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REPENSANDO A ESCOLHA RACIONAL E A TEORIA DA AG˚NCIA: fazendeiros de gado e capatazes no sØculo XIX * Karl Monsma RBCS Vol. 15 n o 43 junho/2000 Depois da independŒncia argentina, os trŒs irmªos Anchorena, comerciantes de Buenos Ai- res, adquiriram vastos terrenos no sul dessa pro- víncia e organizaram um impØrio de fazendas de gado. AtØ 1830 tinham oito fazendas e provavel- mente eram os maiores fazendeiros de gado da Argentina (Brown, 1979, p. 182; Carretero, 1970b). Os Anchorena participavam de uma reo- rientaçªo da atividade econômica de Buenos Ai- res para a produçªo rural que se seguiu à inde- pendŒncia argentina. Com a decadŒncia das mi- nas de prata do Alto Peru (Bolívia) e a liberaçªo do comØrcio externo, muitos comerciantes anteri- ormente intermediÆrios no comØrcio entre Alto Peru e Espanha investiram em fazendas ou char- queadas e começaram a exportar couros e char- que (Halperín Donghi, 1969). No final dos anos 1820, após o fim da guer- ra entre Brasil e Argentina, Joªo Francisco Vieira Braga (Filho), outro comerciante radicado a uns 650 quilômetros à nordeste de Buenos Aires, na cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul (naque- la Øpoca, Província do Rio Grande de Sªo Pedro do Sul), comprou uma grande fazenda de gado no interior da província, perto da fronteira com o Uruguai. Ao contrÆrio dos Anchorena, grande parte dos negócios anteriores de Vieira Braga era ligada ao Estado. Ele era administrador do con- trato do quinto real dos couros do Rio Grande e abastecia os exØrcitos portuguŒs e brasileiro du- rante as sucessivas campanhas cisplatinas. Como outros comerciantes do Rio Grande, Joªo Francis- co jÆ exportava couros e charque para outras regiıes do Brasil, e jÆ tinha fazendas, mas as que possuía ficavam perto da lagoa dos Patos e eram de acesso relativamente fÆcil por embarcaçıes. Com a compra da fazenda no interior, Joªo Fran- cisco participava do movimento geral daquela Øpoca de ocupaçªo da Campanha, a planície do sul da província, por fazendas de gado (Bell, 1998, pp. 27-31). * Versıes anteriores deste trabalho foram apresentadas no GT Trabalho e Sociedade da Anpocs, em 1998, e em uma palestra no Programa de Pós-Graduaçªo em CiŒn- cia Política da USP, em 1999. Agradeço os comentÆrios dos participantes desses eventos, especialmente Helena Hirata e Tom Dwyer, de Maria da Gloria Bonelli e de um parecerista anônimo da RBCS. A pesquisa no Rio Gran- de do Sul teve o auxílio da Comissªo Fulbright do Brasil e a pesquisa em Buenos Aires contou com os recursos University Research Grants Committee Award da Uni- versidade de Northwestern.

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REPENSANDO A ESCOLHARACIONAL E A TEORIA DA AGÊNCIA:fazendeiros de gado ecapatazes no século XIX*

Karl Monsma

RBCS Vol. 15 no 43 junho/2000

Depois da independência argentina, os trêsirmãos Anchorena, comerciantes de Buenos Ai-res, adquiriram vastos terrenos no sul dessa pro-víncia e organizaram um império de fazendas degado. Até 1830 tinham oito fazendas e provavel-mente eram os maiores fazendeiros de gado daArgentina (Brown, 1979, p. 182; Carretero,1970b). Os Anchorena participavam de uma reo-rientação da atividade econômica de Buenos Ai-res para a produção rural que se seguiu à inde-pendência argentina. Com a decadência das mi-nas de prata do Alto Peru (Bolívia) e a liberaçãodo comércio externo, muitos comerciantes anteri-ormente intermediários no comércio entre AltoPeru e Espanha investiram em fazendas ou char-

queadas e começaram a exportar couros e char-que (Halperín Donghi, 1969).

No final dos anos 1820, após o fim da guer-ra entre Brasil e Argentina, João Francisco VieiraBraga (Filho), outro comerciante radicado a uns650 quilômetros à nordeste de Buenos Aires, nacidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul (naque-la época, Província do Rio Grande de São Pedrodo Sul), comprou uma grande fazenda de gadono interior da província, perto da fronteira com oUruguai. Ao contrário dos Anchorena, grandeparte dos negócios anteriores de Vieira Braga eraligada ao Estado. Ele era administrador do con-trato do quinto real dos couros do Rio Grande eabastecia os exércitos português e brasileiro du-rante as sucessivas campanhas cisplatinas. Comooutros comerciantes do Rio Grande, João Francis-co já exportava couros e charque para outrasregiões do Brasil, e já tinha fazendas, mas as quepossuía ficavam perto da lagoa dos Patos e eramde acesso relativamente fácil por embarcações.Com a compra da fazenda no interior, João Fran-cisco participava do movimento geral daquelaépoca de ocupação da Campanha, a planície dosul da província, por fazendas de gado (Bell,1998, pp. 27-31).

* Versões anteriores deste trabalho foram apresentadasno GT Trabalho e Sociedade da Anpocs, em 1998, e emuma palestra no Programa de Pós-Graduação em Ciên-cia Política da USP, em 1999. Agradeço os comentáriosdos participantes desses eventos, especialmente HelenaHirata e Tom Dwyer, de Maria da Gloria Bonelli e de umparecerista anônimo da RBCS. A pesquisa no Rio Gran-de do Sul teve o auxílio da Comissão Fulbright do Brasile a pesquisa em Buenos Aires contou com os recursosUniversity Research Grants Committee Award da Uni-versidade de Northwestern.

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Esses comerciantes/fazendeiros ficavam amaior parte do tempo nas cidades, organizando eadministrando à distância suas fazendas de gado,chamadas estâncias no Rio Grande de São Pedroe no rio da Prata. A maioria das estâncias dosAnchorena era localizada entre 100 e 300 quilô-metros da cidade de Buenos Aires. A Estância daMúsica, de Vieira Braga, ficava a uns 300 quilô-metros do Rio Grande. Para terem sucesso nacriação de gado eles dependiam dos capatazesdas fazendas. Incumbiam os capatazes da admi-nistração do dinheiro e dos suprimentos para ospeões e escravos, e tinham de confiar que eleslhes transmitiriam informações verídicas sobre oestado dos rebanhos e dos campos, e não vende-riam gado ou couros em benefício próprio. Alémdisso, a criação de gado nessas planícies semcercas exigia grandes esforços dos capatazes.Bons capatazes trabalhavam com afinco supervi-sionando rodeios, marcações, castrações, a sepa-ração do gado misturado com o dos vizinhos e acondução de boiadas a novos pastos. Tinham deevitar a fuga dos escravos, recrutar peões e man-ter a lealdade deles, assim como defender a pro-priedade de ladrões de gado e vizinhos que mar-cavam bezerros errantes ou invadiam os pastoscom suas manadas. A posição de capataz exigiaum alto grau de responsabilidade e confiabilida-de, além de competência na administração dehomens e animais.

Este artigo usa os casos desses fazendeiros degado e suas relações com os capatazes para repen-sar a teoria da agência, ou a teoria principal-agent,que trata das maneiras de conseguir serviços deoutras pessoas. Nessa teoria, principal é qualquerpessoa ou organização que quer que outra façaalgum serviço para ela.1 O agente é a pessoa ouorganização que provê o serviço. A teoria tentaidentificar os incentivos que levam o agente aservir melhor os interesses do principal.

A versão convencional da teoria da agênciabaseia-se em uma concepção empobrecida daação humana, que pressupõe escolhas racionaisentre as linhas de conduta possíveis em cadasituação. Este artigo tenta mostrar como umateoria da ação mais sofisticada pode modificarnosso entendimento das relações principal-agent.

A teoria da agência permite identificar problemase contradições centrais nas relações entre princi-pals e agentes e ajuda a entender por que certassoluções são eficazes, mas não é suficiente paraexplicar os arranjos específicos que se adotam naprática. Quase sempre há vários arranjos queseriam satisfatórios para ambas as partes porque,como Herbert Simon (1957) argumentou, na mai-oria das vezes as pessoas se dão por satisfeitascom medidas que surtem efeito e não seguembuscando a melhor de todas as soluções paracada problema que enfrentam, o que geralmentenão vale a pena. A teoria da agência ajuda adelimitar o conjunto dos ajustes viáveis entreprincipals e agentes, mas não explica por queeles chegam a um deles e não a outro. Paraentender as soluções específicas, precisamos le-var em conta a história e a cultura de contextosdeterminados. Uma teoria da ação que enfatize ohabitus, o conhecimento prático e os processosde estruturação, baseada no trabalho de PierreBourdieu e Anthony Giddens, permite incorporara história e a cultura na análise da agência, cap-tando melhor os processos que levam aos arran-jos específicos.

Para entender as relações de agência dura-douras, também precisamos estudar como a intera-ção entre as partes e seus ajustes se modificam aolongo do tempo. A versão convencional da teoriada agência não permite estudar tais mudançasporque pressupõe preferências estáveis e, por isso,focaliza incentivos fixos. Com o tempo, podemmudar os entendimentos das partes, os benefíciosque elas esperam ganhar da relação e suas estraté-gias para tratar com o outro. Essas mudanças sãodirecionadas pela lógica cultural de contextos es-pecíficos. Um aspecto importante da históriainterna de relações de agência são as obrigaçõesdo principal para com o agente, quase sempreignoradas na teoria da agência. Quando a relaçãodura, muitas vezes o principal assume obrigaçõesa longo prazo para com o agente, e o agentedesenvolve estratégias para incentivar o principala cumpri-las.

Antes de examinar as relações entre fazen-deiros e capatazes, é preciso esclarecer os funda-mentos e os limites da teoria da agência.

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Da escolha racional ao sentidoprático

Fundamentos da escolha racionalA teoria da agência originou-se na Economia,

e as versões sociológicas da teoria baseiam-se nasmesmas pressuposições adotadas pela maioria doseconomistas. Esta abordagem geral, denominada�escolha racional�, pressupõe que, do leque deações possíveis numa situação dada, as pessoasescolham racionalmente aquelas que maximizamas chances de conseguir suas metas e realizar seusprojetos. A escolha racional não focaliza as origensdos desejos e das preferências dos atores, conside-rados ou universais (como os desejos de sobrevi-vência, segurança, riqueza, poder, prestígio etc.),ou produtos de processos sociais e culturais exóge-nos à análise, mas pressupõe que suas preferências� sejam elas quais forem � são estáveis e ordena-das hierarquicamente.2 Não importa de onde vêmos objetivos das pessoas, uma vez que conhece-mos (ou pressupomos) as metas dos atores, pode-mos elaborar modelos descrevendo as estratégiasmais racionais para a sua realização em contextosvariados.3

A principal justificativa desta abordagem,além das teorias dedutivas que permite desenvol-ver, é a sua capacidade putativa de esclarecer asrelações entre micro e macro, entre ação e estrutu-ra. Os sociólogos da escolha racional vêm dizendoque grande parte da Sociologia não reconhece quecoletividades, estruturas e instituições não têm vidaou vontades, e que só agem por meio da ação dosindivíduos. Assim, um dos principais projetosdeles é entender como as estruturas, os sistemas eas instituições sociais podem �emergir� e se repro-duzir em decorrência das ações racionais dosindivíduos.4 As relações de emprego e outrasrelações de agência institucionalizadas constituemfenômenos-chave a serem explicados pela açãoracional.

A escolha racional pressupõe que as pessoastêm interesses claros e escolhem as ações maisadequadas para servir seus interesses. Como ocientista social elabora o modelo pensando consci-entemente nas alternativas disponíveis aos atores e

identificando a mais eficaz, implicitamente estátratando os atores como se fizessem escolhasconscientes e calculadas. Alguns sociólogos, eprovavelmente a maioria dos economistas, crêemque, se os modelos de escolha racional descrevemmais ou menos bem os padrões de ação estudados,essas ações realmente devem decorrer de cálculosracionais parecidos com os do cientista social queelaborou o modelo (veja Schutz, 1943), um exem-plo do que Bourdieu (1977, p. 28) designa de�escorregar do modelo da realidade para a realida-de do modelo�. Outros autores (por exemplo,Hechter e Kanazawa, 1997) enfatizam, porém, queo propósito central da abordagem não é entendera ação individual, mas entender as conseqüênciasdas combinações de ações de pessoas com interes-ses distintos em contextos institucionais variados.Nessa versão, o sucesso da abordagem não depen-de de se, na realidade, as pessoas fazem escolhascalculadas o tempo todo. A escolha deliberada ésó um pressuposto útil para a construção de mode-los da ação. O que importa é que as pessoas têmmetas claras e agem intencionalmente na procuradessas metas, mesmo se não pesam as alternativasantes de �escolher� um rumo de ação. De algumamaneira, e dentro dos limites da informação dispo-nível, as pessoas médias tendem a escolher a linhade conduta mais eficaz para conseguir seus objeti-vos num dado contexto. A diferença entre as duasvertentes é que uma acredita que a escolha racio-nal constitui uma descrição verídica dos pensa-mentos e das decisões dos atores, ao passo que aoutra trata a escolha racional como uma conjecturasimplificadora para elaborar modelos explicativosde padrões de atividade.

Ambas as versões da escolha racional pressu-põem atores pré-sociais, que decidem e agemsegundo critérios universais de racionalidade, mes-mo quando os �gostos� deles sejam dados poralgum processo social. A escolha racional é umpostulado básico, não um objeto de pesquisa. Aabordagem substitui o estudo da ação por ummodelo abstrato da ação, o que esquiva o proble-ma das relações entre ação e estrutura porque oresolve por definição. As pressuposições de raci-onalidade instrumental e de escolhas calculadaspermitem que o pesquisador desconsidere como

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os atores sentem, percebem e entendem sua situa-ção e outras pessoas, e o pressuposto de preferên-cias estáveis exclui o estudo de mudanças nos seusobjetivos. A vida vira um jogo entre máquinascalculadoras programadas com objetivos e dadosvariados. Isso vai na contramão de parte importan-te da Sociologia, que enfatiza justamente a constru-ção social dos atores, como as categorias do pen-samento são limitadas por categorias institucionais,como as preferências, motivações e estratégiasmudam na interação social e como a ação se efetivanão individualmente, mas por meio de redes derelações (veja, por exemplo, Baron e Hannan,1994, pp. 1.114-1.117; Berger e Luckmann, 1966;Calhoun, 1998; Douglas, 1986; Granovetter, 1985;Somers, 1998).

