Reportagem Mulheres Carceradas

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O LIBERAL

CIDADES

Estudo faz perfil de presas

BELÉM, QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2015 POLÍCIA 5

Mais de 70% da carceragem de mulheres no Pará e São Pau-lo envolvem situação de pe-

queno tráfico seguida de alguns casos de roubo e homicídio. Foi o que constatou a pesquisa “A Construção da Vitimização de Mulheres no Sistema de Justiça Criminal”, financiada pelo Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenada pela professora de Psicologia Social da Universida-de Federal do Pará (UFPA), Flávia Lemos, além do professor Luiz Francisco de Souza, das Ciências Sociais, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“A maior parte dessas mulhe-res estavam com pouca quanti-dade de drogas recebendo pena maior que os homens na mesma situação de delito. Geralmente le-vando uma pequena quantidade de drogas para seu parceiro ou familiares na visita à prisão, ou estavam dentro da mesma casa quando o parceiro foi preso, ou foram presas fazendo parte do tráfico, ou continuaram no trá-fico depois que o parceiro foi preso. Então, isso é grave. Deve-ríamos pensar em uma política de redução de danos que não envolvesse o cárcere, para que essa mulher não entrasse em um sistema que provoca mais problemas para a vida dela e à sociedade”, alerta Flávia Lemos.

Ainda de acordo com a pes-quisa qualitativa, o número de mulheres nessas situações é crescente. No Pará, hoje, em tor-no de 2,1 mil mulheres adultas estão presas em regime semia-berto, fechado e prisão provi-sória. Para divulgar o resultado do estudo à universidade e para os trabalhadores que atuam na privação de liberdade de jovens e adultas, acontece até 18h de hoje, o IV Fórum Nacional sobre a Produção da Vitimização de Mulheres no Sistema de Justiça Criminal, no auditório do bloco B do Instituto de Ciências da Educação (Iced), no campus pro-fissional da UFPA, no Guamá.

FÓRUMMulheres pegampenas maiores porcometerem crimesiguais aos de homens

O evento objetiva também discutir as políticas públicas que trabalham na intersetorialidade da segurança como as políticas de educação, assistência social, saúde mental e coletiva, etc. Além disso, ajuda na construção cole-tiva de sugestões de acompanha-mento dessas e na proposição de novas políticas públicas.

Nesses quatro anos da pes-quisa, foi constatado que houve “falhas” nas políticas públicas, resultando no maior carceramen-to de mulheres no Estado. “Para nós, carceramento não é entendi-do como avanço, mas como falta de avanço das políticas públicas como a violação dos direitos fun-damentais dessas mulheres, que levam para o número cada vez mais expressivo para o cárcere. Tanto que muitas estão em situa-ção provisória, muitas demoram anos para serem julgadas. No caso das adolescentes, que cum-prem medidas socioeducativas, o único centro de cumprimento

fica em Belém; então, meninas de todas as localidades do Estado vêm para a capital. Como a medi-da vai ressocializar se elas estão quebrando o vínculo familiar e comunitário? A ideia é pensar desde a institucionalização, por-que se não houver a intersetoria-lidade da política pública, haverá reincidência”, afirma a pesquisa-dora Flávia Lemos.

O estudo envolve alunos de graduação, mestrado e douto-rado em várias áreas no Pará e São Paulo, e associa, ainda, uma construção de processo de vitimização das mulheres. Por isso, a pesquisa passou por ou-tras instituições como a Vara da Infância e da Juventude, Defen-soria Pública do Estado, Delega-cia de Atendimento à Mulher e Centro de Recuperação Femini-no (CRF), em Ananindeua.

Amanda Magalhães, 19 anos, estudante de graduação de Psi-cologia da UFPA, atua como bolsista na pesquisa. A jovem

ajudou na aplicação das entre-vistas das mulheres encarcera-das e dos trabalhadores no CRF de Ananindeua. “Enfrentamos dificuldade de acesso às infor-mações. Lá existem mais de 500 mulheres e aplicamos um recor-te de entrevistas com 28 delas. Em geral, são mulheres sem o ensino fundamental completo; antes de entrar tinham trabalho informal, maior parte da faixa etária fica entre 20 e 30 anos. A maioria dos delitos foi tráfi-co de pequenas quantidades de drogas. Muitas reclamam que já passaram do tempo de estarem presas, que estão em selas super-lotadas e quentes e que a alimen-tação é ruim. Das 28, cerca de 10 faziam curso de canto, violão e artesanato”, afirma Amanda.

No CRF foram entrevistados 16 trabalhadores. Amanda relata que a situação deles é prejudicial. “Embora eles ressaltem pontos positivos da nova gestão do CRF, hoje reclamam que trabalham 24

horas e folgam 48 horas. Antes, eram 72 horas de folga. São três horas de descanso de madruga-da, o que consideram pouco tem-po. Muitos não possuem qualifi-cação e os cursos oferecidos não são para todos”.

A partir da pesquisa, foram elaborados manifestos e notas de repúdios em relação ao tema. A mais recente foi a participação contrária à redução da maiorida-de penal, na Câmara dos Depu-tados, em Brasília (DF). “Não so-mos a favor da redução, porque encarcerar mais cedo os jovens não vai reduzir a violência, mas aumentar os índices de violência e de criminalidade, porque é o sistema carcerário que produz delinquência, esta não é produzi-da antes e ninguém ressocializa isolando”, diz Flávia Lemos.

A pretensão da equipe é conti-nuar a pesquisa, que aguarda no-vo edital do CNPq para concorrer e conseguir subsídios para am-pliá-la em nível nacional.

JON

AS P

ESSO

A / A

SCO

M SU

SIPE

Pesquisa revela que poucas detidas têm algum curso. Boa parte nem possui o ensino fundamental completo.