Representação e Aprendizagem de Uma Língua Estrangeira

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101 Telma Pereira Pontificale Université Catholique de Rio de Janeiro como informantes moradores do Oiapoque (trabalhadores e estudantes) e estudantes de universidades cariocas. Os dados foram coletados através de questionários e entrevistas semi-estruturadas. Correlacionamos aqui os dois diferentes contextos (urbano e de fronteira) e observamos o papel reservado ao francês. Palavras-chave: Representação lingüística, política lingüística, línguas em contato Abstract: This article brings forward the observations resulting from the qualitative/ quantitative study of sociolinguistic representation in the border region between Brazil and French Guiana, in conjunction with distinct university environments in Rio de Janeiro. We chose, as informers, residents from Oiapoque (both workers and students) and undergraduates from universities in Rio de Janeiro. The data was collected via questionnaires and semi-structured interviews. We correlate two different environments (urban and border region) and observe the role played by French. Key words: linguistic representation, linguistic policy, language contact. Introdução A configuração política mundial em blocos regionais tem sido uma das razões para a mudança do status funcional das línguas, a saber: línguas oficiais, de trabalho, nacional. O Tratado de Roma que oficializou a criação da União Européia 1 , por Synergies Brésil n° 7 - 2009 pp. 101-111 Representação e aprendizagem de uma língua estrangeira: status da língua francesa em contexto urbano e de fronteira Résumé: Cet article présente quelques réflexions qui résultent d’une enquête sociolinguistique sur les représentations linguistiques menée dans la zone frontalière entre le Brésil et la Guyane Française et en milieu universitaires à Rio de Janeiro. Les données ont été prélevées par questionnaires et entretiens et nous comparerons les résultats obtenus dans les deux différents contextes (urbain et frontalier) en y observant la place du français. Mots-clés: Représentation linguistique, politique linguistique, langues en contact, enseignement Resumo: Este trabalho apresenta algumas reflexões decorrentes de uma pesquisa sociolingüística sobre representação lingüística na fronteira Brasil- Guiana Francesa e em meio universitário no Rio de Janeiro. Selecionamos

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Social Representations and Langauge Education

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    Telma PereiraPontificale Universit Catholique de Rio de Janeiro

    como informantes moradores do Oiapoque (trabalhadores e estudantes) e estudantes de universidades cariocas. Os dados foram coletados atravs de questionrios e entrevistas semi-estruturadas. Correlacionamos aqui os dois diferentes contextos (urbano e de fronteira) e observamos o papel reservado ao francs.

    Palavras-chave: Representao lingstica, poltica lingstica, lnguas em contato

    Abstract: This article brings forward the observations resulting from the qualitative/quantitative study of sociolinguistic representation in the border region between Brazil and French Guiana, in conjunction with distinct university environments in Rio de Janeiro. We chose, as informers, residents from Oiapoque (both workers and students) and undergraduates from universities in Rio de Janeiro. The data was collected via questionnaires and semi-structured interviews. We correlate two different environments (urban and border region) and observe the role played by French.

    Key words: linguistic representation, linguistic policy, language contact.

    Introduo

    A configurao poltica mundial em blocos regionais tem sido uma das razes para a mudana do status funcional das lnguas, a saber: lnguas oficiais, de trabalho, nacional. O Tratado de Roma que oficializou a criao da Unio Europia1, por

    Synergies Brsil n 7 - 2009 pp. 101-111

    Representao e aprendizagem de uma lngua estrangeira: status da lngua francesa em contexto urbano e de fronteira

    Rsum: Cet article prsente quelques rflexions qui rsultent dune enqute sociolinguistique sur les reprsentations linguistiques mene dans la zone frontalire entre le Brsil et la Guyane Franaise et en milieu universitaires Rio de Janeiro. Les donnes ont t prleves par questionnaires et entretiens et nous comparerons les rsultats obtenus dans les deux diffrents contextes (urbain et frontalier) en y observant la place du franais.