O problema da indeterminaçãoA escolha racional amiúde sofre de proble-

mas de indeterminação. As versões formais daabordagem tentam identificar as conseqüências dainteração de vários atores, ou de várias categoriasde atores, com modelos matemáticos de equilíbrio,nos quais nenhum ator pode melhorar sua posição,devido às reações dos outros. Se existir um equilí-brio só, com o tempo as ações dos envolvidostenderão a se estabilizar no equilíbrio, da mesmamaneira que a oferta e a demanda levam a preçosna teoria econômica. Muitas vezes, porém, existemequilíbrios múltiplos, e a abordagem não podeexplicar por que surge um em um contexto e outroem outro (Elster, 1989, pp. 101-112, e 1993; Greene Shapiro, 1994, pp. 23-27).

O número de possíveis �soluções� se multi-plica muito mais uma vez que admitimos que aspessoas reais geralmente buscam estratégias sufici-entes para a realização de objetivos, não estratégiasótimas. Já nos anos 50, Herbert Simon (1957, pp.196-206 e 241-273) criticou o grosso da teoriaeconômica por pressupor atores com informaçãoperfeita e capacidades de cálculo ilimitadas. Ten-do em vista os limites humanos, geralmente nãocompensa tentar otimizar as decisões, e as pessoas,segundo Simon, fazem o que ele chama satisficing:poupam seu tempo e suas capacidades cognitivasaceitando soluções viáveis. Quando as pessoasestão satisficing e não otimizando, quase sempre

há várias estratégias possíveis para alcançar osmesmos fins. Hoje a teoria econômica tenta levarem conta os custos de aquisição da informação,postulando que as pessoas seguem procurandoinformações pertinentes a uma escolha até que ocusto da busca supere o valor da nova informação,mas isso não serve como resposta adequada aSimon porque não diz nada a respeito dos limitescognitivos e não leva em conta a dificuldade (ou aimpossibilidade) de estimar o valor de informa-ções, conhecimentos e habilidades antes de adqui-ri-los.5 Os estudos empíricos da escolha racionalgeralmente são estudos de satisficing, embora nãoreconheçam isso. Tipicamente, tentam explicarpost hoc por que alguma instituição ou linha deconduta é racional para os atores envolvidos. Aexplicação geralmente focaliza por que o arranjoou ação é satisfatório, mas não demonstra que é omelhor possível.

A escolha racional não pode explicar porque, dentro do conjunto das práticas possíveis econvenientes, as pessoas seguem uma e não outra.Na maioria das vezes, a maneira mais fácil deencontrar uma solução viável é tentar algumaestratégia já conhecida que funcionou para outroproblema parecido ou observar como outras pes-soas solucionam problemas parecidos, o que im-plica um viés conservador a favor de conhecimen-tos e procedimentos já comuns no ambiente doator. Portanto, para entender a estratégia observa-da, o pesquisador tem de levar em conta a históriae a cultura do contexto específico que estuda.

Habitus, conhecimento prático e temporalidadePara evitar o objetivismo e o universalismo

da escolha racional, é essencial reconhecer que osatores não existem fora do contexto social, que asformas da racionalidade variam com a natureza dasdisposições e dos esquemas de percepção interna-lizados em contextos específicos. Aqui proponhosubstituir a idéia de escolha racional pelo habituse o conhecimento prático como geradores da ação,usando idéias de Bourdieu (1977 e 1980, pp. 87-109) e Giddens (1979, pp. 9-130, e 1984). O cerneda teoria da ação dos dois é parecido: ambosenfatizam as estratégias que as pessoas usam pararesolver problemas e prosseguir na vida, mas que

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não sabem explicar em palavras, ou só conseguemexpressar nos discursos fragmentados de peque-nas observações, piadas, ditados etc. O habitus é�um sistema de disposições duradouras e transpo-níveis que, integrando experiências passadas, fun-ciona em todo momento como uma matriz depercepções, apreciações e ações e possibilita arealização de empreendimentos infinitamente vari-ados, graças a transferências análogas, permitindoa solução de problemas moldados de maneirasemelhante� (Bourdieu, 1977, pp. 82-83). O �sen-tido prático� é essa capacidade de transpor osesquemas de percepção e ação do habitus entreproblemas homólogos, permitindo improvisaçõesilimitadas. Na concepção de Giddens (1984, pp.17-23), as �regras� da vida social são constituídasde fórmulas ou procedimentos que são generalizá-veis entre problemas análogos. Esses esquemas ouprocedimentos residem principalmente no que elechama de �consciência prática�, por contraste a�consciência discursiva�, que abrange os pensa-mentos formulados em palavras e conceitos. Bour-dieu enfatiza mais as disposições embutidas nocorpo e nos sentimentos, enquanto Giddens enfa-tiza mais a intencionalidade da ação (mesmo se asconseqüências não correspondem às intenções) eo entendimento, dentro de limites, dos atores.6 Oconhecimento prático constitui uma arte da vida.Ele fornece às pessoas um sentido dos procedi-mentos adequados a várias situações por causa dasanalogias entre elas. Geralmente os indivíduos nãofazem uma escolha consciente de uma lista decondutas possíveis. Mesmo quando pensam nassuas escolhas, o habitus e o conhecimento práticomoldam a definição do problema, limitam as açõespensáveis e orientam as estratégias para resolvê-lo.

A escolha racional tende a ofuscar as dife-renças entre escolhas racionais (uso do raciocíniopara decidir entre alternativas) e a ação racional(ação eficaz, que leva a resultados desejados).Há muitos modelos da escolha racional demons-trando como a racionalidade individual pode le-var a resultados contraproducentes no nível cole-tivo, mas a abordagem geralmente desconsideraa possibilidade de que ações não provenientesda escolha racional � ações espontâneas, impul-sivas, emocionais, habituais ou tradicionais �

possam levar a conseqüências desejadas, e assimser racionais do ponto de vista dos resultados. Seo comportamento das pessoas numa situaçãodada é eficaz para promover seus interesses, éfácil supor que um modelo científico baseado naescolha racional �explica� esse comportamento.Bourdieu mostra, porém, que o habitus, em con-textos parecidos àqueles onde ele se internalizou,possibilita a improvisação de práticas eficazes emuma infinidade de situações específicas e o ajus-tamento constante do comportamento na intera-ção com os outros, sem escolhas deliberadas,que muitas vezes só complicariam a realização deresultados apreciados (Bourdieu e Wacquant,1992, pp. 117-126).

A ação orientada pelo habitus amiúde leva aconseqüências benéficas para o ator mesmo quan-do ele se sente motivado por dever, generosidadeou amor, e muitas vezes as pessoas genuinamentedesinteressadas ganham mais de certos benefícios,tais como respeito, prestígio, carinho ou confiança.Arlie Hochschild (1983, pp. 28-34 e 201-222) enfa-tiza a racionalidade (do ponto de vista dos resulta-dos) das emoções. Com as emoções, as pessoassentem aspectos de situações sociais que não sãoimediatamente acessíveis à consciência discursiva.Assim, há algumas situações em que a ação emoci-onal é mais eficaz que a ação deliberada, e muitasoutras nas quais a deliberação orientada pelasemoções leva a decisões mais sábias que cálculosfrios. Para pesquisar � e não simplesmentepostular � por que as pessoas agem de umamaneira que parece encaixar nos modelos daescolha racional precisamos estudar as relaçõesentre habitus e situação social.

Os conceitos de habitus e de conhecimentoprático nos permitem ressituar os atores na história,como produtos históricos, e perceber que institui-ções, tais como relações de agência, não emergemnum vácuo, mas são transformações de instituiçõespreexistentes, feitas por atores formados em umdeterminado contexto histórico (veja Sewell, 1987).Os processos de formação, reprodução e transfor-mação de instituições também formam os atores,cujos habitus e conhecimentos sofrem mudançasna interação e na experiência. É especialmenteimportante levar em conta que, como argumenta

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Giddens (1984, pp. 334-341), todo ser humano éum teórico social, tentando entender sua situação einterpretar os entendimentos dos outros, mesmo sefaz isso com os conceitos do senso comum, e queele muda suas teorias com a experiência. Conformeos atores e seus entendimentos mudam, suas prefe-rências, metas e estratégias para lidar com proble-mas podem mudar também. A escolha racional,porém, exclui o estudo da formação mútua dasestruturas e dos atores porque começa com opostulado do ator racional pré-formado (e, por isso,pré-social), que não varia, reduzindo a cultura àinformação ou, nas versões mais sofisticadas, àsexpectativas a respeito do comportamento dosoutros (por exemplo, Greif, 1994). As formas deentendimento intersubjetivo tampouco constituemobjetos legítimos de estudo nessa abordagem, jáque ela pressupõe que todos agem pela mesmalógica, mesmo se têm fins diferentes.

Essas limitações da escolha racional não sig-nificam que essa abordagem não serve para nada.Quando as pessoas têm interesses ou metas relati-vamente claros, a escolha racional pode identificarproblemas que elas têm de resolver para conseguiro que querem. Talvez o maior impacto da escolharacional nas ciências sociais tenha sido o esclareci-mento de dilemas, problemas e paradoxos, taiscomo o problema do free rider � os indivíduosnão têm incentivo para contribuir para a realizaçãode um bem público porque todos receberão osbenefícios, quer contribuam, quer não (Olson,1965) � ou o paradoxo do voto � nos países ondeo voto é facultativo, as pessoas votam apesar dofato de que o voto individual faz pouca diferença,porque as eleições quase nunca são decididas porapenas um voto (Downs, 1957). As idéias daescolha racional também podem ajudar a entenderpor que certas soluções funcionam, mesmo se nãoresultam de nenhuma escolha consciente entrealternativas. Dada a presença de preferências oumetas claras, esses modelos servem como tipos-ideais que delimitam o conjunto de soluções viá-veis para certos problemas e que indicam asprováveis conseqüências da adoção de uma solu-ção em vez de outra. Contudo, somente a históriae a cultura de contextos específicos permitementender por que as pessoas �escolhem� um dos

arranjos viáveis e não outro. O habitus influenciaa percepção dos problemas e de quais incentivossão mais apreciados. O conhecimento práticomolda as estratégias das pessoas que quereminfluenciar a ação de outras, especialmente a natu-reza dos incentivos que oferecem e a maneira deoferecê-los

A teoria da agência

A Economia neoclássica, que pressupõe in-formação perfeita e transações sem custos, nãopode explicar a existência de organizações, mas ossociólogos que se interessam pela escolha racionalgeralmente querem usá-la para entender as insti-tuições sociais, não para redefini-las como merca-dos. A escola da Economia conhecida como a�economia de custos de transação� (transactioncosts economics) resulta mais útil para os sociólo-gos da escolha racional porque junta custos deinformação e custos da formação e implementaçãode contratos ao modelo da escolha racional paraexplicar a emergência e o funcionamento dasorganizações e instituições.7 A teoria da agênciaconstitui uma parte importante da �economia decustos de transação� e vem ganhando espaço naSociologia.8 Nesse olhar, organizações ajudam aresolver problemas de agência e são construídas,em grande parte, de relações entre principals eagentes. Variações na natureza da agência tambémpodem explicar importantes diferenças entre orga-nizações.9

Há dois tipos gerais de agência. Seguindouma distinção da common law da Inglaterra e suasex-colônias, pode-se distinguir a agência do tipo�senhor-servo� (master-servant) da agência do tipo�contratante independente� (independent contrac-tor) (Coleman, 1990, pp. 146-149). No primeirotipo, a relação de emprego dá ao principal auto-ridade sobre o agente. O principal tipicamente édono do lugar, da matéria-prima e das ferramentasusadas no trabalho. No segundo tipo, o principalencomenda um serviço ao agente mas o agentenão é empregado do principal; este não tem odireito de mandar naquele, nem de especificarcomo fazer o serviço. Muitos profissionais liberais,por exemplo, são contratantes independentes.

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Este artigo focaliza a agência senhor-servo masargumenta que, nas relações de emprego duradou-ras, elementos importantes de agência do tipocontratante independente entram na relação.

A teoria da agência focaliza os problemasgerados pelo fato de que o agente tem de fazeralgo pelo principal mas não tem os mesmosinteresses. Ao mesmo tempo, o principal nuncatem informação completa sobre as atividades doagente, e muitas vezes nem sabe fazer as tarefas doagente. Essa abordagem tenta descobrir que arran-jos contratuais e institucionais podem melhor ali-nhar ou compatibilizar os interesses do agente comos interesses do principal.10 O ideal, para oprincipal, é um sistema de incentivos em que oagente só pode ganhar mais por meio de esforçosque aumentam os benefícios do principal (Stin-chcombe, 1986, pp. 139-140).

Como a abordagem pressupõe que os agen-tes �se comportam egoisticamente e o fazem comastúcia� (Peterson, 1993, p. 279), não adianta pro-curar agentes honestos ou com um forte sentido dedever ou ética profissional. Tem-se de procuraragentes que têm algo a perder. Se o agente temuma boa reputação construída numa história detransações anteriores, tem algo de valor que podeperder se fizer um trabalho ruim ou desfalcar umprotegido (Pratt e Zeckhauser, 1991, pp. 12-14).Em geral, a perda de futuros protegidos decorrenteda perda da boa reputação vai ser maior que oganho de uma fraude ou um trabalho malfeito.Para trabalhadores comuns, que não têm umareputação que o empregador pode averiguar semincorrer em altos custos, a literatura recomendaestágios probatórios e oportunidades para promo-ções por bom desempenho. Também é possívelpagar ao trabalhador mais que o seu valor demercado, aumentando, assim, o custo da perda doemprego, uma estratégia conhecida como �saláriode eficiência� (efficiency wages) (Pratt e Zeckhau-ser, 1991, p. 10; Pearce, 1992, pp. 123-124).

O grosso dessa literatura tenta identificar ascondições que estimulam maiores esforços dosagentes. Enfatiza especialmente os tipos e combi-nações de incentivos e fiscalização que são maisadequados para os interesses do principal emvários tipos de agência. Especialmente importante

aqui é a diferença entre recompensas por resulta-dos, como pagamento por peça, e recompensaspelo tempo trabalhado, como salários. Se osresultados são fáceis para o principal avaliar, re-compensas por resultados podem constituir incen-tivos mais fortes, mas muitas vezes os resultadosdependem só parcialmente do esforço e da capaci-dade do agente. Se ele trabalha em equipe comoutros, pode ser difícil avaliar a contribuição decada indivíduo para o produto. Também há muitasinfluências nos resultados que estão fora do con-trole dos agentes. A matéria-prima pode chegarestragada, as máquinas podem quebrar, a deman-da para os produtos pode cair, as secas ou enchen-tes podem destruir a produção rural. Na maioriadas relações de emprego, os empregados nãopodem ou não querem assumir o risco de receberpouco ou nada por causa de flutuações em condi-ções fora de seu controle. Por isso, o principal temde oferecer um salário básico para achar pessoasdispostas a servir como agentes. O salário pode sercombinado com prêmios por resultados.

