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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL RENORMALIZAÇÕES: estratégias para manutenção da saúde pela atividade docente PAULO ROBERTO VIEIRA JÚNIOR Belo Horizonte 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

RENORMALIZAÇÕES:

estratégias para manutenção da saúde

pela atividade docente

PAULO ROBERTO VIEIRA JÚNIOR

Belo Horizonte

2011

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PAULO ROBERTO VIEIRA JÚNIOR

RENORMALIZAÇÕES:

estratégias para manutenção da saúde

pela atividade docente

Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos Educacionais: Tecnologias Sociais e Gestão do Desenvolvimento Local. Orientadora: Dra. Eloisa Helena Santos.

Belo Horizonte

Centro Universitário UNA

2011

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, louvo ao meu Senhor Jesus por ter me conduzido até aqui.

Nem a doença que me tirou quatro meses de estudo foi capaz de me afastar

deste objetivo. Sei que fé e determinação não seriam suficientes se não houvesse

o Teu amor, Pai.

Em especial, à Professora Eloisa Helena Santos, orientadora, cujos talento,

conhecimento e sensibilidade foram fundamentais para a concretização deste

texto. Obrigado pela incessante ajuda, por ter caminhado ao meu lado neste

precioso tempo, por ter me recebido em sua residência. Não tenho palavras para

agradecer pelos ensinamentos.

Aos Governos Federal e Estadual, por terem custeado meus estudos. Sou grato

às políticas públicas que me proporcionaram o único e acessível mecanismo de

ascensão social que tive: o estudo.

Às professoras primárias Maria das Graças Rocha, Clélia e Maria Elvira, que me

alfabetizaram. Suas marcas seguem em minha caminhada; vocês me ensinaram

a ler, escrever e “multiplicar”. Sem esses ensinos eu não chegaria aqui.

À querida Flávia Temponi, exemplo de dedicação, que me amparou no momento

derradeiro, que gritou como o timoneiro do remo, dizendo: já está no final, siga!

Nunca me esquecerei de você!

À professora Lucília Machado e sua equipe, por terem idealizado este curso e

terem aberto esta oportunidade para todos nós. Parabéns pela iniciativa.

Em especial aos professores do mestrado: Armindo Teodósio, Aluízio Barros,

Ricardo Ribeiro, Frederico Barbosa, Eloísa Cabral e Rosalina Braga exemplos de

profissionalismo e competência.

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Agradeço ao Senhor Yves Schwartz. Seus artigos, textos e experiência sobre a

abordagem ergológica foram fonte inigualável de conhecimentos para sustentar

esta pesquisa.

À professora Lúcia Bernardes, por suas dicas e pertinentes críticas na

qualificação. Por seu intermédio conheci a obra de Georges Canguilhem, que me

aquietou o coração, pois, segundo ele, adoecer é poder recuperar a saúde. Que

bom compreender isto! Obrigado, professora!

Às professoras Matilde Meire e Magda Roquette que dedicaram horas de seus

dias para ler e contribuir para este texto. Sei que essas tarefas não são simples e

demandam envolvimento e energia. Reconheço a contribuição inegável que me

prestaram.

Aos companheiros de viagem, os Mestres Alessandro Rocha, Lenise Vieira e

Gilmara Machado, humildes vencedores desta corrida, o meu obrigado por tudo

que fizeram por mim.

A todos os professores deste Brasil, gostaria de dizer o quanto os admiro. Sei que

entregam parte de suas vidas na educação deste país. Em qualquer nível escolar,

em qualquer estado, em qualquer sala de aula, vocês são especiais!

Aos meus pais, razão de minha existência e meus primeiros professores. Amor

que não se explica nem se mede. Aos meus amados irmãos, Cristian e Ana

Paula, que sempre disseram que eu ia conseguir, amo vocês.

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Salmo 23

O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará.

Deitar-me faz em verdes pastos,

guia-me mansamente às águas tranquilas;

refrigera a minha alma,

guia-me pelas veredas da justiça por

amor do seu nome.

Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte

não temeria mal algum,

porque tu estás comigo,

a tua vara e o teu cajado me consolam;

preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos,

unges a minha cabeça com óleo,

o meu cálice transborda;

certamente que a bondade e a misericórdia

me seguirão todos os dias de minha vida

e habitarei na casa do Senhor por longos dias.

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RESUMO Esta dissertação discutiu o fenômeno do não adoecimento na atividade docente. Centrou suas investigações em duas escolas de um município da região metropolitana de Belo Horizonte-MG. Orientou-se pelo objetivo central de descobrir quais são as estratégias utilizadas pelos docentes de ensino fundamental da rede que desde a posse no cargo de professor não foram afastados de suas atividades por motivo de doenças (problemas nas cordas vocais, estresse, depressão, etc.). Para fundamentar esta discussão, buscou-se explorar os conceitos de trabalho e atividade docente, ergologia, saúde, renormalizações e estratégias de enfrentamento. Na construção metodológica utilizaram-se revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas semiestruturadas com os nomeados “professores saudáveis”. Esta pesquisa qualitativa de caráter exploratório investigou as estratégias despendidas por seis professores no constante movimento de criação e recriação de sua atividade na busca da saúde. Essas estratégias de enfrentamento foram analisadas a partir do referencial ergológico. Essa ferramenta tem por meta a transformação do trabalho e por princípio valorizar os saberes produzidos pelos trabalhadores conjugando-os com os conhecimentos científicos instituídos. Para fins de compreender e solucionar os problemas relacionados ao trabalho, a ergologia une esses dois polos por meio da ética e do político. A partir do depoimento dos trabalhadores percebeu-se que a atividade docente materializa incessante busca por soluções e é marcada por crenças, valores, escolhas e pela história de vida de cada sujeito, influenciada pela subjetividade humana. No encontro entre um meio saturado de normas e um trabalhador repleto de criatividade detectaram-se processos de renormalização, estratégias de enfrentamento construídas pelos próprios docentes para a construção da saúde. Palavras-chave: Trabalho docente. Saúde. Normas antecedentes. Renormalizações e estratégias de enfrentamento.

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ABSTRACT This essay discusses the phenomena of not getting ill working as a teacher. The investigations were centered in two schools in the metropolitan area of Belo Horizonte, Minas Gerais State. The main orientation was the central objective of discovering what the strategies used by the teachers who teach the basic grades of the net are, since from the beginning of their assuming their classes they have not been away on a sick leave of any kind (vocal cords failure, stress, depression, etc). To validate this discussion, we tried to explore their working concepts and their teaching activities, ergology, health, renormalizing and strategies for facing the job. In the methodological construction the bibliographic revision, documental analysis and semi-structured interviews with the named “health teachers” were used. This qualitative research in an exploratory character investigated the strategies used by these six teachers in the constant movement of creating and re-creating their activities in search of health. These strategies of facing their jobs were analyzed from an ergo logical reference. This tool has as its goal the transforming of the work and as a principle, value the knowledge produced by these workers conjugating them with the scientific knowledge instituted. To understand and solve the problems related to the job, the ergology joins these two poles through the ethic and politic ones. From the workers testimony, it could be observed that the teaching activity materializes an incessant search for solutions and is marked by beliefs, values and choices, and by each individual life history influenced by the human subjectivity. In the joining of an environment saturated by norms and a worker full of creativity, renormalizing processes and singular facing the job strategies built by the teachers to keep their health were detected. Key Words: Teaching job. Health. Preceding norms. Nenormalizing and facing the job strategies.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CBC Conteúdos Básicos Comuns

CBO Classificação Brasileira de Ocupações

CNE Conselho Nacional de Educação

DD3P Dispositivo dinâmico a três polos

DU Diploma universitário

EJA Educação de jovens e adultos

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LER Lesões por esforço repetitivo

MOI Movimento Operário Italiano

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

OIT Organização Internacional do Trabalho

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PPP Projetos políticos pedagógicos

TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

UNESCO United Nations Education, Scientific and Cultural Organization

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura

FIGURA 1 Dispositivo dinâmico a três polos................................................. 58

Quadro

QUADRO 1 Piores coisas do trabalho como professor: 11 citações mais

comuns...................................................................................................

43

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SUMÁRIO1

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 14

1.1 Objetivos...................................................................................................... 19

1.1.1 Objetivo geral........................................................................................... 19

1.1.2 Objetivos específicos............................................................................... 19

1.2 Metodologia................................................................................................ 20

1.2.1 Instrumentos de coleta de dados............................................................. 21

1.2.2 A escolha da cidade e a rede de ensino.................................................. 22

1.2.3 A escolha das escolas............................................................................. 22

1.2.4 Os sujeitos da pesquisa........................................................................... 22

1.3 As entrevistas.............................................................................................. 23

1.4 Análise dos dados....................................................................................... 24

1.5 A estrutura da dissertação........................................................................... 24

2 RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE O TRABALHO DOCENTE............ 26

2.1 Trabalho docente: conceitos cercados por imprecisão............................... 29

2.2 Pesquisas sobre o adoecimento docente.................................................... 33

2.3 O mal-estar docente.................................................................................... 36

2.4 A síndrome de burnout: o fim da linha......................................................... 39

2.5 Voz: ferramenta insusbstituível.................................................................... 41

2.6 Condições do trabalho docente................................................................... 42

2.6.1 Os fatores de riscos e as condições de trabalho...................................... 45

2.7 Fenômeno bullying: professor, o novo alvo................................................. 48

3 GÊNESE DA PERSPECTIVA ERGOLÓGICA................................................ 51

3.1 O modelo taylorista-fordista......................................................................... 52

3.2 O referencial ergológico............................................................................... 54

3.3 Conceitos e objetivos................................................................................... 57

3.3.1 Dispositivo dinâmico a três polos............................................................. 58

1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009.

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3.4 O trabalho como atividade humana............................................................. 60

3.5 O trabalho docente como atividade humana............................................... 63

3.6 O “uso de si por si” e o “uso de si pelo outro”.............................................. 67

3.7 Normas antecedentes e a renormalização.................................................. 69

3.8 A ergologia e a busca pela saúde docente: os “dramas”, o “vazio de

normas” e as “infidelidades do meio”.................................................................

73

4 ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO DA SAÚDE NO TRABALHO................ 78

4.1 O conceito de saúde pela abordagem de Georges Canguilhem................. 79

4.2 Subjetividade e sujeito................................................................................. 85

4.3 Saúde, trabalho e subjetividade: enfoques da psicopatologia..................... 88

4.4 As estratégias criadas para a construção da saúde docente...................... 96

4.5 Os conceitos de coping e de resiliência....................................................... 101

5 NORMAS ANTECEDENTES, RENORMALIZAÇÕES E ESTRATÉGIAS DE

ENFRENTAMENTO FORA DA ESCOLA..........................................................

105

5.1 Orientações administrativo-pedagógicas e o Regimento Interno................ 109

5.1.1 A percepção dos “professores saudáveis” quanto ao plano de ensino.... 110

5.2 Atividade docente: espaço de renormalização e transgressão das normas

antecedentes......................................................................................................

113

5.3 A atividade docente como espaço de apropriação e construção coletiva... 117

5.4 A liberdade de criação na recriação da atividade docente.......................... 119

5.4.1 Como os “professores saudáveis” organizam a sala de aula................... 121

5.4.2 Boas relações interpessoais com a comunidade escolar: fator positivo.. 124

5.4.3 Número de alunos e indisciplina sob o ponto de vista dos “professores

saudáveis”.........................................................................................................

125

5.4.4 Os cuidados com a voz............................................................................ 128

5.5 As estratégias dos “professores saudáveis” para combater o cansaço e

os desgastes fora da escola..............................................................................

129

5.6 Os “professores saudáveis” pelos “professores saudáveis”........................ 132

5.7 O reconhecimento social: fator sem importância relevante......................... 134

5.7.1 O que motiva os “professores saudáveis” em um meio aparentemente

desmotivador?...................................................................................................

135

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5.7.2 A valorização da espiritualidade pelos “professores saudáveis”.............. 137

5.7.3 Os “professores saudáveis” na comparação com os demais docentes... 138

5.7.4 A construção de soluções pela ótica dos “professores saudáveis”.......... 140

5.8 “Professores saudáveis”: a definição de um perfil....................................... 142

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 146

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 153

APÊNDICES E ANEXOS................................................................................... 162

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1 INTRODUÇÃO

A sala de aula é um espaço considerado enigmático, onde se manifestam

conflitos nos campos político, social, econômico, cultural e subjetivo, entre outros.

Se, por um lado, proporciona satisfação e prazer, por outro lado, pode induzir ao

adoecimento docente provocado por sobrecarga de atividades, precárias

condições de trabalho, desvalorização profissional, fatores de risco do próprio

ambiente, tais como salas de aula pequenas, excessos de alunos, elevado nível

de ruídos, etc. A aquisição de doenças ao longo da carreira docente gera

afastamentos temporários e até abandono da atividade profissional (CODO, 2006;

NOUROUDINE, 2004; WISNER, 1994).

Para Trinket (2010, p. 96), “o homem e o trabalho estão íntima e enigmaticamente

ligados” por meio de uma relação sempre singular que cria ambiente para que

trabalhador e trabalho se integrem, moldem e sejam moldados. É essa

singularidade que permite um encontro único, novo, cheio de particularidades e

imprevisibilidades do docente com sua atividade de trabalho, o que configura uma

complexidade de atos que nem sempre é visível aos olhos e muito menos simples

de ser compreendida (SCHWARTZ, 2000), podendo gerar tanto benefícios à

prática docente como impactos negativos para a sua saúde.

O adoecimento docente é um fenômeno que tem crescido em virtude das

influências do novo cenário capitalista de produção que, em constante

transformação (SANTOS, 2000a), expõe o professor a diversos fatores

depreciativos, desde baixos salários a inadequados ambientes laborais. Isso tem

provocado agravos à sua saúde, sendo os mais comuns os problemas nas cordas

vocais, articulares, circulatórios e distúrbios psicológicos (CODO, 2006; PORTO

et al., 2006; SOUSA NETO, 2005; VIANELLO, 2006).

O rápido avanço tecnológico, o mercado de trabalho cada vez mais competitivo,

os novos papéis atribuídos ao docente causam sobrecarga de trabalho, além de

problemas advindos da gestão da atividade docente, como os relativos à falta de

autonomia, ausência de controle na execução das atividades docentes, excessiva

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cobrança dos gestores educacionais, aumento das tarefas burocráticas, precária

infraestrutura e insuficiência de materiais didáticos adequados (FARIA; RACHID,

2009; GOMES, 2002). Esses elementos contribuem para o desgaste profissional

e, direta ou indiretamente, conduzem o professor ao afastamento temporário ou

definitivo de suas atividades.

Em contrapartida, verifica-se que muitos professores encontram-se satisfeitos no

exercício da atividade docente, mesmo convivendo com o quadro descrito. Esteve

(1999, p. 102) encontrou em seu estudo professores felizes e eficientes, que se

“autorrealizam trabalhando no magistério, que souberam elaborar respostas

efetivas e integradas ante o aumento de exigências e a enorme transformação a

que se viu submetida a profissão docente”. Pode-se afirmar, portanto, que muitos

professores desenvolvem estratégias de enfrentamento das condições

inadequadas de trabalho para não adoecer.

No entanto, cresce cada vez mais o contingente daqueles que adoecem. A

infinidade de condicionantes negativos que vivem repercute em seu corpo e na

realização de sua atividade. Alguns professores perdem a motivação,

desinteressam-se pelo trabalho, desistem de ensinar e abandonam a profissão

por sentirem-se desvalorizados e pouco reconhecidos socialmente2 (CODO, 2006;

ESTEVE, 1999).

Tendo como pano de fundo esse cenário, esta pesquisa investigou as estratégias

utilizadas pelos professores para manutenção da saúde. Os “professores

saudáveis”, mesmo expostos cotidianamente a diversos tipos de dificuldades,

diferentemente do que ocorre com expressivo contingente de professores,

demonstra saber lidar com essas situações e desenvolvem meios singulares para

realizar sua atividade e manter a saúde.

2 No 1º semestre de 2010 ocorreram três greves quase simultaneamente no estado de Minas Gerais. A rede municipal e a rede particular de ensino de Belo Horizonte e a rede estadual paralisaram suas atividades reivindicando melhores salários e condições de trabalho, além da manutenção de direitos trabalhistas adquiridos anteriormente. No caso das redes públicas de ensino, foi clara a manifestação da sociedade contra os docentes, declarando notória insatisfação com o movimento dos professores.

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Esta pesquisa tem seu foco de discussão na atividade docente analisada na

perspectiva da ergologia desenvolvida pelo professor e filósofo francês Yves

Schwartz (2000) e sua equipe de trabalho. Desenvolvida a partir da década de

1980, a ergologia compreende o trabalho como atividade humana, espaço de

criação singular do trabalhador e ferramenta de transformação do trabalho. Na

atividade do trabalho o trabalhador vive um processo contínuo de produção e

mobilização de conhecimentos que busca soluções para os problemas surgidos.

Para Schwartz (2000, p. 45), a ergologia não é “uma disciplina no sentido de um

novo domínio do saber, mas, sobretudo, uma disciplina do pensamento”, uma

perspectiva que procura conhecer a atividade do trabalho sem neutralizar os

aspectos históricos e a singularidade de cada trabalhador.

Pela perspectiva ergológica, na atividade humana o professor estabelece um

constante debate com as normas antecedentes que o orientam, resultando num

processo de renormalização dessas normas. Esse processo de renormalização

permite ao trabalhador, segundo Canguilhem (2000), criar as melhores condições

de se relacionar com o meio. A abordagem das normas antecedentes e do

processo de renormalização é enriquecida, na ergologia, pela distinção entre o

trabalho prescrito e o trabalho real, que tem origem na ergonomia de língua

francesa3 (SCHWARTZ, 2007).

O trabalho prescrito refere-se ao que o trabalhador executa e é, via de regra,

pensado por quem não exerce, de fato, a atividade. Os projetos político-

pedagógicos, as matrizes curriculares, os planos de ensino, as resoluções e

decretos advindos da Secretaria de Educação (VIEIRA, 2003) configuram o

trabalho prescrito na atividade de trabalho docente. O trabalho real difere do

trabalho prescrito, uma vez que este não pode ser completamente antecipado,

previsto; é o que, efetivamente, ocorre na atividade cotidiana do professor. No

hiato entre essas duas dimensões é que se manifestam a singularidade, a

subjetividade do trabalhador e seu poder criativo (SANTOS, 2000b).

3 O termo ergonomia deriva do grego ergons, que significa trabalho, e nomos, regras. É o estudo das implicações das situações de trabalho nas condições físicas e psicológicas dos seres humanos. Para mais informações consultar este verbete no Dicionário da Educação Profissional, p. 143, 144. Uma importante obra sobre ergonomia é: “A Inteligência do Trabalho”, do médico Francês Alain Wisner (1994).

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Escolhida como referencial teórico e metodológico para analisar a atividade de

trabalho dos “professores saudáveis”, a ergologia permitiu identificar as

estratégias que esses professores criam para enfrentar o risco de adoecimento e

manter a saúde. Possibilitou, ainda, diálogo entre os conhecimentos científicos

instituídos e disponíveis na literatura e os saberes criados pelos docentes em prol

da construção de soluções inovadoras para o problema do adoecimento

(NOUROUDINE, 2004; SCHWARTZ, 2007). Essas soluções são derivadas da

experiência singular dos docentes como respostas às dificuldades que enfrentam

cotidianamente, ou seja, são respostas produzidas no debate de normas que se

estabelecem na atividade do professor.

Nouroudine (2004), Santos (2000a), Schwartz (2000) e Vieira (2003), entre outros,

pesquisaram as transformações do trabalho a partir da abordagem ergológica e,

em especial, Vieira (2003) e Nouroudine (2004). Codo (2006), Gasparini, Barreto

e Assunção (2005), Noronha, Assunção e Oliveira (2008), Porto et al. (2006) e

Reis et al. (2006) afirmam que a sala de aula é um espaço danoso aos

professores e sugerem causas mais evidentes para a depreciação da sua saúde.

Assim, verificou-se que são poucas as pesquisas que discutem a atividade dos

“professores saudáveis” e suas estratégias de enfrentamento para manutenção

da saúde.

Nesta dissertação, o termo saúde é entendido como a capacidade de estabelecer

novas normas e enfrentar as adversidades do meio que circunda o indivíduo

(CANGUILHEM, 2000). Segundo Georges Canguilhem (2000), a saúde também é

a capacidade de adoecer e poder recuperar-se. Para o autor, saúde e doença se

explicitam como manifestações de vida, como riqueza biológica. Nessa

abordagem, as características do indivíduo são definidoras do estado de

normalidade e recebem inequívoca influência da subjetividade humana

(BERNARDES, 2007).

Essas evidências orientaram a seguinte questão central: quais são as estratégias

de enfrentamento utilizadas pelos “professores saudáveis” na sua atividade de

trabalho para manter a sua saúde?

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A partir do cenário descrito anteriormente, definiu-se como objeto desta pesquisa

as estratégias criadas e recriadas pelos “professores saudáveis” na sua atividade

de trabalho para enfrentar o elevado número de estressores ao qual são

submetidos e garantir sua saúde.

A justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa está associada à discussão

do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local

da UNA-BH, que tem em seus pilares a proposta de intervir nas realidades

sociais. A produção de conhecimentos a que se propôs buscou interagir

conhecimentos teóricos e práticos que fomentassem construções participativas

por meio das estratégias desenvolvidas pelos próprios docentes, em especial os

“professores saudáveis”4.

As disciplinas cursadas, em especial Pedagogia do Trabalho, foram fundamentais

para a descoberta do trabalho docente como um importante objeto de estudo em

sua inter-relação com a área de saúde. Esta disciplina apresentou referenciais

teóricos que possibilitaram meios para o recorte do objeto da pesquisa. Assim,

vislumbrou-se a sistematização de estratégias construídas pelos próprios

educadores para a solução do adoecimento docente. Tais estratégias serão

analisadas sob a perspectiva do referencial ergológico que será abordado

posteriormente.

A relevância social deste estudo manifesta-se na importância desta discussão

para a rede municipal5, para as escolas e para os professores. Solucionar o

problema do adoecimento docente contribuirá diretamente para a melhoria da

qualidade da educação no município e, consequentemente, beneficiará a saúde

dos professores.

4 A utilização desta nomenclatura se deu pelo fato de não ter sido encontrada na literatura outra que pudesse melhor expressar a ideia de caracterização da amostra. Ressalta-se neste ponto a precaução do autor em não criar um termo que pudesse gerar algum tipo de preconceito ou dividir os professores em grupos distintos. Reafirma-se a proposição de identificá-los no universo pesquisado. 5 O sucatamento e a falta de estrutura amplamente divulgada pela mídia indicam a necessidade de soluções emergenciais para o adoecimento docente. A escolha pela investigação na rede pública em detrimento da rede particular deve-se ao fato do extenso rol de problemas do ensino público se comparado ao ensino particular. Citam-se: violência, condições de trabalho inadequadas e baixos salários como elementos dessas diferenças.

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Do ponto de vista da literatura, percebeu-se uma lacuna quanto a abordagens

pelo viés da ergologia para análise de estratégias para manutenção da saúde

docente por parte de professores que não adoecem. Esta investigação visou a

cobrir esse vazio. Além disto, remete-se à atuação profissional do autor, que

orienta novos educadores como docentes de ensino superior em uma instituição

do município e sente-se desejoso de contribuir com as discussões desta temática.

1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo geral

Identificar as estratégias criadas pelos “professores saudáveis” na sua atividade

de trabalho para enfrentar o elevado número de estressores ao qual são

submetidos diariamente e garantir sua saúde.

1.1.2 Objetivos específicos

• Identificar um grupo de “professores saudáveis” de ensino fundamental em

cidade da região metropolitana de Belo Horizonte-MG.

• Identificar as normas antecedentes que orientam a atividade do professor

saudável.

• Identificar as estratégias criadas pelos “professores saudáveis” na sua

atividade docente para renormalizar as normas antecedentes, bem como

as estratégias fora do contexto escolar.

Esta pesquisa possibilitou a elaboração de uma proposta de intervenção para o

quadro do adoecimento docente na referida rede de ensino. Para tanto, elaborou-

se um documento, caracterizado como um informe, composto de dados sobre a

atividade dos “professores saudáveis”, com sugestões e recomendações a serem

encaminhadas à Secretaria Municipal de Educação (APÊNDICE A).

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1.2 Metodologia

A metodologia qualitativa orientou esta pesquisa. De tradição interpretativa ou

compreensiva, parte da premissa de que os indivíduos agem na dimensão de

suas crenças, valores, percepções e sentimentos, sendo que o comportamento

que manifestam adquire determinado sentido, um significado que não se permite

conhecer de maneira imediata, precisando ser revelado (ALVES-MAZZOTI;

GEWANDSZNAJDER, 1998).

Para Minayo, Deslandes e Gomes (2009), a pesquisa qualitativa responde a

questões particulares que não podem ser quantificadas, apropriando-se de

significados, motivos, aspirações e atitudes que ocupam o campo das ciências

sociais. Neves (1996, p. 1) acrescenta que este tipo de pesquisa “não busca

enumerar ou medir”, mas obter “dados descritivos mediante contato direto e

interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo”.

A pesquisa qualitativa permitiu identificar e compreender as estratégias utilizadas

pelos sujeitos deste estudo para se protegerem dos agentes estressores aos

quais são submetidos. Por meio de seus depoimentos essas estratégias, ou

saberes, foram detectados e atestaram o poder criativo na atividade docente.

Foram realizadas pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas

semiestruturadas. Para Pádua (2002) e Gil (2002), a pesquisa bibliográfica é

fundamentada nos conhecimentos de documentação e bibliografia e tem como

finalidade colocar o pesquisador em contato com a produção e com os registros a

respeito do seu tema, que estaria contido em um conjunto de obras escritas por

vários autores, em épocas diversas, podendo utilizar todas ou parte delas.

Minayo, Deslandes e Gomes (2009), por sua vez, acrescentam que por meio das

revisões da bibliografia é possível mapear o que já foi perguntado em

determinada área de conhecimento, identificando o que recebe mais atenção dos

pesquisadores e o que tem sido pouco investigado. Como pesquisa documental,

Pádua (2002, p. 65) define:

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Aquela realizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não fraudados); tem sido largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências.

Neste trabalho, para fins de composição da amostra, os documentos investigados

foram fichas profissionais dos “professores saudáveis6”, que ficam arquivadas nas

escolas. Foram acessados como fontes de informação sites, bases de dados em

bibliotecas virtuais, teses, dissertações, capítulos de livros, livros e artigos

científicos. Inicialmente, foram examinadas revisões atualizadas, os chamados

“estudos da arte7”, que indicam revisões recentes e permitem indicar estudos de

mais impacto que se aproximaram do problema de pesquisa (ALVES-MAZZOTTI;

GEWANDSZNAJDER, 1998).

1.2.1 Instrumentos de coleta de dados

Foram realizados contatos com os diretores das escolas e entrevistas

semiestruturadas com os “professores saudáveis”. Nos primeiros encontros com

os diretores das escolas avaliadas apresentaram-se os objetivos da pesquisa e

solicitou-se a permissão para acessar as fichas funcionais. Em seguida,

averiguaram-se os sujeitos que se enquadravam nos critérios de inclusão

propostos.

1.2.2 A escolha da cidade e a rede de ensino

A cidade escolhida para a pesquisa localiza-se na região metropolitana de Belo

Horizonte-MG e possui população de aproximadamente 148 mil habitantes. Deste

total, em torno de 14 mil alunos são assistidos pela Secretaria de Educação.

Esses alunos são distribuídos em 24 escolas, nas modalidades Ensino

6 Inicialmente, foi planejada análise das fichas profissionais que ficam arquivadas no Departamento de Pessoal da Prefeitura. A desistência desse procedimento se justifica pelo motivo das pastas funcionais não estarem organizadas por secretaria e função do trabalhador e sim por ordem alfabética, o que inviabilizou a procura das pastas. Partiu-se, então, diretamente para as unidades de ensino, pois existe um arquivamento de todos os atestados e licenças apresentados pelos professores nas escolas, o que agilizou o cruzamento de dados e a detecção da amostra. 7 O capítulo primeiro apresenta, em sua introdução, os dois estudos da arte utilizados como informativo das pesquisas realizadas sobre o trabalho docente nas últimas décadas.

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Fundamental, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Infantil a partir

dos cinco anos. Segundo a Secretaria de Educação, o quadro de professores da

rede é composto de 843 professores distribuídos entre eventuais e efetivos8.

1.2.3 A escolha das escolas

Foram escolhidas, intencionalmente, duas escolas9 das 24 que compõem a rede

municipal. A escola-1 está localizada na parte mais alta da cidade, em avenida

atendida por várias linhas de ônibus e não possui residências no seu entorno. Seu

espaço é amplo e suas instalações bem conservadas. Possui 18 professores

efetivos no turno da manhã, dos quais nove são homens. Desses 18, apenas

quatro se adequaram ao perfil da amostra, sendo um homem e três mulheres. A

escola atende 724 alunos do 5º ao 9º ano, compondo 24 turmas.

A escola-2, ao contrário, tem localização menos privilegiada, na parte mais baixa

do município, em sua periferia, próxima de ruas sem calçamento e seu entorno é

rodeado por casas. Suas instalações são modestas, seus corredores internos

estreitos e as salas de aula muito próximas umas das outras, o que gera alto nível

de ruídos. Possui 23 professores efetivos e apenas duas professoras na amostra.

Atende 997 alunos do 1º ao 9º ano, compondo 14 turmas de 1º ao 4º do Ensino

Fundamental no turno da tarde e 18 turmas, do 4º ao 9º ano, pela manhã.

1.2.4 Os sujeitos da pesquisa

A amostra foi composta de seis professores, sendo cinco do gênero feminino. Os

critérios de inclusão foram: a) ser efetivo na rede de ensino da cidade escolhida;

b) lecionar no Ensino Fundamental II; c) ministrar aulas para alunos do 5º ao 9º

ano no turno da manhã; d) não ter sido afastado por doença desde sua posse até

a data da entrevista.

A preferência por professores de Ensino Fundamental se deu pelo fato de que é

nesse nível de ensino que se encontra a maior quantidade de docentes da rede

8 Professor efetivo que não leciona. Substitui o professor ausente e realiza atividadades diversas. 9As escolas foram escolhidas por apresentarem características distintas.

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de ensino. Os seis professores entrevistados por meio de depoimentos gravados

foram:

• Professor-P1: 32 anos, solteiro10, trabalha na escola-1 desde 2005, tem

oito anos de profissão, leciona Matemática, tem dois cargos públicos, mora

com os pais. A entrevista ocorreu no mês de junho de 2010, durante o

turno da manhã e durou uma hora e 30 minutos.

• Professora-P2: 32 anos, solteira, trabalha na escola-1 desde 2005, tem

cinco anos de profissão, leciona Português, tem dois cargos públicos, mora

com os pais. A entrevista ocorreu no mês de junho de 2010 durante o turno

da manhã e durou uma hora e 30 minutos.

• Professora-P3: 30 anos, solteira, trabalha na escola-1 desde 2005, tem

sete anos de profissão, leciona Ciências, tem um cargo público, mora com

os pais. A entrevista ocorreu no mês de junho de 2010 durante o turno da

manhã e durou uma hora e cinco minutos.

• Professora-P4: 42 anos, casada (dois filhos), trabalha na escola-1 desde

1999, tem 15 anos de profissão, leciona Português, tem dois cargos

públicos. A entrevista ocorreu no mês de junho de 2010 durante o turno da

manhã e durou uma hora e 45 minutos.

• Professora-P5: 42 anos, casada (dois filhos), trabalha na escola-2 desde

2005, tem 20 anos de profissão, leciona Matemática, tem um cargo público.

A entrevista ocorreu no mês de novembro de 2010, na casa da professora

e durou uma hora e 40 minutos.

• Professora-P6: 44 anos, divorciada, trabalha na escola-2 desde 1997, tem

19 anos de profissão, leciona Português, tem dois cargos públicos, mora

com os pais. A entrevista ocorreu no mês de novembro de 2010, na casa

da professora e durou duas horas e cinco minutos.

1.3 As entrevistas

Para Minayo, Deslandes e Gomes (2009), as entrevistas, estratégia mais

difundida nos processos de trabalho de campo, permitem ao entrevistado

discorrer sobre algum tema sem se prender à questão formulada. A entrevista foi

10 Quatro entrevistados são solteiros e moram com os pais.

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orientada por um roteiro construído previamente (APÊNDICE B), que permitiu

alterações durante o transcorrer das falas. Fez-se o pré-teste. Cada depoimento

durou, em média, entre uma e duas horas e as perguntas foram organizadas em

três categorias: a) atividade docente; b) normas antecedentes; c) renormalizações

e estratégias de enfrentamento para construção da saúde fora da escola.

Minayo, Deslandes e Gomes (2009, p. 64) explicam que as entrevistas:

Constituem uma representação da realidade: ideias, crenças, maneira de pensar; opiniões, sentimentos, maneiras de sentir, maneiras de atuar, condutas, projeções para o futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos.

Durante as entrevistas, os docentes resgataram experiências, lembranças e

sentimentos da atividade docente em uma reflexão sobre ações do passado e do

presente e uma necessária releitura de ambas.

1.4 Análise dos dados

Para Pádua (2002, p. 78), “após a coleta dos dados julgados pertinentes e

relevantes, inicia-se o processo de análise, classificação e interpretação das

informações coletadas”. De posse dos depoimentos, iniciou-se a análise

descritiva, com a categorização das respostas, com vistas a abstrair desses

conteúdos o entendimento do fenômeno proposto como objeto de pesquisa.

Ao final de todo esse procedimento metodológico de análise, tratamento e

sistematização de informações, confeccionou-se um Informe com “sugestões e

recomendações à Secretaria11 Municipal de Educação” (APÊNDICE A).

1.5 A estrutura da dissertação

Este estudo está organizado em uma introdução, quatro capítulos, considerações

finais, bibliografia, uma proposta de intervenção, apêndices e anexos.

11 A Secretaria de Educação do município não autorizou a citação do nome da cidade na dissertação.

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Após o capítulo da introdução, o segundo capítulo apresenta pesquisas sobre o

trabalho docente em um contexto histórico recente, uma discussão sobre o

adoecimento docente e diversas pesquisas sobre trabalho e saúde dos

professores nas últimas duas décadas. O título desse capítulo é: “Retrospectiva

histórica sobre o trabalho docente”.

O trabalho docente como atividade humana na perspectiva da ergologia

defendida por Yves Schwartz (2000) é abordado no capítulo três, “A gênese da

perspectiva ergológica”. Nele revela-se o cenário no qual o referencial ergológico

de conhecimento e transformação do trabalho se estabeleceu, bem como seus

conceitos e desdobramentos.

O capítulo quarto discute o conceito de saúde proposto por Georges Canguilhem

(2000) e o conceito de subjetividade que remete à perspectiva de sujeito tomados

da Psicologia social. A abordagem da psicodinâmica do trabalho proposta por

Dejours e Jayet (2007), além dos conceitos de coping e resiliência,

complementam o capítulo “Estratégias de Construção de Saúde no Trabalho”.

A atividade docente é desvendada no capítulo quinto por meio dos depoimentos e

tem como objetivo analisar a atividade dos “professores saudáveis” e apresentar

as estratégias de enfrentamento dos trabalhadores a partir do ponto de vista dos

“professores saudáveis” e esclarecer a relação que estes mantêm com as normas

prescritas. Esse capítulo é apresentado pelo título: “Normas antecedentes,

renormalizações e estratégias de enfrentamento fora da escola”.

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2 RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE O TRABALHO DOCENTE

As discussões sobre o trabalho docente têm-se avolumado na literatura

especializada e demonstram que o tema permite pesquisar diferentes pontos de

vista a respeito desse objeto. Na tentativa de reunir esses diferentes pontos de

vista, recorreu-se a dois “estudos da arte” (resumos e agendas de pesquisas) com

o objetivo de mapear os eixos temáticos e as abordagens que envolveram o

trabalho dos docentes nas últimas quatro décadas. O primeiro agrupa análises de

100 pesquisas sobre trabalho docente publicadas na revista eletrônica Educação

& Sociedade (LUDKE; BOING, 2007). O segundo apresenta a agenda de

pesquisas sobre o tema no Brasil (MANCEBO, 2007). Recorrer a essa literatura

visou, de maneira sucinta, a situar o leitor quanto às pesquisas realizadas sobre o

trabalho docente nos últimos anos.

Esses resumos e agendas de pesquisas estão alinhados basicamente em seis

eixos temáticos: a) sindicatos e organizações docentes; b) trabalho docente e as

políticas públicas; c) profissão, profissionalidade, identidade e desenvolvimento

profissional; d) fisionomia do trabalho docente; e) sistemas de avaliação; f)

descentralização gerencial (LUDKE; BOING, 2007; MANCEBO, 2007). Mesmo

agrupadas por eixos, as discussões que se estabelecem nos textos dialogam e

reforçam a percepção de estreita relação entre as várias facetas que envolvem a

atividade exercida por essa categoria. Tais eixos contribuíram para pontuar e

analisar as possíveis conexões entre os fatores “externos” e os fatores “internos”

que evidenciam elementos que se relacionam ao adoecimento docente.

O primeiro eixo temático refere-se às pesquisas sobre a organização política dos

professores amparada pelos movimentos sindicais na década de 1980. Autores

salientam a importância da organização da categoria para pleitear melhores

salários, condições de trabalho mais dignas e o aumento no investimento

financeiro para o setor da educação. A importância do trabalho docente para o

desenvolvimento da nação e a recorrente necessidade do reconhecimento público

dessa classe profissional são a tônica desses estudos (ARROYO, 1980;

CASTRO, 1990; GENTILI, 2004; SOBREIRA, 2001).

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O segundo eixo direciona a discussão para o trabalho docente relacionando-o às

políticas públicas em um contexto de reformas. As pesquisas de Gentili (2004),

Lima (1997), Mancebo (2007) e Oliveira (2005) detectaram que, nos últimos 20

anos, têm-se adotado políticas neoliberais que geraram novas relações de poder

entre Estado e sociedade; democratização da gestão escolar com mais

participação da sociedade civil; e racionalização dos gastos públicos, entre outras,

redefinindo a intervenção do Estado nos processos de reforma educacional. De

acordo com esses autores, tal movimento gerou reflexos na organização e

reestruturação do trabalho docente.

Essa reestruturação produziu uma série de efeitos para os docentes, tais como a

precarização do trabalho dos professores, baixos salários, alongamento de

funções e jornadas de trabalho escolar, formação inadequada, entre outros. Isso

deflagrou um processo de intensa desqualificação profissional que não foi

minimamente acompanhado por melhores condições de trabalho, melhor

estrutura física das escolas e valorização da carreira docente (GARCIA;

ANADON, 2009). Apesar das reformas educacionais, percebe-se que essa

desvalorização e os fatores que a acompanham têm mudado gradativamente

nesta ultima década.

O terceiro eixo temático analisa o trabalho docente nos seguintes aspectos:

profissão, profissionalidade, identidade e desenvolvimento profissional

(BARRETO, 2004; FREITAS, 2003; GATTI; ESPOSITO; SILVA, 1994;

HAGUETTE, 1991; LUDKE; BOING, 2004; MELLO, 1999). Pesquisas como as de

Haguette (1991) e Mello (1999) enfatizam a importância da formação docente

para a identidade do professor. Conforme essas autoras, o trabalho docente

esteve fortemente associado à vocação. Dessa forma, ser professor seria um dom

que coloca o processo formativo em segundo plano. Essa concepção, que

associa a profissão a uma vocação, apresentou-se frágil, pois as políticas

educacionais, ao valorizarem essa capacidade, tenderam a desvalorizar o

processo formativo. A partir disso, o foco das investigações passou a ser a

formação docente como instrumento de construção da identidade desse

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profissional, uma identidade que contribuiria para o bom desenvolvimento

profissional.

O quarto eixo centrou suas atenções na fisionomia do trabalho docente, ou seja,

nas características que especificam a profissão, nas diversas maneiras de

realização de suas atividades. Nesse contexto, o trabalho docente influenciado

pelas reformas educacionais foi reestruturado. O professor passou a

desempenhar outras funções para as quais não era capacitado. Funções como

psicólogo, assistente social e agente de saúde passaram a ser requeridas pelas

novas demandas socioculturais dos alunos. Com isso, o trabalho docente foi

desvalorizado e seu espaço de atuação invadido por profissionais de outras áreas

de conhecimento (OLIVEIRA, 2004).

Especialistas com nível técnico, graduados em outras áreas do conhecimento

inespecíficas ao trabalho educacional passaram a concorrer com o professor, o

profissional de Direito, genuinamente dedicado e legitimamente responsável pelo

ensino (LUDKE; BOING, 2007). Esse quadro de proletarização, flexibilização e

precarização impactou o sistema escolar, influenciando a formação dos

professores, exigindo a ressignificação do trabalho docente (BARRETO, 2004;

FONTANA; TUMOLO, 2006; FREITAS, 2003; HYPÓLITO, 1994; LEVASSER;

TARDIF, 2004; OLIVEIRA, 2004; SOARES, 2006). De acordo com Ludke e Boing

(2007, p. 1188), “esse fenômeno tem a ver com as mudanças no mundo do

trabalho e emprego, que tentam submeter também os servidores públicos a um

tipo de gestão inspirado na lógica de mercado”.

O quinto eixo contempla os sistemas avaliativos. Mancebo (2007) referencia que

os professores passam a ser avaliados por produtividade e sua eficiência medida

em indicadores. As avaliações institucionais amparadas na lógica gerencialista

são exemplo dessa conduta de tentar balizar o rendimento dos educadores e

alunos por índices, o que ocasiona certo desconforto para a categoria.

O sexto e último eixo aborda a descentralização gerencial. Apesar da reforma

educacional dar mais autonomia para as Secretarias de Educação realizarem sua

gestão de forma democrática, por meio da participação de todos os segmentos da

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escola (professores, funcionários, pais e alunos), as decisões eram tomadas de

forma centralizada em um núcleo estratégico. A verticalização das decisões

colocava, e ainda coloca, o professor fora dos processos construtivos, cria-se a

falsa ilusão de participação, enquanto o que lhe cabe é executar o que foi

prescrito (LIMA, 1997; MANCEBO, 2007).

Em síntese, esses eixos indicam a importância do trabalho docente na literatura

especializada sobre educação, reforçando o estímulo à produção de novas

possibilidades de articulação entre a atividade docente e o mundo do trabalho que

se transforma continuamente. Os eixos apresentados possibilitam uma inter-

relação que favorece a análise dos motivos que levam o professor ao

adoecimento e da origem das dificuldades enfrentadas por ele.

2.1 Trabalho docente: conceitos cercados por imprecisão

Investigações sobre o trabalho docente são realizadas no Brasil desde o final da

década de 70 (MANCEBO 2007). Entretanto, o emprego do termo trabalho

docente é mais recente e indica um período relativo ao início dos anos 90. De

acordo com Ludke e Boing (2007), outras terminologias eram empregadas para

reportar-se ao trabalho docente, como, por exemplo, “trabalho educativo” e

“trabalho pedagógico”. Percebe-se que nas várias nomenclaturas apresentadas

pela literatura, esses termos se confundem, produzindo certa dificuldade em

desvinculá-los. Apesar do objeto de estudo ser o mesmo, este é tratado por

diversos enfoques pelos pesquisadores. Isto gera uma imprecisão conceitual que

dificulta a clareza e a objetividade em defini-lo.

Para Ludke e Boing (2007, p. 1190) o trabalho docente é “intelectual” [...] “trata-se

de um ofício que envolve, em todo o tempo, o trabalhador em sua teia de relações

com outras pessoas, alunos, colegas, funcionários, pais”. O trabalho docente se

dá necessariamente pela troca, no contexto coletivo, na pluralidade de

negociações nos ambientes escolares, nos vínculos e nas ações interpessoais.

Esteve (1999) define o trabalho docente a partir das funções realizadas na sala de

aula. Espera-se que os objetivos pedagógicos sejam contemplados por meio

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dessas funções. As mais evidentes, de acordo com o autor, seriam: a) ocupar-se

individualmente do desenvolvimento dos alunos; b) fazer brotar e evoluir sua

autonomia; c) produzir integração social; d) além de conduzir cada indivíduo a se

adaptar às regras do coletivo.

Em dado momento, esse profissional deve manter a disciplina em sala de aula,

sendo simpático e afetuoso; ao mesmo tempo em que atende um aluno mais

adiantado, deve ter igual cuidado com os que aprendem mais lentamente,

programar, avaliar, receber os pais, apresentar os progressos e deficiências dos

filhos e resolver problemas burocráticos, em uma “lista de exigências que parece

não ter fim” (ESTEVE, 1999, p. 59).

Sousa Neto (2005, p. 2) incorpora igualmente a visão do trabalho docente

apresentado por Ludke e Boing (2007), definindo-o como ofício, profissão,

atividade na qual o professor possui um papel social que se configura em:

Ensinar aos outros aquilo que eles ainda não sabem, ou ainda não sabem que sabem, ou apenas sabem de modo assistemático [sic] [...] educar os outros para serem, saberem e fazerem de maneira universal, na diversidade, certos procedimentos comuns a toda a humanidade.

Nota-se que não é simples apresentar uma única definição, bem como delimitar

claramente as funções do professor. As atividades que lhe são delegadas

transitam entre ensinar conteúdos, despertar aptidões e promover o aprendizado.

É um trabalho que se manifesta em meio às relações humanas e seu contexto

operacional envolve extenso rol de funções que deve desempenhar. Isto exige do

trabalhador docente mais esforço, o que o sobrecarrega propiciando o

adoecimento.

Para o Conselho Nacional de Educação (CNE, 2001, p. 4), as incumbências

delegadas aos docentes devem, prioritariamente:

Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas

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investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe.