    Mots-cls: Reprsentation linguistique, politique linguistique, langues en contact, enseignement

    Resumo: Este trabalho apresenta algumas reflexes decorrentes de uma pesquisa sociolingstica sobre representao lingstica na fronteira Brasil-Guiana Francesa e em meio universitrio no Rio de Janeiro. Selecionamos

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    exemplo, estipulava que as seis lnguas oficiais dos pases membros seriam as lnguas oficiais da Unio. Atualmente, a poltica lingstica da Unio Europia pautada pela promoo do multilingismo viabilizada pela criao de diferentes projetos de educao e de formao nos quais o aprendizado de lngua tem um lugar de destaque.2

    Do ponto de vista lingstico, o contexto dos blocos econmicos revela ainda questes como o predomnio de uma lngua sobre outra, o papel das lnguas minoritrias, bem como a importncia do ensino de lnguas como um propulsor da incluso / excluso social. Neste cenrio, as lnguas passam a fazer parte dos contextos das interaes econmicas.

    Nas ltimas duas dcadas, temos observado que as aes em termos de poltica lingstica no Brasil se concentram nos direitos lingsticos dos falantes de lnguas autctones e alctones, na promoo da lngua portuguesa e nos acordos lingsticos no mbito do Mercosul (Mercado Comum do Sul), bloco econmico que comeou a ser gerado em 1985 e que foi estabelecido em 1991, atravs do Tratado de Assuno3.

    No caso do Mercosul, uma de suas aes prioritrias do setor educativo trata da promoo do ensino das lnguas oficiais de seus pases membros, a saber, o espanhol e o portugus. Essa promoo tem lugar no sistema educativo, incluindo alm do ensino das lnguas em questo, a formao de professores de lnguas e a elaborao de programas bilnges de educao intercultural. Os programas de cooperao acadmica entre as universidades dos pases do Mercosul tambm contribuem para que a lngua espanhola e a lngua portuguesa ocupem um status mais significativo no cenrio acadmico. , portanto, nesta esfera que se encontra a mais recente ao concernente a uma poltica lingstica para o ensino de lnguas: a lei n 11.1614, de 5 de agosto de 2005, dispondo sobre a obrigatoriedade do ensino do espanhol.

    A linha que atua na promoo da lngua portuguesa tem em sua participao na CPLP (Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa) uma de suas principais frentes de ao. Esta Comunidade destaca em seus objetivos a palavra cooperao: A cooperao em todos os domnios, inclusive os da educao, sade, cincia e tecnologia, defesa, agricultura, administrao pblica, comunicaes, justia, segurana pblica, cultura, desporto e comunicao social.5 A CPLP salienta que preciso que os pases lusfonos entendam a relevncia do idioma portugus nas polticas cultural e patrimonial e que atentem para o valor econmico da lngua portuguesa. O Instituto Internacional da Lngua Portuguesa (IILP), que integra a CPLP, tem por objetivos a planificao e execuo de programas de promoo, defesa, enriquecimento e difuso da lngua portuguesa como veculo de cultura, educao, informao e acesso ao conhecimento cientfico, tecnolgico e de utilizao em fora internacionais.

    No que concerne ao aprendizado de lnguas estrangeiras, os programas de cooperao cientfica promovidos pelas agncias de fomento pesquisa e pelas universidades favorecem as prticas in vivo na medida em que acabam por influenciar as escolhas das lnguas que o pblico universitrio decide aprender.

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    Se considerarmos o mercado lingstico de alguns centros universitrios de lnguas, observaremos que a relao entre a procura e a oferta tem uma estreita relao com os programas de intercmbio universitrio; em outras palavras, quanto mais dinmica a mobilidade acadmica no mbito de uma determinada lngua presente na cooperao internacional, maior ser a procura por seu ensino.

    Considerando as duas formas de poltica lingstica, observamos que no caso no Oiapoque, cidade localizada na fronteira com a Guiana Francesa, h exemplos de prticas oficialmente legisladas e outras que emanam da iniciativa civil, da populao local, de grupos de indivduos. Trata-se de uma regio onde h, alm de lnguas, polticas lingsticas em contato (Pereira, 2008): a poltica lingstica do Brasil para as lnguas indgenas e para o ensino de lnguas; a poltica regional do estado do Amap para a promoo do francs; a poltica lingstica da Frana, na cidade fronteiria de Saint-Georges, as escolhas lingsticas relacionadas a determinadas prticas religiosas. Neste contexto, a promoo da lngua francesa na cidade brasileira justificada pelas autoridades locais e por uma parcela da populao atravs de critrios comerciais e sociais, uma vez que os moradores de ambas as localidades (Oiapoque e Saint-Georges) possuem muitas vezes relaes de amizade ou de parentesco.

