimentação de transeuntes, sinalização de trânsito, fluxo de barcos ou

“prédios”, como foi demonstrado no episódio “A lagartinha” (não selecionado para este

trabalho), no qual uma borboleta “escapa” da redoma de Sandy e invade a “Fenda do Bikini”

apavorando os cidadãos que acabam destruindo quase toda a cidade tentando fugir do

“monstro”.

A casa do Bob Esponja fica em uma grande avenida, e ele só tem como vizinhos Lula

Molusco e Patrick, como mostra este frame do episódio “Chocolate com nozes”:

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Patrick mora em um buraco na areia, embaixo de uma pedra. Ele não tem móveis (são

todos feitos de areia), mas tem uma televisão. E uma antena para ela, “instalada” em cima da

pedra.

Lula Molusco mora em uma espécie de capacete de armadura, provavelmente caído no

mar, e sua casa é um “sobrado” totalmente mobiliado, com televisão também.

Bob Esponja mora em um abacaxi que também tem dois andares. É totalmente

mobiliada e é a casa mais explorada nos episódios. Muitas vezes parte dos episódios se

desenvolvem dentro da casa do Bob, como por exemplo o episódio “Espuma”, considerado

neste trabalho. Ele tem televisão e em alguns episódios Bob é flagrado assistindo ao “Jornal

da Fenda do Bikini”, que tem um peixe como apresentador ou ainda assistindo filmes de

terror, como no episódio “Siri Borg”, cujo enredo não foi considerado para este trabalho:

Deu-se destaque ao fato de que os personagens vêem televisão porque talvez essa ação

sirva para aproximar a realidade fantástica do desenho animado com a realidade vivenciada

por seus espectadores. É um momento no qual a criança pode “se ver” no desenho. No frame

destacado acima, Bob Esponja vê TV com Gary, seu caracol de estimação, com uma

expressão facial e corporal muito semelhante a que as crianças assumem quando estão

fazendo isso.

A casa do Seu Siri Queijo, dono do restaurante “Siri Cascudo” é em formato de âncora

de navio, porque ele se apresenta como um ex-marinheiro. São raros os episódios em que se

mostra sua casa. No final da avenida onde mora Bob Esponja, fica o restaurante “Siri

Cascudo” (abaixo) onde muitos episódios se desenvolvem:

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4. O ETHOS DOS PERSONAGENS FIXOS

“Ethos” é a terminologia que se dá em análise do discurso para a revelação da

personalidade do enunciador através de seus enunciados. Barthes (apud MAINGUENEAU,

2004, p. 98) define ethos:

São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar boa impressão: são os ares que assume ao se apresentar. [...] O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo diz: eu sou isto, eu não sou aquilo.

Isso não quer dizer, no entanto, que o conceito de ethos esteja restrito às escolhas

conscientes e pré-determinadas que o enunciador possa fazer de como se comportar ou

estruturar seu discurso buscando unicamente seduzir sua platéia. O processo, na maioria das

vezes é intrínseco, talvez possa se dizer “nato”.

O ethos não se reduz aos atos de fala, compreendendo também as determinações

físicas e psíquicas inerentes ao enunciador. Maingueneau (2004, p. 98) as distingue em caráter

e corporalidade:

O “caráter” corresponde a uma gama de traços psicológicos. Já a “corporalidade” corresponde a uma compleição corporal, mas também a uma maneira de se vestir e de se movimentar no espaço social. [...] O universo de sentido propiciado pelo discurso impõem-se tanto pelo ethos como pelas “idéias” que transmite; na realidade, essas idéias se apresentam por intermédio de uma maneira de dizer que remete a uma maneira de ser [...] (grifo nosso).

Buscou-se assim comprender o ethos de cada um dos personagens fixos (utilizando

nesta etapa o conhecimento acerca de todos os episódios gravados), considerando para tanto

as considerações feitas acima por Maingueneau. Após a descrição, foram destacados trechos

de diálogos dos episódios selecionados que exemplificassem o modo de ser, agir ou interagir

dos personagens. Isso não foi feito separadamente, personagem por personagem, porque o

diálogo é interação, é um espaço onde o ethos de cada um dos personagens pode se

manifestar. O conhecimento do ethos dos personagens fixos é importante pois colabora com o

“fazer sentido” do desenho, uma vez que o personagem “[...] por meio de sua fala, confere a si

próprio uma identidade compatível com o mundo que ele deverá construir em seu enunciado”

(op. cit., p. 99).

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4.1. BOB ESPONJA CALÇA QUADRADA

Bob Esponja é uma esponja do mar amarela. Ele é o personagem principal do desenho

animado e, junto com Patrick, desenvolve as situações que permitem que este desenho

animado seja caracterizado como uma comédia, abusando do exagero, da inconveniência e da

irreverência (COMPARATO, 1995, p. 458). Está sempre vestindo uma pequena camisa

branca e suas “calças quadradas” e usa meias e sapatos (o único personagem da estória que

faz isso). Como dito acima, trabalha como mestre-cuca, atividade que lhe dá muito prazer.

Sempre se esforça para ser o funcionário do mês e o é há dois anos consecutivos (como

demonstrado no episódio “Funcionário do mês” – não selecionado para este trabalho). Sua

atividade preferida, depois de trabalhar, é brincar com seu melhor amigo, Patrick. Possui um

animal de estimação, o Gary, que é uma lesma que não fala, mas é capaz de se fazer

compreender por Bob que trava diálogos interessantes com ele. Sua personalidade é marcada

pelo otimismo. Ele acredita que vive no melhor dos mundos, e demora a perceber quando está

sendo ludibriado, de tão bom chega a ser extremamente ingênuo. Parte do pressuposto que as

pessoas são boas, é amigo de todos, extremamente simpático e dificilmente se irrita com

alguma situação, sempre mantendo o bom-humor. É inteligente (muito mais que Patrick) e sua

principal frase é “Estou pronto!”, que repete em voz alta toda vez que sai de casa, seja para

trabalhar ou para brincar. Na tentativa de fazer tudo da maneira mais certa possível e de

agradar a todos acaba de envolvendo em confusões, mas tudo dá sempre certo no final. É o

personagem que mais utiliza expressões faciais, demonstrando sentimentos como espanto ou

alegria.

Imagem disponível em: <http://www.nick.com/all_nick/tv_supersites/characters.jhtml?show_id=spo&character=Spongebob> Acesso em: 23 jan.2006.

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4.2. PATRICK ESTRELA

Patrick Estrela é uma estrela-do-mar. É o melhor amigo de Bob Esponja e aceita

participar com ele de qualquer situação. Veste-se apenas com um shorts e é todo cor-de-rosa.

Enquanto Bob Esponja é ingênuo, Patrick é agradavelmente bobo. Tem dificuldade de

compreender algumas coisas e freqüentemente perde-se o meio do próprio raciocínio.

Esquece até de comer, mas costuma ter o desejo de “resolver” os conflitos e agir como se

“soubesse das coisas”. Acaba dando conselhos e fazendo afirmações que não são as mais

acertadas, como no episódio “Espuma”, que será melhor detalhado adiante. Patrick é tão

pouco inteligente que não consegue trabalhar e espera que Bob chegue do serviço para que

possam brincar. Também se esforça para ser amigo de todos e acredita em tudo que lhe é

falado. Seus pais aparecem em um episódio (não selecionado para este trabalho), “Sou pelos

idiotas”, no qual, aterrorizado por receber uma carta dos pais informando a visita, confessa a

Bob Esponja que “até seus pais o acham idiota”. Bob resolve ajudá-lo, fingindo que é um

“empregado doméstico” de Patrick, agindo da maneira mais idiota possível achando que, “se

os pais de Patrick conhecerem um verdadeiro idiota, passarão a considerar o filho o mais

inteligente dos seres”. Evidentemente, as coisas não correm como eles esperavam, mas acaba

dando tudo certo.

Imagem disponível em: <http://www.nick.com/all_nick/tv_supersites/characters.jhtml?show_id=spo&character=Patrick> Acesso em: 23 jan.2006.

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4.3. LULA MOLUSCO

Lula Molusco é uma lula azul. Mora entre Bob Esponja e Patrick a contragosto (pois

vive reclamando dos vizinhos) e trabalha como caixa no restaurante Siri Cascudo. Usa apenas

uma camisa marrom, mas pode ser visto de terno em situações especiais, por exemplo no

episódio “O retorno de Squilliam” (não integrante deste trabalho) no qual Lula resolve fingir

que é o dono do restaurante para impressionar um antigo colega de escola que obteve

“sucesso na vida”. É o personagem mais mau-humorado e chato da estória. Nada está bom

para ele, nunca. Está sempre resmungando pelos cantos, reclamando do emprego, da sua vida,

das brincadeiras de Bob e Patrick, enfim. Implica com eles e, quanto mais implica piora sua

situação porque Bob e Patrick não têm discernimento e sempre ficam buscando “desculpas”

para as grosserias de Lula. Assim, acabam querendo agradá-lo ou distraí-lo sendo mais

inconvenientes ainda. Um dos motivos da personalidade hora agressiva, hora depressiva de

Lula é sua frustração profissional. Ele se considera um artista, tentando inclusive em um

episódio (“Artista desconhecido”) abrir uma escola de artes. Mas seu primeiro aluno é Bob

Esponja, que se mostra capaz de fazer obras de arte muito melhores que as de Lula, fazendo-o

desistir da idéia e ficar mais arrasado. Outra “aptidão” de Lula é a clarineta, mas só o Bob tem

paciência para ouvi-lo tocar. É convidado freqüentemente por Bob e Patrick para participar de

suas brincadeiras, mas procura manter uma postura distante e desinteressada. Acaba sempre,

porém, espiando a brincadeira deles de sua janela, morrendo de vontade de participar. É o

único personagem que não alcança obrigatoriamente seus objetivos no final dos episódios que

protagoniza. Independentemente da trama, o final de Lula Molusco não costuma ser feliz.

