Representação do Espaço na Imagem Publicitária · como fundamental no processo de comunicação...

104
Representação do Espaço na Imagem Publicitária Maria Celsa Rebelo Gil Alves 1 Universidade da Beira Interior 1 Dissertação de Mestrado realizada sob orientação do Professor Doutor Eduardo José Marcos Camilo do Departamento de Comunicação e Artes e sob Co-orientação do Professor Doutor Miguel Santiago Fernandes do Depar- tamento de Engenharia Civil e Arquitectura, apresentado à Universidade da Beira Interior para a obtenção do Grau de Mestre em Comunicação Estratég- ica: Publicidade e Relações Públicas, registado na DGES.

Transcript of Representação do Espaço na Imagem Publicitária · como fundamental no processo de comunicação...

  • Representao do Espao na ImagemPublicitria

    Maria Celsa Rebelo Gil Alves1

    Universidade da Beira Interior

    1Dissertao de Mestrado realizada sob orientao do Professor DoutorEduardo Jos Marcos Camilo do Departamento de Comunicao e Artes esob Co-orientao do Professor Doutor Miguel Santiago Fernandes do Depar-tamento de Engenharia Civil e Arquitectura, apresentado Universidade daBeira Interior para a obteno do Grau de Mestre em Comunicao Estratg-ica: Publicidade e Relaes Pblicas, registado na DGES.

  • ndice

    1 Introduo 5

    2 Enquadramentos 92.1 As Origens da Dimenso Espacial . . . . . . . . . . . 9

    2.1.1 Arquitectura e o Cenrio . . . . . . . . . . . . 92.1.2 Reflectir o Espao: Arte e Funo . . . . . . . 16

    2.2 Organizao da Dimenso Espacial . . . . . . . . . . . 212.2.1 Espao Antropolgico e Etnolgico . . . . . . 252.2.2 Espao Histrico . . . . . . . . . . . . . . . 372.2.3 Espao Relacional . . . . . . . . . . . . . . . 472.2.4 Espao (in)Temporal . . . . . . . . . . . . . . 582.2.5 Espao Social . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    2.3 Das Referncias Conceptuais Sobre Espao . . . . . . 78

    3 Anlises 803.1 Contextualizao dos Produtos: Categorias de Mer-

    cadoria vs Categorias de Espaos . . . . . . . . . . . . 803.2 Organizao do Corpus de Anlise . . . . . . . . . . 81

    3.2.1 Alto Envolvimento com Motivao Informa-cional/Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

    3.2.2 Alto envolvimento com Motivao Transforma-cional/Emocional . . . . . . . . . . . . . . . . 87

    3.2.3 Baixo Envolvimento com Motivao Informa-cional/Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    3.2.4 Baixo Envolvimento com Motivao Transfor-macional/Emocional . . . . . . . . . . . . . . 92

    2

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 3

    4 Resultados e concluses 96

    5 Bibliografia 1005.1 Electrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1025.2 Teses e Provas Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1025.3 Publicaes Peridicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

    www.bocc.ubi.pt

  • Resumo

    Pretendemos com este estudo descortinar sentidos e significados na rep-resentao do espao da imagem publicitria, tendo como refernciaum corpus de anlise constitudo pelas revistas femininas da Vogue, doperodo de Setembro a Novembro de 2008. Foram construdas concep-tualizaes espaciais a partir dos estudos dos antroplogos Edward T.Hall e Marc Aug. Propusemo-nos compreender os padres de compor-tamento que determinam as relaes espaciais. A leitura subjacente acada imagem suportada por um contexto cultural do comportamento.Na linguagem no-verbal, existe uma substancial diversidade de com-portamentos que precisamos de explorar e compreender, este estudocentrou-se fazer a ligao entre a linguagem corporal e a do tempo e doespao. A imagem publicitria transmite inmeros significados; todosos smbolos, sinais e signos que a constituem tm uma funo espec-fica superior que est intimamente ligada orientao do pblico alvo, apartir da identificao dos seus padres culturais. O espao entendidocomo um meio, ou um instrumento, onde se descobrem comunicaescontextuais e se faz produo de sentidos, poderemos concluir que o es-pao comunicao de contextos. Desenvolvemos um trabalho que temcomo objectivo compreender o modo como o espao, atravs das suascaractersticas, produz significaes publicitrias. Assim, nesta disser-tao de mestrado, descortinmos uma grande diversidade de espaos.Estas espacialidades so o resultado dos vrios factores culturais que,no nosso quotidiano, assumem uma importncia vital para a compreen-so da sua dimenso oculta. O entendimento do espao , antes de mais,a forma de decifar uma linguagem prpria, que carregamos ao longo danossa existncia, que pertence cultura onde estamos inseridos e, em-piricamente aprendemos a usar e respeitar.

  • Abstract

    With this study, we intend to perceive the meaning and significance inthe representation of space within the publicity image, having for refer-ence the magazines of Vogue of the period of September to Novemberof 2008. From the studies of the anthropologists Edward T. Hall andMarc Aug, we have formed conceptualizations of space. We have setourselves to inovate by trying to understand the complicated patterns ofbehavior which determine the assotiations of space, that is, the readingthat each image conveys is supported by a cultural context of behaviour.In the non-verbal language there is a huge diversity of behaviour that weneed to understand and explore. This study wishes to establish the con-nection between the body language and the language present in time andspace. The image in publicity communicates countless meanings. Thesymbols and signs that build it are not there by mere chance, they havean important function: to guide the target audience from the identifica-tion of their cultural patterns. Space is understoood as an instrumentwhere contextual communications are found and meanings produced.We can declare that space is the communication of contexts. This workhas been developed with the objective of perceiving the way that spaceproduces significances in publicity, through its characteristics. In thisthesis, we have found a great diversity of spaces. These spaces are theresult of the different cultural factors that assume a vital importance tothe recognition of their occult dimension in our daily life. Understand-ing the space is, primarily, a way of decoding one?s language, a lan-guage that we carry through our existence, and learn to use empirically,since it belongs to the culture in which we were raised.

  • Captulo 1

    Introduo

    Tendo por base os estudos de Edward T. Hall1 , os conceitos de es-pao e tempo so instrumentos atravs dos quais os seres humanos po-dem transmitir mensagens. O Homem vive numa comunidade scio-lingustico-cultural, isto , est num determinado lugar (o seu espao),num certo tempo (o tempo histrico) e sofre as influncias de todos osvalores (sociais, morais, religiosos, polticos, ticos, etc). Referimostambm como importantes os elementos culturais lingusticos de quefaz uso, e que, por sua vez, formam a sua ?viso de mundo? e, aolongo do percurso histrico, realimentam o seu saber compartilhado. o ser humano, portanto, um ser de linguagem, ou seja, um ser dediscurso. No entanto, o homem tambm se exprime atravs das suasroupas, do seu sorriso, dos seus olhares, enfim, dos seus comportamen-tos. As artes plsticas, musicais, tecnologias, literatura, arquitectura eoutras so tambm formas de expresso que o caracterizam. precisa-mente sobre o aspecto arquitectnico no espao da paisagem public-itria que incide esta dissertao. Pretendemos desenvolver um trabalhoque tem como objectivo compreender o modo como o espao interfere,atravs das suas marcas, na criao de significaes publicitrias. A de-ciso de realizar um estudo sobre esta temtica prende-se com o factode defender que a linguagem no verbal um meio de comunicaoprivilegiado, intenso, de conotaes estticas e formais. A experinciaparticular de um lugar subjectiva e evoca mltiplas sensaes, e , navertente desse campo de fenmenos, que pretendemos aprofundar este

    1Hall, Edward T. (1986). A Dimenso Oculta. Editora Relgio d?gua. Lisboa

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 7

    estudo. Nesta perspectiva, propomos a seguinte problemtica: em quemedida a experincia do espao ? que uma experincia decorrentede significados sobre o espao transmitido nas mensagens ? se assumecomo fundamental no processo de comunicao publicitria. Por suavez, este problema dever ser representado em duas questes centrais:

    a) Como que o espao representado no discurso da imagem pub-licitria comunica?

    b) De que forma ele se assume como elemento omnipresente que,no mbito da imagem publicitria, est subjacente, no s os-tentao dos produtos, mas tambm s relaes que os sujeitoscom eles estabelecem?

    Para alm do enquadramento terico sobre o estatuto do espao na co-municao, esta dissertao composta por uma anlise sobre as rep-resentaes no espao encenado em mensagens de publicidade, veic-uladas na edio Portuguesa da revista Vogue, de 2008 (de Setembroa Novembro), constituda por o que constitui um corpus de anlise de201 anncios, em anexo (anexo n 1). Esta publicao teve o seu incioem 1892, na cidade de Nova Iorque, comeando por ser um semanriodestinado a satisfazer as necessidades da aristocracia Nova-Iorquina,passando por inmeras transformaes at chegar a ns, como hojea conhecemos. Em Portugal, esta publicao impressa desde Out-ubro de 2002. Este estudo encontra-se dividido em dois captulos. Noprimeiro, iremos abordar o conceito de espao publicitrio e a sua re-lao com a arquitectura. A arquitectura entendida como base de con-struo de cenrio; a arquitectura como disposio de espao fixo, util-itrio e artstico. Em que medida o espao comunica? Ser que al-gumas disposies espaciais constituem um roteiro que orienta e en-fatiza determinados produtos no mbito das imagens publicitrias? Osegundo captulo relaciona-se com o valor do espao publicitrio, a suafuno utilitria, procurando estabelecer categorias e determinar o seuvalor de presentatividade a partir de uma anlise emprica. O nossopropsito consiste na ponderao da relao entre significados cnicosque povoam o nosso consciente, representados no espao publicitrioda revista Vogue e, tambm, compreender as estruturas de poder persua-sivo e de seduo existentes nas imagens publicitrias. Este captulo

    www.bocc.ubi.pt

  • 8 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    exclusivamente de cariz aplicado e iremos averiguar se possvel asso-ciar qualquer disposio espacial categoria de cenrio. Estas relaesforam estabelecidas tendo como base a contextualizao destes espaos,com vrias estratgias publicitrias apresentadas na grelha de Rossiter,Percy e Donovan2 . Comearemos por delimitar conceptualmente o queentendemos por espao (publicitrio): toda a estrutura cnica - fixa,semi-fixa, informal (inexistente ou significando pela sua inexistncia)que utilizada para representar e enfatizar um determinado produto ouartigo comercial. A este propsito, pretendemos salientar como a con-struo cnica estabelece uma relao estreita com o mundo da arquitec-tura, a partir da qual se desenvolve a construo do cenrio publicitrio.Assim sendo, torna-se importante analisar a forma como cenografia earquitectura se interligam na produo de significaes publicitrios.Tentaremos, assim, clarificar esta nossa inteno, descortinamos as ori-gens da arquitectura e da cenografia, os objectivos de cada uma, as sen-saes que provocam no espectador e os exemplos mais flagrantes ondese pretende transmitir ideias claras ao observador. Toda esta reflexo es-tar patente no ponto 1 do captulo I desta dissertao. Passaremos, emseguida, a algumas consideraes relativamente ao corpus de anlise:

    1. As imagens publicitria que nos propomos analisar, so com-postas por fotografias relativas a combinaes de mercadoriase/ou personagens, localizadas em cenrios diversos;

    2. Esta dissertao tem por base terica as contribuies do paradigmada proxmica de Edward T. Hall, da Escola de Palo Alto3 ;

    3. Na perspectiva proxmica, consideraremos o espao ? isto , a ar-quitectura e o cenrio ? como uma realidade que produz sentido.Assim sendo, este possuir duas dimenses ? uma relativa ao sig-nificante e a outra referente ao significado. Esta considerao seraprofundada no Captulo I;

    4. Ainda nesta conceptualizao de categorias do espao, enquantorealidade de sentido, tencionamos decifrar os smbolos das dis-

    2Rossiter, John R; Larry, P., e Robert, J. Donovan (1991), A Better AdvertisingPlanning Grid, in: Journal of Advertising Research, 31 (October/November), p.11-21.

