Representação da mulher nas letras de forró
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“MULHER PARA ISSO”, MULHER PARA ”AQUILO”: ANÁLISE COMPARATIVA
DAS REPRESENTAÇÕES DA MULHER EM LETRAS COM TEOR ERÓTICO DO
NEO-FORRÓ E DE MÚSICAS “SÉRIAS” (2000 – 2008)
Liliana Alves
RESUMO
O objetivo do presente artigo é analisar as representações da mulher em letras de músicas com teor erótico do neo-forró, em comparação com letras de músicas consideradas “sérias”, em busca de estereótipos subjacentes à construção da imagem da mulher, procurando superar a dicotomia alta cultura x baixa cultura nas explicações sobre o caráter depreciativo das representações femininas em tal gênero de música. O método de pesquisa utilizado foi a pesquisa bibliográfica combinada à análise comparativa de discursos.
Palavras-chave: “Alta cultura” x “baixa cultura”. Pornografia x Erotismo. Estereótipos. Música Popular. Neo-forró.
1 INTRODUÇÃO
Já se tornou um clichê afirmar a importância dos estudos sobre gênero com o
argumento de que, sendo o gênero uma construção social (e política), ele é um objeto que
pode ser revelador das estratégias de dominação e de construção de assimetrias de poder.
Entretanto, este argumento é legítimo. Segundo Rivair MACEDO:
[...] a palavra “História”, embora pertença ao gênero feminino, costuma ser pensada em termos masculinos. Seu estudo em geral privilegia os homens – e nem todos -, enquanto as mulheres são aprisionadas em categorias vagas e imprecisas como “humanidade”, “homens” e pessoas. [...] permanecem muitas vezes no segundo plano da narração, à sombra do passado (2002, p. 09).
Disso deriva a importância de se realizar estudos que focalizem especificamente os
sujeitos femininos – ou os discursos sobre este tipo de sujeito construídos –, pois, segundo
MACEDO (idem), isto equivale a reconhecer a importância de quem forma mais da metade
da sociedade. Neste mesmo texto, alguns parágrafos à frente, ao discorrer sobre as
representações simbólicas das mulheres na Idade Média, ele nos diz que, nesse período, a
mulher era associada sempre a objetos domésticos, típicos de atividades da vida privada,
caseira, como a roca, associados ao trabalho e à subserviência; enquanto ao homem era dada
como símbolo a espada, instrumento de violência, de força, de guerra, associado ao poder e à
virilidade.
Com estas breves linhas já podemos perceber como a construção de uma imagem
socialmente compartilhada dos gêneros é decisiva na definição dos papéis e das posições
ocupadas pelos sujeitos na sociedade e, por conseguinte, na História. De acordo com Gomes
do NASCIMENTO (2008, p. 01) da Universidade Federal da Bahia, num artigo sobre as
representações de gênero nas letras de músicas do pagode baiano:
A heterossexualidade normativa organiza os sujeitos de gênero em dois pólos assimétricos: o masculino e o feminino. O caráter relacional, hierarquizante das relações de gênero é a peça chave para entender as estruturas de dominação e essa representação binária é culturalmente construída e hierarquizada pela linguagem (grifo nosso).
Por isso a necessidade de se analisar as construções simbólicas relacionadas às
representações de gênero, nas suas formas de enunciação. Neste sentido, o presente trabalho
se propõe a fazer uma análise dos discursos das letras com teor erótico (ou pornográfico) do
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chamado neo-forró, a fim de detectar estereótipos culturais subjacentes às representações da
mulher sexualizada, cruzando estas análises com outras, de músicas consideradas sérias.
Inicialmente, porém, ainda convém perguntar: por que a música como objeto de um
estudo histórico sobre as representações da mulher? Marcos NAPOLITANO (2005, p. 07)
justifica da seguinte maneira os estudos de história sociocultural voltados para a música no
Brasil:
A música, sobretudo a chamada “música popular”, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de meditações, fusões, encontros de diversas etnias, classes, e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional. Além disso, a música tem sido, ao menos durante boa parte boa parte do século XX, a tradutora dos nossos dilemas nacionais [...] o Brasil [...] é um lugar privilegiado não apenas para ouvir música, mas também para pensar música (NAPOLITANO, 2005, p. 07, grifos do autor).
A disciplina histórica vem, desde as últimas décadas do século passado se
enveredando por muitos caminhos e (para usar um jargão) “descaminhos”, à procura de (outro
jargão) “novos objetos e novas fontes”. Nessa busca foi que a história encontrou a música,
mas essa relação está ainda em seus acordes iniciais. No Brasil, os estudos históricos sobre
música só se tornaram mais freqüentes a partir da década de 1980; porém, de acordo com
NAPOLITANO (2005, p. 08), estes estudos vieram eivados do que ele chama de “certos
vícios”,
[vícios estes] resumidos na operação analítica [...] que fragmenta este objeto sociológica e culturalmente complexo, analisando “letra” separada da “música”, “contexto” separado da “obra”, “autor” separado da “sociedade”, “estética” separada da “ideologia” (NAPOLITANO, 2005, p. 08, grifos do autor).
Somando-se a isso, certo viés “evolucionista” na compreensão da cultura e da arte, que
concebe determinadas manifestações como sendo superiores a outras. A proposta do autor é
compreender as diversas manifestações artísticas e culturais dentro de seus contextos
específicos (época, espaço, classe, etc.), e realizar críticas históricas não baseadas em escalas
de valores herdadas, hierarquizadas, nem baseadas em preferências pessoais. Um estudo que
se debruce sobre a música é, portanto, um estudo que se debruça sobre a sociedade, sobre as
relações histórica e culturalmente construídas.
Durante as pesquisas, foram encontradas referências ao trabalho “Que “tchan” é
esse?: indústria e produção musical no Brasil dos anos 90” , de Mônica LEME (2003), nas
quais aparece a expressão “vertente maliciosa da música popular brasileira”, que, segundo a
autora, serve para designar produções musicais como as das bandas de pagode baianas, os
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grupos de funk, ou as bandas de forró eletrônico (neo-forró), pelo fato de se caracterizarem
por letras de duplo sentido, que se servem de performances coreográficas como complemento
semântico do sentido sexual (malicioso) dos textos. Mas, segundo Gomes do NASCIMENTO
(2008, p. 02),
[...] a denominação “vertente maliciosa” colocada por Leme (2003), no que se refere à temática das letras e seus aparatos discursivos, não explicita os mecanismos de dominação e as relações de poder, assim como a complexidade dos processos de subjetivação envolvidos na constituição dos sujeitos.
Vê-se logo que a concepção de Leme é uma concepção baseada em – ou pelo menos
análoga a – uma dicotomia que, aparentemente, faz eco com Adorno (NAPOLITANO, op. cit.
p. 15), pressupondo a existência da “vertente maliciosa” em oposição ao que seria uma
“vertente séria” da música brasileira. Neste trabalho, procurar-se-á demonstrar que as
representações da mulher tal qual se encontram nas letras eróticas do neo-forró não se devem
ao fato de esse tipo de música pertencer a uma suposta “vertente maliciosa”, em contraste a
outra vertente que seria não-maliciosa, “séria”. Pretende-se demonstrar que as representações
da mulher, tanto nas letras das músicas que gozam de maior prestígio na cena cultural, como
nas mais desprestigiadas, consideradas inferiores do ponto de vista estético, partem de uma
mesma matriz cultural da imagem da mulher: estereótipos socialmente construídos.