    A anlise aqui apresentada foi baseada em pesquisas de campo que realizamos entre 2006 e 2008 envolvendo dois contextos sociolingsticos bastante distintos: o municpio do Rio de Janeiro e o municpio do Oiapoque. No municpio do Oiapoque, a pesquisa de campo foi desenvolvida no mbito de um projeto de cooperao cientfica entre a PUC-Rio e a Universit de Provence6. Esta universidade foi representada pelo Professor Louis-Jean Calvet que participou da elaborao dos questionrios aplicados e orientou metodologia a ser aplicada, a saber, aquela inspirada em suas pesquisas na frica. Louis-Jean Calvet integrou ainda equipe de trabalho de campo no Oiapoque e analisou parte dos dados levantados (Calvet, 2009).

    Propomos neste trabalho a observao das representaes lingsticas relacionadas lngua francesa em uma regio de fronteira, local onde possvel observar, com maior freqncia, fenmenos resultantes do contato lingstico, e em um grande centro urbano onde o multilingismo no tm necessariamente uma vocao identitria, mas nos quais a importncia da mundializao exerce um peso importante.

    1. Representao lingstica no Oiapoque e no Rio de Janeiro

    Na pesquisa sobre representao lingstica foram entrevistados no Rio de Janeiro 114 estudantes de cinco universidades, e no Oiapoque 137 trabalhadores de diferentes setores da economia local. Trata-se de dois contextos sociolingsticos com diferenas acentuadas que, ao tratar da representao das lnguas, adotaram uma postura com pontos semelhantes.

    O conceito de representao foi aventado nesta pesquisa porque consideramos que o mesmo constitui um dos primeiros passos para a elaborao de uma poltica

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    lingstica, alm de ser um elemento importante no processo de apropriao de uma lngua. Para essa pesquisa, nos baseamos nos trabalhos sobre representao e atitude lingsticas desenvolvidos por Houdeline-Gravaud (2002) e por Calvet (1999).

    No conceito de imaginrio lingstico definido por Houdebine-Gravaud (2002:11) a autora desenvolve a idia de sentimentos lingsticos sobre as lnguas, sobre a valorizao e a desvalorizao das formas lingsticas. Calvet (1999:158) utiliza duas categorias para tratar da representao: prticas e representaes, em que as prticas lingsticas representam o que os locutores produzem enquanto que as representaes simbolizam a maneira como os falantes pensam as suas prticas, como eles se situam em relao aos outros falantes. Para este autor, as representaes estariam mais ligadas s funes desempenhadas pelas lnguas.

    Para entendermos a relao representao/funo nas duas cidades, preciso que nos detenhamos brevemente ao seu contexto sociolingstico: nas duas cidades temos lnguas diferentes, que exercem funes diferentes. No Oiapoque, h lnguas indgenas (palikur, patu) que so lnguas vernaculares, lnguas de alfabetizao e so utilizadas em determinadas situaes institucionais (na FUNAI, em reunies e no atendimento em um hospital da regio); o francs e o crioulo so utilizados nas interaes cotidianas (trabalho e lazer) e o portugus, na escola, na mdia, nas interaes de uma maneira geral.

    No Rio de Janeiro, depois do portugus, a lngua inglesa tem um papel relevante nas funes externas; a cidade possui uma concentrao de cursos tradicionais de lngua inglesa totalizando 132 filiais, sem considerar os cursos oferecidos pelos centros universitrios de lnguas, por ONGs e os diversos cursos privados de menor porte. A mesma profuso de cursos, em diferentes bairros do municpio, desde queles com maior ndice de IDH queles socialmente menos favorecidos, no observada em relao a outras lnguas, como o francs e o alemo. Tal oferta ainda reforada pela opo do ingls como primeira lngua estrangeira no sistema de ensino, e pelas escolas bilnges em lngua inglesa. Esta concentrao de oferta nos d uma idia da demanda do mercado lingstico local.