    3Hall, Edward T. (1986). A Dimenso Oculta. Editora Relgio d?gua. Lisboa

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 9

    posies espaciais e articular a simbiose entre arquitectura, imag-inrio, linguagem e espao. A expresso do poder no dispositivoespacial, as representaes e as relaes que esto subjacentes simagens sero tambm aqui analisadas.

    www.bocc.ubi.pt

  • Captulo 2

    Enquadramentos

    2.1 As Origens da Dimenso Espacial

    2.1.1 Arquitectura e o CenrioA nossa dissertao consiste num estudo que pretende fazer uma anlisesobre o espao da imagem publicitria, isto , uma reflexo sobre a ex-istncia de tipos de espacialidade na mensagem publicitria, tendo porreferncia um corpus de anlise concreto: as revistas da edio Por-tuguesa da Vogue durante os meses de Setembro e Novembro de 2008.

    Em termos de sentido, as significaes do espao de publicidade somltiplas. Por exemplo, a espacialidade pode estar relacionada com aafirmao da identidade de grupos, com o registo de memria ou com aafirmao de um lifestyle. Todas estas (outras) significaes dependemde trs dimenses significantes - a espacialidade fixa, a semi-fixa e ainformal. E a esta acrescentaremos mais uma: a da ausncia de cenrio.Esta matria ser desenvolvida e consubstanciada a partir do ponto 2deste primeiro captulo. O que nos interessa agora aprofundar, so asduas primeiras disposies espaciais (espacialidade fixa e semi-fixa) porserem estas a base da configurao de um cenrio e este, por sua vez,um dos objectos de estudo fundamentais nesta seco.

    A construo cnica tem uma relao estreita com o conceito dearquitectura. Nesta perspectiva, ser a arquitectura um cenrio? Ou,pelo contrrio, ser um cenrio arquitectura? Quais os caminhos que ocenrio encontra para melhor apresentar a imagem publicitria? Como

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 11

    que a publicidade comunica a partir do cenrio? So estas questesque se pretendem abordar, descortinando as origens do conceito de ar-quitectura e do conceito de cenrio e, posteriormente, enquadrar estesdispositivos espaciais na expressividade publicitria.

    Comearemos por definir o conceito de arquitectura a partir da obraO que Arquitectura, de Maria Joo Madeira Rodrigues1 . Para a au-tora, o ser humano interroga-se acerca da essncia da arquitectura, acei-tando, como ponto de partida, que o conceito de arquitectura abrangetrs significaes: a relativa arquitectura como resultado de uma acocriadora de um determinado sujeito (denominado de arquitecto); a dearquitectura como objecto til e quadro de vida humana, cuja historici-dade se constitui como histria da descoberta da edificao e das regrasque regem o acto de edificar; e a significao relativa arquitecturacomo obra de arte (como produto ou objecto) integrada num regimede valorao (esttica). A autora defende que a arquitectura repre-senta a cristalizao e a idealizao do humano na vivncia do mundo ,tem como pretenso responder a questes presentes na sociedade, prob-lemticas que satisfaam s necessidades colocadas, que constituem,para o sujeito criador, isto , para o arquitecto, uma soluo. Ao ade-quar as suas respostas s necessidades presentes na sociedade, a MariaJoo Madeira Rodrigues prope uma contribuio epistemolgica queultrapassa a mera acepo material e edificante da arquitectura. Para ela,a parte fsica da obra arquitectnica constitui-se apenas como um dosaspectos da problemtica envolvida, j que a materialidade portadorade valores que o arquitecto j interpretou e modificou, transformando-os em qualificaes perceptveis e interiorizveis. O sujeito criador, oarquitecto, exerce, na qualidade de mestre, a arte de construir, traandoprojectos, hierarquizando valores, supervisionando a execuo das con-strues. Assim, projecta e idealiza o edifcio, controla as vrias fasesde construo, verifica as necessidades prticas do til e executa a satis-fao de desejos humanos, quer estes signifiquem valores ontolgicos,ticos ou estticos, quer se limitem a restries econmico-financeiras.Para Maria Joo Rodrigues, a arquitectura um saber fazer, isto , umacapacidade de ordenar o mundo2 e, por essa aco, humaniz-lo.

    1Rodrigues, Maria Joo Madeira (2002). O que Arquitectura. Quimera Editores,Lda. Lisboa.

    2Idem, p. 9.

    www.bocc.ubi.pt

  • 12 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Esta representao dos valores do sujeito criador na obra arquitec-tnica tambm transportada para os critrios que esto subjacentes construo do cenrio, embora este seja caracterizado por um maiorvalor de efemeridade constituinte que contrasta com a (in)temporalidadedas obras edificadas. A arquitectura, como todos os objectos existentes,comporta uma historicidade, quer como estrutura prpria - histria eteoria da arquitectura -, quer como conjunto de valores, ideias, opinies,desejos que se constituem para a humanidade. Permitimo-nos, assim,interpretar algumas das definies de arquitectura que consideramosimportantes:

    a arquitectura assume um valor fundamental na ex-istncia humana. A finalidade artstica, isto , que satis-faa as exigncias plsticas de uma forma artstica, no suficiente; antes a correspondncia entre a forma e con-tedo, para alm disso, o jogo das formas deve correspon-der dilatao do horizonte humano. Entender a arquitec-tura apenas como expresso, unicamente como expressode um contedo bem determinado, como uma espcie dearte aplicada, significa desprezar o significado e a signifi-cao, mergulhando na vida mas tambm construindo-a3.

    Propomos, ainda, outra definio que entendemos reveladora: Aarquitectura a expresso de um tempo, j que reproduz a essnciafsica do homem e revela nas relaes monumentais do corpo o sen-tido vital de uma poca4. Ainda na obra O que Arquitectura a au-tora informa-nos que a arquitectura, numa primeira abordagem, umarealidade dupla: banal pela sua proximidade fsica e pelo uso prticoque proporciona5 . Ao conceito de arquitectura est subjacente estaapropriao do espao, ela contm o desejo da simulao do habitarem permanncia, segundo o arquitecto Joo Mendes Ribeiro6 , autor

    3Esta definio atribui-se a Taut, Bruno, no Catlogo da Exposio de Berlim, de1964. Bruno, Taut (1880-1938) Catlogo da Exposio de Berlim, 1964, apud Ibidem,p. 15

    4Heinrich, Wlfflin, PrincipIes of history of art, apud Ibidem, p. 175Ibidem, p. 296Entrevista publicada na revista da Ordem dos Arquitectos pub-

    licada no #5 da revista NU, ncleo de estudantes do Departamento

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 13

    essencial para operarmos a transio dos conceitos entre arquitecturae cenografia. Um outro princpio fundamental relacionado com a ar-quitectura o da transformao. A arquitectura consiste no poderde transformar uma paisagem, um territrio, e sempre um processode actuao sobre o espao. Para este autor, este processo envolveuma enorme responsabilidade e , simultaneamente, um processo queo fascina. Perante a questo sobre como que a cenografia contribuipara o trabalho de arquitectura, ele da opinio que so disciplinascompletamente diversas. No entanto, tambm verdade que existemsempre pontos de ligao que conectam e complementam estas reas,pelo que sempre possvel e estimulante fazer a ligao entre as duasdisciplinas, porque permite relacionar pontos que, partida, colidem. tambm uma maneira de dar continuidade a duas dimenses distintas.No caso da cenografia vs arquitectura, existe uma grande vantagem emfazer cenrios relativamente arquitectura. Trata-se de uma actividadedotada de um carcter experimental muito maior; um trabalho par-tilhado, constitudo por uma componente humana forte e impede queseja uma actividade solitria na criao. A Joo Mendes Ribeiro apenaslhe interessam as reas de intercepo e sobreposio das duas lingua-gens. Existe uma grande diferena entre arquitectura e cenrio quandoconsideramos a questo do tempo, um edifcio vive o tempo que osseus materiais aguentarem, permitindo vivncias e experincias de vari-ada ordem, conforme a fruio dos utilizadores. Em contrapartida, ocenrio destinado a um determinado uso, eventualmente um tempo devivncia mais intenso e, por isso, o seu perodo de uso muito maiscurto.

    Na opinio deste autor, na arquitectura, partilha-se muito menos,porque o processo de concepo tido em conta a partir de uma so-licitao comercial (o cliente) que no propriamente um criativo, en-quanto que na cenografia existe um contacto com actores ou bailari-nos. A arquitectura tem uma componente utilitria muito grande. Paraeste arquitecto e cengrafo, h uma complementaridade entre as duasdisciplinas: elas no se devem encerrar em si mesmas. Relativamente

    de Arquitectura da FCTUC, Coimbra, Novembro de 2002. Pub-licada em: Entrevista a Joo Mendes Ribeiro, disponvel em:http://homelessmonalisa.darq.uc.pt/JMendesRibeiro/joao_mendes_ribeiroentrevista.htm,,consultado em 18 de Maro de 2009;

    www.bocc.ubi.pt

    http://homelessmonalisa.darq.uc.pt/JMendesRibeiro/joao_mendes_ribeiroentrevista.htm

  • 14 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    questo sobre at que ponto que a arquitectura teve influncia naevoluo do espao cenogrfico, o autor sustenta a opinio de que, en-quanto campo de experimentao e cruzamento de reas disciplinaresdistintas, a cenografia caracteriza-se por alguns princpios de organiza-o de espao prximos da arquitectura. O espao tem que ser semprelido em trs dimenses e, neste caso, tem que ser lido a partir de umaquarta dimenso - a do tempo - que a forma como os bailarinos, oucomo os actores, percorrem o espao. Quanto caracterizao dos es-paos cenogrficos, nomeadamente no que toca aos diversos elementosque compem a cenografia, tambm eles se aproximam, no apenas emtermos formais, mas tambm processuais e construtivos, das matriasespecficas da arquitectura. Esta concepo importante porque visu-alizada no espao da imagem publicitria. Tal como na cenografia, nose trabalha s o espao; senti-lo igualmente importante. Conceber umespao estabelecer uma relao dos actores com as componentes doespao; este espao no simulado, tem que (trans)parecer o mais realpossvel.

