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FACULDADE DE LETRASUNIVERSIDADE DO PORTO
Isabel Tavares Moreia Alves
2º Ciclo de Estudos no Mestrado em Estudos Anglo-Americanos
Death in the Woods, de Sherwood Anderson – Tradução, Reflexão e
Compreensão
2012
Orientador: Professor Doutor Gualter Cunha
Classificação: Ciclo de estudos:
Dissertação/relatório/Projeto/IPP:
Versão definitiva
Dissertação apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto como
requisito para a obtenção do grau de Mestre em Estudos Anglo-Americanos,
Tradução Literária (Inglês-Português).
Sob orientação do Professor Doutor Gualter Cunha.
2
Ao meu Pai e à minha Mãe
Que me ensinaram a lutar por tudo o que quero,
por mais difícil que tal possa parecer.
3
Índice
1. Resumo…………………………………………………………………………..6
Abstract………………………………………………………………………......6
2. Introdução………………………………………………………………………..7
3. Sherwood Anderson…………………………………..……………………….10
3.1. Apresentação biográfica………………………………..………………………10
3.2. Death in the Woods, análise da obra………………..……………….................19
3.3. Sherwood Anderson em Portugal……………………………………………...24
4. Tradução………………………………………………………………………..26
4.1. Morte no Bosque………………………………………………………………..26
4.2. Como uma Rainha……………………………………………..……………….38
4.3. Outra Mulher…………………………………………………………………...46
5. Relatório da tradução……………………………………….…………………..56
6. Conclusão………………………………………………………………...……..59
7. Bibliografia……………………………………………….………………….…60
4
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a todos os que me apoiaram e que contribuíram com toda
a ajuda possível na realização desta dissertação.
Merece-me um agradecimento especial o Prof. Dr. Gualter Cunha que, como
meu professor e orientador, muito me ajudou durante o processo de elaboração desta
dissertação.
Agradeço in memoriam e sentidamente ao Prof. Dr. Paulo Eduardo Carvalho,
meu primeiro professor de Tradução, pelos sábios conselhos que dele recebi.
Gostaria de agradecer também a todos os docentes e colegas do curso de
Mestrado de Estudos Anglo-Americanos, Tradução Literária, pois ao longo do ano
letivo de 2009/2010 contribuíram para a construção de ideias que me foram muito úteis
na execução da tese.
Finalmente, não posso deixar de agradecer aos meus pais e amigos que me
apoiaram muito durante esta etapa da minha vida.
A todos a minha profunda gratidão.
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Resumo
Esta dissertação de mestrado em Tradução Literária visa a tradução de três
contos do livro Death in the Woods and Other Stories, da autoria de Sherwood
Anderson, escritor americano do século XX, que marcou a sua geração e a que lhe
seguiu.
O objetivo deste texto é dar visibilidade ao autor e à sua coleção de contos Death
in the Woods and Other Stories. Em investigação prévia, verificou-se que Anderson é
um escritor ainda muito pouco conhecido em Portugal. A inexistência de uma tradução
desta sua obra em língua portuguesa apresentou-se como uma lacuna no panorama
editorial português, pretendendo eu dar início a um trabalho pioneiro na divulgação
deste autor no contexto português da literatura traduzida.
Palavras-chave: Sherwood Anderson, tradução literária, processos, problemas e
dificuldades de tradução
Abstract
This master’s dissertation in Literary Translation comprises the translation of
three short-stories of the book Death in the Woods and Other Stories, by Sherwood
Anderson, American writer of the twentieth century who marked his generation and the
one that followed.
This work aims at giving visibility to the author and his short-story collection
Death in the Woods and Other Stories, as in previous research I noticed that Anderson
is still a very little known writer in Portugal. Moreover, the author´s work dealt with in
this thesis has never been translated into Portuguese, what seems to be a gap in the
Portuguese editorial scenario, so it is my intention to start a pioneering work with it.
6
Key-words: Sherwood Anderson, literary translation, processes, problems and
difficulties of translation
Introdução
No momento em que decidi dedicar-me à escrita desta dissertação sobre este
autor norte-americano do século XX e à tradução de uma seleção dos seus contos que
fazem parte do volume mencionado no título, era minha intenção explorar o seu mundo
narrativo e dá-lo a conhecer ao público português. Dado que vim a deparar-me com uma
falta de informação e de material sobre este autor em Portugal, considerei pertinente
divulgar as suas características como escritor, as suas influências e, principalmente,
estudar e investigar o regionalismo intrínseco da sua obra.
Paralelamente, optei por uma reflexão sobre o mutante estado-da-arte da
tradutologia e logo me deparei com o dilema de qualquer tradutor, seja este mais
percetível ou não: que caminho seguir, dado que se me depararam dois problemas,
totalmente divergentes: levar o leitor ao texto de partida, adequando-o ao texto de
chegada, ou trazer o texto original para o contexto da língua que o receciona, neste caso
a língua portuguesa. No entanto, estes dois caminhos que se me apresentaram,
resultaram numa convergência dos princípios dos mesmos. Esta convergência radicará
na perceção de que a fidelidade ao texto de partida não será, em determinados passos,
impeditiva de uma certa dose de criatividade ou, na minha opinião, de (re)criatividade,
que atrevo a definir como impulso criativo que o prazer da leitura do texto original
talvez tenha provocado em mim. Reconhecer-se-á na tradução que a seguir apresento
alguma dessa (re)criatividade.
Assim, como afirma Schottländer citado por Kitty M. van Leuven-Zwart and
Ton Naaijkens, a propósito da criatividade do tradutor: “[c]reativity seems to involve
both the subconscious production and an awareness of purpose and aim” (Leuven-Zwart
et al. 1991:93). Este facto impede-me também de assumir um papel invisível, pois tenho
consciência de que esta tradução pode revelar o meu juízo inconsciente em alguns
pontos. Não obstante eu concordar com a criatividade no processo de tradução acima
referida, estou ciente de que a invisibilidade do tradutor é fundamental. Não poderei,
assim, de deixar de procurar essa invisibilidade, pois como afirma Lawrence Venuti:
7
“A translated text, whether prose or poetry, fiction or nonfiction, is judged acceptable
by most publishers, reviewers, and readers when it reads fluently, when the absence of
any linguistic or stylistic peculiarities makes it seem transparent, giving the appearance
that it reflects the foreign writer’s personality or intention or the essential meaning of
the foreign text—the appearance, in other words, that the translation is not in fact a
translation, but the “original” (Venuti 1995: 1).
Paralelamente, procurarei a fluência de que Venuti também fala: “[t]he more
fluent the translation, the more invisible the translator, and, presumably, the more
visible the writer or meaning of the foreign text” (Venuti, 1995: 2). Devo expor o
entusiasmo e o gosto que nutro por Sherwood Anderson, que são fatores também
presentes neste meu trabalho de tradução, levado a cabo num contexto não-profissional.
Liu (2011: 79) apresenta na sua dissertação de doutoramento o “circumplex model of
affect” (Russell 1980/2003) / a “two-dimensional view of subject well-being” (Warr
2007: 21)”, aplicado a tradutores profissionais. Neste modelo, o autor aponta os
seguintes adjetivos qualificativos da afetividade em relação a um trabalho, neste caso
uma tradução: alert, excited, energetic, enthusiastic, cheerful, elated, glad e pleased.
Russell preconiza que, na presença da maioria destes estados, se produzirá um activated
positive affect.
Creio poder afirmar que, em contexto académico e como aluna, me enquadro
neste afeto positivo em relação às traduções que fiz e ao autor que escolhi. Poderei estar
numa posição privilegiada, não sendo afetada pelo “negative affect” que Liu (2011)
detetou em alguns dos seus inquiridos; no entanto, considero que, no meu caso, se
poderá falar de “translator’s affectivity”. Esta dimensão, a ser reconhecida, justificará
também a minha escolha de autor e de textos a traduzir. Tudo isto não evitará que e,
segundo afirma Doyle no ensaio Translation and the Space Between: Operative
Parameters, eu venha a incorrer num “strabismus so characteristic of the translator at
work: one eye focused on the text-that-is, the other on the text-to-be” (Larson 1991: 13).
O processo de tradução é arriscado, uma vez que além do cuidado com a fidelidade,
Doyle (1991:15) afirma que há forças centrífugas e centrípetas a agir sobre a passagem
do texto de partida para o texto de chegada. Também, segundo este autor, o tradutor
“vive” no que eu consideraria três universos: a) o significado e o significante, b) a forma
e o conteúdo, c) a letra e o espírito. Apresento como exemplo do primeiro e do terceiro
8
as minhas deambulações à volta da escolha da tradução do título, nomeadamente com a
palavra woods, pois o léxico português oferece-nos floresta, montes e bosques, entre
outros. Optei por bosque, para uma melhor adequação ao contexto panorâmico do
Midwest americano, que nos é fornecido no cinema e na pintura, por exemplo.
Sherwood Anderson é um dos autores de short-stories mais importantes da
história da Literatura Norte-Americana e, como tal, na minha opinião, deveria ter um
maior reconhecimento em Portugal. Sendo que a obra mais conhecida deste autor,
Winesburg, Ohio (1919) já foi traduzida para língua Portuguesa, ponderei a
oportunidade de dar a conhecer ao público três dos contos da grande coleção Death in
the Woods and Other Stories de 1933.
Para além da tradução, procedi a um estudo da biografia do autor, com vista a
detetar até que ponto esta pode ter influenciado a escrita destes contos. Procedi, em
seguida a uma análise da obra traduzida. Devido à falta de informação e material de
referência, não me foi possível apresentar uma melhor e proveitosa investigação da
receção do autor em Portugal. Existem várias recensões críticas online e em alguns
suplementos literários da única obra traduzida Winesburg, Ohio.
9
Sherwood Anderson
Apresentação biográfica
1933
Nascido a 13 de Setembro de 1876, em Camden, Ohio, Sherwood Anderson
começou a trabalhar desde muito cedo. Os seus pais, Irwin McClain Anderson e Emma
Jane Smith, mudavam-se frequentemente durante a sua infância; Anderson recebeu uma
educação precária, enquanto também trabalhava em vários sítios para ajudar a sua
família que sobrevivia num contexto de ruralidade. Após o fracasso do pequeno negócio
de seu pai, finalmente estabeleceram-se em 1884, em Clyde, Ohio, local que inspirou o
cenário de muitas das suas histórias. Depois da morte de sua mãe, Anderson deixou
Clyde e mudou-se para Chicago, Illinois, onde vivia um dos seus irmãos. Trabalhou lá
como operário entre 1896 e 1898 até servir no exército durante a Guerra Hispano-
Americana. Após a guerra, em 1900, Anderson seguiu o seu irmão que tinha aceitado o
trabalho como artista na Crowell Publishing Company e regressou a Ohio, completando
10
finalmente a sua escolaridade na Wittenberg Academy. Anderson encontrou na
companhia do seu irmão um ambiente francamente culto. Porém, a influência de artistas
era mais importante para Anderson numa perspetiva de progresso próprio no mundo dos
negócios. A Crowell Publishing Company garantiu-lhe emprego em Chicago como
copywriter, cargo em que foi muito bem sucedido. Em 1904 casou com Cornelia Lane,
filha de um empresário abastado de Ohio, e tornou-se num marido burguês e pai de três
filhos num espaço de três anos, embora tivesse sempre aspirado a ser um artista. Em
1906, deixou Chicago e voltou para Ohio. Nos seis anos seguintes, Anderson fundou
duas firmas de tintas e geriu um serviço de entregas, porém passava cada vez mais do
seu tempo livre a escrever.
Em Novembro de 1912, Anderson experienciou um colapso psicológico, sofreu
de um esgotamento mental, desaparecendo do seu escritório e tendo sido encontrado
quatro dias depois. Mais tarde, Anderson descreve este episódio como uma fuga
consciente da sua existência materialista, como relata George Parker Anderson na sua
obra Research Guide to American Literature: American Modernism, 1914-1945:
“For Sherwood Anderson writing was a second career. He was a successful business
owner in Elyria, Ohio, in 1912 when, after a nervous breakdown, he decided he could
no longer reconcile his creative ambitions with the demands of a materialistic life.
Consequently, he abandoned his business and family to pursue a literary calling”
(Anderson, 2010: 103)
Este acontecimento gerou muitos elogios de colegas escritores seus mais novos
que enalteceram a sua coragem e o seu espírito heróico. Para corroborar esta perspetiva
do episódio bizarro de Anderson, cito Marina Porcelli em “La matéria de lo vivido”,
“(…) y a partir de lo que posteriormente se conoció como “su colapso”, ese lúcido
abandono para siempre del orden burgués, llegó a Chicago donde se afirmó en su
escritura de cuentos cortos. Irse es el eje de su obra: liberarse, desaparecer
repentinamente, salir por fin. Vivir de otro modo, lo que implica también entender y
concebir la literatura de otro modo” (2009: s.p.)1
1 Marina Porcelli (2009), in http://impreso.milenio.com/node/8691443 acedido 18/09/2011
11
A 28 de Novembro de 1912, Sherwood Anderson decidiu dedicar-se à escrita,
facto que veio a tomar proporções míticas no seu papel na história da literatura norte-
americana. Trocou os negócios pela literatura desistindo do seu cargo como presidente
da Anderson Manufacturing Co., em Elyria, Ohio. Anderson abandonou não só o sonho
de se tornar um homem de negócios rico e com sucesso na América, mas também as
suas responsabilidades como cidadão de classe média, incluindo a sua função de pai e
esposo. Riço Direitinho (2010) refere no título de um artigo do suplemento Ipsilon do
Jornal Público que “Sherwood Anderson trocou as tintas de parede pela tinta
permanente”.2
Embora tenha sofrido críticas durante vários anos, pode considerar-se Anderson
como o melhor arquétipo do americano dotado, preso entre o mundo da riqueza, do
sucesso, da respeitabilidade e da família, por um lado, e o da criatividade, por outro.