    No municpio do Oiapoque, por sua vez, dentre os seus 20.226 (IBGE, 20087) habitantes, cerca de 5 mil so indgenas, distribudos nos grupos Karipuna, Galibi, Galibi Marworno e Palikur. Alm das lnguas indgenas Galibi e Palikur, alguns ndios utilizam o patu como lngua comum, o portugus para comunicao com a populao brasileira e o francs com aqueles que moram na Guiana Francesa. O municpio possui trs escolas pblicas em zona urbana (apenas uma oferece o Ensino Mdio) e 27 escolas em zona rural, incluindo as escolas nas aldeias indgenas. O aprendizado formal de lnguas estrangeiras ocorre na escola, a partir da 5 srie do ensino fundamental, e a lngua estrangeira adotada o francs, em consonncia com a poltica lingstica do estado do Amap. A oferta de cursos de lnguas estrangeiras fora deste contexto (ingls e francs) cabe geralmente s iniciativas de professores particulares.

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    2. Metodologia

    Para a elaborao dos questionrios aplicados consideramos o aporte dos trabalhos de Chaudenson (1991) sobre a anlise das situaes lingsticas. Observamos as lnguas em contato nessa regio considerando seu status e seu corpus. Chaudenson atribui ao status as seguintes funes: uso oficial, religio, educao, uso pela mdia, representaes. E quanto ao corpus: apropriao lingstica, a relao entre lngua veicular e lngua verncula, a competncia, a produo e o consumo linguageiros. No Oiapoque, efetuamos tambm observaes in loco na cidade vizinha de Saint Georges (Guiana Francesa) para observar as interaes cotidianas e prticas religiosas em algumas comunidades lingsticas da regio.

    O questionrio sobre representao continha as seguintes questes: Qual lngua(s) voc gostaria de aprender e por qu? Qual lngua(s) voc acha mais bonita? Qual lngua(s) voc acha mais til? Qual lngua(s) voc acha mais fcil? Qual lngua(s) voc considera mais difcil? H regies no Brasil em que se fale mais de uma lngua?Quais regies? A formulao das questes permitia que as respostas fossem abertas o que nos possibilitou apreender o imaginrio lingstico dos entrevistados. Apresentamos a seguir algumas das respostas:

    lngua % Oiapoque % Rio

    francs 34,9% 45%portugus 24% 19%

    ingls 23,7% 15%espanhol 15% 15%

    italiano 0% 17%alemo 0% 5,8%japons 0% 5,8%

    patupalikur

    1,6%0,8%

    No mencionado

    Tabela 1: Que lngua(s) voc acha mais bonita?

    A representao quanto beleza da lngua se mostra favorvel ao francs nas duas localidades. No Oiapoque, temos alguma referncia s lnguas indgenas, pois as mesmas fazem parte do repertrio local das lnguas em contato. No Rio, apenas as lnguas alctones so citadas como bonitas.

    lngua Oiapoque Riofrancs 37,1%% 4,3%portugus 30% 6,5%ingls 24,4% 95%

    espanhol 15% 13,5%patu 1% No mencionado

    palikurcrioulo

    1%1%

    No mencionado

    Tabela 2: Que lngua(s) voc acha mais til?

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    Aqui o francs aparece como muito mais til no Oiapoque, e neste caso, o uso local da lngua determinante. A posio do ingls no Oiapoque pode ser justificada pela presena da Internet; no h livrarias no municpio, mas h pelo menos mais que trs lan houses na cidade, (sempre muito freqentadas). H, tambm, um fluxo de turistas estrangeiros (ainda que grande parte seja francfona), e nas casas de festas da cidade os ritmos brasileiros e caribenhos dividem espao com msicas em ingls. No Rio, o francs no se destaca por sua representao utilitria, embora a demanda por esta lngua nos centros universitrios de lnguas denote o contrrio. Alis, no Rio, as campanhas publicitrias de cursos de francs tm se empenhado em associar a imagem da lngua a contextos de negcios, viagens, trabalho, etc.

    lngua Oiapoque Rioportugus 31,4% 9,6%francs 33% 5,2%espanhol 21,3% 47%ingls 9,4% 29%patu 1,6% 0%

    italianojaponschins

    0,8%0,8%0,8%

    4,8%

    Tabela 3: Que lngua(s) voc acha mais fcil?