A metodologia utilizada na elaboração desta pesquisa é a análise comparada de
discursos, buscando estereótipos culturais recorrentes subjacentes à imagem da mulher
construída nas letras do neo-forró, assim como nas já mencionadas músicas que gozam de
maior prestígio na cena cultural. Como amostragem das letras de forró, foram eleitas as
produções da banda Aviões do Forró, um dos maiores fenômenos de vendas de disco e de
shows da indústria cultural nordestina, quiçá do Brasil, surgida em 2002, mas que pertence a
um processo alguns anos mais antigos e que, portanto responde às necessidades do recorte
temporal deste trabalho. As músicas analisadas, no caso do neo-forró, foram escolhidas
levando-se em consideração a amplitude de sua difusão e o seu grau de repetição nas mídias,
durante sua temporada. As letras de “Adultério”, “A Solteirona” e “Viciado em Putaria”
servirão como objeto às análises da representação da mulher nos discursos do neo-forró
(eventualmente, outras canções poderão ser visitadas).
Como contraponto, proceder-se-á também as análises das músicas “Relicário”, de
Nando Reis; “Veneno”, de Vanessa de Matta; e “A Tua Boca”, de Zeca Baleiro. Neste caso, o
critério de escolha das músicas foi seu relativo distanciamento das mass media,
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distanciamento este que lhes torna livre, de certa forma, do pejo de música comercial, ou de
arte inferior, garantindo-lhes lugar na MPB (considerada música séria). Distanciamento
“relativo”, porém não total, pois isso, de certa forma, comprometeria o seu estatuto de
representatividade do pensamento coletivo.
O desenvolvimento está dividido em três secções, nas quais se abordará
separadamente cada um dos elementos que compõe o argumento do artigo. A secção 2 (“Neo-
forró: a indústria cultural do sertão”) trata do processo de transformação do forró – ritmo
tradicional do sertão – em um produto comercial, e como este processo alterou, ao longo do
século XX, a sua configuração, desembocando no que aqui está sendo chamado de neo-forró.
A partir desse ponto, em subsecções, serão tratados especificamente: o fenômeno da banda
Aviões do forró, relacionando sua atuação com o seu contexto histórico e cultural (como ela
nele se insere e o reproduz em seus discursos), seguindo uma discussão sobre a relação alta
cultura / baixa cultura que envolve as explicações sobre o tipo de música que é produzido pela
banda, e de uma análise dos estereótipos subjacentes à imagem da mulher. E, por
fim,antecedendo à análise das músicas, far-se-á uma discussão sobre o erótico e o
pornográfico, como estas classificações interferem no valor dos objeto culturais. Por fim, na
secção 3, proceder-se-á uma análise comparada dos discursos das “músicas sérias” junto das
músicas “maliciosas”, a fim de se demonstrar que as representações da mulher presentes nos
discursos do neo-forró são compartilhadas pelos produtores (e consumidores) da “música
séria”, através dos mencionados estereótipos.
Ressalte-se que, por estereótipos, entende-se, junto com Rosana de Lima SOARES
(2002, p. 05), o nível mais profundo das representações depreciativas. A autora distingue
entre três diferentes formas de deterioração de identidade: estigmas, preconceitos e
estereótipos. Sendo os estigmas a forma mais superficial, posto que a mais visível, famigerada
“marca infamante” que desabilita os indivíduos para o convívio pleno em sociedade; os
preconceitos surgem depois de instaurados os estigmas, como prejulgamentos que geram
aversão e intolerância contra grupos e indivíduos. “Na esteira dessas intolerâncias surgem os
estereótipos, uma espécie de clichê (forma compacta para gravação e reprodução) que se
torna um lugar-comum, um chavão” (SOARES, 2002, p. 10) utilizado sem que nos
perguntemos sobre suas significações. Assim, os estereótipos de instalam em níveis mais
profundos de internalização, podendo, a partir de estereótipos comuns, se gerarem diferentes
preconceitos e estigmas.
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2 NEO-FORRÓ: A INDÚSTRIA CULTURAL DO SERTÃO
2.1 O FORRÓ E SUAS RELAÇÕES COM A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
Não se sabe ao certo qual a etimologia da palavra forró, mas há quem diga que tenha
surgido da expressão “FOR ALL” (“para todos”), constante em placas de entradas de festas
promovidas por soldados americanos quando da construção de uma base militar em Natal, no
início do século XX (dizem uns) ou promovidas por engenheiros civis ingleses, em
Pernambuco na época da construção das ferrovias (dizem outros). Uma hipótese mais
plausível é a do folclorista Câmara Cascudo, segundo o qual a palavra forró é uma redução da
expressão africana “forrobodó”, que significa festança, fuzuê. O termo forró, entretanto – e
isso é um consenso –, era usado para designar festas, reuniões, ou algumas danças e ritmos do
nordeste. Não um ritmo específico, pois, “no forró”, poder-se-ia tocar e dançar baião, coco,
xote, xaxado, etc. (LUCCA e BASTOS, 2007)
Segundo MENEZES BASTOS (1996) (apud LUCCA e BASTOS), o forró tem
passado por um processo de ressignificação desde o seu surgimento no início do século XX,
pois tem migrado do seu contexto original no sertão nordestino para outras regiões,
adquirindo novos elementos e sofrendo reelaborações. Segundo o mesmo autor, a música de
Luiz Gonzaga alcançou grande receptividade nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste do
Brasil a partir da década de 1940, devido a um forte nacionalismo cultural que emergia
naquela época. Determinadas formas de música começaram a ser rejeitadas por serem
consideradas comerciais, industriais, alienantes e “americanizadas”. (Um bom exemplo dessas
discussões pode ser encontrado na obra Música popular: um tema em debate, de José Ramos
Tinhorão). Em contraste, a música do “Rei do Baião” era considerada expressão autêntica da
cultura nacional. A partir de então, o forró passa a ser considerado a música que representa o
sertão, ganhando projeção nacional. Além de Luiz Gonzaga, também podemos citar
compositores como José Dantas e Jackson do Pandeiro como sendo importantes nesse
processo.
Ainda segundo MENEZES BASTOS, esta idéia de pureza cultural nacional associada
desde cedo ao forró não pode passar sem ser questionada, pois já com Luiz Gonzaga, a forma
do forró passa por significativas alterações e sofre reelaborações. Isso por que, em sua origem
no sertão, o forró era designativo de festa com dança onde, como já foi mencionado, se
dançava o baião, o xote, o xaxado, o arrasta-pé, etc. E tais músicas eram caracterizadas pelo
improviso do “cantador” e dos “tocadores”. Todavia, com a inserção dessa música no
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mercado fonográfico e radiofônico, fez-se necessário alterar essa estrutura formal,
introduzindo a forma canção – pois seria ingênuo pensar que o rádio foi apenas um meio, ele
interferiu no processo de criação das formas musicais por ele veiculadas. Essa reelaboração
pode ser debitada a Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, seu grande parceiro de composição.
