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1 Repensando Gestão (e Governança) Internacional: linhas de financiamento do BNDES na América do Sul Autoria: Ana Lucia Guedes, Yuna Souza dos Reis da Fontoura Resumo O artigo problematiza práticas de gestão internacional segundo uma abordagem que enfatiza as interfaces entre os âmbitos de governança e gestão em face da crescente influência de organizações governamentais e de empresas transnacionais brasileiras na América do Sul. O referencial teórico reconhece as delimitações e sobreposições entre as áreas de Relações Internacionais, Economia Política Internacional, Negócios Internacionais e Gestão Internacional. Com objetivo de refinar o modelo de análise interdisciplinar, o artigo se volta para as relações governo-empresa com base em pesquisa empírica qualitativa focada nas linhas de financiamento do BNDES na América do Sul.

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Repensando Gestão (e Governança) Internacional: linhas de financiamento do BNDES na América do Sul

Autoria: Ana Lucia Guedes, Yuna Souza dos Reis da Fontoura

Resumo O artigo problematiza práticas de gestão internacional segundo uma abordagem que enfatiza as interfaces entre os âmbitos de governança e gestão em face da crescente influência de organizações governamentais e de empresas transnacionais brasileiras na América do Sul. O referencial teórico reconhece as delimitações e sobreposições entre as áreas de Relações Internacionais, Economia Política Internacional, Negócios Internacionais e Gestão Internacional. Com objetivo de refinar o modelo de análise interdisciplinar, o artigo se volta para as relações governo-empresa com base em pesquisa empírica qualitativa focada nas linhas de financiamento do BNDES na América do Sul.

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1. Introdução O presente artigo se fundamenta nas áreas de Relações Internacionais (RI), Economia Política Internacional (EPI) e Negócios Internacionais (NI) para analisar práticas de gestão internacional segundo uma perspectiva que enfatiza as interfaces entre os âmbitos de governança e gestão que resultam da crescente influência de organizações internacionais governamentais e de empresas transnacionais (ETNs) brasileiras na América do Sul. Consequentemente, o artigo sustenta que a principal interface entre as áreas de RI, EPI, NI e Gestão Internacional (GI) são as questões de economia política envolvendo as práticas de gestão internacional de múltiplos atores internacionais (ETNs, organizações governamentais e não-governamentais internacionais, agências de desenvolvimento) de países como o Brasil. Reconhecer estas questões, implica em ampliar o escopo de GI e revisitar tópicos e abordagens de pesquisa de economia política de NI, tais como as relações governo-empresa e os estudos comparativos de sistemas nacionais de economia política (ver Grosse, 2005). Além disso, tais questões sugerem que os debates contemporâneos nos Estados Unidos a respeito do escopo de GI e do desenvolvimento de perspectiva da América do Sul focada em temas que eram relevantes na agenda de pesquisa de NI nos anos de 1970 (ver Vernon 1994; Shenkar 2004) sejam repensados. A linha de pesquisa relacionada a estes temas engloba os trabalhos seminais desenvolvidos nos anos de 1960 e 1970, tais como a teoria da dependência (Cardoso e Faletto 1979; Frank 1969; Evans 1979), e abordagens críticas focadas em investimento externo direto e empresas multinacionais (Hymer 1968; Vernon 1966; Gilpin 1987) que enfatizavam o processo de barganha entre governos e empresas multinacionais (EMNs) em países desenvolvidos e em desenvolvimento. A pergunta central de pesquisa nos anos 1970 em NI estava relacionada ao poder monopolístico das EMNs. Entretanto, a pesquisa em NI se divorciou nas décadas recentes de importantes questões políticas, sociais e econômicas (Buckley e Casson 2003, p. 221) ao mesmo tempo em que a área de GI foi habilitada a fortalecer uma perspectiva etnocêntrica (dos Estados Unidos) e a legitimar em termos globais o caráter apolítico de ambos os campos ‘’internacionais’’, isto é, GI e NI, dentro das escolas de negócios e de gestão. Frente à perspectiva apresentada, o principal problema abordado neste artigo caracterizou-se pela investigação empírica das interfaces entre governança e gestão envolvendo múltiplos atores e níveis de análise em um país específico da América do Sul: o Brasil. Com objetivo de avançar no desenvolvimento de estrutura de análise interdisciplinar no que tange ao contexto “internacional” em gestão e governança, o artigo apresenta os resultados da investigação empírica de linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na América do Sul. Os resultados da pesquisa de campo possibilitaram uma reflexão em torno das interfaces e desdobramentos das relações governo-empresa, representada em organização governamental que se internacionaliza e ETNs brasileiras. O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiramente, o referencial teórico volta-se para o desenvolvido do modelo de análise interdisciplinar que trata simultaneamente de distintos níveis de análise nos âmbitos de gestão e governança e reconhece as delimitações e sobreposições entre as áreas de RI, EPI, NI e GI, enfatizando as relações governo-empresa sob uma perspectiva pouco abordada na literatura. No segundo tópico, busca-se problematizar o papel do BNDES na América do Sul com repercussões para múltiplos atores. Após o desenvolvimento teórico, apresenta-se a metodologia qualitativa adotada. No tópico seguinte, são destacados os resultados da pesquisa empírica realizada a partir do Brasil. Por fim, são evidenciados os principais resultados obtidos frente ao modelo de análise. É importante destacar que o foco no Brasil pode ser justificado pelas facilidades de acesso na coleta dos dados. Esta familiaridade dos pesquisadoros com o contexto não deve ser negligenciada para fins de refinamento da estrutura de análise que, posteriormente, pode ser utilizada por pesquisadores colaboradores em pesquisa comparativa com outros países da América do Sul.