Imagem disponível em: <http://www.nick.com/all_nick/tv_supersites/characters.jhtml?show_id=spo&character=Squidward> Acesso em: 23 jan.2006.

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4.4. SEU SIRI QUEIJO

Seu Siri Queijo é um siri vermelho. Usa uma calça pescador e uma camisa azul. Ex-

militar, busca ter um comportamento exemplar. Mas age muito mal quando o assunto é

dinheiro, porque é extremamente avarento. Ele tem uma filha chamada Pérola, uma baleia que

raramente aparece nos episódios porque está sempre “passeando com amigas”. É o

proprietário do “Siri Cascudo”, embora seu único prazer com o restaurante seja ganhar

dinheiro. Guarda como amuleto sua primeira moeda e tem um “termômetro” em seu

restaurante para detectar “dinheiro saindo”, ou seja, baixo número de fregueses. Explora seu

melhor funcionário, que é o Bob Esponja, mas este não percebe isso e trabalha mais e mais,

acumulando funções (feliz por isso, inclusive). É viúvo e apaixonado por uma personagem

que aparece raramente, a Srta. Puff, que é professora do Bob Esponja na escola de pilotagem.

Tem um temperamento agitado, fica o tempo todo dando ordens aos funcionários e contando

seu dinheiro. Gosta do Bob Esponja e busca passar ensinamentos a ele. É o único personagem

que tem um inimigo, Plâncton, dono do restaurante “Balde de lixo” que quer roubar a receita

secreta do hambúrguer de siri. Mas não há situações violentas e os episódios não giram em

torno deste mote. Dos setenta e quatro episódios diferentes gravados, em apenas três o

Plâncton aparecia, sempre tentando bolar “planos” para roubar um hambúrguer de siri, sem

sucesso.

Imagem disponível em: <http://www.nick.com/all_nick/tv_supersites/characters.jhtml?show_id=spo&character= Mr.%20Krabs> Acesso em: 23 jan.2006.

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4.5 EXEMPLOS DO ETHOS DOS PERSONAGENS EM DIÁLOGOS

Episódio: Espuma

“B” corresponde a Bob Esponja; “P” a Patrick”.

Patrick toca a campainha e Bob Esponja atende vestindo cachecol e blusa de lã.

“[...]

P – Oi, Bob Esponja! Você vai esquiar?

B – Eu tô doente, Patrick, vou pro médico!

P – O quê? Você não pode ir!

B – Por que não, Patrick?

P – Eu conheço o cara que conhece o cara que foi pro médico uma vez. O consultório

do médico é horrível, um lugar horrível.

B – Não pode ser tão horrível quanto a espuma! Atchum!

P – Ah, é sim, Bob Esponja! Primeiro eles fazem você sentar na saaaala de espeeeeera.

B – Essa é a parte horrível, Patrick?

P – Não fica pior, eles fazem você ler revistas velhas!

B – Ai!

P – Aí, o médico vai logo puxando o estetoscópio!

B – Nããão!

P – Sim!

É um aparelho tão sinistro, tão gelado que quando ele toca na sua pele indefesa ele...

B – Ahhhhh!

B – Não, não, não, nada de estetoscópio, nada de médico, nada de revistas velhas, nada

de pssiii [som do estetoscópio gelado tocando no corpo quente]. Não, não, não!

Patrick, eu não quero ir pro médico!

P – Exatamente!

[...]”.

Episódio: Beijos da vovó

“B” corresponde a Bob Esponja; “L” a Lula Molusco, “C” a cliente do restaurante e

“TC” a Todos os Clientes.

Bob Esponja acaba chegar ao Siri Cascudo para mais um dia de trabalho após ter ido

visitar sua avó. Quando ele entra no restaurante, todos começam a rir.

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“[...]

B – Não é ótimo? Todo mundo está de bom humor hoje!

L – Eu adoro “cortar o seu barato”, Bob Esponja! Eles estão rindo de você e não com

você!

B – Eu fiz alguma coisa engraçada?

L – A sua testa!

B – Minha testa é engraçada?

C – Ei, menininho da vovóó, beijinho, beijinho, beijinho...

B – Nããão! Parem com isso! Não tem nada de errado em ganhar um beijo da vovó da

gente!

C – Ó não, principalmente se você é um bebezão que usa fraldas...e chupa o dedão e

deixa eu ver, e brinca com bonecas e usa pijama do tipo macacão e carrega o cobertor por aí e

também...

TC – Agora já chega!

L – Não esquenta, Bob esponja, conheço alguém que ainda gosta de você...

B – É mesmo? Conhece Lula Molusco?

L – É, é a sua avó!

TC - Riem

[...]”.

Episódio: Chocolate com nozes

“B” corresponde a Bob Esponja; “L” a Lula Molusco e “C” a Cliente.

Bob Esponja e Patrick estão lendo uma revista que mostra pessoas que têm muito

dinheiro.

“[...]

B – Lula Molusco, como as pessoas dessa revista ganham todo esse dinheiro?

L – São empreendedores, vendem coisas para as pessoas!

B – Que tipo de coisa?

L – Eu sei lá! Coisas que as pessoas têm que comprar! E tirem as patas do meu

correio!

B – É isso aí, Patrick! Nós temos que virar empreendedores!

P – E isso aí vai doer?

B – Vamos, Patrick, pensa rápido: Se você pudesse ter o que quisesse agora mesmo, o

que seria?

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P – Ai...Mais tempo pra pensar.

B – Não, uma coisa de verdade, um artigo, uma coisa que é preciso pagar.

P – Uma barra de chocolate?

B – É uma grande idéia, Patrick! Vamos ser vendedores ambulantes de chocolate!

Vida boa, aí vamos nós!

P – Abram alas para uma dupla de empreendedores!

[...]

B – Não estamos indo muito bem, Patrick. Precisamos de um novo método! Uma

tática nova!

P – Eu já sei! Vamos ficar pelados!

B – Não, vamos deixar isso pra vender imóveis...Deve haver alguma coisa. Por qual

motivo compramos aquelas bolsas?

P – Ele disse que éramos medíocres.

B – É isso! Fez a gente se sentir especial!

P – É verdade...Eu vou voltar e comprar mais bolsas!

B – Não, espera Patrick!Por que não tentamos ser legais?

P – Ah...tá bom.

B – Lembre-se, Patrick, elogie os fregueses, faça eles se sentirem bem.

C – Olá!

P – Eu amo vocêê...

[...]”

Episódio: Os jogos do mestre cuca

“B” corresponde a Bob Esponja e “S” a Siri Queijo.

Bob Esponja está se preparando para a competição nos jogos do mestre cuca.

“[...]

B – Esse pode ser o maior dia da minha juventude, seu Siri Queijo! Eu não acredito

que estou representando o Siri Cascudo nos jogos do mestre-cuca! Levar o ouro pra casa é

levar honra e glória para o Siri Cascudo!

S – E toda essa propaganda grátis vai atrair os fregueses, então não perca!

B – ‘Xá comigo, seu Siri Queijo! Siri Cascudo, Siri Cascudo, Siri Cascudo...

[...]”

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CAPÍTULO IV - LEITURA DOS EPISÓDIOS SELECIONADOS

Todo discurso é marcado por algum grau de heterogeneidade. Isso quer dizer,

simplificadamente falando, que nenhum discurso é essencialmente novo. Ele carrega no seu

contexto significativo outros discursos, e até outras ideologias que podem aflorar de maneira

mais ou menos clara.

Para a análise de discursos, todo texto é híbrido ou heterogêneo quanto à sua enunciação, no sentido de que ele é sempre um tecido de ‘vozes’ ou citações, cuja autoria fica marcada ou não, vindas de outros textos preexistentes, contemporâneos ou do passado (PINTO, 2002, p. 31).

Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 231) e Pinto (2002, p. 31) estabelecem uma

diferenciação entre a heterogeneidade mostrada e constitutiva. A heterogeneidade mostrada

caracteriza-se pela manifestação localizável de um discurso dentro de outro. Já a

heterogeneidade constitutiva interessa mais a este trabalho, pois trata das relações

interdiscursivas entre o discurso que se apresenta e os outros que colaboraram para sua

construção.