    A arquitectura cenogrfica responde s necessidades que resultamdo enredo em questo. O que no se v para alm dos planos de fil-magem ou de aco no tem necessariamente de existir. Pode-se entodizer que neste tipo de construes efmeras no h preocupaes comos materiais, mas sim com a aparncia deles; no existem limites devidoa imposies estruturais ou ligaes entre divises. A funcionalidadeest sempre presente e tudo parece funcionar na perfeio. Neste por-menor, a arquitectura tem muito a aprender com o cinema e, mais umavez, se verifica uma diferena substancial nestas disciplinas: a inex-istncia de limites, a criao da iluso e o privilgio da esttica. Na ar-quitectura, sempre que se pretenda criar determinada sensao ou iludiro espectador, os espaos tero de existir na realidade e a simulao dlugar realidade.

    Apesar das diferenas entre arquitectura e cenografia, ambas as dis-ciplinas tentam descobrir a melhor forma de controlar emoes e o sub-consciente do espectador ou utilizador. Teremos, assim, que colocar ahiptese de a arquitectura poder ser considerada cenografia e esta, porsua vez, poder ser considerada arquitectura. A questo complexa etorna-se essencial que este trabalho distinga os conceitos de arquitec-tura e cenografia. Verifica-se que no podemos definir objectivamente

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 15

    o que so estas duas disciplinas. Existem mltiplas definies e, prin-cipalmente, mltiplas interpretaes. Depende, sobretudo, da sensibil-idade de cada um para que certas intervenes possam ser consider-adas arquitectura ou cenografia. Ao procurar saber quais as diferenase semelhanas entre arquitectura e cenografia, considera-se, eventual-mente, que so uma e a mesma disciplina. Tentaremos, todavia, es-tabelecer diferenas entre uma e outra rea. Sobre a arquitectura somuitos os autores e publicaes que abordam esta problemtica. Uns deforma mais abrangente e outros referindo-se ao seu sentido mais espec-fico. Numa primeira abordagem, poderemos definir arquitectura comoa tcnica de projectar e construir edifcios, sendo esta uma perspectivarestrita. A arquitectura seria considerada a cincia da construo, con-cretizada atravs do desenho de edifcios e estruturas habitveis, salien-tando questes como a organizao dos espaos e os seus elementosconstituintes. Em resumo, esta abordagem trata os conjuntos urbanose o ordenamento do territrio. Outros tipos construes que no se en-quadram nesta teoria, tero tambm de ser considerados, tal o caso daarquitectura de interiores, das construes efmeras ou simplesmente,das esttuas e dos monumentos. Quanto cenografia, no se verificaa pluralidade de sentidos inventariados para a arquitectura, mas, ape-sar do termo cenografia se referir sumariamente arte ou tcnica deprojectar e construir cenrios para espectculos, cabe-nos interpretar oseu sentido. Como decidir o que um cenrio, se um simples focode luz ou, por exemplo, se poder constituir uma instalao cenogr-fica. Mais uma vez, a questo torna-se complexa. Um cenrio pretendeser compreendido por todos de forma semelhante, em qualquer parte domundo. O mesmo cenrio pode, no entanto, ser agradvel e sublimepara um espectador e desagradvel para outro. Como qualquer activi-dade artstica, a cenografia revela, atravs do material, formas, cores eluzes que explora, um conjunto de emoes e de ideias pessoais. Ela ,sem dvida, uma pea fundamental para o sucesso de um espectculo.Cabe ao cengrafo conciliar um conjunto infinito de condies comoresposta proposta do director e/ou autor. Um cenrio deve ser pro-jectado de forma rigorosa, evitando os excessos para que a intenodo dramaturgo (no caso do teatro) no seja prejudicada. Segundo JosDias:

    podemos dizer, portanto, que cenografia tudo o que

    www.bocc.ubi.pt

  • 16 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    registado plasticamente em cena. No podemos sepa-rar cenrio, figurino, adereos, iluminao ou at mesmoa marcao de cena, isto , a movimentao dos actores,porque tambm estabelecem fluxos, massas, volumes, numdeterminado espao7 .

    Ele vai mais longe quando afirma que cenografia arte do momentoe se desfaz como por encanto na hora em que o espectculo sai de car-taz8 . Concluindo, e estabelecendo um ponto fundamental para a nossareflexo, salientamos que uma diferena essencial entre arquitectura ecenrio a dimenso humana que este ltimo sempre implica. Justa-mente, essa dimenso humana intensamente explorada na publicidadepara enfatizar o produto e seduzir a audincia. Todavia, o cenrio nodever ser tido como o centro de um espectculo (comercial). Deverconseguir captar o interesse do pblico, mas de forma discreta. Se asformas do cenrio forem demasiado exuberantes ou as cores demasi-ado fortes, chamando exageradamente a ateno, pode vir a prejudicara recepo do espectculo e, com isso, a prpria pea publicitria. importante que o cenrio reflicta o estilo do produto (me evoque a cate-goria da personagem principal), capte o clima do espectculo comercial,completando-o. O pblico dever, ento, deixar-se envolver pela repre-sentao das mercadorias. De uma forma geral, a cenografia fornece da-dos sobre o local onde se desenrola a aco publicitria, a altura do dia,a estao do ano, o clima, enfim, a condio fundamental de toda estadramaturgia pela qual as pessoas interagem com mercadorias. Muitasvezes, o sucesso de um cenrio reside na forma como se expressamestes dados. Um simples elemento apresentado de forma sintetizada,mas bem elaborado quanto cor, textura ou iluminao pode fornecerdados mais importantes ao espectador do que um grande aparato malconcebido e gratuito.

    Na cena, e mais concretamente, na cena publicitria, o belo noserve para nada, a no ser quando est imbudo de uma utilidade es-tratgica, no sentido de apresentar produtos e mobilizar vontades. A

    7Jos Dias, A importncia da cenografia, disponvel em:http://www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/1/artigo1.htm, consultado em 10de Maro de 2009;

    8Idem.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 17

    caracterstica essencial do cenrio a sua funcionalidade, no mbito deuma aco de persuaso. Essa funcionalidade, no entanto, vai depen-der de outra caracterstica bsica da cenografia: a sua afinao com oconjunto do espectculo relativo criao de uma convico comercial.Em primeiro lugar, tem de haver uma ligao com o produto e o inter-esse que este possa despertar, depois tem de existir um entendimentoentre todos os aspectos como reas de actuao, produtor e actor, cujaarticulao resulta num todo, o espectculo da persuaso. O que noincio ser apenas uma ideia, aos poucos, vai ganhando forma atravsdos perfis das personagens, palavras e gestos, criao de linhas e estilo.Nesta perspectiva, a cenografia vai muito mais alm da mera decoraoe da composio de interiores. No certamente pintura nem escul-tura, antes, uma arte integrada de composio de todos os elementosque interagem no espao dramatrgico da pea publicitria. Resultade uma combinao de cores, luz, forma, linhas e volumes de maneiraequilibrada. Finalizando este raciocnio, embora o conceito de arquitec-tura seja complexo e adquira uma ambiguidade de sentidos, de anlisese de doutrinas, no nosso entender, na cenografia que se encaixa arepresentao do espao da imagem publicitria. Contudo, o espaoda imagem est condicionado por muitas das caractersticas associadas arquitectura onde se enquadram os conceitos de funcionalidade, deesttica e de simblica.

    2.1.2 Reflectir o Espao: Arte e FunoNeste estudo tambm importante avaliar se as dimenses fixas, semi-fixas e informais e de inexistncia do espao so portadoras de umafuno especfica ou tambm assumem e desempenham um papel arts-tico. Poder subsistir a dvida se na publicidade o espao apresenta umvalor esttico para alm do valor estratgico relativo persuaso com-ercial. A dimenso espacial da imagem da revista Vogue tem uma com-ponente esttica incontornvel, que remete a audincia para o prazer decontemplar e de observar, um componente que deve ser diferenciadoda sua dimenso funcional que a remete para um quadro conceptual eideolgico relativo legitimao de uma oferta comercial.

    necessrio deter um conhecimento profundo das dimenses fun-cional e esttica da representao do espao da imagem publicitria.

    www.bocc.ubi.pt

  • 18 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    No mbito deste conhecimento, Maria Joo Rodrigues9 surge-nos comouma referncia incontornvel, na medida em que contribui para nos es-clarecer sobre a distino entre espacialidade funcional (e utilitarista)e de fruio esttica. Para a autora, a sociedade geradora de arqui-tectura, e pressupe uma necessidade prtica. Porm, as dinmicassociais j ultrapassaram, h muito, uma estrita concepo utilitaristado espao, favorecendo outras abordagens que mobilizam interligaesmentais, intelectuais e afectivas, confessionais ou religiosas. H obrasque, para alm da sua vertente prtica e utilitria, cumprem a tarefa decontribuir para reconhecimento universal do Ser, despertam emoesque elevam os sujeitos a nveis superiores de afectividade, comunicam,ao exprimirem uma viso do mundo atravs da conscincia esttica, edesenvolvem um sentimento de harmonia entre o criador e o objectocriado.

    A arquitectura, desde as origens, reclamou o seu carcter prtico,mas cedo se converteu, atravs do imaginrio simblico e por intuiointelectual, num testemunho social, quer pela carga simblica que veic-ula, quer pelos desejos que cristaliza. A obra arquitectnica no deveser apenas uma derivao das necessidades, mas um testemunho inter-pretativo das ansiedades sociais. Para Maria Joo Rodrigues, a arqui-tectura enraza o espao e delimita o tempo, mas a qualidade artstica, seo autor quiser, faz acontecer uma nova espacialidade10 . O espao ar-quitectnico edificado, cuja ordem tcnica e prtica ligada s harmoniasde proporo, espacialidade ou variabilidade de ritmos, faz emergir no-vas formas de espao, volumetrias, efeitos de luz e, fundamentalmente,assume-se como um smbolo de intuio sensvel da vida humana. Oesttico deve ser diferenciado do til. O belo revela-se como prazer, in-tuio sensvel, obedece a uma vivncia do espao e do tempo, pertenceao plano da imaginao simblica. O til tem uma finalidade tempo-ral, precisa e imediata. A funo utilitria relaciona-se com a forma deracionalizar o espao, concedendo um sentido exacto para a tarefa a de-sempenhar. Segundo a autora o objecto til belo pelo triunfo sobre acontingncia material que constitui . A finalidade tem como objectivo,simultaneamente, o til e o belo, por que ambos pertencem ao mundo

    9Rodrigues, Maria Joo Madeira (2002). O que Arquitectura. Quimera Editores.Lisboa., Lda., p. 33.

    10Idem., p. 36.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 19

    das intencionalidades. O til vai de encontro ao belo quando se destacao puro utilitarismo e se forma um pretexto espiritual de uma harmo-nia maior, levando-nos a olhar o objecto, no apenas como motivo deprazer, mas encar-lo como sublimao e para o sentimento de valor detrabalho (valor artstico). Assim, para Maria Joo Rodrigues:

    o valor artstico, meio de actividade inquiridora e auto-reguladora, move-se dotando o criador de uma alteridadeabsoluta que em si encena a dialctica dos valores belo,til .