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2. Marco teórico A revisão da literatura, apresentada a seguir, objetiva refinar o marco teórico interdisciplinar com base nas literaturas de Economia Política Internacional (EPI), Negócios Internacionais (NI) e Gestão Internacional (GI), bem como se aprofundar no papel do BNDES no fomento da inserção internacional de ETNs brasileiras na América do Sul. O primeiro tópico problematiza as sobreposições e diferenciações entre as áreas de NI e GI com objetivo de enfatizar as lacunas referentes aos aspectos de governança internacional ou, mais especificamente, das relações políticas e econômicas entre governos e entre estes e ETNs. O segundo tópico descreve abordagens de barganha, nos âmbitos de EPI e de NI, ainda com propósito de enfatizar a relevância das relações governo-empresa sob uma abordagem que privilegia o nível de governança internacional. Por fim, o terceiro tópico se volta para o recente papel do BNDES na América Latina por meio de financiamento de projetos de infraestrutura na região (com a participação de empresas brasileiras).

2.1 Negócios Internacionais e Gestão Internacional: Sobreposição e Diferenciação

No debate acerca da ampliação (ou não) do escopo de NI, um aspecto merece destaque: a diferenciação (e/ou sobreposição) de NI em relação a GI. Esse é um aspecto sobre o qual não há consenso na área de GI. Boddewyn (1999) reconhece as dificuldades de consenso quanto à definição das fronteiras do campo de GI, mas enfatiza a existência de um domínio de pesquisa distinto do campo mais geral de NI. No entanto, o autor questiona se GI seria um campo autônomo ou mais um subdomínio funcional de NI. Assim as outras dimensões dos negócios não podem ser ignoradas, mas devem ser tratadas como complementares porque enriquecem a análise da firma de negócios internacionais. Cabe aqui questionar se o domínio de GI deveria ser ampliado, para incluir o estudo da gestão de organizações internacionais. Toyne (1997) apresenta uma análise sistemática de como a integração entre a dimensão “internacional” e da “gestão” deveria ser desenvolvida. O autor sugere uma abordagem de “processo hierárquico-social”, em virtude de os países possuírem diferentes negócios. Cada processo de negócio nacional deve ser visualizado de modo conectado a uma estrutura hierárquica cujos níveis mais altos definem fronteiras e impõem condições para os níveis mais baixos. Para Boddewyn (1999), essa ampla definição do domínio de GI pode ser rica e complexa, mas se choca com as limitações da realidade de pesquisa em GI. Martínez e Toyne (2000) defendem o desenvolvimento de GI por meio de pesquisas com teorias de múltiplos níveis, múltiplas unidades de análise, desenhos de pesquisa interdisciplinares e equipes multiculturais. Um aspecto relevante na visão dos autores é a participação crescente de acadêmicos não-americanos na área de GI que elimina as restrições da teoria de gestão “culturalmente limitada”. Segundo Contractor (2000), a gestão internacional é a resposta organizacional e estratégica para a permanente diferença de mentalidades e culturas entre as nações, com impactos na formação de preços, custos, regulamentações, padrões, métodos de distribuição e medidas de valor. O mundo continua fragmentado apesar de algumas afirmações ou aspirações utópicas sobre homogeneização de mercados e de preferências de consumo perante a globalização. Entretanto, a eventual sobreposição de GI a outras áreas da Gestão decorre do fato de que a prática e o estudo da Gestão são necessariamente ecléticos, multidimensionais e interdisciplinares. Para o autor, tanto a área de GI quanto a de NI preencheram a lacuna da dimensão internacional na academia de Gestão e ele acredita que há sobreposição e distinções entre GI e NI. A literatura de GI não trata da interação entre firmas e instituições supranacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). A literatura de NI dá ênfase a essa interação e a aspectos internacionais de outras áreas funcionais da Gestão. Essas áreas não são tratadas na literatura de GI, mas ambas tratam de tópicos como alianças internacionais e cooperação interfirma.

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Seguindo a mesma linha de debate sobre a autonomia do campo de GI, Martínez e Toyne (2000) afirmam que gestão é um conceito complexo e multidimensional que engloba contextos políticos, legais, culturais e sociais de cada país. Para eles, pesquisa internacionalizada e pesquisa sobre gestão internacional são processos distintos, porém ambas contribuem para o conhecimento de gestão, sendo necessárias pesquisas interdisciplinares para desenvolver teorias próprias de GI. Na tentativa de promover diálogo entre acadêmicos e de ampliar o escopo da área de GI, Boddewyn, Toyne e Martínez (2004, p. 209) argumentam que GI “cobre não somente a dimensão internacional (global, transnacional etc.) da gestão, em relação a expansão de locações, mentalidades e experiências, mas também o contínuo desenvolvimento e aplicação desse conceito em todos os tipos de contexto onde a organização tem que ser obtida, e a desorganização, evitada”. Mais recentemente, Acedo e Casillas (2005) investigaram, com base em análise de co-citação de autor, as principais tendências de pesquisas publicadas no período de 1997-2000, em cinco periódicos relevantes do campo de GI. Os resultados mostram que o campo de GI é eclético. Isso é visto como positivo e, em vez de independente, o campo de GI é interdependente, porque é influenciado por outros campos de estudo. Fica evidente que os autores não fazem distinção entre GI e NI. Portanto, as dificuldades para delimitar os domínios dos campos de GI e NI sugerem sobreposições entre os âmbitos de governança e gestão de investimento externo direto (IED) de EMNs que não são problematizados na literatura.