Libertou-se assim de um certo conjunto de valores que a sociedade americana
preservava e ainda hoje preserva, talvez de uma forma não tão marcada como na época
em que viveu. Como refere Burbank(1964) no prefácio do seu livro Sherwood
Anderson, “(...) he was repelled by the squalor and standardization of the new industrial
metropolises (…)”. Anderson abandonou, por assim dizer o “american dream” em
detrimento da procura de uma realização pessoal que a sua vocação ditava. Como
relatam Baym et al.(1989),
“Sherwood Anderson was approaching middle age when, giving in to long-deferred
ambitions, he left a successful business career to become a writer (...). he worked
furiously to make up for his late start, producing novels, short stories, essays, and an
autobiography” (Baym 1989: 1114)
Regressou a Chicago e voltou a trabalhar na agência de propaganda, em vez de se tornar
num artista boémio. Escreveu circulares e, nos seus tempos livres, continuava a escrever
incessantemente. Em 1916, divorciou-se de Cornelia e voltou a casar-se com Tennessee
Mitchell. Nesse mesmo ano, encorajado por autores como Carl Sandburg e Floyd Dell,
Anderson publicou o seu primeiro livro aos quarenta anos, intitulado Windy
2 José Riço Direitinho (2010), in http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=254120 acedido em 7/7/2011
12
McPherson's Son, um romance que trata a vida de um rapaz numa vila no Iowa.
Juntamente com os seus livros seguintes, o romance passado na região carbonífera da
Pennsylvania, Marching Men (1917) e o livro de poemas Mid-American Chants (1918),
Anderson afirmou que os seus primeiros romances eram crus e imaturos. Somente em
1919, Sherwood Anderson ficaria a ser conhecido com a sua clássica coleção de vinte e
dois contos, Winesburg, Ohio, que chamou a atenção do público e da crítica pelas suas
histórias interligadas de habitantes de uma pequena vila do Midwest que dão voz à
filosofia de vida expressa em todas as suas obras posteriores. George Parker Anderson
observa,
“Around this time he read Masters’s poetry collection Spoon River Anthology (1915),
in which the inhabitants of a small-town cemetery soliloquize about their humble lives
from beyond the grave. (…) Anderson stayed up all night reading Masters’s work,
which “crystallized” Anderson’s idea for his own collection. Masters’s work resonated
with Anderson’s Whitmanesque desire to give voice to the ordinary people around him,
who were often overlooked as subjects for fiction.” (Anderson, 2010: 103)
A narrativa é unida pela presença de George Willard, um jovem repórter, que
está revoltado contra as limitações da vida numa pequena vila e que serve como
contraste aos restantes habitantes da vila. Winesburg, Ohio exemplifica muitos dos
traços recorrentes e mais proeminentes do trabalho de Anderson: personagens que se
debatem com as dificuldades da vida numa pequena vila, com ênfase nas experiências
da solidão, alienação e frustração, e um estilo de escrita lírica que tenta capturar os
ritmos do pensamento humano. O autor descreve as frustrações dessas personagens
incapazes de se adaptarem aos novos aspectos da vida. É uma coleção de exemplos
excelentes do género short story e que consagrou Anderson como um autor americano
modernista e talentoso. Muitos críticos afirmam que estas histórias retratam os lados por
vezes “grotescos” da condição humana incluindo a pobreza, a marginalização, o amor e
o romance, como afirma Rex Burbank no prefácio da obra Sherwood Anderson:
“(…) a study of Winesburg, Ohio as a work in which Anderson emphasized the
grotesque and used his narrative of emerging psychic and moral consciousness as an
implied norm (as distinguished from a directly stated theme) with great effect and
created an enduring masterpiece” (Burbank 1964: Preface)
13
Outros consideram ainda que este é um romance e uma das melhores obras em língua
inglesa do século XX. Anderson foi um mestre no naturalismo literário, que oferece
uma avaliação realista severa e muitas vezes pessimista dos assuntos humanos. Além
disso, Sherwood Anderson desenvolveu o conceito “the grotesque” nesta obra, que
George Parker Anderson explica:
“Winesburg, Ohio opens with an introductory piece, “The Book of the
Grotesque”(originally Anderson’s title for the whole collection), which lays out the
concept of “the grotesque” that the subsequent stories illustrate: as a person embraces a
particular truth and tries to live solely by it, that single-mindedness distorts the person’s
life and makes of the truth a falsehood”(Anderson 2010: 104)
Winesburg, Ohio, obra culturalmente importante, possuiu também uma posição crucial
como ponto de contacto estilístico para os escritores modernistas americanos. Segundo
Margot Norris (1991) citada em Elliot,
“The high modernistic prototype of this neogothic mode of fiction was created by
Sherwood Anderson, who wrote his “Book of the Grotesque,” a collection of tales
hidden, anguished, small-town lives published as Winesburg, Ohio (1919), under the
influence of the pure syntax and language he had first encountered in the writing of
Gertrude Stein’s Three Lives and Tender Buttons. Anderson, who in 1932 joined fifty-
one other writers in signing a “manifesto” backing a Communist presidential ticket, in
turn influenced William Faulkner and Nathanael West (Miss Lonelyhearts [1933] and
The Day of the Locust [1939]), two other American novelists in whose fiction the lives
of simple, poor, and alienated people are dilated, by sometimes fantastic narrative and
stylistic distortions, into subjectivities invaded by nightmare, criminality, and madness”
(1991: 327) 3
Esta obra, um Bildungsroman episódico, teria nos vinte anos seguintes uma profunda
influência na escrita da short-story americana, devido ao seu estilo de prosa inspirado
no discurso coloquial e de uma forma experimental (metade romance, metade contos).
Em 1998, a Modern Library nomeou Winesburg, Ohio como um dos cem melhores
3 Modern Eruptions cit. in Elliott (1991)14
romances de língua inglesa do século XX. A obra de Anderson influenciou muitos
escritores. Como relata Martha Curry citada por Lauter:
“(...) Chicago (...)He met the established writer Theodore Dreiser and the aspiring writer
Ernest Hemingway. In New Orleans (...) he met the young William Faulkner. These
younger writers, along with Erskine Caldwell, F. Scott Fitzgerald, Jean Toomer, and
many others, became indebted to Anderson´s new method of storytelling and new
structuring of stories into a story cycle. In fact, Faulkner later said of Anderson: “He
was the father of my whole generation of writers” (Lauter 1994: 1210)
Muitas das contribuições de Anderson para a literatura norte-americana refletem
as suas próprias lutas entre os mundos do material e do espiritual, como marido, pai,
autor e homem de negócios e abrangem também questões tão amplas como as condições
de trabalho e o casamento:
“He [Anderson] felt drawn, by turns, to the lusty excitement and dramatic turbulence of
Chicago and to the elemental simplicity and dark mysteriousness of the Midwestern
cornfields; to the sophisticated intellectuals of the Northern cities and to the Southern
hill folk and Negro river hands.” (Burbank 1964: Preface)
Segundo Curry, citada por Lauter: “In depicting the inhabitants of the small mid-
western towns at the turn of the century, Anderson depicts the struggles of all of us,
especially when we are on the threshold of adulthood” (Lauter 1994: 1210).
Anderson sentiu-se pressionado a escrever romances e, independentemente do
sucesso dos seus contos, publicou Poor White em 1920. Foi um sucesso e Anderson foi
considerado como estando na sua melhor forma. Outras obras foram publicadas no
apogeu da sua reputação, que incluem as coleções de histórias e poemas de The
Triumph of the Egg (1921), Horses and Men (1923), histórias com temática relativa a
corridas de cavalos, e A Story Teller's Story, uma autobiografia publicada em 1924.
Influenciado por autores tão notáveis como Carl Sandburg e Gertrude Stein,
Anderson tornou-se conhecido, possivelmente devido aos seus primeiros anos de vida
transitória, pelas suas histórias que deram voz às personagens de pequenas vilas
americanas e ao empenho destas em encontrar o sonho americano. As suas tentativas de
escrever poesia foram, todavia, mal sucedidas, sendo a primeira uma coleção de versos
15
livres intitulada Mid-American Chants datada de 1918. Geralmente classificado como
um escritor realista, preocupado em representar a vida e experiências humanas com a
maior verosimilhança possível, Anderson viu-se como parte integrante da tradição
literária de autores como Walt Whitman, Mark Twain, Theodore Dreiser, que prezaram
o Americano comum. Sherwood Anderson deixou a sua marca, influenciando autores
como Ernest Hemingway, William Faulkner, F. Scott Fitzgerald, Thomas Wolfe,
William Saroyan. Citando, de novo, Marina Porcelli, “Y fue justamente esa concepción
de la aventura y la experiencia como origen y basamento de la escritura la que pesó con
fuerza brutal sobre los escritores norteamericanos que siguieron” (Porcelli 2009: s.p.).
Hemingway e Faulkner publicaram os seus primeiros livros com a ajuda de Anderson,
embora depois o tenham vindo a criticar – Hemingway parodiou o estilo de Anderson
em The Torrents of Spring (1926). No seu estudo de Sherwood Anderson, Irving Howe,
crítico literário americano, declara em jeito de defesa de Anderson que muitos
criticavam e não suportavam a sua escrita:
“Sherwood Anderson was a minor writer, though in a few crucial instances he did first-
rate, perhaps even major, work. He was a minor writer, yet one who ought to be of
special interest to Americans, for in his stories he evoked aspects of our experience –
those feelings of loneliness, yearning, and muted love – which lie buried beneath the
surface of our culture” (Howe 1966: Author’s Note)
Em 1921, Anderson foi distinguido com o primeiro prémio The Dial Award pelo
seu contributo na literatura Americana. No ano de 1922, Anderson separou-se de
Mitchell para dois anos depois se casar com Elizabeth Prall. Many Marriages, um
romance sobre a tentativa de fuga de um homem, foi publicado em 1923 e, em 1925,
Dark Laughter ou foi editada. Com esta obra, Anderson atinge a maturidade artística,
tanto no seu estilo simples e direto como no domínio da forma; aqui relata a sua
experiência na cidade de New Orleans. Anderson viajou até à Virginia e criou uma
ligação tão forte com o campo e a zona rural que lá comprou vários terrenos. Seguiram-
se os livros Tar: A Midwest Childhood e Sherwood Anderson’s Notebook, ambos de
1926. Em 1927, tornou-se também proprietário da Virginia's Marion Publishing
Company e editor de dois jornais. O seu livro seguinte, Hello Towns! de 1929, é uma
narrativa de visitas a pequenas vilas e contém alguns dos seus editoriais e rascunhos. De
16
Return To Winesburg e The Buck Fever Papers foram também reunidos fragmentos
escritos por Anderson para o jornal, que foram publicados em 1967 e 1971,
respetivamente.
Após outro casamento falhado com Elizabeth Prall, o autor casou-se com
Eleanor Copenhaver, com quem finalmente pareceu ser feliz. Juntos viajaram por toda a
Europa e estudaram as condições sociais dos países por onde passaram. As suas cartas
de amor foram publicadas em 1991.
Em 1930, Sherwood Anderson começou a escrever sobre as condições de
trabalho no Sul durante a Grande Depressão. Entre as suas publicações dos anos 30,
estavam Beyond Desire (1932), o seu primeiro romance em sete anos, onde está
presente a crítica à economia materialista que atormentou os trabalhadores no Sul
industrial, Death in the Woods and Other Stories (1933), Puzzled America (1935), um
livro de ensaios baseado nas suas extensas viagens pelos Estados Unidos, e o romance
Kit Brandon (1936). Estas três obras apresentam personagens presas em situações, com
as quais não conseguem lidar. Em 1937, publicou Plays, Winesburg and Others. O seu
último trabalho é uma coleção extensa de ensaios intitulada Home Town de 1940. Dark
Laughter foi o seu único best-seller, porém Winesburg Ohio é inequivocamente o seu
trabalho mais famoso.
Segundo Howe, que analisa as duas perspetivas sobre Anderson enquanto
escritor:
“For his Chicago friends and a few of his critics Anderson was essentially a folk or
sectional writer who did his best work in the Midwest and was bewildered and
contaminated by the cosmopolitan East. For his New York friends and most of his
critics Anderson was a writer of undisciplined talent who, after a few creative years,
desperately needed a sustaining vision of life and an organized knowledge of craft”
(Howe 1966: 253)
Embora a sua influência estivesse a desvanecer durante este último período, muitas
passagens fulcrais da prosa americana surgiram na sua escrita até à última obra. Desde
então, nos anos que se seguiram, Anderson tem sido redescoberto e estimado como
idealizador dos modos de pensamento e dos temas sociais pelos quais tinha sido
criticado depois do seu auge: morte, sofrimento, dor, pobreza. William Dean Howells
17
(citado por Litz, 1980: 263), também criticado pelos seus pares no advento do realismo
na América, defendia uma ficção que fizesse jus ao cenário americano:
“Sin and suffering and shame there must always be in the world, I suppose (…). We
have death, too, in America, and a great deal of disagreeable and painful disease, which
the multiplicity of our patent medicines does not seem to cure, but this is tragedy that
comes in the very nature of things, (…) it is well to be true to the facts, and to see that,
apart from these purely mortal troubles, the race here has enjoyed conditions in which
most of the ills that have darkened its annals might be averted by honest work and
unselfish behavior”.
Anderson morreu, aos sessenta e quatro anos de idade, de peritonite no dia 8 de
Março de 1941 quando viajava para o Panamá. No seu epitáfio, pode ler-se “Life, Not
Death, is the Great Adventure.” (“A Vida, Não A Morte, é a Grande Aventura.”). As
suas Memoirs (1942) e Letters (1953) foram publicadas postumamente.
Death in the Woods 18
“Death in the Woods is a signal junction in Anderson's career and is to my mind one of the
finest stories in our language.”—Jim Harrison4
Quando li o primeiro conto do livro Death in the Woods and Other Stories,
“Death in the Woods”, apercebi-me de que estava perante uma short-story de estilo
único e de uma realidade e regionalismo que valia a pena explorar, pesquisando sobre
esta obra e traduzindo-a.
“Death in the Woods”, título também desta antologia de 1933, é geralmente
considerada o melhor e mais característico conto de Anderson. Nele, um narrador
anónimo é assombrado pela memória da sua infância. Numa tentativa de compreender
um incidente enigmático, este regressa à história várias vezes, parecendo revolver cada
vez mais perto a verdade com cada pormenor. A este respeito, Rex Burbank reconhece a
importância deste conto, resumindo-o e analisando-o: “He [o narrador] gives all the
facts he knows and sums up the obvious meaning of the tale; but the real meaning of the
story lies in the total effect the episode has upon the teller himself.” (Burbank 1964:
126).