De acordo com esse parecer, as atividades executadas pelos professores

possuem caráter multifacetado que se materializa por grande quantidade de

funções.

Na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2010), inserida nas indicações

do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), as atividades realizadas pelos

professores de Ensino Fundamental são agrupadas em número de 109. Como

parte destas, salientam-se: desenvolver atividades para reflexão sobre a questão

da cidadania; aprender novas tecnologias; revelar interesses multidisciplinares;

contribuir para o desenvolvimento de relações de solidariedade entre os alunos;

incentivar a participação dos alunos nos projetos comunitários; assumir funções

administrativo-pedagógicas, entre outros.

Gomes (2002), em estudo sobre o trabalho docente realizado na rede pública,

afirma que este tem se tornado mais intenso por incorporar as funções

tradicionais e as novas atribuições. Preencher diários, relatórios, elaborar

avaliações parciais e de finais de etapa, somar notas, participar de conselhos de

classe, cumprir dupla ou tripla jornada de trabalho em função dos baixos salários,

ministrar aulas em turmas numerosas e muito heterogêneas, controlar turmas

indisciplinadas e atender os pais são apenas parte da articulação entre as

funções tradicionais e as novas atribuições do professor.

Não bastassem todos esses encargos, suas tarefas diárias ainda são

influenciadas pela constante mutação que vêm sofrendo a educação e seus

objetivos; imprevisibilidade dos acontecimentos escolares; individualidade dos

discentes; e pela variedade cultural que cerca o cenário escolar local (OLIVEIRA,

2004; 2005).

Registra-se, ainda, que o trabalho dos educadores “tem um papel formador direto

que se dá dentro e fora da sala de aula, na escola e na rua, no pátio e nas

praças” (SOUSA NETO, 2005, p. 256). Em consonância com Sousa Neto (2005),

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Oliveira (2004) reafirma que o trabalho docente tem superado os limites da sala

de aula. Sua atuação não se restringe mais a quatro paredes e suas tradicionais

funções foram acrescidas da incorporação de temas como a gestão escolar, o

planejamento e a elaboração de projetos. Além disso, ampliaram-se as

discussões sobre currículo e avaliação escolar, bem como sobre a compreensão

e articulação dos princípios da inter e transdisciplinaridade solicitados pela

educação.

Segundo Gomes (2002, p. 22), o “sistema educativo tem produzido novos

desafios para o magistério, em face da rapidez das novas demandas sociais”.

Além de suas disciplinas, os professores devem discutir os temas transversais:

sexualidade, meio ambiente, educação para o trânsito, voto consciente, consumo,

qualidade de vida, uso de drogas, noções de higiene, homofobia, racismo,

prevenção de doenças, etc.

As exigências resultantes desses temas nos projetos político-pedagógicos,

essenciais para a formação integral de um indivíduo, somadas a excessivo

número de atribuições próprias ao conteúdo específico das disciplinas que

lecionam, promovem o aumento e/ou intensificação da carga de trabalho que

impactam a saúde do professor.

Além do CNE e da CBO, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) resume

as funções exercidas no trabalho docente ao reconhecer que esse profissional

tem posição de destaque na sociedade, atribuído à responsabilidade em preparar

o cidadão para a vida (OIT, 1984). A aparente simplicidade apresentada por esta

definição contrasta com a complexidade da tarefa de se preparar alguém para a

vida.

Por essa ampliação das funções do trabalho docente, o que se espera do

professor é que ele possa ir muito além da tradicional intermediação dos

processos de ensino-aprendizagem dos alunos. Espera-se que ele possa garantir

importante articulação entre a escola e a sociedade, além de participar dos

processos de gestão e planejamento escolar (GASPARINI; BARRETO;

ASSUNÇÃO, 2005, p. 191). Nota-se que o trabalho docente se revela complexo,

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sendo que a ele são atribuídas responsabilidades de extrema importância e de

elevado grau de significado social.

A partir desse quadro exposto e recorrendo-se ao referencial ergológico, pode-se

afirmar que as definições relativas às funções do trabalho docente são

insuficientes para antecipar sua real dimensão. Portanto, essas atividades não

podem ser simplificadas ou totalmente antecipadas por normas. A atividade que o

docente desempenha transcende o elevado rol de prescrições de toda ordem

(SCHWARTZ, 2000). Qualquer definição das atribuições do trabalho docente, por

mais extensa que se apresente, sempre denotará um sentido de incompletude,

ainda que ressaltada a sua importância e relevância social.

Tendo em vista essa incompletude das prescrições relativas ao trabalho docente,

é no âmbito da sua realização que o professor vivencia um debate de normas,

segundo a abordagem ergológica, que o leva a realizar escolhas que o mobilizam

em busca da saúde nos espaços de trabalho (SCHWARTZ, 2000; 2007).

2.2 Pesquisas sobre o adoecimento docente

A educação tem passado por crises contínuas que se expressam, entre outros, no

sucatamento das unidades escolares, nos baixos salários dos professores e no

pouco investimento no setor. Supõe-se que isso se deva ao impacto gerado por

políticas econômicas que produzem modificações no mundo do trabalho docente.

Os docentes, nesse cenário, são levados a criar novas maneiras de realizar sua

atividade (OLIVEIRA, 2004; SCHWARTZ, 2000).

Para Schwartz (2007), é da natureza do trabalho humano modificar-se sempre,

procurar novas formas de realizar a atividade para atender às demandas e às

necessidades do mercado de trabalho. Dessa maneira, o trabalhador desenvolve

a capacidade de pensar, elaborar e construir estratégias para superar as

dificuldades decorrentes da imprevisibilidade da sua atividade. Com o professor

não é diferente. Aquele que não as repensa, reelabora ou reconstrói acaba, de

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uma maneira ou de outra, adoecendo, o que é devido à sua “incapacidade” de

renormalizar12 (CANGUILHEM, 2000; SCHWARTZ, 2000).

Outro impacto advindo das políticas econômicas e das transformações no mundo

do trabalho foi a necessidade de a mulher ingressar, efetivamente, no mercado de

trabalho. Uma das formas desse ingresso, sem dúvida, foi por meio da educação,

o que permite destacar a feminilização da docência. Para aumentar a renda

familiar, as mulheres professoras passaram a dividir seu tempo entre o trabalho

docente e o trabalho doméstico. Essa dupla jornada de trabalho acarreta cansaço,

sobrecarga física e mental e se configura como potencializadora de efeitos

nocivos à saúde. Atender às necessidades do trabalho e da família exige divisão

emocional que pode contribuir para a ocorrência de acidentes no trabalho e do

adoecimento (GOMES, 2002).

Conforme Sousa Neto (2005), um fator que corrobora para o acréscimo de

acidentes e adoecimento docente está no aumento da carga de trabalho, tanto

para professores como para professoras. Isto se dá em função da má-

remuneração que os “obriga” a trabalhar para além de 40 horas semanais,

caracterizando dupla ou até tripla jornada de trabalho. É comum a manifestação

de insatisfação, desânimo e até mesmo abandono da carreira docente. O salário

defasado é considerado pelos professores que continuam exercendo esse ofício

como o centro da insatisfação, um fator de acentuado desestímulo para a

categoria, que em outros tempos seria idêntico ao de desembargadores e não tão

precário como se encontra atualmente (CODO, 2006; SOUSA NETO, 2005).

Diferentes pesquisadores (CARLOTTO, 2002; CODO, 2006; DELCOR et al.,

2004; ESTEVE, 1999; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005; NORONHA;

ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2008; PORTO et al., 2006; REIS et al., 2006) afirmam

que esse panorama de aumento da produtividade laboral produz diversos

impactos para a saúde dos professores e professoras e se torna alvo de uma

série de pesquisas nos últimos anos. A associação entre trabalho docente e os

12 Os conceitos da ergologia incorporados nesta dissertação, entre os quais o de normas antecedentes e renormalização, serão apresentados no capítulo terceiro.

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objetos saúde-doença passa a ser analisada pela literatura com mais intensidade

e vários trabalhos científicos são produzidos.

A relação entre trabalho e saúde-doença é analisada pela literatura em uma

polissemia. Termos como mal-estar docente (ESTEVE, 1999), adoecimento

docente (PORTO et al., 2006) e sofrimento docente (CODO, 2006) referem-se a

essa relação. Todos esses termos, independentemente da profundidade ou

clareza que expressem, indicam que os trabalhadores e trabalhadoras da

educação estão constantemente expostos a fatores de riscos de saúde, havendo

a necessidade da detecção destes para a busca por soluções para o adoecimento

da categoria (NOUROUDINE, 2004).

Diversas são as manifestações dos adoecimentos que impactam a saúde do

professor, entre elas citam-se a disfonia e outros problemas com as cordas

vocais; os problemas osteomusculares; os incômodos articulares; os problemas

circulatórios; e os transtornos psicológicos como mau humor, depressão,

ansiedade, irritabilidade, angústia, desânimo, entre outros (DELCOR et al., 2004).

De acordo com Reis et al. (2006, p. 231), “ensinar é uma atividade, em geral,

altamente estressante, com repercussões evidentes na saúde física, mental e no

desempenho profissional dos professores”.

Percebe-se que o trabalho docente é cercado por circunstâncias que são fonte de

adoecimento e os agentes estressores aos quais os professores são expostos,

como trabalho repetitivo, ambiente estressante, ritmo acelerado de trabalho,

pressão e fiscalização advindas da direção das escolas são fatores que têm

concorrido para tornar o trabalho docente susceptível ao adoecimento dos

professores.

Todas essas causas intervenientes na perda da saúde ocupacional dos

trabalhadores não podem ser explicadas isoladamente e precisam ser avaliadas a

partir de uma perspectiva multifatorial, tamanha é a quantidade de variáveis e

elementos que interferem, direta ou indiretamente, no fenômeno. Para Machado

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(2000, p. 298), saúde13 ocupacional é: “Mais do que simples ausência de doença

[...] diz respeito ao estado de bem-estar físico, mental e emocional, de segurança

e de qualidade de vida de que devem desfrutar os trabalhadores no exercício de

seu trabalho”.

O conjunto de elementos mencionado pela autora concorda com o apresentado

por Reis et al. (2006), ao afirmarem que os impactos altamente prejudiciais

gerados pelo trabalho docente nos aspectos físico e mental afastam muito o

trabalhador de um satisfatório quadro de saúde no trabalho. Em síntese, os

estudos realizados sobre o trabalho docente e a relação saúde-doença têm sido

abordados a partir dos seguintes eixos temáticos: mal-estar docente; síndrome de

Burnout; problemas de saúde vocal; más-condições de trabalho e saúde psíquica,

além do fenômeno Bullying (CARLOTTO, 2002; CODO, 2006; ESTEVE, 1999;

MENDES, 2002). A seguir, esses eixos serão ilustrados com o objetivo de

explicitar suas principais peculiaridades.

2.3 O mal-estar docente

Segundo Esteve (1999), cujas pesquisas se desenvolveram em países europeus

como Espanha, Portugal e Suíça, entre outros, a categoria docente tem sido

impactada por diversos fatores que constituem um mal-estar generalizado, que

provoca diversos tipos de doenças. Esses elementos seriam incômodos de

diversas ordens, que trariam desconforto para os docentes, desestimulando sua

atividade profissional, e impactariam negativamente sua produtividade

pedagógica e os conduziriam ao adoecimento. Os dados apresentados pela

pesquisa desse autor ressaltam os seguintes elementos que desencadeariam

esse mal-estar: os baixos salários; o aumento no número de responsabilidades; a

escassez de recursos didáticos; a violência escolar; a falta de preparo para utilizar

as tecnologias da informação e comunicação (TICs); e a depreciação da imagem

social do educador.

13 O conceito de saúde utilizado nesta pesquisa é o proposto por Georges Canguilhem (2000), que será discutido no capítulo quarto.

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Esses dados confirmam achados de pesquisas realizadas no Brasil (GASPARINI;

ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2005; LAPO; BUENO, 2003; SOUSA NETO, 2005) e

reforçam a perspectiva de que o adoecimento docente é um fenômeno sem

fronteiras que atinge países com nível socioeconômico e cultural distintos. Apesar

de coletados em países do continente europeu, os dados apresentados por

Esteve (1999) indicam que os problemas anteriormente citados independem do

local onde possam ocorrer. Apesar das notórias diferenças socioeconômicas

entre essas diferentes realidades educacionais, nota-se que muitos pontos que

produzem mal-estar nos docentes são convergentes. De acordo com Esteve

(1999), todos esses indicativos afetam a eficácia docente, sua motivação, seu

esforço e sua implicação com o trabalho, além de influenciar sua autoimagem e

produzir uma crise de identidade.

As diversas responsabilidades e exigências que têm sido lançadas sobre os

professores somam-se a um novo contexto educacional que é diretamente

influenciado pela modificação do papel do professor e dos agentes de

socialização disponíveis, como internet, televisão, revistas, etc. (ESTEVE, 1999;

SOUSA NETO, 2005). Além desses fatores, outro citado pelos autores como

relevante para promover mais uma incumbência para o professor foi a

incorporação da mulher no mundo do trabalho. Segundo Wisner (1994), a mulher

tem que dividir o tempo do trabalho assalariado com o tempo necessário para

realizar o trabalho doméstico e o cuidado com as crianças, diminuindo o

acompanhamento da educação familiar. O tradicional apoio pedagógico realizado

em casa foi fragilizado devido à necessidade da inserção da mulher no mercado

de trabalho para melhoria da renda familiar. Esse fato, indiretamente, ampliou a

sobrecarga dos docentes, visto que transferiu responsabilidades da família para

eles, como o acompanhamento das lições e a cobrança de disciplina dos alunos.

De acordo com Esteve (1999), a aliança das mães com os alunos modificou-se e

trouxe desvantagens ao professor. Nos confrontos entre alunos e professores,

logo os pais saíam em defesa dos educadores, fazendo questão de explicitar,

diante dos filhos, o apoio que lhes ofereciam. Hoje, ao contrário, culpam os

professores pelos maus procedimentos e resultados das crianças, o que constitui,

conforme autor, motivo de mal-estar para os professores.

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Não bastasse o enfraquecimento desse apoio dado aos professores, um novo

cenário tecnológico se configurou. As novas tecnologias modificaram a escola.

Esteve (1999, p. 29) argumenta:

O papel tradicionalmente designado às instituições escolares, com respeito à transmissão de conhecimento, viu-se seriamente modificado pelo aparecimento de novos agentes de socialização (meios de comunicação e consumo cultural de massa, etc.) que se converteram em fontes paralelas de transmissão de informação e cultura.

Diante do bombardeio de informações promovido pelas diversas mídias (internet,

televisão, revistas), alguns professores se sentem fragilizados e um estado

aparente de incapacidade e instabilidade se instaura. Os recursos tecnológicos

disponíveis geram, por vezes, constrangimento e sentimento de despreparo. Os

professores veem como ultrapassados e diminuem seu valor próprio por não se

adequarem aos novos recursos didáticos contemporâneos, visto que convivem

com uma realidade tecnológica diferente dos tempos de sua formação, que

geralmente não é acompanhada por programas de qualificação profissional

(OLIVEIRA, 2004).

Para Esteve (1999), a categoria docente vive constante estado de

descontentamento, desvalorização e crise de identidade. Segundo o autor, existe

atualmente na sociedade uma corrente de pensamento que reforça esse quadro

de desvalorização. As contínuas paralisações por melhores salários e condições

de trabalho afetam a autoimagem da categoria e influenciam sua imagem pública.

Quando essa desvalorização ocorre, produz um nível de insatisfação, inibição e

aceitação da rotina escolar nesses profissionais que interfere na execução do seu

trabalho ao produzir limitações na ação cotidiana do educador, interferindo na

eficácia de seu trabalho. Tudo isto contribui para o mal-estar docente.

De forma geral, o mal-estar docente se manifesta em função da aparição de

situações problemáticas que exigem resposta do professor a estímulos

ameaçadores que estão presentes no seu ambiente de trabalho e se mantêm ao

longo do tempo. Esses fatos aliados à situação em que ocorrem são ingredientes

para produzir desgaste físico, mental e adoecimento dos professores (ESTEVE,

1999; NOUROUDINE, 2004).

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2.4 A síndrome de burnout: o fim da linha

Para Codo (2006), encontrar professores abatidos, apáticos e que desistiram de

ensinar é muito comum. Ele afirma que esses profissionais entraram em burnout,

pararam de se emocionar com sua atividade e não são mais capazes de se

envolver com os alunos. Essa síndrome, segundo Trigo et al. (2007, p. 223), “é

consequente de prolongados níveis de estresse no trabalho e compreende

exaustão emocional, distanciamento das relações pessoais e diminuição do

sentimento de realização pessoal”. A tradução literal para burnout seria “perder o

fogo”, não ter alegria, motivação ou entusiasmo para realizar sua atividade. Nesta

abordagem, a relação que o trabalhador estabelece com o trabalho perde o

significado, sua ações, seus esforços e ideais deixam de parecer úteis para a

melhoria da qualidade da educação. Essa síndrome acomete preferencialmente

trabalhadores que atuam diretamente com o público, como professores, policiais e

servidores da saúde (CODO, 2006). São profissionais submetidos a grandes

cargas emocionais e conduzidos ao abandono da profissão. Essa síndrome é

resultado de uma:

[...] reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, já que cuidar exige tensão emocional constante, atenção perene e grandes responsabilidades profissionais a cada gesto de trabalho. [...] o trabalhador se envolve afetivamente com os seus clientes, desgasta-se, não aguenta mais e desiste, entra em burnout (CODO, 2006, p. 241).

O fenômeno de burnout é altamente complexo e recebe influências de fatores

psíquicos (estresse e depressão) e físicos (problemas nas cordas vocais).

Manifesta-se, portanto, mais por fatores psíquicos do que físicos. Os aspectos

individuais e o ambiente de trabalho também são elementos influenciadores da

sua manifestação. Interessante registrar que o ambiente de trabalho não engloba

apenas a sala de aula ou o quadro institucional, mas inclui fatores macrossociais

tais como políticas educacionais e fatores sócio-históricos (CARLOTTO, 2002).

Para Codo e Vasques-Menezes (2006, p. 254):

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A vítima de burnout tem o espírito corroído pelo desânimo, a vontade minguando devagar, até atingir os gestos mais banais, até minimizar as vitórias mais acachapantes, a beleza e a força da missão dando lugar ao mesmo irritante cotidiano, por mais diferentes que sejam todos os dias.

Por mais que seus impactos sejam recebidos diferentemente por cada docente,

os motivos que desencadeiam o burnout são muitos e provavelmente poucos

trabalhadores não serão impactados por algum desses fatores. Para Codo (2006,

p. 243), as causas da síndrome de burnout são diversas:

Violência, falta de segurança, administração insensível aos problemas do professor, burocracia que entrava o processo de trabalho, pais omissos, transferências involuntárias, críticas de opinião pública, classes superlotadas, falta de autonomia, salários inadequados, falta de perspectivas de ascensão na carreira, isolamento em relação a outros adultos ou falta de uma rede social de apoio, além de preparo inadequado, são fatores que têm se apresentado associados ao burnout.

Alguns fatores são apresentados por estudos como os de Lapo e Bueno (2003).

Ao realizarem pesquisa com professores da rede estadual de São Paulo, as

autoras descobriram que houve aumento de 300% nos pedidos de exoneração da

categoria. O total de solicitações para abandono da profissão teve crescimento

anual de 43%. As autoras entrevistaram 16 ex-professores de um total de 29

efetivos afastados da delegacia de ensino com o mais alto número de evasões.

Segundo esses professores, os motivos que os levaram ao abandono da

docência foram relacionados, de forma mais enfática, às baixas remunerações e:

às péssimas condições de trabalho; oportunidade de melhores empregos; falta de

perspectiva para crescer profissionalmente; falta de tempo para concluir a pós-

graduação; descrença com as mudanças na rede estadual; nascimento de filhos e

desencanto com a docência. Tais elementos contribuíram para identificar as

causas da síndrome de burnout.

De acordo com Codo (2006) e Lapo e Bueno (2003), as baixas remunerações

aparecem como importante causa para a desistência dos professores. A

defasagem salarial é, seguramente, importante fator para a manifestação da

síndrome de burnout, que ainda acrescenta os efeitos dos problemas da voz, das

más-condições de trabalho e bullying, que serão apresentados a seguir.

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2.5 Voz: ferramenta insubstituível

Instrumento imprescindível para a execução do trabalho docente, a voz é

importante objeto de estudo quando se trata da saúde dos professores

(FERREIRA et al., 2009; GRILLO; PENTEADO, 2005; PENTEADO; PEREIRA,

2007; VIANELLO, 2006). Os problemas decorrentes de seu inadequado uso

podem dificultar, limitar e impedir o exercício da profissão e conduzir até a

aposentadoria precoce. Para Nouroudine (2004), fatores ambientais como

excessivo número de alunos nas classes, espaço reduzido das salas de aula e

altos níveis de ruídos produzem graves condições para a atividade docente ao

obrigar a mais intenso uso da voz. Somam-se a esses fatores ambientais a

utilização do giz, a poluição e a poeira, que, somados à falta de acompanhamento

da condição vocal dos docentes, acarretam incorreto uso da voz e explicam a

relação dos problemas de saúde vocal com o trabalho do docente.

Os problemas relacionados ao aparelho fonador, como os pólipos, os calos nas

cordas vocais e a rouquidão, recebem mais ênfase dos sindicatos da categoria na

proposição de medidas de intervenção e prevenção14. Campanhas educativas

têm informado à categoria sobre a influência da hidratação e da alimentação nos

cuidados com a voz. Além disso, os sindicatos têm ofertado auxílio

fonoaudiológico e promovido cursos destinados aos docentes como forma de

conscientizá-los. Sobre os recursos tecnológicos preventivos para minimização do

desgaste da voz, lembra-se aqui da existência dos aparelhos amplificadores

disponibilizados no mercado, mas que ainda não contemplam os docentes de

ensino público. É importante ressaltar que essa medida se torna paliativa, visto

que o número de alunos em sala de aula e o excesso de carga horária são fatores

que contribuem negativamente para os agravos à saúde vocal docente

(FERREIRA et al., 2009).

14 Para mais informações sobre programas de prevenção da saúde vocal docente, acessar: http://www.sinpro-ba.org.br/saude/artigos_teses.htm.

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2.6 Condições do trabalho docente

Por condições de trabalho entendem-se pressões de diversas ordens que atuam

no corpo do trabalhador provocando desgaste, envelhecimento e doenças

(DEJOURS; JAYET, 2007a; WISNER, 1994). Gasparini, Assunção e Oliveira

(2005) destacam que as condições de trabalho são circunstâncias nas quais os

professores vão dispor de suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para

alcançar objetivos estabelecidos pela educação, podendo gerar sobre-esforço e

hipersolicitação das funções psicofisiológicas. Estas, por sua vez,

desencadeariam sintomas clínicos explicativos da significativa incidência de

absenteísmo originado por transtornos mentais (CODO, 2006; WISNER, 1994).

Porto et al. (2006) realizaram estudo com 1.024 professores das redes pública e

particular de Vitória da Conquista-BA. Constataram que 44% da amostra

apresentaram distúrbios psíquicos associados às condições do trabalho. Outros

estudos realizados com a mesma população revelaram que as características da

atividade docente que se associaram com mais frequência ao adoecimento foram

o trabalho repetitivo, o ambiente estressante, o ritmo acelerado de trabalho, a

pressão e a fiscalização da direção das escolas (DELCOR et al., 2004; REIS et

al., 2005; SYLVANI NETO et al., 1998). Dados semelhantes foram apresentados

pelo Jornal Extraclasse (2009), publicação do Sindicato dos Professores da rede

privada de Minas Gerais, em pesquisa realizada na rede particular de ensino de

Belo Horizonte-MG. Esse estudo encontrou forte relação entre as condições de

trabalho da categoria e cansaço físico e mental. Percebe-se que as condições

ambientais de trabalho às quais tem sido exposto o professor são grandes

motivadores para a perda de sua saúde. De acordo com Delcor et al. (2004), esse

ambiente determinaria os processos de desgaste do corpo e o envelhecimento

(WISNER, 1994), dependendo do tipo, forma e organização do trabalho.

Pesquisa realizada por Panzeri (2004) com professores de Ensino Fundamental

de Campinas-SP apresentou dados indicativos do quão fatigante é o trabalho

docente. Segundo os entrevistados, atividades como correção de cadernos nas

carteiras dos alunos, ficar em pé durante toda a aula, carregar material didático

pesado e escrever na lousa foram os elementos que mais produziam dores no

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corpo dos docentes. Essas atividades cotidianas realizadas pelos professores

foram mencionadas como importantes fatores para produzir problemas posturais

no sistema osteomuscular, levando-os a dificuldades de realização de suas

atividades e até ao afastamento das aulas.

Sylvani Neto et al. (1998) já haviam encontrado resultados dessa natureza,

atribuindo intrínseca relação entre condições de trabalho e o esforço repetitivo.

Nessa pesquisa, as queixas de cansaço nas pernas, dores nas costas, dores no

pescoço, braços e mãos e sensação de peso foram as mais comuns entre os

docentes.

Para Alexander (2001), a escola é uma indústria complexa que potencializa

diversos agentes causadores de doença. Segundo o autor, os professores são

expostos a diversos perigos, a saber: a baixa qualidade do ar devido a salas

muito cheias, que podem provocar doenças respiratórias como asma e bronquite;

doenças infecciosas por viroses, bactérias e até tuberculose; exposição ao

barulho; violência; assaltos; e problemas vocais.

Nesse sentido, pode-se dizer que o trabalho docente, como qualquer outra

atividade, é altamente influenciado e condicionado pelo meio. Quanto mais

adequadas forem as condições de trabalho, melhor poderá ser o resultado final

alcançado. Ao contrário, se não forem ofertadas, em níveis satisfatórios, poderão

ser a justificativa para o insucesso do trabalho docente e desencadeadoras de

uma série de males, como os já citados anteriormente (MACHADO, 2000).

Faria e Rachid (2009), em estudo com 95 professores de Ensino Fundamental e

Médio da rede pública de São Paulo, descobriram que, entre as condições de

trabalho, as que mais incomodam os professores são o relacionamento professor-

aluno, os salários baixos e as salas com grande quantidade de alunos. Alguns

aspectos dessa pesquisa são apresentados, resumidamente, no QUADRO 1.

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QUADRO 1

Piores coisas do trabalho como professor: 11 citações mais comuns

Aspectos Frequência

Absoluta

Frequência

Relativa (%)

Comportamento dos alunos 59 36,9

Salário baixo 23 14,3

Salas com muitos alunos 12 7,5

Desvalorização 12 7,5

Desgaste pelo excesso de trabalho 8 5,0

Convivência com os colegas de trabalho 7 4,4

Omissão do Estado 7 4,4

Relação com superiores 7 4,4

Problemas com a jornada de trabalho 7 4,4

Falta de materiais 5 3,1

Falta de incentivo 4 2,5

Fonte: Faria e Rachid (2009, p. 12).

Segundo Gomes (2002, p. 64), o quadro de desvalorização da educação em

nossos tempos e os sinais de sua precarização mostram-se acentuados e esse

panorama é definido por alguns elementos:

[...] quantidade insuficiente de escolas, professoras/es e demais trabalhadoras/es de educação, em paralelo ao aumento do número de alunos matriculados; ausência de equipamentos coletivos essenciais ou falta de manutenção dos existentes; insuficiência de infraestrutura e de recursos materiais, etc.

É perceptível que as condições de trabalho estão intimamente relacionadas ao

adoecimento dos trabalhadores e que o exercício da docência determina

exigências físicas e psicológicas (FREITAS; CRUZ, 2008). Tendo em vista o

QUADRO 1, o desafio desta dissertação é identificar quais são as estratégias de

enfrentamento dos problemas criadas pelos professores. Apesar de todos os

problemas evidenciados pelas pesquisas analisadas anteriormente, por que

muitos professores não adoecem e o que os “professores saudáveis” fazem para

não adoecer e continuar trabalhando sem afastamento médico?

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Por fim, é valido dizer que as pesquisas sobre as condições do trabalho docente e

a reação dos professores a elas precisam ser analisadas a partir do enfoque

interdisciplinar. Sob a perspectiva psicológica, tem sido observado o aumento de

situações de estresse e ansiedade. Sob a abordagem fisiológica, o que se nota é

o esgotamento físico diretamente relacionado às condições em que esse trabalho

é realizado e organizado (ESTEVE, 1999). As más-condições de trabalho, em seu

conjunto, podem conduzir ao abandono da profissão e ao desvio de função ao

promover, em muitos casos, a desestabilização do equilíbrio psicológico e físico

dos educadores, interrompendo uma carreira que demandou anos de esforço e

investimento para ser alcançada (CODO, 2006; WISNER, 1994).

2.6.1 Os fatores de riscos e as condições de trabalho

Esse rol de elementos potencialmente perigosos à saúde dos trabalhadores pode

ser agrupado como fator de risco e deve ser identificado na tentativa de bloquear

os danos que provoca ao trabalhador (NOUROUDINE, 2004). Tratar as questões

referentes à saúde do trabalhador consiste em estabelecer ações propositivas

que vão desde a detecção dos riscos, passando pela produção de conhecimentos

sobre esses fatores, até a implementação dos procedimentos preventivos.

Antes de mais nada, para se criarem estratégias de defesa ou prevenção, é

fundamental que sejam identificados os fatores de risco. Para Nouroudine (2004),

esses fatores são agrupados em riscos técnicos e materiais. Para o trabalhador

da indústria, os fatores de risco material seriam os produtos químicos, a radiação,

o excesso de ruído, etc. No trabalho dos professores, os fatores de risco materiais

são caracterizados e estabelecidos pelo excesso de ruídos nas salas de aula,

pela exposição ao pó de giz, ato de ficar muito tempo de pé, desgaste da voz,

exposição a ambientes fechados que induzem a diversas doenças contagiosas,

entre outros. Os fatores de risco técnico estariam, em ambos os casos, ligados à

forma de realizar a atividade, à execução dos movimentos, às ações motoras

propriamente ditas. Exemplos de agravos advindos desses fatores podem ser

exemplificados pelas lesões por esforço repetitivo (LER), comuns a atividades

impactadas por alto número de movimentos semelhantes (WISNER, 1994).

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Nouroudine (2004) relata que, após identificados e conhecidos esses elementos,

procede-se à sua prevenção. Nos canteiros de obra, vários são os meios para

proteção aos trabalhadores Usam-se luvas, capacetes, sapatos reforçados,

óculos de proteção, entre outros, que concorrem para a diminuição dos acidentes

de trabalho e doenças ocupacionais. No tocante ao profissional docente, as

condutas preventivas apresentam-se menos efetivas. Supõe-se que, devido ao

caráter mais intelectual dessa atividade e menos detectável quanto aos acidentes

trabalhistas, os fatores de risco técnico ou material ocorrem, aparentemente, em

escala menos reduzida. A reduzida incidência dos riscos materiais e técnicos na

atividade docente não serve como justificativa para não haver propostas de

intervenção e análise da existência desses fatores e busca por soluções por parte

das entidades públicas tais como Secretarias de Educação e Saúde de um

município.

Os fatores de risco não se limitam apenas aos técnicos ou materiais. Eles são

acrescidos da singularidade de cada trabalhador na sua dimensão humana, no

seu saber fazer, nas suas escolhas, nas suas decisões (SANTOS, 2000a;

SCHWARTZ, 2000). De acordo com Nouroudine (2004, p. 41), ”os fatores de risco

procedentes da própria natureza da atividade humana que não podem ser

tratados de maneira eficaz” são os fatores humanos. Cercados pela subjetividade

humana (BERNARDES, 2007; CANGUILHEM, 2000), eles não são facilmente

identificáveis, o que gera problemas para a sua prevenção. Na medida em que

não se conhecem os fatores desses riscos humanos, perde-se a possibilidade de

criar ações preventivas fundamentadas nas suas informações e características.

Nouroudine (2004) propõe que é fundamental entender que tanto os fatores

técnicos quanto os humanos devem ser analisados de forma integrada no estudo

dos riscos profissionais. Para o autor, promover ações para prevenir os fatores de

risco técnico é bem mais fácil do que prevenir os de risco humano, em virtude de

sua variabilidade e condicionantes subjetivos. De acordo com essa análise, os

problemas decorrentes do trabalho docente continuam perpetuando. Os fatores

de risco que impactam o trabalho dos professores não são tão claros quanto os

que acometem trabalhadores da metalurgia ou das indústrias químicas. Em

alusão ao trabalho docente, passam a impressão de impacto mais lento, ao

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promoverem desgastes menos visíveis que talvez justifiquem descaso para a sua

superação, tanto por parte dos próprios trabalhadores quanto dos gestores

escolares e até dos sindicatos. Os fatores que oferecem risco à saúde dos

professores, nessas duas dimensões, requerem envolvimento multidisciplinar e

intersetorial, como o proposto pela perspectiva da ergologia.

Assim, para Nouroudine (2004, p. 42), “estando a causa exatamente definida e os

efeitos exatamente conhecidos por antecipação, podemos determinar exatamente

os meios capazes de impedir a causa de um efeito nocivo”. O trabalho docente

possui, nas suas particularidades, uma diversidade de variáveis causais que

afetam a saúde e expõem os trabalhadores a diversos riscos que são

materializados nas condições de trabalho. A parte imprevisível dessa atividade,

subordinada aos fatores humanos e subjetivos dos docentes, é que se torna a

dimensão mais atraente dessa busca por estratégias e soluções (CANGUILHEM,

2000; SCHWARTZ, 2007).

Ainda segundo Nouroudine (2004, p. 44), “a realização do trabalho, no sentido de

atividade humana, pelo engajamento corporal, cognitivo ou mental que ela supõe

por parte desses atores, é de ponta a ponta atravessada pelo risco”. A atividade

humana, portanto, se relaciona diretamente com a possibilidade de risco e este é

ou mais alto ou mais reduzido, na medida em que é mais ou menos conhecido,

contribuindo e influenciando sua gestão individual e coletiva.

Finaliza-se esta seção destacando que a atividade humana, na visão de

Canguilhem (2000), é um espaço de debate entre o ser vivo e o meio. Essa

relação, para Nouroudine (2004), “é o caldeirão de problemas a serem tratados

(mas jamais definitivamente acabados), de soluções a serem encontradas (mas

jamais as únicas possíveis)”. Nesse encontro se estabelece, continuamente, a

necessidade da recriação da atividade por parte dos indivíduos para a superação

dos riscos que a atividade oferece, num contínuo debate entre as normas

prescritas e seu poder criativo e renormalizador. Schwartz (2000) acredita que

trabalhar pressupõe a possibilidade de se arriscar, visto que as condições de

trabalho e a relação do indivíduo com o meio configuram, necessariamente, risco

e proporcionam inequívoco diálogo entre suas experiências, história de vida,

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crenças, valores, posicionamento ético e espaço laboral saturado de normas

antecedentes.

2.7 Fenômeno bullying: professor, o novo alvo

Os ambientes escolares presenciam, com frequência cada vez mais marcante,

situações de violência que têm estabelecido proporções assustadoras em nossa

sociedade. Essas situações, anteriormente tão incomuns, tornaram-se fatos

constantes em nossos dias (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009). A violência escolar

atinge indiscriminadamente seus diversos atores, mas é inegável sua ocorrência

mais comum na relação aluno-aluno. No entanto, esse fenômeno tem atingido

cada vez mais os professores. Lopes Neto (2005) realça que a violência escolar,

ou bullying, engloba ações agressivas repetitivas e intencionais que ocorrem sem

motivo aparente e causam dor e angústia em suas vítimas. É classificado em

bullying direto e indireto. No bullying direto, os alvos sofrem agressões, ameaças,

roubos, ofensas verbais, humilhações, intimidações e gestos que provocam mal-

estar de forma geral. O bullying indireto, por sua vez, comporta atitudes de

isolamento e indiferença, sendo utilizado de maneira mais intensa pelas meninas.

Apesar de ocorrer em mais alto grau na relação aluno-aluno, os ataques que o

professor tem recebido indicam que ele também se tornou alvo de agressões e é

vítima da fúria de alguns jovens.

O fenômeno bullying associa-se ao adoecimento docente e é reconhecido como

potencializador de problemas de ordem psicológica que acometem professores

(CODO, 2006). De acordo com Esteve (1999), o fenômeno interfere e afeta

diretamente as condições psicológicas e sociais nas quais se exerce a docência.

Ademais, contribui para o aumento do estado de ansiedade e insegurança da

categoria.

As ações de violência verbal ou física, derivadas do fenômeno bullying, são

motivadas pelo uso de drogas, acesso a armas, influência dos meios de

comunicação e pela vulnerabilidade social. Não incide apenas sobre o professor,

direciona-se também a funcionários e a grupos excluídos socialmente: negros,

homossexuais e indivíduos fora dos padrões midiáticos (CHARLOT, 2002). Muitas

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são as explicações para a existência desse fenômeno, mas é certo que, quando

se manifestam, impactam física, moral e emocionalmente os docentes.

Não bastassem os tradicionais problemas já amplamente citados até aqui, a

violência contra os professores tornou-se comum, encontrando-se nesse mal um

ingrediente de peso para “derrubar” o professor: o medo. Para Charlot (2002, p.

434):

A violência contra a escola está ligada à natureza e à atividade da instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente à instituição e àqueles que a representam.

Não há como discordar do autor quanto aos alvos da insatisfação e os motivos da

violência ocorridos dentro das escolas, mas o fato é cercado de gravidade que

influencia diretamente a atividade dos docentes. Na escola, instala-se estado de

ameaça constante e alto nível de tensão que a deixaram desprotegida, suscetível

e impotente (CHARLOT, 2002).

O fenômeno bullying, expresso pela violência escolar, possibilita abordagens por

diversos ângulos, mas o que se evidencia é que um ambiente de trabalho que

expresse rotineiramente o fenômeno pode acarretar males físicos e psicológicos

que podem prejudicar o estado de saúde dos educadores. Reis et al. (2006, p.

231) concordam com Charlot (2002), enfatizando que o quadro de estresse em

que vivem os professores está relacionado a “sentimentos de hostilidade, tensão,

ansiedade, frustração e depressão, desencadeados por estressores localizados

no ambiente de trabalho” onde se encontram os principais pontos de conflito e

perda da saúde desses profissionais (NOUROUDINE, 2004).

Ação pedagógica simples como pedir silêncio pode ser o pavio para o embate e

desencadear a violência. Para Oliveira e Martins (2007), essa violência física

exemplificada pelas agressões verbais, pontapés, socos e mordidas são

promotores de focos de tensão e conduzem os professores a buscar mecanismos

de ação contra esse ataque. Independentemente da origem, os fatos discutidos

neste capítulo expõem vários elementos apresentados pela literatura, que se

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associam ao adoecimento e são indicados como variáveis causais para a

crescente deterioração da saúde física e psicológica dos educadores.

O capítulo seguinte apresenta o trabalho abordado como atividade humana, à luz

da perspectiva ergológica. Os estudos de Yves Schwartz (2000; 2007) e suas

proposições inovadoras são o marco referencial desta dissertação. Eles se

constituem no centro para a análise da atividade docente e para as possibilidades

de compreensão dos mecanismos de manutenção da saúde definidores de um

quadro de não adoecimento na atividade dos “professores saudáveis”.

O capítulo apresenta, ainda, o ponto embrionário da ergologia: a influência da

filosofia das normas, proposta pelo médico e filósofo francês, Georges

Canguilhem. A perspectiva ergológica explicita a existência do debate de normas

na intercessão entre normas antecedentes e renormalizações. A atividade do

trabalho é apresentada como espaço de criação e recriação do trabalhador e

produtora de uma série de possibilidades de transformação das realidades vividas

pelos docentes na realização de sua atividade (SCHWARTZ, 2000; 2007).

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3 GÊNESE DA PERSPECTIVA ERGOLÓGICA

O objetivo deste capítulo é apresentar o cenário no qual o francês Yves Schwartz

(2000, 2007), em colaboração com sua equipe de trabalho, desenvolve as ideias

que culminam com a produção da perspectiva ergológica de análise do trabalho.

Amparado por uma abordagem filosófica, o autor posiciona o trabalho como

atividade humana e abre espaço para nova abordagem sobre as transformações

no trabalho. Na trajetória de construção da abordagem ergológica, Schwartz é

influenciado por pesquisas realizadas por três importantes pesquisadores: o

médico Ivar Odonne (1986), o médico e ergonomista Alain Wisner (1994) e o

filósofo e médico Georges Canguilhem (2000).

A partir da experiência de Ivar Odonne com o Movimento Operário Italiano (MOI),

Schwartz se familiariza com a proposta de discussão multidisciplinar sobre o

trabalho, além da interlocução entre saberes constituídos - já formalizados - e

saberes dos trabalhadores - os da experiência. Dos trabalhos de Alan Wisner,

Schwartz se apropria dos pressupostos da ergonomia para análise da relação

homem-trabalho. Vem daí a importante distinção entre trabalho prescrito e

trabalho real. Por fim, Schwartz incorpora a discussão da filosofia das normas de

Georges Canguilhem no conceito de saúde pelo viés da subjetividade humana.

Pode-se afirmar que esses autores influenciaram de maneira significativa a

formatação da perspectiva ergológica de análise do trabalho.

Provocada pelas demandas decorrentes das transformações do mundo do

trabalho, a nova abordagem, que inicialmente recebeu o nome de análise

multidisciplinar da situação de trabalho e, posteriormente, ergologia, desenvolveu-

se entre o final da década de 1980 e início da de 1990. Nesse período, as

mudanças na estrutura de produção capitalista, impulsionadas pela crise do

modelo taylorista-fordista, produziram impactos na vida dos trabalhadores e no

modo de produzir, desencadeando discussões sobre o trabalho e a busca por

soluções para problemas emergentes na atividade dos trabalhadores. De acordo

com o próprio Schwartz (2000, p. 38), a ergologia foi o produto de seu desejo de

“compreender as relações entre o mundo da cultura, da educação e do trabalho”,

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tidos como espaços de difícil articulação. Compreender a manifestação da vida

nos locais de trabalho, em consonância com a formação dos trabalhadores, e

articular essas três esferas constituíram-se em promissor campo de investigação.

De acordo com Schwartz (2000), com o declínio parcial da organização taylorista-

fordista, nos anos de 1980, foi preciso melhor compreender as transformações no

trabalho, os saberes que aí circulam, os laços coletivos, os valores, as lutas, as

insuficiências e as contradições do mundo do trabalho. Todos esses elementos

passam a se constituir em temas de estudo, tanto para o mundo do trabalho como

para o mundo universitário e das ciências. A ergologia parte do princípio de que,

para produzir conhecimento sobre o mundo do trabalho, não caberia a

apropriação dos conhecimentos dos trabalhadores por parte do mundo

universitário, e sim troca, interação, intercâmbio entre os saberes formalizados e

os originados na práxis dos trabalhadores.

Conhecer o trabalho por essa perspectiva ampliada de incorporar os saberes dos

trabalhadores faz parte da tese de doutorado de Yves Schwartz (2000), intitulada

Expérience et connaissance du travial - Experiência e conhecimento do trabalho.

Em sua tese, Schwartz apresenta desconforto intelectual que o leva a repensar a

produção de saberes sobre o trabalho, incorporando a ideia do importante papel

dos saberes dos trabalhadores e seu poder criativo quando se trata de conhecer

este objeto: o trabalho. Schwartz propõe um tipo de imersão no mundo do

trabalho que valorize os saberes dos trabalhadores, desprezados pelo modelo

taylorista-fordista de produção, com a finalidade de buscar soluções para

problemas surgidos no trabalho, entre eles os relativos à saúde.

3.1 O modelo taylorista-fordista

A perspectiva de entender o trabalhador como elemento fundamental para

compreensão das atividades do trabalho constituiu-se no eixo das discussões

sobre o modo de organizar e gerir o trabalho taylorista-fordista. O taylorismo foi

criado nos Estados Unidos pelo engenheiro F.W. Taylor, no início do século XX, e

objetivava melhor organizar a gestão do trabalho, otimizar a produção e

racionalizar o tempo e a forma de execução. Pretendia-se minimizar as

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interferências do trabalhador, impedindo que este exercesse controle sobre o

trabalho (ARANHA, 2000a; 2000b). O taylorismo tem como fundamento separar

execução e concepção: o gestor centraliza os conhecimentos sobre o processo

de trabalho, cabendo ao trabalhador executá-lo, em tempo determinado

antecipadamente, por meio da realização de tarefas simples, fracionadas e

rigorosamente controladas.

Segundo Vieira (2003), esse método de organização e gestão do trabalho

baseava-se em racionalizar e padronizar e assim intentava controlar o trabalho,

retirando-o das “mãos” dos trabalhadores. Mas, isto nunca foi completamente

possível, pois a execução é algo singular, particular de cada trabalhador e seu

poder de arbitrar e agir sobre determinada atividade não pode ser totalmente

anulado. Entretanto, o trabalhador inserido nesse formato de organização e

gestão do trabalho tem limitado seu poder intelectual, visto que o trabalho se

torna mecânico, o pensar é separado do fazer e o trabalho se divide em manual e

intelectual (ARANHA, 2000a; 2000b).

Essa concepção taylorista do trabalho sempre sofreu resistência por parte dos

trabalhadores, pois os seus saberes nunca deixaram de ser produzidos, sua vida

intelectual nunca deixou de existir. Esses saberes, chamados de saber do

trabalhador, saber operário ou saber tácito, ocorrem de maneira informal,

oriundos de sua experiência, de sua história de vida e adquiridos nas relações

com os outros trabalhadores (ARANHA, 2000a; 2000b; SANTOS, 2000a).

Não há como impedir que a produção desse conhecimento se manifeste. O

trabalhador o cria e essa criação traz o registro de sua trajetória. Diferenciar

concepção e execução é o objetivo do ideário taylorista de organização científica

do trabalho. Apesar das pretensões de Taylor de neutralizar a participação

intelectual dos trabalhadores, isto não se configura como completamente

possível, pois parte da atividade sofrerá, inevitavelmente, influência do

trabalhador (SANTOS, 1997).