Segundo FERRETI (1998) (apud LUCCA e BASTOS, 2007), os anos 50 do século
XX viram a ascensão do forró tanto no Brasil como no exterior, tendo o ritmo adquirido
grande popularidade em países como Argentina e Estados Unidos. Porém, nos anos 60, com a
explosão do rock, o advento dos instrumentos eletrônicos, a febre mundial dos Beatles, o
baião (praticamente um sinônimo de forró) teria passado por um declínio, a ponto de se supor
que semelhantes manifestações artísticas tradicionais, rústicas, regionais, estivessem fadadas
ao desaparecimento. No entanto, isso não aconteceu; principalmente com as declarações de
Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros representantes da Tropicália, na década de 70,
afirmando estarem as suas raízes artísticas na música nordestina e na obra do “rei do baião”, o
forró ganhou novo fôlego nas mídias, extrapolando os limites do sertão e das periferias das
grandes cidades, redutos de nordestinos.
Surge em meados da década de 1990 do século passado, nas cidades do sudeste Rio de
Janeiro e São Paulo, uma reelaboração do forró que ficou conhecida como forró universitário,
um tipo de música que se quer, segundo CEVA (2001) (apud LUCCA E BASTOS, 2007),
herdeira do forró tradicional e pretende resgatar e valorizar a autêntica cultura nacional.
Segundo LUCCA E BASTOS (2007):
O movimento ganhou tamanha proporção que junto com a proliferação de diversas bandas; uma maneira singular de dançar com diferentes influências provenientes da dança de salão, da lambada, do two-steps norte-americano e até mesmo do tango argentino; e casas noturnas exclusivamente dedicadas ao tema, o forró tornou-se uma febre nacional. Esse novo formato de forró atingia também as mais diversas regiões do país. Surgia uma safra de composições próprias dessa nova geração de bandas de forró. Alguns exemplos dessas bandas são: Forroçacana, Paratodos, Mafuá, Bicho de pé, Rastapé, Falamansa... (p. 08)
Além dessa categoria, forró universitário, surgiu ainda uma outra, conhecida como
forró pé-de-serra; esta, como o próprio nome já deixa explícito, pretende-se, mais ainda,
herdeiro das formas tradicionais da musica nordestina – construindo de si mesmo uma
imagem de resistência às transformações descaracterizadoras do forró promovidas pela
indústria . Uma terceira categoria que pode ser elencada aqui é o forró eletrônico: tipo de
música caracterizada pelo andamento acelerado e pelo acompanhamento automático (uso de
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baterias eletrônicas e teclados, com ritmos pré-programados); deste, são representantes os
cantores Frank Aguiar e Washington Brasileiro.
Depreende-se da abordagem de LUCCA e BASTOS que, na década de 1990, o forró
sofreu reelaborações na região Sul e Sudeste, voltando para o nordeste para ser reapropriado
e, novamente, recriado pelos nordestinos. Nesse período surgem as primeiras big-bands da
indústria fonográfica do nordeste: Mastruz com Leite, Magnificus, Mel com Terra, Limão com
Mel, Calcinha Preta, etc. as quais são o início de um processo que já faz parte do surgimento
do estilo que estamos chamando de neo-forró.
Como se pode ver, o desenvolvimento do forró esteve intimamente relacionado à
indústria da música, sendo ela o meio e um elemento influenciador da criação de novas
formas e novas categorias, cada uma com suas próprias estratégias de marketing e de
produção. Num artigo apresentado ao Grupo de Trabalho “Mídia e Entretenimento”, do XVII
Encontro da Compos, na UNIP, Felipe TROTA (2008), diz o seguinte:
O mercado de música atual vive uma fase de reconfigurações e incertezas. O ponto central dessas mudanças é a crescente popularização de modelos alternativos de circulação de músicas pela sociedade, não necessariamente vinculada ou guiada pelos escritórios das grandes corporações transnacionais do entretenimento (p. 01).
TROTA está se referindo, na verdade, às dificuldades produzidas pelas sofisticadas
formas de pirataria surgidas com o advento do CD – piratarias virtuais e físicas, além do
surgimento acelerado de pequenas gravadoras – que têm lançado a indústria do disco em
sucessivas crises. Tais problemas têm a têm obrigado a buscar novas mercadorias. Segundo o
autor, a indústria do forró encontrou uma forma extremamente inteligente de lidar com estas
dificuldades, transformando o CD num instrumento de propaganda, sendo que a verdadeira
mercadoria que se objetiva vender é o show. Assim, o que as bandas de neo-forró vendem não
são “objetos culturais”, mas, no dizer de TROTA:
[...}trata-se de um “mercado da performance”, no qual as festas e apresentações ao vivo são responsáveis pela movimentação econômica e cultural em torno das práticas musicais (2007, p.3). De certa forma, os produtores envolvidos com este mercado investem no que vem sendo chamado de “economia da experiência”, ou seja, um sistema comercial no qual o consumidor paga não para adquirir um produto ou um serviço, mas “para passar algum tempo participando de uma série de eventos memoráveis” o que se torna algo único e altamente lucrativo (p. 02).
Para TROTA (p. 03), este formato midiático-industrial, “resposta criativa” à indústria
cuja base está no disco, tem sua origem na iniciativa empresarial de Emanoel Gurgel, que
criou um gigantesco aparato de produção e divulgação do forró, a fim de conquistar
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mercados. Gurgel fundou, no início dos anos 1990, a banda Mastruz com Leite, que, segundo
ele, iria “revolucionar os padrões do gênero, tornando-o ‘estilizado e progressista” (p. 03):
Para atingir o objetivo, o empresário montou um poderoso sistema de rádios via satélite que dava suporte à divulgação de seus produtos musicais, a Somzoom Sat. Sob a batuta de Gurgel, além da Mastruz formaram-se outras dezenas de bandas de perfil semelhante, divulgadas durante a década de 1990 pela rádio. Atuando ainda como gravadora, a Somzoom foi e ainda é a principal responsável pela divulgação de novas e consagradas bandas de forró eletrônico (p. 03).
Chegando o século XXI, já estava, portanto, consolidado um mercado e uma indústria
do forró no nordeste, estando à frente o estado do Ceará. No ano de 2002, entra em cena a
banda que se tornaria um dos maiores fenômenos mercadológicos desta indústria, a banda
Aviões do Forró, que, protagonizaria novas transformações estruturais na forma das canções –
explorando os timbres da sanfona e com improvisações, mas analisar estas coisas não é o
objetivo deste trabalho.