Quando as tarefas do empregado são maisvariadas ou complexas e os resultados, especial-mente a qualidade do produto, não são fáceis deavaliar, pode ser perigoso para o principal sóoferecer recompensas por resultados, porque oempregado tenderá a esforçar-se mais nos aspec-tos do trabalho que podem ser medidos ou avali-ados (Holmstrom e Milgrom, 1991). Pode negli-genciar outros aspectos e maltratar o capital (equi-pamentos, construções ou animais) do principalno esforço para produzir mais. Se a conexão entreesforços e resultados não é clara ou as tarefas sãovariadas, o principal tem de oferecer mais recom-pensas pelo tempo trabalhado e menos prêmiospor resultados. Com recompensas por tempo,como salários, aumenta a necessidade de fiscaliza-ção do empregado para prevenir evasão dos deve-res ou uso do tempo ou dos recursos do principalpelo agente em proveito próprio. Mas a fiscaliza-ção custa e tampouco é perfeita. O empregadopode fingir estar trabalhando para mostrar serviço,ou se concentrar mais nas tarefas mais fáceis defiscalizar, criando distorções parecidas com asproduzidas por recompensas baseadas em só umaspecto do produto.11

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As obrigações do principalA teoria da agência enfatiza os arranjos que

servem melhor aos interesses do principal. As-sim, não é exagero ver as teorias da agênciasenhor-servo como teorias da melhor maneira deexplorar trabalhadores sob várias condições. Al-guns autores reparam nesse viés, mas ninguémtentou reformular a teoria da agência para supe-rá-lo. Pratt e Zeckhauser (1991, p. 2) mencionamque, às vezes, a relação de agência é recíproca,com o principal providenciando alguns serviçosao agente. James Coleman (1990, p. 155) notaque o agente na agência senhor-servo dependedo principal para não abusar do seu poder, masnão desenvolve mais essa discussão. No seumanual de sociologia das organizações, CharlesPerrow afirma que a teoria da agência não levaem conta as obrigações do principal para com oagente.

[A teoria da agência] enfatiza quase exclusivamen-

te o não cumprimento de deveres por subordina-

dos (agentes) como a única forma de comporta-

mento egoísta e interesseiro contra o qual se deve

proteger. A possibilidade de que o capitalista

(principal) possa mentir aos trabalhadores sobre

níveis de lucros ou ameaças de negócios perdidos,

falsificar os registros dos produtos deles, ameaçar

a saúde dos agentes, tudo para extrair mais lucros,

ou simplesmente para faltar com suas responsabi-

lidades, é ignorada, ou afastada ao mencionar que

uma firma protege sua reputação. (Perrow, 1986,

p. 227)

Além do viés de classe que Perrow repara, aabordagem principal-agent desconsidera o cum-primento das obrigações do patrão para com otrabalhador porque não leva em conta a evoluçãoda relação através do tempo. A escolha racionalnão lida bem com relações e interações que evolu-em com o tempo, mudando as preferências dosatores, suas estratégias e seus entendimentos dosoutros envolvidos, porque pressupõe preferênciasestáveis e a racionalidade instrumental. Para en-tender como as relações entre principal e agentemudam com o tempo, precisamos levar em conta alógica cultural dos atores.

Devido à continuidade da relação entre em-pregador e trabalhador, o agente (empregado)depende do principal (empregador) para cumprirvários deveres, tais como pagar salário, mantercontas honestas, manter condições saudáveis detrabalho, contribuir para a previdência social, in-vestir na competitividade da empresa ou pagaraposentadorias. Em quase todas as relações deemprego duradouras o principal original vira oagente do agente original e há problemas impor-tantes de efetivação e fiscalização de serviços deambos os lados. Embora algumas das obrigaçõesdo patrão já sejam explicitadas no contrato epossam ser facilmente fiscalizadas pelo emprega-do, outras são implícitas, difíceis para o trabalhadorverificar ou só se efetivam a médio ou longo prazo.Os empregados têm uma forte tendência a definira relação de emprego como uma relação de trocarecíproca na qual o patrão acumula obrigaçõesmorais para com eles em função do tempo deserviço. Para muitos deles, uma das maioresobrigações do empregador é simplesmente a demanter a relação de emprego. Mas é difícil confiarque o empregador cumpra suas obrigações paracom o empregado a longo prazo, em parte porquevárias dessas obrigações não se acham em contra-tos formais, mas em promessas vagas ou contratosimplícitos, e em parte porque o empregado nãopode ter certeza que o empregador vá ter condi-ções, no futuro, para cumprir essas obrigações,mesmo querendo. A relação se modifica conformeo empregado se convença que o patrão realmentecumpre seus deveres, o que pode evocar naquelea lealdade e algum grau de identificação com osinteresses da empresa.

O patrão vira um agente do tipo contratanteindependente do trabalhador porque este nãoganha autoridade sobre aquele, mas depende delepor certos serviços. Algumas das análises maisinteressantes de agência feitas por sociólogos tra-tam de contratantes independentes (por exemplo,Heimer, 1985; Heimer e Staffen, 1998; Shapiro,1987). Nessas relações, a falta de informação sobreas atividades do agente cria problemas especiaispara o principal. O médico, o mecânico, o advo-gado ou o corretor de seguros tipicamente têmmuito mais informações que o protegido sobre os

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serviços que prestam. Para encomendar tais servi-ços, o protegido tem de confiar que o agente vaiatuar a favor de seus interesses, mas muitas vezeso principal (o protegido) tem boas razões paradesconfiar que o agente (o prestador de serviços)manipula informações para poder fazer o que maislhe convém. A literatura sobre esse tipo de agênciafocaliza especialmente as condições necessáriaspara que os principals possam confiar nos agentes.Esses autores tipicamente contrastam o controlepor meio da reputação do agente, que funcionamelhor em pequenas comunidades ou em redes depares, com o controle por instituições e organiza-ções especializadas, tais como conselhos profissio-nais, firmas de auditoria, associações de consumi-dores ou o Judiciário, mais adequadas à impesso-alidade das sociedades complexas (veja tambémGreif, 1994).

Recompensas a médio e longo prazos podemser fundamentais para estimular a lealdade emempregados, para estimular esforços maiores e parafacilitar a fiscalização (porque muitas vezes é maisfácil medir o resultado do trabalho a longo prazo)(Hechter, 1987, pp. 125-145). Mas qualquer princi-pal que quer oferecer incentivos a longo prazo temde se preocupar com as condições de confiabilida-de dessas promessas. Se os trabalhadores nãoacreditam que o patrão vá cumprir suas promessas,incentivos a longo prazo não funcionarão.

Fazendeiros de gado e capatazes emBuenos Aires e no Rio Grande do Sul

Contexto histórico e a formação do habitusAs histórias específicas de Buenos Aires e do

Rio Grande do Sul levaram a algumas diferençasimportantes nas elites e na organização das estânci-as, ou fazendas de gado, das duas províncias. Essasdiferenças de contexto moldaram as disposições, assensibilidades, as percepções e os esquemas deação � em suma, os habitus � dos dois fazendei-ros estudados aqui, produzindo algumas diferençasnotáveis na maneira de administrar as estâncias. Ateoria da agência ajuda a explicar por que asdiversas estratégias funcionavam, mas é o contextohistórico e cultural que explica as diferenças.

O Vice-Reinado do Rio da Prata, estabelecidoem 1776, transformou a cidade de Buenos Aires,anteriormente um centro de contrabando na peri-feria do império espanhol, no principal entrepostodo sul desse império, onde emergiu uma classe degrandes comerciantes, importadores de mercadori-as européias e de escravos africanos para distribui-ção no grande território que hoje inclui Argentina,Bolívia e Paraguai (Brown, 1979, pp. 28-35; Soco-low, 1978). A exportação principal era a prata dasminas do Alto Peru (Bolívia), complementada porum volume crescente de couros e de charque. Osgrandes comerciantes tiveram muito mais riqueza einfluência que os fazendeiros (Mayo, 1991). Seusfilhos nascidos no continente americano eramexcluídos dos altos cargos da burocracia colonial,o que, provavelmente, reforçava sua vocação co-mercial. Os irmãos Anchorena, os fazendeiros por-tenhos focalizados aqui, eram produtos dessa clas-se. Seu pai imigrou da Espanha e, começando comuma pequena venda, chegou à alta burguesia dosimportadores (Brown, 1979, p. 176; Carretero,1970b, pp. 10-13; Sebreli, 1985, pp. 37-42).

Depois do falecimento do pai, os Anchore-na, liderados pelo irmão mais velho, Juan JoséCristóbal, continuaram os negócios dele. Devidoà interrupção do comércio com o Alto Peru pelaGuerra da Independência e a subseqüente deca-dência das minas, eles se especializaram cada vezmais na exportação de couros comprados dosfazendeiros do litoral dos rios Paraná e Uruguai.Foi somente no fim da década de 1810 que elescomeçaram a requerer terras no sul de BuenosAires e organizar estâncias próprias. Foi nessesanos que as fazendas de gado extrapolaram defi-nitivamente o rio Salado, que durante várias dé-cadas servira como fronteira entre as terras dosindígenas e a faixa relativamente estreita, marge-ando o rio da Prata e o rio Paraná, controladapelos espanhóis. O governo provincial ajudouessa expansão para o Sul com campanhas contraos índios e um sistema de aluguéis a longo prazode terras públicas (enfiteuse). Os grandes comer-ciantes que requeriam terras nesse período, espe-cialmente nos anos 1820, geralmente pediam ter-renos bem maiores e mais distantes da cidadeque a grande maioria das estâncias coloniais

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(Carretero 1970a; Galmarini, 1974, pp. 31-40; Hal-perín Donghi, 1969).

Uma mudança crucial da época da indepen-dência foi o ocaso da escravidão, devido à proibi-ção da importação de escravos em 1812, à Lei doVentre Livre de 1813 e à alforria de muitos negrospelo Estado, que os recrutou para a guerra contraos espanhóis (Castellano Sáenz Cavia, 1981). An-tes, os grandes estancieiros coloniais usavam es-cravos, junto com peões livres, na criação de gado,na produção de trigo, frutas e hortaliças, na cons-trução de currais e casas e em quase todas as outrastarefas das fazendas (Amaral, 1998, pp. 38-53;Mayo, 1995, pp. 135-150). Às vezes se encontra-vam escravos posteiros12 ou até capatazes deestâncias, mandando em peões livres (Gelman,1989, pp. 55-59; Mayo, 1997). Embora saibamosmuito mais sobre o funcionamento das fazendaseclesiásticas do que das fazendas privadas daépoca colonial, é claro que a presença de escravospermitia a diversificação da produção, ou paravender ou para o consumo interno da fazenda. Ademanda por mão-de-obra na criação de gadovariava bastante durante o ano e de um ano paraoutro porque os fazendeiros precisavam de maispeões para o estabelecimento de estâncias novas,para arrebanhar o gado a pastagens novas e para asmarcações e castrações na primavera e no outono.Quando não estavam cuidando do gado, os escra-vos podiam ser usados em outras tarefas.

O censo de 1815 ainda mostra uma presençasubstancial de escravos nas estâncias de BuenosAires, mas, nos anos 1820, era cada vez mais difícilcomprar novos escravos.13 A falta de escravoscriou incentivos para que os fazendeiros se con-centrassem quase exclusivamente na criação degado, com um núcleo de empregados permanen-tes e peões temporários para ajudar nas estaçõesdos rodeios e das marcações, quando a demandapor mão-de-obra era muito maior.

Entre 1810 e 1830, Buenos Aires atravessouvários períodos de extrema instabilidade política.No meio das intrigas, dos golpes, das manifesta-ções populares, dos motins militares e das guerrascivis, até comerciantes poderosos como os Ancho-rena eram vulneráveis (Halperín Donghi, 1975 e1985). Para os irmãos Anchorena, o pior momento

provavelmente foi o de sua prisão durante a guerracivil de 1828-1829, por causa de sua associaçãocom Rosas e o Partido Federalista. Além dasmudanças políticas rápidas, o Estado era fraco.Durante anos a fio o Estado nacional não existiu e,às vezes, o Estado provincial também ruiu. Aprojeção do Estado no campo sempre foi muitomais limitada que na cidade. Tanta instabilidadeprovidenciava oportunidades para especulaçõeslucrativas, mas o Estado não constituía uma fontede renda confiável e não era eficiente em protegera propriedade, especialmente no campo. Os An-chorena supriam bois e cavalos aos fortes dafronteira, mas vendiam muito mais às charqueadasao redor da cidade de Buenos Aires e aos matadou-ros que abasteciam a cidade.14 Muitas vezes oEstado ameaçava a propriedade com empréstimosforçados, requisições de gado e cavalos para oexército e recrutamentos forçados de peões, quedeixavam as estâncias desamparadas. Juan JoséCristóbal de Anchorena usava sua influência polí-tica, quando a tinha, mais para ganhar proteçãocontra o Estado que para lucrar sobre negócioscom ele.

No início, as fazendas dos Anchorena no sulda província eram administradas por seu primo,Juan Manuel de Rosas, um homem com amplaexperiência rural. Foi somente em 1829, quandoRosas estava ocupado com a política, que Juan JoséCristóbal assumiu a administração direta dessasfazendas. Seu arquivo inclui correspondência dosanos 1820 com Rosas e com Juan Benito Sosa,capataz de umas estâncias no Oeste, mas há muitomais cartas do período entre 1828 e a sua morte em1832. Infelizmente, o arquivo de Nicolás, queassumiu a administração das estâncias, nunca foiaberto aos historiadores.15

Ao contrário da vocação comercial de Bue-nos Aires, Rio Grande de São Pedro (Rio Grande doSul) foi estabelecida como uma colônia militar paraproteger o sul do território português contra osespanhóis e para expandir o domínio português àsterras cisplatinas (Cesar, 1956; Freitas, 1999; Quei-roz, 1987). Até o fim do século XVIII, os militareseram bem mais importantes que os comerciantes, eos oficiais predominavam entre os que recebiamsesmarias (Osorio, 1990). João Francisco Vieira

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Braga cresceu num mundo em que a posição socialera, na maioria das vezes, ligada à posição noEstado, e o grosso das oportunidades para enrique-cer dependia da influência no Estado. O cresci-mento da indústria de charque nos arredores dePelotas produziria uma classe capitalista mais inde-pendente no decorrer do século, mas esse proces-so estava apenas começando quando João Francis-co era jovem.

