Renata Alencar na parede, e ao lado do teclado seis action figures de personagens de anime estão...

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1 Renata Alencar Arte da Capa: Ysis dos Santos Cobra

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Renata Alencar

Arte da Capa:

Ysis dos Santos Cobra

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CAPÍTULO 08

Escondendo a verdade

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— Ootsuka Keiko —

─ Keiko-chan, keiko-chaaan !!

Uma voz feminina e aguda me arrasta do mundo dos sonhos e me traz

de volta à realidade. Abro os olhos devagar e levanto a cabeça, tentando

me situar no tempo e espaço.

Demoro alguns segundos para reconhecer a figura diante de mim.

─ Akemi... ─ falo devagar, enquanto estico os braços e bocejo. ─ Que

horas são?

─ Já estamos no horário de almoço! Você dormiu durante o último

tempo inteirinho! A sorte é que o professor não te viu. O que está

acontecendo? Já é a segunda vez na semana que você faz isso!

─ Que saco... Perder matéria é horrível. Você fez anotações?

─ Claro! Depois eu te empresto. Você tá com umas olheiras horríveis.

Não ficou até tarde jogando, ficou?

─ Não, né, Akemi? Acha mesmo que estou tendo tempo para ficar

jogando? Tenho estado atarefada demais com o clube, as reuniões do

grêmio e com esse projeto que ajudará os alunos com dificuldade...

─ Verdade! Quando o projeto começa?

─ Amanhã mesmo.

─ Gostaria de me inscrever para ser uma das tutoras, mas tenho

vergonha.

─ Se mudar de ideia depois, é só falar comigo. Vou ao banheiro, tenho

que lavar o rosto...

─ Eu te acompanho!

Juntas, saímos da sala e adentramos o corredor. Acordei com uma dor

de cabeça irritante, e o barulho dos alunos correndo e gritando pela

escola tornando-a pior. Hoje a advertência vai rolar solta! Mas antes

preciso me recuperar.

Viro à direita do corredor e dou de cara com o banheiro feminino.

Assim que entro, vou direto para a pia de mármore e abro a torneira. A

água sai gelada e forte, ótima para me despertar.

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─ Keiko-chan... Preciso falar com você. ─ comenta minha amiga, que

até então, tinha seguido meus passos em silêncio.

─ Pode falar, Akemi-chan. ─ digo, enquanto termino de molhar o rosto

e procuro por uma toalha.

─ Você anda estranha ultimamente... Dorme nas aulas, não presta

atenção direito nas coisas que falo. Aconteceu algo?

─ Claro que não. Só ando ocupada, já expliquei.

─ Você sempre foi ocupada e manteve tudo sob controle. Não quero te

chatear insistindo nesse assunto, mas está óbvio que alguma coisa

aconteceu e você não quer me contar. Pensava que nós éramos

melhores amigas!

Fico um pouco chocada ao ouvir Akemi me confrontar desse jeito. Viro

para encará-la, e percebo uma expressão calma, mas séria em seu

rosto.

─ Realmente não há nad-

─ E tudo isso começou no fim de semana passado, quando fomos ao

fliperama! Você saiu correndo da cabine fotográfica que dividia com o

Watanabe-san. O que aconteceu lá?

Droga. Ela acabou de entrar em um assunto que estive evitando

durante todos esses dias. Por que não podemos simplesmente esquecer

aquele maldito fliperama?

─ Nós apenas discutimos. Ninguém melhor do que você para saber que

nós dois não nos damos bem. ─ vejo pela expressão de Akemi que ela

não está comprando o que estou dizendo, então decido contar uma

parte da verdade. ─ Confesso que também fiquei me sentindo um pouco

culpada por ter jogado sozinha com o Watanabe e ter aceitado aquele

bicho de pelúcia mesmo sabendo que você gostaria de estar no meu

lugar.

Akemi fica em silêncio durante um tempo, ponderando, depois suspira.