O modo fordista de produção, por sua vez, configurou-se como uma segunda

geração desse formato de controle do trabalho, desenvolvendo os princípios de

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organização e sistematização sugeridos por Taylor. O fordismo, desenvolvido por

outro engenheiro, Henry Ford, também no início do século XX, introduziu a esteira

rolante na linha de montagem. Por esse processo, a peça iria até o trabalhador,

diminuindo o tempo de produção, aumentando a intensidade do ritmo de trabalho,

antes controlado pelo uso de um cronômetro (ARANHA, 2000a; 2000b).

De acordo com Vieira (2003), a proposta do fordismo era simplificar ao extremo a

realização do trabalho, tornando-o repetitivo e padronizado, o que levou à

redução do uso das potencialidades humanas do trabalhador e à incontroversa

intensificação do ritmo de trabalho e aumento de produtividade. O desejo de Ford

era economizar a energia do trabalhador por meio da execução de movimentos

semelhantes, repetitivos.

No modelo taylorista-fordista fica evidente a intenção de impedir a participação do

sujeito nos processos construtivos do trabalho. O controle dos processos de

produção pretende impedir a influência do trabalhador, limitando o seu pensar, o

seu poder criador. Contrariamente, a ergologia valoriza essa característica

inerente ao ser vivente, esse processo ininterrupto de manifestação de vida

(SCHWARTZ, 2007).

3.2 O referencial ergológico

Do ponto de vista da perspectiva ergológica, nos espaços de trabalho coexistem

formas de cultura e acumulação de patrimônios que seriam relacionados a

saberes e valores de fundamental importância para melhorar a compreensão da

vida nos espaços laborais (SCHWARTZ, 2000). Schwartz afirma a necessária

aproximação da ciência, do mundo universitário com os locais de trabalho para

que as relações entre as dimensões da cultura, da educação e do trabalho

possam ser mais bem elucidadas (SCHWARTZ, 2000).

Segundo Schwartz (2000; 2007), o encontro entre essas dimensões só poderia se

efetivar com a imersão dos pesquisadores nos ambientes de trabalho, elemento

essencial para diminuir a distância entre elas. Os locais de trabalho configuraram-

se, assim, como espaços de discussão, de fomento de saberes, de troca de

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experiências e berço de sinergias que eclodiram na produção de novos

conhecimentos sobre o trabalho. É sob essa perspectiva que esta dissertação

pretendeu identificar as estratégias de enfrentamento dos problemas vivenciados

pelos “professores saudáveis” no trabalho.

Como mencionado anteriormente, a tese defendida por Schwartz foi inspirada na

forma de analisar o trabalho desenvolvido pelo médico italiano Ivar Oddone

(1986), pertencente ao Movimento Operário Italiano (MOI). Esse movimento era

composto de operários, médicos, sindicalistas, cientistas e estudantes que tinham

como objeto de pesquisa o trabalho operário. De acordo com Neves, Athayde e

Muniz (2004), o objetivo da proposta era discutir e compreender a produção de

saberes na relação saúde-trabalho, interpretar a realidade tendo como base

saberes formais e informais e interferir na realização da atividade do trabalho para

buscar soluções para os problemas de saúde que estavam acometendo os

trabalhadores da indústria italiana naquele período.

A atuação desse grupo teve início na metade dos anos 1960 e originou a

denominada “comunidade científica ampliada”. A abordagem defendida por esse

coletivo deveria confrontar os saberes formais provenientes dos conhecimentos

científicos com os saberes ditos informais originados das vivências dos

trabalhadores. O propósito dessa associação seria buscar soluções para os

problemas que eram gerados no mundo do trabalho, a partir de uma perspectiva

interdisciplinar (NEVES; ATHAYDE; MUNIZ, 2004).

A exposição dos trabalhadores aos riscos de saúde e sua prevenção a partir de

espaços concretos de trabalho eram os principais eixos de discussão da

“comunidade científica ampliada”. Essa posição influenciou o movimento sindical

no desejo de transformação da realidade do trabalho e o conjunto de

conhecimentos que se alinhou originou uma nova proposta para se conhecer o

trabalho (SCHWARTZ, 2000).

A “comunidade científica ampliada”, portanto, buscou valer-se da contribuição

coletiva, do enfoque interdisciplinar e da valorização dos saberes dos

trabalhadores, para potencializar suas descobertas e propor soluções para as

demandas trabalhistas. De acordo com Neves, Athayde e Muniz (2004, p. 307),

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esse movimento propôs “um diálogo entre o conhecimento da experiência prática

dos trabalhadores e o conhecimento científico de pesquisadores e profissionais

da saúde”.

Inspirado por esse conceito de “comunidade científica ampliada”, Schwartz (2000)

organizou, no início da década de 1980, na Universidade de Provence, França,

um estágio de formação contínua de 160 horas, composto de pesquisadores da

Medicina, Ergonomia, Psicologia, Linguística e trabalhadores da indústria. Desde

o início desse processo a defasagem entre a esfera dos conceitos científicos e o

mundo da experiência provocou, segundo o autor, “desconforto intelectual” que,

no entanto, produziu ganhos advindos da interação entre os conhecimentos dos

dois grupos e do desejo de transformação da realidade dos trabalhadores.

A experiência inicial proporcionou novos estágios de capacitação e culminou com

a produção de uma obra construída coletivamente, L‘Homme producteur - O

homem produtor. Reconhecida e validada, a experiência originou a criação de um

diploma universitário (DU), com o objetivo de promover, de forma

institucionalizada, a capacitação dos atores, possibilitando sua qualificação para a

gestão de mudanças e propagação de conhecimentos sobre a atividade do

trabalho e transformação de realidades laborais (SCHWARTZ, 2000).

Neste contexto, a abordagem ergológica desenvolveu-se e ganhou solidez como

importante ferramenta para o conhecimento e transformação do trabalho. As

contribuições de Canguilhem (2000), Alain Wisner (1994) e Oddone (1986)

tornaram-se aportes para a reflexão sobre o fazer técnico, a subjetividade no

trabalho e o “uso de si”15 dos trabalhadores.

Munido de conhecimentos de diferentes disciplinas, Schwartz (2000) propõe a

articulação dos campos do saber, da ética e da política e emerge desse encontro

o conceito de trabalho como atividade humana, base de discussão da perspectiva

ergológica.

15 Os conceitos subjetividade e “uso de si” serão analisados no capítulo quarto desta dissertação.

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3.3 Conceitos e objetivos

Schwartz (2007, p. 37) sugere que a perspectiva ergológica tem como objetivo

“melhor conhecer e, sobretudo, melhor intervir sobre as situações do trabalho

para transformá-las” em prol do bem-estar físico, psíquico e intelectual do

trabalhador. Conhecer o trabalho é tarefa altamente complexa e fazê-lo sem

valorizar os saberes de quem o executa torna-se inviável. A perspectiva

ergológica requer confrontar experiência de vida e de trabalho. Por essa via,

permite melhor compreender a relação entre a saúde e a atividade do trabalho

(SCHWARTZ, 2007).

Vários autores, não só franceses, como brasileiros, como Barros et al. (2007),

Borges (2004), Brito (2004), Cunha, Puigsrver e Belliés (2003), Masson, Brito e

Sousa (2008), Moura (2009), Muniz, Vidal e Vieira (2004), Nouroudine (2004),

Santos (2000a), Telles e Alvarez (2004), Trinquet (2010), Vieira (2003) e

Zambroni-de-Souza (2006), realizaram pesquisas baseadas na ergologia proposta

por Schwartz (2000) e sua equipe. Para Trinquet (2010, p. 94), trabalhador que

participou do primeiro estágio de formação criado por Schwartz na Universidade

de Provence e que, mais tarde, doutorou-se, mesmo com seu esmero científico a

ergologia não é “uma nova disciplina das ciências humanas, já que é

pluridisciplinar. Trata-se de um método ou de uma metodologia inovadora. A

ergologia permite abordar a realidade da atividade humana, em geral, e a

atividade de trabalho, em particular”. Para esse autor, a atividade humana é muito

complexa e por esse motivo é necessária uma análise sob o olhar de várias

disciplinas para desvendá-la, visto que uma única disciplina, por mais complexa

que se apresente, não será suficiente para tal.

Além disto, para Barros et al. (2007, p. 106), “a ergologia tem como princípio o

diálogo imprescindível entre os conhecimentos produzidos pelas diferentes

disciplinas e os saberes construídos na experiência dos trabalhadores no seu

cotidiano”.

Brito (2004) completa essa análise reafirmando que a abordagem ergológica é

construída em virtude de questionamentos sobre as transformações do trabalho e

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a partir destes faz dialogar os saberes das diversas áreas do conhecimento com

os conhecimentos provenientes do trabalhador. É importante esclarecer que a

ergologia não se apresenta como uma ciência, mas como um pensamento

filosófico, uma forma de entender o trabalho como espaço de construção e de

vida, que se apropria dos conhecimentos de várias ciências para analisá-lo.

Pelo viés da ergologia, entende-se que cada trabalhador se apropria do trabalho

que lhe é imputado, mas não se despe de sua história, de seus valores éticos. É

influenciado, mas também influencia ao mesmo tempo em que deve cumprir uma

série de tarefas ditadas por normas que lhe são prescritas, ele as reinventa

constantemente. Essas duas esferas estão, portanto, em constante interação e é

nesse ponto que a abordagem ergológica propõe intervir (SCHWARTZ, 2000).

O próximo subitem apresenta um instrumento da ergologia chamado dispositivo

dinâmico a três polos (DD3P), que propõe a articulação entre os polos que a

abordagem ergológica deseja fazer dialogar.

3.3.1 Dispositivo dinâmico a três polos

Segundo Schwartz (2000), o dispositivo dinâmico a três polos compõe-se de um

primeiro polo, aquele dos conceitos originados pelas diferentes disciplinas, de um

segundo, o das forças de convocação e reconvocação, gerado por saberes

produzidos pela experiência dos trabalhadores nas várias situações de trabalho

vivenciadas, e de um terceiro polo, da ética e das exigências epistemológicas.

Esses três polos são conhecidos também por: a) polo dos saberes constituídos; b)

polo dos saberes investidos na atividade pelos trabalhadores; c) polo das

exigências éticas e epistemológicas. De acordo com Brito (2004), é este terceiro

polo que permite a ligação entre os dois anteriores, visto que trata da ética que

constrói as relações entre os indivíduos e que é fundamentada por uma visão

filosófica de humanidade.

No primeiro polo estão os saberes constituídos, ou seja, os conhecimentos

científicos, acadêmicos, as competências profissionais e disciplinares. São os

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saberes externos, anteriores à situação de trabalho em foco. São saberes que

estão em desacordo com a atividade, mas que são a essência do trabalho

prescrito. São chamados, também, de saberes desinvestidos (TRINQUET, 2010).

No segundo polo estão os saberes investidos, nascidos das experiências

contextualizadas em tempo e espaço singulares e historicamente situados, que

refletem, portanto, a prática, as ações cotidianas, a constante produção de

saberes pelos trabalhadores, produto do debate de normas. “São os verdadeiros

saberes” sobre a atividade de trabalho (TRINQUET, 2010, p. 104).

O terceiro polo, por sua vez, comporta o diálogo entre os dois tipos de saberes

anteriores e tem, como pano de fundo, o campo da ética e do político. Esse

diálogo se estabelece no lugar onde se elaboram decisões, onde se definem os

meios para solucionar determinado problema configurando o espaço da

negociação. A abordagem ergológica faz com que esses saberes se

complementem e dialoguem, o que é indispensável e fundamental para

compreender o complexo mundo do trabalho e sua relação com a saúde do

trabalhador. A articulação entre os polos, entendida como “dispositivo dinâmico a

tres polos”, é, por assim dizer, uma metodologia, um esquema teórico que tem por

finalidade a interlocução entre os diversos saberes.

FIGURA -1 Dispositivo dinâmico a três polos.

Fonte: baseado em Trinquet (2010).

2º Polo:

Saberes investidos, tácitos,

oriundos da prática

3º Polo:

Campo da ética, do político Faz dialogar 1º e 2º polos

1º Polo:

Saberes instituídos,

acadêmicos, científicos

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Para Trinquet (2010, p. 106,107), “todas as situações diante das quais somos

colocados são, por definição ergológica, específicas e singulares. Cabe ao polo

de exigências ergológicas estudar tudo isso e propor soluções apropriadas e

realizáveis”. Assim sendo, este estudo, fundamentado pela perspectiva da

ergologia, analisou o trabalho docente como atividade humana que contém

diferentes saberes capazes de produzir soluções para o enfrentamento do

adoecimento dos professores e, consequentemente, para a existência de

“professores saudáveis”.

3.4 O trabalho como atividade humana

A opção pela abordagem ergológica do objeto de pesquisa desta investigação

introduz a necessidade do entendimento do trabalho como atividade humana,

antes mesmo de analisar o trabalho docente. De acordo com Schwartz (2007), a

atividade humana é sempre um lugar de debate de normas antecedentes e

renormalizações, que traduzem a releitura do trabalho prescrito e que são

influenciadas pelos valores e escolhas do trabalhador.

Segundo Trinquet (2010, p. 96):

A atividade é tomada no sentido de atividade interior. É o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em diálogo com ela mesma, com o seu meio e com os “outros”. Embora essa seja uma ideia abstrata, é muito fecunda e eficaz. Definitivamente, é o que faz com que o trabalho possa se realizar e, de fato, se realiza.

Em termos gerais, a atividade humana é a execução de uma função, um trabalho,

uma atividade profissional e indica também um conjunto de atos coordenados, de

fenômenos psíquicos e fisiológicos que correspondem a essas ações. É nela que

o ser humano se desenvolve, constitui-se como indivíduo (CAMPOS, 2000a).

Borges (2004, p. 42) complementa essa análise afirmando que a “atividade

humana é a maneira pela qual os humanos se envolvem no cumprimento dos

objetivos do trabalho, em lugar e tempo determinados, utilizando-se dos meios

colocados à sua disposição”.

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A atividade do trabalho é analisada como uma experiência humana cercada por

“inevitável insuficiência de procedimentos, incapazes de antecipar inteiramente a

complexidade de cada situação” (SCHWARTZ, 2007 p. 189). O resultado dessa

atividade se estabeleceria em uma engrenagem influenciada pelo individual e pelo

coletivo, no seu funcionamento humano, na atitude de viver, em ações criativas,

no fazer de outra maneira diferente da prescrita.

Essa criação seria repleta de singularidade, emoções, diferenças pessoais e

escolhas, configurando-se como única. Schwartz (2000) afirma que a atividade do

trabalho articula ainda as dimensões do desejo, da paixão, do corpo e dos

saberes. Santos (2000a, p.121) completa esta análise afirmando que a “atividade

do trabalho é ‘espaço de vida’, é ‘movimento real dos trabalhadores’” e, como tal,

única.

A atividade do trabalho, entendida pela dimensão formadora que detém,

possibilita a construção de saberes, a realização pessoal, o confronto entre

experiência de vida e de trabalho, na relação com o meio. De acordo com

Schwartz (2007, p. 205), “a atividade é sempre, de imediato, um debate de

normas entre um ser vivo - um corpo si - e um meio saturado de valores [...] esses

valores podem ser da ordem da política, da ética ou das relações interpessoais”.

Na atividade de trabalho, o trabalhador aprende e ensina, se desenvolve, se faz

reconhecer, desenvolve sua sobrevivência autônoma, realiza suas necessidades,

satisfaz seus desejos. Mas é preciso diferenciar o que é próprio da atividade e

aquilo que é próprio do trabalho, pois comportam dimensões distintas. Para

Trinquet (2010), o conceito de atividade diz respeito à intimidade do trabalhador, à

atividade interior e totalmente pessoal e singular. Já o trabalho comportaria o

universo do prescrito, dos procedimentos a serem seguidos, das normas

antecedentes.

A atividade do trabalho detém, portanto, certo grau de imprevisibilidade e, como

não se pode listar completamente o que a constitui, manifesta-se aí a chamada

infidelidade do meio. Segundo Schwartz (2007, p. 191), “o meio é sempre mais ou

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menos infiel, ele jamais se repete exatamente de um dia para outro ou de uma

situação para outra”.

Ao trazer esse cenário para o cotidiano dos professores, nota-se que são

inúmeras as infidelidades a que eles são expostos: recursos tecnológicos que não

funcionam; impressão de avaliações mensais que não ocorrem; sala de aula com

goteiras; objetos em sala de aula que “desaparecem”; atitudes de indisciplina;

perguntas que não se sabe responder, enfim, a imprevisibilidade inerente a

qualquer atividade do trabalho faz de cada situação um momento único, repleto

de vida e novidade, que se modifica sempre.

As situações imprevistas conduzem o trabalhador a utilizar suas capacidades,

seus recursos, suas escolhas conscientes e inconscientes para tentar enfrentar as

infidelidades. A atividade do trabalho incorpora, então, vários contornos e se

apresenta como um lugar onde a vida se manifesta, onde os saberes do

trabalhador lhe conferem o “poder de realizar”, fazer de outra forma, onde se

criam as renormalizações (SCHWARTZ, 2007).

O trabalho se apresenta, assim, como espaço onde ocorre não uma simples

execução de um trabalho prescrito, de normas antecedentes, mas onde o

trabalhador se propõe maneiras de executar ou, como afirma Schwartz (2007, p.

196), de realizar ações que transcendem o fazer, pois “não existe execução, mas

uso”.

Para Schwartz, sempre haverá uma forma diferente para realizar determinada

atividade. No trabalho ocorrem experiências de formação e transformação de

homens e mulheres, em que estes amadurecem, crescem como seres humanos,

se identificam socialmente, são educados para a vida (CUNHA; PUIGSRVER;

BELLIÉS, 2003). A atividade do trabalho é um espaço constituinte da

individualidade desse trabalhador e possibilita ganhos e aquisições fundamentais

para os diversos contornos de sua formação.

Schwartz (2007) adianta que o trabalho possui quatro dimensões, que seriam a

do ter, ou seja, a de possuir uma ocupação para subsistência, a dimensão do ser,

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a dimensão do trabalho como atividade coletiva e a dimensão do fazer que produz

satisfação. Logo, trabalhar é muito mais que um simples executar, é uma busca

constante por novos caminhos.

3.5 O trabalho docente como atividade humana

O trabalho docente analisado como atividade humana apresenta componentes

que dialogam com a abordagem da ergologia. Esses componentes são vinculados

principalmente à perspectiva de transformação das realidades docentes, espaços

submetidos a constantes debates de normas e releituras dos trabalhadores frente

às normas antecedentes. Segundo Vieira (2003, p. 42), “o paradigma ergológico

concebe o trabalho como atividade relacional da subjetividade com a objetividade

e foi desenvolvido a partir de investigações sobre os sujeitos em atividade nas

situações concretas de trabalho”. Por este viés, nota-se que para melhor

conhecer a realidade e os aspectos subjetivos da atividade docente, é necessário

analisá-los por meio de um instrumento que permita o seu desvendar e,

consequentemente, os desdobramentos das decisões tomadas pelos docentes na

atividade que realizam.

Essa referência enquadra o trabalho docente e se aplica igualmente à educação,

pois a educação é um objeto de estudo em constante mutação, que permite

novas descobertas a partir das mãos daqueles que a pensam e dos que a

realizam. De acordo com Schwartz (2001 apud VIEIRA, 2003), o trabalho docente

é produto de uma prescrição antecedente e dos efeitos da transformação imposta

pelo professor. Os docentes deparam, em todo momento, com normas que

devem ser cumpridas. Entretanto, é por suas ações que eles as reconfiguram. O

renormalizar faz parte das ações cotidianas do trabalho docente e, como tal, se

insere no campo da atividade humana. As renormalizações são, em suma, a parte

criativa, a assinatura do professor, os traços singulares ditados por sua

subjetividade e que dão contorno à atividade humana.

O trabalho do professor visto sob o prisma da ergologia é uma constante

negociação entre um panorama de regras, de obrigações e de normas prescritas

e outro de recriação, que se concretiza em função do novo, do imprevisível e do

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invivível, como afirma Canguilhem (2000). A atividade humana, sempre em

mutação, é um espaço onde ocorre um debate de normas influenciado pelos

saberes e escolhas do trabalhador (SCHWARTZ, 2007). Assim, a concepção de

trabalho e trabalhador subjacente à perspectiva ergológica destaca a importância

de valorizar a inteligência do trabalhador e o seu poder criativo.

Partindo da premissa de que o trabalho não é o mesmo todos os dias, os

conhecimentos desse trabalhador permitem a construção de algo novo,

constantemente cercado por sua intelectualidade. Santos (2000a, p. 123) afirma

que “o trabalhador não é um mero executante determinado pelo seu lugar nas

relações sociais e pelos dispositivos técnicos, mas também um homem, sujeito

vivente, com todo o horizonte de universalidade que isto implica”. Os depoimentos

coletados junto aos docentes, por esta pesquisa, trouxeram elementos para

ilustrar e justificar as escolhas, as arbitragens, os debates de normas

estabelecidos pelos “professores saudáveis” na colisão, nem sempre consciente,

com um trabalho pensado anteriormente por outros, que os induz a produzir

estratégias, atos criativos, renormalizações benéficos à sua saúde. Esses

depoimentos serão apresentados nos capítulos quarto e quinto.

Portanto, percebe-se que o trabalhador docente transforma o seu entorno, pois

muito além de ser um mero executante dos aspectos normativos do trabalho, ele

é fonte de um potencial criativo que interfere em seu ambiente e no contexto

escolar que o envolve. Baseado nisto, Cunha (s.d, p. 8) concorda com Santos

(2000a) ao afirmar que o trabalhador se “constitui em um sujeito cognocente e

ético, não apenas como reprodutor de tarefas, mas como ser pensante e atuante

nas diversas situações de trabalho”.

Nouroudine (2004) diz que o trabalho transcende um simples gesto técnico e se

apresenta como uso, como apropriação por parte do trabalhador, na execução e

realização da atividade. O trabalhador é elemento ativo das construções e

reconstruções no trabalho, que sempre requisita suas funções cognitivas para

realizar a mais simples das tarefas. Por esta lógica, as normas que lhe são

prescritas, juntamente com uma série de tarefas, são reinventadas em um

processo dinâmico de ressignificar sua atividade.

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A atividade “é sempre um fazer de outra forma, um trabalhar de outra forma”

(SCHWARTZ 2007, p. 25-35). Para compreender esse “fazer de outra forma” é

necessário levar em consideração a subjetividade e as escolhas que faz o

trabalhador. De acordo com Santos (1997, p. 14), essas escolhas ocorrem no

espaço entre o trabalho prescrito e o trabalho real, “que coloca em cena não só os

saberes mobilizados na produção, mas também a relação que cada trabalhador

estabelece com esses saberes e, logo, a sua subjetividade”.

Segundo Telles e Alvarez (2004, p. 67), o trabalho prescrito, teorizado pela

ergonomia, constitui elemento central da abordagem ergológica. Por trabalho

prescrito entende-se “um conjunto de condições e exigências a partir das quais o

trabalho deve ser realizado”, dimensão determinada pelas condições de trabalho,

pelo ambiente físico e por condições socioeconômicas, entre outros fatores, que

se somam às prescrições compostas por normas, metas, procedimentos técnicos,

etc.

Neste estudo percebeu-se que as normas antecedentes prescritas aos docentes

se materializam pelas determinações advindas da Secretaria de Educação, como

calendário, formato da recuperação16, projetos interdisciplinares, entre outros. A

explicitação do debate com essas normas se apresentou evidente em todos os

depoimentos17. De acordo com a análise de Trinquet (2010), esse trabalho

prescrito é chamado de saber constituído e tem como característica não ser

definido pelo trabalhador, configurar as regras e os modos de execução do

trabalho, ser concebido e codificado por uma instância superior. Por outro lado, o

trabalho real é o colocado em ação pelo trabalhador, é o que realmente acontece

em seus locais de trabalho.

Para Santos (2000b), uma vez que não existe a possibilidade de descrevê-lo

totalmente, o trabalho que se executa é diferente do prescrito e este recebe o

16 No ano de 2009, a recuperação dos alunos com defasagem de conteúdo ocorria paralelamente ao movimento pedagógico rotineiro. Haveria, neste caso, ainda, a recuperação final após a última etapa de avaliações. No ano de 2010, a recuperação paralela foi “extinta”, prevalecendo apenas a recuperação final. Percebeu-se que os docentes mantiveram a recuperação paralela, contrariando a norma prescrita pela Secretaria de Educação, tipificando uma ação renormalizadora. 17 Esses depoimentos serão apresentados no capítulo quinto.

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nome de trabalho real. Segundo Nouroudine (2004), o trabalhador seria o

protagonista de um trabalho que ele executa, baseado em ordens e

procedimentos que não são de sua autoria, no qual os meios e a organização de

trabalho também não são concebidos por ele e que os objetivos econômicos e

financeiros que impactam as condições do seu trabalho igualmente não seriam

decididos pelo trabalhador.

Assim, ele trabalha a partir de algo preexistente, já estabelecido, impregnado de

uma cultura alheia a ele, que é o ponto de partida para a sua execução, para suas

ações e sua inevitável interferência. Esses elementos anteriores dão origem à

execução singular e repleta de subjetividade dos trabalhadores, que configura o

trabalho real. Nos depoimentos coletados, esse trabalho real traz nuanças que

atestam que as renormalizações são ações comuns aos “professores saudáveis”

e confirmam que a sala de aula é um espaço que salienta o hiato entre o trabalho

prescrito e o trabalho real e este é preenchido pela capacidade de criação desse

trabalhador.

O preenchimento dessa distância, sempre singular, se deve ao fato de que o

indivíduo tem suas peculiaridades e as expressa por meio de sua subjetividade

(BERNARDES, 2007). Sabe-se que sempre existirá essa distância, não há como

prevê-la; ela se relaciona com a dimensão das escolhas que cada trabalhador

deve fazer e naturalmente as faz, pois cada sujeito traz em si registros únicos

(SANTOS, 2000b). Dessa maneira, haverá sempre uma distância entre o trabalho

pensado, o trabalho prescrito e o realizado pelo trabalhador, o trabalho real.

Schwartz (2007, p. 40) define trabalho prescrito “como trabalho predeterminado,

‘cientificamente pensado’ por pessoas que fizeram cálculo de tempo, de eficácia,

portanto, que estudaram tudo, de fato, detalhadamente”. Ressalta-se que a

definição de trabalho prescrito remete ao ponto de vista do seu idealizador,

somado a um conjunto de normas técnicas e científicas que não necessariamente

dialoga com a ótica do trabalhador.

O trabalho docente, como toda atividade de trabalho, também é formado pelo

trabalho prescrito e pelo trabalho real. O trabalho docente prescrito é formalizado

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pelos gestores educacionais externos e internos e tem por finalidade orientar as

funções e tarefas dos docentes em suas atividades escolares. O trabalho docente

real seria o que é constituído e realizado por cada professor na especificidade de

cada escola, na singularidade de cada turma, nas características de cada aluno

inserido em diferentes realidades. Igualmente, esse trabalho real recebe influência

dos valores, escolhas, crenças, arbitragens e história de vida desse docente.

O próximo item abordará três importantes aspectos da perspectiva ergológica: o

“corpo si” e os “usos de si por si” e o “uso de si pelo outro”. O “corpo si” é o que

Schwartz atribui ao aspecto da subjetividade do indivíduo e que constitui todo o

seu ser. O “uso de si” são suas escolhas em virtude das quais ele vivencia o

trabalho e o “o uso de si pelo outro” é referente às normas de diversos tipos,

produzidas por outrem, que existem nas atividades do trabalho e que devem ser

cumpridas pelo trabalhador. Os três estão no interior da atividade e precisam ser

analisados detalhada e cuidadosamente, pois revelam, no seu interior, o singular

de cada indivíduo na atividade.

3.6 O “uso de si por si” e o “uso de si pelo outro”

Schwartz (2007) afirma que a atividade do trabalho se manifesta por meio do “si”

ou “corpo si”, que ora é consciente, ora inconsciente. Essa dimensão é ligada às

decisões do viver, decisões para evitar o cansaço, para suportar uma situação

inconveniente. O corpo si, para Schwartz (2007), traz consigo a dimensão da

subjetividade do ser. Esse “si” ou “corpo si” seria a junção do corpo físico e

psíquico como parte do mundo da vida, imerso em um universo de cultura e de

história (SCHWARTZ, 2007, p. 202-203).

Para Trinquet (2010, p. 97), o “uso de si” é uma capacidade que somente os

seres humanos possuem e pode ser utilizada de acordo com sua conveniência:

[...] é uma liberdade – que é perceptível por todo o mundo –, muito limitada pelas coerções inevitáveis, mas nunca há somente uma única melhor maneira de fazer as coisas. Pois, sempre há escolhas, por mais ínfimas que elas sejam. É isso que diferencia os seres humanos dos robôs, estes fazem sempre igual e tal como foram programados. Um robô não tem estado de alma, enquanto que um humano sempre hesita

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porque é consciente e pode escolher, adaptar-se, atualizar e, portanto, inovar.

Para Schwartz (2007), o “uso de si” se manifesta na medida em que o trabalhador

faz escolhas que ocorrem em virtude do permanente “vazio ou deficiência de

normas” e que deem conta da mutabilidade do trabalho. Esse “vazio de normas”

repousa na distância entre o que se deve fazer e o que realmente se faz. Para

Trinquet (2010, p. 98), “a única certeza confiável é que sempre haverá uma

distância entre o trabalho prescrito e o praticado, por mínima que seja”.

Segundo Moura (2009), não se pode, jamais, de maneira completa, mesmo que

exaustivamente, listar tudo aquilo que compõe o ambiente de trabalho, pois as

normas antecedentes, que se referem ao trabalho prescrito, são sempre

insuficientes e em todo trabalho há sempre esse vazio de normas. Para dar conta

dessa limitação, o trabalhador busca preencher o que falta e, para tal, constrói

suas próprias estratégias, faz uso de suas próprias capacidades, recursos, cria

suas próprias leis, estabelecendo assim o “uso de si”. Para Nouroudine (2004, p.

60), esse “uso de si” é:

[...] mobilização de si por si próprio na medida em que no processo da atividade o sujeito mobiliza qualidades pessoais tais como saberes-fazer, seus valores, seus afetos, seu julgamento, etc. Tudo isto é mobilizado e investido na atividade. Isto traduz um engajamento do corpo-si no trabalho que o posiciona como sujeito.

Trabalhar é arriscar, é fazer “uso de si”, sendo que no vazio de normas ou na

deficiência destas é que acontecem as escolhas na dimensão do “uso de si por

si”. Já o “uso de si pelo outro” expressa o fato de que em todo o universo de

atividade de trabalho reinam vários tipos de normas, sejam elas científicas,

técnicas, organizacionais, hierárquicas e gestionárias, que fazem alusão a

relações de desigualdade, subordinação e poder (SCHWARTZ, 2007).

No trabalho docente, em que coabitam igualdade e desigualdade, competição e

colaboração, dominação e subordinação, estão postas as condições em que cada

trabalhador tenta viver. Trata-se de um meio onde ele é exposto a pressões e

desafios, onde não se faz apenas o que se quer (MOURA, 2009). Assim,

evidencia-se o uso de “si”, uma vez que o docente é estimulado, direta ou

indiretamente, a criar soluções para os problemas enfrentados em seu ambiente

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de trabalho e criar novas estratégias para cobrir o vazio decorrente das normas.

No entanto, há normas preestabelecidas por outrem que devem ser observadas

pelo docente: este é o “uso de si pelo outro”. De acordo com Schwartz (2007),

entre as dimensões do “uso de si por si” e do “uso de si pelo outro” o que se tem é

um trabalhador inteligente e repleto de subjetividade criativa que o conduz

inevitavelmente a escolhas.

A gestão dessas duas dimensões é o verdadeiro problema humano, pois em toda

parte onde existe a variável, uma perspectiva histórica, o trabalhador deve dar

conta de conviver com determinadas situações sem se ater ao preestabelecido

(SCHWARTZ, 2004, p. 23). Tais ponderações levam a considerar que “toda

gestão supõe escolhas, arbitragens, hierarquização de atos e de objetivos, enfim,

de valores em nome dos quais essas decisões se elaboram”. Só poderá haver a

eliminação da defasagem entre o que se prescreve e que se realiza por aqueles

que agem na atividade, na situação concreta (TRINQUET, 2010).

O trabalhador vive essas duas dimensões, o “o uso de si” na perspectiva de suas

escolhas e o “o uso de si pelos outros” na sua relação com as normas, com o

prescrito ditado pelo poder do outro. Enfim, “todo trabalho é sempre uso de si,

considerando-o, simultaneamente, uso de si por outros (o que vai das normas

econômico-produtivas às instruções operacionais) e uso de si por si (que revela

compromissos microgestionários)” (SCHWARTZ, 2004, p.25).

Esclarecidas essas dimensões, o subitem seguinte abordará os conceitos de

normas antecedentes e de renormalização. Eles se posicionam no centro da

análise da atividade do trabalho pela perspectiva ergológica. Nesta pesquisa, as

estratégias de enfrentamento criadas pelos “professores saudáveis” são

reveladas pelo viés da renormalização, fruto do “uso de si” na resistência ao “uso

de si pelo outro”.

3.7 Normas antecedentes e a renormalização

O conceito de normas antecedentes tem sua construção formulada por Schwartz,

que, por sua vez, apropriou-se da discussão proposta por Canguilhem (2000)

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relativa à “filosofia das normas”18. Para Canguilhem (2000), os indivíduos vivem

em meio a normas e estas interferem em suas ações de forma regulatória

submetendo-os, todo o tempo, a regras em cada situação de trabalho.

Há que se fazer, contudo, distinção entre normas antecedentes e trabalho

prescrito. Telles e Alvarez (2004) evidenciam que, por mais que não existam

diferenças quanto à natureza dos termos trabalho prescrito e normas

antecedentes, este último, proposto por Schwartz (2000), é mais abrangente que

o seu precursor, por incorporar várias dimensões presentes nas situações de

trabalho. Essas dimensões são as aquisições de inteligência do trabalhador, as

experiências coletivas, o saber-fazer, as construções históricas analisadas como

patrimônio cultural e científico e a dimensão dos valores, que transcende a

questão monetária e se posiciona na esfera do político, dos debates e dos

conflitos que findam por compor o caráter híbrido desse conceito.

De acordo com Vieira (2003, p. 55), “as normas antecedentes são um conjunto de

dispositivos que compõem o ordenamento e antecedem a atividade do trabalho” e

que pretendem direcionar cada situação de trabalho a ser executado. No âmbito

escolar, elas podem ser exemplificadas pelo projeto político pedagógico, o

calendário escolar, os projetos interdisciplinares, as determinações dos conselhos

de classe, as condutas administrativo-pedagógicos, um novo formato para

recuperação dos alunos, o patrimônio singular do trabalhador, entre outros. Para

Zambroni-de-Souza (2006, p. 96,97):

Cada situação de trabalho, então, apresenta, da parte daquele que o solicita, uma série de formalizações, prescrições, determinações hierárquicas, acordos entre os diversos níveis daquela organização e da sociedade na qual ela está inserida, elementos que se constituem em normas antecedentes. Frente a isso, cabe a cada trabalhador gerir essas normas a partir de suas próprias características e valores a fim de realizar o trabalho.

Conforme Schwartz (2007), é na junção entre a dimensão física e a intelectual

que o trabalhador faz suas arbitragens e estas são orientadas por valores que

sempre estão em jogo na atividade. Configura-se, aí, um debate de normas, que

pode ser com ele mesmo que deve decidir, por exemplo, como manter ou não o 18 A discussão sobre a “filosofia das normas” será desenvolvida no capítulo quarto.

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ritmo de trabalho prescrito; ou debate de valores de convivência social, como não

incomodar alguém quando realiza seu trabalho. Para o autor, é por esse debate

de valores que se pode compreender o trabalho sob o olhar da abordagem

ergológica.

Na verdade, o sujeito se implica na atividade com sua história singular, com seus

valores e com capacidade instituinte que lhe permite transformar-se à medida que

renormaliza as normas antecedentes (MUNIZ; VIDAL; VIEIRA, 2004). Pode-se

supor que no movimento de organização e reorganização, de construção e

reconstrução de sua atividade está a chave para que o trabalhador docente

encontre prazer, realize suas atividades satisfatoriamente e enfrente o “vazio de

normas” na busca da saúde. Schwartz (2007) enfatiza que esse “vazio de

normas” indica que, quando não existem normas que deem conta do que fazer no

trabalho, o trabalhador deve inventar, se não, em vez de se gerar oportunidade

para recriar o meio, este proporciona adoecimento. Trinquet (2010, p. 110)

completa essa afirmativa:

A vida como simples execução de normas de atividades que não são retomadas, retrabalhadas, adaptadas pelos seres vivos é sinônimo de doenças, de estresse e de crises. Cada um tem de ter certas margens de manobra a fim de poder "usar de si" como lhe convém.

Nessa mesma direção, Canguilhem (2000) diz que estar doente se configura pela

incapacidade de criar micronormas, diferentemente do estado de saúde, que é

produto de uma adaptação criativa das normas na atividade de trabalho. Assim,

as normas antecedentes traduzem a ideia de prever e prescrever o ato de

trabalhar. As normas são resultado de uma série de elementos que vão se

amalgamando ao trabalho em construções que ocorrem ao longo do tempo, que

influenciam o trabalhador na realização e na experiência de sua atividade.

Apesar da existência da prescrição, não se pode afirmar que o trabalho seja

apenas espaço de repetição, pois cada indivíduo renormaliza sua atividade ao se

confrontar com situações adversas, peculiares e altamente mutáveis nos

ambientes de trabalho e que se constituem em desafios diários para cada

trabalhador (SCHWARTZ, 2007). Santos (1997) acredita que é na dimensão

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desse “informal”, no dia-a-dia, que surgem soluções para os problemas do

trabalho. É nesse espaço do “informal” e por meio da abordagem ergológica que

este estudo buscou identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos

professores de um determinado município de Minas Gerais, para minimizar os

problemas enfrentados dentro da sala de aula, na atividade do trabalho.

Para Trinquet (2010), a gestão da atividade ocorre entre a prescrição e o que

realmente se faz. Nessa atividade se expressa a individualidade, a história

sempre singular, tanto individual quanto coletiva, daqueles que participam em

tempo real da atividade. A renormalização, por fim, é produto do debate de

normas. De um lado, tem-se a prescrição, o que antecede o trabalho; do outro

lado, o trabalho real, o efetivamente produzido pelo trabalhador. Entre o que está

normalizado e a renormalização está a individualidade, a singularidade de cada

trabalhador em sua atividade.

Presume-se, pois, que o trabalhador não deixa de renormalizar em situação

alguma, pois tanto individual como coletivamente sua inserção em um meio de

trabalho suscita tomada de decisões. O trabalho é, de maneira geral,

absolutamente ímpar, pois cada situação é única e exige do trabalhador atitudes

diferentes em cada uma delas (VIEIRA, 2003). O trabalho humano não pode ser

comparado ao trabalho prescrito ou às normas antecedentes, pois o trabalhador

sempre cria novas normas ao se apropriar do que lhe foi prescrito, deixando seu

registro e suas marcas no trabalho que realiza (SCHWARTZ, 2000; 2007). Assim,

pode-se afirmar que cada situação de trabalho é singular e não há como repeti-la,

pois toda ação é um processo de criação diferenciado.

Masson, Brito e Sousa (2008) afirmam que a renormalização é fruto do confronto

dos trabalhadores com as normas antecedentes, devidamente consideradas

como variáveis as peculiaridades e o momento de realização de cada trabalho.

No trabalho, o trabalhador depara com situações concretas e a partir delas decide

como realizá-las.

Não há, então, como analisar um trabalho sem compreender as experiências dos

trabalhadores. As estratégias construídas pelos “professores saudáveis” são

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inerentes ao seu poder criativo e renormalizador. Cada professor,

independentemente do estabelecido pelos projetos políticos pedagógicos (PPP),

programas de curso de cada disciplina, decisões dos conselhos de classe,

determinações dos gestores externos e internos, tem a possibilidade de deferir e

deliberar sobre cada uma das prescrições que lhe são determinadas. A decisão

sobre o que e como fazer ocorre de acordo com suas convicções, suas crenças,

seus valores, seu entendimento da pertinência de cada uma das prescrições. Nas

situações concretas do trabalho docente, o professor se confronta com o prescrito

e arbitra sobre onde, quando e como renormalizar.

Vieira (2003, p. 57) ressalta que o professor é um sujeito vivente, que ao se

confrontar com as normas prescritas “luta sempre para criar”. Assim, exerce sua

capacidade produtiva por meio de novas normas, objetivando transformar tanto o

meio que o cerca como o trabalho em que se insere. Por conseguinte, Schwartz

(2001 apud Vieira 2003) afirma que a atividade humana é um espaço de embate

entre a norma anteriormente estabelecida e a renormalização processada pelos

trabalhadores em um inconstante e imprevisível espaço de tensão.

Santos (1997, p. 21) completa essa perspectiva: “há sempre soluções não

previstas que devem ser buscadas sem cessar”. Existem, assim, possibilidades

que jamais serão esgotadas nesse encontro sempre profícuo entre um trabalho

previamente prescrito e um trabalhador que renormaliza e busca soluções. Nesta

direção, entende-se que os “professores saudáveis” desenvolvem estratégias de

enfrentamento por meio das renormalizações que concorrem para a sua saúde.

De acordo com os autores citados anteriormente, fica explícito que em todo

momento os docentes podem construir soluções para os dilemas cotidianos.

Salienta-se a necessidade dessa busca contínua de soluções para melhor

desenvolver sua atividade e diretamente refletir-se em sua saúde.

3.8 A ergologia e a busca pela saúde docente: os “dramas”, o “vazio de

normas” e as “infidelidades do meio”

Na busca de soluções para o adoecimento docente, a abordagem ergológica

permite focalizar a atividade do trabalho dos professores como atividade humana,

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reconhecendo o seu dinamismo e tornando-se instrumento diferenciado para

compreender como se processa o adoecimento dos trabalhadores e os seus

mecanismos de reação. A ergologia apoia-se na transformação do trabalho e na

possibilidade, sempre presente, de renormalização praticada pelo docente como

uma importante perspectiva de mudar determinada realidade laboral para a

construção da saúde. O trabalho define-se, então, como elemento importante

para constituir o quadro de saúde de um grupo de indivíduos, pois os meios

disponibilizados para vencer os sofrimentos e as dificuldades no trabalho serão

definidos por ele (BRITO, 2004).

Como afirma Canguilhem (2000), ficar doente é, antes de qualquer coisa, poder

recuperar-se e a possibilidade dessa recuperação está relacionada ao trabalho. O

trabalho docente é altamente variável e conduz os professores a fazerem “uso de

si”, ao realizarem o debate de normas e ao fazerem escolhas amparadas em

valores que têm significado para eles. Essa variação de escolhas, por meio do

“uso de si”, é imprevisível. Assim, baseado no que se apresenta como

imprevisível, o “vazio de normas”, os procedimentos técnicos e pedagógicos que

se devem seguir tornam-se insuficientes para determinar rigorosamente a sua

atividade e induzem os professores a sempre usar seus próprios recursos e

potencialidades para que o trabalho ocorra, independentemente do planejado

(MOURA, 2009). Uma avaliação não impressa no dia correto, por exemplo, obriga

o professor a tomar uma decisão imediata. Ele arbitra e pode decidir por adiar a

prova, escolher outra forma de avaliar, passar as questões no quadro, etc. Isso

exemplifica uma infidelidade do meio. O planejado nem sempre se estabelece e

exige escolhas, a todo o instante, do professor.

Para Schwartz (2007, p. 191), isso se explica pelo fato de que nunca se pode

listar totalmente “tudo aquilo que constitui um meio de trabalho. [Este] jamais se

repete [e] constitui uma infidelidade do meio”. Moura (2009) salienta que essa

infidelidade do trabalho impõe ao docente a necessidade de fazer uso de suas

escolhas, recursos e capacidades para que o trabalho se realize. Na gestão

dessas infidelidades o professor faz “uso de si” e por esse motivo é conduzido a

criar, a se apropriar de seus saberes para preencher a deficiência de normas que

se apresentem.

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É na dimensão dessas escolhas que se configura outra infidelidade do meio: o

trabalhador é único, singular e baseia-se nos seus valores e história pessoal para

concretizá-las e, necessariamente, estas não serão padronizadas (SCHWARTZ,

2007). Ao fazer escolhas, manifesta-se um drama, pois se estas forem erradas,

se houver fracasso, o resultado pode ser o sofrimento. Influenciado por motivos

como o ambiente de trabalho, relações de poder, os procedimentos que não

domina, as novas regras de gestão, entre outros fatores que o fazem sofrer,

caracteriza-se “o dramático uso de si” (SCHWARTZ, 2007), que pode culminar em

adoecimento docente ou, ao contrário, na busca da saúde.

Para Muniz, Vidal e Vieira (2004, p. 324), “a atividade é, assim, o espaço dessas

“dramáticas do uso de si” pelos outros e do uso de si por si mesmo”. O professor

vive em constante conflito entre a realização do trabalho prescrito e o trabalho

real. Na atividade é impossível prever de antemão qual o resultado desse conflito,

por vezes angustiante e desafiador. Além dos conflitos próprios ao dramático uso

de si, os desafios conduzem os professores a conflitos constantes potencializados

pelos salários injustos, falta de reconhecimento, más-condições de trabalho,

problemas de relacionamento, cobranças de resultado, aumento de tarefas, entre

outros.