    Nesta questo temos duas lnguas consideradas como mais fceis: o espanhol e o francs: no Rio, os entrevistados comentavam no sentir dificuldades em compreender essa lngua. No Oiapoque, alguns entrevistados assumiam que podiam compreender e mesmo falar um pouco em francs em razo da convivncia.

    lngua Oiapoque Rioingls 40% 7%francs 23,2% 8%japons 12,5% 31%chins 5% 7%espanhol 4,2% No mencionadoalemo 2,4% 29%taki taki 1,8% 0%

    portuguslnguas indgenasetc.

    1,8%2,4%

    6%

    Tabela 4: Que lngua(s) voc considera mais difcil?

    A dificuldade aparece associada nos comentrios dos entrevistados ao distanciamento do uso da lngua ao seu aspecto grfico e sonoro e, por fim, ao seu aprendizado formal de uma maneira mais geral. No Rio, as lnguas citadas como as mais difceis so primeiramente as lnguas de origem no latinas, mas que so tambm lnguas de imigrao no Brasil (alemo e japons). Essa representao est provavelmente associada histria da formao da sociedade fluminense, marcadamente sob a influncia dos negros e dos portugueses, o que assinala um

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    distanciamento cultural com relao aos fluxos migratrios predominantes em outras regies do pas.

    No Oiapoque, o francs ao mesmo tempo a lngua mais fcil (aprendizado no formal) e a segunda mais difcil (aprendizado formal). Ressaltamos que o francs aparece no Oiapoque como a lngua que a maioria gostaria de aprender (57%), seguido pelo ingls (23%). No Rio, a maioria disse querer aprender o ingls (80%), seguido do espanhol (30%) e do francs (25%). Vale notar que no Rio a maioria sempre mencionava o ingls acrescido de mais uma lngua.

    lngua Oiapoque Riofrancs 32,4%ingls 18,7% 13,5%espanhol 15,5% 10,9%crioulo 6%lnguas indgenas 5,4% 13,5%

    japons 4,6%alemo 2,8% 5,2%patu 2,8% tupi 3,9%

    italieno 2,8% 3,4%

    taki takietc.

    3,2% No mencionado

    Tabela 5: Que lngua(s) se fala no Brasil

    Nesta ltima questo, a presena da lngua francesa na regio do Oiapoque foi facilmente apreendida nas respostas, enquanto que os informantes cariocas quase no a citaram; os nomes das lnguas indgenas nem sempre eram especificados nas respostas entre os entrevistados do Rio.

    No Oiapoque, observamos que a representao lingstica dos entrevistados mostra-se associada a uma viso muito pragmtica do uso da(s) lngua(s), ou seja, com a funo que estas tm no seu entorno imediato, e mesmo com a vinculao que mantm com o municpio. A noo de identidade como algo no esttico pode ser aplicada a esta anlise: de um lado, muitos entrevistados se apegam em seu discurso a uma identidade original do lugar de onde emigraram; de outro, o desejo de adoo do francs como lngua de trabalho, como lngua que gostariam de aprender (muitos enfatizaram que se trataria de um aprendizado formal, no apenas devido convivncia) relaciona-se principalmente sobrevivncia e adaptao ao contexto que os atraiu para o Oiapoque.