─ Então foi por causa disso? Não precisa se preocupar. Sei que a

situação foi completamente forçada pelo Makoto-san, por algum motivo

que desconheço.

─ Não queria que pensasse que sou uma traidora...

─ Ah, de jeito nenhum! ─ Akemi ri, enquanto balança as mãos. ─ Você

e o Watanabe-san? Seria como misturar sushi com queijo cheddar.

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Falando em comida... Estou morrendo de fome. Vamos almoçar?

─ Na verdade, lembrei que tenho de passar na diretoria para resolver

um assunto... Pode ir na frente.

─ Ah, tudo bem. ─ diz minha amiga, enquanto se retira do banheiro.

Assim que a porta se fecha, sinto um peso despencar no meu

estômago. Entro em uma das cabines, e deslizo minhas costas pela

porta de madeira até sentar no azulejo frio e quadriculado.

Menti para minha amiga mais uma vez, penso, enquanto fito minhas

próprias mãos. Mas como contar que realmente me diverti jogando

hóquei de mesa com o garoto que ela gosta? E que fiquei feliz de ganhar

aquele bichinho de pelúcia, por mais estranho que ele fosse?

Que seja. Já cortei o mal pela raiz antes que ele crescesse e desse

frutos! É nisso que tenho de focar.

— Watanabe Hiiro —

Mais um dia tedioso na escola termina. Caminho para casa

rapidamente, procurando evitar dar de cara com Hideki e a sua trupe.

Quando finalmente chego ao meu lar, tiro os calçados e entro na

pequena casa. Cumprimento meus pais e sigo para o meu quarto.

Ao contrário do que possam pensar de mim, mantenho o meu cômodo

particular extremamente organizado. A mesa do computador fica

colada na parede, e ao lado do teclado seis action figures de

personagens de anime estão enfileirados.

No lado direito, fica o meu armário de dois lados, um para as minhas

roupas e outro para os mangás, que devidamente estão em ordem de

lançamento.

Na parede oposta fica encostado o meu grande trav-

Ei, onde está o travesseiro da minha waifu?

Desesperadamente começo a vasculhar o quarto inteiro, e acabo

encontrando a minha best girl debaixo da cama. Me pergunto como ela

foi parar aí embaixo sem eu notar...

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Tiro a poeira do travesseiro e percebo uma mancha amarelada que não

sai de jeito nenhum. Não acredito que deixei criar bolor! Vou procurar

na internet um jeito de tirar isso imediatamente.

Corro para a mesa do computador, mas antes que de começar a

digitar, minhas mãos param no ar. Quem eu estou tentando enganar...?

A realidade é que não estou me importando tanto com esses fungos

quanto gostaria.

Na verdade, me sento um pouco ridículo. Após sair com amigos em

um fim de semana para me divertir, perder uma partida de hóquei de

mesa para uma garota de verdade e depois ter conseguido presenteá-la

com um estranho elefante de pelúcia– mesmo que no final tenha dado

errado... Essas experiências foram as mais verdadeiras que tive até

agora na minha adolescência.

Abraçar um travesseiro não pode ser comparado a isso, nem em um

milhão de anos. Droga, nem um jogo de dez horas com uma ótima

capacidade de imersão pode chegar à altura!

E agora que saboreei um pouco dessa realidade, voltar para o meu

universo particular é um pouco...

Doloroso.

— Ootsuka Keiko —

Outro dia, outra luta. Chego um pouco mais cedo na escola do que o

habitual, e vou para a sala sem esperar por Akemi. Sento-me na

carteira próxima à janela, e começo a folhear o diário de atividades, que

fiz para organizar os meus horários (Sim, às vezes eu tento ser uma

pessoa organizada!).

São tantas obrigações para um período de tempo tão curto! Como é

que eu fui me meter em tanta coisa diferente? Sinceramente, acho que

darei a vaga de Presidente do Clube de Literatura e Poesia para outra

pessoa no ano que vem e continuarei apenas como membro, se não eu

vou surtar!