[...] heterogeneidade constitutiva ou interdiscurso, constituído pelo entrelaçamento no texto presente de vestígios de outros textos preexistentes, muitas vezes independentemente de traços recuperáveis de citação ou alusão e segundo restrições sócio-histórico culturais sobre as quais o(s) autor(es) empíricos(s) do texto não tem controle (PINTO, 2002, p. 31).

O discurso do desenho animado “Bob Esponja” também apresenta traços de outros

discursos ou ideologias como explicado acima. Acredita-se que a mescla de discursos já

cristalizados e compreendidos pelo público favorece o processo de apreensão de significados

de novos discursos, pois estará estabelecida uma relação de proximidade, de conhecimento.

Uma das maneira de atingir o nível do interdiscurso de um texto sugeridas pela análise

do discurso é a compreensão dos postos, pressupostos e subentendidos dos enunciados.

Posto é o conteúdo que está disponível no discurso, é o conteúdo latente. Pressupostos

e subentendidos dão dois tipos de conteúdos implícitos que desempenham um papel essencial

na construção de significados, e para a análise do discurso, que caminha entre o dito e o não

dito, a observação dos implícitos do enunciado são essenciais.

Há dois tipos de implícitos: o subentendido e o pressuposto. [...] o subentendido é inferido de um contexto singular e sua existência é sempre

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incerta; já o pressuposto é estável. O primeiro é tirado do enunciado, o segundo da enunciação (MAINGUENEAU, 1996, p. 92).

O entendimento do pressuposto no caso do desenho animado passará, portanto, pelas

competências do espectador, pelas relações de inferência que ele fará entre os enunciados de

determinado episódio.

Oswald Ducrot (1981, p. 10-11) afirma que “existem, em certos enunciados da

linguagem comum, relações de inferência, tais que se admitimos uns somos obrigados a

admitir os outros”. Essa estrutura narrativa imprime a coerência textual, já que “para

progredir, um texto se baseia numa informação colocada que converte depois em pressuposto”

(Maingueneau, 1996, p. 100). O autor explica que, se não fosse dessa maneira, o que teríamos

seriam apenas enunciados.

Pressupostos e subentendidos permitem que os locutores digam sem dizer, adiantem um conteúdo sem assumir completamente sua responsabilidade. No caso do pressuposto, existe um recuamento desse conteúdo; no do subentendido, trata-se de uma espécie de adivinhação colocada ao co-enunciador (op. cit., p. 105).

A análise do discurso, como já foi mencionado, não se preocupa em entender o que o

discurso diz, qual o seu conteúdo. O que interessa nesse tipo de análise é compreender de que

forma o texto significa, quais são os artifícios, como são feitas as construções enunciativas

para que o sentido seja alcançado. Este trabalho já observou de que forma os elementos da

linguagem audiovisual e do comportamento dos personagens colaboram para a apreensão de

sentidos. Neste momento, pretende-se verificar de que modo os enredos estruturados dos

episódios selecionados produzem sentidos e se é possível destacar a presença do discurso

pedagógico.

BEIJOS DA VOVÓ

Este episódio trata do tema família, e apresenta um conflito vivido pelo personagem

principal, o Bob Esponja. Após ser humilhado em seu ambiente de trabalho por estar com

uma marca do beijo de sua avó na testa, decide junto com Patrick que não irá mais admitir que

sua avó o trate como criança, pois ele “já é um adulto”. Sua avó aceita isso muito bem, ao

desviar todo seu carinho e atenção para Patrick (que rapidamente esquece de todas as

“vantagens” de ser adulto). Bob Esponja entra em crise, dividido entre a certeza de que não é

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mais um bebê e a vontade de receber os carinhos da vovó. No final, em uma crise de choro

decide que não quer ser um adulto e aí sua avó explica a ele que “não precisa ser um bebê

para receber o amor da vovó”.

Os trechos abaixo merecem destaque:

“[...] P – Eu lamento o que aconteceu com você, Bob Esponja.

B – Eu também...

P – Você é a pessoa mais adulta que eu conheço!

B – Obrigado, Patrick.

P – Sabe como são as avós, elas adoram bebês, você não pode bancar o bebê perto dela.

B – Você tem razão, Patrick!

P – E alguma vez eu não tive razão, é? Você é um homem agora, Bob Esponja! E já é hora de

agir como o Patrick!

B – Éééé!!! Ô...Mas eu não sei como fazer isso...

P – Permita que eu te mostre. Primeiro, encha o peito. Agora diga: isento de imposto!

B – Isento de imposto!

P – É, agora você tem que adquirir um gosto pelo jazz livre!

Bob esponja, você tá pronto!

P – É isso aí, o que que você vai dizer para sua avó agora?

B – Eu sou adulto!

P – E nada de se ou mas a respeito disso!

B – Um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer!

P – E aí você vai atrás dela e eu empurro!

B – Não precisa exagerar!

P – Ah...é mesmo...[...]”

Observa-se que Patrick, de forma diferente da habitual vem desenvolvendo um diálogo

no qual parece inteligente, conhecedor da “maneira de transformar uma pessoa em um adulto”

e que no desenho animado o estereótipo do adulto é o do sujeito sério que trabalha, não recebe

o carinho dos familiares, preocupa-se muito com questões financeiras (“isento de imposto”) e

que deve, necessariamente, possuir um gosto cultural requintado (“você tem que adquirir um

gosto pelo jazz livre”). O ritmo no discurso de Patrick é quebrado pelo enunciado “e aí você

vai atrás dela e eu empurro!”, que demonstra a exaltação do personagem e marca

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explicitamente a volta do discurso habitual do personagem, quase sempre desconexo e

absurdo.

O público infantil pode perfeitamente reconhecer-se em uma situação como essa e

realizar operações de inferência, como a de que é natural passar por uma fase de conflitos,

onde são misturados comportamentos de criança com de adulto, mas que não é necessário

abrir mão de alguns comportamentos prazerosos considerados infantis para os outros

percebam que não se é mais um bebê. E sobretudo, que não há “nada de errado em ganhar um

beijo da vovó da gente!”, como afirma Bob Esponja.

ESPUMA

O episódio Espuma trata do tema doença, no qual Bob Esponja pega “espuma”, que

seria semelhante a um resfriado. Bob Esponja decide ir ao médico, julgando ser a melhor

opção. No entanto, como é de costume, Patrick faz uma idéia assustadora de médicos e passa

a tentar convencer Bob Esponja de que consultórios são lugares horríveis e que não é nunca

uma boa idéia procurar um médico. Patrick então tenta “resolver o problema”, tampando

todos os furos do Bob Esponja para impedir que ele espirre. A tentativa de curar Bob em casa

faz com que ele piore, e Sandy precisa brigar com Patrick para conseguir “arrastar” Bob ao

hospital da Fenda do Bikini. Bob chega no hospital com medo, mas recebe o tratamento na

hora e fica curado, exclamando “eu adoro ir ao médico!”. Recebe um pirulito de presente do

médico e Patrick, que também quer um pirulito, “inventa” que também está doente. Este,

porém, recebe um tratamento diferenciado como castigo por ter impedido Bob de procurar um

médico assim que adoeceu e não ganha o pirulito.

Neste episódio também está representado um receio comum das crianças, ir ao

médico. Através de sua identificação com Bob Esponja, que também teme, mas aceita ir assim

mesmo e atinge um resultado positivo, a criança pode apreender o significado de que não se

deve ter medo de hospitais e tampouco tentar se medicar em casa.

OS JOGOS DO MESTRE CUCA

Este episódio trata do tema disputa, quando Bob Esponja e Patrick vão competir no

campeonato anual do mestre-cuca. Bob Esponja representará o restaurante Siri Queijo e

Patrick o Balde de lixo, cujo dono é Plankton, inimigo do Siri Queijo. A primeira discussão

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entre eles é o que motiva a entrada do Patrick na competição. Ela começa quando Patrick

encontra Bob Esponja dentro do “Coliseu Fast-food”, estádio no qual acontecerá o

campeonato. Pode-se observar o quão superficial e tola é a discussão através dos enunciados e

deduzir que, como se trata de um desenho cujo mote principal não é a violência, não há

estabelecido um “jeito de brigar” entre os personagens. Eles simplesmente não sabiam como

reagir diante desta situação nova e começaram a tentar atingir o outro, que recebia cada

ofensa como gravíssima:

“[...] B – Qual é, Patrick? Eu estou tentando treinar para os jogos!

P – Jogos? Posso jogar?

B – Desculpe, Patrick, você teria que ser um mestre-cuca.

P – Ser um mestre-cuca é só o que eu preciso fazer e isso vai ser fácil!

B – Como assim, vai ser fácil?

P – Será que é tão difícil assim?

B – Não é qualquer um que é um mestre-cuca, somos um grupo de elite.

P – Ah, qual é Bob Esponja? Você só frita hambúrguer...

B – Ei! Fritar não é tão fácil quanto parece! Por que você não vai pra casa, Patrick?

Você pode competir nos jogos de ficar o dia todo embaixo de uma pedra.

P – Pelo menos eu não faço as minhas unhas!

B – Aaaaah! Retire já o que disse!