No tocante ao adoecimento, Canguilhem (2000) refere que se o trabalhador não

consegue modificar as normas do trabalho ou tem reduzida sua tolerância às

infidelidades do meio, ele adoece. É nessa linha de pensamento que se ancora

esta pesquisa. De acordo com o referencial ergológico, os “professores

saudáveis” são mais capacitados para mudar as normas de trabalho e são mais

tolerantes às infidelidades do meio, exercendo sua capacidade de recriar e

refazer as normas de trabalho ou de renormalizá-las. Paschoalino (s.d, p. 6)

sugere que a forma como o professor consegue articular o seu trabalho diante do

meio que o envolve irá determinar esse estado de saúde e de bem-estar. A saúde

do professor seria a sua capacidade de ser normativo no seu trabalho ou

renormativo para a ergologia.

Portanto, as renormalizações seriam saídas desenvolvidas pelos professores

como forma de diminuir as tensões no trabalho. O adoecimento seria explicado

por fatores ligados à não reconfiguração do meio em que o professor atua, devido

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à imprevisibilidade e falta de controle que ele tem das variáveis que o cercam

(CANGUILHEM, 2000; SCHWARTZ, 2000).

Na atividade docente, se os professores não se sentirem sujeitos de suas normas,

poderão vivenciar o sofrimento e a dor que seriam fomentados pelos conflitos

profissionais, a constante alteração de seu papel social, bem como pelas

prescrições que lhes são impostas (PASCHOALINO, s.d). Outro ponto que revela

o não sentir-se sujeito das normas é a insatisfação notória que apresentam

quando determinada prescrição lhes é imposta, sem sua devida anuência19.

Dessa forma, fica evidenciado que os projetos e determinações que são, muitas

vezes, verticalizados trazem desconforto e insatisfação ao trabalhador docente.

As normas presentes no PPP, o Regimento Interno e os projetos interdisciplinares

que devem executar acabam por orientar e conduzir as ações dos professores.

Essas normas impostas pela gestão escolar definem as regras e as condutas

administrativo-pedagógicas que tornam os espaços escolares sujeitos às

renormalizações. As imposições abrem espaços que permitem a criação de

estratégias para solucionar as infidelidades do meio.

Fica claro, então, que a perspectiva ergológica traz elementos que permitem

análise da relação entre o trabalho dos professores e o adoecimento.

A abordagem ergológica possibilita intervenção nas esferas da prevenção,

promoção e construção da saúde do trabalhador. A compreensão e a análise do

trabalho docente são desafios que podem ser alcançados em função da

ampliação dos estudos dessa atividade. A perspectiva desta investigação é

desvendar quais são as estratégias de enfrentamento do adoecimento, a partir da

atividade dos “professores saudáveis”.

O capítulo quarto pretende enfocar o conceito de saúde escolhido para orientar as

discussões sobre o adoecimento dos professores. Juntamente com este, traz o

conceito de subjetividade que lhe é interveniente. Apresenta, por fim, pesquisas e

19 No capítulo quinto apresentam-se depoimentos que ilustram essas imposições, o debate de normas e o descontentamento dos docentes com parte das prescrições.

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conceitos complementares sobre os enfretamentos e a busca por soluções para

as demandas da saúde docente.

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4 ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO DA SAÚDE NO TRABALHO

O movimento que coloca em pauta a construção da saúde do trabalhador, no

Brasil, tem origem na década de 1970. Nesse período, os acidentes e as doenças

relacionadas ao trabalho tornaram-se comuns, em virtude do aumento da

cobrança nos meios de produção industrial associado a pouca preocupação com

os acidentes de trabalho. A nova configuração emergente do capitalismo visava

ao aumento da produção estimulado pela necessidade de ampliação de lucros.

Essa posição, entretanto, não foi acompanhada pelas devidas preocupações com

a saúde do trabalhador e suas condições de trabalho. Pressionado pela

necessidade de produzir mais em menos tempo, além de manter o emprego, o

trabalhador sofre os impactos do trabalho em sua saúde e vê a necessidade de

se mobilizar (BRITO, 2004; SANTOS, 2000a; SOUSA NETO, 2005).

Naquela década, a busca dos trabalhadores pela saúde teve seu foco voltado

para a análise do processo de trabalho e este se tornou a categoria fundamental

para a compreensão da relação entre a saúde e o trabalho. A partir daí, iniciou-se

o movimento de busca dos trabalhadores pela construção da saúde no trabalho,

incluída aí a saúde coletiva. Com o objetivo de atender a essa demanda, a saúde

coletiva viu-se compelida a buscar caminhos de investigação dos processos de

produção. Por esse caminho seria permitido conhecer cada tipo de trabalho e os

desgastes específicos produzidos por cada um deles. Essa perspectiva teve como

pano de fundo enfrentar a incapacidade da Medicina em transformar e melhorar

as condições de saúde da população (BRITO, 2004).

Sintonizado com essa mesma necessidade, sindicatos, pesquisadores

administradores, economistas, ergonomistas, psicólogos, médicos foram

desenvolvendo instrumentos multidisciplinares de pesquisa, entre os quais se

destaca a perspectiva ergológica. No capítulo três, evidenciou-se a contribuição

do instrumento multidisciplinar proposto pelo MOI na década de 1960,

capitaneado por Ivar Oddone (1986). Da mesma forma, esse movimento

influenciou Schwartz e sua equipe (2000) na construção da abordagem ergológica

de análise do trabalho.

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Tanto no MOI como no referencial ergológico proposto por Schwartz (2000), dois

princípios básicos foram incorporados nas pesquisas sobre a relação saúde e

trabalho: o primeiro, a visão interdisciplinar na qual os problemas, bem como as

soluções para as demandas da saúde dos trabalhadores, gerados por meio da

realização de suas atividades profissionais, devem ser analisados a partir da

articulação de duas ou mais áreas de conhecimento. O segundo, a valorização

dos saberes dos trabalhadores na busca de soluções para os problemas

inerentes à saúde no trabalho (SANTOS, 2004; SCHWARTZ, 2000). Essa

articulação de saberes tornou-se uma ferramenta importante para propor

reflexões e construção de estratégias de combate aos problemas de saúde

ligados ao trabalho (BRITO, 2004). Conhecê-lo, saber como ele ocorre e em que

relações sócio-históricas ele se manifesta é de fundamental importância para criar

estratégias e interpretações para os possíveis danos à saúde do trabalhador.

A saúde do trabalhador, na perspectiva ergológica, foi entendida sob a ótica do

conceito de saúde abstraído da “filosofia das normas”, de Georges Canguilhem

(2000). Esse conceito foi apropriado neste estudo por vir atrelado ao referencial

ergológico, posicionado no ponto central da discussão sobre as renormalizações

e estratégias de enfrentamento produzidas pelos “professores saudáveis” para a

construção da saúde.

Na próxima seção, o conceito de saúde formulado por Georges Canguilhem

(2000) é apresentado envolto em seu aspecto filosófico, desafiando as

conceituações tradicionais da Medicina e apresentando-se como elemento

fundamental da abordagem ergológica e das discussões desta dissertação.

4.1 O conceito de saúde pela abordagem de Georges Canguilhem

As discussões sobre o trinômio homem-trabalho-saúde revelam pensamento cada

vez mais recorrente, que reforça o indicativo de que todo trabalho envolve risco e,

dessa forma, pode desestruturar a saúde de um indivíduo (NOUROUDINE, 2004).

Mas, trata-se de qual conceito de saúde? O que difere o conceito de saúde do

conceito de doença? Seriam esses objetos completamente antagônicos como

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aparentemente se apresentam? Ou seriam estados de uma mesma manifestação

da vida?

Para esclarecer essas questões, recorreu-se à tese de doutorado produzida pelo

médico e filósofo francês, Georges Canguilhem, elaborada em 1943, sob o título

Le normal e le pathologique - O normal e o patológico. Canguilhem (2000) inicia

suas pesquisas ao discutir a proximidade e a inter-relação entre os conceitos

normal-patogênico e saúde-doença em uma perspectiva da subjetividade

humana. Apesar de ter sido escrita há quase 70 anos, essa obra apresenta

discussão atual e de grande representatividade para as análises dos objetivos

propostos por esta dissertação.

Segundo Canguilhem (2000), as dimensões saúde e doença são constitutivas de

um processo dinâmico em que uma se insere na outra. Mesmo que não se

confundam, são dimensões que se aproximam, apesar de diferentes. O autor

afirma que a saúde é a capacidade de estabelecer novas normas de enfrentar as

adversidades do meio. Baseado nessa afirmação, pode-se deduzir que os

“professores saudáveis” possuem a capacidade de renormalizar e combater os

agentes nocivos do meio em que se inserem.

Canguilhem baseou-se no dicionário francês de Medicina e no vocabulário técnico

e crítico da Filosofia para construir sua definição de estado de saúde. Desses

estudos resultaram duas abordagens: a primeira é proveniente da literatura

médica. Por esta, o conceito de normal tem relação com “normalis, de norma,

regra, que é conforme a regra, regular” (CANGUILHEM, 2000, p. 95). A segunda

abordagem é filosófica, por ela normal seria: “aquilo que não se inclina nem para

a esquerda nem para a direita, portanto, o que se conserva num justo meio-termo”

(CANGUILHEM, 2000, p. 95). Em resumo, para a Medicina o estado de saúde se

relaciona a uma norma biológica, enquanto que para a Filosofia o estado de

saúde seria um ponto de equilíbrio.

Tendo em vista esses dois enfoques de saúde, Canguilhem (2000) confronta o

conceito da Medicina com o da Filosofia. O primeiro atribui o “ser normal” ao

estado ideal e habitual dos órgãos, ao que deve ser restabelecido, ao objetivo das

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práticas da Medicina, que seria reconduzir à normalidade. O segundo, ao abordar

o tema amparado pela visão filosófica, indica que o normal é mais do que um

estado, é um problema a ser elucidado, um fim a ser alcançado pelas

possibilidades terapêuticas a partir da individualidade do doente (CANGUILHEM,

2000).

Em função dessa individualidade, há condições de se definir o que é ou não

normal, o que é ou não construir e ter saúde. Assim, pelas condições de saúde e

características desse indivíduo, os diferenciais para a atribuição de um estado de

normalidade serão estabelecidos. Para tal, não basta apenas analisar um estado

preestabelecido como ideal ou apenas as condições em que esse indivíduo se

insere, mas, sobretudo, é preciso comparar determinado quadro com um quadro

posterior adquirido (CANGUILHEM, 2000).

Tem-se um exemplo disso ao analisar o grau de miopia em dois indivíduos em

espaços distintos. Para um trabalhador agrícola, essa miopia pode representar

uma situação completamente normal, enquanto que para um piloto de avião esse

mesmo grau de miopia é avaliado como desvio do padrão de normalidade, logo,

anormal (CANGUILHEM, 2000).

Baseado nesse exemplo, pode-se compreender que situações de trabalho citadas

como motivo de adoecimento para um professor não passam de uma situação

cotidiana sem muitas implicações para outro. Os “professores saudáveis”, mesmo

expostos aos mesmos fatores de risco que os demais colegas afastados20, não

sofrem as mesmas implicações que estes. Ressalta-se aqui o caráter subjetivo e

interpretativo com que cada sujeito enfrenta as situações problemáticas no

ambiente de trabalho e como as respostas elaboradas dependem de cada

trabalhador, de sua singularidade, dos saberes produzidos por ele para arbitrar e

decidir em cada fato que vivencia (CANGUILHEM, 2000; SANTOS, 2000a).

20 A escola-1, unidade empírica da pesquisa, possui 23 professores efetivos e apenas dois destes foram incluídos na amostra como “professores saudáveis”. Este resultado significa que menos de 10% dos docentes não foram afastados de suas atividades por motivo de doença no trabalho.

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Canguilhem (2000) reconhece que um determinado indivíduo pode estar apto aos

deveres comuns ao meio que lhe é próprio em determinadas condições, enquanto

que para outro essas mesmas condições seriam inadequadas. Para Coelho e

Almeida Filho (1999, p. 31), “ao mesmo tempo em que um indivíduo resiste a um

estímulo considerado mais forte, outro pode sucumbir”. Destaca-se que pode

haver respostas completamente opostas advindas de um mesmo grupo

socioeconômico cultural, provocadas por um mesmo fator. Isso se reafirma

quanto aos “professores saudáveis”, visto que este grupo possui capacidade de

adaptação diferenciada diante dos “dramas” do cotidiano.

Segundo Canguilhem (2000, p. 109), “o homem normal é o homem normativo, o

ser capaz de instituir novas formas, mesmo orgânicas”. Esse homem normal

reage aos estressores do meio, busca soluções, não é vítima apenas dos

agressores do meio, é um agente transformador. A maneira com que o homem

interpreta, arbitra e se posiciona diante das infidelidades do meio é o que pode

deslocá-lo da posição de normal para patológico ou de saudável para doente.

Ressalta-se apenas a questão de que os dois estados são posicionados como

normas, mas no caso da doença uma norma diferente e inferior. Pode-se dizer

que a diferença entre os “professores saudáveis” e os professores afastados por

motivo de doença está na maior capacidade normativa dos “professores

saudáveis”, que criam estratégias de enfrentamento dos problemas vividos,

mantendo-se, por essa razão, saudáveis. Entretanto, é importante enfatizar que,

analisado pela abordagem da “filosofia das normas”, os dois grupos de docentes,

os “professores saudáveis” e os demais docentes afastados de suas ocupações

por doenças do trabalho são considerados normais, pois saúde e doença são

normas. O que é diferenciado nesses dois objetos é que a doença é uma norma

inferior se comparada à saúde.

De acordo com Canguilhem (2000, p. 145), a linha que separa essas duas

possibilidades “é imprecisa para diversos indivíduos considerados

simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo indivíduo

considerado sucessivamente”. Deve-se, por isso, medir o sentido de normalidade

de um indivíduo ao lançar o foco de análise em suas peculiaridades. Assim, é

importante evitar comparações e relações com a média de um grupo de

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indivíduos ou de um ser com outro. A normalidade deve ser analisada no

indivíduo em comparação com ele próprio.

Um exemplo pode ser ilustrado pelo número de contrações cardíacas por minuto

próprias de um maratonista profissional. O coração desse atleta perfaz, em

média, 40 batimentos por minuto em repouso e para ele isso constitui um perfeito

estado de saúde. Resguardada a mesma faixa etária e o mesmo estado de

repouso para a medição, seria preocupante se esse coeficiente se alterasse muito

acima do nível tradicional para esse mesmo indivíduo. Esse fato poderia ser

indício de funcionamento inadequado do coração, ou seja, um estado patogênico.

Da mesma forma, ao se transferir esse coeficiente como referência de

normalidade para um indivíduo sedentário, igualmente será identificado como

doença. A norma, portanto, não é a única referência para se definir um estado

patológico. Faz-se necessário observar a reação individual a determinado

estímulo para tentar caracterizá-lo. No ambiente escolar, pode-se entender que a

normalidade seria a manutenção de um determinado estado de conduta e reação

frente a infidelidades do meio (CANGUILHEM, 2000).

Um exemplo desse tipo de reação seria o procedimento do docente frente a uma

atitude de indisciplina. Deparado, por exemplo, com assédio moral, o docente

sabe comumente como proceder e sua reação é semelhante em todas as

ocasiões. Sendo assim, o estado patológico se configuraria a partir do momento

em que o docente não consegue mais reagir da mesma forma diante dessa

situação. Isso significa que ele se tornou incapaz de reagir, de modificar e

transformar esse acontecimento, devido a um desvio de suas condições

subjetivas. Sua conduta passa a ser diferente e gera consequências em sua

saúde, conduzindo a um estado patogênico. De acordo com Canguilhem (2000, p.

146):

O estado patológico ou anormal não é consequência da ausência de qualquer norma. A doença é ainda uma norma de vida, mas é uma norma inferior, no sentido que não tolera nenhum desvio das condições em que é válida, por ser incapaz de se transformar em outra norma. O ser vivo doente está normalizado em condições bem definidas e perdeu a capacidade normativa, a capacidade de instituir normas diferentes em condições diferentes.

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Tendo em vista essas considerações, a vida possui uma polaridade dinâmica e

existem dois fenômenos inseridos nela: o estado de saúde e o estado de doença.

A partir dessa lógica, duas ciências se encarregam das discussões desses

quadros. A primeira refere-se à fisiologia, que aborda o objeto saúde, e a segunda

destina-se à patologia, cujo objeto de estudo é a doença.

A interpretação de Coelho e Almeida Filho (1999, p. 19) sobre a análise de

Canguilhem (2000) indica que não é a ausência de normalidade que configura o

anormal, ou seja, o patogênico também seria normal, pois viver inclui ficar doente.

A doença e a saúde, o normal e o patogênico são fenômenos de um mesmo

contingente: a vida e sua manifestação.

Para Canguilhem (2000, p. 160), “estar em boa saúde é poder cair doente e se

recuperar; é um luxo biológico”. Nouroudine (2004, p 58) concorda com a

proximidade entre essas dimensões, afirmando que “o homem normal é aquele

que não o é, visto que ele tem mais poder de adaptabilidade e que o homem com

boa saúde é aquele que é capaz de sobreviver à doença”. Segundo Neves,

Athayde e Muniz (2004, p. 305-306), saúde: “não é um estado ideal, não é algo

estático, mas sim algo que se altera permanentemente [...] é, antes de tudo, uma

sucessão de compromissos que as pessoas assumem com a realidade, que se

altera, se reconquista, se (re)define a cada momento.

Por fim, pode-se dizer que “ser sadio significa não apenas ser normal numa

situação determinada, mas ser, também, normativo nessa situação e em outras

situações eventuais” (CANGUILHEM 2000, p. 145). A doença, assim como a

saúde, também é uma espécie de norma biológica. Em função dessa análise,

pode-se afirmar que o estado patológico não é um estado anormal no sentido

absoluto, mas anormal apenas na relação a determinado contexto, em uma

situação determinada.

A construção de Canguilhem (2000) traz importante contribuição para a

compreensão do fenômeno dos “professores saudáveis”, pois, segundo o autor,

não é o meio que produz o adoecimento ou a manutenção da saúde, mas sim as

condições do indivíduo examinado e sua capacidade normativa. Partindo desse

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pressuposto, pode-se afirmar que “os professores saudáveis” possuem mais

capacidade singular de renormalizar, são mais normativos, o que constituiria uma

característica subjetiva desse grupo. Essa subjetividade influenciadora dos

processos de renormalização e construção de estratégias de enfrentamento para

manutenção da saúde construídas pelos “professores saudáveis” será analisada

no próximo item deste capítulo, por meio das categorias de análise sujeito e

subjetividade, inerentes à capacidade de renormalização desenvolvida pelos

trabalhadores no constante debate de normas com o qual deparam no dia-a-dia

da atividade. São definidoras dos processos de busca e construção de saúde e

influenciam as reações dos indivíduos frente a cada infidelidade do meio e o vazio

de normas com os quais deparam.

4.2 Subjetividade e sujeito

De acordo com Bernardes (2007), o uso do conceito de subjetividade, no campo

da Psicologia, no Brasil, começa a ganhar visibilidade a partir dos anos de 1970.

Nas últimas décadas, esse conceito incorpora uma perspectiva sócio-histórica,

que possibilita a releitura da concepção de normal e patogênico vigente no campo

das psicologias, que se sustenta na ideia de normal como o padrão a ser atingido.

Essa releitura apoia-se nas análises de Canguilhem (2000), aproximando a ideia

de normal da expressão da singularidade humana, valorizando a manifestação da

diferença que revela a subjetividade (BERNARDES, 2007, p. 47).

Analisar o conceito de subjetividade torna necessário um novo posicionamento do

conceito de normal, que anteriormente interpunha o diferente como algo

patológico. As contribuições de Georges Canguilhem (2000) vêm dar sustentação

à ideia da normalização como um processo inerente à relação saúde-doença.

Sendo assim, para a compreensão do conceito de subjetividade no que diz

respeito às análises relativas ao campo da saúde e doença, faz-se necessário

compreender sua relação com o conceito de normal e patológico, a partir de

Canguilhem.

A compreensão do processo saúde-doença está muito além de fatos, valores que

permitem o surgimento do adoecimento (CANGUILHEM, 2000, apud

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BERNARDES, 2007). Nessa abordagem marcada pelo viés filosófico, o

patogênico seria uma condição transitória, cuja reversão dependeria da

capacidade normativa desse indivíduo. O foco da solução desse estado de

doença estaria no próprio indivíduo, em suas características subjetivas.

Ao transportar essa discussão sobre normalidade e anormalidade para a esfera

do trabalho, percebe-se um deslocamento presente nos novos modos de

organizar e gerir a produção, a partir dos anos 1970, que transita da valorização

da uniformidade para a valorização da diferença, que passa da massificação para

a individualização do trabalhador. Essa mudança na forma de produzir lança foco

sobre a subjetividade do trabalhador e, consequentemente, sobre o conceito de

subjetividade que ganha grande visibilidade nas discussões sobre saúde. A

produção individual do trabalhador está diretamente influenciada por sua

subjetividade e esta, por conseguinte, pelo mundo do trabalho (BERNARDES,

2007; SANTOS, 2004).

A subjetividade, assim, é tomada como produto do que o trabalhador é,

constituição pautada em experiências constantes, mutáveis e imprevisíveis.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 25):

A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, do outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social. Esta síntese – a subjetividade – é o mundo de ideias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais.

Reconhecer a dimensão subjetiva no trabalho desloca o trabalhador de um

simples executor para agente de transformação e gestão do seu trabalho. Para

Trinquet (2010), nessa gestão está a origem do que os psicólogos do trabalho

chamam de subjetividade do/no trabalho. Schwartz (2007) defende a ideia

segundo a qual essa subjetividade estaria impregnada na dimensão do “corpo si”,

na dimensão da singularidade e da particularidade do ser.

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Assim, o conceito de subjetividade é utilizado para contribuir na discussão sobre o

não adoecimento no trabalho docente e justifica, em parte, a ação de educadores

e educadoras nas ações singulares incorporadas por seu poder de criação

subjetivo. A subjetividade na atividade docente se materializa na busca, em seus

atos ininterruptos, de posicionar-se diante das infidelidades do meio, do vazio de

normas e das prescrições que os circundam, pois esta é sua essência. Adequar-

se, debater as normas que saturam o meio por intermédio de atos típicos da

natureza humana é uma característica do trabalhador em atividade (SCHWARTZ,

2007). O indivíduo está em constante movimento nas dimensões produtiva e

intelectual. Ele não é inflexível nem rígido, pois reage, vive, se posiciona.

A subjetividade do indivíduo é desvendada pelo prisma do conceito de sujeito,

que é conduzido a transformar e retransformar sua realidade de trabalho de

maneira particular. Schwartz (2000) afirma que o trabalho se transforma sempre e

é por esse encontro entre o trabalho e o sujeito singular, repleto de subjetividade,

que se produzem os processos de renormalização. Finger (s.d, p. 47) aduz:

Os sujeitos estão sempre em movimento, são sempre os mesmos, mas, ao mesmo tempo, são sempre outros. E nesse lugar (do mesmo e do diferente) manifesta-se a identidade, um lugar em que se busca uma completude imaginária, uma unicidade que é inexistente, falsa, pois há uma multiplicidade de possibilidades de atribuição de significados a esse sujeito. Na verdade, o sujeito é descentrado, constituído de fragmentos de pequenas unidades fraturadas, esfaceladas, que formam um aparente tecido homogêneo.

Cada docente é dotado de singularidade. A sua identidade se ampara nessa

singularidade e remete à sua subjetividade, que se forma ao longo do desenrolar

das suas experiências, das escolhas, dos dramas que enfrenta durante sua

trajetória e que permite sua ressignificação.

De acordo com Bernardes (2007), o sujeito não se encontra preso em uma

identidade fixa. O sujeito se estabelece em relações sociais vividas e a se

vivenciar, conjecturadas na igualdade e na diferença, que se insere tanto no

individual quanto no coletivo. O individual se revela no coletivo e sua integralidade

é singularizada em uma construção que é composta de trajetórias de vida, ações

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e cenários únicos em que o docente é produtor e inevitavelmente produto do

meio.

Na relação entre o sujeito e o trabalho, este transforma a si e ao contexto no qual

se insere. Não há como dissociar esse movimento, permanecer inalterável ou

deixar de transformar-se. Essas são condições inerentes à construção desse

sujeito, que sempre está envolvido em um âmbito histórico e social

(BERNARDES, 2007).

A subjetividade ou “corpo si”, conforme nomeia Yves Schwartz, define a ideia do

que é singular e individual. As emoções, as experiências, as motivações, as

escolhas, os valores, a ética do vivido e do que se viverá, as influências do meio,

os aportes culturais, históricos e sociais irão refletir em um corpo, em um ser

biológico, em um ser em atividade, sujeitos singulares (BERNARDES, 2007;

SCHWARTZ, 2007).

A atividade docente sofre interferência da subjetividade, que conduz o trabalhador

a utilizar sua imaginação criadora, seu poder interpretativo, suas aptidões, seus

saberes, para agir de outra forma. Essa subjetividade atribui para cada ação um

sentido que é único e incomparável. Esse processo não acontece sem ser

influenciado por suas experiências, afetividade, trajetória profissional, história de

vida. Dessa forma, o trabalhador é conduzido ao debate de normas que o

convoca a fazer escolhas, ao retrabalho e às renormalizações (SCHWARTZ,

2000). As renormalizações cooperam para a “construção do sujeito”, por meio de

investimentos pessoais em busca de oportunidades, de conquista de seus

objetivos profissionais, de constituição de sua identidade mutante, fazendo da sua

trajetória um processo dinâmico e contínuo.

4.3 Saúde, trabalho e subjetividade: enfoques da psicopatologia

Pensar as dimensões saúde, trabalho e subjetividade é ser obrigado a fazer

dialogar três mundos repletos de particularidades que são dominados por

relações estreitas e ainda não totalmente desbravadas. Os trabalhadores

desenvolvem, inevitavelmente, ao longo de suas experiências no trabalho,

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diversas reações, sentimentos antagônicos que geram ora prazer, ora

sofrimentos. Esses sofrimentos podem conduzir ao adoecimento docente se os

trabalhadores não conseguirem mobilizar sua subjetividade, ser renormativos

diante das infidelidades do meio e do vazio de normas e saber resolver ou

enfrentar os problemas oriundos do trabalho docente.

Conforme apresentado anteriormente, as condições de trabalho, fatores de risco,

infidelidades do meio, vazio de normas, cobrança de produtividade, entre outros,

têm produzido desdobramentos para a saúde do trabalhador. O confronto entre o

ser que trabalha e a realidade desse trabalho produz escolhas e o exercício

contínuo de sua subjetividade. O resultado dessas escolhas o conduz a pendular

entre a manutenção da saúde e a possibilidade de adoecer e ter sofrimento

(BERNARDES, 2007; CANGUILHEM, 2000; DEJOURS; JAYET, 2007a).

Em meados de 1970, o sofrimento no trabalho foi objeto de estudo de uma linha

de pensamento originada na Psicologia do trabalho, conhecida por psicopatologia

do trabalho, desenvolvida pelo médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista

francês, Christophe Dejours. Seus estudos centraram-se na compreensão dos

motivos produtores do sofrimento no trabalho. A apresentação da psicopatologia

do trabalho nesta dissertação cumpre o objetivo de trazer para discussão um

outro ponto de vista, além daquele da ergologia, sobre sofrimento e saúde no

trabalho. Destaca-se, entretanto, que entre as duas abordagens há elementos

divergentes.

Dejours e Jayet (2007b, p. 120) entendem que a psicopatologia do trabalho busca

uma “análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do

sujeito com a realidade do trabalho”. Para esses autores, é nesse confronto que

emerge o conflitante e dinâmico encontro entre um trabalhador que detém uma

história pessoal preexistente e uma situação de trabalho que independe do seu

desejo. As situações de trabalho são únicas, como única também é a história de

vida do trabalhador; e esse encontro seria marcado por conflitos produtores da

perda da saúde.

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A perda da saúde ou sua construção tem, aqui, um mediador: o trabalho. No

encontro realizado entre o trabalhador e o trabalho, ambos se modificam, em uma

via de mão dupla. O trabalho sempre é realizado de maneira diferente pelo

trabalhador, pois jamais uma atividade é realizada da mesma forma

(SCHWARTZ, 2000). O trabalhador, por sua vez, é confrontado e nesse confronto

pode ter reações de satisfação e dor, pode adoecer e ser agente de manutenção

e construção de sua saúde. Constitui-se como indivíduo no contato com vários

tipos de elementos que interferem no seu corpo e, consequentemente, em sua

atividade (DEJOURS; JAYET, 2007a; OLIVEIRA, 2005; SCHWARTZ, 2000). Para

a psicopatologia do trabalho, elementos técnicos, físicos e cognitivos interagem

com o trabalho e este está sempre condicionado a uma abordagem subjetiva que

produz modificação em ambos (trabalho e sujeito). O sujeito tem o poder de

moldar, esculpir, remodelar e ajustar o trabalho. Segundo Dejours e Jayet (2007b,

p. 140):

[...] o homem é virtualmente um sujeito, e um sujeito pensante. Ele não é um joguete passivo das pressões organizacionais [...] o sujeito pensa sua relação com o trabalho, produz interpretações de sua situação e de suas condições, socializa essas últimas em atos intersubjetivos, reage e organiza-se mentalmente, afetiva e fisicamente, em função de suas interpretações, age, enfim sobre o próprio processo de trabalho e traz uma contribuição à construção e evolução das relações sociais de trabalho.

De acordo com Campos (2000b), esse processo contínuo de interação entre

sujeito e trabalho produz contradições que geram momentos de prazer e

momentos de sofrimento. Esses sentimentos têm origem nas relações de trabalho

e produzem espaço para construção de estratégias, de resistências individuais e

coletivas, construídas pelos trabalhadores, para o não adoecimento. De acordo

com Dejours e Jayet (2007b, p. 122), a psicopatologia busca:

Sobretudo, tematizar o sofrimento no trabalho e as defesas contra a doença. Um modelo no qual os trabalhadores permanecem, sejam quais forem as circunstâncias, sujeitos de seu trabalho, pensam sobre sua situação e organizam sua conduta, seu comportamento e seu discurso, com uma coerência fundada na compreensão que se supõe que eles tenham da condição que seu estado traz do trabalho.

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Pode-se afirmar que todo trabalhador é capaz de reagir e estabelecer reações de

defesa de forma única e subjetiva. Entre as situações de trabalho e uma doença,

por exemplo, esse trabalhador está apto a interpretar o que o rodeia, a intervir e a

defender-se. Mas ressalta-se que essa reação é singular e influenciada pela

história pregressa do trabalhador (CANGUILHEM, 2000; SANTOS, 2000a).

Após o encontro entre o trabalhador e o trabalho, o sujeito poderá se modificar e a

realidade de trabalho correrá o risco de receber os efeitos da subjetividade do

trabalhador (DEJOURS; JAYET, 2007a). No âmbito escolar, um exemplo dessa

modificação pode ser indicado pelas alterações que um docente faz em um

projeto que é encaminhado à escola pelos gestores externos, como a Secretaria

Municipal de Educação. Se esse projeto apresenta uma abordagem que não se

enquadra em sua disciplina, o docente pode fazer alterações nessa prescrição,

adequando-a ou fazendo cortes de acordo com a realidade de seus alunos e de

sua escola. De outra forma, ele também pode tornar-se insatisfeito com a norma

prescrita, por exemplo, um projeto que lhe é imposto por um órgão diretivo. A não

participação no processo de construção desse projeto pode gerar

descontentamento e, como dito anteriormente, ambiente propício para o debate

de normas e consequente processo de construção de renormalizações

(SCHWARTZ, 2000).

Entretanto, Schwartz (2007) revela que essa modificação sempre ocorrerá devido

ao caráter mutável do trabalho e à capacidade constante de adaptação do

trabalhador nesse encontro com um meio repleto de normas e decisões a tomar.

Essas decisões e escolhas necessariamente sofrerão e receberão impacto do

caráter subjetivo inerente a cada trabalhador, com a intercessão entre o que vem

da dimensão biológica, da dimensão ética e de sua inserção social no panorama

histórico. Neste ponto registra-se divergência entre a posição da psicopatologia e

a abordagem ergológica. Para a psicopatologia, no encontro entre o trabalhador e

o trabalho, o sujeito poderá modificar a realidade do trabalho e influenciá-lo por

sua subjetividade. Em contrapartida, o referencial ergológico indica que sempre

haverá modificação, pois, tanto o trabalho é mutável como o trabalhador

constantemente se adapta. Entende-se que sempre haverá esse aspecto mutável

na relação entre trabalhador e trabalho.

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De acordo com Bernardes (2007), além da dimensão biológica, coexistem fatores

sócio-históricos que influenciarão essa subjetividade e, por consequência, as

ações singulares desse trabalhador. Portanto, a carga genética e a história de

vida, que na psicopatologia seriam fatores condicionantes para influenciar a

subjetividade, na análise de Bernardes (2007) são influenciadas por outros

elementos como emoções, experiências e valores que são adquiridos e vividos ao

longo da vida em um determinado contexto histórico, e não restritos apenas à

lógica do genótipo.

Nota-se que a subjetividade não é só um reflexo do caráter biológico típico da

individualidade hominal, mas um produto inequívoco de suas vivências, do

experimentado, dos atos contínuos de cada ser. Nessas ações contínuas o

trabalhador usa seus recursos subjetivos, sua história de vida no passado, no

presente, seus projetos futuros para enfrentar as exigências do trabalho. Esses

recursos convivem com os seus saberes, que darão sentido ao trabalho que ele

realiza (SANTOS, 1997).

Essas exigências vão se acumulando em sua trajetória de trabalho. Na atividade

docente não é diferente. Os professores sofrem com as exigências que podem ir

se acumulando ao longo do tempo e desencadeiam problemas de diversas

ordens, como se apreende neste depoimento:

Eu tenho uma colega que está com 21 anos de estado, ela tira licença direto e psiquiatra nenhum questiona. Você vê seu colega totalmente alterado, você até percebe quando ele está ficando alterado, ele começa com o aumento do tom de voz, esquece o material. Qualquer coisa que acontece começa a chorar. Este é o preço pago para chegar a 21 anos de carreira, você vê que a pessoa não está realizada, pagou preço com o próprio corpo, não tem realização nem financeira nem profissional, que se sente totalmente frustrada e ali não tem como voltar atrás. Não tem como entrar no mercado de trabalho, não tem coragem. Não tem como trilhar o caminho de volta e fica numa situação terrível e ali adoece mesmo. Eu tenho uma colega que tinha 25 anos de trabalho, mas ela tirou tantas licenças que esses dias estavam fazendo falta para aposentadoria porque faltavam dias para aposentar (PROFESSORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão):

Percebe-se, assim, que o acúmulo das situações de desgaste, ao longo dos anos,

pode provocar alto preço à saúde dos docentes. Segundo esse relato, a

aposentadoria estava sendo atrasada. Em virtude deste fato, a contribuinte tem

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paralisado a contagem dos dias trabalhados. Ressalta-se aqui o caráter

contraditório dessa situação. O prejuízo para o trabalhador foi duplo: ocorreu

pelos danos à sua saúde e pela perda do prazo de aposentadoria.

Baseado em Codo (2006), Nouroudine (2004) e Wisner (1994), observa-se que as

condições de trabalho e os fatores de risco ambiental e humano podem conduzir

o trabalhador, ao longo de sua trajetória, a processos de envelhecimento,

desgaste físico e emocional (CODO, 2006).

No entanto, é pelo confronto entre o trabalhador e as normas antecedentes,

configurado pelo debate de normas, que os fatores ligados à dimensão subjetiva

dos professores se manifestarão na perspectiva de criar estratégias defensivas

para os estressores do ambiente de trabalho (BERNARDES, 2007; SCHWARTZ,

2007). Pela abordagem ergológica, influenciada pelo conceito de saúde proposto

por Canguilhem (2000), mesmo em situações adversas o indivíduo tem a

perspectiva de adaptar-se e criar caminhos alternativos para busca da saúde.

Os danos à saúde do trabalhador podem ser influenciados pelas condições de

trabalho, pela dimensão subjetiva do docente, por suas escolhas diante da

atividade que desempenha. Essas escolhas serão decisivas para que não se

estabeleça um quadro de adoecimento. Sendo assim, não se pode analisar uma

atividade de trabalho unicamente pela abordagem do sofrimento, mas,

efetivamente, pela capacidade de cada indivíduo em reagir e se adaptar às

normas do trabalho e criar estratégias para a manutenção da saúde. Por este

prisma percebe-se que a perspectiva da psicopatologia e o referencial ergológico

indicam horizontes opostos. A psicopatologia centra seu foco no trabalho como

promotor de doenças, enquanto a ergologia indica que esse mesmo objeto é

espaço propenso à construção da saúde.

Para a psicopatologia, em cada realidade o trabalhador reage ao sofrimento de

determinada forma. Dessa maneira, o sofrimento possui uma dimensão dinâmica

e implica uma série de procedimentos de regulação, sendo concebido pela

psicopatologia como “vivência subjetiva”, em que o sujeito:

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[...] é conduzido a um estado de luta contra as forças da organização do trabalho que o empurram em direção à doença [...] o sofrimento é apresentado como “sofrimento patológico”: a saber, o sofrimento que emerge quando todas as possibilidades de adaptação ou de ajustamento [...] foram utilizadas (DEJOURS; JAYET, 2007b, p. 127).

Nota-se outra divergência entre a psicopatologia e a abordagem ergológica.

Enquanto a psicopatologia afirma que o estado de luta do trabalhador diante do

seu trabalho conduzirá à doença, a abordagem ergológica enfatiza que o encontro

desse trabalhador com as normas que saturam o meio proporcionará a

renormalização e a busca e construção da saúde na realização da atividade do

trabalho. Como se pode ver, é necessário o devido cuidado para abordar a saúde

no trabalho, pois este tema é abordado por óticas distintas. Por um lado, o

trabalho gera sofrimento, por outro lado, o trabalho pode construir e manter a

saúde.

A abordagem escolhida neste estudo se ampara na ergologia que enfatiza a

busca pela saúde por meio das ações do trabalhador. Analisada por esse prima, a

busca pela saúde está mais próxima das “mãos” do trabalhador. O trabalhador é

um agente ativo nos processos em que está envolvido e não apenas vítima das

condições de trabalho e fatores de risco do ambiente. Nesses dois casos o

trabalhador pode buscar soluções e minimizar seus impactos, pois o poder de

criar saídas lhe é inato.

Segundo Schwartz (2000), no tocante à busca da saúde, as ações singulares, o

debate de normas, o renormalizar de cada trabalhador são produtos de seu poder

criativo para combater as infidelidades do meio. O sofrimento ocorre quando o

trabalhador perde sua capacidade de adaptação ao trabalho. Esse sofrimento

suscita estratégias defensivas, modos de transformação da realidade, nos quais

os trabalhadores não são apenas vítimas, mas provocados ao desafio de

minimizar as pressões que os cercam. Minimizar essas pressões remete ao

sujeito singular, que porta uma história. Cada indivíduo vive essa história em sua

particularidade e de forma nenhuma esta será a mesma de um sujeito para outro.

Para a psicopatologia, o sofrimento é provocado pelas pressões do meio. E para

a ergologia, essas pressões, configuradas pelas normas antecedentes,

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infidelidades do meio e vazio de normas, são mobilizadoras dos processos de

renormalização que visam à construção da saúde e aos sentimentos de prazer na

atividade. Portanto, os sentimentos de prazer e o sofrimento são vivências

subjetivas, experiências individuais de cada trabalhador, que resultam em

dimensões, intensidades e desdobramentos singulares. As estratégias defensivas

são chamadas a minimizar as pressões, a possibilitar a continuidade do trabalho e

a estabilizar as reações subjetivas em relação ao trabalho (SCHWARTZ, 2000).

É nessa direção que os depoimentos dos entrevistados serão analisados, tendo

em vista os objetivos da pesquisa. Importante ressaltar que a ergologia,

diferentemente da psicopatologia, prevê a participação efetiva dos trabalhadores

na produção de conhecimento sobre o trabalho21.

Percebe-se que existem pontos divergentes entre as concepções da ergologia e

da psicopatologia do trabalho. Para a psicopatologia, o trabalho é fonte de

sofrimento e desgastes físicos, enquanto que para a ergologia é espaço de

construção e busca pela saúde. O referencial ergológico orienta a discussão

sobre trabalho-saúde sob o ponto de vista de duas ou mais ciências,

diferentemente da psicopatologia, que não acolhe essa perspectiva. Na

psicopatologia, o sofrimento é influenciado pelos fatores ambientais e condições

de trabalho; para a ergologia estes podem ser modificados pelas ações dos

trabalhadores. Para a ergologia, a dimensão subjetiva carrega aspectos como

emoções, vivências, escolhas, a história de vida e as crenças do trabalhador e

estes seriam influenciadores diretos da busca pela saúde, enquanto que para a

psicopatologia o caráter genético influenciari esse processo.

Registra-se que o referencial ergológico traz elementos multidisciplinares que

fundamentam a análise da atividade do trabalho como atividade humana. Essa

atividade humana incorpora o elemento criativo e singular de cada trabalhador em

seus atos mínimos. Por meio dessas ações únicas o trabalhador tem em suas

“mãos” o poder de mudar aquilo que não lhe convém, de escolher como fazer, de

ser agente transformador e, a partir daí, modificar o meio que o circunda para sua

satisfação, prazer e, consequentemente, promoção da saúde. 21 Rever o dispositivo dinâmico a três polos, no capítulo terceiro.

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4.4 As estratégias criadas para a construção da saúde docente

Ao longo deste capítulo, foi salientada a inerente reação do trabalhador diante das

inadequadas condições de trabalho e seu potencial de recriar normas e

estratégias de defesa para a construção e manutenção da saúde (CANGUILHEM,

2000; NOUROUDINE, 2004; SCHWARTZ, 2000).

A abordagem que se inicia nesta seção tem como finalidade apresentar estudos

que, mesmo não orientados pela ergologia, identifiquem estratégias despendidas

pelos trabalhadores frente às infidelidades do meio. Essas estratégias são

derivadas da tensão e do encontro entre um ser criativo, que possui valores,

crenças e trabalho impregnado de prescrições. Os valores daqueles que

trabalham influenciam a gestão da atividade no interior das microdecisões. Estas

interferem no curso dessa gestão, promovendo o debate de normas, que

modificará a realização da atividade apoiado na capacidade de ação de cada

indivíduo para a promoção da saúde (SCHWARTZ, 2007).

A promoção da saúde acontece em um ambiente em que a atividade do trabalho

se dá em um meio repleto de normas de vida, no qual ocorre debate de normas

manifestado no plano individual e coletivo. Esse debate pode conduzir a

sofrimento sob a forma de doença ou, mais efetivamente, proporcionar o

enfrentamento desta por meio de dinâmicas de defesa arraigadas nas situações

de trabalho (SELIGMANN-SILVA, 2007).

A ergologia defende que o poder criativo de cada sujeito frente às reconfigurações

do meio é estratégia relevante para buscar saídas para situações inconvenientes

na atividade docente, tais como o adoecimento e luta pela saúde. Para Neves,

Athayde e Muniz (2004), na discussão sobre saúde deve-se analisar um ser vivo

que continuamente busca em si próprio mobilizar forças, produzir energias

essenciais para que sua inteligência possa enfrentar as pressões e as exigências

do trabalho, bem como produzir estratégias de defesa frente aos problemas

enfrentados.

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Esteve (1999, p. 78) apresenta algumas estratégias defensivas encontradas em

seus estudos como mecanismos de defesa e alívio de tensão: esquemas de

inibição usados para não se implicar pessoalmente com o trabalho; solicitação de

remoção de unidade para fugir de conflitos; desejo de abandonar a carreira; e

absenteísmo. Para o autor, esses fatos são relacionados à busca pela saúde.

Entretanto, para a ergologia, a utilização desses recursos se dá quando todas as

possibilidades para enfrentar e se adaptar aos fatores de risco, às más-condições

de trabalho e às infidelidades do meio se esgotaram (NOUROUDINE, 2004;

SCHWARTZ, 2000).

Nota-se nesta discussão divergência entre o que afirma Esteve (1999) e o que

indica a ergologia. Para o autor, as estratégias de defesa têm caráter de

desistência, desejo de abandonar a profissão. Em contrapartida, a ergologia

reconhece a renormalização como uma reação criativa, um desejo de reverter um

quadro desfavorável e direcionar o foco para a busca pela saúde.

De acordo com Canguilhem (2000), as estratégias de defesa e enfrentamento se

manifestam em um mundo que é um espaço de acidentes possíveis e

imprevisíveis em que as infidelidades são inerentes. Portanto, jamais se estará

completamente preparado para o porvir, mas a natureza humana se encarrega de

conduzir esse sujeito ao ponto de fusão das soluções e configuração de

mecanismos de reação na tentativa de manter-se saudável.

De acordo com Esteve (1999), faltar ao trabalho é um mecanismo de reação, uma

estratégia de defesa criada pelos docentes para não adoecer. O absenteísmo se

apresenta como recurso para diminuir a pressão da atividade docente e:

[...] buscar um alívio que permita ao professor escapar momentaneamente das tensões acumuladas em seu trabalho. Recorre-se, então, aos pedidos de licença trabalhistas ou, simplesmente, à ausência do estabelecimento escolar por períodos curtos, que exigem não mais do que uma justificativa (ESTEVE, 1999, p. 63).

Não se discorda de Esteve (1999) quanto à existência da manifestação desse tipo

de reação de enfrentamento, mas é fundamental ressaltar que esse autor fala de

lugar diferente daquele da ergologia. Enquanto a discussão de Esteve (1999)

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indica tendência a enfatizar os agravos à saúde e à doença, o referencial

ergológico destaca a busca pela saúde.