─ Keiko-chan! Nem me esperou! ─ viro o rosto para a porta da sala e

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vejo minha amiga com uma cara emburrada.

─ Foi mal, Akemi-chan! ─ digo e volto a dar atenção ao meu diário.

─ O que está fazendo?

─ Dando uma conferida nos meus horários.

─ Eu nunca conseguiria fazer tanta coisa ao mesmo tempo como você

faz... ─ ela comenta, sentando-se na carteira ao meu lado.

─ Nem me fale. Estou quase tendo um colapso!

─ Você se esforça demais. Tente relaxar um pouco e tudo dará certo.

Qualquer coisa, pode me pedir ajuda.

─ Obrigada pela oferta. Estou esperando mais alunos chegarem, para

anunciar o projeto.

─ Ah, isso vai ser tão bom para quem está com notas vermelhas! Quem

serão os tutores?

─ Além de mim, conversei com outras duas alunas que se interessaram.

A Megumi-san e a Ai-san.

─ As duas também estão no top 10 no ranking de notas! Que bom que

se ofereceram para ajudar.

Continuo conversando com Akemi enquanto os outros alunos chegam.

Quando a turma está cheia o suficiente, me levanto e vou para a frente

do quadro.

─ Bom dia, turma. Gostaria de pedir a atenção de vocês por um

momento. ─ falo e todos fazem silêncio para me ouvir. ─ Como vocês

viram no quadro de avisos dessa semana, o projeto para ajudar os

alunos que estão correndo risco de serem reprovados começa hoje. Eu,

Megumi-san e Ai-san estaremos disponíveis para tirar qualquer dúvida

e dar explicações detalhadas sobre as matérias, das 16h às 18h, na sala

318 do terceiro andar. Lembrando que ainda existem vagas de tutores

para aqueles que se interessarem. A atividade contará como “clube” no

currículo.

A turma reage positivamente à ideia do projeto. Muitos sorriem,

confiantes, com a nova esperança de conseguirem uma boa nota para

passar de ano.

Meus olhos procuram por Watanabe inconscientemente. Ele está

sentado no fundo, com uma expressão neutra no rosto. Será que ele vai

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aparecer na aula especial depois do escândalo que fiz...? Bem, se não

aparecer, problema dele. Não tenho nada a ver com isso.

Retorno ao meu assento e aguardo o professor chegar para dar início

às aulas.

— Watanabe Hiiro —

Assim que a Ootsuka termina o seu pronunciamento, o professor

entra na sala de aula.

Pondero um pouco se eu devo ir ou não a essas aulas extras. Bem,

acho que não vai fazer mal, afinal, tem a Ai e a Megumi também. Nem

preciso olhar na cara da Ootsuka quando estiver lá.

Tendo tomado minha decisão, resolvo prestar atenção no que o

professor está falando. Vou tentar captar o máximo de conteúdo

possível.

Abro meu caderno e começo a fazer algumas anotações. Não consigo

diferenciar o que é importante do que não é, então acabo quase

compilando a matéria inteira.

As aulas vão se seguindo até o horário de almoço. Subo para o

telhado, levando a comida que minha mãe fez para mim e minhas

anotações.

Como sempre, essa parte do prédio está vazia. Sento em um dos

cantos contra a grade de metal, ponho a marmita no meu colo e o

caderno ao meu lado. Retiro os hashis e como com uma mão, enquanto

com a outra pego o caderno e inicio minha leitura.

O intervalo passa rápido e volto para a sala de aula. Tenho mais dois

tempos de estudo, então vem a limpeza e, por fim, chega a hora das

aulas extras.

Rumo ao terceiro andar. Qual era sala mesmo? 316... 320... Não!

318. Entro na sala sem bater e dou de cara com boa parte da minha

turma. Percebo que estão divididos em vários grupos, e as três tutoras

ficam revezando para tirar as dúvidas do pessoal.