2.2 Economia Política Internacional e Negócios Internacionais: Abordagem de Barganha O modelo de diplomacia triangular é o resultado de uma rara colaboração interdisciplinar, entre acadêmicos de EPI e NI, focado nas relações entre atores estatais e não-estatais em países em desenvolvimento. Com base na crescente interdependência observada nas décadas de 1970 e 1980, Stopford e Strange (1991) argumentam que os governos passaram a reconhecer a dependência de recursos controlados por empresas transnacionais (ETNs). Mais especificamente, eles ressaltam que mudanças estruturais nas dimensões tecnológica, financeira e política ‘obrigaram’ os governos a cooperar com as ETNs. Argumento similar é desenvolvido, posteriormente em Dicken (1998), Grosse e Behram (1992), Strange (1994; 1996), Gilpin (2001), Grosse (2005). Dentre as contribuições do estudo, destacam-se as duas novas dimensões para a diplomacia. Ou seja, além das tradicionais negociações entre Estados, os autores indicam que estes precisam negociar com grandes empresas estrangeiras; enquanto estas necessitam formar alianças corporativas para enfrentar os desafios do mercado global. A interação simultânea das três dimensões do modelo de diplomacia triangular proposto pelos autores exige novas qualificações de gerentes (gerência) e burocratas (governança), o que reproduz de forma mais específica as preocupações de autores importantes (Held, 2000; Held e McGrew, 2000; Hirst e Thompson, 1998) acerca do alcance e do papel das formas de governabilidade. Os autores concluem que os governos perderam poder de barganha para as ETNs porque enquanto Estados controlam acesso ao território e a mão-de-obra, empresas controlam capital e tecnologia. A maior importância de capital e tecnologia nas últimas décadas elevou consideravelmente o poder de barganha das empresas. Consequentemente, os autores prescrevem que governos e empresas deveriam aprender a gerenciar mais efetivamente essas novas complexidades. Neste sentido, o aspecto mais importante a ser problematizado tanto pelo governo como pela empresa, é a capacidade de produzir crescimento/desenvolvimento sustentável. Esta prescrição implica em repensar o âmbito de negócios internacionais, em termos de prática, educação e pesquisa, no sentido de considerar a interface entre a esfera pública e a privada (Haley, 2001).

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Segundo Grosse e Behrman (1992), a constituição de NI como campo de estudo data dos anos 1960, mas o campo não tem uma teoria amplamente aceita, que sustente sua singularidade como disciplina. Para os autores, NI dedica-se a estudar atividades de negócios que atravessam as fronteiras nacionais e, por essa razão, se preocupa com as firmas que realizam esses negócios e com as regulações dos governos nacionais. Assim, a teoria exclusiva desses negócios deve explicar as respostas para as políticas governamentais e a formulação de políticas dos governos em relação às firmas internacionais. Portanto, em NI a intervenção do governo deve ser a questão central. As teorias existentes não são aceitas internacionalmente, porque não centram na natureza dos negócios internacionais. As abordagens discutem o nível da firma; não dão a devida relevância ao papel dos governos locais; não tratam da necessidade de as ETNs conviverem com diferentes políticas governamentais; não examinam os motivos para a intervenção do governo e distorcem o papel do mercado. Grosse (2005) reafirma que as relações entre governos nacionais e EMNs constituem tema central em NI. Embora alguns autores tenham indicado a importância das relações governo–negócios nas operações no exterior nos anos 1960 (Behrman, 1962; Robinson, 1964; e Fayerweather, 1969), esse tópico não é abordado com o devido destaque na literatura de NI. Primeiramente, em Economia Política (Gilpin, 1975), mas também nos campos de Negócios (Gladwin e Walter, 1980; Behrman e Grosse, 1990), a teoria da barganha interorganizacional tem sido usada para caracterizar e analisar negociações, formulações políticas e comportamentos. Como empresas estão envolvidas em relações de poder com firmas rivais, a teoria de barganha deve incluir nas negociações entre ETNs e governos, as potenciais respostas de outras corporações ou até mesmo empresas domésticas (ver Evans, 1979). Adicionalmente, as políticas de ETNs e de governos estão impregnadas com relações de poder que levam a compromissos e cooperação, e também à competição. A abordagem da teoria de barganha deve ser desenvolvida para englobar todos esses aspectos. Dessa forma, Grosse e Behrman (1992) indicam que a teoria de NI e as relações entre negócios internacionais e governos podem ser vistas como uma interseção de preocupações e atividades dentre três conjuntos críticos. Empresas devem manter relações de negócios com outras empresas, competidores, fornecedores e clientes, em vários países. Governos devem lidar com outros governos, bem como com empresas. As duas primeiras dimensões da abordagem correspondem aos campos de RI nas relações governo–governo, e as teorias domésticas de negócios nas relações empresa–empresa. A teoria de NI centra na terceira dimensão, a relação governo–empresa, mas complementa e fundamenta os outros dois campos teóricos e dimensões de abordagem. Em resumo, as unidades de análise são as relações Governo–Governo, Governo–ETNs e ETN–Empresas. Nesse ponto, Grosse e Behrman (1992) afirmam que uma apresentação detalhada dessa estrutura de análise se encontra no modelo elaborado por Stopford e Strange (1991) – o de diplomacia triangular. A abordagem de barganha entre ETNs e governos inclui três dimensões. A primeira refere-se aos recursos relativos sob poder das partes. No caso do governo, os recursos são o mercado e os fatores de produção do país de operação. Os atributos das ETNs são: renda, emprego, transferência de tecnologia, conhecimento gerencial e balanço de pagamentos. A segunda dimensão, denominada stakes relativos (nas palavras de Gladwin e Walter, 1980), refere-se a: da parte do governo, emprego e redistribuição de renda; da parte da firma, acesso ao mercado do país de operação. A terceira dimensão da relação de barganha é o grau de similaridade de interesses entre ETNs e governo. A centralidade dessas relações em NI está exposta por Dunning (1998). A década de 1970 é repleta de exemplos de confrontações que resultaram em expropriação e nacionalização de ativos estrangeiros. O debate concentrava-se na apropriação da tecnologia transferida pelas ETNs, no seu poder monopolista, nas suas práticas de trabalho, em seus efeitos sobre o ambiente e suas habilidades para manipular a evasão de impostos e os preços de transferência.