    De modo geral, a comparao entre os dois municpios mostra uma organizao gravitacional das lnguas diferente entre o Oiapoque e o Rio. O lugar reservado ao ingls (lngua estrangeira mais ensinada no Rio) e ao francs (lngua veicular no Oiapoque) apresenta muitos contrastes. Para o pblico universitrio carioca, o ingls faz parte do dia-a-dia, atravs das leituras, de filmes, msicas e de experincias concretas de viagens, etc. No entorno lingstico do Rio, a

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    marcao em ingls tambm mais comum que no Oiapoque. A marcao lingstica nas fachadas dos estabelecimentos comerciais do Oiapoque e nas placas pblicas, muitas vezes em francs, corrobora o conceito da estratgia da condescendncia proposto por Bourdieu (2001), no qual a mensagem : estamos entre ns; eu falo como vocs, ilustrando dessa maneira como a troca lingstica tambm uma troca econmica.

    A lngua francesa exibida no Oiapoque como um convite troca econmica com aqueles que cruzam a fronteira para gastar em euros no lado brasileiro, marcando assim sua presena simblica. A recproca no evidentemente verdadeira: a marcao lingstica em Saint-Georges predominantemente em francs ou crioulo. Se a migrao tem sido uma via de mo nica (Brasil - Guiana), as trocas comerciais por sua vez nem tanto.

    As representaes lingsticas apreendidas nas duas localidades mostram o destino reservado ao francs como lngua estrangeira (FLE), ou seja, um futuro aparentemente favorvel.

    3. Os centros universitrios de lnguas: uma via para o plurilingismo

    rabe, ingls, francs, chins, espanhol, alemo, hebraico...Este geralmente o leque de escolhas que os centros universitrios de lnguas oferecem comunidade acadmica e a comunidade externa. Os fatores que iro regular a escolha esto geralmente associados a algum dos critrios que constituem a representao da lngua para o indivduo, sendo que aqueles da beleza e da utilidade so os mais freqentes. Como professora de um centro de lnguas observamos que a lngua francesa preenche esses dois critrios e vem por isso mantendo uma demanda significativa nesses centros.

    A relao entre os programas de intercmbio e o desenvolvimento do ensino de lnguas em meio universitrio praticamente direto. A cooperao educacional entre Brasil e Frana a mais antiga que o pas possui. Ela teve incio formal em 1948, com a assinatura do acordo cultural bilateral, mas remete fundao da Universidade de So Paulo (USP), na dcada de 30, por um grupo de renomados professores franceses, como Fernand Braudel e Claude Lvi-Strauss, que veio ao Brasil para dar aulas na instituio. A contribuio desses professores foi decisiva para a modernizao das cincias sociais no pas e para fazer da lngua francesa naquele momento uma lngua de peso cientfico.

    Atualmente, a Capes (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior mantm seis programas de cooperao internacional) com a Frana: MATH AmSud, STIC AmSud, Brafitec, CAPES/Brafagri, Cofecub e o Colgio Doutoral Franco Brasileiro. Alm dos programas da Capes, as universidades estabelecem parcerias com universidades estrangeiras atravs de seus programas de cooperao internacional ampliando a mobilidade de professores, pesquisadores e estudantes. A PUC-Rio, por exemplo, tem mantido programas de convnio no apenas com a Frana, mas tambm com a Alemanha, os Estados Unidos e a Espanha com programas de dupla-diplomao nas seguintes universidades:

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    - coles Centrales - Lille, Paris e Lyon - Frana (Engenharia) - cole de Mines de Nancy Frana (Engenhariade Produo, Eltrica e Qumica) - LEcole Nationale Superieure des Tlcommunications (Paris) TELECOM Frana (Engenhaira) - INSA Lyon e INSA Toulouse Frana (Engenharia) - Braunschweig Alemanha (Engenharia) - San Diego State University EUA ( Administrao ) - Universidad Valladolid Espanha (Matemtica) - Politcnico di Milano Itlia (Engenharia)

    Nas discusses apresentadas durante o 1 Encontro de Centros Universitrios de Lnguas, em maio de 2008, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, observamos que na maioria dos centros h uma forte demanda pela lngua francesa. o que ocorre, por exemplo, na Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde alm do curso oferecido pelo seu centro de lnguas (IPEL), o ensino da lngua tambm oferecido como disciplina eletiva, e em ambos a procura tem sido significativa por alunos de diferentes cursos, muitos dos quais com o objetivo de seguir estudos em um pas francfono, geralmente a Frana, atravs do programa de intercmbio.