Vieira Braga ocupou vários cargos governa-mentais, prezou muito os títulos honoríficos queganhou do governo imperial e enriqueceu fazendonegócios com o Estado. Quando comprou aEstância da Música, era comendador, capitão demilícias, oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro etinha o Hábito de Cristo. Tinha sido tesoureiro doSelo, vereador e juiz em Rio Grande.16 Provavel-mente seu cargo mais lucrativo fora o de adminis-trador do quinto real dos couros que passavampelo porto de Rio Grande. Um artigo de jornalchegou a acusá-lo de corrupção nessa posição,mas seu autor nunca produziu provas (Cesar, 1978,p. 12). Quando começou a Guerra Farroupilha,Vieira Braga era deputado da Assembléia Provinci-al e partidário ferrenho do Império. Foi nomeadovice-presidente da Província durante o conflito,mas não deixou seu exílio no Rio de Janeiro até ofim da guerra. Mais tarde, ganharia os títulos debarão, visconde e, finalmente, conde de Piratini.Nos anos 1810 e 1820, boa parte da sua riquezaprovinha de negócios com o Estado, especialmen-te a venda de provisões ao exército durante asguerras cisplatinas. Quando comprou a Estânciada Música, sua posição social e muito dos seusnegócios estavam intimamente ligados ao Estado.

Até o início do século XIX, as sesmarias e asgrandes estâncias do Rio Grande de São Pedroeram localizadas quase exclusivamente no litoraldos grandes lagos (lagoa dos Patos e lagoa Mirim)e ao longo dos principais rios afluentes deles. Opai de João Francisco, capitão João Francisco VieiraBraga, obteve uma sesmaria perto do rio Piratini(Cesar, 1978, pp. 51-58) e João Francisco Filhonasceu no povoado de Piratini. Já havia portugue-ses e espanhóis na planície do interior-sul dacapitania, especialmente posseiros e caçadores degado silvestre, mas os grandes fazendeiros só

começaram a pleitear terras no interior por volta de1780. O processo de apropriação oficial e deocupação acelerou-se depois de 1800, chegando aseu auge no período de 1814 a 1823 (Bell, 1998,pp. 27-31). A faixa de terras no interior perto daatual fronteira com o Uruguai tinha os melhorespastos, e foi nessa área que o furriel José Silveira deAndrade requereu uma sesmaria em 1809, nosterrenos conhecidos como o Rincão da Música.Vieira Braga comprou essa estância 21 anos de-pois, do segundo marido da viúva de Andrade.17

Durante quase dois séculos Rio Grande deSão Pedro experimentara, grande parte do tempo,a ameaça de guerra com os espanhóis. Depois daseparação das colônias espanholas da metrópole,o padrão continuou na invasão da Banda Oriental(ou Província Cisplatina) em 1811, na guerra contraArtigas de 1816-1817, na ocupação das terras cis-platinas e na guerra de 1825-1828 com a Argentinapela posse desse território. Com o tratado de pazde 1828, que criou o Estado independente doUruguai, parecia que a questão cisplatina se resol-vera definitivamente. Foi nesse contexto, depoisde enriquecer em negócios de guerra, que VieiraBraga comprou sua fazenda na fronteira com oUruguai, pronto para lucrar com a paz � incluin-do, provavelmente, a participação no contrabandode gado.

João Francisco já tinha experiência na admi-nistração das estâncias da sua mãe, as fazendas deSão João e de Santa Isabel, perto da lagoa dosPatos, na margem sul do rio Camaquã. Do RioGrande, ele chegava às fazendas em um dia, ou umpouco mais, indo até São Lourenço de barco eprosseguindo por terra. Ele fazia visitas freqüentespara supervisionar a produção e ver a mãe, que,depois de enviuvar, passou a morar na Fazenda deSão João. Parece que escravos faziam a grandemaioria do trabalho nas fazendas, inclusive a cria-ção do gado. A correspondência entre Vieira Bragae os parentes e capatazes residentes nessas propri-edades raramente menciona peões livres, mas háreferências constantes aos escravos.18 Com acessofácil � os produtos podiam ir até São Lourenço emcanoas, e continuar dali até Rio Grande em barcosa vela � e escravos para ocupar o ano todo, essasfazendas produziam uma variedade de produtos.

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Além de tropas de gado, conduzidas a pé àscharqueadas de Pelotas, as fazendas mandavamcharque, couros, toucinho, lingüiças, lã, cordeiros,galinhas, patos, perus, algodão, feijão, cevada,laranjas, velas e sabão para o Rio Grande pelosbarcos.19

Já a comunicação com a Fazenda da Música,no interior da província, era muito mais precária.Como Vieira Braga morava, a maior parte dotempo, na cidade de Rio Grande, tinha de secomunicar com seus capatazes por escrito. Comono caso dos Anchorena, a correspondência quesobrevive nos permite conhecer vários aspectos darelação entre fazendeiro e capatazes. Especialmen-te importantes são as instruções que Vieira Bragaescreveu para o capataz da Estância da Música,João Fernandes da Silva, quando este assumiu aadministração da fazenda, e o copiador das cartasque ele enviava ao capataz. Aqui se complemen-tam essas fontes com a correspondência de VieiraBraga com parentes e outros capatazes.

As distintas experiências anteriores podemexplicar várias diferenças nas atitudes e nos senti-mentos dos dois fazendeiros a respeito das suasfazendas. Nas cartas de Vieira Braga, transpira-sealgo da romantização da vida rural e do apegomístico à terra característicos de camponeses, fa-zendeiros e aristocratas do mundo inteiro. Desdeo início, João Francisco pensava sobre sua novaFazenda da Música como uma empresa diversifica-da, parecida com a Fazenda de São João. Como aescravidão continuava sem interrupção no RioGrande do Sul, era natural usar escravos na novafazenda. Ele mandou pelo menos onze, algunsdeles campeiros e outros, roceiros. É claro que arenda principal da estância viria das tropas de boisvendidas aos charqueadores, mas ele tambémesperava produzir cavalos, ovelhas, porcos, perus,galinhas e marrecos. Outros produtos eram princi-palmente para o consumo na fazenda: �Faráplantar bastante milho, feijão, abobras, e ortaliça ealgum trigo, para que haja de tudo fartura, afim depoupar-se as muitas Carniações�. Cada um dos trêsou quatro postos da fazenda teria galinhas, planta-ções e quatro vacas leiteiras.20 Ele não quispoupar esforços para melhorias. Mandou construirmangueira e currais de pedra e plantar �muitos

pesegueiros, Alamos, Vimes e Salsos, para quevenha a haver lenha com fartura�.21 Também man-dou construir um galinheiro, um curral cobertopara os porcos e um abrigo para guardar ascarretas.

Vieira Braga conhecia as tarefas rurais eachou natural inspecionar suas propriedades. Elefoi conhecer a propriedade logo depois de com-prá-la, e passou algum tempo na fazenda um anodepois, mandando antes um barril de vinho paranão ficar totalmente desprovido de luxos urba-nos.22 No ano seguinte, passou pelo menos doismeses na fazenda e mandou um cavalo especialpara seu uso pessoal.23

Juan José de Anchorena, em contraste, pen-sava sobre suas fazendas como investimento, semnenhum indício do apego aristocrático à terracomo base de status. Como boa parte da eliteportenha, percebia o campo como um lugar peri-goso, lar de índios selvagens e de camponesessemibárbaros. Ele nunca manifestou o desejo deconhecer suas fazendas, e não há nenhuma evi-dência de que as visitou. A mentalidade de JuanJosé era tipicamente capitalista. Ele tratava seuscapatazes como tinha tratado antes seus represen-tantes comerciais. Sempre atento à necessidade demanter boas relações com eles e estimular sualealdade, tendia a pensá-los como seus represen-tantes nos mercados locais de mão-de-obra, terrase provisões para as estâncias. Nem queria conhe-cer os peões, e sua solução preferida para a falta demão-de-obra ou para a relutância de alguns capa-tazes a trabalharem em zonas perigosas, perto dafronteira com o território dos índios no Sul, quasesempre se baseou no mercado: pagar mais.24

Na concepção de Juan José Cristóbal, asestâncias serviam para a multiplicação do gadogrosso, junto com alguns rebanhos de ovelhas.Plantações ou a criação de outros animais sódesviavam a atenção dos peões. Ele queria que oscapatazes se concentrassem quase exclusivamentena criação de gado, gastando o mínimo de tempoem outras atividades. Boa parte dessa simplificaçãodas novas fazendas pode ser explicada pela escas-sez de escravos, que poderiam ter cuidado deoutras atividades fora das estações mais movimen-tadas de marcação, de castração e de formação de

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tropas de animais para as charqueadas. No iníciodos anos 1820, ainda era possível comprar escra-vos em outras províncias (Brown, 1979, pp. 187-188), mas eram cada vez mais difíceis de conseguir.A partir da segunda metade desta década, nota-seuma tendência para a simplificação das estânciasnovas. A disponibilidade de terras �novas� ao Sultambém permitiu a produção superextensiva, atétransumante, poupando a mão-de-obra com omínimo de diversificação e de melhorias.

Mas a simplificação da produção tinha a vertambém com a experiência da instabilidade políti-ca. Juan José dificilmente pensava sobre as estân-cias como investimento a longo prazo, e quando seassustava com os acontecimentos políticos, ficavaprestes a vendê-las e mudar seu capital para outroramo. Ele até vetava melhoramentos que renderi-am a médio prazo, como a cavação de valas e aplantação de árvores para madeira e lenha, porquenão queria pagar os peões.25 Segundo JonathanBrown, a preferência dos Anchorena por estânciasrelativamente simples, concentradas quase exclu-sivamente na produção do gado grosso, continuoupor muitos anos depois, enquanto outros fazendei-ros experimentavam com a diversificação. �Aocontrário de muitos outros proprietários desseperíodo, os Anchorena parecem ter evitado acriação de ovelhas e a produção agrícola até pelomenos a segunda metade do século.� (Brown,1979, p. 200).

Ao contrário de Anchorena, Vieira Braganunca tinha experimentado a guerra civil ou asrevoluções. Com a paz externa, parecia que o RioGrande do Sul estava entrando num período deestabilidade e prosperidade. Ele confiava na suainfluência no Estado para proteger seus interesses,e parece que, baseado na sua experiência nolitoral, tinha uma noção um tanto exagerada dopoder do Estado no interior da província. Enquan-to Anchorena tentava amenizar as tendências bri-guentas de alguns capatazes e aconselhava a cola-boração com os vizinhos,26 Vieira Braga provocouuma briga com o vendedor da estância,27 partiucom gosto para contendas judiciais com fazendei-ros vizinhos e prescreveu a violência se as autori-dades locais não o apoiassem nas disputas sobreterras.28 Se alguém tentasse ocupar alguma parte

da fazenda, a orientação dada ao capataz era �nãoconsentir, requerendo logo ao Juiz de Paz parafazer conter a cada hum nos seus limites, e quandoo Juiz deixe de fazer justiça (o que não he deesperar) em tal cazo deve vmce obstar com força aqualqr tentativa que fação, pois a Ley me permiteassim fazelo, e eu respondo por todo o mal que lhepossa sobrevir�.29

As divergências no contexto, especialmenteo declínio da escravidão em Buenos Aires e a suacontinuação no Rio Grande do Sul, junto com amaior disponibilidade de terras novas em BuenosAires, levaram a formas distintas de organizar asfazendas. Mas diferenças na história anterior tam-bém produziram diferenças no habitus dos fazen-deiros que influenciavam suas estratégias e seutrato com os capatazes. Por causa de sua experiên-cia, Anchorena confiava em mercados, enquantoVieira Braga dependia mais da influência política.Anchorena era assustado por rebeliões e revolu-ções, enquanto Vieira Braga confiava na solidez damonarquia brasileira. Vieira Braga gostava da vidarural e queria supervisionar a administração da suafazenda pessoalmente; Anchorena nunca quis co-nhecer suas fazendas e não mostrava a menoratração pela vida dos pampas do Sul.

Seleção dos capatazesPor causa da complexidade do trabalho dos

capatazes, do valor dos bens a eles confiados(gado, escravos, dinheiro para pagar os peões) eda distância das fazendas até as cidades onde osfazendeiros moravam, tanto Anchorena quantoVieira Braga precisavam de capatazes fiéis e deconfiança. Com agentes mais confiáveis, haveriamenos necessidade de fiscalização, quase impossí-vel no cotidiano.

Esses fazendeiros não acreditavam que todomundo era egoísta e pérfido, como pressupõe ateoria da agência. Além da competência, elesbuscavam capatazes com um forte sentido dehonra, um sentido internalizado de orgulho erespeito próprio baseado especialmente no cum-primento de compromissos e deveres. Pode-sedizer que eles buscavam homens com o tipo dehabitus que os faria agentes confiáveis, desde queos donos das fazendas também agissem de uma

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maneira honrada, cumprindo suas obrigações paracom os capatazes. Honra reconhecida por outrostambém servia como um tipo de capital simbólicoútil para mobilizar seguidores no campo. Como oscapatazes tinham de atrair peões e liderá-los nosrodeios, marcações e outras tarefas, a honra os fariasupervisores mais eficazes.

A honra como indício do valor e da confiabi-lidade dos homens era tão entranhada na culturados dois países, e por isso no habitus de Anchore-na e Vieira Braga, que é altamente duvidoso queeles tenham pensado em selecionar capatazes deoutra maneira. Ambos os homens mostravam umaforte tendência a dividir o mundo (masculino)entre homens honrados e homens sem honra. Erasimplesmente óbvio que o sentido de honra existiaem alguns homens e não em outros, e que umagente encarregado de tarefas complexas e daliderança de homens longe do principal tinha deser um homem de honra. Havia algumas diferen-ças importantes entre a honra de comerciantesurbanos, mais centrada nos compromissos escritose na contabilidade cuidadosa, e a honra dos ho-mens rurais, mais orientada para a palavra oral edemonstrações de coragem, mas o cerne do con-ceito � a disposição para assumir e cumprircompromissos � era igual no mundo rural e nomundo urbano (Monsma, 1998).