P – Faz as unhas, faz as unhas!

B – E você nem ao menos tem unhas!

P – Aaaai! Eu não posso acreditar no que estou ouvindo!

B – Como você pode ouvir, você não tem orelhas também!

P – E você tem buracos, buracos!

B – Cabeça de cone!

P – Amarelo!

B – Cor-de-rosa!

P – Aaaah! Eu vou arrumar um emprego como mestre-cuca e vai ser fácil!

B – Ótimo! Siri Cascudo, Siri Cascudo, Siri Cascudo...[...]”

Os dois donos de restaurantes rivais começaram a colocar um amigo contra o outro,

inventando mentiras e fazendo suposições. Assim, os dois que nunca brigaram ficam com

muita raiva um do outro e passam a competir com agressividade. A última prova é uma luta

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de boxe no pão e, enquanto brigam, iniciam um diálogo agressivo que vai se desenvolvendo

até o momento em que começam a questionar os motivos daquilo, a lembrar o quanto são

amigos e percebem que a situação na qual se envolveram é ridícula. Começam a chorar no

ringue e desistem da luta, saindo abraçados e combinando “nunca mais brigar” porque são

“melhores amigos”.

Esse episódio pode servir para mostrar para as crianças, especialmente as mais novas

em virtude do tipo de ofensas que foram levantadas, que é natural em determinados momentos

brigar com um amigo, não desejar a presença dele por perto, sem querer ofender e/ou ser

ofendido. Mas isso não tem que significar o fim de uma amizade verdadeira, desde que os

dois conversem e se esforcem para que haja entendimento. Mostra também que não há nada

errado em chorar ou em abraçar um amigo.

CHOCOLATE COM NOZES

O tema deste episódio é a mentira. Bob Esponja e Patrick recebem por engano uma

revista de “celebridades” que Lula Molusco assina. Observam que essas pessoas são muito

ricas e questionam de onde vem todo o dinheiro delas. Lula afirma que são empreendedores,

pessoas que vendem produtos que outras pessoas precisam. Bob e Patrick decidem que

também se tornarão empreendedores, embora mal compreendam o que isso quer dizer, e

compram muitos chocolates para vender de porta em porta. Já começam sendo enganados por

um experiente vendedor que os convence a comprar muitas bolsas. Ao visitar as casas,

percebem que não estão tendo sucesso e se questionam: “se outras pessoas fazem sucesso

vendendo coisas que não são tão gostosas, por que nós não estamos conseguindo?”. Patrick

então exclama: “Ah, vai ver se não exagerassem a verdade, não venderiam tanto, né?”. Bob

Esponja concorda e ambos passam a inventar uma série de mentiras para seus clientes: que o

chocolate rejuvenesce, faz ficar mais inteligente, faz crescer cabelo... Eles começam a vender

muito.

“[...] B – Se continuarmos exagerando a verdade vamos conseguir a vida boa em

pouco tempo!

P – E viva a mentira! [...]”

Conforme as vendas aumentam, a profundidade das mentiras também, até que eles

fingem ter sofrido um acidente para venderem mais, comovendo os clientes. Porém, o cliente

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da próxima casa é um enganador profissional (o mesmo que vendeu o monte de bolsas a eles e

que acompanhava, de longe, os passos dos dois) e usa a mesma tática contra eles, fingindo

estar muito doente, usando muletas e com o corpo todo enfaixado. Bob e Patrick ficam

comovidos e arrependidos e resolvem ajuda-lo. O enganador diz a eles que também vende

chocolate para pagar a conta do hospital e faz com que usem todo o dinheiro que ganharam

comprando seus chocolates. Assim, eles voltaram à estaca zero, com muitos chocolates para

vender e nenhum dinheiro. O episódio, porém, tem um desfecho feliz, mesmo depois de tudo

que os dois aprontaram: um cliente que estava correndo atrás deles durante o dia inteiro (eles

pensaram que era um ladrão) compra todo o estoque de chocolates.

“[...] B – Muito obrigado pelo seu apoio.

P – Já podemos ter uma vida boa, Bob Esponja.

B – Ainda não, amigo. Primeiro temos que gastar todo o dinheiro.

P – Mas no que que a gente vai gastar, hein? [...]”

A cena é cortada para um restaurante fino, no qual Lula Molusco tenta conseguir uma

mesa:

“[...] L – Ah, boa noite senhor, uma mesa para um, por favor.

Garçom – Lamento, mas o restaurante todo foi alugado para uma festa particular.

L – Mas, ia ser a minha única noite chique! Puxa, quem tem condições de alugar o

restaurante todo?

Garçom – Ah, uma dupla de empreendedores ricos e suas companhias [...]”

Corta para a cena que mostra Bob esponja e Patrick sentados a mesa do restaurante

chique com duas das clientes que enganaram:

“[...]B – Bom, e desde quando vocês duas se conhecem?

Cliente idosa – O quê? O que foi que ele disse?”.

Este episódio é um exemplo de significação que dependerá das relações implícitas

para ser compreendido. Não fica claro como eles pretendiam gastar o dinheiro e na última

cena, não são mostrados todos os clientes que foram enganados. Só se compreende que eles

convidaram todos os clientes enganados quando se realiza a operação de inferência entre o

fato de o restaurante todo ter sido alugado para uma festa particular e a última cena que

mostra Bob e Patrick com duas das clientes enganadas. Ou seja, uma primeira leitura pode ser

a de que eles foram compensados mesmo agindo mal. Além disso, diferentemente do que

acontece em outros desenhos animados ou até mesmo em episódios de “Bob Esponja” (nos

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quais, por exemplo, Lula Molusco erra), a “redenção” do personagem não é promovida por

terceiros. Bob Esponja e Patrick, sozinhos, decidem proporcionar um jantar chique para todos

com intenção de se desculparem (leitura que pode não ser feita por todos que assistirem ao

episódio). A conduta errada que eles tiveram durante o episódio não é claramente condenada

em nenhum momento, ficando a cargo do espectador estabelecer relações e emitir uma reação

de repúdio ou aceite.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Recuperando as relações estabelecidas entre os episódios, a análise do discurso e

algumas afirmações a respeito das relações que a criança pode estabelecer com o meio

televisão e sua linguagem, pode-se afirmar que, de fato, o desenho animado “Bob Esponja”

apresenta traços de um discurso pedagógico. Isso porque seus conteúdos são envolvidos por

uma estrutura significante que lhes conferem sentido e orientam suas leituras, normalmente

oferecendo modelos de conduta positivos que podem ser apropriados e utilizados no cotidiano

da criança. E isto acontece a despeito de intencionalidade por parte de sua produtora/emissora,

que não tem preocupações educacionais, pretendendo apenas entreter seu público.

Quando este trabalho aborda o “discurso pedagógico”, refere-se a mensagens

transmitidas pelo desenho animado que além de entreter seu público ou seduzi-los, deixa uma

carga de significados, de modelos comportamentais que podem influenciar seu público e se

constituem como parte do leque de experiências com as quais a criança reconhece seu lugar

no mundo e constrói suas imagens de mundo e de si. Os valores e conceitos trabalhados nos

episódios podem ser apropriados e reelaborados pelo público infantil sem dificuldades

principalmente devido à linguagem do desenho. Enredos simples, objetivos e construídos

dentro de uma perspectiva de enunciados inseridos em um contexto sócio-histórico mais

amplo permitem que sejam recuperados, nas falas dos desenhos, elementos interdiscursivos.

O “modo de mostrar” do desenho também demonstrou ser decisivo na construção de sua

verossimilhança, assim, embora “Bob Esponja” esteja em um contexto situacional muito

diferente do público que o assiste, suas características e suas estórias são de compreensão

simples e fazem sentido tanto internamente quando no momento de recepção.

Como se esperava, a compreensão absoluta do audiovisual se dá no confronto entre as

linguagens, especialmente entre os diálogos estabelecidos e as imagens. Os diálogos desvelam

características dos personagens e junto com as expressões corporais e faciais compõem o

universo significativo dos personagens, que apresentam características bem marcadas com as

quais o público pode se identificar, ao aprovar a conduta ou repudiar, quando não houver

nenhum tipo de identificação. O objetivo do trabalho foi alcançado quando consegue

demonstrar o modo de dizer do desenho, formado por imagens expressivas que respeitam os

elementos da linguagem audiovisual, por diálogos que envolvem conseguindo ser, ao mesmo

tempo, simples, interessantes e essencialmente argumentativos.

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Talvez “Bob Esponja” faça sucesso entre os pais e as crianças porque atende às três

funções básicas do espetáculo que, segundo Ferrés, determinam o fascínio exercido pela

televisão (1996, p. 35). A primeira é a “gratificação sensorial, proveniente de um bombardeio

de estímulos visuais e sonoros. As luzes, as formas e as cores tornam-se gratificações em si

mesmas, como as músicas e os sons”. A segunda seria a “gratificação mental, derivada das

fábulas e das fantasias, que satisfazem uma necessidade básica [...] a pessoa precisa dos mitos

como precisa do ar para respirar” e a terceira (op. cit., p. 36) seria a “gratificação psíquica,

advinda da liberação catártica provocada pelos processos de identificação e projeção, os quais

permitem ao telespectador elaborar seus conflitos internos”. Estes últimos são mecanismos

psicológicos através dos quais o espectador se envolve emocionalmente com o espetáculo,

assumindo o ponto de vista de determinado personagem.