Ao compor “Death in the Woods”, Sherwood Anderson passou por um processo
semelhante. Apesar de a história ter sido publicada em 1933, Anderson tinha começado
a trabalhar nela pelo menos dezassete anos antes. Um fragmento de dez páginas que
esboça vários elementos-chave de “Death in the Woods”, incluindo um narrador que
testemunha uma cena misteriosa numa noite de neve e de luar que envolve uma matilha
de cães que se encontram ao redor do corpo de uma mulher morta:
“It concerns a farm woman-old (…) who spent her life feeding animals, including the
“animal hunger” of her brutal and negligent husband and son. Returning home from the
village on winter night with a bag of food strapped on her shoulder, she sat down to rest
beneath a tree, fell into an exhausted sleep, and froze to death. When she was found (…)
her clothes had been torn from her body and the sack of food ripped open and emptied
by her four dogs, which had dragged her body into the clearing as they pulled at the bag
4 Extracto de recensão da obra Death in the Woods and Other Stories Liveright; 1 st edition (April 3, 2006) (www.amazon.com)
19
tied to her shoulder. In the snow, was a circular path made by the dogs during the night”
(Burbank 1964: 126).
Anderson, no final do conto, remete o leitor para um ritual estranho feito pelos
cães, um regresso ao estado primitivo e selvagem, dando ênfase à beleza e ao mistério
que residem nos níveis mais básicos da vida. Rex Burbank esclarece a visão do narrador
da história: “For him, the scene became a part of his imaginative life; and, mystified, he
unconsciously experienced the complex, paradoxical nature of beauty and took on a
new consciousness of what life is worth” (Burbank 1964: 127). Curry citada em Lauter
considera que esta visão da morte por parte do rapaz:
“(...) tells the story about the moment in a young boy’s life when he realizes that there is
a meaning behind Ma Grimes´s existence and a radiance to her body after death.
Ultimately, it tells the story of the way Ma Grimes feeds the mature narrator’s artistic
life.” (Lauter 1994: 1211).
Na sua introdução do livro The Teller’s Tales que contém um conjunto de contos
da autoria de Anderson selecionados pelo próprio, Frank Gado acrescenta ainda:
“The image of the woman – old and exhausted yet strangely young as she lies dead in
the snow, circled by the running dogs that deputize for all the living creatures who have
depended on her providing for them – has captured the narrator’s imagination because
of the beauty in its completeness. Mrs. Grimes has only precipitated that image, which,
in its composition of contrarieties, represents the mystery of life” (Gado 1983: 19).
O autor completou outros rascunhos e esboços nos anos decorridos entre o
primeiro fragmento e a publicação final. O próprio Anderson experienciou muitas das
coisas a que tanto o narrador como a velha são submetidos em “Death in the Woods”.
Anderson passou algum tempo a trabalhar numa quinta de um alemão, e também ele
teve uma vez um encontro com uma matilha numa noite de Inverno num bosque. A
personagem de Mrs. Grimes é baseada, em parte, na própria mãe de Anderson, uma
mulher reservada, prudente e trabalhadora. Podemos verificar essa vivência de alguns
acontecimentos de acordo com o que é dito na obra de Rex Burbank:
20
“He has rejected Chicago and New York for the simple life among mountain folk; and,
out of his wanderings through the hills around Marion, he accumulated the impressions
of the hill-folk that became the materials for such admirable but minor sketches as
“These Mountaineers”, which were collected in Death in the Woods” (Burbank 1964:
129)
“Death in the Woods” é uma narração de eventos da perspetiva do narrador,
enquanto este tenta explicar a morte e a relação desta com outras vidas. Os narradores
em cada história são geralmente incertos, mas Anderson pretende retratar narradores
disfuncionais que estão a tentar encontrar um significado e beleza na vida do dia-a-dia
das pessoas comuns. A sua técnica circular de contar histórias contribui para uma leitura
fascinante. Todo o livro segue esta técnica, assim como as suas histórias individuais. Por
exemplo, neste primeiro conto o narrador tenta organizar as suas memórias, olhando
para trás, e criando um significado e beleza nelas. Em vez de se lembrar de uma mulher
idosa, ele recorda-se de uma figura linda e escultural, quase marmórea: “It may have
been the snow (…),that made it look so white and lovely, so like marble” (Anderson
1961: 21). Para além disso, deparamo-nos com uma mulher maltratada pela família e
escravizada durante toda a sua vida e, ao mesmo tempo, existe uma beleza escondida no
grotesco e na condição primitiva em que se encontra:
“As a feeder of animals and men, the woman has been so thoroughly subservient, alone,
and without identity and love that there is a kind of grotesque harmony and beauty in
her absolute human negation, a primitive meaningfulness hidden in her complete
degradation” (Burbank 1964: 127)
Anderson usa esta técnica circular, de modo a que os narradores tentem resolver as suas
memórias, experiências passadas e histórias que ouviram anteriormente de uma maneira
que possa conectá-los para estes criarem um tipo de significado. A intenção é que a
informação não seja factual. Anderson tenta encontrar beleza na vida quotidiana, e até
no grotesco das pessoas comuns, o que corresponde ao tema que corre pelas histórias de
Death in the Woods and Other Stories.
Ainda fresco e surpreendentemente contemporâneo, o forte realismo destas
histórias exploram cuidadosamente os sonhos e emoções das personagens inesquecíveis
de Sherwood Anderson. O realismo e, mais tarde, o naturalismo, nos quais Sherwood
21
Anderson se insere, enquanto correntes literárias, surgiram pela necessidade de reação
contra o idealismo e romantismo, como A. Walton Litz expõe:
“Hemingway and Faulkner and Sherwood Anderson (…) found their task that much
easier because the “regional” writers had broken through the genteel tradition to record
the actual rhythms of every-day speech. (…) The more sophisticated and self-conscious
writers (…) began to explore the effects which the new subject matter and freedom of
expression would have on fictional treatment, using terms such as “realism” and
“naturalism”. The realist position (…) is essentially a plea for common-sense fidelity to
the realities of contemporary life” (Litz 1980: 256).
Assim, em Death in the Woods and Other Stories, viaja-se profundamente no coração
da América tal como Anderson a via, para encontrar um homem introspetivo, num
cenário deserto e solitário, questionando o sentido do seu mundo. Tendo em conta que o
realismo procura descrever a realidade tal como a vemos e esse facto verifica-se em
“Death in the Woods”, também teremos de assinalar que à volta das descrições de factos
e de estados de alma realistas das personagens, Anderson introduz algumas cenas de
algum misticismo, quiçá magia; por paradoxal que possa parecer, a magia e o
misticismo fazem também parte da vida real, pois, em Anderson, os homens vivem
nesta conjuntura - a dura realidade de Mrs. Grimes, por exemplo, também foi
acompanhada por um véu diáfano que deixou ver, se não as suas ações, pelo menos o
que subentendemos do seu pensar. O facto de o conto “Death in the Woods”, constar do
livro basilar de Harold Bloom, “The Western Canon”, é significativo do valor e da
qualidade que o grande crítico reconhece a esta obra. Bloom considera como canónicas
as obras que são eternas do ponto de vista secular, como fazendo parte de uma cultura
elitista por oposição às obras conotadas com a cultura popular, muitas delas estudadas e
referidas nos Cultural Studies, área de que Bloom é um acérrimo opositor. Apesar do
facto de a “lista” de Bloom ser extensa e globalizante, pertencer-lhe não terá sido fácil.
Como afirma Richard Bernstein numa das resenhas de “The Western Canon” (1994):
“(...) A voluminous, challenging, luminous, inexhaustibly erudite defence of a concept
that should need no defence- that there are Great and Enduring Works of Literature
whose only measure is their intrinsic quality and influence (…)”
Tanto Winesburg, Ohio como Death in The Woods constituem obras que
convocam a qualidade intrínseca e influência de Sherwood Anderson. Podemos 22
questionar se William Faulkner, um dos “influenciados”, teria sido o escritor que foi, se
não tivesse tido o exemplo de Anderson que, como já se referiu, constituiu um role-
model para alguns escritores da lost generation, tal como Gertrude Stein a classificou.
De acordo com muitos críticos, os poderes artísticos de Anderson estavam a
sofrer algum declínio, no entanto Death in the Woods and Other Stories destaca-se
como obra de arte, igualando o brilho das histórias reunidas no seu melhor trabalho,
Winesburg, Ohio.
Sherwood Anderson em Portugal
23
Sherwood Anderson é considerado um dos melhores “storytellers” da sua
geração. Romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta e editor de jornal americano,
Anderson deixou a sua marca, enquanto mentor também, em Ernest Hemingway e
William Faulkner. A sua influência na short-story americana é inequívoca e está
intimamente ligada, de igual modo, ao seu regionalismo. De acordo com Arthur Walton
Litz,
“The new areas of regional experience explored by post-Civil War writers enriched the
language of the short story, until by the end of the century the short-story reader had
before him a fictional chronicle of New England, the South, the Middle West, and the
Far West, the stories of each region providing a faithful record of local customs and
dialects” (Litz, 1980: 255).
Winesburg Ohio e Death in the Woods são disto prova. Ambos vivem no mundo
específico do Midwest Americano, nas suas paisagens, profissões, ambiência, no
carácter dos homens e das mulheres, dando ao leitor quase a certeza de que aqueles
enredos só poderiam ter lugar ali. Alguns problemas e dificuldades de tradução advêm
deste facto, pois ao longo do processo de tradução do segundo conto, deparei-me com
expressões e situações de difícil passagem para a língua portuguesa.
Na minha pesquisa de obras traduzidas e publicadas em Portugal, descobri que
apenas um livro de Sherwood Anderson foi traduzido até hoje. A primeira tradução de
Sherwood Anderson publicada em Portugal remonta aos anos 50 do século XX e consta
da base de dados da Biblioteca Nacional. Trata-se de Winesburg, Ohio e é traduzido
como A Cidade dos Estranhos, da editora Livros do Brasil, Lisboa, [195-]. Os
responsáveis por esta tradução são os brasileiros, James Amado e Moacyr Werneck de
Castro, tendo esta tradução sido posteriormente revista por A. Vieira d'Areia.
Em Março de 2010, surge a segunda tradução de Winesburg, Ohio pelas mãos de
José Lima e pelas Edições Ahab, no Porto, que investem neste autor norte-americano
menos conhecido do grande público. José Lima mantém o título original e John Updike
ocupa-se do posfácio da tradução portuguesa.
Uma vez que apenas Winesburg, Ohio foi traduzido para a língua portuguesa, no
levantamento de recensões críticas e artigos publicados em Portugal relativamente a
24
Sherwood Anderson verifica-se que estes apenas dizem respeito a esta mesma obra. A
25 de Maio de 2010, no Jornal de Letras Artes e Ideias, Luís Ricardo Duarte partilha a
sua opinião sobre a obra traduzida: “[…]Com o seu estilo simples e depurado,
Sherwood Anderson apresenta-se como um velho contador de histórias, que atrai a
atenção pela invulgaridade do que narra.” Mas, como nota John Updike no posfácio a
esta edição portuguesa:
"as muitas personagens de Winesburg [Ohio], mais do que personalidades individuais,
parecem, com os seus tiques repetitivos e a sua solidão uniforme, aspectos diferentes de
uma personalidade" (2010: 251).
A coerência do romance está nessa unidade, que consegue extravasar as
fronteiras da localidade imaginária (muito próxima da pequena Clyde onde o escritor
cresceu), fixando ânsias e incertezas que procuram romper um mundo fechado e de
horizontes cerrados. Esta mesma lição estimulou outros escritores a criarem os seus
territórios literários, como o Michigan de Hemingway ou o Mississipi de Faulkner.
Porque, a acreditar em Anderson, que deixou uma vida de sucesso financeiro para se
dedicar à escrita, estas personagens são como as “maçãs retorcidas” de Winesburg que
ninguém quer (as boas viajam em camiões rumo à cidade) únicas e deliciosas.
Este texto é elucidativo e, sem dúvida, uma evidência de que a publicação da
obra em língua portuguesa veio preencher uma lacuna, assim como representa uma
vontade de divulgação deste autor. No entanto, a inexistência de mais textos críticos,
tanto a nível jornalístico como académico, leva-me mais uma vez a crer que o objetivo
de divulgação de Anderson ainda não foi atingido. Reitero mais uma vez a minha
intenção de que esta tradução venha a ser, pelo menos, um subsídio ou um extra para
este intento editorial.
Tradução
25
Morte no Bosque
I
Era uma velha e vivia numa quinta perto da vila onde eu vivia. Todas as pessoas
de aldeias ou vilas tinham visto velhas como esta, mas ninguém sabe muito sobre elas.
Uma mulher tão velha chega à aldeia num cavalo gasto e velho ou vem a pé com uma
cesta. Talvez tenha algumas galinhas e ovos para vender. Trá-los numa cesta e leva-os a
um merceeiro. Lá, ela negoceia-os. Recebe um pouco de carne de porco salgada e
alguns feijões. A seguir pega num quilo ou dois de açúcar e um pouco de farinha.
Depois vai ao talhante e pede carne para cães. Talvez gaste dez ou quinze
centavos, mas quando gasta, pede alguma coisa. Antigamente os talhantes davam fígado
a qualquer pessoa que quisesse levá-lo. Na nossa família, estávamos sempre a comê-lo.
Uma vez, um dos meus irmãos trouxe um fígado de vaca inteiro do matadouro perto da
feira na nossa vila. Comíamos até estarmos fartos daquilo. Nunca custou nada. Tinha
odiado pensar nisso desde então.
A velha da quinta ficou com um pouco de fígado e um osso para fazer sopa.
Nunca visitava ninguém e, assim que tinha o que queria, fugia para casa. Pesava
bastante para um corpo velho. Ninguém lhe dava boleia. As pessoas passavam por ela
na estrada e nunca reparavam numa velha como ela.
Havia uma velha assim que costumava vir à vila e passava pela nossa casa num
Verão e Outono quando eu era mais novo e estava doente com o chamado reumatismo
inflamatório. Ia para casa mais tarde, levando uma trouxa pesada nas costas. Dois ou
três cães grandes e magros seguiam-na.