Um homem que dera sua palavra e a cumpri-ra apesar de grandes adversidades tinha honrasólida e era altamente desejável como capataz.Quando um agente mercantil achou um capatazpara uma nova fazenda de Anchorena na provínciade Santa Fé, justificou a seleção dizendo:

Este homem valente, como desgraçado; tem sido 4

vezes roubado; pelos índios 3 e uma em uma

convulsão no Paraná: apesar de tudo, as desgraças

não lhe venceram; com duplo empenho empreen-

deu novos trabalhos, até que pôde superar; pagar

Crespo que o protegeu, por sua honradez e

empenho em trabalhar, e hoje tem com que viver,

e sem dever.30

Anchorena proibiu Rosas de demitir JuanArista, um capataz analfabeto que sofrera um golpede peões �ingleses� alfabetizados, por causa da

lealdade dele durante a guerra civil de 1828-1829 edo alto conceito de que gozava entre os peões eposteiros.31 Este fazendeiro pagava alto para reterempregados honrados e fiéis. Referindo-se aossalários dos peões e posteiros, escreveu: �Se devepagar mais aos que [são] constantes e honrados,porque eu, seu amo, aprecio muito a honradez, ea constância [...] com a casa.�32 Por outro lado,qualquer suspeita de falta de fidelidade tornava umcapataz inaceitável. Depois de comprar a Fazendada Música, João Francisco manteve o capataz dodono anterior nessa posição por algum tempo, masquando começou a brigar com ele por causa daforma dos pagamentos decidiu demiti-lo e o subs-tituiu por João Fernandes da Silva, aparentementepor desconfiança da sua ligação com o antigodono.33 No início de 1842, depois que os farraposembargaram a estância e a alugaram, o arrendatá-rio demitiu João Fernandes.34

Como mencionado acima, a teoria da agênciaafirma que é melhor contratar agentes que têmalgo a perder no caso de maus serviços ou deso-nestidade. A honra claramente constitui umaforma de reputação, e os capatazes perderiammuito se perdessem a honra por causa de desleixoou desonestidade no trabalho. Assim, a teoria daagência providencia uma explicação parcial de porque contratar homens de honra funcionava para osfazendeiros. Mas honra era um conceito bem maisamplo que a reputação comercial, e o sentido dahonra era enraizado mais profundamente na pes-soa que a ética profissional. Por isso, aspectosimportantes da honra e da sua avaliação por outrosnão envolvem cálculos racionais. A honra de umhomem é uma avaliação do valor social e daconfiabilidade dele que se estende a todos osaspectos da vida, não somente à vida profissional(Monsma, 1998, pp. 6-10). No Brasil e na Argentinado século XIX, os indicadores da honra ou da faltadela podiam ser lidos nos mais diversos aspectosda vida, percebidos como homólogos. Faltavahonra a um homem com mulher infiel, porque nãoconseguia controlar e manter a lealdade da própriafamília, e faltava honra a um homem que fugira deuma briga, porque faltava firmeza e coragem paradefender sua honra (podendo também faltar aresolução para cumprir compromissos) (ver, por

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REPENSANDO A ESCOLHA RACIONAL E A TEORIA DA AGÊNCIA 97

exemplo, Chasteen, 1990; Wolf, 1966, pp. 8-9).Durante a guerra civil de 1828-1829 no interior deda província de Buenos Aires, Anchorena expres-sou uma ligação direta entre bravura e lealdade,entre covardia e desonra, quando chamou umcapataz que se demitira por medo de sair da cidadede �traidor e malvado�.35

Não se tratava de comerciantes racionaismanipulando a honra de rústicos �irracionais�. Ahonra estava profundamente embutida nas dispo-sições, nos sentimentos e nas percepções de am-bos os lados. Os comerciantes/fazendeiros tinhamum forte sentido de honra pessoal que os levava avalorizar a honra em outros. Homens de honrapodiam confiar uns nos outros. Para os capatazes,também, era importante ter patrões honrados por-que se podia confiar neles. Indícios de que osfazendeiros estavam simplesmente calculando suavantagem teriam levado os capatazes a duvidar dahonra deles.

Para achar capatazes honrados, ambos osfazendeiros contratavam homens que eles já co-nheciam ou homens indicados por outros da suaconfiança. Essa prática limitava bastante o conjun-to de possíveis candidatos à posição de capataz, eassim restringia as chances de maximizar a compe-tência dos escolhidos, mas é evidente que, acimade um nível básico de competência, os fazendeirosse preocupavam mais com a confiabilidade, ouhonra, dos candidatos. Conhecendo o comporta-mento anterior dos candidatos, eles podiam buscarindícios de honradez, especialmente a firmeza edeterminação em cumprir obrigações. Juan BenitoSosa, que virou capataz da primeira estância dosAnchorena no fim dos anos 1810, tinha trabalhadopara eles antes no comércio com as províncias dolitoral dos rios Paraná e Uruguai (Brown, 1979, p.189). João Fernandes da Silva já trabalhava naFazenda de São João, a fazenda da mãe de VieiraBraga, quando João Francisco o transferiu para aEstância da Música.36

Como era comum definir famílias inteirascomo honradas ou desonradas, havia uma tendên-cia a avaliar a honradez dos candidatos, de umamaneira quase genética, pela honra da família.Ambos os fazendeiros deixavam os capatazes con-tratarem parentes e até encorajavam o nepotismo.

Juan Arista, capataz pelos Anchorena, empregavaum irmão e um primo.37 Quando fugiu paraMontevidéu durante a guerra civil de 1828-1829,Juan Benito Sosa deixou �suas� estâncias nas mãosde seu irmão menor.38 O sobrenome e o fato deanteriormente terem trabalhado na mesma fazendasugerem que João Fernandes da Silva era aparen-tado com Simão José da Silva, capataz da Fazendade São João, da mãe de Vieira Braga. Quando foipara a Estância da Música, João Fernandes levouconsigo um cunhado e pelo menos um primo.39

Na ausência de João Fernandes, o cunhado cuida-va da fazenda.40

A escolha racional também pode ajudar aentender por que a seleção de candidatos conhe-cidos ou de famílias conhecidas aumentou a con-fiabilidade dos capatazes, mesmo se os atoresenvolvidos pensassem principalmente em termosde honra. Os homens conhecidos estavam inseri-dos em redes sociais que serviam para providenci-ar informações confiáveis sobre eles e ajudavam acontrolar suas ações uma vez contratados, porquemaus procedimentos podiam comprometer a hon-ra da sua família ou dos homens que os tinhamindicado. Capatazes desonestos arriscavam a puni-ção não só do fazendeiro mas de toda uma rede deparentes e conhecidos. É bem possível que VieiraBraga e Anchorena poderiam ter verbalizado algu-ma explicação parecida com esta, se alguém tives-se perguntado. Mas na época as ligações entrehonra, família e indicações eram tão óbvias queninguém teria perguntado.

Recompensas para os capatazes.Segundo a teoria principal-agent, quando é

difícil fiscalizar as atividades dos agentes mas osresultados (ou produtos) são fáceis de avaliar, oprincipal pode estimular os agentes a maioresesforços dando recompensas condicionadas aosresultados. Porém, se o empreendimento for arris-cado, muitas vezes os agentes não aceitariam servirsem alguma renda garantida. Por outro lado, se épossível fiscalizar mais de perto as atividades dosagentes, há menos necessidade de dar remunera-ção baseada nos resultados. Nas fazendas de gado,os resultados eram fáceis de observar: o número denovilhos prontos para vender e a condição deles,

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se eram gordos ou magros, saudáveis ou doentes.Mas a quantidade e a qualidade dos bois nãodependiam somente dos esforços dos capatazes.Também dependiam de eventos e processos forade seu controle, tais como secas e enchentes,epidemias bovinas, ataques de índios e bandidos,guerras e instabilidade política.41 Um agente maisabastado podia enfrentar esses riscos e trabalhar sópor uma porcentagem dos lucros. Esse foi o casode Juan Manuel de Rosas, o primo dos Anchorena,que administrava as fazendas nos anos 1820.42

Também foi o caso de Vicente Vieira Braga, irmãocaçula de João Francisco, quando assumiu a admi-nistração de uma fazenda para seu padrinho eparente político, Antônio José Afonso Guimarães,depois da Guerra dos Farrapos.43 Já os homenscomuns não podiam assumir o risco de não ganharnada no caso de prejuízos às boiadas, e um saláriogarantido ajudaria a atrair bons capatazes. A teoriada agência sugere que o arranjo mais eficaz para osfazendeiros teria sido oferecer um salário básicojunto com outras recompensas condicionadas àprodução.

Isso é exatamente o que se verifica no casodos capatazes dos Anchorena em Buenos Aires.Além do salário, cada capataz, e até os posteiros,ganhava uma porcentagem dos bezerros machosmarcados nas manadas sob seu controle. Os bezer-ros constituíam uma parte importante das recom-pensas dos capatazes. Na marcação de 1829 naEstância Camarones (composta de um conjunto defazendas contíguas), os três capatazes e uns onzeposteiros dividiram 522 bezerros, aproximadamen-te 6% de todo o gado marcado, os capatazesclaramente recebendo quinhões maiores.44 Não ga-nhavam bezerras, capital produtivo que lhes teriafacilitado a fundação de fazendinhas próprias e aindependência dos Anchorena. Os bezerros de umcapataz eram marcados com a marca dele e devolvi-dos à manada para ficarem junto com suas mães.Quando um capataz cuidava da manada, estavaliteralmente cuidando dos seus próprios bezerros enovilhos, misturados com o gado dos Anchorena.Seria difícil imaginar um sistema melhor de alinha-mento dos interesses do principal e do agente.

A teoria da agência ajuda a entender por queesse sistema funcionava, mas seria enganoso ima-

ginar que Anchorena calculou os custos e benefí-cios de vários sistemas de remuneração e escolheuesse. Ele simplesmente continuou um sistema ini-ciado pelo seu primo Rosas que parecia dar certo.Não é claro se Rosas escolheu entre alternativas ousomente seguiu uma prática comum em BuenosAires. A pesquisa sobre o tema é lamentavelmenteescassa. Há indícios de que dar uma porção dosbezerros aos capatazes e até aos peões era umaprática nas fazendas de gado de várias regiões dasAméricas antes da introdução de cercas (Queiroz,1977). Na estância colonial de Clemente LópezOsornio, avô materno de Rosas, o capataz sórecebia salário (Amaral, 1998, p. 39), mas pareceque, até ser assassinado pelos índios, o donomorava na fazenda e podia fiscalizar o trabalho deperto, diminuindo a necessidade de recompensaros capatazes por resultados.

Há evidências de que os capatazes preferiamreceber uma parte dos bezerros a um saláriosimples. O gado era a forma de propriedade maisvaliosa no campo de Buenos Aires, bem maisvaliosa que as terras das fazendas. Bois significa-vam valor aos olhos dos moradores rurais, umatendência exacerbada pela emissão de papel-moe-da e sua rápida depreciação depois da indepen-dência argentina. Era difícil encontrar trabalhado-res suficientes, e parece que Anchorena tinha depagar os capatazes e os posteiros parcialmente namoeda que eles preferiam (bois) para lhes segurar.

João Francisco Vieira Braga, porém, não deuuma parte dos bezerros a João Fernandes da Silva,capataz da sua Fazenda da Música, que só recebeusalário. Quando João Fernandes contratou outrohomem para servir como subcapataz na fazenda,este também recebeu um salário (dez mil-réis pormês) e nada de gado.45 Com a continuidade daescravidão no Rio Grande do Sul, não faltavatrabalhadores, e João Francisco tinha mais poderpara impor as condições que ele preferia nastransações com trabalhadores livres. EnquantoAnchorena queria que os capatazes pagassemsalários mais altos para atrair peões permanentes esegurar bons posteiros, Vieira Braga mandou de-mitir um peão que ganhava demais e não deixou ocapataz pagar mais que os outros fazendeiros.46

Ele acabou ajudando João Fernandes da Silva a

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comprar gado para formar uma manada própria,mas fez isso como um favor, não como umaobrigação contratual, o que era melhor para ofazendeiro rio-grandense.47 Enquanto os capata-zes de Anchorena receberam bezerros como umdireito em troca por seus serviços, o capataz deVieira Braga recebeu gado como um favor e ficoudevendo ao fazendeiro.

Segundo a teoria da agência, as recompensaspor resultados servem para substituir, parcialmen-te, a fiscalização. Como Anchorena nunca visitousuas fazendas, pagar uma percentagem dos bezer-ros servia para estimular a dedicação ao aumentodas boiadas. João Francisco, que não deu bezer-ros, precisava fiscalizar mais a produção para tercerteza que o capataz e os posteiros estavamcuidando do gado com o desvelo necessário.Como mencionado acima, ele passou longas esta-dias na Estância da Música. Ele também contavacom seu cunhado, João Rodrigues Ribas, que tinhauma fazenda perto da Música, onde ficava boaparte do ano, para ajudar na fiscalização.

Levando em conta que João Francisco tratouessa fazenda como uma empresa diversificada, ateoria da agência também sugere que não teria sidouma boa idéia pagar recompensas tão ligadas àmultiplicação do gado, que era somente um aspec-to da produção, embora o mais importante. Opagamento com uma parte dos bezerros podia terdistorcido os esforços do capataz, estimulando-o anegligenciar outras tarefas a não ser a reproduçãoe engorda dos bois, levando, talvez, a escravosdoentes, cavalos magros e maltratados, falta delenha, pomares e plantações destruídos e constru-ções decadentes.

No caso das fazendas dos Anchorena, háevidências de que a prática de dar bezerros comopagamento resultou em algumas distorções nosesforços dos capatazes. Quando, durante a seca de1828-1832, faltava novilhos gordos e Juan José deAnchorena quis completar as tropas que ele vendiacom vacas (em parte para aliviar pastos sobrecarre-gados), o capataz José Manuel Saavedra descum-priu várias ordens para vender vacas durante umperíodo de mais de seis meses. Quanto mais vacastivesse na fazenda, mais bezerros Saavedra recebe-ria, se as vacas não morressem por causa da seca.

Finalmente Anchorena lhe escreveu: �A respeitodas vacas tenho achado que você terá acedido comdificuldades para entregá-las, como indica nas suascartas [�] você lhes tem carinho, mas é precisovendê-las e deixar o campo para outras, especial-mente quando faz falta seu valor.�48 Saavedrarespondeu: �Não é amor que eu tenho às vacas. Oque sim tenho amor que não recebam prejuízo osinteresses que se me confiam.�49 Anchorena querialiquidar parte do seu capital, enquanto Saavedrazelava pelo aumento das manadas. A maior partedo tempo as metas dos dois eram consistentes, masàs vezes o sistema de dar uma porção dos bezerrosaos capatazes levou a ações contrárias aos interes-ses dos Anchorena.

Contexto e habitus na �escolha� entre doismodelos de fazenda

Temos aqui duas formas de organizar asfazendas e, em correspondência com elas, duasmaneiras de tratar os capatazes. No caso de Ancho-rena, havia estâncias simplificadas, quase exclusi-vamente orientadas para a produção de bois, juntocom os indispensáveis cavalos e algumas ovelhas,trabalhadas por peões livres e poucos escravos.Ele não fiscalizava seus capatazes e posteirosdiretamente, mas lhes dava uma parte do produto.Vieira Braga estabeleceu uma fazenda mais diver-sificada, usando principalmente mão-de-obra es-crava e capatazes e posteiros pagos só com salári-os, mas sujeitos a muito mais fiscalização. Doponto de vista dos donos, os dois modelos funcio-navam adequadamente. A teoria da agência escla-rece as alternativas e explica as relações entre oselementos de cada modelo, mas não explica porque Anchorena �escolheu� um modelo e VieiraBraga, outro. Somente a trajetória histórica de cadacontexto e os habitus dos atores, decorrentesdessas trajetórias, podem esclarecer as �opções�divergentes.