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Segundo Dunning (1998), desde meados dos anos 1980 as relações entre as autoridades governamentais e as ETNs foram se alterando, do confronto para a cooperação. Os conflitos de interesses ainda existem, mas os debates acerca dos prós e contras da dependência econômica, ou interdependência entre ambos, são agora conduzidos no contexto da globalização econômica, em vez de centrar em estratégias e comportamento das ETNs. Dunning (1998) ressalta que as interfaces entre governos e ETNs tornam-se mais construtivas no final da década de 1990, em decorrência da necessidade de atingir metas econômicas e sociais dependentes de investimentos e de tecnologia controlados pelas ETNs. No entanto, não é possível afirmar se a aliança entre ETNs e governos nacionais será mantida, porque questões controversas ainda permanecem, como sustenta Vernon (1998), tais como preço de transferência, proteção ambiental, alocações para mercados de exportação, gestão de recursos humanos, práticas de negócios, questões culturais e ideológicas. Cabe destacar que áreas de EPI e NI compartilham o mesmo objeto de estudo, isto é, a relação governo-empresa, mais especificamente as relações entre governos e EMNs segundo a abordagem de barganha. Mais recentemente, Stopford (2005) afirma que a “barganha triangular continuará a explicar um bom número de interações” nas relações governo–empresa, mas “há necessidade de inserções para atualizar o modelo”, que representem o papel de ambos, das organizações não-governamentais e de instituições internacionais, o poder dos indivíduos para protestar e boicotar investimentos e o poder dos Estados Unidos em favor de suas próprias empresas (ver Gilpin, 2001). A figura 1 ilustra o modelo ampliado com as interfaces e desdobramentos das relações governo-empresa.

Figura 1 – Abordagem Interdisciplinar: Gestão e Governança Internacional

Fonte: representação dos autores, com base em Stopford e Strange (1991, p. 22); Grosse e Behrman (1992, p. 100, nota 4), e Stopford (2005).

Ao adotar esta perspectiva interdisciplinar, com múltiplos atores e níveis como modelo de análise, a principal contribuição deste artigo seria a investigação empírica as interfaces entre os âmbitos de governança e gestão nas práticas de negócios internacionais (Stopford e Strange, 1991; Grosse e Behrman, 1992; Stopford, 2005).