Acredita-se que, de fato, “Bob Esponja” seja uma boa escolha para a audiência

infantil, embora tenha se sentido falta de um personagem que não apresentasse problemas de

conduta, um personagem cujas atitudes pudessem efetivamente servir na construção de um

modelo no imaginário infantil, sem que ela tivesse que filtrar o comportamento de todos os

personagens ou se apropriar apenas das características positivas que cada um deles pode ter.

Essa questão é levantada porque se entende que alguns aspectos do comportamento do Bob

Esponja, que é o protagonista, como os fatos de não freqüentar a escola, a obsessão que

apresenta pelo trabalho, sua ingenuidade excessiva que o faz acreditar em tudo e todos ou

ainda a não existência de uma relação familiar constante nos episódios não são elementos que

deveriam ser entendidos pelo público como habituais. Contudo há alguns modelos positivos,

como seu otimismo, a amizade sincera que tem com Patrick, a responsabilidade no trabalho, a

postura equilibrada mediante as provocações do Lula Molusco, o cuidado com seu animal de

estimação, o prazer de brincar.

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Anexo 1 Transcrição dos diálogos do episódio “Beijos da vovó” B – Bob Esponja V – Vovó L – Lula Molusco C – Cliente do restaurante Siri Cascudo P – Patrick B – Lá está ela, a casa da vovó, que maravilhas me aguardam hoje? Biscoitos fresquinhos, a hora da história, um suéter com amor em cada ponto, óóó, pelo quê estou esperando? Vovó, vovó, vovó!!! V – Bob Esponja! B – Oi vovó! V – Entre e sente-se um pouco. V – Coma um biscoito, Bob Esponja. B – Vovozinha, você faz os melhores biscoitos do mar azul profundo. Hum...é... Biscoitos da vovó! V – Bom, e quem quer lamber a colher? B – Eu, eu, eu, eu! V – E aí, nós voltamos para casa de carro com a janela aberta no frio congelante... B – Me conte outra história de quando eu era um bebezinho, vovó? B – Oh! Três horas, eu vou me atrasar pro trabalho! V – Entra no carro e eu te dou uma carona. B – Obrigado, vovó! V – Bob Esponja, esqueceu do meu beijinho! B – Ah! É verdade! B – Tchau, vovó, obrigado pela carona! B – Obrigado Lula Molusco! B – Não é ótimo? Todo mundo está de bom humor hoje! L – Eu adoro “cortar o seu barato”, Bob Esponja! Eles estão rindo de você e não com você! B – Eu fiz alguma coisa engraçada? L – A sua testa! B – Minha testa é engraçada? C – Ei, menininho da vovóó, beijinho, beijinho, beijinho... B – Nããão! Parem com isso! Não tem nada de errado em ganhar um beijo da vovó da gente! C – Ó não, principalmente se você é um bebezão que usa fraldas...e chupa o dedão e deixa eu ver, e brinca com bonecas e usa pijama do tipo macacão e carrega o cobertor por aí e também... Todos – Agora já chega! L – Não esquenta, Bob esponja, conheço alguém que ainda gosta de você... B – É mesmo? Conhece Lula Molusco? L – É, é a sua avó! Todos – riem B – Já cheeega!!! Eu fui humilhado em público pela última vez! P – Eu lamento o que aconteceu com você, Bob Esponja. B – Eu também... P – Você é a pessoa mais adulta que eu conheço!

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B – Obrigado, Patrick. P – Sabe como são as avós, elas adoram bebês, você não pode bancar o bebê perto dela. B – Você tem razão, Patrick! P – E alguma vez eu não tive razão, é? Você é um homem agora, Bob Esponja! E já é hora de agir como o Patrick! B – Éééé!!! Ô...Mas eu não sei como fazer isso... P – Permita que eu te mostre. Primeiro, encha o peito. Agora diga: isento de imposto! B – Isento de imposto! P – É, agora você tem que adquirir um gosto pelo jazz livre! Bob esponja, você tá pronto! P – É isso aí, o que que você vai dizer para sua avó agora? B – Eu sou adulto! P – E nada de se ou mas a respeito disso! B – Um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer! P – E aí você vai atrás dela e eu empurro! B – Não precisa exagerar! P – Ah...é mesmo... B – Só precisamos pôr cobertura no bolo da maturidade! Eu deixei estas belezinhas crescendo há anos! B e P – Costeletas!!! V – Óh, olá, Bob Esponja! Mas que surpresa mais agradável, venha cá e dá um beijinho na sua vovózinha, anda! B – Eu lamento vovó, mas esta beijação tem que parar. P – É isso aí, Bob Esponja! Conta pra ela como é que é. Chega desse negócio de bebê... B – É, ele tem razão, vovó. Beijos são para bebês, e eu não sou mais, eu já cresci, é a regra da natureza. V – Você está absolutamente com toda a razão. B – Estou? Quer dizer, é claro que eu estou... V – Definitivamente, você não vai mais ser tratado como um bebê aqui. Nunca mais. B – Ainda bem que percebe meu propósito, vovó! V – Ainda bem que está resolvido! Mas o que eu vou fazer com todos estes biscoitos fresquinhos? B – Há há há, lamento vovó, nós os adultos não tomamos parte do consumo de doces, não é mesmo, Pa...trick... P – Pode continuar trazendo, vovó! B – E aquele papo furado de deixar de ser bebê? V – Ah, e não se esqueça do chapéu para acompanhar os biscoitos... V e P – Riem... B – Ei! É o meu chapéu de comer biscoitos! Ah, quer dizer, era, quando eu era criança. V – Ei, olha quem está aqui, é o meu querido neto já adulto! B – Ouça vovó, eu preciso ter uma conversinha bem madura com o senhor Patrick! O que está fazendo? Biscoitos? Leite quente? O babador de “eu amo a vovó” e uma marca de beijo na sua testa! Nós temos que ser adultos! V – Ah...não é pra ficar discutindo com a barriga cheia! P – Ri... V – Quem é bebê? P – Eu sou bebê, eu sou bebê... B – Ar, ar... P – Ser adulto é uma chatice! Eu adoro ser bebê, e além do mais, eu me livro do jazz...

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B – Ô...Pobre Patrick...Eu sinto tanta pena de você. Preso na desajeitada fase dos dias de fraldas, para nunca conhecer as ricas recompensas de ser um adulto maduro. V – Aqui está, mais uma fornada de biscoitos... P – Beleza! Recompensas, não é? B – Vejamos: uma das coisas é o jazz... P – Ô vovó, eu tô legal! V – Mais biscoito! B – Acho que está na hora do meu lanche. E os adultos têm que comer também, acho que isso deve servir... V – Sinto muito, Bob Esponja. Você não vai querer comida de bebê, que tal um belo pedaço de coral cozido? B – Bom...é...ótimo...nutritivo... V – Hora da história! P – Que legal! Hora da história, hora da história, hora da história! B - Hora da história... V – Você vai adorar, Patrick. É uma história maravilhosa sobre um duende mágico do mar. Bob Esponja, você não está interessado neste livro de historinhas. Aqui está o manual técnico de manutenção rotineira. B – É... ótimo...fascinante...sem gravuras, do jeitinho que eu gosto. P – Au, au, meu pobre dedinho... V – Calma, calma...melhorou? P – Melhorou, mas esse outro dedinho tá doendo também... V – E que tal eu dar um presente pra você? P – Que legal! Tomara que seja biscoito! Legal! É um chapéu. B – Ahh?? V – Não Patrick, é um suéter. E com muito amor em cada ponto! B – Nãããão! E eu? Não ganho presente vovó? V – Ô...eu quase me esqueci! Aqui tem material de escritório. Eu nem embrulhei, você não se importa não é? Óó. Três horas. Hora dos adultos irem trabalhar. Até logo, Bob Esponja! E aposto que você está pronto para uma soneca, não é, Patrick? Você ainda está aí, Bob Esponja? B – É...eu não preciso ir ainda, eu posso chegar atrasado. V – Não não não. Não seria o comportamento certo de um adulto. B – Tudo bem, eu acho que eu já vou agora, eu tenho um monte de negócios de adulto para cuidar...eu já vou indo. V – Certo, e obrigado por passar aqui, Bob Esponja. B – É, é isso aí, lá vou eu... V– Volte outra vez, se tiver tempo. B – Agora para o mundo frio dos adultos. Sozinho, sem suéter... V – Nana nenê... B – Eu não sei quando eu vou voltar, hein? V – Eu sei como você é ocupado. B – Então é isso aí... V – Xxx...ele já dormiu... B – Tchauuu....