Hoje em dia, vários economistas e cientistassociais da escolha racional reconhecem a impor-tância do contexto histórico, especialmente dasinstituições e das leis (por exemplo, Amaral, 1998,pp. 140-156; North, 1981 e 1990). De acordo comessa abordagem, é perfeitamente possível analisaro que um ator racional faria dados certos arranjos

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institucionais. A parte do argumento apresentadoaqui que não pode ser assimilada à escolha racio-nal é a idéia de que o contexto internalizado, naforma das disposições, das categorias de percep-ção, dos sentimentos evocados por determinadassituações e das estratégias para lidar com certostipos de problemas, também influencia bastante na�escolha� entre os modelos de organização viáveis.

Por causa da continuidade da escravidão noRio Grande do Sul, João Francisco Vieira Braga nãoprecisava pensar em novas maneiras de organizarfazendas. Ele simplesmente tratava a Estância daMúsica como a Fazenda de São João que ele jáadministrava para sua mãe. O habitus e o conhe-cimento prático dele se formaram num mundo emque escravos estavam disponíveis para as maisvariadas tarefas e pela experiência da administra-ção de uma fazenda litorânea diversificada, ondetambém costumava passar férias com a família. Eleestava predisposto a certas maneiras de perceberfazendas e o mundo rural. Era óbvio que fazendastinham de ser empresas diversificadas, animadaspor escravos trabalhando, que precisavam de su-pervisão pessoal para dar certo, e que eram bonslugares para passar férias. Como ele percebeu anova fazenda no interior com as categorias forma-das na sua experiência na fazenda litorânea, esco-lheu para capataz um homem que já trabalhava naFazenda de São João e o mandou para a Estânciada Música com tarefas e recompensas parecidas àsdos capatazes de São João.

Certamente era possível e lucrativo estabele-cer estâncias menos elaboradas na zona fronteiriçado Rio Grande do Sul, e muitas das fazendas dointerior gaúcho nesse período eram mais simples,com menos escravos e sem tantos produtos auxili-ares (Bell, 1998, pp. 34-57; Leitman, 1979). Ficouevidente, depois, que o investimento em produçãodiversificada na Fazenda da Música não foi amelhor estratégia, dada a instabilidade da zonafronteiriça. Alguns anos depois de comprar afazenda, durante a Revolução Farroupilha, JoãoFrancisco teve sua propriedade confiscada pelosfarrapos, por causa do seu monarquismo,50 per-dendo grande parte do valor ali aplicado. Ele areceberia de volta ao fim da guerra, bastantedecaída.51 Entretanto, quando ele comprou a

fazenda, seu habitus o predispunha a ver o camporio-grandense como estável e ordenado, porquenunca tinha experimentado uma guerra civil e ashierarquias homólogas da monarquia, da igrejacatólica e da escravidão continuavam a vigorar noBrasil, assegurando a ordem natural, em contrastecom os países platinos republicanos e abolicionis-tas, cujo sistema político ele culpou pela instabili-dade dessa região.52 Mal podia imaginar umarevolução republicana na sua província. Um anoantes do início da rebelião, escreveu ao capataz:�Estou persuadido que o receio que prezentemte

ha sobre o estado das fronteiras se ha de vir adesvanecer, pois que o Governo vai tomandomedidas pelas quaes he de esperar qe tudo terminesem que haja guerra, e por isso deve Vmce e suafamilia estarem tranquilos�.53

É inegável que o ocaso da escravidão naplanície de Buenos Aires, junto com a disponibili-dade de imensas terras �novas� e a vulnerabilidadedas fazendas do Sul aos ataques dos índios, estimu-laram a simplificação das grandes fazendas degado, mas o processo de mudança não se dirigiuexclusivamente por cálculos racionais. Certamenteos fazendeiros pensavam em como organizar asfazendas e em como tratar com os capatazes, masseus pensamentos eram orientados por suas dispo-sições e por suas categorias de percepção, e eles sócontinuavam pensando até achar soluções viáveis.Não analisavam todas as possibilidades lógicas atéchegar à melhor solução de todas.

Juan José de Anchorena simplesmente imita-va a prática de seu primo Rosas, porque estavadando certo. Rosas era um pioneiro da novafazenda monoprodutiva, mas a �invenção� dessaforma econômica foi mais um processo de apren-dizagem na prática do que o resultado de cálculosracionais. Rosas pensava o suficiente no que estavafazendo para escrever um manual para os capata-zes, mas não se pode dizer que suas idéias origina-vam-se de cálculos racionais. Junto com as técnicasda época, o manual traz o esboço da nova estância,com muito menos agregados, sem a criação deaves e sem agricultura (Rosas, 1942).54 O que maischama a atenção no manual, porém, é a obsessãodisciplinar de Rosas, resultado, talvez, de experiên-cias assustadoras que ele passou quando jovem,

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com o desacato e a violência dos homens docampo.55 Ele escreveu muitas regras dificilmenteimplementadas a centenas de quilômetros de seusolhos. O manual inclui instruções detalhadas sobrequem devia obedecer quem, como fiscalizar otrabalho dos peões e como espionar os posteiros.Ele queria controlar os mais diversos aspectos davida nas fazendas, até proibindo a prática de urinarde noite pelas janelas das choupanas. Mesmo comsuas regras impraticáveis, Rosas era um estancieirobem-sucedido. O importante, nesse sucesso, nãoforam suas teorias, mas sua experiência na admi-nistração das estâncias, que produziu o conheci-mento prático suficiente para organizar as fazendassimplificadas e para estimular os esforços doscapatazes.

A alternativa impensávelEsse não era o único modelo possível para as

grandes estâncias de Buenos Aires após a indepen-dência argentina. Nos anos 1810, além da frontei-ra, em torno da lagoa Kakel Huincul, FranciscoRamos Mexía reinava num latifúndio imenso ediversificado trabalhado por índios. Mexía compra-ra o direito de usar umas setenta léguas quadradasdos caciques,56 prometendo sustento e o ensina-mento de novas técnicas agrícolas aos índios queficavam na fazenda, que ele nomeou Miraflores.57

A organização produtiva e a natureza das relaçõescom os indígenas que se desenvolveram lembramos assentamentos jesuíticos, só que o fazendeirovisava lucrar, e as idéias religiosas que orientavama vida cotidiana no estabelecimento eram outras:uma mistura de panteísmo e puritanismo derivadada sua própria interpretação da Bíblia. Além decriar gado, cavalos e ovelhas, e de explorar aspenas das emas que cruzavam os campos, osíndios �plantam carvalhos, cedros, castanheirosetc., fruteiras, cereais, hortaliças� e �tecem ponchose mantas� (Moncaut, 1977, p. 102). Há uma tendên-cia, hoje, de ver Ramos Mexía como uma simplescuriosidade histórica, especialmente por causa desua heresia e de seus desentendimentos políticoscom Rosas, mas é importante lembrar que ele eraum dos maiores e mais bem-sucedidos fazendeirosde seu tempo. Sua forma de estância certamentefuncionava.

A opção dos Anchorena, e de boa parte daelite portenha, por estâncias simples, sem investi-mentos em melhorias, usando peões assalariados ediaristas, não foi uma decisão puramente econômi-ca. Comerciantes urbanos acostumados com acompra e a venda de mercadorias pensavam natu-ralmente na propriedade privada da terra e nacompra da força de trabalho dos moradores rurais.Os muitos posseiros e as relações complexas deparentesco e agregação que permeavam o campolhes inquietavam. Eles tentavam, com poucosucesso, proibir os agregados em todas as estânciase forçar, com leis contra vadiagem, homens sempropriedade a oferecer sua força laboral no merca-do de trabalho. Anchorena apadrinhava seus capa-tazes mas nem quis conhecer os outros trabalhado-res das suas estâncias. A idéia de morar no campocom a família e supervisionar a produção empessoa, como fazia Ramos Mexía, conflitava comtoda sua visão do mundo, dividida entre a civiliza-ção da cidade e a barbárie do campo (Baretta eMarkoff, 1978). Morar junto aos índios selvagensera impensável.58

Há um choque de duas mentalidades incom-patíveis por trás do fim trágico do experimento deRamos Mexía. Convencido de que os índios dafazenda não podiam ser pacíficos e que colabora-vam com as investidas de outros índios, o generalMartín Rodríguez matou uns oitenta deles em 1821e prendeu Ramos Mexía, mandando-o de volta àcidade. O fazendeiro então retirou-se, seguido pormuitos dos índios sobreviventes do massacre, parasua grande chácara perto da cidade de BuenosAires, e o capataz de Miraflores, José Luis Molina,juntou-se aos caciques do �deserto� para guerrearcontra os brancos, assolando a colônia de Dolores(Barros, 1957, pp. 148-151; Moncaut, 1977, pp. 107e 114).59

Conquistando a lealdade

Para esses fazendeiros, muito do problemada agência se resumia ao problema de comoganhar a lealdade dos capatazes. A teoria daagência sugere que uma das melhores maneiras deassegurar a confiabilidade dos capatazes era provi-denciar incentivos a longo prazo. Com a expecta-

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tiva de melhorias no futuro, um capataz seriamenos propenso a ações que arriscavam quebrar acontinuidade da relação com o fazendeiro. Comcapatazes que ficavam por longo prazo, tambémseria possível ter uma idéia melhor do desempe-nho deles. A curto prazo, a quantidade e qualidadedo produto (principalmente novilhos) variavampor razões aleatórias, como o tempo, mas a longoprazo essas influências extrínsecas se cancelariam,deixando o desempenho do capataz mais claro.

Como mencionei acima, incentivos a médio elongo prazos só funcionam se os agentes acreditamque os principals realmente vão providenciar be-nefícios futuros em troca por seu desempenhohoje. Com a fraqueza do Estado no campo e adificuldade do acesso à justiça, tanto no Brasilquanto na Argentina, os capatazes não podiamdepender do Estado para defender seus direitos,mesmo se fossem escritos em contratos. Paraganhar a lealdade dos capatazes, os dois fazendei-ros tinham de convencê-los de que a lealdaderealmente ia trazer-lhes vantagens a longo prazo.

Os fazendeiros estimulavam a lealdade doscapatazes principalmente por meio da patrona-gem, dando-lhes uma variedade de serviços, favo-res e mercadorias que não tinham combinado noajuste inicial. Ambos empregavam os parentes doscapatazes. Juan José de Anchorena encomendouas marcas dos capatazes a ferreiros na cidade deBuenos Aires e registrou essas marcas na polícia.60

Também cuidava da venda dos novilhos dos capa-tazes e posteiros, mantendo contas exatas dodinheiro devido a cada indivíduo.61 As cartas e ascontas que sobrevivem sugerem que ele não co-brou nada por esses serviços, porque não osdescontou dos salários. Juan José também fez todoo possível para proteger seus capatazes e peões doserviço militar e até do serviço na milícia, umaajuda facilitada pela presença do primo Rosas nogoverno.62

João Francisco Vieira Braga ajudou o capatazda Estância da Música a comprar uma manada dereses de criar.63 Quando Simão José da Silva,capataz da Fazenda de São João, precisava de cemmil-réis para seus pais, ele os podia pedir empres-tado de João Francisco.64 João Francisco tentoucobrar uma dívida por João Fernandes da Silva.65

Também se preocupava com a saúde dos capata-zes e suas famílias. Quando a mulher de JoãoFernandes estava com dor de dente, Vieira Bragamandou um remédio, que não adiantou. Entãoconsultou um cirurgião na cidade, que recomen-dou purgantes e vomitórios, e mandou uma solu-ção especial para aliviar a dor da cárie.66

Quando os capatazes precisavam de algo dacidade, podiam contam com seus patrões. Ancho-rena comprava mercadorias urbanas e as mandavaàs fazendas ao preço de custo. Os capatazes delepediram e receberam itens como barris de vinho,uma travessa de peltre e pistolas chapeadas deprata, luxos que conferiam distinção e prestígioentre a elite rural.67 O primeiro capataz da Estân-cia da Música, Manoel Rodrigues de Santa Anna,pediu a Vieira Braga a remessa de bastante tecidode baeta, bretanha e pano para vestir sua família (epelo menos um amigo) durante o inverno.68

Parte importante da patronagem é a constru-ção de uma relação pessoal. Anchorena nuncavisitou as fazendas. Sua interação com os capata-zes aconteceu principalmente por meio de cartaslevadas por mensageiros, viajantes e carreteiros.Contudo, todos os capatazes o visitaram na cidadede vez em quando, permitindo relações mais pes-soais. Vieira Braga visitava sua fazenda cada ano.Depois que ele passou boa parte de um outono naFazenda da Música, suas cartas ao capataz toma-ram um tom mais caloroso e íntimo.69

A relação patron-client não se encaixa bemnas teorias tradicionais da agência porque essaabordagem enfatiza incentivos específicos e relati-vamente claros, especialmente incentivos contratu-ais, ao passo que a relação entre padrinho e protegi-do é difusa e pessoal, envolvendo vários aspectosda vida e uma orientação geral para a troca defavores e serviços entre pessoas desiguais, semespecificação antecipada das obrigações.70 Se apatronagem evoca a lealdade pessoal e obrigaçõesmorais, contraria também a pressuposição de prefe-rências fixas, fundamental para a escolha racional,porque a identificação com os interesses do outro eo desenvolvimento de projetos a longo prazo levama mudanças nas vontades.71

Há uma tradição relativamente longa na So-ciologia (ou pelo menos na Sociologia norte-

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americana) de uma versão da escolha racional,chamada a teoria das trocas, que ajuda a entendercomo a patronagem evoca a lealdade. Começandocom o trabalho de George C. Homans nos anos 50,esses estudos abarcam todo tipo de troca entreindivíduos em pares e em redes. Além das trocaseconômicas, a troca de favores, conselhos, carinhoe prazeres têm lugar nessa abordagem.72 O paren-tesco com a escolha racional se nota na ênfase naracionalidade das trocas e no individualismo meto-dológico, e alguns sociólogos identificados com aescolha racional, especialmente James Coleman,incorporam explicitamente idéias da teoria dastrocas nas suas teorias. Essa abordagem enfatizaespecialmente as condições para a confiança dosparceiros nas trocas e as relações entre trocas,dependência e poder. Segundo seus adeptos, aconfiança cresce com a reciprocidade através dotempo. Na troca social, a reciprocação não éimediata e tampouco há um contrato ou outroarranjo formal obrigando a retribuição. Se, depoisde um intervalo de tempo, o outro retorna umfavor ou um presente, a confiança da primeirapessoa no relacionamento aumenta, permitindotrocas maiores. Outra idéia fundamental, elabora-da especialmente por Emerson (1962) e Blau(1964), é que favores e outros benefícios que aspessoas não têm condições de retribuir dão poderà pessoa que os faz e aumentam a deferência daspessoas que os recebem (veja também Coleman,1990, pp. 129-131). Os favores e presentes dosfazendeiros tenderiam a aumentar a confiança doscapatazes de que iam continuar se beneficiando dorelacionamento no futuro, como também sua defe-rência e sua vontade de cumprir as ordens dosfazendeiros.