Neves e Silva (2006, p. 70) encontraram indícios de absenteísmo em pesquisa

realizada com professores de ensino primário da rede pública de João Pessoa-

PB. As docentes relataram que “faltam para não faltar”. Entende-se que esse

recurso de enfrentamento é utilizado pelas professoras para amenizar o desgaste

da atividade de trabalho. Para tal, ausentam-se das atividades docentes por

curtos espaços de tempo. Essa ausência é mecanismo constituído para evitar o

adoecimento e os afastamentos por períodos mais longos. No caso desta

dissertação, essa estratégia de enfrentamento pode ser ilustrada pelo depoimento

da Professora-P6 (escola-2, 19 anos de profissão), que sinaliza que faltar, em

alguns períodos do ano, aumenta seu nível de motivação para o trabalho no dia

seguinte:

Quando levanto, estou motivada para aquilo! Porque o dia em que eu não estiver, eu não saio de casa! O dia em que eu não estiver a fim de trabalhar, eu não vou! Eu uso isto como estratégia. Se eu estou cansada, eu não vou! Eu assumo a minha falta! Eu não vou! No dia em que você não está bem, não adianta! Você não vai conseguir trabalhar! Geralmente isto acontece no final do ano. O final do ano é muito estressante! Novembro é o mês que você pede para ficar em casa! Eu já usei essa estratégia, fico em casa e não pego nada de escola! Eu ligo, aviso e digo: pode cortar meu ponto! Eu conheço outros colegas que fazem isso! Eu converso com outros colegas que dizem: ontem eu simplesmente não quis vir! Como o estado tem aquele salário maravilhoso (ironizou), as pessoas dizem: eu ganho muito mais ficando em casa do que vir para cá! Aí eu me motivo para o dia seguinte. A sala de aula, hoje, se você não está bem, não vá! Você vai se estressar, você vai brigar com o aluno, você vai brigar com o colega, você vai brigar com a direção da escola e não compensa, assume a falta, não tinha condição de vir e não vim! Vai fazer outra coisa menos pensar em escola!

Fica claro nesse depoimento que a docente, em seus 19 anos de magistério,

fomentou uma estratégia para alívio do estresse. Essa atitude lhe permite

minimizar o cansaço, o desgaste físico e mental, além de criar estado de

motivação para o dia seguinte. Nos achados de Neves e Silva (2006), apura-se

que a criação de estratégias de enfrentamento para as dificuldades do trabalho é

construída diariamente:

Em meio aos diferentes modelos de exercício da docência, encontramos professoras que, mesmo com todos os obstáculos já referidos, exercitam

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diariamente novas formas de lidar com os limites e as dificuldades de seu trabalho – afinal, a cada jornada, elas têm que encontrar modos de regulação que deem conta da variabilidade inerente à sua atividade (NEVES; SILVA, 2006, p. 71).

Outros dados importantes foram obtidos por meio de pesquisa realizada por

Gomes (2002) com professores da rede pública, no Rio de Janeiro. Tal pesquisa

indicou esses mesmos procedimentos construídos individualmente por cada

trabalhador ao promover suas estratégias para vencer as dificuldades do dia-a-

dia, operando mecanismos para lidar com as infidelidades do meio. Como

exemplos das estratégias utilizadas por essa população, podem-se citar:

Praticar esportes e atividades físicas, como aula de dança, ginástica e caminhada; manter-se em movimento; participar do sindicato; ouvir música, dançar, ir ao cinema; dormir bem; tomar vitaminas para tentar repor o desgaste físico e mental; ler revistas interessantes; voltar-se a atividades religiosas; cuidar da casa; organizar os horários para poder ficar com os filhos alguma parte do dia; escolher trabalhar com turma considerada mais difícil pela parte da manhã deixando o turno da tarde para turmas mais tranquilas; preocupar-se com a alimentação ("ao menos três frutas por dia"); beber chá para relaxar e dormir; dialogar com os alunos; evitar atividades que agitem muito os alunos, tentando mantê-los sempre o mais calmo possível; sair para se aperfeiçoar (por meio de cursos como mestrado, doutorado) (GOMES, 2002, p. 104-105).

Os processos de renormalizacão, que se traduzem em atos de refazer, recriar,

reagir e readequar as atividades docentes, são ações que alimentam e

retroalimentam a construção da saúde docente. A luta diária para descobrir e

redescobrir o prazer e a alegria nas situações de trabalho é uma busca constante

de cada trabalhador. Ela pode se apresentar inconscientemente, executada como

um reflexo, como uma autodefesa, um ato não elaborado racionalmente, produto

de um contínuo debate de normas na construção da saúde e minimização do

adoecimento (SCHWARTZ, 2000; 2001; 2007).

Com seu foco em propostas que transcendem o saber do trabalhador para a

solução dos problemas que enfrenta, Esteve (1999) afirma que uma das ações

para potencializar o desempenho do professor seria melhorar a sua formação

inicial, que deveria focalizar o enfrentamento dos problemas reais da sala de aula,

com ênfase no aspecto relacional com os alunos. Essa ação se confirma na fala

do Professor, P-1:

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[...] no início, quando a gente começa, a gente toma um susto na sala de aula. Eu não esqueço a primeira vez que eu entrei em sala de aula. Eu pensei: meu Deus, está desse jeito!? [...] De início, a minha dificuldade maior era lidar com o aluno, eu tinha muita dificuldade de lidar com o aluno, de chamar atenção, eu estranhava o comportamento dos alunos, quando eu estudava na escola pública não era desse jeito (PROFESSOR, P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Entretanto, baseado no princípio das infidelidades do meio indicado pela

ergologia, torna-se impraticável antecipar o que pode acontecer na

imprevisibilidade dos acontecimentos no ambiente escolar. Apesar disto, Neves e

Silva (2006) concordam com Esteve (1999) ao afirmarem que os problemas na

relação professor-aluno podem dificultar o exercício do trabalho docente. Sabe-se

que a manutenção de um ambiente favorável é essencial para desenrolar o

processo de ensino-aprendizagem. Essa condição passa pelo controle da turma

que, por sua vez, se não for adquirido rapidamente, pode demandar ao professor

sobre-esforço e inevitável desgaste físico e mental (CODO, 2006; FREITAS;

CRUZ, 2008).

Comumente, relaciona-se esse bom controle de turma ao sucesso e eficácia

profissional. Manter a disciplina em sala de aula configura-se como aspecto

essencial para o bom desempenho docente. Esse desempenho tem sido

comprometido pelo acesso à sala de aula de professores em início de processo

de formação acadêmica. Cada vez mais, graduandos assumem postos de

trabalho no magistério. Com isso, pressupõe-se que a falta de experiência, de

conhecimentos que devem ser adquiridos na graduação seja fator que aumente o

estresse no trabalho docente.

Para Esteve (1999, p. 112), o resultado desse acesso é uma “implicação no

magistério mais frequente dos professores mais bem preparados e inibição mais

frequente dos professores com menos recursos para enfrentá-lo com êxito”. Essa

abordagem indica que a possibilidade de fracasso para professores iniciantes é

iminente e isto pode levá-los à desistência e a nocivo choque com a realidade que

produz desgaste físico e emocional. Para esse autor, o acesso prematuro à sala

de aula pode ser fator facilitador de desgastes e abandono da profissão.

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Em contrapartida, a ergologia aposta em outro ângulo de análise, que é a busca

por soluções para os problemas surgidos na imprevisibilidade do trabalho. Em

virtude das dificuldades apresentadas é que os docentes terão a oportunidade,

por suas escolhas (uso de si) e pelo debate de normas, de definir ações

propositivas de luta pela vida e pela saúde, independentemente do tempo de

formação docente ou da influência dos processos acadêmicos pelos quais

passou. Justifica-se essa posição pelo fato de não haver possibilidade de prever,

com já se disse, muitos dos acontecimentos de sala de aula que caracterizam a

imprevisibilidade inerente ao trabalho docente (SCHWARTZ, 2000).

Compreende-se que os problemas que envolvem a realização do trabalho

docente podem produzir reações como a inibição e o recurso à rotina. Mas,

reduzir as capacidades de reverter esse quadro de insatisfação por parte dos

trabalhadores é desvalorizar seu poder de reconfigurar o meio e mudar o seu

entorno. Entende-se que as saídas propostas pelo referencial ergológico

oferecem elementos que favorecem a perspectiva da busca por soluções para o

adoecimento docente. Os olhares pautados apenas na doença e nas ações que

posicionem o docente apenas como um produto do meio, amparado por boa

formação acadêmica e bom controle de turma, se distanciam do proposto pelo

referencial ergológico. Pelo estabelecido pela ergologia, a busca por soluções

incorpora os conhecimentos já instituídos e os conhecimentos dos trabalhadores,

ideia que dá origem à proposta de dispositivo a três polos, apresentada

anteriormente. Fica evidente a diferença nas duas propostas.

Para combater o adoecimento docente, devem-se conhecer os fatores de risco e

os estressores do meio ambiente para que se enfrentem as dificuldades da

realidade do contexto escolar e se evitem desgastes para a saúde

(NOUROUDINE, 2004; SOUSA NETO, 2005). Mas é fundamental registrar que as

estratégias de enfrentamento dos estressores passam pela esfera da

subjetividade, é o docente que pode reverter quaisquer quadros depreciadores de

sua saúde, por sua vez, influenciado por sua subjetividade e, portanto, sua

capacidade individual de transformar a realidade (BERNARDES, 2007;

SCHWARTZ, 2007).

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Neves, Athayde e Muniz (2004) concordam com Schwartz (2000) e Bernardes

(2007) quanto a dizerem que, no movimento para transformar a realidade, os

professores “não desenvolvem apenas movimentos reativos de luta frente ao

sofrimento e contra doença, mas exercitam também ações propositivas [...] pela

realização de seu prazer e pela busca por saúde”. Neste caso, a busca pela

saúde e pelo enfrentamento das dificuldades do cotidiano na atividade do trabalho

faz parte da capacidade individual de combater as infidelidades do meio, como

amplamente indicaram Canguilhem (2000) e Schwartz (2000).

O maior, ou melhor, poder de resposta faz com que o “professor saudável” utilize

sua capacidade de renormalizar ou sua inteligência astuciosa, dando-lhe

condições para que resista mais efetivamente ao meio que naturalmente é infiel,

fragiliza seus pares e os desloca para o estado de adoecimento (SCHWARTZ,

2007). As experiências obtidas por meio da atividade humana apresentam-se

como “uso” que vai muito além de ser apenas execução de uma tarefa predefinida

e possibilitam a criação de estratégias de enfrentamento e, por conseguinte, a

manutenção da saúde do trabalhador (SCHWARTZ, 2000; 2001; 2007).

O último subitem deste capítulo aborda dois conceitos da Psicologia social: o

coping e a resiliência. Esses conceitos são apresentados para ilustrar outras

discussões existentes na literatura sobre o combate de agentes estressores

despendido pelos indivíduos. Entretanto, essas perspectivas não trazem

elementos consistentes que dialoguem com o cerne proposto pelo referencial

ergológico. Mesmo assim, são apresentadas para oferecer ao leitor outros pontos

de vista sobre estratégias de enfrentamento.

4.5 Os conceitos de coping e de resiliência

Coping é um termo utilizado na Psicologia social, que significa enfrentamento e

está relacionado às estratégias cognitivas e comportamentais utilizadas pelos

indivíduos para lidar com situações estressoras. Essas estratégias são

construídas para superar problemas os mais diversos, como separações

conjugais, desemprego, perda de entes queridos, doenças, e não somente

problemas do trabalho. Esses desgastes constituem situações adversas que

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precisam de diferentes estratégias para serem enfrentadas (ANTONIAZZI;

DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998; MANCEBO, 2007; MAZZON; CARLOTTO;

CÂMARA, 2008; OLIVEIRA, 2005). O conceito de coping se estabelece como um

conjunto de:

[...] estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas [...] esforços despendidos pelos indivíduos para lidar com situações estressantes, crônicas ou agudas [...] encontrando-se fortemente atrelados ao estudo das diferenças individuais (ANTONIAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998, p. 274).

As estratégias de coping são escolhas, reações únicas e dependentes da

construção de cada indivíduo, que podem produzir resultados positivos ou não

(ANTONIAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998; MAZZON; CARLOTTO;

CÂMARA, 2008).

Pesquisa realizada por Zaffari et al. (2009, p. 8) com 32 professores e 30

professoras abordando estratégias de coping mostrou que os professores, “ao

utilizarem estratégias que não solucionam o problema frente aos estressores

decorrentes de relações interpessoais, não só provenientes de alunos, mas de

colegas, equipe técnica e diretiva, tendem a endurecer-se emocionalmente”. O

endurecimento conduz os docentes a se distanciarem das pessoas às quais

atribuem a origem de seu estressor. Esse distanciamento pode se configurar

como rejeição a qualquer ator da comunidade escolar após evento estressante

proveniente de conflito relacional. Tal manifestação pode levar ao adoecimento

docente e até a síndrome de Burnout (CODO, 2006). Todo esse cenário pode ser

atribuído à busca por estratégias que não lograram o sucesso esperado. Desta

maneira, pode-se afirmar que as estratégias de enfrentamento, ou coping,

precisam ser colocadas à prova e submetidas ao foco do problema em questão

para evidenciarem seu poder de resolução.

As estratégias de enfrentamento manifestam-se nas particularidades dos

indivíduos, nos fatores preponderantes para o combate aos problemas e aos

agentes estressores e salientam a importância da compreensão das diferenças

entre as pessoas e a subjetividade que lhes torna singulares. O coping comporta

ações particulares e capacidades individuais para vencer os problemas cotidianos

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nas diversas esferas em que se insere o indivíduo. O coping dialoga com outro

conceito da Psicologia social, conhecido por resiliência (ANTONIAZZI;

DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998; CANGUILHEM, 2000).

Vergara (2008, p. 706) refere-se ao conceito de resiliência como originário da

Física, que a designa como “a resistência de um corpo ao choque, a propriedade

inerente a este corpo que lhe permite desenvolver toda a energia que tem,

quando cessa a força que o oprime e o deforma”. Um corpo oprimido por

determinada força teria a capacidade de voltar ao estado inicial após o término de

determinada força opositora que lhe oferece resistência. Para esse autor, a

resiliência é uma capacidade individual de superar problemas e grandes

dificuldades pessoais.

A Psicologia apropriou-se desse conceito da Física e o adaptou a seus propósitos

de análise do indivíduo e o constitui na capacidade de um indivíduo recuperar-se

após um dano e posicionar-se de maneira equilibrada em seguida ao fato gerador

desse dano (YUNES, 2003). Para Pesce et al. (2004), é uma propriedade de

ressignificação e não de eliminação de algo. Seria uma propriedade de minimizar

ou até mesmo dominar riscos e adversidades e efeitos nocivos de determinado

caso. É importante ressaltar que o foco de discussão dos dois conceitos não é o

trabalho, mas as formas de superação produzidas pelos indivíduos diante da

resolução de problemas, combate aos estressores e enfrentamento de grandes

perdas. A resiliência procura desvendar como indivíduos que vivem expostos a

traumas, doenças, guerras, violência, separações, perdas conseguem reverter

essas situações, superando-as (YUNES, 2003).

Vergara (2008) reporta que as características de um indivíduo resiliente seriam

elevada autoestima, pessoas que têm planos para o futuro, capacidade de

ressignificar determinada situação negativa para fins de desvencilhar-se dela,

esforço, sentir-se aceito e amado pela família, flexibilidade, acesso e bom nível de

informação. Todas essas características contribuem para a formação de um

sujeito que seria o produto de um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos

fundamentais para o desenrolar de uma vida sadia, mesmo em um ambiente

inadequado e estressante (PESCE et al., 2004).

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Desta forma, a resiliência não deve ser vista como uma característica que nasce

com o sujeito, nem que ele adquire durante seu desenvolvimento, mas sim como

um processo interativo entre o indivíduo e o meio em que ele se insere, uma

resposta individual e singular diante de fatores de estresse que podem ser

experimentados de formas distintas por diferentes indivíduos. Contudo, não se

pretende afirmar que os “professores saudáveis” são resilientes, pois essa não é

a discussão proposta nesta pesquisa (PESCE et al., 2004; VERGARA, 2008).

Ao longo deste capítulo evidenciaram-se dois pontos de vista para discussão das

estratégias de enfrentamento dos indivíduos para a construção da saúde. O

primeiro é ancorado nos referenciais propostos por Cangulhem (2000) e Odonne

(1986) e que influenciaram as discussões e concepções propostas pela ergologia

(SCHWARTZ, 2000). O segundo é defendido por outros autores, como Dejours e

Abdouchelli (2007); Esteve (1999), Pesce et al. (2004), Vergara (2008) e Yunes

(2003).

Reforça-se a escolha, nesta dissertação, pela abordagem proposta pelo

referencial ergológico de análise da atividade do trabalho. Essa abordagem

revela-se mais consistente para se compreender a construção de estratégias de

enfrentamento criadas pelos trabalhadores docentes objetivadas por meio das

renormalizações.

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5 NORMAS ANTECEDENTES, RENORMALIZAÇÕES E

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO FORA DA ESCOLA

O objetivo deste capítulo é apresentar as normas antecedentes com as quais

deparam os “professores saudáveis”, além das renormalizações que efetuam em

sua atividade de trabalho. A realização das entrevistas desencadeou um processo

crítico-reflexivo que os convocou a se manifestarem a respeito do confronto que

estabelecem com as normas antecedentes, que configura as renormalizações e

expressa o saber-fazer de cada um no contínuo movimento de reconstruir a

atividade docente.

Percebeu-se, nos depoimentos, que as estratégias para a busca da saúde –

advindas das renormalizações efetuadas – podem ser agrupadas em dois

panoramas: de um lado, as renormalizações provocadas pelo debate com as

normas claramente prescritas, como a alteração das regras propostas para a

composição de um plano de ensino, a mudança de um projeto interdisciplinar

proposto ou o não cumprimento do formato da recuperação imposto de fora, entre

outros. Por outro lado, as alterações também se configuram como

renormalizações, mas de natureza diversa da anterior, uma vez que não estão

claramente prescritas e que se expressam, por exemplo, na mudança da

organização da sala de aula, das atividades pedagógicas, do modo de o professor

se posicionar diante de atos de indisciplina dos alunos, entre outros. O fato de

realizar o trabalho de outra forma, acrescido da incidência das escolhas, valores e

crenças dos professores para fazer de modo diferente pode, seguramente,

justificar a inclusão dessas mudanças como renormalizações. Portanto, nesta

dissertação, as renormalizações comporão esses dois âmbitos.

O conceito de normas antecedentes refere-se a regras, formas prescritas que o

trabalhador deve cumprir para alcançar os objetivos de seu trabalho. As

renormalizações seriam o “o uso de si”, contextualizadas em ações como realizar

a atividade docente de maneira diferente do orientado, pois sempre haverá uma

forma diferente de realizar o trabalho (SCHWARTZ, 2000). Masson, Brito e Sousa

(2008), baseados em Schwartz (2007), afirmam que a renormalização é fruto do

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confronto dos trabalhadores com as normas antecedentes, devidamente

consideradas como variáveis as peculiaridades e o momento de realização de

cada trabalho. Neste, o trabalhador depara com situações concretas e a partir

delas decide como realizá-las.

No ambiente interno das escolas, as normas antecedentes se materializam no

projeto político pedagógico, nos projetos interdisciplinares, nas normas internas

para o preenchimento de diários, para o uso de identificação como crachás, para

as faltas e atrasos, as determinações dos conselhos de classe, os planos de

ensino, o calendário escolar, o formato da recuperação, etc.

Para cada um desses itens houve manifestações de confronto e de sintonia com

as normas. Em determinados momentos, os “professores saudáveis” denotaram

resistência e descontentamento com as normas antecedentes. Em outras

ocasiões, concordância e valorização das mesmas. No que se refere ao PPP,

verificou-se que os entrevistados não afirmam nortear a realização da sua

atividade docente sob a sua influência. Segundo o Professor P-1, da escola-1, o

PPP, na realidade, inexiste:

Não tem projeto político pedagógico, a verdade é essa. Às vezes, a escola cita que tem um projeto político pedagógico, mas esse projeto tem que envolver tudo, a questão da recuperação, analisar o que pode ser mudado, e eu não vejo isso. Às vezes, tem as normas lá, só que não tem um PPP. Um PPP tem que abranger tudo, tem que abranger trabalhos interdisciplinares, que realmente sejam interdisciplinares, tem que abranger a questão do aluno que tem dificuldade de aprendizado, como esse aluno pode se recuperar, tem que entrar muita coisa, e eu não vejo isso. Não tem como seguir [o PPP], a gente chega aqui, este ano (2010), por exemplo, não é mais trimestre, é bimestre. Mas por quê? É que agora eles mandaram, deram uma ordem. Porque a autonomia do professor é pequena. A gente segue a ordem da Prefeitura. Mas se tivesse um PPP! Aquela questão, como não tem, o professor tem que trabalhar de um jeito, assim, próprio, aí o que acontece? Um trabalha dessa forma, o outro trabalha de outra, a escola tinha que seguir um padrão também (PROFESSOR P-1, escola-1, 8 anos de profissão).

Fica claro, nesse depoimento, que o “vazio de normas” se efetiva na “inexistência”

desse documento22. Ainda que a escola-1 possua um PPP, como se observa em

22 O Projeto Político Pedagógico da escola-1 existe. Diferentemente do que afirma o Professor P-1, entende-se que o documento não é discutido com frequência e por este motivo o docente afirmou que ele não existe. Essa existência do documento foi confirmada junto à Diretora da escola-1.

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depoimentos seguintes, de acordo com o Professor P-1, o fato de não haver um

PPP que direcione a atividade docente faz com que cada docente a realize de um

jeito próprio. Em outro trecho da entrevista, o mesmo docente cita a mudança do

calendário do formato trimestral para bimestral. A imposição, a verticalização de

uma norma gera descontentamento, pois a decisão ocorreu sem sua anuência.

Esse conflito, denominado pela ergologia como debate de normas, levará o

trabalhador à possibilidade de renormalizar (SCHWARTZ, 2000).

A mesma insatisfação é perceptível no depoimento da Professora P-5, da mesma

escola, e ilustra o nível de insatisfação dos docentes quando não há participação

coletiva na elaboração do PPP. Ela chega a afirmar que não faz parte do mesmo:

[...] a primeira coisa que eu fiz quando cheguei à escola foi procurar saber se tinha o PPP, talvez aqui (escola-1) não tivesse. A questão é a seguinte: não são todas as escolas que têm o PPP. Mas, a gente percebe também que esse projeto, basicamente, não foi construído com a participação dos professores, ele foi construído pela direção, pela supervisão da escola. Porque o daqui eu nunca participei (construção) de nenhum. Quando eu cheguei, ele estava pronto e não foi feito nada, nenhuma alteração, nenhuma mudança, então eu não faço parte dele (PROFESSORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

A mesma opinião é apresentada pela Professora P-6 quanto à imposição de

projetos interdisciplinares e à falta de momentos para a construção coletiva:

[...] eu falo que o trabalho escolar é em conjunto. Então, toda vez que a coisa veio pronta e imposta, eu não quis participar. Porque, se mesmo discutindo em conjunto não há aceitação integral, quanto mais do que é imposto. Eu falo por mim, eu estou me sentindo insatisfeita com o que está acontecendo aqui [a professora está falando do projeto de comemoração de aniversário da escola-2], ou a gente dá uma parada e faz uma reflexão ou eu me recuso a participar. Depois, os outros professores começaram a concordar. Eu acho que um projeto não pode ser imposto, eu, particularmente, não aceito imposição. A gente tem que conversar primeiro, imposição não dá. Muitas vezes, eles vêm com projetos que vêm via Secretaria, sempre vem de cima para baixo, que talvez não seja o projeto ideal para aquela região. Muitas vezes, a gente tem um projeto mais urgente que vai atender melhor à nossa comunidade que vai surtir efeito na comunidade, do que vir com um projeto da Secretaria que muitas vezes é eleitoreiro. É uma questão política [...], deixa-se de fazer um projeto dentro da nossa realidade, onde o efeito será visível, positivo, [...] você é obrigado a fazer um projeto, via Secretaria, que às vezes poderia permitir a construção de um projeto nosso, da nossa comunidade (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

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Ficou perceptível que as normas antecedentes (PPP, o calendário, os projetos

interdisciplinares, etc.) balizam os procedimentos a serem realizados pelos

professores, seja incorporando-os, alterando-os, seja rejeitando-os. Segundo

Moura (2009), a rejeição é fruto da imposição e não participação dos sujeitos na

elaboração das normas antecedentes.

Se a norma antecedente não for construída com a participação do professor,

poderá gerar sentimento de negação e resistência, que materializará a

renormalização. Nos dois depoimentos anteriores, foram constatados recusa, não

identificação com propostas vindas de fora e desejo de alterar a norma

antecedente, como um projeto, para contemplar situações mais pertinentes e em

sintonia com os problemas locais. Essa ação índica a capacidade ou o caráter

renormalizador dos “professores saudáveis”, o desejo de fazer diferente, de

modificar algo imposto, de reorientar a norma prescrita, de debater a norma

antecedente (SCHWARTZ, 2000).

Observa-se que apenas a Professora P-6 participou, efetivamente, da construção

do PPP. O tempo de permanência da docente na escola justifica essa

oportunidade23. Ela esclarece: “eu participei, em 1997. A Secretaria propiciava

reunião pedagógica a cada 15 dias, dispensava o aluno e a gente aproveitava isto

para discutir o PPP, mas isto foi cortado, os professores mais novos nem sabem

que isto existe.” E declara que, nesse período, até a comunidade participou da

elaboração do PPP, por meio de uma comissão de pais. Os demais componentes

da amostra, entretanto, afirmam não conhecer ou não terem discutido o

documento em suas unidades. De acordo com esses professores, o PPP já

estava formatado quando foram empossados e/ou não tiveram acesso a ele.

Ressalta-se que o PPP está sempre em construção e não se justifica a falta de

momentos para discussão coletiva em torno de sua atualização, reconfiguração e

adequação aos contextos locais. Entende-se que esse documento está sempre

inacabado e a construir-se (OLIVEIRA, 2004). No tocante ao desconhecimento e

não participação na construção do PPP, pode-se compreender que os docentes

23 A Professora P-6 faz parte do quadro da escola desde a fundação, no ano de 1997.

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se vejam envoltos por um “vazio de normas” que os leva a escolher como

executar sua atividade, à sua maneira, em função da inexistência desse norteador

(SCHWARTZ, 2000).

5.1 Orientações administrativo-pedagógicas e o Regimento Interno

Quanto às orientações administrativo-pedagógicas e o Regimento Interno, os

“professores saudáveis” não denotaram, abertamente, confronto com essas

normas antecedentes, a não ser em um único caso24. Para o grupo de

“professores saudáveis”, de forma geral, essas normas não geram sobrecarga,

são maneiras de orientar o bom funcionamento das instituições e não acarretam

influência negativa na realização da atividade docente.

Pode-se dizer que esse bom relacionamento, que também resulta do debate de

normas, evita posições reativas negativas como as apresentadas na relação dos

docentes com o PPP e os projetos interdisciplinares. É curioso notar que, apesar

de também não participarem da construção coletiva dessas normas antecedentes,

os depoentes não manifestaram descontentamento com elas, o que é ilustrado

nos depoimentos seguinte:

[...] o Regimento Interno fala da parte de como o funcionário deve se comportar, a questão do horário de chegada. Acho que isso não influencia tanto. Eu acho que é obrigação estar em sala da aula, cumprir horário, não chegar atrasado. Fechar a sala de aula, entregar provas, isso não influencia meu trabalho. A questão das cópias, eu tenho que entregar em 24 horas, se eu for entregar um exercício eu tenho que entregar com antecedência, porque não se faz na hora. Se você se programar, você vai evitar um problema, mas eu sei que se eu chegar com um material no dia, que eu achei na minha casa, e quiser utilizar, eu não vou conseguir (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Tem as normas da escola do bom funcionamento, para os alunos para os funcionários. Tem um Regimento Interno. Todo mundo tem conhecimento deste regimento, no início do ano ele é falado. Na primeira reunião, eles entregam uma cópia. Eu tenho a minha guardada nas minhas coisas (PROFESSORA P-3, escola-2, oito anos de profissão).

24 Ver item 5.2 – Atividade docente: espaço de renormalização e transgressão das normas

antecedentes.

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[...] eu acho bom que exista uma data e a gente cumpra, você fica livre. Se deixar para você entregar quando quiser, nós temos a tendência a deixar para depois. Tem-se horário, se tem data, tem tudo. Tem professor que tem de ficar no pé para entregar a prova bimestral. Eu acho que tem que pôr norma mesmo. Que não cumpram, tem que ter, toda empresa tem (PROFESSORA P-5, escola -2, 20 anos de profissão).

Essas afirmativas confirmam que o debate com as normas antecedentes existe

sempre, mas nem sempre produz conflito ou insatisfação. Neste caso, percebe-se

que elas são vistas como facilitadoras da realização das atividades docentes e

que os professores se adaptam a elas. Nota-se que a sua existência é tomada

como pertinente porque faz sentido para o professor, como afirma a Professora

(P-4, escola- 1, 20 anos de profissão): “se não tiver regras, o que seria da

escola?” Ao mesmo tempo em que as normas antecedentes podem produzir

sobrecarga de trabalho e o descontentamento dos docentes, também podem, em

contrapartida, orientar a realização da atividade sem qualquer efeito nocivo, pois

os professores atribuem sentido a elas.

As normas antecedentes são fundamentais como ponto de partida para orientar a

atividade de trabalho. No entanto, elas não dizem tudo dessa atividade e o

docente, em face do “vazio de normas”, ou seja, da incapacidade da norma tudo

prever, produz renormalizações. É bem possível que, apesar de concordarem

com a existência das orientações administrativo-pedagógicas e do Regimento

Interno, cada professor tem um modo singular de concretizá-las.

5.1.1 A percepção dos “professore saudáveis” quanto ao plano de ensino

Os planos de ensino oferecem aos docentes rico material para a construção de

processos de renormalização. Constituídos como normas antecedentes, ele são

elaborados pelos docentes a partir de documentos oficiais da política educacional

e do coletivo de profissionais: os conteúdos básicos comuns (CBC), os

parâmetros curriculares nacionais (PCN), a equipe pedagógica das unidades, o

coletivo de professores por disciplina. Importante salientar que, no processo de

elaboração do plano de ensino, o docente possui a possibilidade inequívoca de

incorporar as normas antecedentes a seu modo. Percebe-se que, apesar da

concordância com essa norma norteadora, manifesta-se singular incorporação por

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parte dos “professores saudáveis”. Apesar de haver influência de vários sujeitos

na construção dos planos de ensino, a conotação pessoal configura-se como

último estágio para a elaboração desse plano. Cada docente monta o seu plano

em função de demandas que emergem do contexto sociocultural em que estão

inseridos. Os “professores saudáveis” reconhecem a importância dessa norma

para nortear a atividade docente, mas frisam a necessidade de flexibilização de

seu uso de acordo com avaliações pessoais. Segundo a Professora P-5 escola-2,

20 anos de profissão, o plano de ensino:

É importante [...], eu gosto de montá-lo. A supervisão pede para que seja montado por todas as disciplinas, até porque a gente tem o auxílio do livro, só que o livro didático não serve. Às vezes, ele não é suficiente. Em áreas de risco, as meninas têm uma relação com a sexualidade muito cedo. Então, eu acho que tem que trabalhar logo a sexualidade e os livros não falam disto. Então, a gente dá uma avaliada, analisa a situação, para tentar atender aos nossos alunos aqui, nas necessidades daqui (PROFESSORA P-5, 20 anos de profissão).

A adequação dos planos de ensino às realidades locais não está amparada pela

bibliografia específica da disciplina, nem pela formatação inicial dessa norma

antecedente, porém, ocorre em função de um diagnóstico da realidade local

realizado pelos professores ou das infidelidades do meio.

A Professora P-6, por sua vez, afirma que as normas prescritas não influenciam

sua atividade. E enfatiza que não são feitos encaminhamentos da Secretaria

Municipal de Educação para a construção dos planos de ensino. Esse “vazio de

normas” abre a oportunidade para a utilização das normas antecedentes que a

Secretaria Estadual de Educação indica:

Na verdade, os planos de ensino não têm muita influência no meu trabalho, eu não procuro segui-los. Mas eu tenho que entregá-los. Aí, vamos ver o que pode ser adequado ao da Secretaria [Municipal]. Como a gente é subordinada à Secretaria de Educação do Estado, a gente trabalha com conteúdo básico comum (CBC). Esta é a orientação do estado. Como aqui na Prefeitura isto não existe (normas), eu sigo o CBC (a orientação da Secretaria Estadual). Eu sigo o meu plano. Se elas [inspetoras e orientadoras pedagógicas] quiserem complementá-lo ou discutir, nós vamos discutir. Porque, pelo menos o estado me dá uma orientação, e aqui não. Eu procuro seguir o CBC, do Estado. Eu envio o plano de ensino para a supervisão e eles enviam para a Secretaria Municipal de Educação. Esse documento deve ser arquivado porque eles querem papel [em tom de descaso] (PROFESORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão).

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Nota-se, nesse depoimento, predisposição da referida docente a não utilizar os

planos de ensino requeridos pela rede municipal, por não serem orientados pelos

agentes externos à escola e que fazem parte da Secretaria Municipal de

Educação. De acordo com a Professora P-6, como o município não oferta

direcionamento para a construção dos planos de ensino, ela renormaliza a

exigência de elaborá-lo ao apropriar-se do CBC, que é o documento orientador no

estado de Minas Gerais. Fica evidente, aqui, o conflito entre o cumprimento de

uma norma antecedente, que é entregar os planos de ensino na escola municipal,

e a existência do “vazio de normas” manifesto pela falta da orientação desejada.

Percebe-se, de um lado, o cumprimento da prescrição, que é entregar os planos

de ensino, mas evidencia-se, também, confronto com ela que se manifesta via

não utilização do mesmo.

A docente arbitrou pelas normativas inclusas no CBC indicadas pelo estado, em

virtude do “vazio de normas”. Abriu-se, nessa situação, um campo fecundo para a

construção de procedimentos de renormalização configurados em um contexto de

“debate de normas” (SCHWARTZ, 2000), que se manteve aberto na medida em

que a docente se dispôs a reconfigurar e rediscutir os planos de ensino

construídos com outros sujeitos da equipe pedagógica da Secretaria Municipal.

Nos dois depoimentos listados a seguir, os planos de ensino são citados como

elementos que orientam e facilitam as ações pedagógicas, bem como contribuem

para a manutenção da disciplina e controle de turma:

Eu monto os meus planos de aula, faço o planejamento. Porque, se não tiver o planejamento, perde-se o controle da sala de aula. Mesmo quando fujo do plano de aula, às vezes isso pode acontecer, eu sei que, depois, eu tenho que retomar daquele ponto. Eu consigo manter uma sequência (PROFESSORA P-2, escola-1, 8 anos de profissão).

[...] como eu disse, você chega à sala de aula já sabendo o norte do seu trabalho, o que vai ser feito. Pode acontecer improvisação, é claro, mas eu acho que mais ou menos [...]. Orientação tem que existir. Você não tem que chegar e simplesmente inventar, isto desencadeia confusão. Há planejamento no meu trabalho. Mas eu acho que o planejamento é primordial para desenvolver o trabalho. Para você conseguir a disciplina também, você chega e está tudo orientado. Então você não dá tempo, não dá espaço para que haja confusão na sala de aula, então as coisas ficam melhores (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

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Dois pontos desses depoimentos salientam-se em relação aos demais. As

improvisações na execução do plano de ensino e a possibilidade de reorientar a

atividade do docente, no dia-a-dia da sala de aula, constituem uma possibilidade

concreta. Essa situação reforça o entendimento de que a atividade docente é

permeada por forte caráter de renormalização. Essas renormalizações serão

apresentadas com mais evidências no próximo item.

5.2 Atividade docente: espaço de renormalização e transgressão das

normas antecedentes

Os “professores saudáveis” foram interrogados sobre a atividade docente e, no

processo de entrevista, expuseram suas opiniões sobre as ações cotidianas mais

simples que realizam. São ações que pertencem a um conjunto de criações

humanas singulares que ocorrem na lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho

real (SCHWARTZ, 2000; 2001; 2007). Os eixos utilizados para nortear a

discussão deste item foram: a) a transgressão das normas antecedentes como

atos cotidianos; b) a atividade docente como espaço de apropriação e construção

coletiva; c) a liberdade de criação dos “professores saudáveis” para a recriação

da atividade docente.

Os docentes foram interrogados sobre o fato de modificarem a forma de

realização das atividades docentes, cotidianamente, a despeito das prescrições.

Quando essa questão foi levantada, apresentaram indícios concretos e

praticamente unânimes:

[...] muitas vezes [...] um trabalho que eles querem e que não entre na minha área. Um trabalho que contemple só o Português, só redação, eu pego esse trabalho e vou puxar para minha área. Eles querem pegar a questão interdisciplinar e me forçar a participar. Isso não é interdisciplinar [mostrou descontentamento]. Eles querem pegar o professor de Matemática para fazer muitas coisas de sala de aula. Por exemplo, eu não concordo com uma recuperação que eles falam que tenho que fazer deste jeito. Eu faço do meu jeito Às vezes, não é disso que o aluno está precisando, não é de quantidade, ele tem que recuperar. Em vez de dar uma prova, eu dou um trabalho, eu sei que não vai adiantar se você for seguir tudo que a cartilha especifica, aqui e na outra escola que eu trabalho, eu não sigo (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

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Para a Professora P-2 (escola-1, oito anos de profissão), “o que for possível, sim.

Há uma orientação, se eu não concordar e se eu achar que eu posso fazer melhor

[...] eu faço”. Um exemplo dessa modificação e desse poder fazer melhor é

materializado na criatividade da Professora P-3, que alterou a Norma Interna nº 3

de 2010 da escola-1, que rege a saída da sala pelos alunos. Esse documento

determina o uso do crachá como estritamente necessário. O informativo de

normas internas está inserido no ANEXO A, instituído pela direção da escola para

a melhor realização da atividade docente. A docente aboliu o uso do crachá sem

informar previamente a seus superiores e, assim, resolveu uma demanda

apresentada:

Tem sempre o crachazinho para que eles saiam da sala. Mas eu criei um papelzinho pequenininho, em que ele sai, ele faz o que tem que fazer para ele sentir que ele tem que participar da organização da escola. Porque tem o crachá. O crachá, o menino leva ao banheiro. Não faz assepsia da mão. Aí eu criei um pequenininho. Não fica sempre aquele mesmo papelzinho. Nesse papelzinho, que é uma coisa boba, eu coloco para o menino aonde ele vai, a data, então ele nunca me engana. Aí eu monto, imprimo lá em casa e vou dando para eles aos pouquinhos. Eu escrevo para eles o que eles têm que fazer: vai para a direção, vai para a supervisão. Eles adoram conversar com todo mundo aqui em baixo. Na verdade, eles vão a outras salas. Ele tem que realmente ir aonde falou. Se não, dá para saber. Eu entrego e se alguém cobrar ele apresenta. Eu comecei a pensar nisso na época em que começou a gripe suína. Todo mundo estava com receio, porque não pode espirrar, não pode pôr a mão, tem isso, tem aquilo. Aí eu pensei: o menino pega o meu crachá vai ao banheiro e volta. Aí outra vai lá, vai ao banheiro e volta. Aí eu falei: vou arrumar uma estratégia para que os meninos não tenham que ficar todos, inclusive eu, manuseando o mesmo crachazinho de plástico. Aí eu inventei esse crachazinho e acrescentei um espaço para escrever e acrescentar a data. As crianças usam muitos artifícios, aí eu acrescentei: vai para a sala tal, vai à supervisão, e então é isso. Tem a situação de receber o papelzinho, eu corto e depois rasgo. O crachá antigo já sumiu, eu não sei se o menino não me devolveu ou se ficou com ele, ou se ele perdeu, é simples. Eu não falei isso mesmo com ninguém. Eu não sei se no banheiro tem papel higiênico e papel toalha. Eu pensei: não posso arcar com isso financeiramente [o papel higiênico e o papel toalha]. Então, eu vou fazer uma coisa assim que não vai ter contato (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

Esse tipo de ação “transgressora”, cercada pelo poder singular de criar de cada

sujeito, é típico da atividade humana no trabalho. Os processos de criação são

cíclicos, fazem de cada atividade do trabalho um momento ímpar em que nunca

determinada atividade será realizada da mesma forma, existindo sempre uma

maneira diferente, por vezes melhor, de realizá-la (SANTOS, 2000a). O uso do

crachá é obrigatório. A docente renormalizou e o fez de maneira inovadora e mais

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eficiente, inclusive porque criou alternativa de uso do crachá, que respondeu ao

risco da contaminação num momento de preocupação com a gripe suína.

Para a Professora P-5 (escola-2, 20 anos de profissão), esse refazer é entendido

como uma adaptação realizada em função de contextos específicos e

necessidades especiais e características de cada turma. A docente enfatiza: “para

o bom andamento da aula, lógico! Tem de fazer isso: adaptação. Cada sala é

uma realidade diferente”.

A Professora P-6 concorda com a Professora P-5: “eu peguei algo que me foi

dado para trabalhar e modifiquei totalmente. Em termos de construção de diários

eu procuro seguir, em relação a projetos eu não costumo aceitar coisas prontas”

(PROFESSORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão). Entende-se que nessas

reações manifesta-se o novo, configuram-se atitudes únicas e redefinidas em

última instância por quem realmente a executa.

No depoimento da Professora P-4, a renormalização se reafirma. Mas é

importante ressaltar o nível de insatisfação gerado quando a atividade a ser

realizada não faz sentido para quem a executa, o que produz um estado de

desconforto. Em virtude desse sentimento, a docente busca modificar as normas

antecedentes - e consegue isto com frequência. Essas ações podem ser

entendidas como resistência às normas:

Eu sempre consigo fazer isso. Outras coisas que chegam de última hora, não tem como você fazer nenhuma mudança. Por exemplo, às vezes, a gente recebe da Belgo25 [mineradora do estado de Minas Gerais] material para fazer um projeto. Até chegar às nossas mãos leva tempo e quando você precisa chegar ao finalmente, na avaliação, você precisa fazer aquilo tocado, isso angustia [...] porque parece o seguinte: Eu vou fazer só para inglês ver. Isso de certa forma eu perco meu tempo. Eu estou sendo mandada. Eu não me apropriei daquela situação, daquele tema, entendeu? Sou obrigada a dar notas. Sou obrigada a passar para frente e, então, isso, de certa forma, me angustia (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

25 A mineradora BELGO enviou para a Secretaria Municipal de Educação uma cartilha para realização de um projeto interdisciplinar sobre o tema: “preservação ambiental”. Esse projeto foi enviado para as escolas e especificamente na escola-1 houve manifestações de rejeição ao projeto devido à sua verticalização.

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Uma das normas antecedentes negadas pelos “professores saudáveis” nos seus

depoimentos é a recuperação. O formato apresentado pela Secretaria Municipal

desagradou os docentes que, em função da discordância em relação a esse novo

formato, lançaram mão da perspectiva indicada pela ergologia e renormalizaram.

O novo formato, apresentado como capaz de melhorar o resultado e o resgate de

conteúdos, é literalmente desprezado pelos professores, que estabelecem um

encaminhamento que modifica a norma imposta e mantém a que vigorava no ano

anterior: a recuperação paralela:

Até o ano passado nós tínhamos a recuperação paralela, esse ano veio uma determinação da Secretaria Municipal informando que a recuperação agora é no final do ano. Teremos uma só recuperação. Mas para mim, no meu dia-a-dia, dentro da sala de aula, eu acabo recuperando o menino dentro da atividade, dou uma segunda oportunidade, permito que ele refaça a atividade ou crie uma atividade com o mesmo conteúdo. Acontecem algumas reprovações, mas é aquele menino que a gente tentou resgatar ao longo do ano e não consegue. Eu faço isso. Os meus colegas também, a gente tenta de várias formas evitar a recuperação (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

A Professora P-6 também não segue a nova solicitação e afirma:

Eu não sigo integralmente. Eu digo que muitas vezes o problema do aluno começou lá embaixo, que a mudança não vai acontecer agora, se não reprovou antes, por que agora vai reprovar? Não justifica. A gente tem que trabalhar ele daqui para frente. Reprovar esse aluno é um ano perdido. Agora, tem casos que uma reprovação ajudou o aluno, ele amadurece. Mas na maioria das vezes, ele não amadurece, vai atrapalhar. A gente faz uma adaptação, eu pelo menos faço uma adaptação [...] para acompanhar o aluno. Eu sempre procurei fazer a recuperação paralela, apesar de que este ano a norma é que seja feita uma prova de 60, de um trabalho de 40, no final do ano (PROFESSORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão).

Todos os processos decisórios realizados na atividade de trabalho são

determinados pela subjetividade humana. Os motivos que conduzem os sujeitos a

arbitrarem pela negação da norma antecedente são amparados na singularidade

de suas experiências e pela não menos importante trajetória de vida de cada um.

Confrontados entre cumprir a norma instituída, no período letivo de 2010, e

manter o processo realizado no ano anterior, os “professores saudáveis” fizeram

“uso de si” por si e optaram por rejeitar a norma antecedente, mesmo podendo

expor-se aos dramas que envolvem essa escolha: insubordinação, falta

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administrativa, desobediência, desagradar os gestores escolares (BERNARDES,

2007; SANTOS 2000a; SCHWARTZ, 2000).