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Eu não quero ser adulto! Eu quero biscoitos! E leite! Eu quero usar um suéter com amor em cada ponto! Eu quero usar fraldas! Eu quero andar no meu carinho! Eu quero poder abraçar meu ursinho de pelúcia! E eu quero balançar no meu cavalo marinho! Eu quero chamado de chuchu... V – Fica calmo aí, Bob Esponja! Bob Esponja, Bob Esponja... Você não precisa ser um bebê para ganhar o amor da velha vovozinha... B – Não preciso? V – Claro que não! Não importa o quanto você fique adulto, você vai ser sempre o bebezinho da vovó. E lembre-se, você pode ganhar um beijo da sua avó e continuar um adulto. B – Ah, obrigado, vovó... Vovó, pode não dizer nada disso pro pessoal lá do Siri Cascudo? V – Sem problema. Todos olhando pela janela riem.

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Anexo 2 Transcrição dos diálogos do episódio “Chocolate com nozes” B – Bob Esponja P – Patrick L – Lula Molusco C – Clientes B – Oi, carteiro! Falou, até amanhãã!!! P – Ó, o correio chegou! O que que veio, hein? B – Vejamos...Gary, Gary, Gary, Gary, Gary, Gary, Gary, ei, uma revista! Engraçado, eu não

me lembro de fazer assinatura da revista “Boa vida”. P e B – Uau!!!! B – Olha só estas descrições incríveis de gente de vida melhor, olha esse cara tão rico que tem uma piscina dentro da piscina! P – Olha, esse cara tem sapato! L – Me dá isto aqui! Roubando meu correio, hein? Sorte de vocês não denunciá-los para as autoridades! B – Lula Molusco, como as pessoas dessa revista ganham todo esse dinheiro? L – São empreendedores, vendem coisas para as pessoas! B – Que tipo de coisa? L – Eu sei lá! Coisas que as pessoas têm que comprar! E tirem as patas do meu correio! B – É isso aí, Patrick! Nós temos que virar empreendedores! P – E isso aí vai doer? B – Vamos, Patrick, pensa rápido: Se você pudesse ter o que quisesse agora mesmo, o que seria? P – Ai...Mais tempo pra pensar. B – Não, uma coisa de verdade, um artigo, uma coisa que é preciso pagar. P – Uma barra de chocolate? B – É uma grande idéia, Patrick! Vamos ser vendedores ambulantes de chocolate! Vida boa, aí vamos nós! P – Abram alas para uma dupla de empreendedores! B – Certo, Patrick, é isso aí. O primeiro passo para nossa pretensão de viver bem, então faça como eu. Boa tarde senhor! Por acaso não está interessado em chocolates? C1 – Chocolate, você disse chocolate? P – Sim senhor, com ou sem nozes? C1 – Chocolate, chocolate, chocolate, chocolate, chocoolaaaate!!!! B – Ah, o primeiro cara não conta, agora vamos dar o primeiro passo. Bom dia, senhor, você gostaria de comprar chocolate? C2 – Tabletes de chocolate? B – Sim, senhor! Somos vendedores de chocolate. C2 – Ah, uma dupla de vendedores medíocres se querem saber. Isto não é jeito de levar a mercadoria. Não, não, não, errado! Vocês querem ser bons vendedores, não querem? B e P – Ah, com toda certeza, senhor! C2 – Bom, nenhum vendedor de chocolate de respeito pode ser visto por aí sem uma dessas. B – Legal! O que é isso? C2 – É uma bolsa para doces, seus patetas. Especialmente projetada para acomodar cada doce num forro de veludo confortável. Mas...estou perdendo meu tempo, não precisam disso. B e P – Precisamos, precisamos!

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C2 – Até logo, rapazes! Boa caçada! Há, há, há. B e P – Vida boa, aí vamos nós, lá, lá, lá! B – Vamos tentar nesta casa. C2 – Sim? B – Ããh? Escuta, você não é o mesmo cara que nos vendeu estas bolsas para doces? C2 – Eu não estou lembrado. Mas está me parecendo que vocês dois têm muitas bolsas aí. Os dois são bons demais pra ficarem sem minhas bolsas patenteadas vermelhas e bonitas. P – Vamos querer vinte. C3 – O que posso fazer por vocês, dois belos jovens? B – Vendemos tabletes de chocolates. A senhora quer comprar um? C3 – Parece coisa divina! Vou ficar com um. B – Um tablete de chocolate saindo! Hehehe...Ããh? Ai... Hehehe...Ããh? Hehehe...Ããh? Eu sei, eu sei que está aqui em algum lugar! C3 – Não tenho tempo pra isso! B – Achei! Um tablete de chocolate pra bela senhora! C1 – Chocolate! Chocolate! Chocolate! Chocolate! B – Não estamos indo muito bem, Patrick. Precisamos de um novo método! Uma tática nova! P – Eu já sei! Vamos ficar pelados! B – Não, vamos deixar isso pra vender imóveis...Deve haver alguma coisa. Por qual motivo compramos aquelas bolsas? P – Ele disse que éramos medíocres. B – É isso! Fez a gente se sentir especial! P – É verdade...Eu vou voltar e comprar mais bolsas! B – Não, espera Patrick!Por que não tentamos ser legais? P – Ah...tá bom. B – Lembre-se, Patrick, elogie os fregueses, faça eles se sentirem bem. C4 – Olá! P – Eu amo você. B – Eu acho que você exagerou um pouquinho, amigão. Deixa eu tentar. C5 – Por favor, vão embora. B – É...como é que vai? C5 – Como é que vou? B – Quer comprar chocolates? P – Agora ganhamos ele! C5 – Desculpe, chocolate tem açúcar e açúcar vira gordura. Não está certo, garoto bolhudo? P – Faz cosquinhas... C5 – Como podem ver, eu e o chocolate não nos damos mais. Pode ficar com isso por cinco pratas. P – Eu quero dez. B – Não vendemos um tablete de chocolate sequer. Eu acho que nós nos distraímos facilmente. Vamos fazer um pacto de nos concentrarmos em vender na próxima casa, Patrick? P – Ããã? B – Vamos selar o pacto. P – Disse alguma coisa? B – Não se esqueça, Patrick: concentração. C6 – Que é? B – Boa tarde, senhor, vendemos tabletes de chocolate. C6 – Por que o gorducho aí ta me encarando? P – Eu tô concentrado.

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C6 – Que hora você vai sair, cara? P – Bela casa você tem, hein? B – Não entendo o que estamos fazendo de errado. P – É, e eu não consigo entender mais nada. B – Deve haver alguma coisa nesse jogo de vendas que não estamos captando. Outras pessoas fazem isso, olha só aquilo, Patrick! P – Coma mexilhões fritos, são uma delícia. B – Com toda certeza, não são uma delícia. P – Não do jeito que eu uso eles. B – Mesmo assim, vendem milhões por dia! P – Ah, vai ver se não exagerassem a verdade, não venderiam tanto, né? B – É isso aí, Patrick! Temos que exagerar a verdade! C1 – Chocolate!!!! B – Vamos trabalhar em equipe. Primeiro eu vou esquentando o freguês, e aí você aparece pra matar. P – Pra matar. C7 – Siiim? B – Olá, como vai jovem senhora? Estamos vendendo chocolate. Sua mãe está em casa? C7 – Mãe! C8 – O quê, o quê? Pra quê toda essa gritaria? Você não vê a hora de eu morrer, não é mesmo? C7 – Eles estão vendendo chocolate. C8 – Chocolate? C7 – Ééé! C8 – O que eles tão vendendo? C7 – Chocolate. C8 – O quê? C7 – Chocolate! C8 – Não estou te ouvindo! C7 – Estão vendendo chocolaaaate! C8 – Estão vendendo chocolate? C7– Éééé!!!! C8 – Chocolate, eu me lembro quando inventaram o chocolate. O bom e velho chocolate. Eu nunca gostei! B – Bom, mas esse chocolate não é pra comer! Ele é pra... P – Você esfrega na pele e com isso você vai viver pra sempre! C7 – Não, não, não... C8 – Você disse pra viver pra sempre? Vou ficar com um! Vamos mulher preguiçosa, começa a me esfregar com o chocolate! C7 – Eu odeio vocês! B – Se continuarmos exagerando a verdade vamos conseguir a vida boa em pouco tempo! P – E viva a mentira! B – Faz o cabelo crescer! C9 – Ótimo, a minha mulher quer ter barba. B – Vai te deixar inteligente. C10 – Eu vou ficar com vinte! P – O chocolate não vai deixar você ficar mais feio! C11 – Na hora certa! B – Vão te fazer voar! P – Você vai se apaixonar!