    Neste ponto, observamos uma ligeira discrepncia entre a representao lingstica e sua demanda. No caso do Rio, a representao do francs nos parece cristalizada ainda como uma lngua de elite, em esteretipos sofisticados. Os mesmos estudantes que responderam ao questionrio ainda no assimilaram a possibilidade da utilidade da lngua, embora se apressem em aprend-la com objetivos de uso bem definidos. Na regio do Oiapoque, como assinalamos anteriormente, a lngua francesa j faz parte do cotidiano das pessoas.Alm da possibilidade mais imediata de participar de intercmbios, os alunos costumam justificar sua presena ali em razo do preo mais acessvel se comparado quele proposto por alguns cursos de francs Os centros universitrios desempenham assim um papel na democratizao do acesso ao aprendizado de lnguas estrangeiras, contribuindo positivamente para o que Wolton (2006: 109) chama de terceira mundializao, caracterizada pelo vnculo constante entre cultura e comunicao, e pela necessidade no plano mundial de organizar a convivncia cultural.

    Consideraes finais

    A pesquisa sobre representao lingstica que apresentamos aqui se baseou em dados parciais visto que consideramos apenas amostras levantadas em duas regies. Acreditamos que uma pesquisa de maior abrangncia geogrfica seria importante para a discusso sobre a representao lingstica dos brasileiros, seja em relao a sua lngua seja em relao s lnguas estrangeiras, sobre a transmisso das lnguas, sobre a dinmica das lnguas em contato, para uma posterior definio de poltica e planificao lingstica no Brasil. A anlise realizada nos permitiu, porm, efetuar algumas concluses, a saber:

    De modo geral, a comparao entre os dois municpios investigados mostra uma representao vinculada ao uso e ao contexto lingstico imediato; a

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    representao favorvel associada possibilidade de uso faz com que o status de uma lngua seja modificado (a diferena de status do francs no Rio e no Oiapoque). Na fronteira com a Guiana Francesa no causa surpresa que o ingls aparea em primeiro lugar como lngua mais difcil, e duas razes se mostram relevantes na anlise dessa representao: a pouca exposio cotidiana dos moradores do Oiapoque ao idioma (ao contrrio do que ocorre no Rio) e o fato de no haver uma regularidade no ensino formal da lngua inglesa na escola. No Rio de Janeiro, somente 8,6% dos entrevistados acharam o ingls difcil.

    Os centros universitrios de lnguas, ou mesmo a oferta de lnguas estrangeiras na grade curricular dos cursos universitrios tm um papel importante para a manuteno dos projetos de cooperao internacional entre as universidades, na mobilidade dos estudantes, contribuindo diretamente para a uma poltica lingstica em favor do plurilingismo.

    Finalmente, a partir do conhecimento das necessidades locais (a necessidade dos pesquisadores em publicar em outras lnguas, as interaes lingsticas cotidianas nas regies de fronteira, o uso efetivo das lnguas) que podemos evidenciar a necessidade de polticas eficazes para o ensino de lnguas estrangeiras assim como sua relevncia para a cidadania.

    Notas

    1 Fonte: http://www.traitederome.fr 2 Programas no mbito da poltica lingstica europia: Comenius (para as escolas), Erasmus (para o ensino superior), Leonardo da Vinci (para a formao e o ensino profissionais) e Grundtvig (para a educao de adultos). Fonte: http://ec.europa.eu/education/languages/eu-language-policy/index_fr.htm3 Fonte: http://www.mercosul.gov.br4 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11161.htm5 Fonte: http://www.cplp.org/Programa_Indicativo_de_Cooperao.aspx?ID=9396 Projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq: `Mapeamento lingistico na fronteira francfona do Brasil: questes de domnio e uso funcional lingstico (coord. Mnica Savedra/PUC-RIO). A equipe de trabalho de campo foi constituda tambm pelos estudantes Marilcia Marques (mestranda CNPq), Daniela Silva (graduao/IC PUC-Rio), Fabrcio Branco (graduao PUC-Rio) e Fabrcio Mota (graduao PUC-Rio)7 Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.: www.ibge.gov.br/

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