    Para melhor compreendermos as categorias que esto subjacentesao conceito de arte e funo devemos compreender a distino que ainvestigadora faz entre o sentido tico e ontolgico na conceptualizaoarquitectnica. Podemos referirmo-nos ao fenmeno da arquitectura,no enquanto objecto produzido, mas de experincia; a relativa sat-isfao de uma necessidade intelectual e prtica. Desta forma, de am-bos os lados, do fruidor e do produtor, distinguimos um sentido tico emoral e outro de ndole ontolgica e esttica. Do ponto de vista ticoe moral, assumido como conscincia de mudana, intensifica-se o con-ceito de til. Em contrapartida, o sentido ontolgico, remete para adignificao do humano atravs da integrao do espao e do tempo,provindo de um acto de liberdade e responsabilidade, contribuindo parauma dignificao do ser. A construo de cenrio enquadra-se no sen-tido ontolgico, mas tem maior impacto no seu sentido esttico. Para aautora, o sentido esttico impe a conceptualizao do valor do belo, ouseja, o prazer provocado ou experimentado revela a capacidade criadorado sujeito. Ao experimentar o mundo, o ser humano tende a representar-se e a representar o objecto do seu pensamento como universal. Estesconceitos so puros quando aplicados directamente experimentao,o acto de criar tambm obedece a uma ordem esquemtica, que podeser uma actividade designada por lugar-comum, o estilo e o cnone.O lugar-comum constitudo por uma actividade renovadora sobre atradio, o sensvel aquilo que interessa ao ser humano e essencial-mente sua natureza, ao seu futuro, s suas finalidades. O estilo, nosentido imaginrio, representa a individualidade do raciocnio e do pen-samento. Desta forma, imprimir na representao espacial da imagempublicitria um estilo individual, atravs das imagens, organiza e torna

    www.bocc.ubi.pt

  • 20 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    a viso artstica perceptvel. O estilo o resultado da ordenao de umasensibilidade individual, mas tambm a intelectualizao esttica dostempos histricos e a interpretao depurada do seu imaginrio.

    O estilo individual tende a converter-se num arqutipo cultural dotempo, enquanto o tipo, em contrapartida, caracteriza a fonte e o molde,dando origem a outros. A partir do mesmo molde ou do mesmo tipo,podemos reinventar a arte da beleza, j que os objectos derivados ino-vam e criam relaes conceptuais e formais. O tipo origina-se a partirdo arqutipo (a matriz ideal) e desenvolve-se numa actividade paradig-mtica, isto , a demonstrao por exemplos/modelos possveis, j queparte da expresso e da figurao da essncia do mesmo ideal - tipo deideia - ou seja, ideia intuda e universalizada. O acto de criar pode estartambm associado a uma matriz ou um modelo conceptual existente. Aautora menciona que:

    a arquitectura usa prticas, princpios, exigncias, metodolo-gias, teorias artsticas, e os objectos resultantes norteiam-sepelo valor til, constituindo na sua concluso - a produo- que se distingue do objecto esttico, eventualmente numaobra de arte .

    Abordar a questo da concepo arquitectnica constitui a base de com-preenso para a criao esttica de um espao na imagem publicitriaque deve reunir algumas exigncias: criar uma representao do espaocomo uma obra que dever ser tanto produtiva como inovadora. Casocontrrio, ser uma espcie de fraude, na medida em que se constituicomo uma imitao mais ou menos conseguida de outras obras prece-dentes. O acto criador, cuja concepo resulta num objecto completa-mente novo, ser sempre o resultado de uma evoluo cultural por partedo sujeito criador.

    Para melhor entendermos o processo de criao da imagem public-itria, como acto criador, isto , como o produto de uma vontade decriare passando actividade de produzir algo, devemos debruarmo-nos sobre as bases que lhe do origem e compreender uma relao entreinteligncia e sensibilidade. Como j foi referido, a criatividade umacaracterstica do gnero humano conjuntamente com o temperamento, apersonalidade e o carcter. O temperamento, agregado de traos geraisda constituio fisiolgica do ser, comunho de instintos, inclinaes,

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 21

    libido, actividades de desejo, expresso, transfigurando-se em original-idade vigorosa e numa certa urgncia de afirmao, dilatada na funopsicolgica, pela qual um ser tem a conscincia e o sentimento do seumundo interior. O Eu esse sujeito, completo em todos os sentidosda palavra, uno e indivisvel no seu conjunto de caractersticas prprias,que se distingue dos outros. A personalidade aliada com o esprito de in-conformismo, identificao de valores, sentimento de conscincia de si,em axiologias ticas, ontolgicas e estticas, em equilbrio ou por com-pensaes inarmnicas, conduzem aco cuja qualificao dependedo carcter do sujeito. Este o produto de modos habituais de sentir ede reagir, domnio de si, a audcia, a coragem, a harmonia de estados dealma e sua sublimao. tambm a capacidade e exerccio de identi-ficar, atravs da razo, o conhecimento e da retirar ordens de valor queinfluenciam a sua conduta e desenham como imperativo o cumprimentode um destino, um tom menor de uma deciso. importante, ainda,a necessidade de saber estudar a ordem das coisas que nos rodeiam: osujeito perceptivo, emotivo, reflexivo e activo existente num meio capazde sentir e projectar a compreenso de axialidades primordiais, espaoe tempo, quadros definidores da vida humana, que por isso mesmo, de-safiam para a aco. Dar uma ordem ao mundo atravs da criatividadepermite conceder uma ordem conceptual desse mundo. O objecto pro-duzido, quer expresso em projectos, quer dirigindo-se para a construomaterial, constitui um corpo real, resultado de um longo processo queveicula, pelas suas qualidades sensveis, pela sua estrutura, e pelas di-versas significaes que representam uma criao.

    Ao considerarmos quer o seu contedo quer a sua forma, o objectorevela-se pleno de intencionalidades estticas, utilizando uma prticaartstica. A concepo artstica tem, como ponto de partida, o sonho, oimpulso, as tendncias; gerado um estado de sensibilidade que con-duz a um automatismo de imagens no domnio da sensibilidade; umaintuio segura conduz o artista e provoca um despertar de ateno,surgindo, assim, uma impresso simbolizada que leva a eleger um temacomo forma germinal e eventual ponto de partida. No se trata de umaideia no sentido intelectual. Surge atravs da sensibilidade do individuo,um estmulo, um desejo de fazer, uma apetncia para a imagem pressen-tida, que j direco activa e concebida pelo esprito em contactocom a experincia sensvel, detentora de um sentido que se expressa

    www.bocc.ubi.pt

  • 22 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    como intencionalidade. Nas fases de criao surgem-nos os grafismos,os esquissos, o projecto desenhado, modelos e esboos, desenhos depeas e pormenores que terminam na obra edificada ou realizada. O tra-balho a expresso fixada da vontade criadora. Uma vez desenvolvido,orienta e precede a capacidade de sonhar e, ao mesmo tempo, concede-lhe sentido. O trabalho o exerccio do ofcio, de uma tecnicidade apli-cada, mas tambm a apropriao de uma tcnica como mecanismo decomunicao e tambm uma linguagem. Pela obra, o artista comunica,constri o objecto ou a obra edificada.

    Temos vindo a dissertar sobre a arte e a funo desta a partir dasreflexes de Maria Joo Rodrigues. Porm, antes de avanar para aseco seguinte consideramos importante sintetizar a pertinncia dosseus raciocnios relativamente temtica da representao da espaciali-dade na mensagem publicitria. Assim sendo, esta autora assume a suaimportncia para o nosso objecto de estudo pelas razes seguintes:

    a) Porque o espao publicitrio se deve fundamentar no espao ar-quitectnico edificado, isto , na representao e na encenaodas volumetrias, dos efeitos de luz e das formas.

    b) Porque o espao publicitrio tambm se dever diferenciar deuma dimenso assumidamente funcional, ultrapassar a finalidadeutilitarista, condio fundamental para nele reconhecermos o seuvalor superior, o Belo, adstrito ao nvel da concepo artstica.

    2.2 Organizao da Dimenso EspacialPorque que o espao representado na imagem publicitria? WilliamLeiss et al responde a esta questo salientando que o significado sub-jacente s mensagens publicitrias decorre de trs parmetros signifi-cantes: sobre produtos, pessoas e espaos . Assim sendo, ser semprepossvel conceber formas de fazer publicidade a partir da interacodestas trs categorias de expressividade. Neste trabalho, apenas nos in-teressa reflectir sobre uma delas, a que concerne ao espao enquantorealidade de sentido. Iremos, assim, analisar sob que forma o espao,na sua dimenso fixa, semi-fixa e informal, se assume como um ele-mento fundamental para a afirmao da identidade dos produtos, tendo,

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 23

    sobretudo, por base a temtica da proxmica e, no mbito desta, osestudos de Edward T. Hall . Utilizamos, para o nosso estudo, um cor-pus de anlise concreto: as revistas da edio Portuguesa da Vogue du-rante os meses de Setembro e Novembro de 2008, em anexo (anexo n1). Comearemos por definir o conceito de espao publicitrio para,seguidamente, inventariar as categorias espaciais. Posteriormente, j nosegundo captulo, procederemos anlise emprica para a representa-tividade e especificidade destas categorias. O espao uma das var-iveis que permite contribuir para a afirmao das caractersticas dosprodutos num cenrio publicitrio. Por espao, entendemos o localde exposio de mercadorias, uma espcie de palco, que pode ser real(topolgico) ou imaginrio (utpico), interno (por exemplo, relativo aointerior de um quarto) ou externo (a fachada de um edifcio, uma pais-agem), mas que visa enquadrar o produto e contribuir para a sua pro-moo. Nesta medida, a encenao publicitria sempre pautada porum objectivo, o relativo apresentao, encenao ou legitimao deuma oferta comercial. Pretendemos conseguir estabelecer a relao queexiste entre produto e disposio de espao cnico que permita apresen-tar uma postura que identifique o produto e o seu espao de referncia.J mile Durkheim abordava a questo do espao definindo-o comoum conjunto de (?) representaes colectivas que exprimem realidadescolectivas (?) coisas sociais, produtos do pensamento colectivo . Parao autor francs, o espao indissocivel da sociedade que nele habita; preciso compreend-lo para explicar a organizao social. Deste modo,o espao tambm entendido como uma forma de comunicao e deorganizao social. Edward T. Hall prope o termo proxmica comoum neologismo que criou para designar o conjunto de observaes eteorias referentes ao uso que o homem faz do espao enquanto produtocultural especfico . A proxmica uma linguagem suportada pelo es-pao. Esta linguagem pouco codificada, varia de cultura para cultura.Por exemplo, as conotaes decorrentes da proximidade subjacente aoscorpos e ao contacto fsico, as relativas distino entre espao pblicoe privado variam de cultura para cultura, como tambm muito bemdemonstrou este antroplogo. Alis, Edward T. Hall concebe o uso doespao pelo Homem a partir de trs dimenses. A primeira designadapor infracultural, a partir da qual o espao o suporte de compor-tamentos enraizados no passado biolgico do ser humano. A segunda