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2.3 O BNDES na América do Sul Os bancos de desenvolvimento foram resultados de mecanismos criados no pós-segunda guerra mundial para a reconstrução das grandes economias destruídas, como o caso da Alemanha (com a criação do Kredintaltanlt fur Weidarufban - KfW) e do Japão (Japan Development Bank - JDB), além de fomentar a industrialização e desenvolvimento econômico em países da Ásia e da América Latina (Torres Filho, 2007; Lazzarini et al, 2011). Neste caso a intervenção do Estado somada ao declínio de mercados privados logo após às duas grandes guerras reforçou ainda mais a expansão e importância dos bancos de desenvolvimento. Essas instituições financeiras possibilitariam então o capital de longo prazo para indústria, analisariam os melhores projetos do setor privado, estabeleceriam metas de desempenho e monitorariam a execução dos investimentos (Lazzarini et al, 2011). No que tange às possíveis funções desempenhadas por bancos de desenvolvimento, a literatura sobre o tema (Diamond, 1957; Aghion, 1999; Pena, 2001; Bruck, 2001, 2002; Panizza, Yeyati e Micco, 2004; Torres Filho, 2007; Lazzarini et al, 2011), nos sugere dois modos de ação: a) um restrito, onde o banco é visto apenas como uma instituição financeira; e, b) um mais amplo, no qual o banco adota uma forma híbrida, com múltiplos papéis no processo de desenvolvimento. No que tange ao papel mais restrito, o banco de desenvolvimento adota uma postura relativamente passiva no processo de desenvolvimento, voltado para a demanda por financiamento que emerge espontaneamente pelos investimentos em curso, ou seja, financiando a “demanda reprimida” que busca crédito de longo prazo. Sob a abordagem mais ampla, esses bancos participam mais ativamente no processo de desenvolvimento, antecipando a demanda, identificando novas atividades, setores, produtos e processos produtivos que sejam estratégicos para o desenvolvimento nacional, atuando com a mesma dinâmica macroeconômica de um banco privado, que, teoricamente, não tem o compromisso de apoiar o desenvolvimento econômico (Hermann, 2010). Desta forma, os bancos de desenvolvimento acabam por constituir-se como instituições híbridas que vão atuar simultaneamente como instituições governamentais, com funções de formulação e implementação de políticas e desenvolvimento, e como instituições financeiras em estrito senso, com funções básicas de um banco. O seu modo de operação, portanto, é definido, tanto politicamente quanto historicamente, pelo perfil das políticas de desenvolvimento em curso do governo e pela tendência do sistema financeiro nacional, complementando a atuação de instituições financeiras privadas (Hermann, 2010). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Brasil, é considerado como um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo (Lazzarini et al, 2011). Criado em 1952, o BNDES sofreu transformações pelas diferentes dinâmicas da economia brasileira e mundial e distintas gestões governamentais (Garcia, 2011). De forma sucinta, na década de 1950 o BNDES apoiou o setor de energia e transportes; na década de 1960, apoiou a indústria de base e de bens de consumo, pequenas e médias empresas e o desenvolvimento tecnológico; na década de 1970, o banco voltou-se para a substituição de importações para os setores básicos da economia e à indústria de bens de consumo; na década de 1980, priorizou os setores de energia, do agronegócio e a integração competitiva; e, na década de 1990, buscou-se financiar a infraestrutura, a exportação, a privatização e o desenvolvimento urbano e social. Nos anos 2000, o BNDES passou a ter como prioridades a infraestrutura, a exportação, os arranjos produtivos locais e a inclusão social (Bernardino, 2005). Isto justifica a importância do banco em termos de recursos, cada vez mais crescente: desde 2005, o volume de créditos do BNDES aumentou 391%, sendo ainda maior do que o Banco Mundial. Os fundos do BNDES são públicos, provindos do Tesouro Nacional, de impostos e de contribuições públicas, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador. Porém, o banco também capta recurso no mercado externo com bancos estrangeiros, agências de fomento de outros países e instituições multilaterais, como o Banco Mundial (Garcia, 2011).

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Com a crise financeira global de 2008, os bancos de desenvolvimento retomaram papel de destaque, como novo impulso. Como exemplo, em 2009, o governo argentino anunciou a criação de um banco nacional de desenvolvimento, com base no BNDES. Até mesmo nos Estados Unidos, houve defesa para renovação de bancos de desenvolvimento, incluindo no orçamento federal de 2011 um pacote de 4 bilhões de dólares para banco de desenvolvimento que apoiasse projetos de infraestrutura de grande porte (Lazzarini et al, 2011). Apesar de não tratar-se de uma instituição de caráter regional ou sub-regional, mas sim de um banco de desenvolvimento, o BNDES tem sido um ator importante no que se refere ao financiamento da regionalização sul-americana (Deos e Wegner, 2010). Neste sentido, Gudynas (2008) o denominou de banco nacional com cobertura regional. Cabe nos aprofundarmos na atuação do BNDES na América de Sul, em linhas de financiamento fora do Brasil, a saber: Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai. São três os objetivos dessas linhas de financiamento: a) fomentar a exportação de bens e serviços brasileiros na América do Sul, aumentando o saldo comercial; b) promover a integração sul-americana no âmbito da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA); e, c) promover uma liderança econômica estratégica da região pelo Brasil por meio da criação de uma Agência de Crédito à Exportação (ACE) que favorecesse a competição de empresas brasileiras no mercado internacional comparado à outros países. De acordo com Catermol (2005), embora um mercado interno grande auxilie na construção de uma indústria que seja também exportadora, aumentando assim a sua escala de produção e competitividade no mercado internacional, é fundamental que o país possua instrumentos de apoio à exportação que contribuam para o crescimento das exportações. Neste contexto, destaca-se o BNDES-Exim (antigo FINAMEX) no financiamento de produtos além dos bens de capital, passando a financiar as exportações de serviços de engenharia e de outros bens. Entretanto, são financiáveis apenas produtos em etapas mais avançadas de agregação de valor na cadeia produtiva, incentivando assim o incremento da exportação de produtos de maior valor agregado em diversos setores. O BNDES-Exim (inicialmente com o nome de Finamex, em 1991) atua como uma ACE, cujo objetivo é apoiar à inserção internacional das empresas privadas de forma que estas se tornem competitivas internacionalmente, promovendo exportações que não seriam possíveis sem o seu apoio (Catermol, 2008). Assim sendo, no Brasil, o BNDES-Exim atua como principal fonte de financiamento de longo prazo para exportações brasileiras, pelo menos desde 1996 (oficialmente criado em 1997), quando passa a se destacar frente ao Programa de Financiamento às Exportações do Banco do Brasil (PROEX) (Lima, 2012). Com desembolsos anuais entre US$ 4 e 6 bilhões, as linhas do BNDES-Exim passam a ser consideradas como um dos principais programas de financiamento à exportação (Catermol, 2008). Em geral, o predomínio do financiamento à exportação de bens e serviços brasileiros para projetos de engenharia e construção, em vez de máquinas e equipamentos, como era na primeira metade da década de 1990, data de 1997, com o início do apoio à exportações de serviços no conjunto da ampliação do escopo das linhas. No primeiro semestre de 2005, já foram liberados US$ 700 milhões neste tipo de operação (Catermol, 2005). Em geral, todos os países industrializados contam com ACE (Lima, 2012). Entretanto, nos países considerados “em desenvolvimento”, um dos principais problemas é a falta de crédito de longo prazo a taxas de juro reduzidas, tanto para empresas de menor porte quanto para empresas de grandes projetos de infraestrutura, o que reforça o papel do BNDES-Exim para o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos (Mantega, 2005). Lima (2012) ressalta ainda que o Departamento de Comércio Exterior e Integração da América do Sul, da Área de Comércio Exterior do BNDES, elaborou ações institucionais e operacionais visando o financiamento de exportações de bens e serviços brasileiros voltados para projetos de interesse de governos, que sejam prioritários para a integração sul-americana. Neste processo