A velha não era nada de especial. Era daquelas pessoas sem nome e que
dificilmente alguém conhecia, mas entrou no meu pensamento. Só agora de repente me
lembrei, depois de todos estes anos, dela e do que aconteceu. É uma história. O nome
dela era Grimes, e vivia com o marido e filho numa casa pequena e sem pintura, na
margem de um pequeno riacho a quatro milhas da vila.
O marido e o filho eram duros. Apesar de ter apenas vinte e um anos, o filho já
tinha cumprido pena de prisão. Dizia-se que o marido da velha roubava cavalos e fugia
com eles para outro condado. De vez em quando, quando se dava pela falta de um
26
cavalo, o homem também desaparecia. Nunca ninguém o apanhou. Uma vez, quando eu
estava por ali no estábulo do Tom Whitehead, o homem foi lá e sentou-se no banco em
frente. Estavam lá outros dois ou três homens, mas ninguém falou com ele. Ficou
sentado durante alguns minutos e depois levantou-se e foi-se embora. Quando estava a
sair, virou-se para trás e olhou para os homens fixamente. Havia um olhar de desafio
nos seus olhos. “Bem, tentei ser simpático. Vocês não querem falar comigo. Tem sido
sempre assim aonde quer que eu vá nesta vila. Se, um dia, um dos vossos cavalos
desaparecer, bem, e depois?” Não disse nada na verdade. “Apetecia-me dar-vos um
murro nos queixos,” era mais ou menos o que os seus olhos diziam. Lembro-me de
como a expressão dos seus olhos me fizera tremer.
O velho pertencia a uma família que já tinha tido dinheiro. O seu nome era Jake
Grimes. É tudo claro agora. O seu pai, John Grimes, tinha sido proprietário de uma
serração quando o país era novo, e tinha feito dinheiro. Depois começou a beber e a
andar atrás de mulheres. Quando morreu, não havia restado muito.
Jake estourou o resto. Muito em breve não haveria mais madeira para cortar e
quase não haveria terras.
Ele cobiçou a mulher a um agricultor alemão, para quem ele foi trabalhar num
dia de Junho na colheita de trigo. Ela era novinha, na altura, e morria de medo. Veja
bem, o agricultor estava para tramar alguma com a rapariga – ela era, penso eu, uma
escrava e a mulher dele tinha as suas suspeitas. Ela pegava com a rapariga quando o
homem não estava. Depois, quando a mulher tinha de ir à vila buscar mantimentos, o
agricultor ia atrás dela. Ela disse ao jovem Jake que na verdade nunca aconteceu nada,
mas ele não sabia se havia de acreditar ou não.
Foi fácil convencê-la na primeira vez que saiu com esta jovem. Não teria casado
com ela se o agricultor alemão não tivesse discutido com ele. Conseguiu com que ela
fosse andar na carroça com ele uma noite quando estava a debulhar na quinta, e depois
foi ter com ela na noite seguinte de Domingo.
Ela conseguiu sair da casa sem que o patrão visse, mas quando estava a sentar-se
na carroça ele apareceu. Estava quase a escurecer e ele apareceu de repente à cabeça do
cavalo. Agarrou o cavalo pela rédea e Jake sacou do seu chicote.
E que bem que saíram os dois! O alemão era forte. Talvez não se importasse se a
sua mulher sabia ou não. Jake acertou-lhe na cara e nos ombros com o chicote, mas o
cavalo começou a reagir e ele teve de sair.
27
Depois os dois homens atiraram-se um ao outro. A rapariga não os viu. O cavalo
começou a fugir e correu quase uma milha pela estrada fora antes da rapariga o ter
parado. Depois conseguiu amarrá-lo a uma árvore junto à estrada. (Pergunto-me como é
que sei tudo isto. Deve ter ficado na minha cabeça pelas histórias da aldeia de quando
eu era criança.) Jake encontrou-a lá depois de se ter zangado com o alemão. Ela estava
encolhida na carroça, a chorar, aterrorizada. Contou muitas coisas ao Jake, como o
alemão tinha tentado apanhá-la, como andou atrás dela uma vez no estábulo, como
noutra vez, quando estavam sozinhos na casa, ele lhe rasgou o vestido todo à frente. O
alemão, disse ela, podia tê-la apanhado dessa vez se ele não tivesse ouvido a sua mulher
a chegar ao portão. Ela tinha ido à vila buscar mantimentos. Bem, estaria a levar o
cavalo para o estábulo. O alemão conseguiu fugir para os campos sem que a sua mulher
visse. Disse à rapariga que a matava se ela contasse. Que podia ela fazer? Mentiu sobre
o vestido, dizendo que o rasgou no estábulo quando estava a dar de comer ao gado.
Lembro-me agora de que ela era uma escrava e não sabia onde estavam o pai e a mãe.
Talvez nem tivesse pai. Percebem o que quero dizer.
Estes escravos eram muitas vezes cruelmente tratados. Eram crianças que não
tinham pais, na verdade cativas. Havia muito poucos orfanatos na época. Eram
legalmente aprisionadas numa casa qualquer. A forma como acabavam era uma mera
questão de sorte.
II
Casou com Jake e teve um filho e uma filha, mas a filha morreu.
Depois ficou para tratar do gado. Era esse o seu trabalho. Na casa do alemão, ela
cozinhava para ele e para a sua esposa. A esposa era uma mulher forte com ancas largas
e trabalhava a maior parte do tempo nos campos com o marido. Cozinhava para eles,
dava de comer às vacas no estábulo, dava de comer aos porcos, aos cavalos e às
galinhas. Cada momento de cada dia, como em nova, era passado a alimentar alguma
coisa.
Depois casou-se com Jake Grimes e ele tinha de ser alimentado. Ela era
delicada, e quando estava casada há já três ou quatro anos, e depois de ter tido dois
filhos, os ombros delgados curvaram-se.
28
Jake teve sempre muitos cães grandes à volta da casa, que ficava perto da
serração abandonada perto do riacho. Estava sempre a negociar cavalos quando não
estava a roubar alguma coisa e tinha uns magríssimos por lá. Também tinha três ou
quatro porcos e uma vaca. Pastavam todos nos poucos acres que restavam da
propriedade dos Grimes e Jake não trabalhava muito.
Endividou-se por causa de uma máquina de debulhar e usou-a durante vários
anos, mas não rendeu nada. As pessoas não confiavam nele. Tinham medo de que ele
roubasse os cereais à noite. Tinha de ir muito longe para arranjar trabalho e custava
muito para chegar lá. No Inverno, caçava e cortava um pouco de lenha para ser vendida
nalguma vila lá perto. Quando o filho cresceu, era tal e qual o pai. Embebedavam-se
juntos. Se não houvesse nada para comer em casa quando eles voltassem, o velho batia
na cabeça da velha. Ela tinha umas galinhas e tinha de matar uma delas à pressa.
Quando estavam todas mortas, ela não tinha nenhum ovo para vender quando ia à vila, e
depois o que faria?
Tinha de planear toda a sua vida para ter todas as coisas alimentadas, ter os
porcos alimentados para que crescessem gordos e pudessem ser abatidos no Outono.
Quando eram abatidos, o marido tirava a maior parte da carne para a levar para a vila e
vendia-a. Se ele não o fizesse primeiro, fá-lo-ia o rapaz. Por vezes os dois lutavam e
quando o faziam a velha permanecia de lado, a tremer.
Ela tinha o hábito de ficar em silêncio de qualquer maneira – isso era sabido. Às
vezes, quando começou a parecer velha – ainda não tinha quarenta anos – e quando
marido e filho estavam ambos fora, a negociar cavalos ou a beber ou a caçar ou a
roubar, andava à volta da casa e do estábulo a murmurar para ela própria.
Como é que ia ter tudo alimentado? – este era o seu problema. Os cães tinham de
ser alimentados. Não havia feno suficiente no estábulo para os cavalos e para a vaca. Se
não dava de comer as galinhas, como é que elas poriam ovos? Sem ovos para vender,
como é que ia conseguir ter as coisas na vila, coisas que ela tinha de ter para manter a
vida na quinta? Graças a Deus não tinha de alimentar o marido – de uma certa maneira.
Não durou muito tempo depois do casamento e depois da chegada dos bebés. Para onde
ele ia nas suas longas viagens, ela não sabia. Às vezes ele estava longe de casa durante
semanas, e depois do rapaz ter crescido iam para fora juntos.
Deixavam tudo em casa para ela gerir e ela não tinha dinheiro nenhum. Não
conhecia ninguém. Nunca ninguém falava com ela na vila. Quando era Inverno, tinha de
29
juntar paus de madeira para a fogueira, tinha de tentar manter o gado alimentado com
muito pouco cereal.
O gado no estábulo gritava-lhe com fome, os cães seguiam-na. No Inverno as
galinhas punham ovos suficientes. Amontoavam-se nos cantos do estábulo e ela ficava a
vigiá-las. Se uma galinha põe um ovo no estábulo no Inverno e não se consegue
encontrá-lo, ele congela e parte.
Um dia no Inverno a velha foi à vila com alguns ovos e os cães seguiram-na.
Não tinha começado a caminhada até quase às três horas e a neve estava pesada. Não
tinha andado a sentir-se muito bem há vários dias e então foi a murmurar, com pouca
roupa, com os ombros curvados. Tinha um saco velho dos cereais onde levava os ovos,
no fundo. Não havia muitos, mas no Inverno o preço dos ovos é elevado. Ficaria com
um pouco de carne em troca dos ovos, um pouco de carne de porco salgada, um pouco
de açúcar, e um pouco de café talvez. Poderia ser que o talhante lhe desse um pedaço de
fígado.
Quando chegou à vila e estava a negociar os ovos, os cães deitaram-se à porta lá
fora. Saiu-se muito bem, recebeu as coisas de que precisava, mais do que esperava.
Depois foi ao talhante e ele deu-lhe um pouco de fígado e carne para os cães.
Era a primeira vez que alguém falava com ela amigavelmente desde há muito
tempo. O talhante estava sozinho na loja quando ela entrou e ficou incomodado ao
pensar nesta velha que parecia estar doente lá fora num dia assim. Estava muito frio e a
neve, que tinha cessado durante a tarde, estava a cair outra vez. O talhante disse algo
sobre o marido dela, o filho, praguejou contra eles, e a velha olhou-o fixamente, um
olhar de leve surpresa enquanto falava. Ele disse que se o marido ou o filho recebessem
o fígado ou os ossos com pedaços de carne pendurados que ele pôs no saco dos cereais,
preferia ver-se a passar fome primeiro.
A morrer de fome, não é? Bem, as coisas tinham de ser alimentadas. Os homens
tinham de ser alimentados, e os cavalos que não serviam para nada, mas talvez
pudessem ser negociados, e a pobre vaca magra que não dava leite nenhum há três
meses.
Cavalos, vacas, porcos, cães, homens.
III
30
A velha tinha de regressar antes que ficasse escuro se pudesse. Os cães seguiam-
na, a cheirar o saco pesado dos cereais que ela tinha amarrado às costas. Quando chegou
à periferia da vila, parou perto de uma cerca e amarrou o saco às costas com um pedaço
de corda que tinha trazido no bolso do vestido mesmo para esse efeito. Era uma maneira
mais fácil de levá-lo. Os braços doíam-lhe. Era difícil quando tinha de rastejar por baixo
de cercas e houve uma vez que ela caiu e aterrou na neve. Os cães pularam sobre ela.
Teve de se debater para voltar a chegar aos pés, mas conseguiu. O fito de subir por cima
das cercas era que havia um atalho por cima de uma colina e através de um bosque.
Podia ter ido à volta pela estrada, mas era uma milha mais longe por esse caminho.
Estava com medo de não conseguir. E depois, além disso, o gado tinha de ser
alimentado. Havia pouco feno e pouco milho. Talvez o seu marido e filho trouxessem
algum para casa quando chegassem. Eles tinham ido embora na única carroça que a
família Grimes tinha, uma coisa raquítica, um cavalo raquítico preso à carroça, outros
dois cavalos raquíticos levados por cabrestos. Iam negociar cavalos, arranjar um pouco
de dinheiro se conseguissem. Poderiam chegar a casa bêbedos. Seria bom ter algo em
casa quando eles chegassem.
O filho tinha um caso com uma mulher da sede de concelho, a quinze milhas de
distância. Era uma mulher bastante dura, uma mulher forte. Uma vez, no Verão, o filho
tinha-a trazido para casa. Ambos tinham estado a beber. Jake Grimes estava fora e o
filho e a sua mulher davam ordens à velha como se esta fosse uma criada. Ela não se
importava muito; estava habituada a isso. O que quer que acontecesse, ela nunca dizia
nada. Era a sua maneira de se dar bem com eles. Tinha conseguido viver assim quando
era uma rapariga jovem na casa do alemão e desde que casou com Jake. Nessa vez o
filho trouxe a tal mulher para casa e ficaram lá a noite toda, dormindo juntos como se
fossem casados. Isso não tinha chocado a velha, não muito. Tinha deixado de se chocar
cedo na sua vida.
Com a trouxa às costas, continuou penosamente pelo campo aberto, caminhando
com dificuldade na neve profunda, e entrou no bosque.
Havia um caminho, mas era difícil segui-lo. Logo depois do cimo da colina,
onde o bosque era mais denso, havia uma pequena clareira. Alguém alguma vez tinha
pensado em construir uma casa ali? A clareira era tão grande como um lote de
construção na vila, grande o suficiente para uma casa e um jardim. O caminho corria ao
31
longo do lado da clareira, e quando chegou lá, a velha sentou-se para descansar ao pé de
uma árvore.
Era uma tolice fazer isso. Quando se acomodou, a trouxa contra o tronco da
árvore, era bom, mas e levantar-se outra vez? Preocupou-se com isso por um momento e
depois calmamente fechou os olhos.
Deve ter dormido durante um tempo. Quando se está naquele frio, não se
consegue ter mais frio. A tarde tornava-se um pouco mais quente e a neve chegava mais
espessa que nunca. Depois passado um bocado o tempo clareou. A lua até apareceu.