    www.bocc.ubi.pt

  • 24 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    dimenso, pr-cultural, apresenta um cariz fisiolgico e situa-se no pre-sente. A ltima dimenso, micro-cultural, sendo nela que se situa amaioria as observaes proxmicas. Refere que precisamente nestadimenso que podemos distinguir trs tipos de espao, dependendo dasua organizao rgida ou informal . A proxmica refere-se ponder-ao do espao na comunicao quotidiana; conceptualizao da uti-lizao humana do espao, como sendo uma elaborao especializadada cultura. Esta estruturao tende a ser mais ou menos inconsciente,mas sempre sentida nas interaces da vida quotidiana. Na perspec-tiva publicitria, a utilizao do espao intencional e absolutamenteconsciente para produzir efeitos de sentido e reaces plenas de conse-quncias comerciais... Considerando que o espao possui um sentido,que evoca significaes (culturais, polticas, religiosas, estticas, soci-ais, etc.), tencionamos, nesta seco, propor um conjunto de categoriasde significao que consideramos relevantes. Por exemplo, as de carizantropolgico (o espao enquanto toponmia de uma identidade, de umaetnografia, de uma origem) ou de ndole histrica (o espao monumen-tal, da memria). A delimitao conceptual de cada uma fundamenta-se nas contribuies de vrios autores, sendo estas decisivas porque a partir delas que desenvolveremos a interpretao do espao repre-sentado na publicidade. Assim sendo, poderemos consider-las comocategorias de significado espacial. So cinco as categorias de signifi-cao espacial que identificmos: a) espao antropolgico e etnolgico;b) espao histrico; c) espao relacional; d) espao (in)temporal e e)espao social. Complementarmente, estas dimenses de significaoproxmica encontram-se dependentes de estruturas materiais de espa-cialidade que so veiculadas - no caso das mensagens publicitrias -predominantemente por matrias expressivas de natureza iconogrfica.Socorremo-nos de novo de Edward Hall para as identificarmos: trata-se das categorias da espacialidade fixa, semi-fixa e informal. Para esteautor, o espao, na sua dimenso fixa corresponde s disposies es-truturais inalterveis em torno de ns (paredes e salas por exemplo): nonosso estudo, elas correspondem aos espaos com paredes, janelas, por-tas, salas, superfcies envidraadas, varandas, terraos, tectos, pavimen-tos internos, coberturas, estruturas de beto, estruturas de ao, estradas,caminhos e pavimentos externos. O espao fixo pode enfatizar a re-lao entre as personagens e os objectos, caracterizando esta espacial-

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 25

    idade com edifcios urbanos e suburbanos (inclui empresas, indstrias,silos de automveis, habitaes familiares, prdios, edifcios sofistica-dos (high tech), obras de engenharia (pontes, viadutos), espaos rurais(inclui a natureza, caminhos e rotas tursticas). Tambm poder corre-sponder ao espao do interior de habitaes, de estabelecimentos com-erciais e industriais. Em suma, o espao fixo pode ser topolgico ou deconstruo, existente ou imaginrio, interno ou externo, comercial ouno comercial. Por sua vez, a dimenso semi-fixa corresponde ao modocomo so dispostos os obstculos mveis na imagem publicitria. Sotodos os acessrios de moda, peas de mobilirio, viaturas automveis,barcos e avies. So os adereos que caracterizam a paisagem dentrodo espao fixo. Tambm est subjacente ao entendimento da relaoda pessoa e do objecto na sua predisposio para conotar a situao.Finalmente, a vertente relativa ao espao informal corresponde ao ter-ritrio pessoal em torno do corpo, que se desloca com a pessoa (de-termina a distncia interpessoal), que, no nosso estudo, corresponde gesto do espao dos actores na paisagem publicitria. Nesta categoria,integramos a forma como se apresenta a imagem de publicidade, o n-gulo da captao da fotografia, a posio dos objectos e pessoas; a suarelao em termos de planos, os olhares, as sobreposio, a omisso,as posies - rivalidades ou desnveis - dos objectos, a representaoteatral das personagens e a carga psicolgica que transmite; toques,abraos, sobreposies, filas, marchas, manifestaes, agrupamentos;pessoas em movimento ou estticas (actividade ou passividade), inter-seco de pessoas e objectos. A dimenso da ausncia de espao igualmente outra categoria importante que foi observada no modo deapresentar o produto, na imagem publicitria. A sua concepo foibaseada nos estudos de Marc Aug . Esta ausncia de representaode espao de fundo valoriza o produto, transformando-o, simultanea-mente, em base de cenrio. Na sua dimenso de significado, a ausnciade espao corresponde ao lugar vazio, ao no-lugar, ao lugar fictcio, aoespao no praticado, isto , ao espao no vivido. Esta disposio es-pacial geralmente evocativa da ideia da (in)temporalidade. Passamos,em seguida, a caracterizar detalhadamente cada uma destas categoriasde significao espacial.

    p.26

    www.bocc.ubi.pt

  • 26 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    2.2.1 Espao Antropolgico e EtnolgicoPor espao antropolgico e etnolgico, concebemos a estrutura cnicade significaes de um territrio de vivncia de um grupo social, quecorresponde a um palco evocativo da sua unio e da sua identidade11.Nesta perspectiva, esta categoria espacial est relacionada com o re-foro da uma existncia social e cultural; um espao definido comoum lugar de pertena, isto , com ele registamos no nosso conscientea vivncia e a identidade do grupo social. Do ponto de vista public-itrio, esta categoria consubstancia-se numa representao cnica quevisa contextualizar mercadorias e pessoas numa paisagem que evoca-tiva de conotaes sociais e individuais fundamentais para a afirmaode identidades pessoais e grupais. Por exemplo, o espao do caf, oespao do cabar, o espao agrcola, o espao urbano, patente na figuran 1.

    Dado que recebemos influncias socioculturais e psicolgicas, con-seguimos compreender o significado dessas marcas espaciais e com-preender o sentido desses sinais que apresentam um fundamento antropolgicoe etnolgico. Para Marc Aug12, este espao antropolgico e etnolgico aquele ocupado pelos indgenas que a vivem, que a trabalham, queo defendem, marcam os seus pontos fortes, vigiam as suas fronteiras,mas nele detectam tambm o trao das potncias celestes, dos antepas-sados ou dos espritos que povoam e animam a sua geografia ntima13,representando o mais alto grau de identidade desse povo. O espaoantropolgico e etnolgico o territrio de vivncia do homem, que lhed unidade e identidade. Numa perspectiva publicitria, este espao importante: certo que marca as personagens, mas tambm determinaos produtos, impondo-lhe uma espcie de denominao de origem - impossvel considerar Gerard Darel (figura n1), a no ser a partir damanifestao da sua urbanidade!

    Para reconhecer esta urbanidade necessria uma competncia porparte do destinatrio publicitrio que, curiosamente, semelhante mo-

    11Confira-se igualmente, MITCHELL, G. Duncan- Novo Dicionrio de Sociologia.Porto, Rs Editora, 1966, p. 32 e p. 209, relativamente aos conceitos de ?antropolo-gia? e ?etnografia?.

    12 Aug, Marc (1992). No-Lugares. Introduo a uma Antropologia da Sobre-modernidade. Editora du Seuil. Paris, p. 39.

    13Idem, p.39.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 27

    Figura 2.1: Figura N. 1

    www.bocc.ubi.pt

  • 28 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    bilizada pelo etnlogo. Ambos so obrigados a delimitar e a decifrar,atravs da disposio e representao dos lugares, mltiplas signifi-caes. Por exemplo, as relativas clssica oposio entre naturezae cultura, aos regimes de diviso e explorao da propriedade, organi-zao das comunidades, dos territrios de caa e de pesca, de trabalhoe de lazer, de procriao e de celebrao. como se o destinatrio dosanncios se visse obrigado a ser uma espcie de etnlogo das culturas deconsumo. Como etnlogo da sociedade de mercado, ele v-se na pelede um espectador que dever (re)conhecer as narrativas que integramos espritos do(s) lugar(es), bem como as identidades dos indgenasque neles habitam, estabelecendo relativamente a esses espaos sem-pre uma posio de interesse (pessoal). Por um lado, ele identifica-secom esses espaos, erigindo-os como cenrios de desejo (por exemplo,a imagem do paraso); por outro, procura-se demarcar deles, mais queno seja, para afirmar o seu prprio espao de identidade e de pertena(social, cultural, sexual, etc.) Nesta perspectiva, o cenrio torna-se ab-jecto; no atrai, repele porque o espao etnolgico corresponde semprea um lugar interdito que o lugar da excluso. A paisagem idealizada substituda pela dos excludos, dos que sofrem, dos assumidamentemarginais, enfim de todos os que podem pr em perigo o espao (con-fortvel) ocupado pelo prprio destinatrio e relativamente ao qual eleafirma a sua identidade. Que ningum duvide que os processos de iden-tificao com a espectadora da revista Vogue, que so estabelecidos pelaactriz do anncio da marca Guess By Marciano, se fundamentam na suacoragem ao caminhar - de queixo erguido por um espao que especi-ficamente o da afirmao de uma masculinidade assumidamente boal(figura n 2).

    Este discurso, nunca assumido, adquire, ento, uma dimenso antropolg-ica e etnolgica, sendo o que contribui para a expresso da identidade degrupo, no s para as suas origens, mas tambm para o que rene e uneos seus membros. Neste caso concreto, ele aponta para toda uma culturade cio e vincadamente marialva. Curiosamente, neste marialvismoalgumas evocaes remetem para um universo especificamente tnicoe racial. A actriz, de raa caucasiana, desfila perante os olhares de de-sejo de actores, morenos, cuja ascendncia, conjugada com o contextodo cenrio, nos remete para o Mxico (numa perspectiva concreta), oupara a Amrica do Sul (numa dimenso mais genrica).

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 29

    Figura 2.2: Figura N. 2

    www.bocc.ubi.pt

  • 30 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Do ponto de vista publicitrio, esta categoria do espao antropolgicoe etnolgico tambm se consubstancia numa representao cnica quevisa contextualizar mercadorias e pessoas numa paisagem evocativade conotaes sociais e individuais que so fundamentais para a afir-mao de identidades pessoais e grupais, por exemplo, o espao do caf(figura n 3). Analisemos mais pormenorizadamente esta ilustrao:do ponto de vista da dimenso fixa da espacialidade, apresenta-se umedifcio envidraado cuja imagem, num plano mais profundo, est des-focada para que a audincia se concentre no plano da imagem centradona pose dos actores. Relativamente dimenso semi-fixa, as mesas ecadeiras marcam um espao que se distancia dos actores, criando umfosso entre a posio do artigo comercial, apresentado pela marca eencenado por estes. Finalmente, no que refere dimenso informal,esta bastante intensa porque as personagens tocam-se, olham para odestinatrio, estabelecem uma interaco com a audincia, como umaespcie de partilha de desejo, suportada pelo espao de caf. J o actor,com o olhar ausente, revela uma superioridade em relao ao especta-dor, na medida em que o seu olhar est ausente de qualquer contactocom o olhar do espectador14 .