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destacam-se os Acordos Marcos firmados com a Venezuela, Bolívia, Banco de Inversión y Comercio Exterior (BICE) e Banco de la Nación Argentina (BNA). Além da IIRSA, o BNDES acompanha e participa, sistematicamente dos projetos empreendidos por entidades voltadas para o processo de integração sul-americana, tais como a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e a Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento (ALIDE) (Lima, 2012). A Argentina é o país de maior fluxo comercial com o Brasil da América do Sul (constituindo 16% da pauta total de exportações brasileiras) (Catermol, 2005). Em 2009, os desembolsos totais em dez anos para a América do Sul alcançaram o valor recorde de US$ 4 bilhões. De acordo com Catermol (2005), a América do Sul, importante destino das exportações brasileiras de manufaturados, também é um dos principais destinos das operações do BNDES-Exim. No início da década de 1990, predominavam as exportações de bens de capital para os países da região, porém, as operações tomaram um novo impulso com o financiamento de exportações de bens e serviços brasileiros para projetos de engenharia e construção. O autor destaca ainda que tais operações na América do Sul também contribuem para o desenvolvimento do mercado consumidor no continente, ampliando de modo geral o fluxo de comércio entre os países, ampliando laços comerciais estratégicos. Os grandes conglomerados de engenharia e construção, bem como grandes fornecedores de manufaturas, são os principais beneficiados com os créditos públicos direcionados às obras na região, representando um aumento de 1.185% em dez anos (Garcia, 2011) de recursos repassados às empreiteiras. Dentre as empresas favorecidas, destacam-se Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Camargo Correa (Deos e Wegner, 2010; Souza, 2010; Garcia, 2011; Lima, 2012b). Em pesquisa recente focada no BNDES, Lazzarini et al (2011) analisaram o papel do banco de desenvolvimento e sua relação política com empresas privadas. Ao final, o estudo conclui que o BNDES seleciona empresas com bom desempenho operacional, mas também fornece mais capital para as empresas com ligações políticas (empresas que doaram para campanhas políticas que ganharam eleições). No entanto, o estudo não obteve evidências de que o BNDES atua sistematicamente “socorrendo” empresas privadas. Ao contrário, o BNDES somente seleciona empresas com capacidade de reembolso para seus empréstimos, assim como fazem os bancos comerciais. Todavia, no que se refere ao caso das linhas de financiamento do BNDES-Exim na América do Sul para o setor privado, o que observamos é que o BNDES não apenas “socorre” (casos em que estas empresas não conseguiam ser competitivas internacionalmente) como também cria um novo mecanismo de atuação para atender a demanda de tais grupos e suas operações. O estudo, entretanto, ao se voltar para o Brasil e como BNDES influencia as ETNs brasileiras, ele negligencia o reverso. Ou seja, como as ETNs influenciam o governo. No caso de obras de infraestrutura realizadas por ETNs brasileiras na América do Sul financiadas pelo BNDES, a demanda parte das empresas e não do governo. A influência do governo se dá, portanto, como consequência de uma pressão política exercida por tais conglomerados como veremos na análise dos dados.

3. Metodologia a ser empregada A metodologia de múltiplos casos, que derivam da pré-seleção inicial de projetos financiados pelo BNDES na América do Sul (ver tabela 1 abaixo), foi adotada devido ao caráter qualitativo (Birkinshaw, Brannen e Tung 2011) e explicativo (Welch et al. 2011) deste artigo (Boddewyn 1999; Buckley 2005; Dymsza 1984; Grosse 2005). Os projetos pré-selecionados apresentam claras implicações de infraestrutura de serviços públicos; tema que facilita o desenvolvimento de abordagem com múltiplos atores e níveis de análise conforme objetivo deste artigo (Punnet e Shenkar 1995). A identificação dos principais atores nas relações governo-empresa foram feitas com base nestas linhas de financiamentos selecionadas.