Havia quatro cães dos Grimes que tinham seguido a Sra. Grimes até à vila, todos
altos e magros. Homens assim como o Sr. Grimes e o seu filho tinham sempre cães
assim. Dão-lhes pontapés e maltratam-nos, mas eles ficam. Os cães dos Grimes, para
que não passassem fome, tinham eles próprios de se alimentar, e tinham feito isso
enquanto a velha dormia com as costas para a árvore ao lado da clareira. Tinham estado
a perseguir coelhos no bosque e nos campos adjacentes e no seu passeio foram buscar
outros três cães de quinta.
Passado um bocado todos os cães voltaram para a clareira. Estavam excitados
com alguma coisa. Noites assim, frias e claras e com lua, fazem algo aos cães. Podia ser
que algum instinto antigo, desde o tempo em que eram lobos e vagueavam pelo bosque
em alcateia nas noites de Inverno, voltasse para eles.
Os cães na clareira, perante a velha, tinham apanhado dois ou três coelhos e a
sua fome imediata tinha sido satisfeita. Começaram a brincar, correndo em círculos na
clareira. Às voltas e voltas corriam, cada focinho do cão na cauda do cão seguinte. Na
clareira, debaixo das árvores carregadas de neve e debaixo da lua de Inverno fizeram
uma imagem estranha, a correr assim em silêncio, num círculo a corrida deles tinha
batido na neve suave. Os cães não faziam qualquer som. Corriam à volta e à volta do
círculo.
Pode ter sido o que a velha viu eles fazerem antes de morrer. Pode ter acordado
uma ou duas vezes e teve a estranha visão com os olhos turvos e velhos.
Não estaria com muito frio agora, apenas sonolenta. A vida aguenta muito
tempo. Talvez a velha não estivesse em si. Pode ter sonhado com a sua mocidade, na
casa do alemão, e antes disso, quando era uma criança e antes de a sua mãe desaparecer
e a deixar.
32
Os seus sonhos não podiam ter sido muito agradáveis. Não muitas coisas
agradáveis tinham-lhe acontecido. Às vezes um dos cães dos Grimes abandonava o
círculo da corrida e ia para diante dela. O cão encostou o seu focinho perto da cara dela.
A língua vermelha dele estava de fora.
A corrida dos cães pode ter sido uma espécie de ritual da morte. Pode ter sido o
instinto primitivo do lobo, que tendo sido despertado nos cães pela noite e pela corrida,
os fez de algum modo ter medo.
“Agora não somos mais lobos. Somos cães, os criados dos homens. Mantém-te
vivo, homem! Quando o homem morre, nós tornamo-nos lobos outra vez.”
Quando um dos cães vinha onde a velha estava sentada com as costas contra a
árvore e empurrava o seu focinho perto da cara dela, parecia satisfeito e voltava para
correr com a matilha. Todos os cães dos Grimes fizeram-no em algum momento durante
a noite, antes de ela morrer. Eu soube tudo acerca disto mais tarde, quando cresci,
porque uma vez num bosque em Illinois, noutra noite de Inverno, vi uma matilha a agir
exatamente assim. Os cães estavam à espera que eu morresse como tinham esperado
pela morte da velha naquela noite quando eu era criança, mas quando aconteceu comigo
eu era um jovem e não tinha qualquer intenção de morrer.
A velha morreu suave e silenciosamente. Quando morreu e quando um dos cães
dos Grimes veio ter com ela e a encontrou morta, todos os cães pararam de correr.
Juntaram-se perto dela.
Bem, estava morta agora. Tinha alimentado os cães dos Grimes quando estava
viva, e agora?
Havia a trouxa nas suas costas, o saco de cereais contendo o pedaço de carne de
porco salgado, o fígado que o talhante lhe tinha dado, a carne para cães, os ossos para
fazer sopa. O talhante na vila, tendo sido dominado subitamente por um sentimento de
pena, tinha carregado o saco de cereais com muito peso. Tinha sido um grande fardo
para a velha.
Era um grande fardo para os cães agora.
IV
33
Um dos cães dos Grimes saltou de repente para fora do grupo e começou a
agarrar a trouxa nas costas da velha. Se os cães tivessem sido mesmo lobos, aquele teria
sido o líder da matilha. O que ele fazia, todos os outros faziam.
Todos eles afundaram os dentes no saco dos cereais que a velha tinha amarrado
com cordas às costas.
Arrastaram o corpo da velha para a clareira aberta. O vestido desgastado foi
rapidamente rasgado dos ombros. Quando foi encontrada, um ou dois dias depois, o
vestido tinha sido rasgado do corpo completamente até às ancas, mas os cães não
tinham tocado no corpo. Tinham tirado a carne do saco dos cereais, apenas isso. O
corpo estava congelado e duro quando foi encontrado, e os ombros eram tão estreitos e
o corpo tão leve que na morte parecia o corpo de alguma rapariga encantadora.
Coisas assim aconteciam em vilas do Midwest, em quintas perto da vila, quando
eu era mais novo. Um caçador atrás de coelhos encontrou o corpo da velha e não lhe
tocou. Alguma coisa, o caminho redondo batido na pequena clareira coberta de neve, o
silêncio do lugar, o lugar onde os cães tinham agarrado o corpo tentando puxar o saco
dos cereais ou rasgá-lo – algo assustou o homem e ele correu para a vila.
Eu estava na rua principal com um dos meus irmãos que era o distribuidor de
jornais da vila e que estava a levar os jornais da tarde para as lojas. Era quase noite.
O caçador entrou numa mercearia e contou a sua história. Depois foi a uma loja
de ferramentas e a uma farmácia. Os homens começaram a juntar-se nos passeios.
Depois partiram ao longo da estrada para o lugar no bosque.
O meu irmão devia ter continuado o seu negócio de distribuir jornais mas não o
fez. Todos iam para o bosque. O cangalheiro foi e o delegado da vila. Vários homens
subiram para uma carroça e foram para onde o caminho deixava a estrada e seguiram
para o bosque, mas os cavalos não estavam muito bem ferrados e deslizavam nas
estradas escorregadias. Não demoraram menos do que nós que fomos a caminhar.
O delegado da vila era um homem grande cuja perna tinha sido ferida na Guerra
Civil. Levava uma bengala pesada e coxeava rapidamente pela estrada. Eu e o meu
irmão seguíamo-lo, e enquanto íamos, outros homens e rapazes juntaram-se à multidão.
Tinha ficado escuro quando chegámos onde a velha tinha deixado a estrada mas
a lua tinha aparecido. O delegado estava a pensar que podia ter havido um assassínio.
Estava sempre a fazer perguntas ao caçador. O caçador acompanhava com a arma sobre
os ombros, um cão a segui-lo. Não é todos os dias que um caçador de coelhos tem a
34
oportunidade de ser tão notável. Ele estava a tirar todo o partido disso, conduzindo a
escolta com o delegado da vila. “Não vi feridas nenhumas. Era uma linda rapariga. A
cara estava enterrada na neve. Não, não a conhecia.” Na realidade, o caçador não tinha
olhado de perto para o corpo. Tinha-se assustado. Ela podia ter sido assassinada e
alguém podia ter aparecido por detrás de uma árvore e assassiná-lo. Num bosque, no
fim da tarde, quando as árvores estão todas desnudas e há neve branca no chão, quando
tudo está silencioso, alguma coisa arrepiante se apodera da mente e do corpo. Se algo
estranho ou sinistro acontecesse na vizinhança, tudo o que se pensa é fugir de lá o mais
rápido possível.
A multidão de homens e rapazes tinha chegado onde a velha tinha atravessado o
campo e subiu, seguindo o delegado e o caçador, a ligeira inclinação para dentro da
floresta.
Eu e o meu irmão estávamos calados. Ele tinha o seu maço de jornais num saco
pendurado no ombro. Quando voltasse para a vila, teria de ir distribuir os jornais antes
de ir para casa para o jantar. Se eu o acompanhasse, como ele já tinha sem dúvida
determinado que eu devia, estaríamos ambos atrasados. Ou a mãe ou a nossa irmã mais
velha teriam de aquecer o nosso jantar.
Bem, teríamos algo para contar. Um rapaz não tinha tal oportunidade muitas
vezes. Foi sorte termos ido só por acaso à mercearia quando o caçador entrou. O
caçador era um indivíduo da aldeia. Nenhum de nós o tinha visto antes.
Agora a multidão de homens e rapazes tinha chegado à clareira. A escuridão
vem rapidamente em noites de Inverno assim, mas a lua cheia tornou tudo claro. Eu e o
meu irmão ficámos em pé perto da árvore, debaixo da qual a velha tinha morrido.
Não parecia velha, deitada ali naquela luz, congelada e quieta. Um dos homens
virou-a na neve e eu vi tudo. O meu corpo tremia com um sentimento estranho místico e
o do meu irmão também. Podia ter sido do frio.
Nenhum de nós tinha visto um corpo de uma mulher antes. Pode ter sido a neve,
a agarrar-se à carne congelada, que a fez parecer tão branca e adorável, assim como
mármore. Nenhuma mulher tinha vindo com o grupo da vila; mas um dos homens, era o
serralheiro da vila, tirou o seu sobretudo e estendeu-o sobre ela. Depois pegou nela nos
braços e partiu para a vila, os outros todos seguindo silenciosamente. Nessa altura
ninguém sabia quem ela era.
35
V
Eu tinha visto tudo, tinha visto a oval na neve, como uma pista de corrida em
miniatura, onde os cães tinham corrido, tinha visto como os homens estavam perplexos,
tinha visto os ombros brancos e nus que pareciam jovens, tinha ouvido os comentários
sussurrados dos homens.
Os homens estavam simplesmente perplexos. Levaram o corpo ao cangalheiro, e
quando o serralheiro, o caçador, o delegado e vários outros tinham entrado, fecharam a
porta. Se o pai tivesse estado lá talvez pudesse ter entrado, mas nós rapazes não
podíamos.
Fui com o meu irmão distribuir o resto dos seus jornais e quando chegámos a
casa, foi o meu irmão que contou a história.
Mantive-me calado e fui para a cama cedo. Pode ter sido porque eu não estava
satisfeito com a maneira em que ele a contou.
Mais tarde, na vila, devo ter ouvido outros fragmentos da história da velha. Ela
foi reconhecida no dia seguinte e houve uma investigação.
O marido e o filho foram encontrados algures e trazidos para a vila e houve uma
tentativa de os relacionar com a morte da mulher, mas não resultou. Eles tinham álibis
suficientemente perfeitos.
Porém, a vila estava contra eles. Tinham de sair. Para onde eles foram nunca
soube.
Lembro-me apenas da imagem lá na floresta, os homens em volta, da figura nua
que parecia de uma menina, de cara para baixo na neve, as pegadas feitas pelos cães que
corriam e o céu aberto e frio de Inverno em cima. Fragmentos brancos de nuvens
espalhavam-se no céu. Passavam a correr pelo pequeno espaço aberto entre as árvores.
A cena na floresta tinha-se tornado para mim, sem eu saber, a base para a
verdadeira história que estou agora a tentar contar. Os fragmentos, vejam bem, tinham
de ser apanhados lentamente, muito tempo depois.
As coisas aconteceram. Quando eu era rapaz, trabalhei na quinta de um alemão.
A criada tinha medo do patrão. A mulher do agricultor odiava-a.
Vi coisas nesse lugar. Uma vez mais tarde, tive uma aventura meio sinistra e
mística com cães numa floresta de Illinois numa noite clara de Inverno, iluminada pela
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lua. Quando andava na escola, e num dia de Verão, fui com um amigo ao longo de um
riacho a algumas milhas da vila e cheguei à casa onde a velha tinha vivido. Ninguém
tinha vivido na casa desde a sua morte. As dobradiças das portas estavam partidas; as
janelas estavam todas partidas. Enquanto eu e o rapaz estávamos na estrada, dois cães,
apenas cães vagabundos de quinta sem dúvida, vieram a correr em redor da esquina da
casa. Os cães eram altos e magros e desceram até à cerca e olharam para nós, na estrada.
A coisa toda, a história da morte da velha, era para mim enquanto crescia como
música ouvida ao longe. As notas tinham de ser apanhadas lentamente uma de cada vez.
Alguma coisa tinha de ser entendida.
A mulher que morreu estava destinada a alimentar a vida animal. Em todo o
caso, foi tudo o que ela sempre fez. Alimentava a vida animal antes de nascer, enquanto
criança, enquanto jovem a trabalhar na quinta do alemão, depois de ter casado, quando
envelheceu e quando morreu. Alimentou a vida animal em vacas, em galinhas, em
porcos, em cavalos, em cães, em homens. A sua filha tinha morrido na infância e com o
único filho não tinha nenhuma relação. Na noite em que morreu, estava com pressa de ir
para casa, carregando no corpo comida para a vida animal.
Morreu na clareira na floresta e mesmo depois da sua morte continuou a
alimentar a vida animal.
Vejam bem, quando o meu irmão contou a história, naquela noite quando
chegámos a casa e a minha mãe e minha irmã se sentaram a ouvir, julgo que ele não
tinha percebido a questão. Era muito novo e eu também. Uma coisa tão completa tem a
sua própria beleza.
Não irei tentar enfatizar a questão. Estou apenas a explicar porque estava
insatisfeito nessa altura e tenho estado sempre assim desde então. Falo disso somente
para que possam entender porque me senti impelido a tentar contar a história simples
uma vez mais.
Como uma Rainha
Há muita conversa sobre beleza mas ninguém a define. Agarra-se a algumas
pessoas.
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Entre as mulheres, hoje em dia… a aparência é algo, claro, a cara, os lábios, os
olhos.
A maneira como a cabeça assenta nos ombros.
A maneira como uma mulher caminha por uma sala pode significar tudo.
Eu próprio tenho visto beleza nos lugares mais inesperados. O que me tem
acontecido, também tem acontecido a um grande número de outros homens.
Lembro-me de um velho amigo que eu tinha em Chicago. Teve algo como um
esgotamento nervoso e foi para o Missouri – para as Montanhas Ozark, penso eu.
Um dia ia numa estrada da montanha e passou por uma cabana. Era um lugar
pobre com cães magros no jardim.