    Prosseguindo com a caracterizao desta categoria de significaoespacial, ainda a partir de Marc Aug, o espao antropolgico e et-nolgico assume-se como uma construo simblica, relativamente qual, todos os membros do grupo social ocupam simbolicamente umlugar, possuem um papel para desempenhar. , simultaneamente, umprincpio de sentido para os que habitam um territrio e um princpiode inteligibilidade para aqueles que o observam ou visitam. Para o au-tor, os lugares tm trs aspectos em comum: identitrios, relacionaise histricos. Estes aspectos tambm se descortinam em William Leisset al15 , para quem esta construo de sentido tambm tida em contana construo de cenrio da imagem publicitria. Existe uma relaoentre os signos e a sua disposio no espao publicitrio. Os signosso coisas que tm um significado, um sentido, que comunicam men-sagens audincia. Desta forma, a publicidade est cheia de signos,

    14Pninou, Georges (1976). Semitica de la Publicidad. Barcelona, Ediciones Gus-tavo Gili S.A, p. 133.

    15Leiss, William., Klein, Stephen e Jhally, Sut, (1990).Social Communication inAdvertising, 2 ed., Routledge p. 200.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 31

    Figura 2.3: Figura N. 3

    www.bocc.ubi.pt

  • 32 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    tudo tem um significado e um sentido, quer seja atravs da imagem,ou atravs do texto. Todas as mensagens contm dois nveis de signifi-cao e de sentido: o que expresso explicitamente (sentido denotativo)e o que expresso implicitamente (sentido conotativo). Justamente, narepresentao do espao da imagem publicitria moderna est presenteprincipalmente o sentido conotativo, uma vez que pretende ir mais almdo que dito explicitamente. Esta constatao importante porque vaiimplicar a necessidade de fazer uma anlise da disposio espacial, deforma a compreender o seu significado e estabelecer uma relao cul-tural com elas. Constri-se e ordena-se um dispositivo espacial segundoos padres culturais de um determinado grupo e este adquire um sentidoexistencial prprio que o identifica e unifica.

    Apresentamos mais um exemplo desta categoria de espao antropolgicoe etnolgico, mas agora para aperfeioar a nossa interpretao, con-siderando que a significao de uma identidade h-de resultar obriga-toriamente de trs dimenses significantes e j anteriormente referidas:fixa, semi-fixa e informal. Estas dimenses so fundamentais porquenos possibilitam afinar a nossa interpretao descortinando signifi-caes que j no esto necessariamente inscritas em dimenses ar-quitecturais, isto , relativas a palcos, paisagens ou instalaes. Estascategorias significantes constituem-se como as dimenses proxmicassistematizadas por Edward Hall16, em a Dimenso Oculta. Assim,no respeitante dimenso fixa do espao, aquela que est mais prx-ima de uma arquitectura, a identidade do grupo, descortina-se meton-imicamente a partir de uma fachada, da configurao de uma rua, damaterialidade metlica de uma vedao, da paisagem turstica de umlocal, da calada retr de uma praa, entre outros. De acordo comeste autor, na Europa, a estruturao das cidades obedece a sistemasque acentuam as linhas e se designam por nomes; em contrapartida, noJapo, so as intercepes que interessam, isto , so os cruzamentosque tm nomes e no as ruas. Tambm nos revela que as habitaes emvez de serem ordenados em termos de espao, organizam-se segundocritrios de tempo, numeradas segundo a ordem de construo. Na cul-tura Japonesa, a estrutura espacial organizada de forma a acentuaras hierarquias em torno dos centros. Por seu turno, a cultura Ameri-cana tem como finalidade a uniformidade dos arredores, das periferias

    16Hall, Edward T. (1986). A Dimenso Oculta, p. 119.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 33

    ou proximidades. No dispositivo espacial fixo est perceptvel o com-portamento humano que nele se inscreve, ou seja, denota-se o espaoantropolgico. Os arquitectos ao preocuparem-se essencialmente coma organizao visual e formal da construo, no contemplam o facto deque os indivduos transportam consigo esquemas internos de espao deestrutura fixa, adquiridos ao longo da sua formao cultural. Felizmentej existe um conjunto de arquitectos que tm necessidade de descobriros esquemas internos individuais de carcter fixo. Para o autor, o quepreocupa a humanidade a estruturao espacial das grandes cidadesonde devem ser contempladas as necessidades da maioria. frequenteencontrar edifcios enormes de habitao e escritrios sem que as ne-cessidades dos seus ocupantes tenham sido tomadas em considerao.

    No espao semi-fixo, as identidades dos actores sociais descobrem-se nos adereos que conotam os outros espaos (os espaos fixos): au-tomveis, bancos de jardins, candeeiros, etc. Neste plano, no serode desprezar as situaes de incompatibilidade, que so conotativas designificados ideolgicos relativos absoluta sofisticao: por exemplo,uma casa luxuosamente decorada, com paredes em madeira talhada ericamente ornamentadas a dourado, onde est uma actriz vestida, in-congruentemente, de um modo demasiado prtico e usual - um coolurbano integrado num cenrio assumidamente clssico (figura n 4).

    Por sua vez, na dimenso do espao informal, a identidade dos gru-pos depende de uma cultura que se consubstancia num comportamentocultural e social com reflexos na gesto do espao. Como escreve Ed-ward Hall17, se nos povos rabes o toque e a proximidade fsica noso constrangedores, nos norte-americanos eles so socialmente con-denados e at podem ter implicaes legais, como acontece com o fa-natismo do assdio sexual. Do ponto de vista publicitrio, a significaoantropolgica e etnolgica do espao informal muito subtil. semprepossvel averiguar a existncia de dimenses significantes desta espa-cialidade, por exemplo, as referentes gesto dos toques, dos abraos,dos contactos corporais, da disposio dos corpos relativamente uns aosoutros (figura n 5).

    Contudo, questionamo-nos at que ponto esta espacialidade evoca-tiva da singularidade de uma cultura ou de um grupo. Em abstracto,podemos afirmar que possvel descortinar, na forma como os indi-

    17textitId em, p. 175.

    www.bocc.ubi.pt

  • 34 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Figura 2.4: Figura N. 4

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 35

    Figura 2.5: Figura N. 5

    www.bocc.ubi.pt

  • 36 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    vduos se tocam, significaes relativas juventude, feminilidade, urbanidade, entre outras. Porm, o nosso corpus de anlise contrariatal hiptese, pois no descobrimos nenhum anncio onde este tipo deespacialidade fosse significante de uma dimenso antropolgica. Estaimpossibilidade , todavia, compensada a partir de outras realidadessignificantes que no so necessariamente de cariz espacial. o casodo adereo ou do vesturio, que se assumem como signo metonmico deum lifestyle caracterstico de uma conceptualizao idealizada da vida. igualmente o caso da gestualidade (figura n 6).

    Ainda relativamente figura n 6, de salientar a evocao indirectada prpria espacialidade do destinatrio atravs dos olhares direcciona-dos. Tambm aqui no possvel averiguar a natureza dessa espacial-idade (distante ou prxima, dotada ou no de um valor antropolgico).Estas conotaes dependem da interaco dos significantes (o olhar di-reccionado que institui o espao do destinatrio) com outras ordens deexpressividade (por exemplo, de cariz iconogrfico a representaode um olhar de superioridade; de especificidade cinsica relativa auma gestualidade facial que conota a natureza desse olhar como provo-cador, de desafio,...). Parece-nos importante referir, que o olhar direc-cionado vai instituir uma transformao do estatuto antropolgico dodestinatrio que especificamente comunicacional: este, ao ser o ob-jecto do olhar de um actor publicitrio, deixa de ser um espectador, paraassumir um papel de actor, desempenhando papeis especficos no m-bito de uma narrativa (publicitria). Por exemplo, pode ser uma teste-munha, um coadjuvante, um adversrio, um companheiro. Como sepoder verificar, todos estes desempenhos so categorias significativasde uma antropologia/etnologia comunicacional.

    Do ponto de vista publicitrio, estas dimenses do espao informalno esto totalmente evidentes no nosso corpus de anlise. O que veri-ficmos confira-se de novo a figura n 6 a subtil encenao icono-grfica do espao de interaco dos actores e, simultaneamente, da in-sinuao de um relacionamento com os destinatrios: os actores sofotografados a caminhar ou em olhares direccionados para o pblico-alvo do anncio. Esse caminhar, esse olhar, so plenos de significaesantropolgicas e etnolgicas pois vo, muito provavelmente, instituiruma transformao da identidade desse pblico-alvo. Como j referi-mos, o olhar vai transformar o indivduo num actor da cena que repre-

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 37

    Figura 2.6: Figura N. 6

    www.bocc.ubi.pt

  • 38 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    sentada no anncio, compartilhando com os restantes actores a mesmaidentidade. Interessa perceber de quem se trata aqui. Talvez um homemou uma outra mulher que estabelece com a actriz um relacionamentode afinidade, isto , um reconhecimento vital no mbito das estrat-gias de persuaso. A dimenso significante relativa ao espao infor-mal muito ambgua e subtil no que significao da espacialidade denatureza antropolgica/etnolgica diz respeito. Em contrapartida, estesignificante desempenha um papel central na evocao da espacialidaderelacional, como mais frente iremos tentar demonstrar (confira-se naalnea c) do ponto n 2 Organizao da dimenso espacial).

    2.2.2 Espao HistricoOutra significao espacial a que est relacionada com a evocao dapassagem do tempo e do rumo da histria. Alertamos para a importn-cia de distinguirmos esta significao da categoria anterior. certo quea histria est sempre relacionada com a evocao da identidade de umpovo. Contudo, o mais importante na espacialidade histrica a ex-presso quer do passado quer do futuro. Tal significa que os signifi-cantes relativos espacialidade fixa, semi-fixa e informal estaro sem-pre relacionados com um espao encenado que remete para um eventopassado ou para um que pode vir a ocorrer. O espao histrico tanto ideolgico, relativo encenao da memria, como utpico no queconcerne imaginao do futuro.

    No nosso corpus de anlise, a significao deste espao no sufi-cientemente representativa. certo que ao nvel da espacialidade fixa, sempre possvel descortinar o monumento, isto , o espao que con-gelou um determinado momento. Todavia, questionamo-nos at queponto a existncia de tal significante estar ao servio da significaodo tempo ou da significao de um lugar. O monumento est nos ann-cios no s para significar a memria, mas, principalmente, para evocaro cosmopolitismo. o Clock Tower (dentro da torre est o Big Ben, osino) que significa a Gr-Bretanha (Figura n 7), pas metonmico deum lifestyle totalmente distinto do de Paris, evocado na imagem peloobelisco da poca napolenica (Figura n 8).