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Tabela 1 - América do Sul: linhas de financiamentos do BNDES

País Artigo Venezuela Siderúrgica e Estaleiro Venezuela Linhas do Metrô de Caracas Venezuela UHE La Vueltosa Colômbia Transmilênio - Transporte Urbano Equador Hidrelétrica de San Francisco Bolívia Rodovia Villa Tunari Chile Ampliação Metrô Santiago Chile Transantiago Argentina Hidrelétricas Chihuido e Los Blancos Argentina Ampliação Gasodutos TGN e TGS Uruguai Rede de Gás de Montevidéu Uruguai Linha Transmissão UTE Punta del Tigre

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Pereira (2011).

Um dos critérios na seleção dos respondentes-chaves foi de que por meio da investigação das linhas de financiamentos pelo BNDES na América do Sul, as vinculações políticas destes com corporações privadas também poderiam ser conhecidas e analisadas. Outro fator é que nesse tipo de instituições, os membros da alta e média hierarquia são mais sujeitos a lidar com a dinâmica público-privado e, com as responsabilidades de governança e gerência. A coleta dos dados foi feita em duas etapas. Na primeira foram analisados as linhas pré-selecionados do BNDES. Com base na seleção final das linhas de financiamentos do BNDES foram realizadas entrevistas abertas com representantes do escritório do BNDES no Rio de Janeiro, Brasil; e com representantes de empresas em São Paulo, Brasil. Para esta etapa de pesquisa de campo o processo de seleção dos respondentes teve por base o princípio da saturação, na qual o pesquisador decide o momento em que a coleta de dados deve terminar. Sendo assim, quando não emergiram mais questões/situações novas e/ou dados significativamente novos, optamos por suspender a etapa de coleta de dados (Bertaux, 1997). O roteiro das entrevistas tinha por objetivo identificar as dificuldades encontradas pelos mesmos para lidar com aspectos do âmbito de governança frente às demandas do âmbito de gestão internacional conforme consta no relatório de pesquisa. Para a análise dos dados, os aspectos de governança investigados nessas linhas de financiamento foram: a) processo de criação do BNDES-Exim; b) processo de captação de financiamento pelas empresas no BNDES-Exim; c) processo de contratação das empresas brasileiras pelos governos na América do Sul; d) processo de negociação em situação de crise nas linhas de financiamento. No que tange a gestão, foram analisados os seguintes aspectos: a) especialização da mão-de-obra e gestão de pessoas; b) estratégia empresarial.

4. Resultados da pesquisa de campo 4.1 BNDES

Durante a primeira etapa de coleta, encontramos considerável dificuldade na obtenção de documentos primários dos projetos selecionados do BNDES. Destacamos: ausência dos contratos firmados em plataforma online do banco; não disponibilização de relatórios por artigo financiado pelo banco em plataforma online do banco; ausência de relatórios de demonstrações financeiras de livre acesso ao público; e, por fim, utilização de ferramentas burocráticas como instrumento para dificultar acesso às informações oficiais. Sendo assim, obtivemos apenas dados secundários sobre os projetos financiados pelo BNDES na América

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Latina. Além disso, ressaltamos que a dificuldade na obtenção dos dados primários ocasionou a expectativa de maior importância para as entrevistas com respondentesi do BNDES. Tais dificuldades apontadas evidenciam que fatores como “transparência” e “prestação de contas” não são práticas correntes no BNDES. Na pesquisa de campo verificamos, que no que diz respeito as linhas de financiamentos na América do Sul via BNDES, na área de comércio exterior, por meio do BNDES-Exim, aspectos de governança e gestão. Isto corrobora a defesa da abordagem interdisciplinar, com base no modelo de abordagem triangular de Stopford e Strange (1991, p. 22), no qual as sobreposições e diferenças entre as áreas de RI, NI e GI são evidenciadas (Grosse e Behrman 1992, p. 100). No que tange ao processo de criação do BNDES-Exim, verificamos que este esteve diretamente ligado à uma política de Governo Federal voltada para o aumento/incremento das exportações brasileiras e para a integração sul-americana. Desta forma, o BNDES atuou como uma instituição pública governamental intermediária entre Governo Nacional-Empresas-Governo no Exterior. O BNDES como importante canal para incremento das exportações brasileiras para América do Sul também foi evidenciado pelos respondentes. A comparação do BNDES com uma ACE também foi ressaltada por esse entrevistado do banco. Em entrevista com acadêmico, a política do Governo Federal em aumentar as exportações brasileiras também foi enfatizada como fundamental para que o BNDES-Exim fosse criado. Antes as empresas obtinham este tipo de financiamento via Banco do Brasil. Quanto ao processo de captação de financiamento pelas empresas no BNDES-Exim, verificamos que, embora existisse uma política “macro” do Governo Federal para que as exportações brasileiras aumentassem, a criação do BNDES-Exim sofreu grande influência e pressão por parte do setor privado (neste caso, pelas empreiteiras brasileiras), ressaltando a relação empresa-governo. As entrevistas com funcionários do médio e alto escalão no BNDES evidenciaram este aspecto. Essa demanda das empresas brasileiras no BNDES para fomentar suas exportações também foi enfatizada pelos funcionários do BNDES. A visão acadêmica também ressaltou este papel de influência e lobby das empreiteiras brasileiras junto ao BNDES, ressaltando o papel político exercido pelas empresas negligenciado em gestão, mas problematizado na literatura de governança. Em entrevista com um grande captador de financiamento via BNDES-Exim para operacionalizar as obras na América do Sul, o papel político do setor privado também foi evidenciado, inclusive a contratação de um consultor externo para auxiliar o BNDES na criação do Exim bank (anteriormente mencionada pelo acadêmico). Entretanto, a suposta “não-influência” do BNDES na tomada de decisão do cliente do exterior a respeito de qual empresa brasileira contratar foi evidenciado pelo representante privado. Ainda em relação ao processo de contratação das empresas brasileiras pelos governos na América do Sul, verificamos que esta decisão parte do governo estrangeiro por meio de um processo de licitação, conforme ressaltado em entrevista com funcionário do BNDES. Por fim, no que se refere ao processo de negociação em situação de crise nas linhas de financiamento, o aspecto de governança na relação Governo Nacional-Empresas-Governo Estrangeiro fica ainda mais evidente, uma vez que a interdependência entre estes atores torna-se evidenciada. Pudemos verificar este aspecto em entrevista no BNDES. O funcionário destacou ainda a importância do papel do BNDES neste processo de governança. Apesar de defendermos que governança e gestão não deveriam ser investigados separadamente, como propõem as áreas de GI e NI, cremos ser relevante ressaltar aqui separadamente os aspectos que mais se identificam com a gestão obtidos na pesquisa de campo: a) especialização da mão-de-obra e gestão de pessoas; b) estratégia empresarial. Quanto ao primeiro, o evidenciamos em entrevista com acadêmico. Isto reforça a preocupação com o capital intelectual da empresa (diretamente relacionado à especialização da mão-de-