Havia um grande número de crianças sujas, uma mulher desleixada e uma
rapariga nova. A rapariga nova tinha ido da cabana para um monte de madeira no
jardim. Tinha pegado num pouco de lenha e estava a caminhar em direção à casa.
Lá na estrada estava o meu amigo. Olhou para cima e viu-a.
Deve ter havido alguma coisa – o tempo, o lugar, o humor do homem. Dez anos
mais tarde ainda estava a falar daquela mulher, da sua extraordinária beleza.
E havia outro homem. Era de Central Illinois e foi criado numa quinta. Mais
tarde foi para Chicago e tornou-se num advogado de sucesso lá. Era pai de uma família
numerosa.
A mulher mais bonita que ele alguma vez viu estava com uns comerciantes de
cavalos que passaram pela quinta onde vivia em pequeno. Quando estava com os copos
uma noite, contou-me que todos os seus sonhos nocturnos, do tipo que os homens têm e
que estão relacionados com mulheres, estavam sempre relacionados com ela. Disse que
pensava que era a maneira como ela caminhava. A parte estranha disso era que ela tinha
um olho pisado. Talvez, disse ele, fosse a mulher ou amante de um dos comerciantes de
cavalos.
Estava um dia frio e ela estava descalça. A estrada estava enlameada. Os
comerciantes de cavalos, com a sua carroça, seguidos por muitos cavalos ossudos,
passaram pelo campo onde o rapaz estava a trabalhar. Não falaram com ele. Sabem
como as pessoas assim olham fixamente.
E lá veio ela ao longo da estrada sozinha.
Pode ter sido apenas outro caso de um momento raro para aquele homem.
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Tinha uma espécie de ferramenta na mão, uma faca de cortar o milho, disse ele.
A mulher olhou para ele. Os comerciantes de cavalos olharam para trás. Riram-se. A
faca de cortar o milho caiu da mão. As mulheres devem saber quando têm um efeito
assim.
E trinta anos mais tarde ainda tinha esse efeito.
O que me leva a Alice.
Alice costumava dizer que todo o problema da vida está em ultrapassar o que ela
chamava os “tempos no meio”.
Pergunto-me onde estará Alice. Era uma mulher corpulenta que outrora tinha
sido uma cantora. Depois perdeu a voz.
Quando a conheci tinha veias azuis espalhadas pelas bochechas vermelhas e
cabelo curto grisalho. Era o tipo de mulher que nunca conseguia manter as suas meias
em cima. Estavam sempre a cair nos seus sapatos.
Tinha pernas corpulentas e ombros largos e tinha-se tornado masculina à medida
que envelhecia.
Mulheres assim conseguem orientar-se. Sendo cantora de alguma fama, outrora,
tinha feito uma grande quantidade de dinheiro. Gastava dinheiro arbitrariamente.
Para começar, ela conhecia um bom número de homens muito ricos, banqueiros
e outros.
Ouviam o conselho dela sobre as suas filhas e filhos. Um filho deste homem
meteu-se em problemas. Bem, envolveu-se com uma mulher, uma empregada de mesa
ou uma criada. O homem chamou Alice. O filho estava ressentido e determinado.
A rapariga podia estar bem e ainda assim…
Alice tomou o partido da rapariga. “Agora, ouve-me,” disse ela ao banqueiro.
“Não sabes nada sobre pessoas. Aqueles que estão interessados em pessoas não ficam
tão ricos como tu.
“E também não percebes o teu filho. Este caso em que se meteu. Os seus
melhores sentimentos podem estar envolvidos neste assunto.”
Alice simplesmente arredou o banqueiro, e talvez a sua mulher, para fora de
cena. “Vocês.” Riu-se quando disse aquilo.
Claro, o filho era imaturo. Alice parecia mesmo saber muito sobre as pessoas.
Levou o rapaz pela mão – foi ver a rapariga.
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Ela tinha passado por dezenas de experiências assim. Para começar, o rapaz não
nasceu para ser um tolo. Os filhos de homens ricos, quando não têm nada de bom para
fazer, passam por períodos de desespero, como outros rapazes. Vão para a faculdade e
lêem livros.
A vida nas casas de homens assim é algo bastante mau. Alice sabia disso tudo. O
homem rico pode sair e arranjar uma amante – a mãe do rapaz um amante. Coisas assim
acontecem.
Contudo as pessoas não são tão más. Há todas as espécies de homens ricos,
assim como as há de homens pobres e de classe média.
Depois de nos tornarmos amigos, Alice costumava explicar-me muitas coisas.
Nessa altura estava sempre preocupado com dinheiro. Ela ria-se de mim. “Levas o
dinheiro muito a sério,” dizia ela.
“O dinheiro é simplesmente uma maneira de expressar poder,” dizia. “Os
homens que ficam ricos percebem isso. Recebem dinheiro, muito, porque não têm medo
dele.
“O pobre ou o homem de classe média vai a um banqueiro timidamente. Isso
nunca vai resultar.
“Se tens o teu próprio tipo de poder, assume uma posição clara. Faz com que o
homem te tema no teu próprio campo. Por exemplo, podes escrever. O teu homem rico
não pode fazer isso. Está tudo muito bem se exerceres o teu próprio poder. Tem fé em ti.
Se for necessário fazer com que ele fique com um pouco de medo, fá-lo. O facto de
conseguires fazê-lo, que consegues expressar-te, faz com que lhe pareças estranho.
Supõe que descobriste a vida dele. O homem rico normal tem o seu lado podre e o seu
lado fraco.
“E pelo amor de Deus não te esqueças que ele tem o seu lado bom.
“Podes tentar percebê-lo como um tolo se quiseres – quero dizer com todas as
espécies de ideias preconcebidas. Podias mostrar apenas a sua podridão, uma imagem
distorcida, arruinar a sua vaidade.
“O teu pobre, ou o teu pequeno comerciante ou advogado. Homens assim não
têm as tentações no que diz respeito a mulheres, por exemplo, que os homens ricos têm.
Há imensas mulheres que enganam por aí – algumas delas são fisicamente bonitas,
também.
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“O pobre ou o homem de classe média anda por aí a condenar o rico pelo lado
podre da sua vida, mas que podridão existe nele?
“Que desejos secretos tem ele, que ganâncias, enterrados debaixo de um rosto
plácido e banal?”
No assunto do filho do homem rico e da mulher com quem ele se tinha
envolvido, Alice de alguma maneira conseguiu chegar ao fundo das coisas.
Percebi que em certos casos ela tomou como garantidas pessoas que estavam
muito melhor do que os outros pensavam deles ou do que pensavam deles próprios.
Fazia a ideia parecer mais sensata do que alguma vez se poderia pensar possível.
Pode ser que Alice tivesse mesmo inteligência. Tenho conhecido poucas pessoas
que pensei que tinham.
A maior parte das pessoas são tão unilaterais, tão especializadas. Conseguem
fazer dinheiro, ou participar em lutas de boxe ou pintar quadros, ou são homens que são
fisicamente atraentes e conseguem arranjar mulheres que são fisicamente bonitas,
mulheres que conseguem deixar os homens perplexos.
Ou são apenas desajeitados simplesmente. Há imensos desajeitados em todo o
lado.
Alice arredava os desajeitados; não se preocupava com eles. Conseguia ser tão
cruel quanto um vento frio.
Tinha dinheiro quando o queria. Vivia em boas casas.
Uma vez arranjou-me mil dólares. Estava em Nova Iorque e falido. Um dia
estava a caminhar na Quinta Avenida. Sabe como um escritor é quando não consegue
escrever. Meses assim comigo. O meu dinheiro sumido. Tudo o que escrevia estava
morto.
Tinha ficado mal. O meu cabelo estava comprido e eu estava magro.
Muitas vezes tenho pensado em suicídio quando não consigo escrever. Todo o
escritor tem tempos assim.
Alice levou-me a um homem num edifício de escritórios. “Dá a este homem mil
dólares.”
“Que diabo, Alice? Para quê?”
“Porque estou a dizer. Sabe escrever, assim como tu sabes fazer dinheiro. Ele
tem talento. Está desencorajado agora, está desamparado. Perdeu o seu orgulho na vida,
nele próprio. Olha para os lábios do pobre tolo como tremem.”
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Era bem verdade. Estava mal.
Em mim uma grande onda de amor por Alice. Que mulher! Tornou-se linda para
mim.
Estava a falar com o homem.
“O único valor que posso ter para ti é quando às vezes faço algo como isto.”
“Como o quê?”
“Quando te conto onde e como podes usar mil dólares e usá-los com sensatez.
“A dá-los a um homem que é tão bom como tu, que é melhor. Quando está em
baixo – quando o seu orgulho é fraco.”
Alice veio das montanhas do Este do Tennessee. Não acreditariam. Quando
tinha vinte e quatro anos, na altura do seu poder enquanto cantora, tinha parecido alta. A
razão pela qual falo disso era que quando a conheci, aparentava ser baixa – e cheia.
Uma vez vi uma fotografia dela quando era nova.
Era metade vulgar, metade adorável.
Era uma mulher das montanhas que sabia cantar. Um homem mais velho, que
tinha sido seu amante, contou-me que aos vinte e quatro e até aos trinta, ela era como
uma rainha.
“Caminhava como uma rainha,” disse ele. Vê-la a caminhar por uma sala ou por
um palco era algo que não se esquecia.
Teve amantes, uma dúzia deles no seu tempo.
Depois teve um período mau – durante dois anos bebeu e jogou.
A vida tinha-se tornado aparentemente inútil para ela e tentou deitá-la fora.
Mas as pessoas que acreditam nelas próprias fazem os outros acreditar. Os
homens que tinham sido amantes de Alice nunca a esqueceram. Nunca lhe viraram
costas.
Disseram que ela lhes deu algo. Tinha sessenta anos quando a conheci.
Uma vez levou-me às Montanhas Adirondack. Fomos juntos num carro grande
com um motorista negro a uma casa que era meio apalaçada. Demorámos dois dias a
chegar lá.
Tudo aquilo pertencia a um homem rico.
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Foi na altura em que Alice disse que estava lisa. “Dei-te uma coisa uma vez
quando estavas liso, agora vens comigo,” tinha dito quando me viu em Nova Iorque.
Não queria dizer lisa em relação a dinheiro. Estava espiritualmente lisa.
Então fomos e ficámos sozinhos juntos numa casa grande. Havia criados lá.
Tinham sido enviados. Não sei como.
Já lá tínhamos estado há uma semana e Alice tinha estado silenciosa. Uma noite
fomos passear.
Era uma região selvagem. Havia um lago em frente à casa e uma montanha atrás.
Estava uma noite fria com um céu claro e com a lua e caminhámos na estrada do
campo.
Depois começámos a subir as montanhas. Consigo lembrar-me das pernas
grossas de Alice e das meias a cair.
Estava sem fôlego também. Estava sempre a parar para arfar.
Continuámos a abrir caminho assim em silêncio. Alice, quando era ela própria,
raramente estava silenciosa.
Chegámos ao topo da montanha antes de ela falar.
Falou sobre o que estar liso é, como atinge as pessoas – derruba-as. As casas
estavam todas lisas, as pessoas todas lisas, a vida lisa. “Pensas que sou corajosa,” disse
ela. “Nem pensar. Não tenho a coragem de um rato.”
Sentámo-nos numa pedra e começou a contar-me a vida dela. Era uma história
complexa e estranha, contada nessa maneira, em pequenas sacudidelas por uma mulher
velha.
Lá estava, tudo. Tinha descido das montanhas do Tennessee enquanto jovem
para a cidade de Nashville, no Tennessee.
Meteu-se com um professor de canto de lá que a sabia capaz de cantar. “Bem,
fui amante dele. Ele não era assim tão mau.”
O homem gastou dinheiro com ela; despertou a atenção de um homem rico de
Nashville.
Esse homem também pode ter sido seu amante. Alice não disse. Havia imensos
outros.
Um deles – deve ter sido superior a qualquer um dos outros – ela tinha amado.
Disse que era um jovem poeta. Havia algo de aldrabão nele. Fazia coisas pouco
claras.
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Isso foi quando ela tinha mais de trinta e ele tinha vinte e cinco. Perdeu a cabeça,
disse ela, e, claro, perdeu-o a ele.
Foi aí que se entregou à bebida, ao jogo e faliu. Declarou que o perdeu porque o
amava demasiado.
“Mas por que é que ele não era bom? Porque tinhas de amar aquele tipo?”
Não sabia porquê. Tinha acontecido.
Deve ter sido a experiência que a transformou.
Mas eu estava a falar de beleza nas pessoas, que coisa estranha é, como aparece,
desaparece e reaparece.
Tive um vislumbre disso com Alice naquela noite.
Foi quando estávamos a regressar a casa, da montanha, pela estrada.
Estávamos numa encosta e a robusta Alice em frente. Havia um trecho de
estrada enlameado e depois um bosque e depois um espaço aberto.
O luar estava no espaço aberto e eu estava na floresta, na escuridão da floresta,
mas alguns passos atrás.
Ela atravessou o espaço aberto à minha frente e ali estava.
A coisa durou apenas um segundo fugaz. Penso que todos os homens ricos e
poderosos que Alice tinha conhecido, que lhe tinham dado dinheiro, a ajudaram quando
precisava de ajuda, e que tiveram tanto dela, devem ter visto o que eu vi nessa altura.
Foi o que o homem viu na mulher perto da cabana da montanha e o que o outro viu na
mulher do comerciante de cavalos na estrada.
Quando Alice disse que estava lisa, não estava. Alice estava a tentar sacudir a
memória de um amor mal sucedido.
Estava a caminhar pelo trecho da estrada aberto iluminado pela lua como uma
rainha, como aquele homem que fora outrora seu amante disse que ela costumava
caminhar por uma sala ou por um palco.
As montanhas das quais veio enquanto criança devem ter estado nela naquele
momento, e a lua e a noite.
Eu próprio apaixonado por ela, loucamente, por um momento.
Alguém se apaixona durante mais tempo que isto?
Alice a abanar a cabeça levemente. Pode ter havido uma ilusão da luz. O seu
passo alongou-se e ela tornou-se alta, e nova. Lembro-me de parar na floresta e olhar
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fixamente. Era como os outros dois homens de quem falei. Eu tinha uma bengala na
minha mão e caiu ao chão. Era como o homem na estrada e o outro homem no campo.