2.2 O VÔO DOS AVIÕES: FESTA, SEXO E FORRÓ – O TEOR ERÓTICO DAS LETRAS
A crise do modelo comercial centrado no disco provocou o desenvolvimento de um
novo tipo de mercadoria: a “experiência” ou “performance”. Dizendo de forma simples, é o
show, a festa, a verdadeira mercadoria vendida pela indústria do neo-forró, assumindo o CD
uma função alternativa na movimentação econômica desse tipo de comércio. Neste mercado,
a festa é a promessa da realização de experiências singulares. São estas experiências que o
público procura vivenciar ao comprar o ingresso do show (ou rememorar, ao adquirir, p.ex. o
CD ou o DVD da banda). Segundo TROTA (2008), este tipo de estratégia comercial tem
determinado o êxito do empreendimento da indústria cultural cearense (2008, p. 04).
Segundo este mesmo autor, o que determina o conteúdo diferenciado das letras do
neo-forró em relação ao forró tradicional, é a modificação das estruturas de identificação entre
os sujeitos (jovens de classe média urbana) e o teor das músicas tradicionais. Estas se referem,
em geral, ao ambiente rural, retratando as dificuldades da vida do trabalhador do campo, a
realidade dolorosa da seca e da pobreza, as formas de vida rudimentares, a migração para a
cidade e as saudades do sertão; para o jovem urbano da primeira década do século XXI, não
um padrão de reconhecimento com estas representações, que lhe parecem distantes temporal e
espacialmente. A atmosfera e o ritmo da vida urbana neste período está mais relacionada a
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shopings centers, baladas, pick-ups, sons de carro, etc. (TROTA, 2008. p. 10). Segundo o
autor:
[..] o eixo de identificação jovem festa-amor-sexo, de tendência universalizante, sofre uma territorialização ao se associar ao imaginário do forró. [...]este jovem urbano moderno (ou pós-moderno?) estabelece novos elos de identificação através da música e do consumo. E vai encontrar nas bandas de forró um conjunto de símbolos identitários e imagéticos que reforçam determinados valores compartilhados de sua herança afetiva coletiva regional, mesclando-os a referenciais simbólicos modernos e universais (TROTA, 2008, p. 11).
Estes “símbolos identitários e imagéticos” responsáveis pelo reforço dos
“determinados valores compartilhados” oriundos de uma “herança afetiva coletiva regional”
acionados pelas letras do neo-forró são vinculados ao “trinômio festa-amor-sexo”; nesse
sentido, a indústria cultural do sertão constituiu, como símbolo de identificação da juventude
de classe média urbana (interiorana ou da capital), a própria mercadoria que constitui sua
oferta de mercado – bem com das possibilidades que ela oferece. Partindo desse ponto
podemos entender o discurso das letras de forró como uma metalinguagem que aponta para o
próprio evento sócio-musical. Segundo o autor:
ao narrar as idéias de festa, amor e sexo, a banda identifica seu público potencial e faz uma espécie de propaganda de seus shows, nos quais a festa se instaura pela dança, que se relaciona à paquera e favorece a formação de casais. É através desse trinômio que a banda busca atingir o maior número de pessoas, seduzindo seu público para os momentos de lazer coletivo. Apesar de a grande maioria de suas letras narrarem de alguma forma ações protagonizadas pelo casal, a sonoridade dançante e a estrutura geral das músicas está o tempo todo vinculada ao momento coletivo de experiência social e musical dos shows (TROTA, 2008 p. 08).
Desta forma se explica a necessidade de as músicas possuírem elementos que estejam
sempre relacionados de alguma forma ao sexo, mesmo quando este está apenas latente, seja
através da narração de amores frustrados, como neste exemplo:
Coração
Para quê se apaixonou
Por alguém que nunca te amou
Alguém que nunca vai te amar
Na descrição de relações sexuais, como se percebe neste trecho:
Se eu te pego do meu jeito
Do jeito que eu to afim
É tchan, tchan, tchan
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Tchan, tchan, tchan, tchan, tchan
Tchan, tchan, tchan
Quero ouvir seu fungadinho
Ou ainda nas descrições do próprio evento, a festa, como na letra a seguir:
Vou sair na bagaceira
Hoje eu quero curtição
Vou me encontrar com a galera
Pra curtir lá no forró
O elemento festivo está, pois, intimamente associado ao elemento sexual, posto que a
promessa do show (ou seja, as possibilidades que esta mercadoria oferece) é de realização de
prazeres relacionados ao álcool e ao sexo. Sendo assim, torna-se necessário aos produtores do
neo-forró criar músicas cujo conteúdo acione estas representações já cristalizadas na
mentalidade coletiva, sendo, portanto, prontamente absorvidas. Este caráter do neo-forró
(falar aquilo que o povo já sabe) está evidenciado em frases comuns no cotidiano como “é
disso que o povo gosta”. Segundo TROTA (2008):
A partir deste reconhecimento, as redes de pertencimento e identidade são reforçadas através do compartilhamento dessa “cultura auditiva” que expressa idéias, símbolos e valores que circundam a experiência musical. [...]. Desta forma, a música de Aviões do Forró tem um endereçamento sócio-musical bastante claro: música dançante feita para jovens em festa cantarem seus dilemas sexuais e amorosos (TROTA, 2008, p.08).
O que se percebe é que os três elementos do tripé semântico do discurso do neo-forró
(festa, amor e sexo) estão sempre presentes nas letras de música, mais ou menos
explicitamente. Ainda que o tema que norteie a construção do texto de uma determinada letra
seja a desilusão amorosa, como no exemplo dado acima, o elemento sexo permanece latente
na interpretação, seja através da batida, por si mesma erótica, seja pela associação intrínseca
do amor com o sexo e da festa com a “azaração”. Ao mobilizar representações do sexo
cristalizadas na mentalidade coletiva, as letras das bandas de neo-forró, e, mais
especificamente de Aviões do Forró, acionam estereótipos de gênero subjacentes à nossa
cultura, os quais passaremos a analisar.
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3 “MULHER PARA ISSO”, MULHER PARA ”AQUILO”: ESTEREÓTIPOS
SUBJACENTES ÀS REPRESENTAÇÕES DA MULHER
Segundo MACEDO, haveria na cultura ocidental, oriundos da Idade Média, dois
modelos principais de representação da mulher: um centrado na imagem de Eva (a pecadora),
mulher sedutora, símbolo da tentação e do pecado; e outro centrado na imagem de Maria (a
redentora), a mãe, a virgem, símbolo da pureza e dos valores morais elevados. Segundo ele,
nessa estrutura, “perfilam-se imagens de uma mulher luxuriosa e pecadora, de uma mulher
essencialmente casta e virtuosa, que personificaria a salvação, de uma dama e de uma mulher
ardilosa por natureza” (MACEDO, 2002, p. 65). Portanto, dois estereótipos femininos: de um
lado a mulher pura, assexualizada, associada às virtudes da família (a esposa que se desdobra
em mãe); de outro, a mulher cuja sexualidade é desenvolvida, desligada de virtudes, associada
à impureza e à degradação moral.
Mary del PRIORE (2000, p. 21)) endossa esta constatação em sua obra A mulher no
Brasil Colonial, já através do título da primeira secção do primeiro capítulo, em que trata dos
desvios sexuais das mulheres daquele período em relação aos discursos normalizadores da
Igreja: “A Igreja e as filhas de Eva” (grifo nosso). A autora destaca as descrições dos “corpos
quentes e sensuais das escravas negras em constante intercurso sexual com seus senhores” (p.