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B – Vão trazer paz ao mundo! P - Vai atravessar paredes! B – Você vai dominar o mundo! P – Vamô fazer ainda melhor. B – É...esse cara vai sentir tanta pena de nós que vai comprar todo o chocolate! C2 – O que posso fazer por vocês, rapazes? B – Olá, senhor, gostaria de comprar chocolate? Precisamos de cirurgia. C2 – Ó...que mundo pequeno. Qual o problema com vocês dois? B – Estamos com ferimento na cabeça e hemorragia eterna. C2 – Ó...algumas pessoas têm sorte. Eu nasci com ossos de vidro e pele de papel. Todas as manhãs eu quebro as pernas e toda tarde eu quebro os braços. A noite eu não durmo de dor até que um ataque do coração me faz dormir. Ou não...Ai... B – Depressa, vamos ajuda-lo! Com cuidado, põe ele no chão com carinho. C2 – Au... B – Ai, coitadinho. Tem alguma coisa, qualquer coisa, que possamos fazer pra ajudar? C2 – Tem uma coisa sim. Como podem imaginar minhas contas médicas são extremamente altas. Mas por sorte eu consigo me manter vendendo tabletes de chocolate. Que rapazes bonzinhos. Faz bem para o meu coração enganar uma dupla estúpida de idiotas e imbecis como aqueles dois, há, há, há. B – Não me entenda mal, Patrick. Foi muito bom ajudar aquele cara mas não sobrou ninguém mais na cidade para comprar chocolate. Encaremos os fatos, Patrick: somos fracassados. P – Eu posso conviver com isso. B – Vamos mudar nossos nomes pra “quem” e “liga”. C1 – Chocolate! B e P – Ó não, por favor, tenha piedade, não, não! C1 – Há, há, há, finalmente. Eu procurei vocês o dia inteiro, e agora que eu tenho vocês aonde quero eu...quero comprar todo o seu chocolate. B – Muito obrigado pelo seu apoio. P – Já podemos ter uma vida boa, Bob Esponja. B – Ainda não, amigo. Primeiro temos que gastar todo o dinheiro. P – Mas no que que a gente vai gastar, hein? L – Ah, boa noite senhor, uma mesa para um, por favor. Garçom – Lamento, mas o restaurante todo foi alugado para uma festa particular. L – Mas, ia ser a minha única noite chique! Puxa, quem tem condições de alugar o restaurante todo? Garçom – Ah, uma dupla de empreendedores ricos e suas companhias. B – Bom, e desde quando vocês duas se conhecem? C8 – O quê? O que foi que ele disse?

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Anexo 3 Transcrição dos diálogos do episódio “Espuma” B – Bob Esponja G – Gary S – Siri Queijo S2 – Sandy P – Patrick M – Médico B – Roncando. Ah! Está chovendo hambúrguer de siri. Êêêêê! Um lanchinho a meia noite e de volta pra cama! G – Miau. B – Durma bem, meu anjinho. Ah! Aqui está! Nada como creme de amêndoas do mar e sanduíche de água-viva para ajudar a dormir. Nhoc! B – Ahaha. A geladeira! Ai...Uh... Oh, Gary, eu não me sinto como sempre. G – Miau. B – Não seja bobo Gary. Eu não pego resfriado, eu pego espuma. G – Miau. B – Não, Gary, se eu tivesse com espuma sairiam bolhas de mim! Atchim! G – Miau! B – Eu não posso pegar espuma, senão aí eu vou ter que faltar ao trabalho! Atchim! G – Miau! B – Não, Gary! Eu gosto de usar a cueca deste jeito! G – Miau! B – Eu não tô doente, eu vou trabalhar! Off: O Siri Cascudo. B – Atchim! S – Bob Esponja, porque o hambúrguer está demorando? B – Já vai, senhor. S – Bob Esponja, o que você tem, está mais pálido que um cavalo marinho. G – Miau! S - Ãh? Espuma? B – Aqui está o hambúrguer que queria, seu Siri Queijo. Atchim! S – Tudo bem, Bob Esponja, está doente pra trabalhar. B – Não, seu Siri Queijo, eu estou bem, é sério. S – Agora vai pra casa e descanse um pouco. Não é nada pessoal rapaz, mas não quero você espirrando na minha comida. Clientes – Ah, blerc... S – Não, esperem, esperem! B – Oh, Gary! Eu me sinto mal, atchim! Quem eu estou querendo enganar, Gary, eu estou com espuma sem nenhuma dúvida! Atchim! É melhor eu me tratar antes que fique fora de controle. S2 – Alôô! B – Sandy, tô doente. Pode me acompanhar até o médico?

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S2 – Oh, claro, Bob Esponja, eu vou chegar aí mais rápido do que um coelho descalço numa pista de sabão quente no meio de agosto. B – Tá legal, Sandy, obrigado! Atchum! B – Tô indo! P – Oi, Bob Esponja! Você vai esquiar? B – Eu tô doente, Patrick, vou pro médico! P – O quê? Você não pode ir! B – Por que não, Patrick? P – Eu conheço o cara que conhece o cara que foi pro médico uma vez. O consultório do médico é horrível, um lugar horrível. B – Não pode ser tão horrível quanto a espuma! Atchum! P – Ah, é sim, Bob Esponja! Primeiro eles fazem você sentar na sala de espera. B – Essa é a parte horrível, Patrick? P – Não fica pior, eles fazem você ler revistas velhas! B – Ai! P – Aí, o médico vai logo puxando o estetoscópio! B – Nããão! P – Sim! É um aparelho tão sinistro, tão gelado que quando ele toca na sua pele indefesa ele... B – Ahhhhh! B – Não, não, não, nada de estetoscópio, nada de médico, nada de revistas velhas, nada de pssiii. Não, não, não! Patrick, eu não quero ir pro médico! P – Exatamente! B – Atchim! Você tem que me ajudar a melhorar, Patrick, por favor. Você gostaria de ser o meu médico, Patrick? P – Claro, pra que servem os amigos? B – Atchim, atchum! P – Parece que nós vamos ter que tapar todos estes buracos. Isso deve resolver o caso. Oh...e aí? B – Ahhhh! P – Tá melhor? B – Eu não sei! Atchim, atchim, atchim! P – Socorro, eu tô encolhendo! Não, por favor, não me machuque! B – As bolhas, Patrick, o seu tratamento está funcionando! P – Você acha? B – Claro, se continuar assim logo, logo eu estou curado! Eu vou até ligar pra Sandy e falar pra ela não vir! Obrigado, doutor Patrick! P – É, e diziam que eu nunca ia conseguir ser alguém na vida! B – Meus dedos estão grandes demais pras teclas. Doutor Patrick, pode ligar pra Sandy pra mim. P – Claro, paciente Bob Esponja. Alô, Sandy? S2 – E aí, Patrick. P – Eu estou ligando em nome do meu paciente, o Bob Esponja. S2 – Ah, eu estou a caminho para levar ele ao hospital.

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P – Mas isso não é mais necessário, Sandy. A partir de hoje eu cuido ele. S2 – Bom eu vou aí dar uma olhada. Eu vou chegar aí mais rápido que o coelho descalço numa pista... P – Eu sei!!!Eu sei!!!! O coelho!!!! Não se preocupe, Sandy. Bob Esponja rápido, a Sandy tá vindo aí. Você precisa parecer bem ou ela vai levar você pro médico! Não me toque, estou esterilizado! O pé, por favor! Sente-se melhor? B – Nã, nã. P – Ainda não se sente melhor? B – Ainda não. P – E que tal agora? B – Eu acho que não! P – Sente-se melhor? B – Não. Ah! P – E que tal agora? B – Não.Ai, ai, ai. P – E que tal agora? B – Nã, nã. Ai! Ai! S2 – Ai, é a Sandy! B – Atchu! P – Não tem ninguém em casa! S2 – Patrick, abre essa porta. Ai, Patrick, às vezes eu não consigo entender você! B – Atchim! S2 – Ah! Muito bem, Patrick, onde está o Bob Esponja? P – Ele não está no momento, favor deixar sua mensagem após o bip. Biiip. S2 – Tudo bem, me explica uma coisa: desde quando tem duas casas? P – Desde que eu preciso de espaço pra guardar as minhas coisas. S2 – E desde quando sua casa tem pés? P – Ah, esta é a minha casa móvel. B – Atchim! Oi, tudo bem, Sandy. P – É, a minha terapia parece estar funcionando muito bem. S2 – Patrick, o Bob Esponja precisa de um médico de verdade. P – Não! Nada disso, eu estou cuidando dele! Mostra pra ela, Bob Esponja, fale: Ah! B – Ahhh... S2 – Viu, ele está pior do que eu pensava! P – Você está enganada, ele está bem! B – Eu estou bem, Sandy, é verdade. Atchim, atchim! S2 – Eu vou te levar pro médico agora mesmo! P – Ei, ele é o meu paciente! Você não pode levar ele pro médico! S2 – Não seja ridículo Patrick! P – Ele é meu! S2 – Bob Esponja, você vai ficar bom! P – Eu vou te salvar!