Outra Mulher
Ele viu-se obrigado a dizer-lhe algo de especial – conhecê-la – amá-la – querê-
la. O que pensou foi que talvez ela o quisesse também, ou não teria passado tanto tempo
com ele. Ele não era exatamente modesto.
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Afinal, era suficientemente modesto. Tinha a certeza de que vários homens
deviam tê-la amado e pensou que não fosse improvável que ela tivesse experimentado
pelo menos alguns deles. Era tudo imaginado. Vê-la ali tinha começado a pôr a sua
mente – os seus pensamentos – a correr. “As mulheres modernas, da sua classe,
acostumadas a luxos, sensíveis, não vão perder nada, embora não dessem o mergulho
final no matrimónio como eu dei quando era mais novo,” pensou. A noção de pecado
tinha sido, para ele, tirada mais ou menos desse tipo de coisa. “O que tenta fazer, se é
uma mulher moderna com alguma classe, é tentar usar a sua cabeça,” pensou.
Ele tinha quarenta e sete e ela era dez anos mais nova. A sua mulher tinha
morrido há dois anos.
Durante o último mês, ela tivera o hábito de descer da casa de campo da sua mãe
até à cabana dele duas ou três noites por semana. Podia tê-lo convidado até à colina para
a casa – tê-lo-ia convidado mais frequentemente – mas ela preferia tê-lo, na sua
comunidade, na sua cabana. A família, a família dela, tinha-lhe simplesmente deixado
todos os assuntos a ela, ela que tratasse disso. Vivia na casa de campo da sua mãe, com
a mãe e duas irmãs mais novas – ambas solteiras. Eram pessoas encantadoras para se
estar. Era o primeiro Verão que ele tinha passado naquela região e tinha-as conhecido
depois de ficar com a cabana. Comia num hotel a quase meia milha de distância. O
jantar era servido cedo. Ao regressar logo, podia ter a certeza de que estaria em casa se
ela decidisse passear pelo seu caminho.
Estar com ela, em casa da mãe dela com as outras, era divertido, claro, mas
estava sempre alguém a aparecer. Ele pensava que as irmãs gostavam de provocá-los ao
arranjar coisas que os amarrassem.
Era tudo pura fantasia, apenas uma noção. Porque haveriam de estar interessadas
nele?
Que turbilhão de ideias despertou nele naquele Verão por aquela mulher!
Pensava nela o tempo todo, não havendo na realidade nada mais para fazer. Bem, ele
tinha vindo para o campo para descansar. O seu único filho estava numa escola de
verão.
“É assim – aqui estou eu, praticamente sozinho. Onde é que me estou a meter?
Se ela, se qualquer uma das mulheres daquela família, fossem do tipo de casar, ela teria
casado com um homem muito mais adequado há muito tempo.” As irmãs mais novas
dela eram tão atenciosas na sua atitude relativamente a ela. Havia algo de delicado,
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respeitoso, provocador, também, na maneira como elas agiam quando ele e ela estavam
juntos.
Pequenos pensamentos continuavam a correr pela sua cabeça. Ele tinha ido para
o campo porque alguma coisa dentro dele o tinha deixado em baixo. Poderiam ter sido
os seus quarenta e sete anos. Um homem como ele, que tinha começado a vida como um
rapaz pobre, que subira na sua profissão, que se tinha tornado num médico com alguma
reputação – bem, um homem sonha os seus sonhos, quer muito.
Aos quarenta e sete é provável que, a qualquer momento, entre numa depressão.
Não terão metade, um terço do que queriam, no trabalho, na vida. Para que serve
continuar? Estes homens mais velhos que continuam a lutar como jovens, o que lhes
acontece? São um pouco infantis, imaturos, na verdade.
Um grande homem pode continuar assim, até ao final cruel, até à beira da
sepultura, mas quem, tendo algum juízo, alguma cabeça, quer ser um grande homem? O
que é um grande homem pode ser apenas uma ilusão nas mentes das pessoas. Quem
quer ser uma ilusão?
Pensamentos assim que o levam para fora da cidade – para descansar. Deus sabe
se não teria sido um erro se ela não tivesse estado lá. Antes de a conhecer e antes de ela
ter entrado no hábito pouco feminino de o vir ver à cabana dele durante as noites do
longo verão, o campo, o sossego do campo, era terrível.
“Pode ser que ela apenas venha cá abaixo ter comigo porque está aborrecida.
Uma mulher assim, que conheceu muitos homens, homens brilhantes, que foi amada por
homens de reputação. Contudo, porque vem ela? Não sou assim tão alegre. De certeza
que não pensa que eu sou espirituoso ou brilhante.”
Ela tinha trinta e sete anos, um pouco inclinada para os extremos a vestir-se,
roliça, para não dizer mais. A vida não parecia tê-la abrandado muito.
Quando desceu até à cabana dele, à beira do riacho de frente para a estrada do
campo, deixou-se cair num sofá ao lado da porta e acendeu um cigarro. Tinha
tornozelos adoráveis. Sem dúvida, eram tornozelos lindos.
A porta estava aberta e ele sentou-se numa cadeira perto da mesa. Ardeu uma
lamparina de azeite. A porta da cabana ficou aberta. As pessoas do campo passavam.
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“O problema com toda esta treta de descansar é que um homem pensa
demasiado. Um médico no consultório – pessoas a entrar, problemas de outras pessoas –
não tem tempo.”
Houve mulheres que tinham ido ter com ele muitas vezes – mulheres casadas e
solteiras. Uma mulher – era casada – escreveu-lhe uma longa carta depois de ele a ter
tratado durante três anos. Tinha ido com o marido para a Califórnia. “Agora que estou
longe de si, não me verá outra vez, digo-lhe francamente que o amo.”
Que ideia!
“Foi paciente comigo durante estes três anos, deixou-me falar consigo. Contei-
lhe todas as coisas íntimas da minha vida. Foi sempre um pouco distante e sábio.”
Que disparate!
Como poderia ele ter impedido a mulher de falar intimamente? Havia mais deste
tipo de coisas na carta. O doutor não sentia que tivesse sido especialmente sábio com a
paciente. Tinha mesmo medo dela. O que ela pensava que era distância era na verdade
medo.
Contudo, guardou a carta – por um tempo. Destruiu-a finalmente porque não
queria que caísse acidentalmente nas mãos da sua mulher.
Um homem gosta de sentir que fora de alguma importância para alguém.
O doutor, digamos, a nova mulher perto dele, na cabana. Ela fumava um cigarro.
Era sábado à noite. As pessoas – homens, mulheres e crianças – iam ao longo da estrada
do campo em direção a uma vila na montanha. Em breve as mulheres e crianças do
campo voltariam sem os homens. Aos sábados à noite quase todos os homens das
montanhas se embebedavam.
Vimos da cidade e, porque as colinas são verdes e a água dos riachos na
montanha transparente, pensam que as pessoas que vivem nas montanhas têm de ser no
fundo transparentes e doces.
Agora as pessoas do campo na estrada viravam-se para olhar para dentro da
cabana para a mulher e para o doutor. Numa noite anterior de sábado, depois da meia-
noite, o doutor tinha sido acordado por uma conversa barulhenta e bêbeda que acontecia
na estrada. Fê-lo estremecer de ira. Queria ter saído a correr para a estrada e lutado
contra os homens bêbedos do campo, mas um homem de quarenta e sete anos… Os
homens na estrada eram indivíduos jovens e robustos.
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Um dos homens estava a contar aos outros em voz alta que a mulher agora no
sofá perto do doutor – que ela era na verdade uma mulher promíscua da cidade. Tinha
usado uma palavra muito desagradável e tinha jurado aos outros que, antes de o Verão
acabar, pretendia tê-la para ele.
Era apenas conversa rude e bêbeda. O indivíduo riu-se quando o disse, e os
outros riram-se. Era um bêbedo a tentar ser engraçado.
Se a mulher com o doutor tivesse sabido – se ele lhe contasse? Ela apenas teria
sorrido.
Quantos pensamentos sobre ela na cabeça do doutor! Tinha a certeza de que ela
nunca se importava muito com o que os outros pensavam. Tinham estado sentados
assim, ela a fumar o seu cigarro depois do jantar, ele a pensar, mais alguns minutos. Na
presença dela, os pensamentos vinham rapidamente, dançando pela sua cabeça. Ele não
estava habituado a tal multidão de pensamentos. Quando estava na cidade – no
consultório – havia muitas coisas para pensar sem ser em mulheres, em estar
apaixonado por alguma mulher.
Com a sua mulher nunca tinha sido assim. Nunca o tinha excitado, exceto no
início fisicamente. Depois disso ele apenas a aceitou. “Há muitas mulheres. Ela é a
minha mulher. É bastante simpática, faz a sua parte do trabalho.” – esse tipo de atitude.
Quando morreu, deixou um buraco aberto na vida dele.
“Pode ser esse o meu problema.”
“Esta outra mulher é de um tipo diferente de certeza. A maneira como se veste; a
sua facilidade com as pessoas. Pessoas assim, tendo sempre dinheiro, desde o princípio,
uma posição segura na vida – apenas continuam, bastante seguras delas próprias, nunca
têm medo.”
A sua pobreza inicial, pensou o doutor, tinha-lhe ensinado muitas coisas que
estava feliz por saber. Tinha-lhe ensinado outras coisas não tão boas para saber. Tanto
ele como a sua mulher tinham tido sempre um pouco de medo de pessoas – do que as
pessoas pudessem pensar – da sua posição na sua profissão. Casou com uma mulher que
também vinha de uma família pobre. Ela era enfermeira antes de se casar com ele. A
mulher agora na sala com ele levantou-se do sofá e atirou a ponta do seu cigarro para a
lareira. “Vamos caminhar,” disse ela.
49
Quando saíram para a estrada e se voltaram para longe da vila e da casa da mãe
dela, que ficava numa colina entre a sua cabana e a vila, outra pessoa na estrada atrás
deles poderia ter pensado que ele era o escolhido. Ela era um pouco roliça – não era
suficientemente alta – enquanto que ele tinha uma figura alta, bastante delgada e
caminhava com uma presença livre e simples. Trazia o seu chapéu na mão. Os seus
cabelos grossos e grisalhos que se juntavam ao seu ar de distinção.
A estrada tornava-se mais irregular e caminhavam perto um do outro. Ela estava
a tentar contar-lhe alguma coisa. Havia algo que ele estava determinado a contar-lhe –
nesta mesma noite. O que era?
Algo do que a mulher na Califórnia tinha tentado contar-lhe naquela carta tola –
não estava a fazer muito bem – algo no sentido de que ela – esta nova mulher – que
conheceu enquanto estava desprevenido, a descansar – era distante dele próprio –
inatingível – mas que se descobriu apaixonado por ela.
Se ela descobrisse, por um estranho acaso, que o queria, então ele tentaria
contar-lhe.
Afinal, era tudo tolice. Mais pensamentos na cabeça do doutor. “Não posso ser
muito ardente. Isto de estar no campo – a descansar – longe do meu consultório – é tudo
tolice. O meu consultório está nas mãos de outro homem. Há casos que alguém novo
não consegue entender.
“A minha mulher que morreu – não esperava muito. Tinha sido enfermeira,
criada numa família pobre, tinha tido sempre de trabalhar, enquanto que esta nova
mulher…”
Houve alguma espécie de disparate que o doutor tinha pensado que poderia
tentar pôr em palavras. Depois voltaria para a cidade, de volta para o seu trabalho. “Era
melhor que eu fugisse agora, sem dizer nada.”
Ela estava a contar-lhe algo sobre ela própria. Era sobre um homem que
conheceu e amou, talvez.
De onde é que ele tirou a ideia de que ela tinha tido muitos amantes? Tinha
meramente pensado – bem, esse tipo de mulher – sempre com muito dinheiro – estando
sempre com pessoas inteligentes.
Quando era mais nova pensou durante um tempo que seria pintora, estudou em
Nova Iorque e Paris.
50
Estava a contar-lhe acerca de um inglês – um romancista.
Que diabo – como é que ela sabia dos seus pensamentos?
Ela estava a ralhar-lhe. O que tinha dito ele?
Estava a falar sobre pessoas assim como ele, simples, sérias, boas pessoas,
chamava-lhes, pessoas que avançam na vida, fazendo o seu trabalho, não pedindo
muito.
Tinha, então, ilusões como ele tinha.
“Pessoas assim como tu têm ideias assim nas suas cabeças – ideias parvas.”
Agora estava a falar sobre ela própria outra vez.
“Tentei ser pintora. Tinha tais ideias sobre os chamados grandes homens das
artes. Tu, sendo um doutor, sem uma grande reputação – não tenho dúvidas que tenhas
todo o tipo de ideias sobre os chamados grandes doutores, grandes cirurgiões.”
Agora estava a contar o que lhe aconteceu. Tinha havido um romancista inglês
que ela tinha conhecido em Paris. Tinha uma reputação estabelecida. Quando pareceu
atraído por ela, ficou muito animada.
O romancista tinha escrito uma história de amor e ela tinha-a lido. Tinha um
certo tom. Sempre pensou que acima de tudo na vida ela queria um caso de amor nesse
mesmo tom. Tinha tentado isso com o escritor da história e tinha acabado por não ser
nada do género.
Estava a escurecer na estrada. Loureiros e sabugueiros cresciam na encosta. Na
semi-escuridão ele conseguia ver vagamente o pequeno encolher de ombros dela.
Teriam todos os amantes que ele imaginou para ela, os homens brilhantes e
espirituosos do grande mundo, sido assim? Sentiu-se de repente como se tinha sentido
quando os homens bêbedos do campo falavam na estrada. Queria bater em alguém com
o seu punho, em particular queria bater num romancista – de preferência num
romancista inglês – ou num pintor ou num músico.
Nunca tinha conhecido pessoas assim. Não havia nenhuma perto. Sorriu para si
próprio, pensando: “Quando aquele homem do campo falou eu fiquei sentado quieto e
deixei-o.” A sua prática tinha sido com comerciantes bem sucedidos, advogados,
fabricantes, as suas mulheres e famílias.