21) através das quais Gilberto Freyre descobriria “os corpos frios das sinhás brancas” (idem).
Presente neste tipo de análise está a bipolarização da imagem feminina: negras (e outras
mulheres de comportamento sexual desviante) “com facilidades de costumes [...] surdas aos
deveres do matrimônio e genitoras de irregularidades morais” em contraposição às sinhás,
guardiãs do lar, da moralidade e imprestáveis para o sexo.
Segundo RAGO (1991), duas representações de mulher dominaram sucessivamente a
primeira e a segunda metade do século XIX: a heroína romântica, frágil e casta e a femme
fatale (que podem ser compreendidas como desdobramentos dos estereótipos já
mencionados). A própria autora destaca o fato de essas representações não serem nascidas no
século XIX, mas apenas terem se tornado mais evidentes num momento e em outro, ou seja,
são imagens cristalizadas subjacentes às representações da mulher, que apenas ganham maior
ou menor destaque em determinado contexto. Segundo ela, o que faz com que a imagem da
femme fatale venha se sobressair no final daquele século foi a importância que se deu ao sexo
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– o fato de ele ter feito do sexo “a chave de explicação dos comportamentos humanos”
(RAGO 1991, p. 202).
O destaque dado para o sexo trouxe à tona as “fantasias sexuais de uma época” (p.
202), e nestas foi revelada a imagem que se fazia da mulher sexualmente desenvolvida:
A femme fatale, cheia de artifícios, ousada e extravagante, foi dotada de um instinto sexual indomável, selvagem, insaciável [...]. uma figura dotada de uma supersexualidade, noturna, má, bela, encarnando o primado do instinto sobre a razão. [...] Num clima de orgia e depravação, a femme fatale revela sua arte em transfigurar o próprio corpo pela magia dos artifícios, reafirmando ao mesmo tempo o destino da mulher como grande tentação, pois sua natureza está destinada a não se ausentar do corpo. (RAGO 1991, p. 204 e 205, grifo nosso)
Aceito o pressuposto da existência de dois estereótipos femininos subjacentes às
representações da mulher – um associado ao sexo, com atributos depreciativos; outro
associado à família com atributos normativos – pode-se, a partir de ligações mais comuns com
as imagens da prostituta (ou simplesmente puta), para o sexo, e da esposa para os valores
morais familiares, usar essas duas imagens como metáforas desses estereótipos. A esposa, por
motivos óbvios; mas, quanto à utilização da prostituta como símbolo da mulher sexualizada,
isto requer alguma argumentação.
No senso comum, pode-se encontrar algumas frases do tipo “fulana é uma mulher pra
casar”, em contraposição a falas como “fulana é mulher pra transar”. Esta dicotomia da
imagem feminina reflete e demonstra aquilo que já vimos argumentando, mas há um fator que
deve ser destacado: esta mulher “pra transar” é sempre representada por atributos
depreciativos e tem estreita relação com a prostituta (entendida aqui não como “profissional
do sexo”, mas como mulher disponível para o sexo).
Segundo NASCIMENTO (2008), ao tratar do mesmo assunto de que trata este artigo,
só que nas representações da música baiana, e refletindo sobre a denominação “piriguete”,
utilizada por aqueles produtores culturais:
[...] a denominação piriguete parece querer dizer “estar a perigo”, ou seja, aciona o sentido de uma sexualidade desbragada, da mulher fora de normas sociais, aproximando da prostituta, aquela que representa, no modelo da modernidade, a outra, a não casta, a não pura, excluída das práticas sociais por não ter a função da reprodução, do casamento e de criar filhos. Aquela que é desviante de um modelo construído na modernidade e que se tornou um modelo de mulher submissa dirigido para o casamento, ou seja, destinada para o espaço doméstico (exercendo o papel de esposa, mãe) (NASCIMENTO, 2008, p. 03, grifo nosso).
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Como se pode perceber, em níveis mais ou menos evidentes, a representação da
mulher que aciona seus atributos sexuais tem sempre estreita ligação com a imagem da
prostituta, mulher sexualizada por excelência; devido a isso, as produções culturais que
representam mulheres em atividades sexuais tendem a usar atribuições depreciativas, pois
ativam os modelos já preexistentes na mentalidade coletiva. No trinômio festa-amor-sexo,
presente não só nas produções do neo-forró, mas também na música baiana – e, como se pode
depreender da leitura de RAGO (1991), já atuantes nas representações da imprensa paulista
do século XIX sobre a prostituição –, o papel legado á mulher é sempre muito próximo do da
prostituta “num clima de orgia e depravação”. Não seria exagero, portanto, afirmar que,
sempre que acionada a imagem da mulher num contexto de erotismo, esta tem por trás de si,
um estereótipo associado ao imaginário sobre a prostituta, antípoda da esposa – associada à
maternidade e, portanto, desprovida de atributos sexuais (RAGO, 1985, p. 82).
4 MÚSICA E HIERARQUIZAÇÃO CULTURAL: A BAIXARIA EM QUESTÃO
4.1 CULTURA INFERIOR E ALTA CULTURA NO BRASIL
Definir alta e baixa cultura no Brasil é uma tarefa que enfrenta grandes dificuldades.
Na Europa, podia-se com uma relativa facilidade distinguir o popular do erudito, o “da elite”
do “do povo”, construindo uma noção classista do que seria alta cultura e baixa cultura. No
Brasil, entretanto, as correntes nacionalistas introduziram dificuldades nessa definição,
preocupados com interferências de culturas estrangeiras (primeiro a européia, depois a
americana), produzindo paradoxos na definição de uma “alta cultura” brasileira. O binômio
“popular/erudito”, embora muito presente nos julgamentos, não é o único padrão; um outro –
o de cultura nacional/cultura estrangeira – também intervém nesta definição. Segundo
TRAVASSOS (2000):
[...] duas linhas de forças tensionam o entendimento de música no Brasil, e projetam-se nos livros que contam sua história: a alternância entre modelos europeus e descoberta de um caminho próprio de um lado e a dicotomia entre erudito e popular (TRAVASSOS, 2000p. 07).
Desde os primeiros estudos sobre música popular, com o filósofo alemão Theodor
Adorno, uma dicotomia tem sido a base das interpretações: a separação entre a “música
popular” e a “música séria”. Segundo NAPOLITANO (2005), o pensador frankfurtiano
concebia a música popular como uma “regressão da audição”, uma vez que:
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Não havendo mais o conceito tradicional de indivíduo, não haveria subjetividade e escolha na experiência social da arte. Não se poderia vislumbrar o “valor de uso” da obra, pois as massas só poderiam reconhecer o seu valor de troca, socialmente determinado [...] O consumo musical desprendeu-se do material musical em si; consome-se o sucesso acumulado reconhecido como tal: “fetichismo musical”, consumo de música como mercadoria “autofabricada”, apreciada conforme a medida de seu próprio sucesso e não pela assimilação profunda da obra (NAPOLITANO, 2005p. 25).