    A significao da espacialidade histrica, ou seja, a evocao damemria, suportada pelas marcas que os nossos antepassados nos

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 39

    Figura 2.7: Figura N. 7

    www.bocc.ubi.pt

  • 40 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Figura 2.8: Figura N. 8

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 41

    deixaram e que constituem aquilo a que chamamos, lugares de recor-dao. Estes lugares so consubstanciados por uma diversidade in-finita de objectos, cenrios, paisagens e obras de arte, nas diversas ver-tentes arquitectnicas, pictogrficas, de escultura, entre outras. A sig-nificao da memria no s a da Humanidade. A histria tambm a dos homens: as histrias de vida, as histrias de famlia. Nestaperspectiva, as imagens adquirem uma interessante conotao docu-mental. Significam momentos para recordar, o que contribui semprepara contextualizar os produtos num momento ou numa poca. Cu-riosamente, nestas representaes, a evocao do tempo volta a adquirira ambiguidade que j tnhamos descortinado na categoria da signifi-cao do espao antropolgico/etnolgico. como se a evocao damemria estivesse consubstanciada num espao, mas ela tambm de-pende, em larga medida, de outras dimenses significantes: as de carizobjectal (os adereos relativos aos lenos envergados pelas actrizes, aospadres assumidamente folclricos), as de ndole teatral (referentes aoscritrios subjacentes escolha de actores representativos de uma faixaetria diferenciada e seleco dos animais que remete para um imag-inrio tradicionalista) as de tipo iconogrfico (que se consubstancia nasmodalidades de produo da fotografia, assumidamente em tom spia).Confira-se a este propsito a figura n 9.

    Continuemos com a anlise da figura n 9 com o propsito de averiguarat que ponto as dimenses significantes do espao fixo e semi-fixo soimportantes na significao da memria. No espao fixo descortina-se uma arquitectura rural, com uma casa nobre (tipo solar), compostapor um conjunto de balastres; o pavimento est coberto com vege-tao rasteira e trepadeira, semelhante a hera. No espao semi-fixo,descobre-se um automvel como elemento de cenrio. Um jipe, umveculo de todo o terreno, marca de inovao tecnolgica que faz, aomesmo tempo, que o cavalo nos parea obsoleto, permite calcorrear oscaminhos difceis do campo. Portanto, a marca metonmica (evoca-tiva) de um estilo de vida moderno, mas que s tem sentido a partirde um conservadorismo assumido no mundo da tradio. As interpre-taes poltico-ideolgicas que se podem inferir a partir deste anncioso inmeras.

    Por sua vez, a dimenso do espao informal parece confirmar estetradicionalismo: a imagem faz-nos recordar os retratos de famlia no

    www.bocc.ubi.pt

  • 42 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Figura 2.9: Figura N. 9

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 43

    mbito dos quais a encenao dos gestos e a disposio dos actores, so-bretudo a partir da dicotomia sentado/de p, so evocativas de dispari-dades estatutrias, de poder e hierarquias, certamente entranhadas nospercursos histricos das famlias. S assim se pode compreender que apersonagem idosa, sentada em primeiro plano, dispute a ateno do des-tinatrio com uma jovem loura, sentada precisamente no local oposto doenquadramento da imagem. A partir dela, poderamos, seguidamente,especular acerca dos dramas e acontecimentos que estas encenaespretendem subtilmente evocar.

    Prosseguindo com a caracterizao desta categoria de significaoespacial e mais uma vez recorrendo a Marc Aug18, o espao histricotambm pode ser concebido pelo lugar que nos viu nascer, e se iden-tifica connosco ao longo da nossa vida. A memria desse lugar oespao privilegiado de todas as nossas recordaes culturais, sociais,polticas, religiosas, e outros. O autor refere que nascer nascer numlugar, ter residncia fixa19; deste modo, o lugar de nascimento consti-tui uma identidade individual e esta tese pode ser reforada com o factode em algumas sociedades de frica, uma criana, mesmo que aciden-talmente nasa fora da aldeia, recebe o nome do lugar que a viu nascer.Um lugar histrico sempre simblico a partir do momento em queconjugam identidade e estabelea uma relao com pontos de refern-cia. Por outras palavras, o lugar torna-se mais rico quando construdopor antepassados, quando exibe as marcas que estes deixaram e que nsreconhecemos. A riqueza de um lugar depende dos signos (verbais ouno verbais) que nele esto inscritos. A sua historicidade varia a partirdo modo como os que o habitam se relacionam com seu o territrio, osque lhe esto prximos e todos os outros. Estas dimenses tambm sedescortinam em alguns anncios de publicidade, atravs dos quais asimagens gerem uma relao entre os produtos/mercadorias e um espaode referncia, um cenrio evocativo de um imaginrio histrico que nonecessita de ser necessariamente comercial. A histria d sentido aosprodutos, no so os produtos que do sentido histria.

    Marc Aug20 refere que a identificao do poder com o lugar em que

    18Aug, Marc. (1992). No-Lugares. Introduo a uma Antropologia da Sobre-modernidade. Editora du Seuil. Paris, p. 47.

    19Idem, p. 47.20Ibidem, p. 55.

    www.bocc.ubi.pt

  • 44 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    exercido, ou mesmo com o monumento que acolhe os seus represen-tantes, est presente nos discursos polticos dos Estados modernos. ACasa Branca, o Kremlin so lugares monumentais e estruturas de poderque se assumem como lugares de memria. Em termos de metonmias, normal designarmos um pas pela sua capital e esta pelo nome doedifcio que os seus governantes ocupam. Podemos referir que at alinguagem poltica espacial, como quando nos identificamos com es-querda ou a direita, ou quando pensamos em unidade e diversidade.No entanto, a ilustrao do espao histrico na imagem publicitria composta por um conjunto de dispositivos fixos, semi-fixos e infor-mais que comunicam as memrias de uma determinada poca histriaou acontecimento histrico. Caracterizar correctamente os sinais dotempo ajuda-nos a descodificar um cenrio temporal. Assim sendo, opapel da comunicao do tempo muito importante na abordagem dasdisposies espaciais.

    Edward T. Hall21 revela preocupao com o entendimento do tempona formao do processo cultural. Para este autor, o tempo fala maisclaramente que as palavras, do que se depreende a representao dotempo na imagem publicitria importante para a dimenso fixa do es-pao quando, na construo de cenrio, se recorre a monumentos, obrasde arte e construes imponentes que denunciam e caracterizam umadeterminada poca ou representao histrica. O autor vai ainda maislonge na sua tese e refere que o tempo constitui o modo com as pessoasfalam umas com as outras sem recorrer a palavras, revelando-nos, as-sim, um mundo de explanao de comunicaes contextuais, complexase no verbais. Desta forma, o tempo entendido de modos distintos, deacordo com a cultura onde se est inserido. No caso da publicidade,esta cultura no s de consumo, como tambm mais genrica, con-stituindo mesmo um lifestyle. Este raciocnio pretende analisar os com-portamentos como forma de comunicao. Os sistemas culturais, queso o palco de todas as nossas vivncias, so compostos por sistemas delinguagem verbais e no-verbais. O autor faz uma abordagem da comu-nicao intercultural e exemplifica as dificuldades de entendimento ex-istentes entre vrias culturas. Tais dificuldades prendem-se com a faltade conscincia dos complicados padres de comportamento, que deter-

    21Hall, Edward T. (1994). A Linguagem Silenciosa. Editora Relgio dgua. Lis-boa, p. 11.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 45

    minam a gesto do tempo, das relaes espaciais, das atitudes face aotrabalho, ao divertimento e aprendizagem. Nesta perspectiva, o tempo,significado pelo espao, no apresenta um valor universal, depende,pois, de cultura para cultura, e das diversas audincias. A representaode um espao informal evocativo de um tempo de lazer e actividadesldicas, tambm pode ser compreendida como evocativa de uma tem-poralidade especfica de uma prtica lasciva, leviana e promscua. nestas alturas que um simples toque pode ser evocativo de um pecadomortal. Sobre esta ideia, confira-se a encenao patente na figura n 10,onde a posio de superioridade da mulher relativamente do homem,se significativa de um momento recreativo mais ou menos divertido,para certos segmentos da audincia da publicao, tambm pode serplena de conotaes negativas e de censura relativamente aos universosculturais de outras parcelas das audincias. Se num caso, a evocao doacontecimento remete para um momento divertido, noutro, a sua evo-cao pode insinuar que o divertimento outro bem diverso.

    Ainda sobre a questo do tempo histrico, pretendemos agora con-cretizar uma sinttica reflexo sobre o tempo e a arquitectura a partirde Maria Joo Rodrigues, tendo como referncia a sua obra O que Arquitectura22, onde ela afirma que o eixo do tempo permite, pelaaxialidade formada, situar o sujeito no seu devir. Para a autora, o es-pao o modo pelo qual as coisas tm garantida a sua posio, en-quanto o tempo tem uma funo orientadora. Os conceitos de espao etempo so instrumentos atravs dos quais todos os seres humanos po-dem transmitir mensagens. essencial que compreendamos a formacomo as pessoas interpretam o nosso comportamento mais que as nossaspalavras. Aplicar este conhecimento imagem publicitria revela-nosque, para alm da linguagem verbal, expressamos os nossos sentimen-tos e emoes dentro das disposies espaciais, e que estas iro, por suavez, realar e dar consistncia mensagem publicitria. No entanto, notempo, poderemos ver inscritos grandes temas como a antropologia, afamlia, a vida privada, o lazer, a beleza, encontrando-se os lugares dememria inscritos no tempo como registos de recordao, impressos emimagens e documentos com os quais nos reconhecemos e identificamos.

    22Rodrigues, Maria Joo Madeira (2002). O que Arquitectura. Quimera Editores,Lda.. Lisboa, p. 28

    www.bocc.ubi.pt

  • 46 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Figura 2.10: Figura N. 10

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 47

    Regressamos agora a Marc Aug23, cuja concepo do tempo se ap-resenta de vrias formas, a partir do uso que dele fazemos, da maneiracomo dele dispomos: o tempo transporta consigo as memrias que ahistria regista, mas tambm deve inscrever nele um princpio de iden-tidade. A histria acelera-se, mal temos tempo para envelhecer umpouco24, o passado torna-se histria, a histria est em permanenteprocesso de construo corre-nos atrs dos calcanhares. A aceleraoda histria corresponde diversidade de acontecimentos que, em grandenmero, no so previstos por economistas, historiadores ou socilogos. a superabundncia de acontecimentos que constitui o problema destaabordagem do tempo. Para o autor, o excesso de acontecimentos domundo contemporneo no se relaciona propriamente com os horroresdo sculo XX, mas pelo elevado grau de informao que coloca aoshistoriadores uma to grande espessura de acontecimentos correndo orisco de constituir um conjunto sem significao. Existe um sobreinves-timento de sentido, olhamos o mundo de uma forma individual, sen-tido, antes que experimentemos explcita e intensamente a necessidadequotidiana de lhe dar um: dar um sentido ao mundo, e no a certa aldeiaou certa linhagem25. Esta necessidade de dar um sentido ao presentee ao passado consequncia desta superabundncia de acontecimentose corresponde ao que o autor designa de sobremodernidade, pautadapelo regime do excesso. O espao histrico o tempo sobrecarregadode acontecimentos que congestionam o presente e o passado prximo; notado na nossa busca de sentido atravs do tempo, porque nossaexigncia compreender todos os acontecimentos do presente para poderdar sentido s aces do passado prximo. Esta busca de sentido feitade uma forma positiva, que se manifesta nos indivduos das sociedadescontemporneas e pode, simultaneamente, explicar os fenmenos queso interpretados como sinais de uma crise do sentido, que pode corre-sponder representao de todas as decepes.