Embora parte da literatura sobre trocas cite otrabalho de Mauss (1990) sobre a dádiva, há umatendência a ignorar as solidariedades, os vínculosmorais e as obrigações sagradas que, na versão deMauss, decorrem das trocas. Se levarmos em contaos aspectos emocionais e morais da troca social, hámais razão ainda para achar que esta aumentaria alealdade dos capatazes. A relação entre padrinhoe protegido é homóloga às relações entre parentesem posições desiguais e implica obrigações dura-douras. Sentindo-se devedores aos fazendeiros

pelos seus favores, os capatazes também estavamcientes de que os fazendeiros estavam assumindoe sentindo obrigações morais para com eles emtroca pela sua lealdade. Com isso, tinham maisconfiança que sua lealdade realmente seria retribu-ída, que os fazendeiros iriam protegê-los e patroci-ná-los a longo prazo.

É altamente duvidoso, porém, que os fazen-deiros deliberassem e decidissem que a patrona-gem seria a melhor maneira de ganhar a lealdadedos capatazes. Tudo indica que os fazendeirossimplesmente aplicavam o conhecimento desen-volvido nas suas atividades anteriores, modifican-do-o na interação com os capatazes até chegar aarranjos satisfatórios para ambos os lados. A rela-ção entre padrinho e protegido era profundamenteenraizada na cultura de Buenos Aires e do RioGrande do Sul daquela época. Anchorena e VieiraBraga simplesmente sabiam, na sua consciênciaprática, que tinham de patrocinar seus capatazes sequeriam ganhar sua lealdade. Não houve escolhadeliberada. Os capatazes, por sua parte, reconhe-ciam, com os esquemas de percepção do habitus,a natureza do relacionamento encetado e sentiam,com suas disposições, como responder adequada-mente. A honestidade e a generosidade no tratomostravam que os fazendeiros eram homens dehonra, que iam cumprir os deveres da patronagema longo prazo.

Seria enganoso afirmar que a iniciativa para opatrocínio dos capatazes partiu só dos fazendeiros,porque os capatazes também empurravam os fa-zendeiros a assumir o papel de padrinho. O relacio-namento desenvolvia-se com o tempo e a interação.No caso de Anchorena, que não tinha experiênciaanterior no mundo rural, nota-se um período deaprendizagem e até um certo �treinamento� dofazendeiro pelos capatazes. O capataz ManuelMorillo, por exemplo, pediu um trato informal eigualitário, porém reafirmando sua deferência: �Srquando o Sr me escreve o Sr pode pôr no cabeçalhoMorillo ou Estimado Morillo é suficiente. Eu conhe-ço no Sr e mais meus patrões e como tal o respeito,e podem dizer ou me repreender uma e muitasvezes nas que eu faça mal.�73 Durante algumtempo Anchorena reforçava suas ordens dizendoque Juan Manuel de Rosas, seu primo e ex-adminis-

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trador, concordava com ele, às vezes referindo aRosas como �o patrão�.74 A relação entre padrinhoe protegido é pessoal, e os capatazes demoraramem transferir sua lealdade de Rosas para Anchore-na, o que explica o fenômeno, um tanto esquisitoaos olhos de hoje, de um capitalista que apoiava suaautoridade na do seu ex-administrador.

Os capatazes de Anchorena pediam favorespara eles e para outros habitantes rurais, umatendência especialmente evidente em Manuel Mo-rillo e Juan Benito Sosa, os dois capatazes maisimportantes. Sosa pediu para Anchorena assinar eenviar ao governo uma petição de moradoreslocais solicitando o estabelecimento de uma paró-quia.75 Tanto Sosa quanto Morillo pediram e ga-nharam a ajuda de Anchorena para estabelecerfazendas próprias. Sosa quis a ajuda de seu patrãopara requerer terras na fronteira do Sudoeste.76

Aparentemente ganhou essa ajuda, porque trêsanos depois ele tinha umas quatro léguas quadra-das nessa zona (Carretero, 1970a). Morillo escre-veu: �Sr, eu suplico, se puder me permitir quetenha umas vaquinhas, se o Sr o encontrar a bomolho. Sr porque, si me negar não há de alterarminha conformidade e respeito.� Ele também pe-diu ajuda para reivindicar �um pedaço de terrenono Arroio Azul pois ali são meus desejos [�] Poiseu estou feito cargo do tempo [�] e será milagre siconto com algo�. Morillo estava preocupado comsua velhice. Anchorena lhe deu as bezerras e disseque ia pedir a ajuda de seu primo Rosas, agoragovernador, para obter as terras.77

A relação de patronagem chegou a ser tãoduradoura que se estendeu além da relação deemprego. Mais de dez anos depois que JoãoFernandes da Silva deixou a Estância da Música, elepediu a ajuda de Vieira Braga, agora barão dePiratini, numa disputa sobre terras. O barãoescreveu a seu sobrinho, Francisco Vieira BragaFilho, o promotor público de Alegrete: �Consta-meque João Fernandes da Silva anda envolvido emhuma demanda por causa de hum campo em quetem parte, e havendo elle sido capatás da Estanciada Muzica, que foi minha, e tendo-o sempre porhomem de bem, pr isso peço-te para que o protejasno que for possivel a fim de que não seja prejudi-cado em seus interesses, o que te agradecerei.�78

Conclusões

Apesar de se basear em uma noção irreal daação humana, a teoria da agência é útil paraentender relações de emprego, em parte porque érazoável supor que certas metas importantes deempregadores e trabalhadores, tais como lucros esobrevivência, são relativamente claras e fixas. Ateoria serve para identificar problemas centrais queo principal tem de resolver se quer achar agentese estimulá-los a trabalhar para ele. Também servepara entender por que certas soluções são viáveis,especialmente os aspectos das soluções que envol-vem incentivos materiais. Porém, quase sempre hámais de um arranjo aceitável às partes, e a teoria daagência não pode explicar por que os atoreschegam a um ajuste e não a outro porque se baseiano pressuposto de escolhas feitas fora da história eda cultura. Este artigo apresentou evidências deque o tipo de agente preferido pelo principal, otipo de incentivos que acha adequado e a maneirade os fornecer são todos limitados e moldados pelohabitus e pelo conhecimento prático. Do lado doagente, a definição do relacionamento e a maneirade responder a dados incentivos também se basei-am no habitus. O habitus limita as estratégiaspensáveis e o sentido prático muitas vezes permitea ação adequada, ajustada continuamente à situa-ção, sem deliberação. Assim, é impossível enten-der a �escolha� de determinada relação entreprincipal e agente, especialmente os processos desua formação e de sua reprodução, sem se estudaras estruturas de significação e os esquemas de açãointernalizados pelos atores.

Este trabalho procurou mostrar a importânciade ressituar principals e agentes na história. Ahistória e a temporalidade importam por duasrazões. Em primeiro lugar, o habitus dos atores eas estruturas nas quais e por meio das quais elesagem são produtos históricos. Os principals eagentes se encontram e interagem com as disposi-ções, percepções, entendimentos e esquemas deação formados na experiência de vida em umdeterminado contexto histórico e cultural. Em se-gundo lugar, a interação entre um principal e umagente tem sua própria história, desenvolvendo-see mudando no decorrer do tempo. As instituições

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que possibilitam e limitam a ação humana vêmcarregadas de categorias que as pessoas precisamusar para poder agir (Douglas, 1986; Giddens,1984, pp. 327-334), o que pode reconfigurar ascategorias de percepção e os entendimentos dosatores no processo de utilizar-se das instituições, eassim modificar seus projetos. Se, por exemplo,empregadores querem usar a patronagem paraevocar e manter a lealdade dos trabalhadores, têmde aceitar as categorias e significados embutidos nainstituição, e eles, tanto como os empregados,acabam comprometidos numa teia de obrigaçõesque eles não inventaram. A versão convencionalda teoria da agência postula principals e agentescom necessidades, desejos e metas fixas, e exami-na as conseqüências de estruturas de incentivosvariadas, tentando identificar os incentivos queaumentam o interesse do agente em servir osinteresses do principal. O crescimento da confian-ça, da lealdade e da identificação com um empregoou com um patrão através do tempo e das intera-ções repetidas não tem lugar nessa teoria.

Os fazendeiros e capatazes argentinos e bra-sileiros estudados aqui abordavam problemas pa-recidos de maneiras diferentes. Eles respondiam adiferenças no contexto, como a persistência ounão da escravidão e a disponibilidade de terrasnovas, mas também eram produtos do seu ambien-te e de seu tempo. Os fazendeiros tinham interna-lizado esquemas de percepção e de ação que ospredispunham a perceber o campo, as estâncias eo Estado de maneiras divergentes, e a usar estraté-gias distintas para incentivar e fiscalizar seus capa-tazes. Outros aspectos dos seus habitus eramparecidos, como o apreço da honra e o sentimentode que a patronagem seria a melhor maneira deganhar a lealdade de seus subordinados. Oscapatazes respondiam com seus próprios entendi-mentos e estratégias, e a interação repetida aolongo do tempo levou a mudanças na natureza dasrelações. As duas formas de estância e os dois tiposde relacionamento entre fazendeiro e capataz queemergiram não eram necessariamente os maiseficientes possíveis para seus contextos, mas eramsatisfatórios, tanto para os fazendeiros quanto paraos capatazes.

NOTAS

1 Esta acepção da palavra inglesa principal não temtradução direta para o português. Dependendo dasituação, pode significar protegido, constituinte, man-dante, outorgante, patrão, dono ou senhor.

2 Para discussões sobre os pressupostos fundamentais daescolha racional, veja Becker (1976, pp. 3-14), Coleman(1994), Green e Shapiro (1994, pp. 14-19), Hechter(1994), Luke (1985), Sen (1977) e Somers (1998).

3 Em geral, a unidade de análise é o indivíduo, mastambém pode ser outra �unidade decisória� tratadacomo ator unitário, como a família, a empresa, o partidopolítico etc.

4 Dois debates entre sociólogos da escolha racional esociólogos históricos nos Estados Unidos esclarecem asdiferenças entre a escolha racional, a sociologia históri-ca e o positivismo que predomina na Sociologia dessepaís. O primeiro debate foi entre James Coleman (1986e 1987) e William Sewell Jr. (1987); veja também oscomentários subseqüentes de Wacquant e Calhoun(1989). O segundo debate foi entre Edgar Kiser eMichael Hechter (1991 e 1998), por um lado, e MargaretSomers (1998), por outro, comentado por Boudon(1998), Goldstone (1998) e Calhoun (1998). Veja tam-bém Coleman (1990 e 1994), Friedman e Hechter (1988)e Hechter e Kanazawa (1997).

5 Muitas vezes, é difícil ou impossível saber o valor ou apertinência de um novo conhecimento de antemão pre-cisamente porque é desconhecido (Elster, 1989, pp. 33-35), e tampouco se pode estimar a taxa marginal de retor-no ao investimento na aquisição de informação porquemuito da �informação� mais útil vem em nacos grandes eindissolúveis, na forma de habilidades ou do domínio deestratégias e procedimentos. Quando é impossível oti-mizar a busca por informações � e desconfio que sejaassim na grande maioria dos casos �, só resta buscarsoluções satisfatórias.

6 Bourdieu também focaliza mais os processos de interna-lização do habitus, por meio da imitação, das homolo-gias entre várias esferas da vida, dos ditados etc.,enquanto Giddens salienta especialmente como a açãohumana reproduz as estruturas e sistemas sociais, pormeio da interação situada, da rotina e do �esticamento�da interação no espaço e no tempo.

7 Os expoentes mais influentes da economia de custos detransação incluem Ronald Coase (1988), Oliver William-son (1975 e 1985) e Douglass North (1981 e 1990). Umaboa introdução a esta vertente da Economia encontra-seem Eggertsson (1990).

8 Para aplicações empíricas da teoria da agência naSociologia, veja Adams (1996), Heimer (1985), Heimer eStaffen (1998), Kiser (1994), Kiser e Tong (1992) e Kisere Schneider (1994).

9 Vale a pena notar que a economia de custos de transa-ção muitas vezes usa uma lógica funcionalista, explican-do a existência das instituições pela sua necessidade, em

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vez de estudar como elas se desenvolvem e mudamatravés do tempo (Granovetter, 1985, pp. 488-489).Dada a história de debates sobre funcionalismo naSociologia, os sociólogos da escolha racional são menosingênuos. Os autores mais consistentes, como JamesColeman (1990) ou Michael Hechter (1987), tentammostrar como as escolhas racionais de indivíduos pode-riam resultar na emergência das instituições que estu-dam, o que é irrealista e ahistórico, mas não é funciona-lista.

10 Boas discussões gerais dessa abordagem acham-se emBergen, Dutta e Walker (1992), Coleman (1990, pp. 145-157), Eggertsson (1990, pp. 40-45), Heimer (1990),Peterson (1993), Jensen e Meckling (1976) e Pratt eZeckhauser (1991).

11 A tendência dos agentes a dramatizar seu serviço pormeio do capricho nos aspectos mais visíveis e daocultação das atividades e motivações inconciliáveiscom a representação idealizada do seu papel já foi bemdescrita por Goffman (1959, pp. 30-51).

12 Os postos eram subunidades afastadas das instalaçõescentrais, cada um com uma manada de gado e, às vezes,outros animais ou plantações. No Rio Grande do Sul, oencarregado de um posto chamava-se posteiro. Elecuidava do posto e da sua manada, com a ajuda da suafamília, se tivesse, ou de um número diminuto de peõespermanentes. Em Buenos Aires, os posteiros geralmen-te chamavam-se capataces, o que pode causar certaconfusão para leitores que conheçam a terminologia deuma dessas províncias e não da outra. O encarregado deuma estância, chamado capataz no Rio Grande do Sul,muitas vezes chamava-se mayordomo em BuenosAires, mas às vezes chamava-se capataz mayor. Notexto uso os termos brasileiros para os dois contextos.

13 Archivo General de la Nación, X-10-4 Gobierno. Padro-nes de Campaña 1815; Garavalgia (1999).

14 Os negócios dos Anchorena com o Estado tornar-se-iambem mais lucrativos depois, durante a ditadura de seuprimo Rosas (Brown, 1979, pp. 197-198).

15 As cartas e os outros manuscritos dos Anchorena usadosaqui estão no Archivo General de la Nación (doravanteAGN) em Buenos Aires, sala VII, legajos 315 a 318 e 333a 336. A recusa do acesso ao arquivo de Nicolásprovavelmente tem a ver com as relações estreitas entreos Anchorena e o ditator. Os Anchorena aumentarammuito seu patrimônio nesse período, e Rosas continuauma figura polêmica na Argentina até hoje.

16 João Francisco Vieira Braga, �Exposição suscinta dosserviços prestados a S.M. o Imperador e à Nação�, 1840,publicado em Spalding (1969, vol. 1, pp. 134-138);Carvalho (1937, pp. 199-200).