“Música séria”, para o filósofo de Frankfurt, se definiria, por seu turno, como um tipo
de arte que se presta à reflexão e à contemplação, não estando dependente do mercado, sendo
uma expressão da subjetividade individualizada (indivíduo aqui se opões a “massa”) tanto na
sua composição, quanto na contemplação: o compositor está livre das exigências
mercadológicas, criando segundo a sua sensibilidade, e o ouvinte escuta livremente, pois não
tem a sua subjetividade esmagada pela propaganda, pela repetição exaustiva, nem pela
estandardização, promovida pela indústria cultural: a música séria tem, pois, uma
autenticidade que é impossível à “música popular” (Idem, ibidem)
Essas noções se inserem numa discussão mais ampla que envolveu Adorno e o
filósofo berlinense Walter Benjamin: este concebia a arte pós-aurática – ou seja, aquela que é
dada apenas para o entretenimento – como tendo possibilidades de educar o trabalhador para a
revolução, enquanto este se divertia; Adorna, pelo contrário, concebendo este tipo de arte da
forma anteriormente descrita, negava-lhe qualquer potencialidade libertadora, posto que ela
era a própria celebração da morte do sujeito consciente (Idem, ibidem).
Desta forma, no Brasil, dificuldades para se definir quando uma obra é genuinamente
artística ou não, congestionam-se em duas antinomias distintas que podem se combinar: num
pólo “cultura erudita” x “cultura popular”, com uma conotação classista e/ou mercadológica;
no outro, “cultura nacional” x “cultura estrangeira”, numa conotação que podemos chamar de
“purista”.
A conotação classista e/ou mercadológica (mais próxima de Adorno) tende a
compreender a “música séria” como expressão de uma experiência autêntica calcada no
“gosto”, criação original de artistas livres das exigências de mercado, que produzem sua arte
com um sentimento sacerdotal, a qual é contemplada com análogo sentimento (relações entre
a experiência estética e a experiência religiosa na arte aurática) (NAPOLITANO, 2005).
Enquanto que a “música popular” pertenceria a um tipo de experiência alienante, desprovida
de subjetividade tanto no processo de produção quanto no de consumo, uma vez que uma e
outro são determinados pelas exigências mercadológicas da indústria cultural.
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Neste ponto, os dois padrões de definição para música considerada de baixo valor no
Brasil se encontram: quando música comercial passa a ser sinônimo de música estrangeira.
Assim a música de massa, largamente consumida pelo “povo” se confunde com as
padronizações do mercado internacional, sobretudo americano, e, como alternativa, a “música
popular”, no sentido de música tradicional ou folclórica, passa a ser considerada a música
“pura”, genuinamente brasileira.
Foi semelhante pensamento que levou às terríveis polêmicas quando da instauração da
Bossa Nova. Esta, com sua notável influência da música americana, sendo criticada como
alienação da expressão artística nacional (TINHORÃO, 2002), ao mesmo tempo em que a
produção musical de Luiz Gonzaga era ovacionada pelos mesmos críticos como expressão
autêntica da cultura nacional. Assim se forma um padrão de avaliação que passa a conceber as
manifestações artísticas tanto mais autênticas quanto mais parecidas com as manifestações
culturais “tradicionais” e afastadas da indústria de massa; ao mesmo tempo em que se requer
um refinamento formal das obras de arte, de forma que, ainda que paradoxalmente, tal obra se
aproxime do “erudito”, estando acima das manifestações toscas do “povão”.
4.2 O NEO-FORRÓ COMO CULTURA INFERIOR
Nessa conjuntura, o neo-forró é uma manifestação duplamente depreciada: primeiro
por ser uma forma de “corrupção” do forró “tradicional” empreendida pela indústria, cujos
interesses são sempre associados aos mercados internacionais; depois, por estar associada ao
gosto inferior das classes populares incultas. Segundo TROTA (2008. p. 04), ao montar nos
seus shows uma estrutura que, visualmente, privilegia as dançarinas semi-nuas, com forte
apelo não só ao público masculino, mas também feminino, formando padrões de
identificação, a banda Aviões do Forró:
[...] produz uma semelhança visual estreita tanto com outras bandas de forró, axé e brega, quanto com os programas de auditório televisivos como o célebre Programa do Chacrinha e o atual Domingão do Faustão. Nesse sentido, o perfil estético visual do show de Aviões dialoga com regras formais do universo do forró eletrônico e, ao mesmo tempo, com padrões vigentes na indústria do entretenimento, negociando significados e valores.
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Dessa associação com os dois tipos de manifestações culturais depreciadas no Brasil (a
corrupção de estilos tradicionais nacionais e ligação com a indústria cultural e, portanto, com
o mercado exterior) as bandas de neo-forró são classificadas como uma manifestação cultural
inferior, pois impura e mercadológica, industrializada e fabricada. Por outro lado, há a
resistência ao tipo de linguagem utilizada pelos letristas, com abundância de palavras de baixo
calão, além de construções gramaticalmente incorretas e palavras mal pronunciadas.
“Putaria”, “fulerage”, “bagacera”, “raparigage”; “safadinha”, “as puta”, “gostosinha”,
“cachorra”; são alguns exemplos extraídos do vocabulário do neo-forró. Os apelidos dados ao
órgão sexual feminino, como “bichinho” e “raxada” (com x mesmo), juntamente com
descrições de cenas “grotescas” como o ato de dar “lapada na raxada”, ou de deixar “você
bem molinho”, entre muitas outras construções do gênero, completam o quadro da imagética
sexual do neo-forró que é assim caracterizado como uma manifestação de cultura inferior.
Dessa estigmatização decorrem as explicações sobre o caráter depreciativo das representações
femininas: por se tratar de algo feito por gente inculta , para gente inculta (grosseria),
buscando apenas o lucro no comércio dos shows e dos CDs, sem importar a “qualidade” do
material.
5 ANÁLISE COMPARATIVA DAS LETRAS DO NEO-FORRÓ E DA MPB
Resumo da ópera até agora: A análise de discursos sobre gênero pode desvelar os
esquemas interpretativos assimétricos que dão sustentação à estrutura do poder sexual na
sociedade, sendo a música um campo fértil para tais análises, uma vez que, como bem cultural
compartilhado, pode revelar esquemas e estereótipos subjacentes à cultura. O neo-forró,
indústria cultural que tem como tripé de seu discurso (mercadoria) o trinômio sexo-amor-
festa, precisa acionar imagens de teor sexual para ao êxito comercial e, acionando estas
imagens, ele revela que construções se tem da imagem da mulher quando relacionada ao sexo.
A aposta deste trabalho é que o conteúdo depreciativo que tais músicas acionam não é devido
ao seu caráter comercial, nem a uma inferioridade cultural, como costuma ser argumentado,
mas é simplesmente devido ao fato de estas representações já estarem presentes na nossa
cultura, o que pode ser demonstrado através da análise de músicas consideradas “sérias”.