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B – Eu já to melhor! Pe-pe-pessoal, é mesmo! S2 – Olha só o que você fez, Patrick! P – O que eu fiz? Tudo tava indo bem até você aparecer! S2 – E você devia ser preso por se passar por médico, ouviu! P – Eu sou um bom médico, não é, Bob Esponja? Bob Esponja? B – Eiiiii! Eu não consigo paraaaaar! Socorrro! S – Patas brilhantes (...) B – Seu Siri Queijoooo...Ah, ah! S – (...) Bob Esponja...Pára, Bob Esponja, Pára! B – A....A....Atchu!!!!! Hospital – Emergência. M – Bem, senhor Calça Quadrada, parece que pegou a espuma. Está pronto para o tratamento? B – Você não vai me fazer ler revistas velhas, vai? M – Não, seu bobo. Nós vamos tratar de você. Ô, Hanz! B – Faz cócegas! Uhu! Posso cheirar de novo! Ê! Uhu! Estou me sentindo novo em folha, eu adoro ir ao médico! M – Toma o seu pirulito! P – Ah, um pirulito! Ei, doutor, eu também tenho espuuuma! M – Ó, sei, doutor Patrick! Temos um tratamento especial para você! P – Ei espera, ai, isso machuca, machuca, ei, isso não ta certooo!

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Anexo 4 Transcrição dos diálogos do episódio “Os jogos do mestre-cuca” N – Narrador B – Bob Esponja S – Siri Queijo P – Patrick Pl – Plâncton N – Bem vindos, fãs do esporte, para a vigésima primeira edição dos jogos do mestre-cuca da Fenda do Bikini! Eu declaro oficialmente abertos os jogos do mestre-cuca! Por favor, aguardem. Eu declaro oficialmente abertos os jogos do mestre-cuca! E aqui começa a vigésima primeira edição dos jogos do mestre-cuca. Eu sou uma cabeça de peixe de verdade e está fazendo um belo dia aqui no “Coliseu Fast-food” da Fenda do Bikini. Eles vêm de todas as partes. A chapa com hambúrguer fritando. Lâmpadas para aquecer, tudo isso mantém o espírito do fast-food quente e parado. Mas a verdadeira história é a rivalidade ferrenha entre antigos competidores, seu Siri Queijo do Siri Cascudo e o Plâncton, do Balde de Lixo. Quem consegue esquecer o ano em que o seu Siri Queijo ganhou o ouro pelo levantamento de quinhentos quilos de picles? Não o Plâncton. Ou quando o Plâncton ganhou o coração de milhões ao fazer esta apresentação perfeita nas argolas de cebola com uma antena quebrada? Seu Siri Queijo não se deu por vencido. E agora a última notícia é que neste ano o Siri Cascudo será representado por um novo competidor e eu imagino que este pode ser o maior dia para este jovem. B – Esse pode ser o maior dia da minha juventude, seu Siri Queijo! Eu não acredito que estou representando o Siri Cascudo nos jogos do mestre-cuca! Levar o ouro pra casa é levar honra e glória para o Siri Cascudo! S – E toda essa propaganda grátis vai atrair os fregueses, então não perca! B – ‘Xá comigo, seu Siri Queijo! Siri Cascudo, Siri Cascudo, Siri Cascudo... P – Olá, Bob Esponja! B – Olá Patrick! Siri Cascudo, Siri Cascudo, Siri Cascudo... P – Você tá tentando empurrar o chão? Nunca vai conseguir desse jeito, você tem que entrar em baixo dele! B – Qual é, Patrick? Eu estou tentando treinar para os jogos! P – Jogos? Posso jogar? B – Desculpe, Patrick, você teria que ser um mestre-cuca. P – Ser um mestre-cuca é só o que eu preciso fazer e isso vai ser fácil! B – Como assim, vai ser fácil? P – Será que é tão difícil assim? B – Não é qualquer um que é um mestre-cuca, somos um grupo de elite. P – Ah, qual é Bob Esponja? Você só frita hambúrguer... B – Ei! Fritar não é tão fácil quanto parece! Por que você não vai pra casa, Patrick? Você pode competir nos jogos de ficar o dia todo embaixo de uma pedra. P – Pelo menos eu não faço as minhas unhas! B – Aaaaah! Retire já o que disse! P – Faz as unhas, faz as unhas! B – E você nem ao menos tem unhas! P – Aaaai! Eu não posso acreditar no que estou ouvindo! B – Como você pode ouvir, você não tem orelhas também!

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P – E você tem buracos, buracos! B – Cabeça de cone! P – Amarelo! B – Cor-de-rosa! P – Aaaah! Eu vou arrumar um emprego como mestre-cuca e vai ser fácil! B – Ótimo! Siri Cascudo, Siri Cascudo, Siri Cascudo... S – Que cheiro estranho é esse no ar? Eu estou cheirando a Plâncton. Pl – A é, é? Eu estou cheirando a fábrica... Ele está certo! Pl – Eu adoro aprontar uma confusão. Está pronto para agir ou morrer? S – Sempre pronto, Plâncton! Sempre pronto! Pl – Ótimo, porque hoje o balde de lixo vai chutar a sua... Trapaça! S- Isso é o que você pensa. Eu tenho um campeão. Bob esponja, mostra pra ele! B – Ua....... S – Olha ele aí, em pleno vigor! Você não tem nenhuma chance! Pl – É onde você se engana, Siri Queijo! Porque eu também tenho um campeão! Senhoras e senhores! Prestem atenção no corredor do sudoeste! Do outro lado, imbecis! E pára, perfeito, representando o Balde de Lixo uma criatura tão terrível, tão terrível, tão impressionantemente grande que alguns de vocês de constituição mais fraca podem querer deixar o estádio. N – Eu tenho que sair daqui! Pl – Tarde demais, prontos ou não, lá vem ele! Tremam de medo seus idiotas mortais! Curvem-se perante o poder impressionante desse cara enorme! Que está carregando o verdadeiro competidor, Patrick Estrela! B – O quê? Patrick, o que está fazendo aqui? Você nem é mestre-cuca! P – Ah, sim, sou sim, sr. “Bob Esponja Calça Superior” dá uma olhada, eu estou trabalhando para o Balde de Lixo há quase cinco minutos! B – Bom, isso também não importa, porque você vai comer minha poeira! P – Ahhh, vou comer minha própria poeira! B – Não se eu comer primeiro! P – Amarelo! B – Rosa! Não acredito, seu Siri Queijo. Eu pensei que o Patrick fosse o meu amigo! S – Amigo? Não, aquele não é! B – Mas como assim? Pl - Ele não é seu amigo de verdade. P – Ele não é? Pl - Ele está planejando a sua derrota agora mesmo! B – Está? S – Ele vai te esfaquear pelas costas! P – Não pode ser! Pl – É claro que pode, olha só pra ele, ele é quadrado! Esse é o formato do mal! S – Ele está ridicularizando sua profissão! Você vai deixar que um fingido tire o que pertence ao Siri Cascudo? B – Nãããão! Pl – Então fique furioso! P – Tô furioso! S – Fique bravo! B – Estou bravo! Pl – Pode ir lá agora...

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S – e ganhe... Pl – aquela... S – medalha! N – Nossa primeira prova, o salto com vara sobre fritura! S – Ganhe essa pelo Siri Cascudo! B – Pelo Siri Cascudooooooo! Pl – Ganhe esta porque eu te pedi! P – Porque você me pediiiiuuu! N – A próxima prova: o mergulho no chocolate! B – Deixe isso pro verdadeiro mestre-cuca. N – Neste mergulho, Bob Esponja vai tentar o de banana caramelada completa com duas varas! E agora, silêncio completo! B – Eu grito pelo sorvete de palitoooooo! N – Entrada perfeita, e amêndoas crocantes, e o inesperado, ele espetou! Olha só, que camada perfeita! B – Faça melhor, rosinha! Pl – Amêndoas? Grande coisa, isso é bom, mas é sofisticado demais para esse povo. Ele acha que é melhor que todos? P – Iéééé! Pl - Melhor do que você! P – Iéééé! Pl - Agora vai lá e mostra pra ele como um homem comum prepara o verdadeiro sorvete! P – Ééééééé! N – Patrick vai ressuscitar a favorita, a casquinha de morango com uma só bola e cobertura de chocolate. Vejam quanta concentração. Ó, perdeu um ponto na entrada, mas olha só o formato! P – Viu só, ô garoto amarelo? B – Ria enquanto pode, rosinha! Ainda não acabou! P – É o que você pensa, porque ainda não acabou! N – Ainda não acabou, com os dois empatados vamos agora para a prova final: a luta no pão. Quem vai levar o ouro para casa? Seu Siri Queijo do Siri Cascudo... S – Não se esqueça, ele te chamou de amarelo! N – Ou o Plâncton, do Balde de Lixo? Pl – Não esqueça que ele te chamou de rosinha! Ambos gritam enquanto lutam. P – Esqueça o Balde de Lixo, isto é pessoal! P – Aaaaaai! Meu nome não é Rick!!!!!! B – Eu não gosto de você! P – Eu não gosto mais de você! B – Eu nunca gostei de você! P – Mil vezes eu nunca gostei de você! B – Rosa! P – Amarelo! B – Aaaah! Amarelo! P – Aaaah! Rosa? P e B – Você liga siiiiim... Choram B – Vamos prometer que nunca mais lutaremos, amigo! P – É amigão, vamos pra casa!

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Platéia vaia. S – Ei, aonde vão? Pl – Voltem aqui e matem um ao outro! P – Você é o meu melhor amigo, Bob Esponja! B – Você também, Patrick! P – Olha, isso aqui era branco quando eu comprei...

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