5.3 A atividade docente como espaço de apropriação e construção coletiva

A atividade docente é um espaço de construção de saberes, de soluções para os

problemas cotidianos e traz em si a possibilidade de apropriação de estratégias

construídas por outros sujeitos (CUNHA; PUIGSRVER; BELLIÉS, 2003). Esses

saberes são materializados na construção de estratégias e na busca de saídas

para as demandas do dia-a-dia. Nesse processo percebe-se que os “professores

saudáveis” compartilham experiências e se apropriam de atividades elaboradas e

realizadas com sucesso por outros professores:

[...] vamos dar um exemplo: um professor chegou dentro da sala e trabalhou de uma forma, um professor de Geografia. Eu não tinha nem pensado em usar uma determinada transformação de unidades. O professor de Geografia chegou e falou assim: por que você não tenta fazer usando a questão do meu mapa, a questão da redução e da criação? Eu nem tinha pensado nisso, ele me ofereceu o material e em uma semana eu trabalhei com o material dele e eu não tinha pensado naquilo. Então foi uma ideia dele, foi uma pesquisa dele mesmo. Eu trabalhei com o que ele me ajudou. [...] Às vezes eu estou desenvolvendo um projeto e um professor dá uma ideia. Vai fazer com a turma dele e eu faço com a minha. Aconteceu agora, há pouco tempo eu estava pensando em fazer um mural, fizemos realmente, da copa [2010], e aí eu troquei ideias com os colegas e eles disseram: por que é que vocês não montam uma pasta? Tem muita coisa que dá para ser exposta, tem muita troca de ideias, no corredor, no recreio, intervalo, a gente usa sim (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Olha, eu sou o tipo de pessoa que [...] tudo que dá certo eu quero aprender e quero aplicar nas minhas aulas. Se eu perceber que a colega fez e deu certo, quero também. Igual hoje, eu fiz uma pintura em que a colega comprou o material. Olha, e deu certo na minha turma, eu fui experimentar e deu! Eu me aproprio, sim, de coisas que a colega já fez, de propostas, coisas diferentes (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

[...] eu peço palpite para todo mundo, Matemática, coisa mais difícil, todo mundo quer saber o que é que eu faço. Eles me perguntam: o que você está fazendo com esses meninos? É complicado, na Federal eu fiz uns cursos, fiz um curso na Prefeitura que não me preencheu para que eu pudesse tirar alguma coisa para usar em sala de aula. Às vezes, a gente dá um jogo diferente, até bingo, tem agora o bingo de fatos, é só para diferenciar mesmo. É por minha conta. Eu queria até uma ajuda, uns palpites, umas dinâmicas porque eles gostam (PROFESSORA P-5, escola-1, 18 anos de profissão).

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Nesse processo de construção e reconstrução de soluções, existem momentos

em que o coletivo de trabalho é convocado (SCHWARTZ, 2001). Essa

manifestação coletiva transcende as iniciativas individuais, algumas vezes em

virtude da complexidade de algumas situações, outras vezes, pela necessidade

urgente ou incontestável de produzir soluções. Mesmo na construção coletiva é

inconteste a influência dos registros, valores, crenças e escolhas de cada

professor (VIEIRA, 2003). O depoimento seguinte ilustra a participação do coletivo

de professores para solução de determinado problema. O envolvimento desse

coletivo foi fundamental para equacioná-lo:

Anos atrás [...], uma questão de indisciplina, de indisciplina mesmo. Caso de chamar mãe, chamar pai, chamar o conselho tutelar e não conseguir resolver. Tudo foi tentado e nada conseguiu resolver. O aluno estava simplesmente com problema de drogas, a malandragem, ele chegou ao ponto de levar uma arma para matar a professora. Só não matou porque as pessoas disseram para não fazer isso. Ele roubava fora da escola, ele não queria sair da escola e a professora não tinha como trabalhar. Ele disse que ia matar a professora. Então, nós sentamos com a mãe dele e dissemos que era melhor tirar ele da escola. Então, um colega nosso disse: lá na minha escola consigo um lugar para ele e vai ser melhor para ele lá. Daí o professor conseguiu uma vaga para ele, mas foi uma decisão nossa. Porque, hoje, é a professora tal, amanhã pode ser um de nós. Foi uma situação muito difícil. A professora não soube lidar com ele. Aliás, esse aluno já faleceu. Ela não soube lidar com ele, um aluno agressivo, envolvido com compra e venda de drogas, que ela bateu de frente com ele. Ela não abaixava e ele também não. Chegou um dia que levou uma arma e disse: eu vou matar a fulana. Aí, o coletivo de professores chamou a mãe, o conselho tutelar. Às vezes ocorrem discussões nossas no conselho de classe, como os horários para ir ao banheiro, como a troca de alunos de sala de aula e, muitas vezes, nós batemos de frente com a direção da escola. A nossa fala tem que ser única, nós precisamos dessa união, pois, talvez, não seja essa opção da direção da escola (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

As construções coletivas geram importantes possibilidades, entre elas a

identificação do problema pelos sujeitos envolvidos, o compartilhar de

experiências como instrumento para fortalecimento dos laços afetivos e a

perspectiva de criar soluções pela interação dos conhecimentos de cada

professor. Em virtude das possibilidades que apresenta, vislumbra-se como

fundamental a busca por soluções, realizada pelo coletivo de professores com

vistas à resolução de algum problema. Fica evidente a contribuição dos saberes

desenvolvidos pelo coletivo de “professores saudáveis” na criação de estratégias

para a construção da saúde docente.

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5.4 A liberdade de criação na recriação da atividade docente

Constata-se nos depoimentos dos “professores saudáveis” que, apesar de serem

envoltos por um meio repleto de normas antecedentes, eles se sentem livres para

realizar suas atividades. Para o Professor P-1 (escola-1, oito anos de profissão),

“dentro de sala o professor tem que ter autonomia para mudar as coisas. Eu dei

uma prova de oito pontos e eles me falaram que tinha que ser de 10. Então, às

vezes, o que vai ao diário não é o que acontece de verdade”. Essa “transgressão”

da norma permitiu a sua adaptação à realidade em que o docente estava inserido

e mostra que a atividade docente, cotidianamente, em cada sala de aula,

constitui-se campo fértil de reconstrução e redefinição de normas prescritas.

Mesmo orientado a aplicar avaliação com valor prefixado, o docente reduziu o

valor da prova e lançou no diário o valor solicitado. Questionado sobre o estímulo

para criar e recriar novas estratégias na sua atividade, o Professor P-1 foi

enfático: “estímulo a gente não tem tanto, porque a gente não tem tempo para

sentar junto. Cada um vai para a sala e dá sua aula. Você é que tem que achar

isso para facilitar seu trabalho e eu não vejo muito isto não”. De acordo com esse

professor, o desejo ou a necessidade de buscar estratégias tem origem individual

e cada docente deve fazê-lo, independentemente de estímulo. Entretanto, o

depoimento da Professora P6, no item anterior, mostra que essa origem pode

estar, também, no coletivo de professores.

A Professora P-2 sente liberdade e autonomia para realizar sua atividade, o que

produz prazer, como afirma em seu comentário:

[...] eu gosto de trabalhar, eu tenho prazer porque eu sinto isso, que eu tenho liberdade, eu tenho autonomia para desenvolver o meu trabalho. Lógico que há algumas orientações, da supervisão, da direção, para alguns trabalhos que têm que ser feitos, mas, diariamente, o meu trabalho sou eu que faço, do meu jeito. Acho que a gente tem essa autonomia, para cada um fazer o seu trabalho (PROFESSORA P-1, escola-2, oito anos de profissão).

Ao abordar o estímulo recebido por parte dos agentes externos à sala de aula ou

à escola para a produção de estratégias, a Professora P-2 (escola-1, oito anos de

profissão) afirmou: “estimulada eu não sou, mas eu tento criar. Eu sou da área de

linguagem, eu gosto muito de teatro, sempre que eu posso desenvolver um

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trabalho paralelo eu tento. Eu acho que tem que ter muita criação”. Esse mesmo

sentimento é perceptível no depoimento da Professora P-3 da mesma escola:

“surgem alguns projetos, tem alguns projetos da Secretaria que caem de para-

quedas e vêm prontos. As supervisoras montam alguns e a gente trabalha. A

gente vai levando”. Cada professor é um produtor de ideias e saberes que busca

saídas e soluções para os mais diversos dilemas que vive e para os quais é

convocado a cada instante na sua atividade docente (SANTOS, 2000a;

SCHWARTZ, 2001).

As soluções para os desafios da atividade docente podem ser estimuladas por

agentes externos. Na escola-2, o diretor é citado pelas docentes como esse tipo

de agente. Para a Professora P-5:

[...] “o Diretor dá projetos de autoestima, de motivação, lá na escola. Ele sempre, em todo projeto, tem um estímulo, um incentivo. Isto mexe muito com a nossa estima, os textos. [...] Parece que ele vê a situação e aí manda o texto. O diretor motiva os professores a criarem (PROFESSORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

Segundo a Professora P-6, “o diretor empolga [risos] ele sonha mais alto do que

eu. Quando eu falei de um projeto, ele já levou para o campo da música. Aí a

gente ficou discutindo música. Eles me dão muita liberdade” (PROFESSORA P-6,

escola-2, 19 anos de profissão).

Pelos depoimentos dos professores, percebem-se realidades distintas nas duas

escolas. Na escola-1, os docentes não se sentem estimulados pelos gestores

para criar e recriar sua atividade. Na escola-2 é diferente. Nessa unidade o gestor

é um elemento condutor desse estímulo. Ele funciona como catalisador de ações

criativas e formulação de novas estratégias pedagógicas. De forma geral, os

“professores saudáveis” sinalizaram que possuem liberdade para construir e

executar as atividades docentes.

O próximo item mostra as estratégias utilizadas pelos “professores saudáveis” nos

ambientes escolares, que concorrem para a busca pela saúde direcionadas para

os seguintes elementos: organização da sala de aula, relacionamentos

interpessoais, indisciplina, número de alunos em sala e cuidados com a voz.

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5.4.1 Como os “professores saudáveis” organizam a sala de aula

A organização da sala de aula é um importante componente da atividade docente.

A forma como os professores organizam a sala de aula apresentou pontos de

vista divergentes. No tocante aos trabalhos em grupo, parte dos professores

afirmou que utiliza esse recurso para minimizar o desgaste da voz e quando se

veem mais cansados, principalmente nos últimos dias da semana e em finais de

semestre ou etapas. De outra forma, outros docentes indicaram resistir a esse

procedimento de agrupar os alunos. Não utilizar esse recurso foi justificado pelo

aumento do nível de ruídos que acarreta:

[...] raramente eu deixo aluno sentar em dupla, aí vira bagunça, dá barulho e Matemática tem que ter concentração. Às vezes, eu chamo um aluno que conversa: “aqui, ô fulano, vem sentar junto do professor”. Do meu lado, aqui, principalmente na hora da explicação. Quando está com um pouco mais de caos, eu escrevo a atividade no quadro ou eles me procuram ou eu vou às carteiras. Eu não gosto de aula muito parada, se não eles fazem nada. A questão de beber água é raro eu deixar. Os meninos chegam aqui antes. Eles bebem água, vão ao banheiro. Se você deixa um, depois o outro também quer ir. Então uma vez ou outra eu deixo um aluno sair para beber água, mas é aquela coisa, não deixo constantemente não. Para falar a verdade, a regrinha que eu uso é a questão de levantar a mão, se não vira bagunça. Brinco muito com eles nessa questão de levantar a mão, sempre tem que ter uma ordem para falar, se não... [risos] (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

[...] eu não gosto que sentem em dupla, se não eles já batem papo. De vez em quando é exercício de revisão. Eu deixo sentar em dupla que aí um pode ajudar o outro. A escola não tem uma orientação para isso, você faz o que você quiser, pode fazer em círculo, pode dar as aulas em dupla, pode fazer dinâmica, você tem liberdade de agir do jeito que você quiser (PROFESORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

Os depoimentos dos professores (P-1 e P-5) revelam duas situações: a

preferência por não utilizar como recurso pedagógico atividades em dupla e, no

caso da Professora P-5, a existência do vazio de normas e a liberdade para

utilização de recursos mais convenientes. Não haver orientação para os

procedimentos de organização de sala de aula pode ser compreendido como

vazio de normas. Nesse tocante, nota-se que cada docente cria seu próprio

procedimento. Conclui-se que não existe a melhor forma de realizar, ela está

sempre a se elaborar.

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A atividade do trabalho docente se apresenta como um espaço em que coabitam

normas antecedentes e o vazio de normas, uma vez que não há como prever,

integralmente, toda a complexidade da atividade (SCHWARTZ, 2000). Em

contrapartida, o recurso da atividade em dupla ou em grupos é utilizado por outras

docentes:

No momento que é para a gente iniciar a aula eu gosto muito de passar para eles o que vai ser feito no dia, de que forma, o momento que precisa da atenção, da concentração. Tem que ter disciplina. Eu deixo claro que tem que ter momento para tudo. Geralmente, no final da aula quando está acontecendo um trabalho em duplas, eu atendo eles. A questão de sentar em dupla na hora de fazer o exercício, eu percebo, mesmo, que tem a questão da afetividade. Aí tudo faz parte da gente perceber a questão dos grupos, das afinidades (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão).

[...] eu chego, peço silêncio, consigo que eles sentem. Tem atividades que eles têm que prestar atenção, então eles ficam presos. Quando tem atividades em grupo, a gente organiza a sala em grupos mais afastados para cada um ficar em seu canto. Acho que a desorganização em salas muito grandes a aprendizagem do menino vai embora. Cansa muito o professor, então, eu tento dar uma organizada. Eu apresento coisas de interesse dos meninos porque, se não for do interesse deles [risos], eles lembram uma coisa lá de fora e vão bater papo. Não pode, está nas normas da escola de forma alguma usar celular, fone de ouvido, eu guardo. Coloco na minha mesa um pouquinho depois devolvo. Só no início, depois eles já param. Tem norma para ir ao banheiro. Quando alguém quer sair eu abro uma exceção, mas os meninos sabem que eu não faço isso com frequência, então não são muito de pedir. Eu deixo no máximo dois por horário. Precisa deixar claro que existem as exceções. Os meninos já não insistem tanto (PROFESSORA P-3, escola1, oito anos de profissão).

Nos depoimentos citados, ficou clara a importância de se organizar a sala de aula

para o andamento das atividades propostas. Entretanto, as estratégias

construídas para a organização de sala de aula indicam o aspecto subjetivo e a

leitura peculiar feita por cada docente. Essas diferenças podem, por fim, ser

explicadas pela singularidade com que cada trabalhador age e percebe seu

ambiente de trabalho e as necessidades e dificuldades inerentes a cada sala de

aula.

Para os Professores P-I e P-5, o formato de trabalhos em grupo é menos

valorizado do que se percebeu nas falas das Professoras P-2 e P-3. Isso reforça

que as decisões implementadas pelo docente resultam de escolhas derivadas de

seu intrínseco poder decisório e jamais se apresentam como reprodução de

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padrões normativos (BERNARDES, 2007). Sendo assim, cada um cria suas

normas e faz escolhas, a partir de normas claras ou insuficientemente claras. A

Professora P-4 destaca outros elementos para alcançar boa organização da sala

de aula ao desenvolver estratégias inusitadas.

[...] eu chego à sala e, na maioria das vezes que eu encontro uma baderna e eu não sei como os meus colegas conseguem dar aulas, eu não consigo! Eu e a professora de Português ficamos responsáveis por mapear a sala. Eu coloco o aluno no lugar de acordo com o que ele possa aproveitar melhor, se é um aluno muito distraído, ele vai para frente, mais agitado e pega as coisas mais rápido, ele vai para o fundo. Eu os coloco em fila, mais ou menos dividindo assim: os que escrevem e interpretam eu os separo dos outros. Para eu conseguir chegar neles nas intervenções. Faço intervenções pedagógicas na minha turma e tenho conseguido muito êxito. Mas a questão de dar aula tem que ser em fila bonitinho. Poucas vezes eu trabalhei em dupla, em quarteto, pois eles fazem barulho demais! Querem contar casos, eles conversam demais. Eu entro na sala e dato o quadro. E já ponho os nomes. A primeira coisa que eu faço, eu não grito com eles, eu ponho só os nomes. Aí eles perguntam: por que é que você está colocando o nome? É para eu lembrar de quem não senta depressa. Aluno que não percebeu que eu estou na sala. Se eu perceber que você já está sentado no seu canto, prestando atenção, o que é que eu vou fazer? Eu vou tirar uma letrinha do seu nome. Mas só uma letrinha? É! Por que o seu nome é pequeno e você é muito inteligente, já, já, você não é bobo nem nada, eu vou apagar e aí não tem mais o seu nome! Na mesma hora eles assentam e querem que o nome seja apagado! Quando eu coloco para eles um planejamento e o colega está fazendo barulho, eles mesmos já chamam a atenção: “você não está vendo que a professora quer dar aula não? Você está perdendo tempo, nós não vamos ter recreação não! Se nós não ficarmos em silêncio, nós não vamos!” Isso mesmo, agora você lembrou um fato certo! Então, eu consigo que eles mesmos resolvam a situação para mim (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

Esse depoimento evidencia dois aspectos. O primeiro, a estratégia de escrever no

quadro o nome do aluno que está conversando e só retirar as letras do quadro à

medida que o aluno se senta na carteira e faz silêncio. O segundo é o combinado

de premiar o “bom comportamento” com um período de recreação na área

externa da escola. Não há, nesse momento, a intenção de avaliar a pertinência do

procedimento pedagógico, mas ressalta-se que a docente consegue alcançar seu

objetivo e realiza a atividade na organização que lhe interessa.

Pode-se compreender que os 20 anos de carreira dessa professora lhe ofertaram

a possibilidade de experimentar diversas e singulares estratégias. Portanto, essa

estratégia para combater o alto nível de ruídos na sala de aula é produto de uma

série de experiências desenvolvidas ao longo de sua trajetória profissional. Ela

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procura eliminar um dos elementos que mais incomodam os docentes e geram

importantes agravos e implicações que afetam as cordas vocais (PENTEADO;

PEREIRA, 2007).

O próximo item discute as condutas dos “professores saudáveis” frente aos

relacionamentos com os diversos atores da comunidade escolar.

5.4.2 Boas relações interpessoais com a comunidade escolar: fator positivo

para minimizar os desgastes

Em se tratando dos relacionamentos interpessoais, os “professores saudáveis”

foram unânimes em afirmar que possuem bons vínculos afetivos com os outros

sujeitos da comunidade escolar:

Minha relação aqui é ótima, eu sou respeitado, tenho o respeito de todos, tem divergências com algumas pessoas, mas tem o respeito sim [...] tem pessoa que você não tem que gostar dela, tem que respeitar (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Eu acho que o meu relacionamento é bom. Nunca tive ameaças, já tive colegas aqui que foram ameaçados. Eu até procuro evitar. Eu entendo a realidade na qual eu estou inserida. Então, eu sei o tipo de aluno, o tipo de comunidade. Eu aprendi a trabalhar com eles. Eu tenho um bom relacionamento, a gente tem intervenção da supervisão para solucionar os problemas, a gente tem contato com os pais, quando eles se dispõem a vir para escola. Não tenho muito problema com a direção, com alunos eu acho tranquilo (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão).

O meu relacionamento é o seguinte: eu tento ser profissional, com os coordenadores, com os colegas. Se tem algum problema, eu vou falar com quem de direito. Eu não deixo as coisas se arrastando, se aconteceu alguma coisa, eu chego e digo: isso não ficou bom! Como a gente pode resolver? Eu tento resolver ali. Não fico arrastando as coisas não. Depois que as coisas passam as coisas tomam uma proporção pior [...] eu tento resolver ali, naquele momento, e conversar com quem interessa conversar. O lado profissional prevalece (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

Muito bom! Eu tenho um bom relacionamento com todos! Tudo que eu posso fazer para ajudar, eles sabem que podem contar comigo! Tento falar o menos possível. Porque quando a gente fala muito se perde um pouco de credibilidade! Eu tento falar na hora certa. Dar o remédio na hora certa para a doença certa. Então, eu tenho conquistado esse espaço com os pais, eu falo o que precisa ser falado, pois se a gente fala de mais, aí não resolve. Então, você chegou para o pai e diz: “eu preciso da sua ajuda na vida do seu filho, só por um ano, então, assim, eu estou querendo te ajudar! Quando ponho para eles que eu não sou dona da situação, aí fica tudo mais fácil (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

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[...] os pais já chegam armados ali. Aqueles alunos que têm problema de indisciplina, de aprendizagem, os pais já chegam armados. Estão prontos até para te bater se você deixar. Então você procura mostrar para eles o seu trabalho. É a mesma questão do seu chefe, da supervisora, você tem que ter tudo documentado, desta forma ele não vai ter argumento. Eu lido bem com eles (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

Os problemas de relacionamento são mencionados como impeditivos para a boa

realização da atividade docente. Esses problemas aumentam a sobrecarga, o

cansaço físico e mental dos professores, agravando o quadro de condições de

trabalho inadequadas (NOUROUDINE, 2004; WISNER, 1994). A relação

construída com alunos, pais, colegas, gestores e demais colaboradores não é

apresentada, em depoimento algum coletado, como fator depreciador da saúde e

gerador de cansaço. Esse fato pode ser levado em consideração na composição

das justificativas para a não inclusão dos “professores saudáveis” na relação de

docentes que solicitam licença médica por problemas de saúde, como aparece

em outra pesquisa (FARIA; RACHID, 2009).

5.4.3 Número de alunos e indisciplina sob o ponto de vista dos “professores

saudáveis”

O elevado número de alunos em sala de aula e a indisciplina foram referidos

como elementos que sobrecarregam a atividade docente em pesquisas citadas

anteriormente (CARLOTTO, 2002; DELCOR et al., 2004; FARIA; RACHID, 2009).

Os “professores saudáveis” afirmaram que não possuem problemas com o

número de alunos em sala de aula. Nas duas escolas investigadas a média por

turma é de 30 alunos.

Em relação ao aspecto disciplinar, denotaram a importância da gestão da sala de

aula, mas sinalizaram saber lidar com esse fenômeno e, sobretudo, contar com o

apoio da equipe de direção das escolas. Contando com esse apoio, os

“professores saudáveis” constroem estratégias para lidar com esse fenômeno que

se torna cada vez mais presente nos ambientes escolares (CHARLOT, 2002).

[...] Graças a Deus, eu tenho um número reduzido de alunos dentro de sala. Já tive vezes, aqui, que eu tive 44 alunos em sala de aula. Isto não é brincadeira não, foi o pior ano, não tem como, imagina isto numa sala

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de aula pequena como essas. Imagine você ter 44 alunos de oitava série e todos os alunos eram assim [entrevistado mostrou com os braços o tamanho e quão forte eram os alunos] eles eram mais altos que eu, fortes, um colado no outro. Acho que a questão do número de alunos influencia. Em média, aqui são de 28 a, no máximo, 35 alunos. Eu acho que se eu tivesse 44 alunos todos os anos eu teria problema psicológico. O número de alunos elevado gera problemas significativos, a gente sabe que uma turma com 44 é quase impossível dar aula. Quanto à indisciplina, você tem que ser duro com eles. Tem um caderno de ocorrência aqui, que eu procuro usar, fazer uma cobrança forte, anotar para depois passar para a supervisão, eu sempre trabalho a disciplina. Às vezes, eu peço para chamar os pais aqui, mas eu tento evitar ao máximo (PROFESSOR P-1, escola-2, oito anos de profissão).

Eu acho que o número é bom, já trabalhei com turmas maiores que dificulta o trabalho. Com esse número de alunos, o trabalho é mais individualizado. É importante acompanhar o trabalho mais individualizado. Quanto à disciplina, eu acho que tenho um bom manejo de turma, não sou linha-dura, não sou aquele professor que entra e esbraveja. Alguns professores acham que isso é produtivo, eu acho que não. Eu não quero ser aquele professor bonzinho que deixa tudo rolar, eu acho que eu consigo isso. Porque quando eu exijo, eles me atendem. Quando é para eu falar, quando é para eu explicar, eles sabem o que eu quero. Mas tem o momento mais da descontração, da conversa, eu tento fazer algo menos cansativo. A carga horária é muita, seis aulas, é muito puxado (PROFESSORA P-2, escola-2, oito anos de profissão).

A Professora P-4 diz que o apoio da direção da escola é fundamental para a

manutenção da ordem e da disciplina. Segundo ela, esse respaldo é sentido pelos

alunos e evidenciado pela pronta resposta que os gestores apresentam frente às

solicitações dos professores:

Eu tive um aluno da sétima série que eu pedi que ele trocasse de lugar. Ele se irritou e disse que não iria fazer. Eu disse, então, faço eu. Se você não pode fazer o que eu estou pedindo, então, vou sair da sala porque eu não sou obrigada a ficar com você desta maneira. Porque eu quero o melhor para você! Eu vou descer com meu material e peço o pessoal para assumir o meu lugar. Aí eu procurei a direção e imediatamente ela já tomou partido! Chamou o rapaz, chamou a família. Então, você tem que ter muito tato, muito jeito para conquistar! Depois dessa situação, a turma toda entendeu que eu não estava ali de bobeira! Que eu tinha o respaldo da direção, isso é muito importante! Os alunos, eles fazem essa leitura muito rápido! Quando o professor é respeitado pela direção ou quando não é! É a coisa mais impressionante! Eu custo a mandar alguém para a direção, para a supervisão, eu tento resolver o problema com eles. Eu falo com eles: não têm necessidade, sou eu e vocês. A gente consegue resolver, eu não preciso nem do seu pai! Porque vocês têm capacidade de me dar resposta, de conversar, você sabe conversar, por que eu vou chamar o seu pai aqui? Vamos resolver nós dois juntos! Então, eu transfiro essa situação para eles para que eles amadureçam. É dentro da sala de aula que eu resolvo com eles contando casos, ilustrando (PROFESSORA P-4, escola-2, oito anos de profissão).

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De acordo com Esteve (1999), a falta de apoio nos conflitos com os alunos é

motivo de descontentamento, irritabilidade e inibição dos professores. A inibição é

o fato de desinteressar-se pelo trabalho e pelas pessoas envolvidas e evolui para

a utilização do recurso da rotina, que, por sua vez, pode levar ao abandono da

profissão (CODO, 2006). A Professora P-4 (escola-2, 20 anos de profissão)

expressa sua nítida satisfação com a prontidão com que a direção da escola se

manifesta após suas solicitações.

Isso mostra outra estratégia de enfrentamento. A docente, em vez de se

confrontar com o aluno, apenas deixa a sala de aula e busca apoio dos gestores

(orientação pedagógica, vice-direção, direção). Não entrar em conflito com os

alunos pode ser entendido como uma estratégia para não gerar desgaste

emocional e, por conseguinte, não impactar negativamente a saúde docente.

Comportamento semelhante foi relato pela Professora P-6, na escola-2:

A aluna falou uma coisa de que você não gostou. Quantas vezes eu saí de sala, dei uma volta e voltei para a sala! Aconteceu uma situação com uma aluna à tarde, ela é totalmente fora de si. Ela é muito bonita. Palavrão para ela é como se fosse oi. Ela te desafia o tempo todo. Ela estava fotografando uma colega com o celular. Eu pedi para ela guardar. Ela disse que estava carregando. Eu falei, por favor, sala de aula não é lugar para carregar celular. Você pode sentar? Ela estava na carteira. Ela disse: estou na cadeira. Ela simplesmente pulou da carteira deu as costas para mim e começou a rebolar. Aí eu voltei para trás, porque a minha vontade era de bater. Ela rebolava e debochava. Aí, eu voltei para trás, respirei fundo e a sala e eles pararam. Não se ouvia nem respiração, todos olhando para mim e para ela para ver a minha reação. Eles viram que eu andei para trás e quando eles viram que ela parou de rebolar, aquilo ali foi quase uns 10 minutos. Eu disse: você me acompanha, por favor? Ela saiu da sala, eu acompanhei, levei até o vice-diretor e falei: aconteceu isto e isto e eu gostaria que você registrasse e chamasse o responsável por ela, porque se isto não acontecer ela não assiste mais às minhas aulas. Você pode colocar isto aí: às minhas aulas ela não assiste! E voltei para a sala. Os alunos disseram: professora, eu pensei que a senhora ia bater! Aí eu respondi: eu contei até 100! Eu consigo fazer isto! Eu fiquei extremamente nervosa, mas eu me afastei. Se eu bato nela, eu perderia meu registro e vale a pena isto? A prejudicada seria eu! Eu não vou fazer isto. Portanto, você tem que procurar essas estratégias, senão você se estressa realmente (PROFESSORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão).

As duas posturas foram semelhantes. Nos dois casos, as docentes evitaram o

confronto e recorreram ao apoio institucional para solucionar os embates. É

importante ressaltar que as docentes não pertencem à mesma escola. Outro

aspecto a observar é o tempo de carreira das professoras. As duas possuem mais

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de 18 anos de trajetória docente. Essa reação semelhante diante dos atos de

indisciplina reporta uma estratégia que, após o transtorno inicial, impede que o

transtorno ganhe amplas proporções e, certamente, contribui para a manutenção

da saúde dos “professores saudáveis” e pode ser compreendida como

renormalização.

5.4.4 Os cuidados com a voz

Os problemas com as cordas vocais aparecem como um dos fatores que mais

têm concorrido para o afastamento dos professores de sua atividade de trabalho

(VIANELLO, 2006). Os “professores saudáveis” sentem os impactos gerados por

salas de aula com acústica inadequada e alto nível de ruídos, mas utilizam

estratégias para minimizar esses agravos. O controle do tom de voz, a utilização

de trabalhos em grupo, o cuidado com a hidratação e recomendações nutricionais

foram aludidos como estratégias de preservação da saúde.

Eu evito gritar dentro de sala de aula. A garrafinha de água eu levo. Aqui, não se trabalha com pó de giz, mas eu já tive sinusite, o pó de giz estava até atrapalhando, isso aí era complicado mesmo, mas uma garrafinha de água é fundamental (PROFESSOR P-1 escola-1, oito anos de profissão).

A principal exigência física é a voz. Eu sempre tenho uma maçã na bolsa e a garrafinha de água. Eu uso, eu aprendi a usar. Eu só como maçã no período de aula. Janeiro, eu nem olho para a cara da maçã. Eu sempre tenho uma maçã e tomo água o tempo todo. É muito desgastante a questão da voz, fala-se demais. De repente, quando você vê, você já está dando um grito, o nosso tom de voz ele já é alto para atingir toda a sala, se você compete com a voz dos meninos e o ruído lá fora... A escola está em construção, eu tive que pedir para um moço que estava cortando uma pedra para parar um pouco uns 15 minutos. É muito desgastante e a gente acaba extrapolando com a voz (PROFESSORA, P-6, escola-2, 19 anos de profissão).

Constata-se, nesse depoimento, mais um exemplo de infidelidade do meio. Além

do desgaste provocado pelos ruídos internos, a escola estava em reforma em

pleno período letivo, o que acentuou o desgaste da voz. Já a Professora P-3 usa

a seguinte estratégia:

Eu tento falar menos, monto algumas atividades em que os meninos me ajudem. Os alunos percebem e quando eles percebem param. Observei isso aqui. Aí eu espero, eu dou um sinal. Aí os meninos falam um com outro. Falo mais baixo mesmo, não falo alto o tempo todo. Quando eu chego em sala, está todo mundo em pé. Troca de horário eles querem levantar. Eu entendo, aí eu espero, peço para sentar, vou fazendo com a

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mão sinais, eu tento não gritar mesmo. Bebo a minha aguinha, tento beber 500 mililitros de manhã e 500 mililitros de tarde (PROFESSORA P-3. escola-1, oito anos de profissão).

Eu uso uma garrafinha de água e hidrato as minhas cordas vocais quase o tempo todo! Não tomo gelado (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

Além da necessária hidratação, os docentes afirmaram realizar esforços para não

gritar em sala de aula, utilizando filmes e permitindo atividades livres e

recreativas. Como afirma a Professora P-2:

Eu vou ser sincera, quando estou começando a ficar cansada, chegando férias é um período que a gente está no limite. Então, eu procuro alternativas. Eu procuro atividades que exigem menos da voz e do meu físico e que sejam interessantes para os meninos. Aula mais livre, leitura livre, um filme que a gente passa para depois debater na aula. Alguma atividade mais lúdica para eles e para mim. Então eu faço isto ao longo do ano, mas, mais em momentos de mais cansaço mesmo. Onde nem eles estão aguentando (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão).

É óbvia a preocupação dessa docente com o combate ao cansaço e desgaste

físico. A professora revela que faz uso de alternativas ao longo do ano. Essa

atitude confirma o que declara Canguilhem (2000), que a luta pela vida e pela

saúde acontece sempre.

Quanto ao problema relacionado aos desgastes com as cordas vocais, os

“professores saudáveis” apresentaram estratégias praticamente unânimes.

Entende-se que esses cuidados se devem à ampla divulgação sobre o tema e,

também, à facilidade de implementação dos mesmos.

5.5 As estratégias dos “professores saudáveis” para combater o cansaço e

os desgastes fora da escola

A última pergunta proposta aos “professores saudáveis” relaciona-se às

estratégias para enfrentamento do cansaço em atividades realizadas fora do

contexto escolar. Procurou-se detectar as estratégias que os docentes lançam

mão para diminuir o desgaste do dia-a-dia e que ultrapassam a sala de aula. Os

docentes resgataram estratégias de enfrentamento que julgaram concorrer para a

busca e manutenção da saúde, ao longo da semana:

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Eu tento entrar em sala de aula focado no que eu vou passar. Eu tento fora da escola ter uma atividade física, tentar ter um equilíbrio. Porque, se não, a gente não dá conta não. Eu, graças a Deus, nunca tive problema de afastamento, de depressão, lesão por esforço repetitivo (LER). Eu tento ter uma vida saudável. Fora da escola tem muito professor que fica bitolado. Aquela coisa: fica sobrecarregado de trabalho e não tem tempo para ele, eu tento achar um tempo para mim (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Faço o que eu gosto fora da escola. Tento me proporcionar prazer, ir à academia. Faço academia há dois anos. Ali eu percebo a diferença na minha disposição física. Namorar bastante, relaxar, fazer o que me deixa feliz, ir à igreja que eu acho que é o momento que eu me recarrego, que eu penso em tudo que eu faço, eu penso nos meus alunos. Eu acho que na base espiritual a gente tem o alimento diário. A questão espiritual é muito importante para a gente aguentar o trabalho no dia-a-dia. Então, acho que é isso: tentar ser feliz. Fora da escola principalmente (PROFESSORA P-2, escola-2, oito anos de profissão).

Eu sempre tento ter uma atividade física, fazer caminhada, academia. A questão aeróbica eu sei que melhora o meu condicionamento, minha imunidade. Então, eu fico mais bem disposta, sempre faço um exercício físico. No final de semana, eu tento não trabalhar tanto. Eu procuro fazer tudo para a escola e para os meus alunos na sexta-feira ou sábado de manhã para ter o final de semana para descansar, para poder desligar um pouquinho, para não ficar tão estressada. No dia-a-dia eu faço as atividades da escola. Fora da escola, quando bate o sinal, eu procuro nem passar na sala dos professores, eu vou embora, para não reviver todo o estresse. É estressante lidar com várias pessoas ao mesmo tempo. Não que os meninos sejam um problema, mas a situação em si cansa! A energia gasta é muito grande! Eu vou para minha casa, me alimento bem, eu tento ter a alimentação mais adequada. Hoje em dia, eu estou em dois turnos. Eu almoço. Sento para o almoço. Pequenas coisas no meu dia-a-dia a que eu me dou o direito, para ter uma vidinha mais calma. A questão física, a alimentação, dispersar um pouco, eu chego ao carro e ligo o som. Para eu tirar o foco do que eu estava pensando há tempos (PROFESSORA, P-3, escola-2, oito anos de profissão).

Eu não fazia esporte, estou começando agora por causa das dores na perna e pelo fato de ficar muito em pé. Mas, eu estou tentando fazer uma caminhada, três vezes por semana. Eu leio muito. Eu leio a Bíblia e eu tenho assim um grupo de pessoas que a gente está sempre junto, todos os sábados. A gente se reúne em casas. A gente bate papo, a gente fala da palavra. Eu gosto muito de ouvir música, me tranquiliza. Geralmente, aquelas músicas clássicas que falam de autoestima, eu trago à minha memória tudo o que pode me dar esperança. Eu me alimento disso, eu tenho amigos. Nas minhas horas mais difíceis eu me construí sabendo que se Deus é Pai Ele também pode ser comigo. Eu acho que a minha base é Deus! A minha família e Deus, eu busco isso (PROFESSORA P-4, escola-2, 20 anos de profissão).

[...] música, adoro escutar música, é minha válvula para amenizar o estresse, beber uma taça de vinho. Eu mexo com a planta também, olha ali os vasos, eu que fiz (mostrou os vasos no canto da sala), eu tirei a idéia da minha cabeça, fui à loja, comprei e fiz. Eu gosto de ver no computador coisas de paisagismo. Gosto de mexer com a planta. Meu marido fala: comprou a planta? Você já se desestressou? (PROFESSORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

Olha, a primeira coisa é ter um pensamento positivo, o seu pensamento guia o seu dia. Eu procuro, de certa forma, separar a questão pessoal da profissional. O aluno não tem culpa se eu não estou bem! Ali é o seu

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trabalho! Faz parte da sua vida, mas não é sua vida! Então, se você se estressar o maior prejudicado é você com a sua saúde. No final das contas, é você quem terá um problema de saúde. Eu acho que professor é muito sobrecarregado. São poucos professores que eu conheço que trabalham em um só lugar. Você tem que criar essas estratégias, de levar a sério, mas não tão a sério a ponto de estar te prejudicando, senão você se estressa realmente. A sua vida é fora do muro de escola. Vá viajar, vá conversar com os amigos, vá falar besteira, vá ao cinema, vá ao campo de futebol, vá fazer uma ginástica, vá fazer outro curso. Desliga, se não a gente pira aqui dentro! Eu já tive colega que trabalhava em três turnos e que foi para casa a pé, chegou às três horas da manhã com uma caixa de papelão na cabeça e realmente surtou! Olha o nível que ela chegou! Andou a pé de um bairro até outro! Então, você tem que procurar manter a sua saúde! Porque, se não, você não aguenta mesmo não! Eu ouço música, eu leio um livro, eu passo em algum lugar, vou para o shopping descansar a cabeça. Sábado, por exemplo, eu me recuso a pegar qualquer material de escola, eu vou trabalhar agora à tarde (sábado, reposição de greve do estado). Eu disse para os meninos: eu não vou fazer chamada, quem vier aqui eu vou trazer os livros de literatura e a gente vai ficar lendo. Sábado eu não mexo em nada, em hipótese nenhuma! Esta é a minha estratégia. Eu digo que sábado é o meu dia sagrado! Procuro esquecer da escola. Eu faço uma caminhada, eu vou para outro lugar, vou ver jornal, eu passo em outro lugar, eu procuro fazer uma atividade física porque a gente vive muito tensa na escola. Então, você tem que dar uma relaxada, senão, você não consegue nem dormir (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

Diversas ações foram abordadas pelos “professores saudáveis” para combater o

estresse do dia-a-dia. Fazer atividade física (caminhada, academia, atividade

aeróbica, corrida), jogar bola, ter vida saudável, ter tempo para projetos pessoais,

fazer algo que proporcione felicidade, namorar, ir à igreja, realizar as atividades

de escola até o sábado de manhã, não passar na sala dos professores no último

horário (para não relembrar situações cotidianas), ter boa alimentação, ligar o

som do carro após sair da escola, ouvir música em casa, ler a Bíblia, conviver

com os amigos, beber uma taça de vinho, mexer com plantas, manter o

pensamento positivo, separar a questão pessoal da questão profissional, não

jogar a culpa no aluno, viajar, ir ao cinema, “jogar conversa fora”, ir ao campo de

futebol, fazer outro curso, ler um livro, ir ao shopping, não trabalhar aos sábados,

ler jornal, sumir com os materiais de escola nas férias, não trabalhar quando

estiver cansada (faltar para não faltar).

Não é possível afirmar que essas ações, isoladamente, possam auxiliar os

“professores saudáveis” a lidar com o desgaste, o cansaço e os diversos

problemas que cercam a atividade docente. Detectou-se, entretanto, que os

docentes investigados têm a clara percepção da importância dos itens elencados

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para a manutenção da saúde. A diversidade de ações realizadas, a partir do

momento em que deixam a sala de aula, revela quão subjetivas e cheias de

particularidades são as escolhas de cada docente.

Nenhuma das estratégias foi citada por todos os docentes. Nem a realização de

atividades físicas, elemento tão comum como estratégia para enfrentamento de

cansaço e defesa da saúde, foi unânime na fala dos depoentes. Isso reforça o

entendimento de que a leitura feita em cada situação, a razão por que escolhem

determinadas estratégias é muito particular. Essas escolhas e as ações

resultantes delas são, para a ergologia, o cerne da atividade do trabalho.

A capacidade de criar e recriar, que é inerente aos sujeitos, acompanha as

análises que o trabalhador faz diante das mais diversas situações que o levam a

fazer escolhas para decidir o que fazer. Para combater o cansaço e o desgaste,

patenteou-se que os ”professores saudáveis” desenvolvem estratégias variadas e,

dessa maneira, confirma-se o pressuposto ergológico da impossibilidade de tudo

prever ou antecipar na atividade de trabalho. Em virtude disto, sempre haverá

algo de novo a ser incorporado na atividade cotidiana que vive enfrentamentos

singulares, faz escolhas e toma decisões subjetivas.

5.6 Os “professores saudáveis” pelos “professores saudáveis”

Este subitem explora a reflexão que os “professores saudáveis” fizeram de si

mesmos. A pergunta voltada para suas características pessoais e profissionais

desafiou-os a tal ponto que houve momentos de silêncio e até de desistência em

falar. Os docentes foram conduzidos a refletir sobre sua conduta na atividade

docente e se autodefinir nesse contexto. Puderam, em função desse

questionamento, analisar como suas crenças, valores e história de vida interferem

em suas escolhas e decisões no âmbito do trabalho.

[...] Eu sou duro com os alunos em questão de cobrança, mas ao mesmo tempo, eu posso dizer que eu sou muito brincalhão, eu sou afetivo. Eu quero saber deles, eu quero saber o está acontecendo na vida deles. Eles vêm isso, sabe, tem o reconhecimento, eles saem daqui, eles saem sentindo saudade. Vários alunos vêm, eles chegam na direção, eles liberam os alunos para vir conversar com a gente. A gente pega

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confiança na família, às vezes a mãe vem aqui para conversar (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Eu sou responsável. Sempre tentei levar o meu trabalho a sério, não dar motivo para ninguém vir cobrar algo a mais. Eu acho que eu faço o que eu devo fazer, sou pontual, sou assídua, tenho bom relacionamento. Lógico que a gente se relaciona melhor com uns do que com outros, acho que faço bem o que faço. Tenho essa responsabilidade de tentar fazer bem. Sei da importância que eu tenho de participar mesmo da formação de um ser humano, de estar contribuindo, de ser um mediador do saber e da construção dele, como a família ou alguém importante. Eu acho que eu tenho essa importância na vida e isso para mim é o que me deixa mais motivada, de repente é desenvolver o meu papel bem (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão).

Eu tento conversar muito com os alunos, eu tento montar aula, com informações relacionadas ao conteúdo, mas, ao mesmo tempo estar próxima deles, eu tento ser afetiva, ser agradável, ser aquela amiga, não sou só professora (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

Eu sou bem criativa, gosto de coisas diferentes. Eu sou muito tranquila, sou otimista, sou muito esperançosa, o que me motiva muito. Não fico pensando que eu quero me aposentar. Eu não quero aposentar! É até interessante! Eu me sinto como se eu estivesse começando hoje! Mas é como se eu tivesse começado tudo de novo, é um renovo (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

[...] eu sou compreensiva em todos os pontos, amiga dos meninos demais! Cumpridora dos meus deveres. Pois todas as pessoas têm direito de aprender tudo que você pode passar. Supersincera, justa, respeito o aluno, tem professor que chama o aluno de burro e acha graça nisso! Nunca tenho coragem de menosprezar porque ele não tem boas condições financeiras. Eu não menosprezo eles, eu não falo mal. A minha intenção é sempre ele poder pensar. Tem que ter normas, se você arruma um emprego você tem que ter limite, você tem que ter respeito, respeitar seu chefe. Um mendigo, uma pessoa na rua, você não pode sair xingando (PROFESSORA P-5, escola-1, 18 anos de profissão).

A partir desses depoimentos, infere-se a importância dada às relações

interpessoais: afetividade, compreensão, amizade e interesse pelos problemas

dos discentes, encontrar sentido na atividade docente, compreender o fazer

pedagógico, contribuir na posição de mediar o saber e formação dos alunos

(PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão). Esses aspectos aparecem

conjugados em reflexões sobre profissionalismo, pontualidade, responsabilidade,

seriedade e respeito. A autoimagem dos “professores saudáveis” é satisfatória e

consegue-se percebê-la independentemente do reconhecimento que recebam de

terceiros.

O próximo item apresenta o ponto de vista dos “professores saudáveis” sobre o

reconhecimento que recebem da sociedade e qual o impacto desse fator na

realização da atividade docente.

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5.7 O reconhecimento social: fator sem importância relevante

Em relação ao reconhecimento social, mais uma vez não se encontrou

unanimidade entre os depoentes. As opiniões apresentadas foram discordantes.

Para a maioria, o reconhecimento social é pouco, mas esse fator não influi em

seu rendimento profissional:

Eles acham que nós trabalhamos pouco, o que não é verdade, e como eu já disse, eu tenho muito trabalho extraclasse. Tenho muita coisa para fazer fora do horário [...] eu não tenho vergonha de dizer que eu sou professora. Tem gente que fala, às vezes: eu sou funcionária pública. Eu digo: sou professora. Eu tenho prazer. Porque eu sei que o que eu faço é tão importante e encho a boca para falar: sou professora! (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos profissão).