17 Segundo a escritura da venda, a estância tinha seisléguas quadradas, ou aproximadamente 261 quilôme-tros quadrados (10 de abril de 1830, Biblioteca Rio-Grandense, Lata 28, Questão Boaventura José de Olivei-ra). Este terreno, embora altamente desejável, porquelindado por dois rios, não chegou perto das extensões

incríveis requeridas por alguns portenhos. Como notaBell (1998, pp. 30-31), a fronteira do Rio Grande do Sulera fechada, e até a independência brasileira todas asterras da Campanha já tinham donos, ao passo quehavia uma enorme planície �vazia� ao sul de BuenosAires, com o único inconveniente da presença dosindígenas, que achavam que o território era deles.

18 O arquivo de João Francisco Vieira Braga (doravanteJFVB) encontra-se na Biblioteca Rio-Grandense (dora-vante BRG), Rio Grande, RS, Latas 25 a 30. Sobre aescravidão nas estâncias do Rio Grande do Sul, veja Bell(1998, pp. 46-53), Cardoso (1962) e Maestri (1984, pp.45-53).

19 José Nunes da Silva a JFVB, São João, 19 de agosto de1821, BRG 25; Simão José da Silva a JFVB, São João, 21de novembro de 1827, BRG 26.

20 Nesta fazenda, os posteiros eram homens livres e cadaum tinha um ajudante escravo.

21 João Francisco Vieira Braga, �Instruções dadas ao Sr.João Fernandes da Silva capataz da Estância da Muzica�,28 de julho de 1832, BRG 27, Estância da Música. Essasinstruções foram publicadas, com alguns erros de trans-crição, em Cesar (1978).

22 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 28 demarço de 1833, BRG 27, �Copiador de todas as cartasque tenho escrito a João Fernandes da Silva Capataz daEstância da Muzica�.

23 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 3 de marçode 1834, BRG 27, �Copiador de todas as cartas��; JFVBa João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula(Pelotas), 27 de maio de 1834, BRG 27, �Copiador detodas as cartas��.

24 Juan José Cristóbal de Anchorena (doravante JJCA) aManuel Morillo, Buenos Aires, 30 de outubro de 1830,AGN VII 333; JJCA a Juan Arista, Buenos Aires, 8 dejunho de 1830, AGN VII 334; JJCA a Morillo, BuenosAires, 3 de janeiro de 1831, AGN VII 333. CapatazMorillo não confiava tanto no mercado quanto Ancho-rena e tentava convencê-lo a usar também outras estra-tégias para reunir um núcleo permanente de peõesdependentes. As soluções sugeridas incluíam contratarpeões estrangeiros para o trabalho �a pé�, recrutarmeninos de famílias pobres na cidade e comprar escra-vos fugidos de outras fazendas (Morillo a JJCA, Camaro-nes, 27 de abril de 1830, AGN VII 334; Morillo a JJCA,Chascomús, 14 de outubro de 1830, AGN VII 318).

25 JJCA a Manuel Morillo, Buenos Aires, 24 de setembro de1830, AGN VII 333; JJCA a Juan Manuel de Rosas,Buenos Aires, 29 setembro 1830, AGN VII 333. A secadesses anos também fez Anchorena pensar em venderas fazendas.

26 Juan Benito Sosa a JJCA, Navarro, 12 de março de 1827,AGN VII 334; JJCA a Manuel Morillo, Buenos Aires, 3 dejaneiro de 1831, AGN VII 333; JJCA a Sosa, Buenos Aires,27 de julho de 1831, AGN VII 333.

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27 Discuto essa briga e o processo por calúnia decorrentedela em Monsma (1998).

28 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,25 de dezembro de 1832, BRG 27, �Copiador de todas ascartas...�; JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 3de janeiro de 1833 e 13 de fevereiro de 1833, BRG 27,�Copiador de todas as cartas...�.

29 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 20 denovembro de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas...�.

30 Francisco de Alzagaray a JJCA, Santa Fé, 21 de dezembrode 1827, AGN VII 334.

31 JJCA a Rosas, Buenos Aires, 29 de setembro e 1o deoutubro de 1830, AGN VII 333. A categoria �inglês�incluía qualquer pessoa de língua inglesa. Os peõesaparentemente apresentaram recibos falsos pelos seusserviços, que Arista �assinou� (provavelmente com umselo), obrigando Anchorena a pagar.

32 JJCA a José Manuel Saavedra, Buenos Aires, 6 de marçode 1830, AGN VII 333.

33 Manoel Rodrigues de Santa Anna a JFVB, Musica, 5 demarço de 1832, BRG 26; JFVB, �Instruções dadas ao Sr.João Fernandes da Silva...�.

34 João Fernandes da Silva a JFVB, Música, 19 de abril de1842, BRG 26.

35 Faustino Lezica a JJCA, Buenos Aires, 3 de maio de 1829,AGN VII 336; JJCA a José Manuel Saavedra, BuenosAires, 13 de novembro de 1829, AGN VII 333.

36 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 27 desetembro de 1832, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

37 Juan Arista a JJCA, Averias, 7 de agosto de 1830, AGN VII334.

38 Faustino Lezica a JJCA, Buenos Aires, 3 de maio de1829, AGN VII 336.

39 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula(Pelotas), 27 de maio de 1834, BRG 27, �Copiador detodas as cartas��.

40 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,30 de agosto de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

41 Durante as guerras e revoluções, havia requisições deanimais e recrutamentos de peões, causando a evasãodas estâncias.

42 Livro de contas de JJCA, Estâncias Camarones e Tala,1821-31, AGN VII 316; Sebreli (1985, p. 150).

43 Antônio José Affonso Guimarães, �Artigos da carta deordens que levou o Senr. Vicente Vieira Braga em 11 deNovembro de 1840�, Rio de Janeiro, BRG 26.

44 �Marcación del Ganado de Aberías que dió principioDía 6 de octubre de 1829�, AGN VII 333.

45 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 25 desetembro de 1833, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

46 JFVB, �Instruções dadas ao Sr. João Fernandes daSilva...�, artigos 16 e 35; JFVB a João Fernandes da Silva,Rio Grande, 13 de fevereiro de 1833, BRG 27, �Copiadorde todas as cartas��.

47 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,27 de maio de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

48 JJCA a José Manuel Saavedra, Buenos Aires, 8 dedezembro de 1829, 6 de março de 1830 e 26 de junhode 1830, AGN VII 333.

49 José Manuel Saavedra a JJCA, Tala, 4 agosto de 1830,AGN VII 316 e 334 (as duas folhas da carta ficaramdivididas).

50 Quando estalou o movimento revolucionário, JoãoFrancisco deu forte apoio a Antônio Rodrigues Fernan-des Braga, genro de sua irmã e presidente do RioGrande do Sul. João Francisco convenceu a CâmaraMunicipal de Pelotas a se declarar pelo Império e ajudouo presidente Fernandes Braga numa tentativa fracassadade levantar um exército monarquista no sul da provín-cia. Logo depois os dois homens embarcaram juntospara o Rio de Janeiro, onde João Francisco ficou até avitória imperial. Veja JFVB, �Exposição suscinta dosserviços prestados a S.M. o Imperador e à Nação�, 1840(Spalding, 1969, pp. 134-138); Antônio Rodrigues Fer-nandes Braga a Joaquim Vieira da Silva e Sousa [Ministrodos Negócios do Império], Rio Grande, 29 de setembroe 12 de outubro de 1835; Arquivo Histórico do RioGrande do Sul (1980, pp. 463-465 e 468-469); Carvalho(1937, p. 200); Leitman (1979, p. 28).

51 JFVB, �Exposição suscinta dos serviços prestados a S.M.o Imperador e à Nação�, 1840, (Spalding, 1969, pp. 134-138); João Fernandes da Silva a JFVB, Música, 19 de abrilde 1842.

52 Por exemplo, JFVB a Vicente Manoel d�Espindula, Pelo-tas, 26 de fevereiro de 1868, BRG 29, Copiador 123, p.152; JFVB a Antônio Rodrigues Fernandes Braga, 16 deagosto de 1870, BRG 29, Copiador 128, p. 103. Aexperiência traumática da Guerra Farroupilha claramen-te aumentou seu apego à monarquia e à ordem.

53 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,30 de agosto de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas...�.

54 A estância de Rosas ao norte do rio Salado, estabelecidaantes, seguia no velho estilo mais diversificado. Eleplantava trigo, tinha produzido charque, e permitiaagregados (Lemée, 1942, pp. 100-101; Rosas, 1942, pp.16-17).

55 Juan Manuel de Rosas a governo (�Excmo Señor�), 22 dedezembro de 1817, AGN X 9-7-5, Solicitudes Civiles1817, I-Z.

56 A légua espanhola daquela época, equivalente a 5.196metros (Amaral, 1998, p. xiv), era aproximadamente20% menor que a légua portuguesa de sesmaria, de6.600 metros.

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57 Descrições de Ramos Mexía, de sua fazenda e de suasrelações com os índios encontram-se em Elía (s/d.),Moncaut (1977, pp. 101-115) e Sáenz Quesada (1985,pp. 87-92). Agradeço a Eduardo Saguier por ter mefranqueado uma cópia do texto de Elía.

58 O grau de separação entre os brancos e os índios e atendência de defini-los como além da civilização podemser julgados pelo fato de que o censo de 1815, queincluiu Francisco Ramos Mexía e cinco escravos (suafamília ainda estava em Buenos Aires) como moradoresda fronteira do Sul, nem mencionou os índios quemoravam na sua fazenda (AGN X 8-10-4, Gobierno.Padrones de Campaña 1815). Havia um grupo de índiosmorando em pelo menos uma das fazendas dos Ancho-rena, mas nunca trabalharam na fazenda e eram vistoscomo ladrões (Juan Arista a JJCA, Averias, 7 de agosto de1830, AGN VII 334; JJCA a Arista, Buenos Aires, 25 deagosto de 1830, AGN VII 334; Manuel Morillo a JJCA,Camarones, 15 de janeiro de 1831, AGN VII 334).

59 Não há nenhum indício de que Molina fosse indígena.Pode-se perguntar por que Francisco Ramos Mexía,filho, como os Anchorena, de um comerciante espanholimigrante, �escolheu� esse caminho inusitado. Além dofato de que qualquer grupo produz alguns indivíduosincomuns e visionários, a passagem do jovem Franciscopelo Alto Peru (Bolívia), onde estudou Filosofia, ocu-pou um cargo burocrático e casou-se com a filha dogovernador, acostumou-o ao contato cotidiano com osindígenas, percebidos pela maioria da elite portenhacomo selvagens perigosos e indomáveis. É importanteenfatizar que Ramos Mexía não fundou Miraflores paraajudar os índios; ele construiu relações com os índiospara criar gado e lucrar e só virou defensor apaixonadodos indígenas depois. Suas idéias heréticas tambémfacilitaram a transgressão da polaridade entre europeu/cristão/civilizado e índio/infiel/selvagem.

60 JJCA a José Manuel Saavedra (rascunhos), Buenos Aires,6 de março e 26 de junho de 1830, AGN VII 333;Saavedra a JJCA, Tala, 4 de agosto de 1830, AGN VII 316;Manuel Morilloa a JJCA, Camarones, 25 de março de1831, AGN VII 334; JJCA a Morillo, Buenos Aires, 29 demarço de 1831, AGN VII 333.

61 JJCA a Manuel Morillo (rascunhos), Buenos Aires, 7 deagosto e 25 de novembro de 1830, AGN VII 333; Morilloa JJCA, Camarones, 4 de fevereiro de 1831, AGN VII 334.

62 JJCA a Juan Manuel de Rosas, Buenos Aires, 29 desetembro de 1830, AGN VII 333; JJCA a José ManuelSaavedra, Buenos Aires, 11 de dezembro de 1830; AGNVII 333; JJCA a Manuel Morillo, Buenos Aires, 3 dejaneiro de 1831, AGN VII 333; Morillo a JJCA, Camaro-nes, 2 de março de 1831, AGN VII 315; JJCA a Morillo,Buenos Aires, 18 de março de 1831, AGN VII 333.

63 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,27 de maio de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

64 Simão José da Silva a JFVB, Fazenda de São João, 30 denovembro de 1828, BRG L26.

65 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,16 de junho de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

66 JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 25 desetembro de 1833, 18 de fevereiro de 1834 e 21 defevereiro de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

67 Juan Benito Sosa a JJCA, Matanza, 23 de janeiro de 1822,AGN VII 334; Juan Arista a JJCA, Averías, 13 de março de1831, AGN VII 333; Brown (1979, p. 189).

68 Manoel Rodrigues de Santa Anna a JFVB, Estância daMúsica, 5 de abril de 1832, BRG 26.

69 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula,27 de maio de 1834, BRG 27, �Copiador de todas ascartas��.

70 Sobre patronagem, veja Eisenstadt e Roniger (1980 e1984), Gellner (1977), Roniger (1990), Scott (1977),Strickon e Greenfield (1972) e Wolf (1966).

71 James Coleman (1990, p. 153, nota 6) sugere que a teoriados jogos repetidos pode ajudar a entender mudançasatravés do tempo nas relações entre principal e agente.Esta abordagem pode explicar aspectos importantes dodesenvolvimento da confiança, por exemplo, mas vale apena notar que vários dos processos observados emjogos repetidos fogem da racionalidade individual ecalculista que a escolha racional pressupõe. Umapessoa sempre interesseira dificilmente ganha a confi-ança dos outros. A escolha racional pode ser útil paraidentificar as situações em que é racional suspender oscálculos e agir com generosidade, como é o caso emmuitas relações pessoais, mas essa abordagem não podeir além disso e explicar os processos da construção daconfiança uma vez que a racionalidade egoísta sesuspenda.

72 Essa linha de trabalho continua hoje nas pesquisas deKaren Cook e vários colegas. Cf. Cook et al. (1983),Cook e Gillmore (1984) e Cook (1990).

73 Morillo a JJCA, Camarones, 24 de novembro de 1830,AGN VII 334.

74 Por exemplo, JJCA a Manuel Saavedra, Buenos Aires, 16de fevereiro de 1829, AGN VII 333; JJCA a Morillo,Buenos Aires, 7 de agosto de 1830 e 6 de outubro de1830, AGN VII 333; JJCA a Juan Arista, Buenos Aires, 6de outubro de 1830, AGN VII 333. Anchorena consulta-va Rosas a respeito das decisões mais importantes.

75 Sosa a JJCA, Matanza, 6 de maio de 1827, AGN VII 334.

76 Sosa a JJCA, Navarro, 12 de março de 1827, AGN VII 334.

77 Morillo a JJCA, Camarones, 25 de março de 1831, AGNVII 334; JJCA a Morillo, Buenos Aires, AGN VII 333.

78 JFVB a Francisco Vieira Braga Junior, Pelotas, 28 dedezembro de 1857, BRG 29, �Copiador de cartas...�.

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