Escolho sentar em uma carteira do lado da janela, um pouco longe dos

outros alunos. Primeiro vou tentar fazer alguns exercícios de

matemática e geografia sozinho e, se tiver muita dificuldade, falarei com

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a Ai ou com a Megumi.

Coloco o caderno sobre a mesa e inicio minha jornada no mundo da

matemática. Fico empolgado ao perceber que consegui finalizar a

primeira conta, mas quando vou checar o gabarito... Deu em um

resultado completamente diferente!

Tento fazer de novo, dessa vez com mais cuidado, mas erro novamente.

Que droga! Olho em volta, pensando em chamar uma das garotas. Ai

está escrevendo algo no quadro, enquanto Megumi está sentada do lado

de outra garota.

A Ootsuka está falando com um grupinho, provavelmente explicando

alguma coisa. Ela percebe que alguém está encarando-a e vira o rosto,

cruzando nossos olhares.

Acabo desistindo de pedir ajuda a alguém e volto para o meu exercício.

Ao passo que vou escrevendo, uma sombra aparece em cima da folha.

Quando levanto a cabeça, dou de cara com a representante.

Ela pega o meu caderno sem falar nada e o perscruta com um olhar

examinador.

─ Você esqueceu de trocar o sinal do x na terceira linha. ─ ela diz,

sem emoção.

─ Obrigado. ─ respondo em um fio de voz.

─ E o gráfico que tentou construir está completamente errado.

Deveria ser uma parábola no lugar de uma reta. ─ ela faz mais uma

observação, enquanto puxa uma carteira para se sentar do meu lado.

─ Certo.

Refaço a conta seguindo a sua dica, e acabo chegando na resposta

correta. Depois, tento montar o gráfico da função, mas enfrento

dificuldades.

─ Preste atenção nos quadrantes. ─ Ootsuka dá outra dica.

Nós continuamos assim, eu fazendo os exercícios e ela me

supervisionando, apontando os erros, mas nunca me dando as

respostas. Nossa conversa é mecânica, quase tão formal quanto a de

um aluno e um professor de verdade.

─ Keiko-san, eu já estou indo. O céu está com nuvens carregadas,

estou com medo de pegar uma chuva forte no caminho para casa. ─ diz

Megumi, ao se aproximar de nós.

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─ Tudo bem, Megumi-san.

Ela deixa a sala. O restante continua estudando, mas pouco a pouco,

vão indo embora também.

Troco a matemática por geografia, prova que preciso tirar no mínimo

um B+ para ter esperanças de passar.

Uma trovejada acaba assustando a Ootsuka. Em poucos segundos, o

barulho de gotas de chuva caindo contra o chão se faz presente.

─ Todos já foram embora. ─ atesta a minha colega de classe. ─ Melhor

eu ir antes que a chuva piore ainda mais.

Dizendo isso, a representante vai atrás de seu material para recolhê-lo

enquanto faço o mesmo com o meu.

─ Não pode ser... ─ ouço a voz surpresa de Ootsuka, parada na porta.

Vou em sua direção, à procura do que a deixou congelada.

Ficamos presos na escola.

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FICHA TÉCNICA

Roteiro │ RENATA ALENCAR

Ilustração │ YSIS DOS SANTOS COBRA

Revisão │ DIOGO LIMA E ANDERSON WILLIAM

Upload │ NOVELAND

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noveland.com.br

Um anjo desce à Terra e desafia a humanidade a um jogo. Neste jogo, as emoções negativas da humanidade tomam forma, e apenas algumas pessoas com poderes especiais, chamadas de “jogadores”, podem detê-las. Sem um objetivo claro num mundo à beira do Apocalipse, uma dupla se ergue para desafiar todas as possibilidades e dar um fim à tudo.

Autor(a): Diogo Lima

Ilustração: Aline Nyoh

Gêneros: Ação, Fantasia, Seinen

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