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obra e valorização da gestão de pessoas), nas falas de ambos entrevistados – acadêmico e da empresa. No que se refere à estratégia empresarial neste processo envolvendo financiamento de serviços via BNDES-Exim para empresas brasileiras na América do Sul, destacamos o alinhamento entre estratégia empresarial e estratégia governamental. A forte capacidade estratégica das empresas que adentram o nível político-governamental também foi ressaltada por este acadêmico. O entrevistado também relaciona este poder da estratégia empresarial com o BNDES. O gestor de primeira linha na empreiteira reforça este aspecto ao afirmar que não precisam do financiamento de crédito pelo volume concedido, mas pelo papel estratégico para conquista de mercados (ver Grosse, 2005 e Gilpin, 2001). Em resumo, e com base no modelo de interdisciplinar que amplia o escopo do modelo original de Stopford e Strange (1991), a figura 2 ilustra, como contribuição deste artigo, os principais atores nos âmbitos de gestão e governança internacional que resultaram da investigação focada nas linhas de financiamentos do BNDES na América do Sul. Figura 2 – Abordagem interdisciplinar com base nas linhas de financiamento do BNDES na América do Sul.

Fonte: elaborado pelos autores, 2012. 5. Conclusões

Dentre os resultados podemos destacar a necessidade de problematizar não somente os aspectos de gerência, mas também os de governança. Em outras palavras, desejamos desafiar a perspectiva teórica de globalização mais difundida e imposta pelas áreas de GI e NI e buscar uma perspectiva teórica mais adequada à realidade em países como o Brasil (El-Ojeili e Hayden, 2006). Correspondentemente, o artigo enfatiza a importância da interdisciplinaridade

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e do pluralismo para que seja reconhecida e respeitada a integridade das dimensões econômica e política e de suas complexas inter-relações, assim como as dimensões do público e do privado e da administração e da gerência dentro da dimensão internacional. Com objetivo de avançar no refinamento do modelo de análise interdisciplinar, delimitamos o escopo empírico deste artigo ao contexto do Brasil, onde foram analisadas as interfaces e desdobramentos das relações governo-empresa representadas por organização governamental que se internacionaliza e ETNs brasileiras. Como destacamos as interfaces entre governos e ETNs tornam-se mais construtivas no final da década de 1990, em decorrência da necessidade de atingir metas econômicas e sociais dependentes de investimentos e de tecnologia controlados pelas ETNs. Também destacamos que as áreas de EPI e NI compartilham o mesmo objeto de estudo, isto é, a relação governo-empresa, mais especificamente as relações entre governos e EMNs segundo a abordagem de barganha. Os resultados obtidos (ilustrados na figura 2) suportam o modelo ampliado com as interfaces e desdobramentos das relações governo-empresa. Destacam-se atores públicos nacionais como BNDES, Banco Central, Banco do Brasil; Governos (do Brasil e dos países em que os serviços serão prestados); além de empresas brasileiras (empreiteiras) e instituições multilaterais (como Banco Mundial) fortemente conectados em uma rede multifacetada de governança e gestão internacional. Neste sentido, o artigo sugere que o discurso, suportado e defendido pelas ETNs e pelas áreas de GI e NI, de que os novos modos de governança ou de ‘gestão’, baseados na interdependência e na dissolução de fronteiras, são mais efetivos do que outros modos ‘tradicionais’ para a promoção de desenvolvimento sócio-econômico local ou regional, por permitirem a integração mais equilibrada do ‘mercado’ e do ‘Estado’, deveria ser criticamente revisto por pesquisadores no Brasil, como evidenciado nos resultados da investigação das linhas de financiamento do BNDES-Exim na América do Sul.

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