Procura-se demonstrar que, quando relacionada ao sexo, a mulher é sempre estereotipada e
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seu estereótipo é a imagem da puta (em contraposição à esposa/mãe, assexualizada, posto que
pura).
5.1 IMAGENS DA MULHER ESTEREOTIPADA
O sexo associado que foi na cultura cristã à impureza; e a mulher, associada que foi ao
sexo e ao pecado, encontraram na imagem da “prostituta” sua síntese. A mulher “de respeito”,
apesar das transformações ocorridas no fim do século XX, ainda deve manter uma postura de
recato diante do sexo, pois a mulher que a ele se entrega carrega o pejo de prostituta. Como se
verá a seguir há uma recorrência da imagem da “puta” – nem sempre explícitas – na
construção de representações de ações sexuais. Passemos à música “Viciado em Putaria” de
Aviões do Forró:
Sou viciado em puta, em putariaComigo não tem chororó nem agoniaSou viciado em puta, em putariaA minha vida é só amor só alegriaEu amanheço o dia farreando e forrozando
com uma gata do meu lado é dois pra lá e dois pra cáEu vou pra cama com ela na bagaceira
passo a marcha de primeira e boto a máquina pra gerarBeijo a morena arrocho a loira e a coroa
levo numa boa porque quero aproveitarSou da zueira sou o bom e chego cedo
com mulher não tem segredo é ter dinheiro pra gastar
Neste exemplo, ergue-se a voz masculina afirmando sua virilidade através do gosto
exagerado por mulher. No entanto, esta mulher não é um ser “real”, mas um estereótipo
recorrente em muitas representações: a “gata” que quer o homem por que tem “dinheiro pra
gastar”. Note que não é a uma profissional que o enunciador se refere, estão enumeradas “a
gata do meu lado” (seja ela quem for), “a morena”, “ a loira” e “a coroa”: mulheres de todas
as cores e idades, se são “da zoeira”, se vão pra “cama na bagaceira”, para o enunciador, são
todas “putas”. Para o enunciador, “putaria” é o mesmo que farra: fazer “putaria” equivale, em
seu discurso a levar mulheres para a cama. No final, ele justifica sua conceopção de mulher:
“com mulher não tem segredo é ter dinheiro pra gastar”. Independente de ser ou não
“profissiona do sexo”, as “mulheres pra transar” são, até no interesse, prostitutas.
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O tom depreciativo prossegue na música “A solteirona” da mesma banda:
Solteirona se cansou de viver sozinhaAgora está querendo se apaixonarNão quer mais viver sofrendo de solidãoSolteirona tá doidinha pra se casar[...]
Solteirona, bonitona, gostosonaQue maravilha... que loucura de mulherCachorrona, malandrona, safadonaVem pra mim morena, que eu estou a fimFaz de mim o que quiser
Seu corpo ainda é uma mata virgemLugar que homem nenhum conseguiu tocarBem no meio dessa mata tem uma fonteE nessa fonte ninguém conseguiu chegar[...]
Solteirona, bonitona, gostosonaQue maravilha... que loucura de mulherCachorrona, malandrona, safadonaVem pra mim morena, que eu estou a fimFaz de mim o que quiser
Interessante nesta letra é o fato de o enunciador se referir a uma mulher virgem. A
certa altura, ele dis que daria qualquer coisa para ser seu primeiro homem. Entretanto, ao
incocá-la, ele usa as palavras “Solteirona, bonitona, gostosona” e “Cachorrona, malandrona,
safadona”. Sendo a mulher virgem, o que motivaria o enunciador a chamá-la “safadona”,
malandrona”, se dissemos que é a representação da mulher sexualizada que possui um
estereótipo depreciativo? O fato é que, nesta música, o enunciador está planejando passar a
noite com a mulher, e o simples fato de ele desejá-la sexualmente, torna-a uma “cachorrona”.
Ele antecipa as coisas que dirá quando estiver no ato do sexo, ele aposta que, se ela quer
transar, necessariamente ela quererá ser xingada, por que a imagem que ele faz da mulher que
transa – e que é cpompartilhada por seus ouvintes – é a da submissão, ele tem que tratá-la
como trataria uma puta, sendo ela virgem ou não, mais velha do que ele ou não.O que o
qutoriza a dizer isso é o que ele afirmna numa oura canção: ‘De rapariga eu entendo/
Sou viciado, o meu consumo é mulher” – “rapariga”, um sinônimo de puta, para o enunciador,
é também sinônimo de “mulher”, a qual ele consome desenfreadamente.
Na música “Adultério”, temos um interessante exemplo de intersecção entre as
imagend da amante, da prosituta (profissional) e da “namorada” (esposa). O enunciador
acorda “de ressaca”, com a “cachorra” na cama: se ela dormiu com ele, certamente não é uma
profissional, mas uma aventura da noite anterior, uma amante eventual. Ele afirma que “orgia
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tomou conta” de si, e que sair na 4/4 para voar com “a mulher boa” (em algumas versões ao
vivo, o cantor diz “bicha boa”). E se a “bicha” for realmente boa, o enunciador afirma: “o
bagulho tá sério/ vai rolar um adultério”.
Na estrofe seguinte, ele dá um conselho aos homens:
Sua mina só reclama e tira a sua paz
Ela é chata demais
Proucura a profissional meu mano
Que ela sabe o que faz
É uma coisa louca
Quica quica em cima de mim, assim
Antes, durante e depois vai
Até o fim
Sentada no meu colo o tempo voa
wisky red bull, quanta mulher boa
Olha que vixe o bagulho tá sério
Vai rolar um adultério
A “mina”,a namorada, a não-puta, é representada como megera que não presta para o
sexo: “só reclama”, “é chata demais”, “tira a paz”. A partir daí, o enunciador aciona a imagem
da puta, com sua competência na cama, seguindo uma descrição dos movimentos da
profisional, quicando, quicando, sobre si, demonstrando que a competência sexual não é um
atributo das “esposas”, e sim das putas. Para o enunciador, “quem sabe o que faz” é
profissional, ou seja, é prostituta: a “cachorra” da noite da noite anterior poderia até não ser
uma prostituta, mas era uma puta, por que sabia fazer, fez “a orgia tomar conta” dele.
Depreende-se desta construção a relação entre sexo e protituta na definição da
atividadecsexual feminina.
Muitos críticos, tanto na academia, quanto no senso comum, debitam tais construções
tão depreciativas, ao baixo nível cultural das músicas do neo-forró, ou da “vertente maliciosa
da música popular brasileira”. Mas, não seria possível detectar manifestações dos mesmosm
esterótipos em produções consideradas superiores, apenas veladas pelo maior refinamento
linguístico?