Não é tão grande o reconhecimento da sociedade com o professor, infelizmente, não é tão bom como deveria ser, porque eu acho que é a base. A sociedade não valoriza a gente, se vê isso nas manifestações. Acontece uma greve, os pais vão contra os professores. É complicado, é triste. Se for olhar por este lado, é muito complicado (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos profissão).

[...] reconhecimento social a gente não tem não. Já me perguntaram o que eu fazia e eu disse: sou professora. Então perguntaram: você trabalha de quê? As pessoas nem acham que é profissão! Mas eu não me importo com isso não, vocês acham o que vocês quiserem achar! O que me realiza é o que eu faço! Se você acha que eu não tenho valor, não me interessa (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos profissão)!

Somente o Professor P-1 confirmou que se sente valorizado na realização na

atividade docente:

Olha, por incrível que pareça aqui na escola, na comunidade eles reconhecem muito o meu trabalho, eu vejo assim eles [está falando dos pais] ficam a favor do professor, eu já trabalhei em escola particular e o pai vai conversar com você em tom só de cobrança. Na rede pública eu vejo mais reconhecimento, reconhecimento que você está fazendo o melhor. Muitas vezes tem pai que acha que você agiu de uma forma errada e vem com aquela cobrança, mas na rede pública como aqui na escola tem um reconhecimento maior. Eles sabem que você está fazendo o melhor seu (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

As demais professoras foram enfáticas ao afirmar que o reconhecimento social

que recebem é pouco ou inexistente. Curioso foi perceber que, em contrapartida,

ao mesmo tempo em que se sentem desvalorizados, desenvolvem estratégia

defensiva. A autoestima aflora no uso de palavras como prazer, orgulho,

valorização da atividade desempenhada e indiferença atribuída ao pouco

reconhecimento social recebido.

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Pode-se afirmar que esse fator não é tido pelos docentes como agravo ou

contribuinte para o cansaço ou o desgaste físico da atividade docente. Entende-

se que os “professores saudáveis” desenvolvem uma estratégia de

“autorreconhecimento” contra o pouco reconhecimento social que recebem. Eles

se valorizam. Compreendem a importância do trabalho que realizam e minimizam

a necessidade de receber o reconhecimento de terceiros, apesar de o desejarem.

A subjetividade de cada sujeito interfere nas escolhas que faz e marca as

estratégias que conduzem o trabalhador à boa saúde. Confirma-se a mobilização

do “corpo si” e do “uso de si” por parte dos professores entrevistados

(SCHWARTZ, 2000), além da relação entre a autoestima e a melhoria do

interesse pessoal no desenvolvimento da atividade docente (VERGARA, 2008).

O subitem a seguir aborda o aspecto motivacional dos “professores saudáveis”.

Este tema é polêmico, visto que existem divergências em relação à motivação, se

ela é algo intrínseco ou pode ser estimulada externamente. Resolveu-se inquirir

os professores acerca de quais fatores lhes conduzem a momentos de satisfação

e prazer.

5.7.1 O que motiva os “professores saudáveis” em um meio aparentemente

desmotivador?

Salários defasados, deficiência nos recursos didáticos, falta de reconhecimento

social são fatores suficientes para alterar ou reduzir o nível de mobilização e

interesse pela atividade docente. Entretanto, os “professores saudáveis”, em sua

maioria, consideram elevado seu nível de motivação diária:

Meu nível de motivação diário é alto. Fico motivado quando vejo que o aluno evoluiu. Hoje mesmo, quando saí da sala, eu vi um aluno que disse que tirou todas as notas azuis, um aluno fraco. Eu vejo que ele está melhorando, isto é motivante (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

[...] saber que eu trabalho com pessoas, para mim, isto me motiva. É o que me motiva, não é o dinheiro. Eu tenho essa consciência da importância que eu tenho, do trabalho que eu desenvolvo, de passar pela vida de tanta gente. Quando eu saio daqui, eu encontro com eles e

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eles dizem: “ah! você faz falta, que saudades daqui”. Isso para mim é motivante! A tecnologia tem muita coisa ruim, mas tem muita coisa boa. No Orkut eles dizem: “professora, que saudade!” Eu sei das pegadas que eu deixo. O que mais me motiva, no momento, é essa troca! É a afetividade mesmo. Eu acho que isso me motiva a continuar. Eu acho que eu tenho o dom para isso. Gosto dessa questão mesmo, sem hipocrisia. Eu sei que eu colaboro com alguma coisa com esse ser, a formação da pessoa. Eu me lembro de alguns professores que eu tive. Eu lembro a forma com que eles ensinavam. Mas eu lembro o que faziam, eu lembro a roupa que eles usavam. São pessoas que marcam. Então, hoje eu estou marcando essas pessoas e sei que isso é importante (PROFESSOR P-2, escola-1, oito anos de profissão).

Não há como realizar uma atividade de trabalho docente sem que o contexto de

vida, da ética, dos valores influenciem essa atividade. A Professora P-4 ressalta:

[...] promover em uma pessoa a mudança para o melhor. Isso me motiva. Quando eu consigo passar a minha experiência às jovens. Percebo que muitas delas acabam se prostituindo muito cedo. Quando eu consigo plantar no coração delas outro modo de viver, que elas podem conseguir algo com o fruto do trabalho delas, então, assim, eu já consegui isso! Chegar e conseguir atingir o aluno de alguma forma. Tanto que eu tento criar aulas que são do interesse deles. Se eu consigo atingir aquele aluno com a aprendizagem, de alguma forma para mim é legal (PROFESSOR P-4, escola-1, 20 anos de profissão).

[...] saber que tem alunos que abraçam a gente, conversam com a gente. Eles têm o maior carinho com a gente. O nível de afetividade, eles conversam com a gente, se eles querem vir aqui e encostar-se a você eles fazem isso, o lado afetivo deles. Com isso eu os conquisto com esse lado afetivo (PROFESSORA P-5, escola-1, 20 anos de profissão).

O que motiva mesmo é você chegar ao final do ano e ver que seu aluno aprendeu e modificou-se do que quando ele entrou, em comportamento, não em conteúdo. Mas só ele ter se tornado melhor, uma pessoa mais reflexiva, que conhece o seu direito, se ele aprendeu isso, é muito mais importante. O que é uma nota? O que é um número? É o que eu brigo com a Secretaria, quero saber se o aluno aprendeu. Nada me faz sofrer no mundo. Se um dia isto acontecer, eu procuro outra coisa para fazer, a ficar doente por conta de trabalho. Eu dou valor ao meu trabalho (PROFESSORA P-6, escola-1, 18 anos de profissão).

Interessante ressaltar que, apesar de vivenciarem situações adversas no trabalho

docente, os “professores saudáveis” buscam elementos que deem sentido ao

trabalho e que despertem seu nível motivacional. Apesar das mais diversas

origens desses fatores motivadores (evolução pedagógica dos alunos,

reconhecimento dos alunos egressos, carinho dos discentes), uma das docentes

afirma: “reconheço a importância do trabalho que realizo, o salário que recebo

não é o mais importante” (PROFESSORA, P-2). O ponto central dessa motivação

é a importância que atribui a si própria e à atividade que desempenha.

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Quanto ao tão frequente descontentamento salarial26 da categoria, a depoente

destaca que está em segundo plano. Outro traço marcante nessa declaração é a

influência de sua história de vida em sua forma de atuar: a docente se lembra dos

professores que teve e até das roupas que usavam. Essas lembranças,

subentende-se, influem na realização da atividade docente e na construção de

suas estratégias profissionais, configuradas em um estilo de atuação impregnado

de subjetividade formatada no decorrer das experiências de vida.

5.7.2 A valorização da espiritualidade pelos “professores saudáveis”

O ultimo eixo temático da entrevista versou sobre estratégias de enfrentamento

dispensadas fora do contexto escolar para combater as dificuldades inerentes à

atividade doente. A dimensão espiritual apareceu aqui. De forma geral, todos os

docentes afirmaram possuir alguma opção religiosa. Enfatizaram que a

espiritualidade é fonte de recomposição de energias e suporte para a

continuidade da trajetória pessoal e profissional.

[...] eu tenho muita fé, eu oro sempre, eu sou católico. Eu procuro ter fé, porque depois que você falou uma palavra malfalada não tem conserto, a palavra não volta atrás, depois que você magoa alguém, às vezes isso pode causar um transtorno muito grande. Eu peço muito a Deus proteção e para evitar falar aquilo que não pode. Tanto para o aluno quanto para mim. Eu oro muito para eles. Peço a Deus para me dar controle (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Eu sou católica. Minha mãe é evangélica. Eu também vou com ela. Como eu disse, não é a denominação, não é um lugar. Eu acho que isso é fundamental e eu falo isso com os alunos. A gente tem que ter fé, buscar Deus. Acho que isso me dá força, com certeza. Eu acho importantíssimo (PROFESSORA P-2, escola-1, oito anos de profissão).

Auxilia quando eu tenho problema com alunos eu penso: oh, meu Deus! Calma, vamos ver o que vai acontecer. O lado religioso auxilia o lado moral (PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

Eu sou católica, mas eu sou mais do lado espiritual. Eu oro antes de sair casa. Eu peço sabedoria, que eu tenha discernimento, que eu saiba ouvir meu aluno. Muitas vezes, a gente tem de se colocar no lugar deles porque eles são adolescentes. Todo mundo já passou por essa fase. Todo mundo já foi adolescente. A gente sabe como é essa fase. Então, a gente pede, nesse sentido, uma orientação! A gente precisa disto (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

A espiritualidade apresentou-se como aporte positivo, segundo os “professores

saudáveis”, no enfrentamento dos problemas da atividade docente. Pode-se

26 O salário bruto pago para um cargo de 20 horas semanais, 2010, é inferior a dois salários mínimos (dado fornecido pela Professora P-6).

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considerá-la como elemento que auxilia a composição de estratégias para a

manutenção da saúde. De acordo com os entrevistados, existe vínculo entre os

desejos e aspirações dos docentes e a espiritualidade, ela produz equilíbrio,

sabedoria, discernimento e calma, elementos que contribuem para um bom

relacionamento interpessoal não só com os alunos, mas com todos os outros

sujeitos da comunidade escolar.

5.7.3 Os “professores saudáveis” na comparação com os demais docentes

Embora o conceito de saúde de Canguilhem (2000) chame a atenção para o fato

de que é necessário comparar os diversos estados de um sujeito em relação a ele

próprio, já que a normalidade não pode ser considerada padrão, resolveu-se

questionar os docentes sobre como percebem a atividade que desempenham em

comparação com os demais colegas. Esse questionamento objetivou buscar

nessa comparação mais elementos que pudessem ser requisitados pelos

“professores saudáveis” como estratégias para manutenção da saúde. Reforça-se

neste ponto que, de acordo com a “filosofia das normas”, esse procedimento é

incorreto, pois, para inferir em um estado de normalidade, não se pode comparar

um indivíduo com o outro, e sim com ele mesmo.

Os docentes foram desafiados a comparar sua prática docente à dos demais

colegas. Nesta comparação, percebem que realizam a atividade docente e

enfrentam os problemas do dia-a-dia de forma diversa de seus pares, porém, não

é possível identificar senão indícios:

[...] em alguns casos, sim, eu não posso generalizar, porque tem muito colega meu que sabe lidar com a educação, mas tem um colega meu, professor de História, supergente boa, que levava a coisa tão a sério que várias vezes caiu em depressão. Eu fiquei sabendo que ele está trabalhando em outra escola. Ele está com problemas. Mas alguns trabalham de forma até tranquila. Eu não trabalho diferente deles, eles também têm estratégias que sobressaem, em alguns casos sim, em outros eu sou igual à maioria (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Não, eu acho que sofro junto também. A gente acaba dividindo isto tudo: questões de família, dificuldades financeiras, constrangimentos que a gente vive no dia-a-dia. Eu acho que não é melhor ou pior, a gente divide. Eu acho que é bem parecido. A gente tem o dia-a-dia ali muito parecido. Para trocar as mesmas experiências, eu não acho que é diferente (PROFESSOR P-2, escola-1, oito anos de profissão).

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Como já discutido anteriormente, as particularidades de cada indivíduo remetem

ao sujeito singular, que submete cada situação à sua experiência de vida, aos

seus valores, às suas escolhas.

Sim, eu acho que sim, eu converso com os alunos. Os professores são muito secos com eles, às vezes, eles querem dizer apenas uma frase. Eu mexo muito com o lado afetivo do aluno, aí um passa pro outro e outro escuta, eu ajudo os alunos. Eles chegam perto de mim. Eu junto as coisas aqui em casa e levo para lá. Eles sabem que podem contar comigo em qualquer horário, em qualquer coisa, eu falo que só não tenho dinheiro para emprestar [risos] (PROFESSORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

Sim, eu vejo que alguns colegas perdem o controle. Eles perdem o controle muito facilmente. Eles batem de frente com o aluno. O professor só perde quando ele bate de frente! Ele perde junto à direção da escola, ele perde com a família, porque nós somos o lado fraco da situação! No entanto, sempre recomendo: não bata de frente! Se você viu, põe para fora de sala, não deixe de registrar, não deixe passar. Foi hoje, você registra hoje. Bater de frente com o aluno não é bom, senão a situação piora. É a sua fala contra a fala do aluno e eles são muito unidos, a sala fica toda do lado do colega. Eu registro tudo, peço para registrar para mim e eu assino (PROFESSORA P-6, escola-2, 18 anos de profissão).

Em virtude do pouco tempo de troca e construção coletiva no cotidiano da escola,

reconhece-se que é difícil para qualquer docente comparar sua atividade à do

coletivo de professores. Na abordagem da normalidade defendida por

Canguilhem (2000), essa comparação é infundada, pois despreza as

particularidades de cada ser e as situações vividas por cada indivíduo. Em função

disto, não é possível identificar elementos sólidos para essa comparação.

A estratégia utilizada pela Professora P-6 merece registro. Para a docente, é

importante que os professores não percam o controle diante de situações de

conflito, não entrem em rota de colisão com os alunos, documentem toda e

qualquer situação conflitante, registrando-a junto aos gestores da escola. A

Professora P-5 (escola-2, 20 anos de profissão) concorda com a estratégia da

Professora P-6 e acrescenta um recurso, no mínimo curioso, para evitar os

confrontos:

[...] eu só escuto o que eu quero. Eu ensino para eles isso, eu só escuto o que eu quero, viu gente? O que eu não quero eu ignoro, pois eu não agrado a todos. Eu não bato boca com aluno, como alguns professores falam. Se você me encontrar batendo boca [risos], não existe! Tem

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professor que discute (PROFESSORA P-5, escola-2, 20 anos de profissão).

Essas ações podem ser incluídas em estratégias que concorrem para a

manutenção da saúde docente, são mecanismos de enfrentamento típicos da

atividade humana do trabalho. Desenvolvem-se por meio de saberes peculiares

para lidar com os conflitos, maneiras diferentes de se posicionar diante deles.

O subitem seguinte teve como meta utilizar um dos pressupostos da ergologia,

que é a construção de estratégias por parte dos próprios trabalhadores. Os

docentes foram convocados a pensar o fenômeno do adoecimento e saídas para

seu combate.

5.7.4 A construção de soluções pela ótica dos “professores saudáveis”

Os “professores saudáveis” foram convidados, por fim, a propor estratégias para o

fenômeno do adoecimento docente. A partir desse momento, saíram de uma

posição exterior ao problema para uma em que foram convocados a buscar

soluções para o problema e participar da construção coletiva para a busca por

soluções para a manutenção da saúde.

A perspectiva ergológica atribui valor relevante à ótica dos trabalhadores na

busca de soluções para os problemas que surgem na atividade de trabalho, pois

as renormalizações só podem ser realizadas, de fato, por quem vive a atividade

de trabalho. O confronto com as normas antecedentes ou o debate de normas é

regido pela relação do trabalhador com o meio saturado pelas normas que o

envolvem (SCHWARTZ, 2000). O produto desse debate os conduz a adaptações

a situações de desconforto, busca por saídas para problemas cotidianos e

manutenção da saúde. Por mais que os agentes externos, pesquisadores,

sindicalistas, ergologistas, entre outros, possam induzir ou estimular a busca de

soluções, ela só fará sentido e será legitimada se os trabalhadores envolvidos

participarem do processo.

O que se constitui como criação e recriação de soluções é produto da

singularidade e das respostas particulares do trabalhador no seu encontro com as

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normas de trabalho. Para os docentes, há necessidade de algumas reflexões

antes da busca por soluções:

[...] a primeira coisa é o seguinte: goste realmente da área. Tente criar estratégias. Eu vejo que tem pessoas que não gostam. Odeiam sala de aula. Use estratégias diferentes. Não tente ver o aluno como inimigo. Veja-o como amigo. Como uma pessoa com problemas, muitos problemas e ver que ali tem uma pessoa que está precisando não só da matéria que você está passando, mas de um algo mais (PROFESSOR P-1, escola-1, oito anos de profissão).

Buscar em Deus a resposta. Porque a prática de sala de aula, ela é baseada em muitos desafios e não tem respostas e que as coisas requerem respostas muito rápidas. Ao sair de casa pedir: Deus me acompanhe! Vá à minha frente! Me segura quando eu precisar! O êxito só vem a partir daí! A gente é aquilo das atitudes, só somos reconhecidos pelas nossas atitudes, não adianta você querer fazer uma coisa e pregar outra! Ter essa humildade (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão)!

[...] É uma questão do sistema. Uma questão que viesse da mudança da educação no país. A valorização do salário, eu acho que o professor tinha que ter um salário que desse condições dele estar em apenas um estabelecimento de ensino! Poder planejar, que pudesse estudar, que pudesse se capacitar para os alunos de hoje. Porque a gente não tem tempo para estudar, falta dinheiro, falta tempo. Muitos professores adoecem porque são sobrecarregados de trabalho e têm família para sustentar e o serviço não dá! [...] A gente tinha que estar sempre em busca de novos conhecimentos, de novas práticas, encontrar com outras pessoas que pudessem mostrar outros meios e, muitas vezes, a gente fica na mesmice. [...] Conheço muitas pessoas que entraram no magistério por bico! E diziam: quando eu arrumar algo melhor, eu saio! Então, essa pessoa não tem compromisso nenhum com a educação! Eu acho que o que não tem compromisso ele adoece! Ele adoece porque é para ele não estar ali! Eu tenho uma colega que está terminando Direito, eu já falei com ela várias vezes: isto aqui não é mais para você, vá fazer um estágio! Ela já entra assim! Aquelas pragas vieram? Ela chega ali rejeitando e ela se rejeita junto. Ela falta bastante e o dia em que ela vai ela reclama. Ela reclama o tempo todo. Ela fica porque ela precisa do dinheiro para pagar a faculdade. O magistério já virou um bico! Há aqueles também que se cobram demais! Esses também adoecem. Tem aluno que não sabe ler! Tem a questão da família, tem a questão da droga, da venda, do consumo, o professor começa a levar isso muito a sério e vai adoecer. Ele não tem uma perspectiva maior do que a que é oferecida! Então você tem que ser tipo camaleão, ir se adaptando ao ambiente. Não coloque todas as suas expectativas no trabalho. Não pense que você é dono da verdade, que você é perfeito, se não você vai adoecer. Então, tenha a sua vida, escola não é nem o início nem o fim da sua vida! Quando você colocar o pé para fora da escola, vá fazer outra coisa (PROFESSORA P-6, escola-2, 19 anos de profissão).

A Professora P-6 expôs, com riqueza de detalhes, seu ponto de vista sobre o

fenômeno do adoecimento docente e suas as causas, bem como estratégias para

seu combate. Não há como compreender a atividade docente se não houver

imersão na realidade dos professores e sem levar em consideração seu modo de

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viver essa atividade. É a partir da ótica docente que se pode analisar e melhor

compreender como a atividade humana se desenvolve e quais são os

pressupostos que dirigem as escolhas que produzem um jeito singular de

trabalhar e de transformar o trabalho.

A ergologia preconiza que é fundamental incorporar os saberes constituídos e os

conhecimentos dos trabalhadores para a busca por soluções para os problemas

do trabalho. É esse diálogo de saberes que produz saídas para os problemas

advindos da lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real. O que é produzido

pelo sujeito no debate que estabelece com as normas antecedentes, que se

apresenta como processo de renormalização, revelou-se como elemento

fundamental para compreender como esses professores realizam a atividade

docente para manterem-se saudáveis.

A capacidade de renormalização detectada na análise da atividade dos

“professores saudáveis” confirmou o que nos indicaram Canguilhem (2000) e

Schwartz (2000). De acordo com esses autores, os indivíduos normativos são

mais aptos à manutenção e construção da saúde, pois detêm melhor condição de

se adaptar e modificar o que no meio circundante se lhes apresenta como infiel.

Os “professores saudáveis” mantêm-se trabalhando sem afastamentos, pois

conseguem, a partir de suas características intrínsecas e subjetivas, ser mais

propensos ao debate de normas e à produção de estratégias para a manutenção

de sua saúde.

5.8 “Professores saudáveis”: a definição de um perfil

Como se explicitou no item sobre a metodologia, o critério escolhido para definir

os “professores saudáveis” nesta pesquisa foi o não afastamento do trabalho

docente por motivo de saúde, desde o momento da posse no serviço público.

De acordo com os entrevistados, o relacionamento com os sujeitos da

comunidade escolar é satisfatório, jamais foram agredidos fisicamente pelos

alunos e nenhum dos entrevistados pensou em abandonar a profissão. Eles se

consideram criativos e motivados. Apesar de apresentarem descontentamento

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com algumas normas antecedentes, sobretudo por não terem participado da

elaboração das mesmas, acreditam que prescrições contribuem para o bom

andamento da escola, como horários de entrada e saída, prazo para entrega de

notas, entre outras. De forma geral, afirmaram ter liberdade para a realização da

atividade docente.

Um fato se destaca ao se comparar os resultados deste estudo com os achados

de Faria e Rachid (2009). Segundo os depoimentos já transcritos, os baixos

salários e o pouco reconhecimento que recebem não são fatores de

desmobilização. Tais aspectos não os impedem de realizar o trabalho docente

com qualidade, nem contribui para o adoecimento, para a ausência da sala de

aula por motivo de licenças, nem para o possível abandono da carreira. Em

contrapartida, eles se mostram insatisfeitos com as duas situações, porém

deslocam o lócus de manifestação dessa insatisfação para a atuação política nas

escolas, reivindicando seus direitos e participando de greves por melhores

salários e condições de trabalho.

Apesar de insatisfeitos com as condições de trabalho ofertadas pelo município, as

seguintes estratégias exemplificam o que fazem os “professores saudáveis” para

conviver com elas: imprimir cópias de materiais em casa, trazer material de outra

escola, usar a cota de cópias de outra instituição, comprar o próprio material,

trazer material de casa (som e DVD), entre outras. São ações que comprovam a

posição pró-ativa desses educadores na busca de soluções para melhorar a

realização da atividade docente. No entanto, têm clareza de que são práticas que

não devem substituir as de responsabilidade do Poder Público, que deve oferecer

os meios necessários para fazer avançar o Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB).

Os depoimentos ilustram, também, as “ações transgressoras” que comprovam o

debate que travam com as normas antecedentes e a relação positiva que

desenvolvem com a atividade docente: “eu amo de paixão o que eu faço”

(PROFESSORA P-4); “eu não me vejo fazendo outra coisa” (PROFESSOR P-1);

“quando eu venho para escola eu descanso” (PROFESSORA P-5).

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Os “professores saudáveis” são trabalhadores que vivenciam a imprevisibilidade

dos fatos no ambiente escolar, configurada pelas infidelidades do meio: tomam

cuidados com a voz e desenvolvem estratégias preventivas, praticam esportes e

garantem atividades de lazer para combater o estresse. Consideram-se afetivos,

compreensivos, amigos e preocupados com a formação integral dos discentes,

possuem autoestima elevada, reconhecem a importância da atividade que

desenvolvem e igualmente a relevância social do trabalho que desempenham.

Ademais, revelaram grande satisfação quanto ao fato de alunos egressos

retornarem à escola e afirmarem sentir saudade do tempo em que conviveram

com eles. Por fim, atestam possuir espaço não só para criar, mas recriar sua

atividade a cada dia.

Os “professores saudáveis” realizam tanto atividades individuais quanto em

pequenos grupos, como recurso para minimizar os desgastes físicos e preservar

a voz. Confirmaram saber lidar com a indisciplina, consideram que o número de

alunos em sala de aula nas escolas, ainda que podendo interferir na atividade

planejada, não gera grande desgaste. Afirmaram que a espiritualidade os auxilia a

lidar com problemas em sala de aula, utilizam filmes, aulas livres, momentos de

recreação e dinâmicas para tornar a atividade docente menos impactante para si

e para os alunos e confirmaram que mudam, constantemente, as atividades

docentes em sala de aula.

No tocante às normas prescritas, os “professores saudáveis”, inicialmente,

assumem posturas reativas e de confronto, principalmente quando as tarefas são

impostas. Por outro lado, ao compreenderem que as normas são importante

balizador da atividade docente, mostram-se comprometidos com elas,

evidenciando o debate de normas e a transformação das normas antecedentes

por meio da renormalização. Lidam bem com o vazio de normas e desenvolvem

estratégias singulares para desvencilhar-se dele. Afirmaram ter períodos de

cansaço e nervosismo, mas desenvolvem estratégias para combatê-los.

Confirmaram, ainda, que suas crenças, valores e escolhas interferem em suas

decisões cotidianas.

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Após serem conduzidos à comparação de seus atos cotidianos com o de outros

professores, consideraram, em sua maioria, que agem de forma diferente de seus

pares, apesar de não haver índicos sólidos desta afirmativa. Puderam, ainda,

reconhecer que os atos de renormalização e as estratégias fora da escola

constituem, em seu conjunto, mecanismos de enfrentamento para a manutenção

da saúde.

Em resumo, “os professores saudáveis” praticam constantes atos de

renormalização e desenvolvem ações estratégicas de enfrentamento para a

manutenção da saúde. Confirmou-se que entre o trabalho prescrito e o trabalho

real é que suas ações renormalizadoras se manifestam. As normas antecedentes

não geram apenas desgaste aos “professores saudáveis”, mas possibilidade de

exercitar, com frequência, sua capacidade de criar e recriar estratégias que

envolvem saberes variados. Pode-se afirmar, por fim, que a manutenção de sua

saúde sofre influência direta dos processos de renormalização que promovem.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desejo de pesquisar a atividade docente com vistas a identificar as estratégias

para a manutenção da saúde dos professores proporcionou a elaboração desta

dissertação. Constatou-se em um município da região metropolitana de Belo

Horizonte-MG um grupo de professores da rede pública de ensino que, desde que

efetivados na função docente, não foram afastados por problemas de saúde. A

partir daí surgiu o questionamento: quais são as estratégias de enfrentamento

utilizadas pelos “professores saudáveis” na sua atividade de trabalho para manter

a sua saúde? Os docentes que compuseram a amostra foram denominados

“professores saudáveis”, pois em suas fichas funcionais não existem registros de

pedidos de licença ou afastamentos por motivo de doença.

Para a realização deste estudo, partiu-se do pressuposto de que as estratégias de

enfrentamento utilizadas por esses professores deveriam ser analisadas por um

referencial teórico que pudesse esclarecer como os mecanismos de

enfrentamento se materializam. Para tanto, foi escolhida a abordagem ergológica

que se tornou a referência principal para compreender como os professores

constroem estratégias para a manutenção da saúde.

A opção metodológica foi a pesquisa qualitativa de caráter exploratório e consistiu

na realização de análises bibliográfica e documental. Da análise documental

constou a investigação das fichas funcionais dos professores de duas escolas do

município escolhido como terreno de trabalho de campo.

Este trabalho foi composto de uma introdução, quatro capítulos, considerações

finais, bibliografia, uma proposta de intervenção, apêndices e anexos.

Quanto aos resultados, percebeu-se que os eixos em torno dos quais giram as

pesquisas sobre trabalho docente apresentados no capítulo primeiro, além de se

interconectarem, influenciam o quadro do adoecimento docente, mas, em menor

escala, visam a identificar e analisar as soluções criadas pelos professores para a

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busca pela saúde. Esses eixos indicaram a geração de desgastes que, sem

dúvidas, contribuem para o aumento das exigências do trabalho docente.

Baseado no referencial ergológico exposto no capítulo terceiro, confirma-se que

os “professores saudáveis” transformam sua atividade pelo viés da subjetividade

humana e solidificam suas ações em busca da manutenção da saúde por meio

das renormalizações. As renormalizações apresentaram-se como mecanismos

criados pelos docentes para manter a saúde. O debate de normas realizado pelos

“professores saudáveis” resultou em um refazer, um recriar singular, próprio da

atividade humana no trabalho, que contribuiu tanto para a manutenção da saúde

do trabalhador como consistiu em luta pela vida (SCHWARTZ, 2000; 2001; 2007).

O referencial ergológico apropria-se do conceito de saúde extraído da obra de

Canguilhem (2000) e este orientou os entendimentos sobre as estratégias que os

“professores saudáveis” criaram para não adoecer. A partir dessa discussão foi

feita uma alusão ao conceito de subjetividade por meio de autores da Psicologia

social. Esse conceito nomeado na ergologia de “corpo si” foi desenvolvido no

capítulo terceiro e explicou as conexões singulares e particulares que “os

professores saudáveis” desenvolveram diante de cada situação para adaptarem-

se da melhor forma possível ao meio em que vivem.

Os conceitos de psicodinâmica, copyng e resiliência mostraram-se inconsistentes

para explicar as estratégias usadas pelos “professores saudáveis” e foram

apresentados como contraponto ao referencial ergológico.

Os depoimentos agrupados no capítulo quinto foram elaborados em virtude da

categorização das entrevistas, a partir da qual os docentes foram conduzidos a

reflexões e exposição de ideias sobre: a) atividade docente; b) normas

antecedentes; c) renormalizações e estratégias de enfrentamento para a

manutenção da saúde fora do ambiente escolar. O diálogo entre a dimensão dos

saberes instituídos e a dimensão dos saberes criados pelos professores

socializados nesse capítulo apresentou as estratégias de enfrentamento do

adoecimento e levou à aproximação da proposta denominada dispositivo

dinâmico a tres polos. Esse diálogo proposto pelo referencial ergológico

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aproximou o polo dos conceitos e aquele dos saberes dos professores saudáveis,

além do polo das dimensões ética e epistemológica para fins de identificar e

analisar as soluções criadas por eles para os problemas oriundos na atividade de

trabalho docente.

Pode-se afirmar que a elaboração de soluções é produto do debate de normas

vivido pelos “professores saudáveis” que, possuindo saberes e histórias de vida

singulares, renormalizam as normas antecedentes. Neste confronto, os docentes

tiveram que fazer escolhas que levaram à criação de estratégias defensivas

diante de situações conflitantes.

O meio em que esses “professores saudáveis” desenvolvem sua atividade de

trabalho é saturado de normas, tais como os PPPs, Regimento Interno, decretos,

leis, resoluções, portarias, entre outros. No encontro entre os “professores

saudáveis” e esse meio repleto de normas, manifestaram-se as renormalizações.

A ação de renormalizar pode ser considerada o “uso de si por si”, isto é, o uso

que os professores fazem de si em seu próprio benefício e é produto do debate

de normas dos docentes com as normas antecedentes. Desta forma, a

capacidade subjetiva de renormalização se constituiu como elemento central para

o combate dos agentes estressores do meio.

As renormalizações foram apresentadas em dois grupos: as renormalizações que

acontecem no confronto com as normas prescritas; e as renormalizações que

decorrem indiretamente das prescrições, mas que são produtos inequívocos da

atividade dos professores saudáveis.

Como exemplos das renormalizações fruto da alteração das normas

antecedentes, citam-se: aplicar avaliação de valor mais baixo e lançar no diário o

valor pré-determinado pela direção da escola; abolir o uso do crachá indicado

pelas normas internas para saída de sala, por um papel descartável; utilizar a

recuperação paralela mesmo após a norma prescrita indicar a mudança para o

sistema de recuperação final; alterar o contexto de um projeto interdisciplinar para

inclusão do conteúdo de sua disciplina; lançar um conteúdo no diário; e realizar

uma discussão diferente com os alunos em virtude de outra demanda.

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Como ações produzidas no dia-a-dia da atividade de trabalho ainda foram

identificadas: não discutir com os alunos; controlar o tom de voz; beber água com

frequência; realizar atividades em grupo; passar filmes; dar aula livre; buscar

auxílio da direção da escola em situações de conflito com os discentes, entre

outros.

Apreendeu-se que os “professores saudáveis” modificam o seu trabalho

constantemente, recriam as normas antecedentes e, de acordo com os

acontecimentos que os cercam, desenvolvem estratégias individuais e coletivas

para a manutenção e a construção da saúde, configurando, assim, o processo de

renormalização. Entretanto, as estratégias coletivas não constituíram objeto de

análise desta investigação. Somadas a ações cotidianas realizadas fora do

contexto escolar, concluiu-se que as estratégias colocadas em ação pelos

“professores saudáveis” contribuem para a manutenção da sua saúde.

Como apresentou Canguilhem (2000), manter-se saudável depende da

capacidade de ser normativo. O uso que fazem de si ou do corpo si, mediante o

trabalho que lhes é prescrito, permite que os “professores saudáveis” interpretem

e debatam as normas que lhes são antecedentes e consigam construir soluções

para superar as infidelidades do meio e por elas se mantenham saudáveis.

No início do processo de pesquisa que redundou nesta dissertação, pensou-se na

elaboração de uma proposta de intervenção composta de procedimentos e

estratégias criadas pelos “professores saudáveis” para enfrentar as infidelidades e

o vazio de normas do ambiente de trabalho. No entanto, essa perspectiva

constituiria uma prescrição e não há como prescrever estratégias, pois elas são

criadas na singularidade da relação ímpar que cada professor estabelece com as

situações de trabalho na sua atividade cotidiana. Desta maneira, as

renormalizações promovidas pelos “professores saudáveis” na sua atividade

docente ocorrem na dimensão interna, no microespaço da gestão pessoal, no

interior de cada sala de aula.

Faz-se necessária uma observação quanto ao uso da nomenclatura “professores

saudáveis” neste estudo. A rigor, ela poderia ser considerada inadequada, uma

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vez que, de acordo com Canguilhem (2000), ter saúde resulta da capacidade do

sujeito de recuperar-se em condições que configurariam o adoecimento. No

entanto, a escolha para sua utilização se deu em virtude da necessidade de

contrapô-la à terminologia largamente utilizada na literatura especializada de

adoecimento docente.

Baseado nesta ideia, tanto os “professores saudáveis”, que constituíram a

amostra desta pesquisa, quanto os que tiveram que se afastar por motivo de

doença são regidos por normas de vida. O que os diferencia é o caráter subjetivo

que marca suas reações às adversidades do meio e ao vazio de normas. Sendo

assim, os docentes da pesquisa foram nomeados “professores saudáveis” pelo

fato de terem podido expressar sua capacidade de renormalizar por meio da

criação e recriação de estratégias destinadas a manter seu estado de

normalidade, como alerta Schwartz (2000).

Para Schwartz, a vida é uma ação contínua de renormalizar e a resistência do

trabalhador às normas se configura como reações de defesa biológica e social

que remetem à construção da saúde e da vida. As renormalizações promovidas

pelos “professores saudáveis” são formas diferentes que caracterizam sua

atividade. Os saberes dos docentes que se manifestaram na criação de

estratégias alternativas para enfrentar as adversidades do meio resultaram do

debate de normas que mobiliza seu corpo, sua ética, suas crenças, sua

experiência de vida.

A transformação das normas antecedentes e das prescrições é a demonstração

de que o que se antecipa não é o que, verdadeiramente, acontece na atividade

dos “professores saudáveis”. Percebeu-se, portanto, descompasso entre o

trabalho prescrito e o que foi realmente realizado por esses professores em sua

atividade cotidiana.

Os “professores saudáveis” afirmaram gostar da atividade que desempenham,

sentem-se realizados, reconhecem a influência que têm na formação dos alunos,

não são impactados negativamente por baixos salários, más-condições de

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trabalho e atitudes de indisciplina. São normativos, transgressores, criativos e

alteram com frequência as prescrições.

Em relação às estratégias de enfrentamento realizadas fora da sala de aula, mas

que estão indiretamente relacionadas a ela, os “professores saudáveis”

ressaltaram extenso conjunto de ações que concorrem para a produção e

manutenção da saúde. Essas ações, somadas às renormalizações e às

características subjetivas dos “professores saudáveis”, explicam o fato de

manterem-se trabalhando sem afastamento médico desde a posse nos cargos

públicos.

Por fim, ficam questões que não foram discutidas, mas que poderão compor

novas pesquisas. À custa de que sofrimento, envelhecimento ou desgaste os

“professores saudáveis” têm conseguido manter-se em suas atividades? Os

depoimentos coletados trazem alguns indícios desse “preço”: “eu não fazia

esporte, estou começando agora por causa das dores na perna e pelo fato de

ficar muito em pé” (PROFESSORA P-4, escola-1, 20 anos de profissão). “A gente

vive muito tensa na escola. Então você tem que dar uma relaxada se não você

não consegue nem dormir” (PROFESSSORA P-6, escola-2, 19 anos de

profissão), “É estressante lidar com várias pessoas ao mesmo tempo”

(PROFESSORA P-3, escola-1, oito anos de profissão).

Inferem-se, então, que os “professores saudáveis” reconfiguram o meio em que

se inserem, recriam as normas antecedentes e transformam a atividade docente

de acordo com seus interesses. Desenvolvem condutas transgressoras e não

permitem que sua atividade se torne repetitiva e limitada pelas normas

antecedentes e pelas prescrições. Pode-se afirmar que salários defasados, pouco

reconhecimento social e outros fatores depreciadores são minimizados por essa

capacidade de construir mecanismos de defesa. Na dimensão do corpo si, na

subjetividade de cada ação inserida no uso de si por si se encontra a justificativa

para o seu poder de renormalizar e manter-se saudável.

Esta dissertação foi finalizada reconhecendo-se pelo menos duas dificuldades:

não ter conseguido descobrir se os docentes excluídos da amostra realmente

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foram afastados de suas funções por motivos ocupacionais ou simplesmente

adoeceram e foram afastados por motivos indiferentes à sala de aula; e não ter

detectado nos depoimentos diferenças nas ações implementadas pelos

“professores saudáveis” que justificassem a escolha de escolas com estrutura e

localização tão distintas.

Independentemente das limitações inerentes a toda pesquisa, considera-se que

os objetivos aqui traçados foram alcançados. Entretanto, existem lacunas para

outros estudos, visto que o conhecimento produzido abre novas pistas de

investigação e, portanto, é insuficiente para esgotar toda a temática. Ela buscou

contribuir para o enfrentamento de um problema grave que afeta, cada vez mais,

os docentes brasileiros, assim como as políticas educacionais no Brasil e no

município palco da investigação que é o adoecimento.

Os resultados da pesquisa serão condensados em um informe a ser acrescido de

uma proposta de intervenção que será encaminhada à Secretaria Municipal de

Educação concernida.

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APÊNDICES E ANEXOS

Apêndice A - Informe

RESUMO Este informe é produto de uma pesquisa que discute estratégias para manutenção da saúde docente. O foco desta pesquisa centrou suas atenções em duas escolas de um município da região metropolitano de Belo Horizonte-MG. Esta investigação motivou-se pelas crescentes estatísticas de problemas de saúde que tem atingido essa categoria em todo o Brasil. Problemas nas cordas vocais, estresse e depressão são alguns dos males que levam os docentes a pedidos de licença médica. Guiou-se pelo objetivo central que é descobrir quais são as estratégias utilizadas pelos “professores saudáveis” da rede municipal que desde a posse no cargo de professor não foram afastados por motivos de doenças de origem ocupacional. Para tanto, buscou fundamentar-se em discussões sobre: a) trabalho docente; b) normas antecedentes; c) renormalizações; d) saúde e; e) estratégias de enfrentamento. A ergologia se constituiu na principal ferramenta para análise da atividade dos “professores saudáveis” para compreender as estratégias utilizadas por esses trabalhadores para a transformação da realidade laboral em prol da busca e manutenção da saúde. A ergologia é uma disciplina que discute o trabalho como atividade humana. Essa atividade humana denota que o trabalhador é um ser que cria e recria estratégias cotidianamente para solucionar problemas. Este informe visa a oferecer à Secretaria de Educação estratégias para minimizar o quadro do adoecimento docente do município e, por fim, contribuir para melhoria da qualidade da educação ofertada à população. Palavras chave: Trabalho docente. Normas antecedentes. Renormalizações. Saúde. Estratégias de enfrentamento.

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APRESENTAÇÃO

O presente informe tem por objetivo, de forma resumida apresentar os

resultados da investigação realizada em um município da região metropolitana de

Belo Horizonte com professores de Ensino Fundamental da rede pública. Visa,

ainda, a indicar sugestões e recomendações para a construção de mecanismos

de intervenção para o fenômeno do adoecimento docente que se manifesta na

rede. Em um universo de 41 professores efetivos de duas escolas da rede de

ensino, apenas seis não se afastaram de suas atividades por problemas de saúde

desde sua posse.

Este informe é produto de uma pesquisa que atende às exigências

acadêmicas do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local. Pretende-se, da mesma forma, desvendar a atividade

desses professores com o intuito de descobrir quais são as estratégias que eles

utilizam para evitar o adoecimento docente.

A pesquisa que permitiu a confecção deste informe foi direcionada pelo

seguinte questionamento: quais são as estratégias de enfrentamento utilizadas

pelos “professores saudáveis” na sua atividade de trabalho para manter a sua

saúde?

Esta pesquisa qualitativa de caráter exploratório permitiu a análise do

trabalho docente pelo viés da ergologia, que se constitui em uma ferramenta para

transformação do trabalho pela ótica dos trabalhadores. No debate desse

trabalhador com as normas antecedentes é que as estratégias de enfrentamento

do adoecimento docente se evidenciaram por meio das renormalizações. Além

desse contexto, foram analisadas estratégias realizadas por esses professores

fora da sala para manutenção da saúde.

Foram realizadas análise documental (fichas funcionais) e pesquisa

bibliográfica sobre esses eixos de discussão: trabalho docente, ergologia e saúde.

Além disto, foram realizadas seis entrevistas semiestruturadas divididas em três

categorias de análise: a) atividade docente; b) normas antecedentes; e c)

renormalizações e estratégias de enfrentamento para construção da saúde fora

da escola.

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Com o objetivo de apresentar as informações deste informe e elucidar as

estratégias utilizadas pelos “professores saudáveis”, os conceitos e as

informações desta pesquisa foram condensadas e organizadas nesta ordem:

• Introdução

• Trabalho docente

• As faces do adoecimento dos professores

• Ergologia: conceitos e objetivos

• Ergologia e a busca pela saúde docente

• Normas antecedentes no trabalho docente

• O conceito de saúde por Canguilhem

• O perfil dos “professores saudáveis” e os processos de renormalização

• Sugestões e recomendações para ampliar a discussão sobre o fenômeno

do adoecimento docente.

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INTRODUÇÃO

A sala de aula é um espaço a ser decifrado, onde se manifestam conflitos

nos campos: político, social, econômico, cultural, entre outros. Nela, se

materializa o trabalho docente, que é um objeto de estudo amplamente propenso

a novas descobertas tecnológicas, à construção de conhecimentos, a

transformações nas ações educacionais. Se, por um lado, a sala de aula

proporciona essas manifestações, por outro pode induzir ao adoecimento

docente. Esse adoecimento é provocado por sobrecarga de atividades, precárias

condições de trabalho, desvalorização profissional, fatores de risco do próprio

ambiente (salas de aula pequenas, excessos de alunos, elevado nível de ruídos).

etc. Tudo isso contribui para a aquisição de doenças ao longo da carreira, que

geralmente é manifestado por meio de absenteísmo, afastamento e até abandono

da atividade profissional (CODO, 2006; NOUROUDINE, 2004; WISNER, 1994).

Recente estudo realizado pela United Nations Educational, Scientific and

Cultural Organization (UNESCO), exibido pelo Jornal Extraclasse27 (2010),

informou que os profissionais do ensino constituem uma das três maiores

categorias de trabalhadores do Brasil, ficando atrás apenas de escriturários e

empregados do setor de serviços. Esse grande contingente de trabalhadores tem

sido exposto a transformações contínuas no mundo do trabalho e estes tem

produzido impactos em sua saúde (DELCOR et al., 2004; REIS et al., 2006;

SYLVANI NETO et al., 1998).

O papel sócio-histórico reportado ao professor o coloca em lugar

diferenciado no contexto educacional, sendo atribuídas a ele funções de grande

importância e valor. Nestas últimas duas décadas, observa-se que os

professores, além das funções docentes tradicionais, assumem novas atribuições

(psicólogo, assistente social, disciplinário, enfermeiros, entre outros) para as quais

não se encontram habilitados (GOMES, 2002). Esse novo conjunto de atribuições,

além de tornar a atividade mais severa e desgastante, torna-a cada vez mais

responsável pela formação humana do aluno, necessitando, assim, manter-se em

boas condições de saúde para o bom desempenho de suas atividades.

27 Jornal mensal editado pelo SINPRO Minas (Sindicato dos Professores da Rede Particular de Ensino de Minas Gerais) que apresentou, em sua seção Educação, a matéria intitulada: Pesquisa da UNESCO aponta os desafios da profissão docente no país.

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Diante disso, tendo em vista as observações desses novos papéis e os

agravos impostos a essa atividade, percebe-se que a ausência desse profissional

no ambiente escolar, em especial por motivos de saúde, gera transtornos na

gestão escolar, de ordem pedagógica e administrativa. Pedagógica, o

cumprimento do programa da disciplina não é finalizado; administrativa,

mobilização de outros funcionários para “cobrirem” sua ausência. Daí surgiu a

pretensão de discutir saídas para o problema do adoecimento docente.