Agora o seu corpo estremecia. Tinham chegado a uma pequena ponte sobre o
riacho, e de repente, sem premeditação, ele pôs o seu braço em volta dela.
51
Havia algo que ele tinha planeado contar-lhe. O que era? Era algo sobre ele
próprio. “Já não sou jovem. O que eu poderia ter para te oferecer não seria muito. Não
posso oferecê-lo a alguém como tu, a alguém que conheceu grandes pessoas, que foi
amada por homens espirituosos e brilhantes.”
Era sem dúvida algo do género que ele tolamente pensou em dizer. Agora ela
estava nos seus braços na escuridão na ponte. O ar estava pesado com perfumes de
verão. Ela era um pouco pesada – um verdadeiro braçado de gente. Evidentemente ela
gostava que ele a abraçasse assim. Tinha pensado, realmente, que ela pudesse gostar
dele mas tinha ao mesmo tempo uma espécie de desprezo por ele.
Agora ele tinha-a beijado. Ela gostou disso também. Aproximou-se e retribuiu o
beijo. Ele inclinou-se sobre a ponte. Ainda bem que havia um apoio qualquer. Ela tinha
uma construção robusta. A sua primeira mulher, depois dos trinta, tinha ficado
relativamente roliça, mas esta nova mulher pesava mais.
E agora estavam outra vez a caminhar na estrada. Fora a coisa mais maravilhosa.
Havia algo tido como garantido. Era que ele queria que ela casasse com ele.
Queria? Caminharam ao longo da estrada em direcção à cabana e havia nele a
disposição meio tola, meio alegre que um rapaz sente a caminhar na escuridão pela
primeira vez, sozinho com uma rapariga.
Uma rápida corrente de memórias, as noites como um rapaz e um jovem adulto
as recordava.
Um homem fica demasiado velho para isso? Um homem como ele, um médico,
devia saber mais sobre as coisas. Estava a sorrir para ele próprio na escuridão –
sentindo-se tolo, sentindo-se aterrorizado, contente. Nada de definitivo tinha sido dito.
Era melhor na cabana. Que simpático tinha sido da parte dela não ter medos
tolos e convencionais em ir vê-lo! Era uma pessoa simpática. Sentado sozinho com ela
na escuridão da cabana, ele percebeu que eram de qualquer maneira ambos maduros –
adultos o suficiente para saberem o que estavam a fazer.
Sabiam?
Quando voltaram para a cabana, estava bastante escuro e ele acendeu uma
lamparina de azeite. Tudo ficou muito definitivo muito rapidamente. Ela fumou outro
cigarro e sentou-se como antes, olhando para ele. Os seus olhos eram cinzentos. Olhos
cinzentos e sábios.
52
Estava a perceber perfeitamente a confusão dele. Os olhos estavam a sorrir –
sendo olhos velhos. Os olhos diziam: “Um homem é um homem e uma mulher é uma
mulher. Nunca podes dizer como ou quando irá acontecer. És um homem e, apesar de
pensares que és um homem prático e sem imaginação, és uma boa dose de rapaz. Há
uma maneira na qual qualquer mulher é mais velha do que qualquer homem e é por isso
que eu sei.”
Não importa o que os olhos dela diziam. O doutor estava claramente agitado.
Tinha havido uma espécie de discurso que ele pretendia fazer. Pode ter sido que ele
soubesse, desde o princípio, que foi apanhado.
“Oh meu Deus, não vou conseguir agora.”
Tentou, hesitante, dizer algo sobre a vida de mulher de médico. Que ele
presumisse que ela pudesse casar com ele, sem lhe perguntar directamente, parecia um
pouco precipitado. Estava a presumir sem pretender nada do género. Tudo estava
confuso.
A vida de mulher de médico – um homem como ele – de clínica geral – não era
assim tão agradável. Quando começou como médico pensou mesmo, algum tempo, que
pudesse conseguir atingir uma grande posição, ser algum tipo de especialista.
Mas agora –
Os olhos dela continuavam a sorrir. Se ele estava confuso, ela evidentemente
não estava. “Há algo de definitivo e sólido nalgumas mulheres. Parecem saber
exatamente o que querem,” pensou.
Ela queria-o.
O que ela disse não foi muito. “Não sejas tão tolo. Esperei muito tempo apenas
por ti.”
Isso foi tudo. Foi final, absoluto – terrivelmente desconcertante também. Ele foi
e beijou-a, desajeitadamente. Agora ela tinha o ar que desde o princípio o
desconcertava, o ar da vida mundana. Podia não ser nada excepto a sua maneira de
fumar um cigarro – e um gosto indiscutivelmente bom, embora um pouco atrevido, em
roupa.
A sua outra mulher nunca pareceu pensar em roupa. Não tinha aptidão.
Bem, ele tinha conseguido outra vez tirá-la da cabana. Podia ser que ela tivesse
conseguido. A sua primeira mulher tinha sido enfermeira antes de ele ter casado com
53
ela. Podia ser que as mulheres que tivessem sido enfermeiras não devessem casar com
médicos. Têm demasiado respeito pelos médicos, são ensinadas a ter demasiado
respeito. Esta, ele tinha a certeza, nunca teria demasiado respeito.
Foi tudo, quando o doutor se acostumou à ideia, bastante agradável. Tinha dado
o grande salto e pareceu de repente que sentia terra firme debaixo dos pés. Que fácil que
tinha sido!
Estavam a caminhar ao longo da estrada em direcção à casa da mãe dela. Estava
escuro e ele não conseguia ver os olhos dela.
Estava a pensar –
“Quatro mulheres na família dela. Uma nova mulher para ser a mãe do meu
filho.” A mãe dela era velha e calma e tinha olhos penetrantes e cinzentos. Uma das
irmãs mais novas era um pouco maria-rapaz. A outra – era a beleza da família – cantava
canções de negros.
Tinham muito dinheiro. Quando chegou a isso, o seu próprio ordenado era
bastante adequado.
Seria agradável ser uma espécie de irmão mais velho para as irmãs, um filho
para a mãe dela. Oh meu Deus!
Chegaram ao portão em frente à casa da sua mãe e ela deixou-o beijá-la outra
vez. Os lábios dela eram quentes, o seu hálito perfumado. Ele ficou, ainda
envergonhado, enquanto ela subia por um caminho para a porta. Havia uma luz no
alpendre.
Não havia dúvidas que ela era roliça, solidamente construída. Que ideias
absurdas tinha tido!
Bem, estava na hora de regressar para a sua cabana. Sentiu-se estupidamente
novo, parvo, com medo, feliz.
“Oh meu Deus – Tenho uma mulher, outra mulher, uma nova,” disse para si
próprio enquanto ia ao longo da estrada na escuridão. Quão feliz e tolo e aterrorizado
ainda se sentia! Será que se supera isso passado um tempo?
54
Relatório da tradução
Ellis W. Deibler Jr. cit. in Larson afirma: “I reject the notion that “words have
meanings”, preferring instead that “words convey meanings” and, more specifically,
55
that they convey the meanings the communicator intends them to communicate”
(Larson 1991: 201).
Neste relatório que complementa as traduções dos três contos escolhidos
integrantes do livro Death in the Woods and Other Stories, irei analisar problemas e
dificuldades com as quais me deparei ao efetuar o exercício da tradução, assim como as
decisões que fui tomando ao longo da mesma.
Ao longo de todo o processo de tradução, deparei-me principalmente com
problemas que têm a ver com a concordância de tempos e modos verbais e dificuldades
em relação às várias expressões que durante todo o texto de partida são feitas.
O primeiro conto é o primeiro deste livro, “Death in the Woods” (“Morte no
Bosque”). Devido aos vários regionalismos presentes em todos os contos que traduzi,
encontrei algumas dificuldades em transmitir a mensagem de maneira natural para a
língua de chegada. Como exemplo deste mesmo problema, passo a citar um fragmento
deste conto:
“He got her pretty easy himself, the first time he was out with her. He wouldn't have
married her if the German farmer hadn't tried to tell him where to get off. He got her to
go riding with him in his buggy one night when he was threshing on the place, and then
he came for her the next Sunday night.” (Anderson 1961: 6)
Este passo foi traduzido para Português da seguinte forma:
“Foi fácil convencê-la na primeira vez que saiu com ela. Não teria casado com ela se o
agricultor alemão não tivesse discutido com ele. Conseguiu com que ela fosse andar na
carroça com ele uma noite quando estava a debulhar na quinta, e depois foi ter com ela
na noite seguinte de Domingo.” (Página 28)
As expressões “[h]e got her (…)” e “the German farmer hadn’t tried to tell him where to
get off” suscitaram-me algumas dúvidas em relação à sua equivalência na língua de
chegada. Citando Lina Gameiro Lopes5,
5 Lina Gameiro Lopes in http://confluencias.net/n2/lopes.pdf acedido em 20/09/201156
“[e] é este complexo processo de transposição de significados entre sistemas
linguísticos, representando realidades diferentes e com especificidades muito próprias,
que levanta os mais variados problemas, de natureza cultural, linguística, semântica,
estilística, de fidelidade ao texto, entre outros, criando, por vezes, a ideia, ainda que
errada, de que a tradução é impossível” (s.p.)
Outro exemplo desse regionalismo tão característico na escrita de Sherwood
Anderson e que me desafiou enquanto tradutora foi o termo “bound girl” (primeira
ocorrência na página 5). Após pesquisar várias hipóteses da correspondência desta
expressão em Português, de acordo com o contexto da história, optei por traduzi-la por
“escrava”. Embora seja um termo de conotação forte na língua de chegada, creio ter
tomado a melhor decisão, pois mais adiante surge o termo “slave” no final do primeiro
capítulo do conto relativamente a crianças órfãs, “[s]uch bound children were often
enough cruelly treated. They were children who had no parents, slaves really”
(Anderson 1961: 7) e, para não repetir o mesmo termo em Português, optei por traduzir
desta maneira: “[e]stes escravos eram muitas vezes cruelmente tratados. Eram crianças
que não tinham pais, cativas na verdade” (página 29).
Neste primeiro conto, o narrador está a contar uma história na primeira pessoa e
dirige-se ao leitor, circunstancialmente. Este aspeto não representou um problema per
se, porém foi alvo de alguma reflexão da minha parte enquanto tradutora. Por exemplo
nos seguintes passos: “[y]ou know what I mean.” (Anderson 1961: 7) e “[t]he
fragments, you see, had to be picked up slowly (…)”(Anderson 1961: 22), optei por
traduzir esta forma de tratamento do narrador ao leitor no plural.
Relativamente ao segundo conto traduzido, “Like a Queen” (“Como uma
Rainha”), as maiores dificuldades que encontrei foram também ao nível dos
regionalismos. Termos como “horse traders”(Anderson 1961: 112) e
“registering”(Anderson 1961: 113), mereceram uma atenção especial da minha parte,
pois trata-se de uma dimensão um pouco distanciada dos meus conhecimentos enquanto
tradutora. Com respeito à ocorrência “horse traders”, optei por uma tradução simples e
literal como “comerciantes de cavalos”. Ao passo que, na expressão “[a]nd thirty years
later she was still registering”, tomei a liberdade de utilizar em Português uma
expressão que correspondesse à da língua de partida, de uma forma não literal mas de
mensagem percetível: “[e] trinta anos mais tarde ainda tinha esse efeito”(Página 40).
57
No último conto traduzido, “Another Wife” (“Outra Mulher”), surgiram a
mesmas dificuldades a nível lexical e a nível gramatical também. Porém, deparei-me
com problemas na concordância dos verbos e das formas verbais. A maior parte do
texto está preenchido por verbos nos seguintes tempos verbais: Past Perfect, Past Simple
e Past Continuous. De acordo com estes tempos verbais, fiz correspondê-los da mesma
maneira na língua de chegada, vejamos então nos seguintes fragmentos: “[h]e had used
a very distasteful word and had sworn to the others (…)” (Anderson 1961: 208), “[s]he,
then, had illusions as he had.” (Anderson 1961: 212) e “[s]he was realizing perfectly his
discomfiture. The eyes were smiling—(…)” (Anderson 1961: 215). Traduzi-os da
seguinte maneira: “[t]inha usado uma palavra muito desagradável e tinha jurado aos
outros (…)”(página 50), “[t]inha, então, ilusões como ele tinha”(página 52) e “[e]stava a
perceber perfeitamente a confusão dele. Os olhos estavam a sorrir (…)”(página 54).
Esta análise dos três trabalhos traduzidos foi realizada para complementar a
tradução dos mesmos. Assim, as minhas principais dificuldades e as resoluções destas
foram expostas neste relatório, de modo a ajudar a compreensão de certas escolhas
feitas por mim como tradutora. O objetivo era o de me centrar em questões relevantes
para explicar as decisões tomadas e as conclusões tiradas, valorizando a cada passo
deste processo o trabalho fulcral do tradutor; nas palavras de Jacques Derrida cit in
Lawrence Venuti:
“If I dare approach this subject before you, it is because this very
discouragement, this premature renunciation of which I speak and from which I set out,
this declaration of insolvency before translation was al-ways, in me, the other face of a
jealous and admiring love, a passion for what summons, loves, provokes, and defies
translation while running up an infinite debt in its service, an admiration for those men
and women who, to my mind, are the only ones who know how to read and write –
translators”(Venuti, 2004: 423)
Conclusão
Após ter terminado esta dissertação, podemos chegar à conclusão de que ainda
há muito pouca informação e conhecimento sobre o autor Sherwood Anderson em 58
Portugal, embora já haja alguma visibilidade devido à mais recente tradução de
Winesburg, Ohio.
Através da tradução de três das short-stories da obra Death in the Woods and
Other Stories e da investigação da vida e obra do autor, é viável afirmar-se que o
contexto biográfico de Anderson é relevante na forma como interpretamos os seus
contos. O regionalismo, o realismo, o lirismo e tudo o que o caracteriza como escritor
modernista americano do século XX que influenciou toda uma geração que se seguiu,
Faulkner, Hemingway, Henry Miller, entre outros.
Esta dissertação de mestrado representa apenas um trabalho em continuação.
Pois, para este estar completo, todos os contos da obra estudada deveriam estar
traduzidos. Por tudo isto, a intenção deste projeto é abrir uma janela para suscitar
interesse por parte do público em relação a este autor e à sua obra.
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