Na música “Veneno” de Vanessa da Matta, por exemplo, ouvimos a voz feminina,
metaforizar o amor através das relações comerciais da prostituta. Ela se dirige ao seu amante,
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como se se dirigisse a um cliente. É notório não se tratar de uma reação entre prostituta e
cliente, pelo fato de os “preços” terem um sentido metafórico, sublimado, mas, ´para dar o
teor arótico da canção, a cantora utiliza-se da aproximação da mulher apaixonada que deiza
seu amor, com a imagem da puta. E, para postar-se superir em relação a ele, aciona a imagem
da femme fatale sobre si mesma:
VenenoNão me beije que eu tenho venenoÉ meu preço não faço por menosMas depois te amareiVenenoEsta vida é tão pouca e pequenaNestes lábios tem todo o venenoQue você ama e querTodos os sentidos, cada gotaD'água, nesses mares de prazerVenenoCor-de-rosa suave e morenoNestes seios tem todo o venenoQue você chama amor
Nota-se nas entrelinhas o fim de caso, a mulher ressentida que quer machucar o
homem que deixa, mas ela projeta sobre si a imagem da prostituta na frase “é meu preço, não
faço por menos”, definindo a si mesma como mulher fatal, peçonhenta, de veneno suave, nos
seios e nos lábios – é esse perigo que dá o teor fortemente erótico da música: para representar-
se a si mesma como mulher sexualizada, erotizada, ela se representou como prostituta.
“A tua boca”, de Zeca Baleiro, com seu requinte pético, soa quase como uma resposta
ao tom ameaçador de “Veneno”, mas não deixa de acionar a imagem estereotipada da “vadia”
ao representar a mulher fazendo sexo:
Não é veneno a tua bocaQuando chama a luz do diaQuando diz que a chama é poucaQuando ama tão vadiaSe reclama ser tão poucaA outra boca que esvaziaQuando beija ou abandonaQuando clama entre as chamasQuando chia
Quando pia entre as ramasQuando adoça é como ardiaNão é veneno quando mataQuando salva e quando adiaQuando loucaNão é veneno a tua bocaQuando é coisa de magia...
Quando cobra que se enrosca
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Quando água que se afogaQuando forca que alivia...
As ameaças da femme fatale são reiteradas nas alusões à “forca que alivia”, à “cobra
que se enrosca”, “água que afoga” – cada coisa com seu perigo contingente; ou em ações
como o “veneno quando mata”, a boca que “beija e abandona”. (Aliás, o abandono é uma das
características recorrentes à imagem da puta sobreposta à da femme fatale, como veremos
adiante). O estereótipo da puta é acionado no verso 4, “quando ama tão vadia”; com isso o
enunciador sugere a qualidade do sexo da mulher, afirmando que, nessa hora, ela se torna uma
vadia, ou o faz à maneira delas. Recorrêmcia do estereótipo da puta na imagem da muher
erotizada.
Os exemplos podem se multiplicar. Uma outra música de Zaca Baleiro, em que não há
qualquer descrição da mulher ou de uma relação com ela, além de “Beijei seu sexo/
Puro mel de abelha”, simplesmente pelo fato de haver a descrição de um ato libidinoso, ele
titulou “Puta”. Arnaldo Antunes, em “Consumado”, e lembre-se a conotação sexual da
palavra “consumado”, diz que já fez “uma chanson d'amour”, “um love song for you”, “una
canzone per te”:
Primeiro eu fiz um blues
Não era tão feliz
E de um samba-canção
Até baião eu fiz...
Tentei o tchá tchá tchá
Tentei um yê yê yê
Tô louco prá fazer
Um funk pra você...
Ou seja, ele afirma o seu desejo pela mulher, afirmando que já não que dizer coisinhas
sentimentais. Com suas sutilezas, ele diz querer chamá-la de “cachorra”, “popozuda”,
“preparada”, “piriguete” – e outros apelidos bem mais “grosseiros”.
Pode-se confirmar, desta forma, a recorrência dos estereótpos depresciativos sobre a
imagem da muher nas elaborações mais prestigiadas, assim como nas músicas de fáci
consumo, como o neo-forró. Demontrndo, assim, e existência de estereótipos subjacentes à
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nossa própria cultura, que evidenciam a noção de sexo como algo impuro e a mulher
erotizada, sexualizada, como um ser degradado e degradane, perigoso ou “a perigo”, “uma
puta”, uma “femme fatale”.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se diante do aqui exposto que o forró é uma manifestação cultural que vem
sofrendo transformações durante o século XX, impulsionadas pela indústria cultural e que,
nas suas configurações mais recentes tem sido considerado um tipo de música iferior, pois
produzida para o consumo rápido no mercado e “corrupção” da forma tradicional da arte
musical do nordeste.No entanto, o sucesso no mercado, sua ampla difusão e o fato de ele criar
laços de identificação e sociabilidade tornam-no um instrumento privilegiado de pesquisa,
pois ajuda a desvelar traços culturais compartilhados de nossa cultura, no período que
vivemos. Sendo a relação homem/muher um tema rcorrente no tripé sexo-festa-amor que
compõe a base de seus discursos e que cria os traços de identificação com o público (e do
públiso consigo mesmo), o neo-forró é um campo privilegiado para o estudo das construções
culturais da relação entre os gêneros, podedo revelar estratégias de dominação e de definição
dos papéis do masculino e do feminino na sociedade – principalmente diante do fato de haver
representações altamente depreciativas da mulher nas letras de teor erótico, quelhe definem o
papel sexual.
Considera-se também que, apesar de a maioria das pessoas considerar as
representações depreciativas da mulher em músicas de teor erótico do neo-forró como um
reflexo do baixo nível cultural e estético destas produções, na verdade, são essas
representações da mulher, calcadas em estereótipos subjacentes compartilhados por toda a
sociedade, por toda a nossa cultura, e isso é que explica o fenômeno. Como foi demonstrado,
tais estereótipos podem ser desvelados também em letras de músicas mais prestigiadas na
cena cultural. Considera-se qie, a manutenção destes estereótipos serve como manutenção dos
papéis sociais destinados a homens e mulheres na sociedade, pois participam da definição da
relação masculino/feminino.
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A mulher erotizada aparece sempre relacionada à prostituta, en quanto a “esposa/mãe”
é representada desprovida de sexualidade. Portanto, ao descrever cenas de sexo, ou relações
eróticas, os enunciadores de discurso, sehja no neo-forró, seja na MPB, repreentam a mulher
como “puta”, “vadia”, “rapariga”, “cachorra” etc. Com o requinte formal dos versos de Zeca
Baleiro e Arnaldo Antunes ou com o escrachamento das letras de Aviões do Forró, a mulher
para ser “sexual” deve ser “putalizada’, ou mesmopara se acançar os efeitos eróticos das
canções, como nao caso de “Veneno” de Vanessa de Matta, essas imagens depreciativas (mas
também mágicas) devem ser acionadas.
Um aspecto que não foi abordado aqui,mas que é relevante e pode ser tratado em
pesuqisa posterior é como as jovens “forrozeiras”, assumem os estereótipos que são sobre elas
projetadas, agindo, falando e se vestindo da forma como as canções as descrevem; e como os
homens esperam esse comportamento delas, ou seja, como as representações produzidas pela
indústria cultura do forró, calcadas no tripé amor-sexo-festa, produzem identidades e formas
de sociabilidades reais, envolvendo sujeitos estereotipados, não apenas os seus estereótipos.
Um primeiro passo já foi dado.
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