Ademais, esse informe está associado à produção do Mestrado

Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, da UNA-BH,

que tem em seus pilares a proposta de intervir nas realidades sociais. A produção

de conhecimentos a que se propôs buscou interagir conhecimentos teóricos e

práticos que fomentassem construções participativas por meio das estratégias

desenvolvidas pelos próprios docentes, em especial os “professores saudáveis”.

A justificativa para escolha dessa terminologia se apoia no fato desses

educadores não serem afastados por problemas de saúde de suas atividades.

Foram realizadas seis entrevistas semiestruturadas com professores

escolhidos em função dos critérios de inclusão: a) não terem registro de

afastamento por motivo de doença trabalhista; b) serem efetivos; c) lecionarem no

turno da manhã para turmas de ensino fundamental.

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O TRABALHO DOCENTE

Investigações sobre o trabalho docente são realizadas no Brasil desde o

final da década de 70 (MANCEBO, 2007). Com o passar das décadas o conceito

desse trabalho passou por redefinição de funções e acréscimo de especificidades.

É válido registrar que a utilização desse termo é mais recente e indica relativo

período ao início dos anos 90. De acordo com Ludke e Boing (2007), outras

terminologias eram empregadas para reportar-se ao trabalho docente, como, por

exemplo, “trabalho educativo” e “trabalho pedagógico”. Entretanto, percebe-se

que nas várias nomenclaturas apresentadas pela literatura esses termos se

confundem, produzindo certa dificuldade em desvinculá-los. Percebe-se que,

apesar do tema de estudo ser o mesmo, este é tratado por diversos enfoques

pelos pesquisadores. Dessa forma, isto gera imprecisão conceitual que dificulta a

clareza e a objetividade em se definirem as funções do trabalho docente.

Portanto, não é simples apresentar uma única definição, bem como

delimitar claramente as funções do professor. As atividades que lhe são

delegadas transitam entre ensinar conteúdos, despertar aptidões e promover o

aprendizado. É um trabalho que se manifesta em meio às relações humanas e

seu contexto operacional é intenso devido ao extenso rol de funções que deve

desempenhar. Tudo isto, de certa maneira, exige do trabalhador docente mais

esforço e como tal sobrecarrega suas atividades levando-o ao adoecimento

docente.

Para o Conselho Nacional de Educação (CNE, 2001, p. 4), as

incumbências delegadas aos docentes devem, prioritariamente:

Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe.

Percebe-se que, de acordo com esse parecer, as atividades executadas

pelos professores possuem caráter multifacetado que se materializa por grande

quantidade de funções a se realizar. Na impossibilidade de se criar a delimitação

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dessas funções, ressaltam-se a importância e o valor desempenhado nas

atividades docentes.

Na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2010), inserida nas

indicações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), as atividades executadas

pelos professores de Ensino Fundamental são agrupadas em 109 atividades.

Como parte destas, salientam-se: desenvolver atividades para reflexão sobre a

questão da cidadania; aprender novas tecnologias; revelar interesses

multidisciplinares, contribuir para o desenvolvimento de relações de solidariedade

entre os alunos; incentivar a participação dos alunos nos projetos comunitários;

assumir funções administrativo-pedagógicas, entre outros.

Além do CNE e da CBO, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

resume as funções exercidas no trabalho docente ao reconhecer que esse

profissional tem posição de destaque na sociedade, atribuído pela

responsabilidade em preparar o cidadão para a vida (OIT, 1984). A aparente

simplicidade apresentada por essa definição contrasta com a complexidade de se

preparar alguém para a vida. Analisada sob a ótica da formação continuada, o

ininterrupto processo de aprendizagem pelo qual passa um indivíduo faz com que

essa função seja cumprida gradativamente e não em um período específico de

sua escolaridade.

Segundo Gomes (2002, p.22), o “sistema educativo tem produzido novos

desafios para o magistério, em face da rapidez das novas demandas sociais.

Além de suas disciplinas, os professores devem discutir os temas transversais:

sexualidade, meio ambiente, educação para o trânsito, voto consciente, consumo,

qualidade de vida, uso de drogas, noções de higiene, homofobia, racismo,

prevenção de doenças, etc.

Não bastassem todos esses encargos, suas tarefas diárias ainda são

influenciadas por: a) constante mutação que vem sofrendo a educação e seus

objetivos; b) imprevisibilidade dos acontecimentos escolares; c) individualidade e

diversidade dos discentes; d) a variedade cultural que cerca o contexto escolar

local (OLIVEIRA, 2004; 2005).

Por essa ampliação das funções do trabalho docente, o que se espera

desse trabalhador é que ele possa ir muito além da tradicional intermediação dos

processos de ensino-aprendizagem. Espera-se que o mesmo possa garantir

importante articulação entre a escola e a sociedade, além de participar dos

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processos de gestão e planejamento escolar (GASPARINI; BARRETO;

ASSUNÇÃO, 2005, p. 191). Nota-se, assim, que o trabalho docente se revela

complexo, sendo a ele atribuídas responsabilidades de grande importância e de

elevado grau de significado social que naturalmente produzem expectativas para

melhoria da qualidade da educação.

Em detrimento ao amplo repertório apresentado, mostra-se, ainda,

adaptável, em constante mutação e influenciável pelos quadros locais, tornando-

se espaço de redefinição constante, de transformação, retransformação dinâmica

que lhe concede a possibilidade do novo em cada instante. Uma definição para o

trabalho docente, por mais extensa que se apresente, sempre denotaria um

sentido de incompletude, mesmo ressaltadas sua importância e relevância social.

Historicamente inserido nesse cenário, os professores vivem em constante

movimento de redescobrir seu papel no cenário social e reconstruir sua atividade

(MANCEBO, 2007). Nesse caso, verifica-se que esse mover é uma produção

quase que imaterial e sempre a se reinventar, que sofre influência do seu poder

criador, de suas escolhas, de seus valores, de sua história de vida (SCHWARTZ,

2000). Entretanto, a atividade docente também tem conduzido esse trabalhador

não somente a exigências intelectuais para a elaboração e o desenvolvimento de

suas atividades, como também provoca exigências físicas e cognitivas (CODO,

2006), além de um fenômeno inelutável que é o envelhecimento que ocorre na

“inter-relação entre o estado do indivíduo numa dada época e os acontecimentos

vividos por ele” nos ambientes e decorrentes da atividade desempenhada

(WISNER, 1994, p. 25).

AS FACES DO ADOECIMENTO DOS PROFESSORES

Diversas são as manifestações dos adoecimentos que impactam a saúde

do professor, entre eles citam-se: a) disfonia e outros problemas com as cordas

vocais; b) problemas osteomusculares; c) incômodos articulares; d) problemas

circulatórios; e) transtornos psicológicos como mau-humor, depressão, ansiedade,

irritabilidade, angústia, desânimo, entre outros (DELCOR et al., 2004).

Todas essas causas intervenientes no adoecimento dos trabalhadores não

podem ser explicadas isoladamente e precisam ser avaliadas a partir de uma

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perspectiva multifatorial, tamanha é a quantidade de variáveis e elementos que

interferem, direta ou indiretamente, no fenômeno.

Em síntese, os estudos realizados sobre o trabalho docente e a relação

saúde/doença têm sido abordados a partir destes eixos temáticos: a) mal-estar

docente, b) síndrome de Burnout, c) problemas de saúde vocal; d) o fenômeno

bullying (CARLOTTO, 2002; CODO, 2006; ESTEVE, 1999; MENDES, 2002). A

seguir, esses eixos são ilustrados com o objetivo de explicitar resumidamente

suas principais peculiaridades.

O mal-estar docente

Segundo Esteve (1999), a categoria docente tem sido impactada por

diversos fatores que constituem generalizado mal-estar que provocaria diversos

tipos de doenças. Esses elementos seriam incômodos de diversas ordens que

trariam desconforto aos docentes, desestimulando sua atividade profissional, e

impactaria negativamente sua produtividade pedagógica e até conduzi-los-ia ao

adoecimento.

Os dados apresentados pela pesquisa desse autor identificam os seguintes

elementos para desencadear esse mal-estar: a) os baixos salários; b) o aumento

no número de responsabilidades; c) a escassez de recursos didáticos; d) a

violência escolar; e) a falta de preparo para utilizar as tecnologias de informação e

comunicação (TIC); f) a depreciação da imagem social do educador.

A síndrome de Burnout: o fim da linha

A tradução literal para “burnout” é “perder o fogo”, não ter alegria,

motivação ou entusiasmo para realizar sua atividade. Nessa abordagem, a

relação que o trabalhador estabelece com o trabalho perde o significado, sua

ações, seus esforços e ideais deixam de parecerem úteis para a melhoria da

qualidade da educação. Para Codo (2006), encontrar professores abatidos,

apáticos e que desistiram de ensinar é muito comum. Segundo ele, esses

profissionais entraram em “burnout”, pararam de se emocionar com sua atividade

e não são mais capazes de se envolver com os alunos. Essa síndrome, segundo

Trigo et al. (2007, p. 223), “é consequente a prolongados níveis de estresse no

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trabalho e compreende exaustão emocional, distanciamento das relações

pessoais e diminuição do sentimento de realização pessoal”. É possível afirmar

que ela tem se tornado comum no meio docente.

Voz: ferramenta insubstituível

Instrumento imprescindível para execução do trabalho docente, a voz é

importante elemento para a saúde dos professores (FERREIRA et al., 2009;

GRILLO; PENTADO, 2005; PENTEADO; PEREIRA, 2007; VIANELLO, 2006).

Os problemas decorrentes de seu inadequado uso podem dificultar limitar

e impedir o exercício da profissão e conduzir até a aposentadoria precoce.

Fatores ambientais (NOUROUDINE, 2004) como: excessivo número de alunos

nas classes, espaço reduzido das salas de aula e altos níveis de ruídos produzem

graves condições para a atividade docente ao obrigar a um mais intenso uso da

voz desse trabalhador.

Acrescem-se a esses fatores ambientais a utilização do giz, a poluição e a

poeira que, somados à falta de acompanhamento da condição vocal dos

docentes, acarretam o incorreto uso da voz e explicam a relação dos problemas

de saúde vocal com o trabalhado docente.

Os problemas relacionados ao aparelho fonador, como os pólipos, os

calos nas cordas vocais e a rouquidão, recebem mais ênfase dos sindicados da

categoria na proposição de medidas de intervenção e prevenção28. Campanhas

educativas promovidas pelos sindicatos têm informado à categoria sobre a

influência da hidratação e da alimentação nos cuidados com a voz. Além disto, os

sindicatos têm ofertado auxílio fonoaudiológico e promovido cursos aos docentes

como forma de conscientizá-los.

Sobre os recursos tecnológicos preventivos para minimização do desgaste

da voz, lembra-se aqui a existência dos aparelhos amplificadores disponibilizados

no mercado, mas que ainda não contemplam os docentes de ensino público. É

importante ressaltar que essas medidas se tornam paliativas, visto que o número

de alunos em sala de aula e o excesso de carga horária são fatores que

28 Para mais informações sobre programas de prevenção da saúde vocal docente, acessar: http://www.sinpro-ba.org.br/saude/artigos_teses.htm.

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contribuem negativamente para os agravos à saúde vocal docente (FERREIRA et

al., 2009).

Fenômeno bullying: professor, o novo alvo

Os ambientes escolares presenciam frequentemente cada vez mais

situações de violência que têm estabelecido proporções assustadoras em nossa

sociedade. Essas situações anteriormente tão incomuns tornaram-se fatos

constantes em nossos dias (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009).

A violência escolar atinge indiscriminadamente seus diversos atores, mas é

inegável sua ocorrência mais comum na relação aluno-aluno, no entanto, esse

fenômeno tem atingido cada vez mais os professores. Segundo Lopes Neto

(2005), a violência escolar ou bullying engloba ações agressivas repetitivas e

intencionais que ocorrem sem motivo aparente e causam dor e angústia em suas

vítimas.

É classificado em bullying direto ou indireto. No bullying direto, os alvos

sofrem agressões, ameaças, roubos, ofensas verbais, humilhações, intimidações

e gestos que provocam mal-estar de forma geral. O bullying indireto, por sua vez,

comporta atitudes de isolamento e indiferença, sendo utilizado de maneira mais

intensa pelas meninas. Apesar de ocorrer em mais alto grau na relação aluno-

aluno, os ataques que o professor tem recebido indicam que ele também se

tornou alvo de agressões e é vitima da fúria de alguns jovens.

O fenômeno bullying associa-se ao adoecimento docente e é reconhecido

como potencializador de problemas de ordem psicológica que acometem

professores (CODO, 2006). De acordo com Esteve (1999), esse fenômeno

interfere e afeta diretamente as condições psicológicas e sociais nas quais se

exerce a docência. Ademais, contribuem para o aumento do estado de ansiedade

e insegurança da categoria.

Nesse contexto, o fenômeno bullying, expresso pela violência escolar, é

um fenômeno que possibilita abordagens por diversos ângulos, mas o que se

evidencia é que um ambiente de trabalho que expresse rotineiramente o

fenômeno pode acarretar males físicos e psicológicos que podem prejudicar a

saúde física e psicológica dos educadores.

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Os fatores de riscos no trabalho

Todo esse rol de elementos potencialmente perigosos à saúde dos

trabalhadores apresentados anteriormente constituintes das más-condições de

trabalho pode ser agrupado como fatores de risco e devem ser identificados na

tentativa de bloquear os danos que provocam ao trabalhador (NOUROUDINE,

2004). Tratar as questões referentes à saúde do trabalhador consiste em

estabelecer ações propositivas que vão desde a detecção dos riscos, passando

pela produção de conhecimentos sobre esses fatores até a implementação dos

procedimentos preventivos.

Antes de mais nada, para se criarem estratégias de defesa ou prevenção é

fundamental que sejam identificados os fatores de risco. Para Nouroudine (2004),

esses fatores são agrupados em riscos técnicos e materiais. Para um trabalhador

da indústria, os fatores de risco material seriam os produtos químicos, a radiação,

o excesso de ruído, etc. No trabalho dos professores, os fatores de risco materiais

seriam caracterizados e estabelecidos pelo excesso de ruídos nas salas de aula,

pela exposição ao pó de giz, ato de ficar muito tempo de pé, desgaste da voz,

exposição em ambientes fechados que induzem a diversas doenças contagiosas,

etc.

Os fatores de risco técnico estariam em ambos os casos ligados à forma

de realizar a atividade, à execução dos movimentos, às ações motoras

propriamente ditas. Exemplos de agravos advindos desses fatores podem ser

exemplificados pelas lesões de esforço repetitivo (LER) comuns a atividades

impactadas por alto número de movimentos semelhantes (WISNER, 1994).

Segundo Nouroudine (2004), depois de identificados e conhecidos esses

elementos, procede-se à sua prevenção. Nos canteiros de obra, vários são os

meios para proteção dos trabalhadores. Usam-se luvas, capacetes, sapatos

reforçados, óculos de proteção, entre outros, que concorrem para diminuição dos

acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. No tocante ao profissional

docente, as condutas preventivas apresentam-se menos efetivas. Supõe-se que o

caráter mais intelectual dessa atividade é menos detectável quanto aos acidentes

trabalhistas. Os fatores de risco técnico ou material ocorrem aparentemente em

escala menos reduzida. Entretanto, sua baixa incidência não justifica o descaso

com sua importância, existência de fatores motivadores e busca de soluções.

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Para Nouroudine (2004, p. 42), “estando a causa exatamente definida e os

efeitos exatamente conhecidos por antecipação, pode-se determinar exatamente

os meios capazes de impedir a causa de um efeito nocivo”.

O trabalho docente possui, nas suas particularidades, uma diversidade de

variáveis causais que afetam a saúde e expõe os trabalhadores a diversos riscos

que são materializados nas condições de trabalho. A parte imprevisível dessa

atividade subordinada aos fatores humanos e subjetivos dos docentes é que se

torna a dimensão mais atraente dessa busca de estratégias e soluções

(CANGUILHEM, 2000, SCHWARTZ, 2007).

Mesmo com esses fatores de risco laboral, os “professores saudáveis”

desenvolvem estratégias de enfretamento para manutenção da saúde em um

processo contínuo de debates de normas ao produzir a renormalização de suas

atividades (SCHWARTZ, 2007).

Ergologia: conceitos e objetivos

Segundo Schwartz (2007, p. 37), a perspectiva ergológica tem como

objetivo “melhor conhecer e, sobretudo, melhor intervir sobre as situações do

trabalho para transformá-las” em prol do bem-estar físico, psíquico e intelectual do

trabalhador. Conhecer o trabalho é uma tarefa altamente complexa e fazê-lo sem

valorizar os saberes de quem o executa torna-se inviável. A perspectiva

ergológica requer confrontar experiência de vida e de trabalho e por esse debate

melhor compreender a relação entre a saúde e atividade do trabalho

(SCHWARTZ, 2007).

Na perspectiva ergológica nos espaços de trabalho coexistem formas de

cultura e acumulação de patrimônios que seriam relacionados a saberes e valores

de fundamental importância para melhorar a compreensão da vida nos espaços

laborais (SCHWARTZ, 2000). Nessa proposta o autor afirma a necessária

aproximação da ciência aos locais de trabalho para que as relações entre as

dimensões da cultura, da educação e do trabalho possam ser mais bem

elucidadas (SCHWARTZ, 2000).

Brito (2004) completa essa análise reafirmando que a abordagem

ergológica é construída em virtude de questionamentos sobre as transformações

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do trabalho e a partir destes faz dialogar os saberes das diversas áreas do

conhecimento com os conhecimentos provenientes do trabalhador.

É importante esclarecer que a ergologia não se configura como ciência,

mas como um pensamento filosófico, uma forma de entender o trabalho como

espaço de construção e de vida que se apropria dos conhecimentos de várias

ciências para analisá-lo.

Pelo viés da ergologia, entende-se que cada trabalhador se apropria do

trabalho que lhe é imputado, mas não se despe de sua história, de seus valores

éticos para fazê-lo. Influencia, mas também é influenciado: ao mesmo tempo em

que deve cumprir uma série de tarefas ditadas por normas que lhe são prescritas,

ele as reinventa constantemente. Essas duas esferas estão, portanto em

constante interação é nesse ponto que a abordagem ergológica propõe intervir.

A atividade do trabalho detém, portanto, certo grau de imprevisibilidade e,

como não se pode listar completamente o que a constitui, manifesta-se aí a

chamada infidelidade do meio. Segundo Schwartz (2007, p. 191), “o meio é

sempre mais ou menos infiel, ele jamais se repete exatamente de um dia para

outro ou de uma situação para outra”.

Ao trazer esse contexto para o cotidiano dos professores, nota-se que são

inúmeras as infidelidades a que ele é exposto: a) recursos tecnológicos que não

funcionam; b) impressão de avaliações não entregue; c) sala de aula com

goteiras; d) desaparecimento de objetos em sala de aula; e) atitudes de

indisciplina; f) perguntas que não se sabe responder, enfim, a imprevisibilidade

inerente à atividade docente faz de cada situação um momento único, repleto de

vida e novidade.

Essas situações conduzem o trabalhador a utilizar suas capacidades, seus

recursos, suas escolhas conscientes e inconscientes para tentar enfrentar essas

infidelidades. A atividade do trabalho incorpora, portanto, vários contornos e se

apresenta como um lugar onde a vida se manifesta, onde os saberes do

trabalhador lhe conferem o “poder de realizar”, o fazer de outra forma, onde se

criam as renormalizações (SCHWARTZ, 2007).

Esse panorama enquadra o trabalho docente e se aplica igualmente à educação,

pois a educação está em constante mutação e permite novas descobertas a partir

das mãos daqueles que a pensam e dos que a realizam.

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De acordo com Schwartz (2001), o trabalho docente é produto de uma

prescrição antecedente e dos efeitos da transformação imposta pelo professor.

Os docentes deparam-se a todo o momento com normas que devem ser

cumpridas e por suas ações é que eles as reconfiguram.

O renormalizar faz parte das ações cotidianas desse tipo de trabalho e,

como tal, pode ser inserido no campo da atividade humana. As renormalizações

são, em suma, a parte criativa, a assinatura do trabalhador, os traços singulares

ditados por sua subjetividade e que dão contorno à atividade humana.

Por esse viés percebe-se que o trabalhador docente transforma o seu

entorno, pois muito além de ser um mero executante dos aspectos normativos do

trabalho, como o que é comum a qualquer trabalhador, ele é fonte de um

potencial criativo que interfere em seu ambiente e no contexto escolar que o

envolve.

Neste relatório técnico se afirma que as normas antecedentes prescritas

aos docentes se materializam em duas esferas. A primeira, pelas determinações

advindas da Secretaria de Educação, como: a) calendário; b) formato da

recuperação; c) projetos interdisciplinares; entre outros. Essas normas

antecedentes realmente saturam o ambiente escolar, sendo relatadas com ênfase

pelos “professores saudáveis”, ora como aspecto positivo ora como aspecto

negativo.

A ergologia e a busca da saúde docente

Na busca de soluções para o adoecimento docente, o referencial

ergológico focaliza a atividade do trabalho dos professores e se torna instrumento

diferenciado para compreender como se processa o adoecimento dos

trabalhadores e os seus mecanismos de reação.

Dessa maneira, o referencial ergológico apoia-se na transformação do

trabalho e na possibilidade, sempre presente, de renormalização do docente

como uma importante perspectiva de mudar determinada realidade laboral para a

construção da saúde. O trabalho docente define-se, então, como elemento

importante para constituir o quadro de saúde dos professores, pois os meios

disponibilizados para vencer os sofrimentos e as dificuldades no trabalho serão

definidos por eles (os professores) (BRITO, 2004).

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Uma avaliação não impressa no dia correto, por exemplo, obriga o

professor a tomar uma decisão imediata. A partir desse fato, arbitra e pode decidir

por: a) adiar a prova; b) escolher outra forma de avaliar; c) passar as questões no

quadro, etc. Isso exemplifica uma infidelidade do meio. O planejado nem sempre

se estabelece e exige do trabalhador escolhas a todo o instante.

Portanto, as renormalizações seriam saídas desenvolvidas pelos

professores como forma de diminuir as tensões no trabalho. O adoecimento seria

explicado por fatores ligados à não reconfiguração do meio em que o professor

atua, devido à imprevisibilidade e falta de controle que ele tem das variáveis que o

cercam (CANGUILHEM, 2000; SCHWARTZ 2000).

As normas presentes no projeto político pedagógico (PPP), o Regimento

Interno e os projetos ocasionais que devem executar acabam por orientar e

conduzir as ações dos professores. Essas normas impostas pela gestão escolar

definem as regras e as condutas administrativo-pedagógicas que tornam os

espaços escolares sujeitos às renormalizações. As imposições abrem espaços

que permitem a criação de estratégias para solucionarem a imprevisibilidade dos

acontecimentos.

A abordagem ergológica propõe, então, uma intervenção nas esferas da

prevenção, promoção e construção da saúde do trabalhador. A compreensão e a

análise do trabalho docente foram alcançadas em função dos estudos dessa

atividade. Esse relatório traz resumidamente o desvendar da atividade docente e

as estratégias de enfrentamento para o adoecimento dos “professores saudáveis”,

fundado na perspectiva ergológica.

NORMAS ANTECEDENTES NO TRABALHO DOCENTE

O conceito de normas antecedentes relaciona-se a regras que o

trabalhador tem que cumprir para alcançar os objetivos de seu trabalho. São as

formas prescritas e previstas para sua realização. De acordo com Vieira (2003, p.

55), “as normas antecedentes são um conjunto de dispositivos que compõem o

ordenamento e antecedem a atividade do trabalho”.

No contexto escolar podem-se exemplificar que: a) projeto político

pedagógico; b) calendário escolar; c) projetos interdisciplinares; d) determinações

dos conselhos de classe; e) condutas administrativo-pedagógicas (preenchimento

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e entrega de diários); f) formato da recuperação, entre outros. São normas

antecedentes que pretendem direcionar cada situação de trabalho a ser

executado.

É nesse espaço do “formal” e por meio da abordagem ergológica que se

buscou identificar quais as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos

“professores saudáveis” do município, para minimizarem os problemas

enfrentados dentro da sala de aula na atividade do trabalho e fora dela.

Para tal, não há como analisar um trabalho sem compreender as

experiências dos trabalhadores. Cada trabalhador tem a possibilidade de deferir e

deliberar sobre cada uma das prescrições que lhe são determinadas,

independentemente do estabelecido por: a) projetos políticos pedagógicos (PPP);

b) programas de curso de cada disciplina; c) decisões dos conselhos de classe; d)

determinações dos gestores externos e internos.

Diante disto, o decidir como fazer ocorre de acordo com suas convicções,

suas crenças, seus valores, seu entendimento da pertinência de cada uma das

prescrições. Nas situações concretas, o professor se confronta com o prescrito e

arbitra sobre onde, quando e como renormalizar. De acordo com Vieira (2003, p.

57), o professor é um sujeito vivente que ao se confrontar com as normas

prescritas “luta sempre para criar”. Assim, exerce sua capacidade produtiva por

meio de novas normas, objetivando transformar tanto o meio que o cerca como o

trabalho em que se insere.

CONCEITO DE SAÚDE POR CANGUILHEM

Segundo Canguilhem (2000), as dimensões saúde e doença são

constitutivas de um processo dinâmico em que uma se insere na outra, mesmo

que não se confundam; são dimensões que se aproximam, apesar de diferentes.

O autor afirma que saúde é a capacidade de estabelecer novas normas e

enfrentar as adversidades do meio. Baseado nesta afirmação, pode-se deduzir

que os “professores saudáveis” possuem a capacidade de renormalizar e

combater os agentes nocivos do meio em que se inserem.

De acordo com Canguilhem (2000, p. 145), a linha que separa essas duas

dimensões “é imprecisa para diversos indivíduos considerados simultaneamente,

mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo indivíduo considerado

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sucessivamente”. Deve-se, portanto, medir o sentido de normalidade de um

indivíduo ao lançar o foco de análise em suas peculiaridades. Assim, é importante

evitar comparações e relações com a média de um grupo de indivíduos ou de um

ser com outro. A normalidade deve ser analisada no indivíduo em comparação

com ele próprio.

Um exemplo desse tipo de reação seria o procedimento do docente frente

a uma atitude de indisciplina. Deparado com assédio moral, o docente sabe

comumente como proceder e reagir de maneira semelhante diante disso se já

desenvolveu estratégia para tal.

O estado patológico se configuraria a partir do momento em que o docente

não consegue mais reagir da mesma forma diante desse tipo de situação. Isto

significa que ele se tornou incapaz de reagir, de modificar e transformar esse

acontecimento devido a um desvio de suas condições subjetivas. Sua conduta

passa a ser diferente e gera consequências em sua saúde, conduzindo a um

estado patológico.

A abordagem defendida por Canguilhem (2000) traz importante

contribuição para a compreensão do fenômeno dos “professores saudáveis”, pois,

para o autor, não é o meio que produz o adoecimento ou a manutenção da saúde,

mas sim as condições do indivíduo examinado e sua capacidade normativa.

Partindo deste pressuposto, pode-se afirmar que “os professores

saudáveis” possuem mais capacidade singular de renormalizar, são mais

normativos, o que é uma característica subjetiva deste grupo. Na mesma direção

são definidoras dos processos de busca e construção de saúde e influenciadoras

das reações dos indivíduos frente a cada infidelidade do meio e ao vazio de

normas com qual se depara.

O PERFIL DOS “PROFESSORES SAUDÁVEIS”, OS PROCESSOS DE

RENORMALIZAÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

A principal característica que define os “professores saudáveis” das duas

escolas investigadas é o não afastamento do trabalho docente por motivo de

saúde. Esses docentes não se licenciaram de suas atividades por problemas de

saúde desde a posse na escola.

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A amostra constitui-se em educadores com o mínimo de oito e o máximo

de 20 anos de experiência no trabalho docente. A faixa etária compreendeu-se

entre 30 e 42 anos de idade. Todos os entrevistados iniciaram a carreira antes do

licenciamento e possuem pós-graduação.

Interessante destacar que: a) dos seis professores entrevistados, apenas

um é do sexo masculino; b) nenhum professor vai para a escola de ônibus; c)

quatro são solteiros e duas são casadas; apenas uma das docentes tem um cargo

público e não possui outro trabalho, os demais possuem dois cargos públicos; d)

jamais foram agredidos fisicamente pelos alunos; e) nenhum dos entrevistados

pensou em abandonar a profissão; f) quatro moram com os pais; f) duas

complementam a renda familiar com o esposo. Isso pode ser explicativo para

menos insatisfação destes com o salário recebido.

De acordo com os entrevistados, o relacionamento com os sujeitos da

comunidade escolar é satisfatório. Afirmam não entrar em rota de colisão com os

alunos. Os mesmos consideram-se criativos e motivados.

Justificam o descontentamento com algumas normas antecedentes por não

terem participado da sua elaboração. Acreditam que algumas normas prescritas

contribuem para o bom andamento da escola (horários de entrada e saída, prazo

para entrega de notas, etc). Mesmo assim, afirmam ter liberdade para realização

da atividade docente.

Os baixos salários e o pouco reconhecimento que recebem não é fator de

desmotivação para os “professores saudáveis”. Tais aspectos não os impedem de

realizar o trabalho docente com qualidade, nem contribuem para o adoecimento e

possível abandono da carreira. Em contrapartida, é válido registrar que estão

insatisfeitos com as duas situações. Para minimizar essa insatisfação, reivindicam

seus direitos ao participar dos movimentos de greves por melhores salários e

condições de trabalho.

Apesar de insatisfeitos com as condições de trabalho ofertadas pelo

município, atestam buscar estratégias para minimizar essas situações, entre elas

pontuam: a) imprimir cópias em casa; b) trazer material de outra escola; c) usar a

cota de cópias de outra instituição; d) comprar o próprio material; e) trazer

material de casa (som e DVD); entre outras. Estas são apenas algumas das

ações promovidas pelos “professores saudáveis” para enfrentar a falta de material

e as inadequadas condições de trabalho. Tudo isso, sem dúvida, são fatos que

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comprovam a postura pró-ativa desses educadores na busca de soluções para

melhorar a realização da atividade docente.

De forma geral, transparecem satisfação com a atividade docente. Frases

como: “eu amo de paixão o que eu faço” (PROFESSORA P-4), “eu não me vejo

fazendo outra coisa” (PROFESSOR P-1), e “quando eu venho para escola eu

descanso” (PROFESSORA P-5) ilustram a relação satisfatória que os

“professores saudáveis” desenvolvem com a atividade docente.

Pelos depoimentos, pode-se constatar que os “professores saudáveis” são

profissionais que vivenciam problemas no ambiente escolar, mas apresentam

enfrentamentos: a) em relação aos cuidados com a voz denotam bom nível de

informação e uso de estratégias preventivas; b) em sua maioria praticam esportes

e atestam ter práticas de lazer para combate ao estresse; c) consideram-se

afetivos, compreensivos, amigos e preocupados com a formação integral dos

discentes; d) possuem autoestima elevada, reconhecem a importância da

atividade que desenvolvem e igualmente a relevância social do trabalho que

desempenham; e) esforçam-se para não serem privados da vida social. Ademais,

revelaram grande satisfação quanto ao fato de alunos egressos retornarem à

escola e afirmarem sentir saudade do tempo em que conviveram com eles. Por

fim, enfatizaram possuir liberdade para criar e recriar sua atividade a cada dia.

Os “professores saudáveis” ainda: a) realizam tanto atividades individuais

quanto em pequenos grupos, como recurso para minimizar os desgastes físicos e

preservar a voz; b) sabem lidar com a indisciplina; c) consideram que o número

de 30 alunos em sala não interfere na atividade planejada - explicaram que estes

recursos são requisitados em alguns períodos do ano, como sextas-feiras e finais

de semestres; d) afirmaram que a espiritualidade os auxilia na realização da

atividade docente; e) utilizam filmes, aulas livres, momentos de recreação e

dinâmicas para tornar a atividade docente menos impactante para si e para aos

alunos; f) confirmaram mudar constantemente as atividades docentes em sala de

aula em função de alguma demanda dos alunos (sexualidade, uso de drogas,

violência, etc.). Em virtude desses itens, pode-se afirmar que são trabalhadores

que renormalizam.

No tocante às normas prescritas, os “professores saudáveis” são aqueles

que: a) inicialmente assumem posturas reativas, principalmente quando as tarefas

são impostas; b) por outro lado, ao compreenderem que as normas possuem

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caráter facilitador para desenvolvimento das atividades docentes, mostram

comprometimento; c) evidenciaram aptidão ao debate de normas e transformação

das normas antecedentes; d) afirmaram ter períodos de cansaço e nervosismo,

mas desenvolvem estratégias para combatê-los; e) confirmaram que suas

crenças, valores e escolhas interferem em suas decisões cotidianas singulares

para desvencilhar-se delas.

A partir das análises dos depoimentos, pode-se notar que após serem

conduzidos à comparação de seus atos cotidianos com o de outros professores,

consideraram, em sua maioria, que agem de forma diferente de seus pares. Ao

final das entrevistas, refletiram e conscientizaram-se de que os atos de

renormalização, as estratégias despendidas dentro e fora da escola constituem-se

em seu conjunto de mecanismos de enfrentamento para manutenção da saúde.

Em resumo, é possível afirmar que “os professores saudáveis” são

profissionais que praticam constantes atos de renormalização e desenvolvem

cotidianamente ações estratégicas de enfrentamento para manutenção da saúde.

Sua capacidade de criar e recriar estratégias é muito exercitada.

Como exemplos dessa criatividade citam-se duas ações peculiares:

• A Professora P-3 criou uma estratégia substitutiva ao uso do crachá

(norma) no auge da pandemia de gripe suína H1N1. O tradicional

instrumento para controlar o trânsito de alunos fora da sala de aula foi

substituído por um pequeno papel que continha o destino, o horário e o

nome do aluno. Ao retornar à classe, o papel era descartado pelo próprio

aluno para evitar o contágio, que foi justificado pela docente pela

ineficiência na assepsia;

• a segunda estratégia foi construída pela Professora P- 4. Para conseguir a

atenção e, consequentemente, o silêncio dos alunos, a docente escreve no

quadro o nome do aluno que está conversando e vai apagando letra por

letra do nome na medida em que esse aluno se mantém em silêncio. Essas

duas ações denotam o poder de criação dessas trabalhadoras no

incessante processo de criação e recriação da atividade do trabalho.

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SUGESTÕES E RECOMENDAÇÕES

As sugestões e recomendações aqui listadas pretendem, de forma geral,

proporcionar momentos de reflexão para educadores e gestores. No primeiro

momento, visa a criar ambiente para uma discussão coletiva e multidisciplinar do

fenômeno do adoecimento docente e no segundo momento propor várias

estratégias para combate ao adoecimento docente. Esse fenômeno afeta

diretamente o educador, mas desencadeia um processo em que a engrenagem

escolar se desarticula como reflexo do absenteísmo e dos afastamentos por

motivos de doença. Os problemas resultantes provocam impactos nas áreas

pedagógica, administrativa, financeira e de saúde do município. Tomando por

base os depoimentos dos professores e o pressuposto pela perspectiva

ergológica, sugerem-se:

• Promover campanhas de incentivo à produção de ideias inovadoras para

fins de elaboração de um livro com estratégias pedagógicas utilizadas em

sala de aula realizadas pelos próprios docentes do município para combate

ao adoecimento como forma de valorizar as criações dos trabalhadores

• Criar uma Comissão de Análise da Atividade Docente (CAAD) composta de

atores da comunidade escolar (professores, pedagogas, diretores) em cada

unidade de ensino para construir e registrar estratégias com foco na saúde

do trabalhador para posterior informação às Secretarias de Educação e

Saúde.

• Criar uma Comissão Educacional Avançada do Município (CEAM),

composta de professores, orientadores pedagógicos, diretores de escola,

assistentes sociais, psicólogos, ergonomistas, ergologistas e médicos, para

firmar discussão multidisciplinar para a construção de soluções para o

combate ao adoecimento docente a partir dos saberes e das construções

dos docentes.

• Proporcionar cursos de qualificação em ergologia para que os professores

se apropriem dessa ferramenta de análise e transformação do trabalho e

por meio desta sejam conduzidos a reflexões sobre sua atividade docente e

sobre os mecanismos para manutenção e construção de saúde.

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• Realização de seminários temáticos: sobre bullying, síndrome de Burnout e

cuidados com a voz, envolvendo os diversos sujeitos da comunidade

escolar para viabilizar a criação de estratégias para estas demandas.

• Realizar reuniões pedagógicas quinzenais para construção coletiva de

ações estratégicas relacionados ao adoecimento e socialização de

experiências.

• Rediscutir o projeto político pedagógico nas unidades de ensino visando a

orientar a atividade docente (demanda apontada pelos “professores

saudáveis”).

• Realização de parcerias da Secretaria de Educação com outras secretarias

(Saúde, Planejamento) para promover a intersetorialidade na definição de

estratégias para o combate ao adoecimento docente.

Por fim, incentiva-se a realização de mais pesquisas e reflexões sobre

estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos professores e a construção de

ações coletivas para manutenção da saúde docente. Registra-se, ainda, que o

referencial ergológico deva ser utilizado dentro dessa perspectiva de construção

de saberes e valorização da criatividade dos trabalhadores. A ergologia se

apresentou como uma ferramenta sólida para análise e transformação do trabalho

no incessante mover da busca por soluções para os problemas da atividade

docente.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Diretora da escola-1 a disponibilidade em liberar os

professores para a entrevista durante o turno de trabalho. Às professoras que

nos receberam em sua residência em momentos de descanso, inclusive sábado.

Este informe é fruto de seus depoimentos e experiências. Percebemos nos relatos

todo o empenho, dedicação, profissionalismo, amor e entrega de seus melhores

dias em prol da melhoria da educação. Estamos convictos de que este Informe

não poderia ser finalizado sem a disponibilidade e participação de cada um de

vocês. Partilhamos a ideia de que a educação não muda o mundo. A educação

muda as pessoas e estas mudam o mundo. Sentimos que vocês desenvolvem

suas atividades docentes com este propósito. Nossos sinceros agradecimentos.

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SCHWARTZ, Yves. A comunidade ampliada e o regime de produção de saberes. Trabalho & Educação. Revista do NETE, n. 7, p. 38-46, julho/dezembro, 2000. SCHWARTZ, Yves. Entrevista com Yves Schwartz: trabalho e educação. Presença Pedagógica, Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG, n. 38. p.5-17. março/abril de 2001. SCHWARTZ, Yves. Trabalho e ergologia. In: SCHWARTZ, Yves; DURRIVE, Louis. (Org.). Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: Eduff, 2007. SILVANY NETO, Annibal Muniz et al. Condições de trabalho e saúde em professores da rede particular de ensino na Bahia: estudo piloto. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 24, n. 91/92, p. 115-124, 1998. TRIGO, Telma Ramos et al. Síndrome de Burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 34, n. 5, p. 223-233, 2007. VIANELLO, Luciana. Uso da voz em sala de aula: o caso de professores readaptados por disfonia. Escola de Medicina, 2006. Dissertação de Mestrado, Escola de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. VIEIRA, Luís Henrique F. Adesão ou recusa à transformação da organização do trabalho docente. Faculdade de Educação, 2003, 205 f. Dissertação (Mestrado em Educação) FAE, Universidade Federal de Minas Gerais, 2003.

WISNER, Alan. A inteligência no trabalho: textos selecionados de ergonomia. São Paulo: FUNDACENTRO, 1994.

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Apêndice B – Roteiro de entrevista com os “professores saudáveis”

Categorias:

a) Atividade docente;

b) Normas antecendentes e renormalizações;

c) Estratégias de enfrentamento para construção da saúde.

I- Abordagem inicial

a-Saudações

b-Apresentação pessoal (nome e formação)

c-Apresentação da pesquisa (objetivo)

d-Ênfase ao caráter confidencial da pesquisa e preservação dos dados

e-Esclarecer dúvidas e mostrar o termo de consentimento livre e esclarecido e

colher assinatura de autorização

II- Caracterização do Entrevistado P___

a-Nome em iniciais:

b-Gênero ( ) H ( ) M

c-Idade

d-Estado Civil

e-Escolaridade

f-Onde você se formou? Ano: ____

g-Tomou posse em que ano? Ano: ____

h-Disciplina(s) que leciona?

i-Tempo de trabalho como professor mesmo antes da graduação?

j-Tempo de trabalho na escola?

l-Em qual(is) turno(s)?

m-Trabalha em outras escolas, quais?

n-Em quais turnos?

o-Que transporte você utiliza para ir para a escola?

p-Você está satisfeito com seu salário?

q-O que o salário representa para você diante da realização do trabalho docente?

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III- Sobre a atividade docente

1-Como você se tornou professor(a)? (Questão para introduzir a entrevista)

2-Na sua opinião, em que consiste o trabalho do professor?

3-Descreva um dia de trabalho na escola.

4-Gostaria que você falasse sobre a imprevisibilidade dos acontecimentos em

sala de aula.

5-Comente sua percepção sobre as transformações pelas quais tem passado o

trabalho docente no início de sua trajetória profissional até os dia de hoje

(pergunta direcionada para professores com mais de 15 anos de atuação)

6- Conhecimentos científicos e construção diária. Qual a importância destes

fatores para realizar o trabalho docente?

7-Qual a relação dos seus valores, de suas crenças e da suas escolhas para a

realização do trabalho docente?

8-Fale sobre as dificuldades e as situações que te deixam mais nervoso e

cansado no trabalho docente?

9-Fale sobre as condições de trabalho da escola (recursos didáticos, estrutura

física, salas, etc.).

10-Descreva o perfil dos seus alunos, suas dificuldades e qualidades.

11-Descreva um dia de trabalho em um turma “difícil” .

12-Fale sobre as situações que o(a) deixam mais nervoso(a) e cansado(a) no

trabalho docente.

13-Comente as cobranças dos gestores educacionais (Sec. Municipal, inspetoras,

diretores e coordenadores) no seu trabalho. Poderia exemplificar algum fato?

14-Na(s) escola(s) em que você trabalha os professores faltam muito

(absenteísmo) e se licenciam com frequência? Em qual(is) dia(s) da semana

ou períodos ocorrem com mais frequência? Sabe explicar os motivos?

IV – Normas antecedentes e renormalizações

1- A escola possui Regimento Interno? Em que medida você o cumpre?

2-Fale sobre o projeto político pedagógico da escola, como ele influencia seu

trabalho?

3-Relate como se deu o processo de elaboração do PPP e em que medida você e

a comunidade participaram da sua elaboração.

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4-Como os planos de ensino influenciam a realização do seu trabalho e como

você os utiliza?

5-As orientações da Sec. de Educação, o projeto político pedagógico, o

Regimento Interno, as decisões provindas dos conselhos de classe, as

orientações da sec. da escola e da diretoria são consideradas normas que

influenciam o trabalho docente. Na sua opinião, elas contribuem para

sobrecarregar o seu trabalho ou são facilitadores? Como você lida com esses

procedimentos?

6-Você acredita que modifica essas recomendações e realiza seu trabalho de

forma diferente do que lhe orientam para realizar? Poderia exemplificar?

7-Você já utilizou estratégias em sala de aula propostas por outros professores?

Quais?

8- Os professores desta escola já construíram soluções para problemas do

trabalho docente conjuntamente? Poderia exemplificar o que e como ocorreu?

9-Em que medida você sente que tem liberdade para realizar seu trabalho?

10-Em que medida você é estimulado para criar e recriar novas formas e

estratégias de aula?

11- Como é o procedimento de recuperação e reprovação da escola? Você o

segue integralmente?

V- As estratégias de enfrentamento para a construção da saúde

1-O que você faz no dia-a-dia para diminuir o estresse dentro da escola?

2-Você acredita que o relacionamento com os outros atores da comunidade

escolar contribuem para sobrecarregar seu trabalho? Como lida com isto?

3-Quais são as principais exigências físicas para realizar o trabalho docente? E o

que faz para amenizá-las?

4-O que você faz para amenizar o cansaço cognitivo originado da realização do

seu trabalho?

5-Como você organiza a sala de aula? (configuração de filas, tempo para beber

água, ordem para falar, ficar sentado, etc.)

6-Como você lida com a indisciplina em sala de aula?

7-Você faz algo para interferir nas más-condições de trabalho disponíveis?

8- Como você vê o reconhecimento social do seu trabalho? Você se importa com

ele?

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9-Comente estratégias construídas por você que cooperam para a manutenção

de sua própria saúde fora do ambiente escolar.

10-O que você faz para preservar sua voz?

11-Você já foi agredido verbal ou fisicamente pelos alunos? Como lidou com este

fato?

12-Você tem a percepção de que as estratégias que utiliza para driblar as

dificuldades do trabalho servem para a manutenção de sua saúde? Poderia

explicar?

13-Você percebe que encara as dificuldades do trabalho de forma diferente dos

outros professores? Por quais motivos?

14-Como é o seu nível de motivação para realizar diariamente o trabalho

docente? O que lhe dá prazer no trabalho docente e o que o(a) faz sofrer?

15-O que você faz para combater os sintomas do cansaço e do nervosismo?

16- Você já pensou em abandonar a profissão? Por que não abandonou?

17- Você consegue se desligar dos problemas “da escola” quando termina o

horário de trabalho? Como faz isto?

18-Você bebe (bebida alcólica) ou fuma? Estas ações o(a) ajudam a aliviar as

tensões do dia-a-dia?

19-Você tem alguma prática religiosa? Ela o(a) ajuda a suportar as dificuldades

do trabalho? Como isto acontece?

20-Você estimularia seus alunos a se tornarem professores? Com quais

argumentos?

21- Quais são suas principais características como educador?

22- Na sua opinião, o que poderia ser feito para buscar soluções para os

problemas relacionados ao adoecimento docente?

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Anexo A – Normas internas Escola-1

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Apêndice B – Notícias sobre agressões na rede pública