    23 Aug, Marc. (1992). No-Lugares. Introduo a uma Antropologia da Sobre-modernidade. Editora du Seuil. Paris, p. 24.

    24Idem, p. 26.25Ibidem, p. 28.

    www.bocc.ubi.pt

  • 48 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    2.2.3 Espao RelacionalEsta categoria remete para uma significao espacial que est relacionadacom a experincia do espao a partir do indivduo, isto , das relaesinterpessoais. por essa razo que o conceito de espao informal doantroplogo Edward T. Hall26, explorado no mbito desta dissertao,enquanto dimenso significante, se assume de to grande relevncia. Adisposio espacial informal parece, assim, ser a categoria mais impor-tante para o indivduo. Ela diz respeito ao territrio pessoal em torno docorpo, que se desloca com a pessoa, ou seja, a distncia interpessoal.

    O espao relacional corresponde gesto do espao dos actores eao modo como nos surge no cenrio publicitrio a relao dos actores edos produtos. Esta ltima gerida a partir de tcnicas de enquadramentoe composio das imagens que vo desde os ngulos fotogrficos, queampliam e distorcem os objectos e os actores, at ausncia de cenrio edecorao, tendo como finalidade, no s de expor e enfatizar o produto,mas tambm de significar uma relao do actor com esse produto quese desenvolve a partir de uma espao simblico - o espao da imagem.Para se entender melhor esta ideia, recorremos a George Pninou27 norespeitante figura do apresentador. Este assume-se como uma cate-goria de actor publicitrio cujo estatuto determinado pela gesto deuma relao espacial de subordinao relativamente aos produtos queapresenta. Esta particularidade especialmente evidente em imagenspublicitrias cuja encenao consiste na omnipresena de um grandeplano, no qual o produto ostentado, num regime de transparncia,enquanto o actor publicitrio que o apresenta fica remetido para um se-gundo plano, invariavelmente desfocado, esfumado, desvalorizado emtermos de enquadramento relativamente representao da sua indi-vidualidade. Neste empobrecimento representativo, h um registosinedocal (a parte que evoca o todo), contudo, tal dinmica tambm sintomtica de uma desvalorizao do actor em relao quilo queapresenta (figura n 11).

    Esta dinmica representativa importante porque significativa deum espao relacional de subordinao do actor ao produto. Salienta-

    26Hall, Edward T. (1986). A Dimenso Oculta, p. 131.27Pninou, Georges (1976). Semitica de la Ppublicidad. Ediciones Gustavo Gili

    S.A. Barcelona, p. 133.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 49

    Figura 2.11: Figura N. 11

    www.bocc.ubi.pt

  • 50 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    mos, que esta encenao no apresenta necessariamente uma dimensoempobrecedora do estatuto do actor. Existem casos em que o espaorelacional se fundamenta a partir da encenao de uma relao de pari-dade entre o actor e o produto e at mesmo de valorizao sobre o pro-duto, ficando este transformado na categoria de adereo.

    Georges Pninou28 caracterizou detalhadamente os planos de apre-sentao dos produtos, a gestualidade dos apresentadores, a interacodos olhares, entre outros pormenores de elevada relevncia, para enfati-zar as mercadorias. Neste caso, como se o actor ocupasse o primeiroplano ficando a mercadoria remetida para uma dimenso secundria noenquadramento (figura 12).

    Mais uma vez, no mbito da dimenso informal do espao rela-cional, as significaes encontram-se fortemente contextualizadas a par-tir de universos culturais de referncia. A relao entre actores e mer-cadorias (de valorizao ou de sbria descrio em segundo plano) estdependente de universos culturais de referncia, exactamente do mesmomodo a que Edward T. Hall faz referncia, confirmando, assim, quea gesto da espacialidade nas interaces da vida quotidiana (comoacontece no questo do toque e do abrao) se encontra solidamentealicerada em esquemas culturais. Esta ideia relevante, da mesmamaneira que a gesto e interpretao da espacialidade informal depen-dem de cultura para cultura, tambm a interpretao do espao rela-cional da publicidade fica depende de universos culturais. Esta particu-laridade revela-se extremamente importante no respeitante a estratgiasde marketing global, pois no parece tarefa fcil produzir significaesestereotipadas para todos os locais do mundo, quando existe uma in-finidade heterognea de padres culturais que as vo pr em situaoou as vo relativizar. Continuemos com a valorizao da dimenso cul-tural nesta categoria espacial. Comunicamos com o nosso corpo, com osnossos gestos e olhares. A formao cultural est subjacente ao espaorelacional, o ser Humano um ser cultural, e desenvolve um conjuntode distncias semelhante dos outros animais, a sua percepo de es-pao dinmica, encontra-se ligada aco. Interessa-nos agora aplicareste edifcio conceptual temtica da publicidade. Para alm da gestoespacial entre actores e produtos, o espao relacional tambm depende

    28Pninou, Georges (1976). Semitica de la Publicidad. Ediciones Gustavo GiliS.A. Barcelona, p. 110 e ss

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 51

    Figura 2.12: Figura N. 12

    www.bocc.ubi.pt

  • 52 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    de uma espacialidade subjacente s interaces que os actores estab-elecem uns com os outros. possvel descobrir algumas conotaesinteressantes, embora reconheamos a ambiguidade das interpretaes.Esta particularidade significa que as evocaes so muito difusas, fra-camente codificadas e, por isso, dependentes do universo cultural e docontexto pragmtico de quem as interpreta. Por vezes, a sua qualifi-cao depende da interveno de outros signos, como os signos objec-tais, relativos a adereos que so metonmicos de universos ideolgicosclaramente identificveis a paz, a rebeldia, a juventude, o erotismo- figura n 13). assim possvel conceber um espao de alegria, detristeza, de rebeldia e de conformismo, etc.

    Comunicamos com o nosso corpo, com os nossos gestos e olhares.Para Edward T. Hall, enquanto falamos, fazemos incidir a ateno sobreo aspecto fontico (a produo de sons) e o aspecto retrico do nossodiscurso. Contudo, todo o ser humano se encontra estreitamente sub-metido redundncia no processo de comunicao. Toda a informaoque transmitida por um determinado sistema , em caso de falha, as-segurada por outros sistemas complementares. Esta aco de repetiopresente em qualquer processo de comunicao e na formao cultural importante porque sempre que falamos enunciamos parte de uma men-sagem, sendo o resto implicitamente admitido por intermdio de out-ras dimenses expressivas. Mas a configurao da mensagem implcitavaria de cultura para cultura porque os cdigos so diferentes. A funode um modelo conceptual e de um sistema de classificao descodi-ficar os elementos contidos nas comunicaes e indicar a natureza dassuas relaes. As investigaes conduziram o antroplogo americano criao de modelos destinados ao estudo da proxmica ao nvel cultural.

    No espao relacional pretendemos fazer a gesto do espao dos ac-tores na paisagem publicitria, sempre mediada pelos objectos. im-portante estabelecer uma relao entre significados cnicos presentes noespao publicitrio da revista Vogue e compreender a estruturao dasdistncias de poder persuasivo e seduo existentes nas imagens de pub-licidade. Para o autor, esta dimenso de espao, designado por espaoinformal, constitui a experincia mais importante para o indivduo, umavez que possibilita aferir a compreenso das distncias que observamosnos nossos contactos com os outros. Esta concepo de distncia, namaior parte das vezes, configurada de um modo inconsciente, mas, a

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 53

    Figura 2.13: Figura N. 13

    www.bocc.ubi.pt

  • 54 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    designao de espao informal tem uma configurao precisa e uma sig-nificao que ao desconhec-la pode significar um desastre nas relaessociais. Como j referimos, a percepo das mensagens publicitriasvaria de cultura para cultura, e no nosso sistema cultural que pre-tendemos conhecer as diferenas e as distncias que se utilizam nessasmesmas imagens.

    As distncias estudadas por Hall no se referem apenas s pessoas,da que no nos surpreendamos, portanto, quando damos conta do seuinteresse por Hediger29 que se ocupou do estudo de outros seres vivose classificou essas distncias como distncia de fuga, distncia crtica,distncia pessoal e distncia social. Observam-se uma srie de distn-cias que os ajudam a gerir as relaes com o seu semelhante e igual-mente a controlar o espao territorial. Tambm o ser humano estab-elece uma srie de distncias uniformes nas relaes que mantm comos outros indivduos da sua espcie. Comparativamente s distnciasreferidas no comportamento humano, foram abolidas a de fuga e a decrtica. Na publicidade estas distncias so interpretadas de forma acompreender como os actores se relacionam com a disposio espaciale com os produtos.

    O espao relacional tambm pode ser apreendido mesmo em casode ausncia de cenrio (confira-se a figura n 14). A disposio es-pacial inexistente para enfatizar a dimenso informal da actriz que,atravs da interaco do olhar para com o destinatrio bem como da suagestualidade, pretende afirmar-se como o fruto de um desejo. Este es-pao publicitrio assume-se como um espao de atraco e de seduo.Neste cenrio existe um convite da Gucci para partilhar o espao (dedesejo) ocupado pela actriz, pelas jias e pelo prprio destinatrio.

    A caracterizao do espao relacional interpretada como uma en-cenao dramatrgica mais intensa sempre que mediada por uma re-lao entre os actores. Compreender as distncias interpessoais dos ac-tores no espao e a sua relao com os objectos implica dominar umalinguagem corporal e comportamental. A audincia obtm uma per-cepo correcta da mensagem publicitria quando esta distncia dev-idamente encenada e representativa de um determinado acontecimento.

    29HEDIGER Hidiger, H. Studies of the Psycology and Behavior of Captive An-imals in Zoos and Circuses. Londres: Butterworth & Company, 1955, apud: Hall,Edward T. (1986). A Dimenso Oculta. Lisboa. Editora Relgio dgua, p. 133.

    www.bocc.ubi.pt

  • Representao do Espao na Imagem Publicitria 55

    Figura 2.14: Figura N. 14

    www.bocc.ubi.pt

  • 56 Maria Celsa Rebelo Gil Alves

    Ainda segundo Edward T. Hall30, no seu estudo das distncias inter-pessoais, na cultura americana, por exemplo, existem quatro espaosdiscernveis: ntimo (15-40 cm); pessoal (45-125 cm); social (120-360cm); pblico (acima 360 cm). Quando as pessoas estabelecem umaconversa, existem oito factores envolvidos, simultaneamente, na distn-cia entre elas. Tambm nos descreve a importncia do espao trmico,tctil e visual. As informaes