República velha

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República Velha

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República Velha

Como era o Brasil no final do século 19?Era um país de fronteiras definidas, não muito diferente do Brasil de hoje. Porém, mesmo no início do século 20, havia vastas regiões não ocupadas – como grandes áreas do Oeste de São Paulo, onde viviam índios. Do ponto de vista da produção, houve um grande impulso no Centro-Sul, basicamente resultante do café, e também no Sul, com a instalação da pequena propriedade. Essa pequena propriedade, dedicada ao cultivo de produtos como trigo e uva e à fabricação de vinho, se baseava na imigração de colonos alemães, que começaram a chegar ali desde 1820, antes da imigração em massa que ocorreria no próprio século 19. No Nordeste, talvez o fenômeno mais interessante seja a alteração do sistema de produção de açúcar, com a melhoria das técnicas, sobretudo a partir da construção dos grandes engenhos novos, chamados de engenhos centrais.

Quais as características do começo do período republicano?

A Constituição republicana de 1891 adotou o modelo da República federativa, isto é, o Brasil foi dividido em vários estados, reunidos numa federação. Houve uma descentralização dos poderes, das atribuições e dos direitos dos estados, que ganharam autonomia para contrair empréstimos no exterior e constituir suas próprias forças públicas. Sob o aspecto social e ideológico, a proclamação da República se deveu, como vimos, a duas forças muito diferentes, os militares e as elites civis dos grandes estados. Nos primeiros tempos, predominaram os militares – basta pensar nos governos de Deodoro e Floriano –, mas logo depois, a partir de Prudente de Morais, instituiu-se uma República civil.

De onde veio o modelo da Primeira República?A Constituição de 1891 adotou em grandes linhas o modelo da Constituição dos Estados Unidos, cuja característica é o presidencialismo, quer dizer, o presidente é eleito com mandato e tem poderes independentes do Congresso. Além disso, também seguindo o modelo americano, houve uma divisão entre três poderes: o Executivo, que executa as leis ou encaminha projetos de lei para o Congresso; o Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado), que faz as leis; e o Judiciário, que julga conflitos entre os cidadãos e interpreta as leis, inclusive a Constituição.

Como era o sistema eleitoral?Tal como ocorria nos últimos anos do Império, o voto continuou a ser permitido apenas às pessoas alfabetizadas, e não era secreto. Além disso, não existia uma Justiça Eleitoral, como existe hoje, para fiscalizar as eleições. Nesse quadro, dificilmente o resultado das eleições correspondia às intenções reais dos cidadãos. A participação dos eleitores era muito pequena, mas isso não surpreende, pois a situação era idêntica em outros países, mesmo nos mais desenvolvidos.

ELA : Ë O ZÉ DA BESTA? ELE: NÃO É O ZÉ DO BURRO!

E quanto às relações do Estado com a Igreja Católica?

Nesse campo a mudança foi grande. No Império, o regime vigente era de padroado, isto é, o Estado pagava o clero. Mas as elites civis republicanas, sob forte influência de idéias liberais, cientificistas e laicas, não eram compostas de gente religiosa. Logo no começo da Primeira República aprovaram-se leis que tiraram da Igreja certas atribuições. Por exemplo: embora o casamento religioso continuasse a existir, o casamento civil, feito por um juiz de paz num cartório, passou a ser o único legitimamente reconhecido. O mesmo se deu com o registro de nascimento, que deixou de ser feito nas paróquias para ser feito em um cartório de registro civil. E houve a secularização dos cemitérios, isto é, eles deixaram de pertencer a uma religião para se abrir a todas as religiões, ou até a quem não tivesse religião. Houve de fato uma separação entre Igreja e Estado, e a Igreja Católica deixou de ser a oficial. De certo modo, isso foi mais um bem do que um mal para a Igreja, que se livrou da subordinação e precisou reforçar seus quadros, melhorar sua atividade e aparecer como força espiritual autônoma.

Qual era a situação no meio rural?No começo do século 20, algumas regiões progrediam muito, mas amplas extensões no campo eram extremamente pobres, carentes, com populações que ficaram à margem do progresso. É o caso de quase todos os estados do Nordeste, onde a grande maioria das pessoas servia de mão-de-obra a grandes proprietários ou cultivava uma terrinha, muito precariamente.

Foi nessa época que surgiu o arraial de Canudos?Aconteceram alguns episódios sociais importantes, como o arraial de Canudos, que se instalou no norte da Bahia por volta de 1897, tendo como personagem central uma figura urbana, Antônio Conselheiro, um homem místico que fazia uma pregação monarquista, contra a República. Sertanejos atacados pela seca e pelas más condições de vida buscaram no arraial, em um sistema comunitário, uma perspectiva de melhoria. O fenômeno era produto das enormes carências da população sertaneja, mas o governo da República encarou-o como uma ameaça monarquista e resolveu liquidá-lo. Essa decisão desgastou o governo de Prudente de Morais, o primeiro presidente civil, pois, surpreendentemente, sucessivas operações militares fracassaram ao enfrentar o arraial de Canudos, antes de conseguir dizimar quase toda sua população.

O que foi a política do café-com-leite?O pitoresco nome de república café-com-leite se refere ao predomínio de dois estados, na Primeira República: São Paulo e Minas Gerais, que tinham por base econômica o café e o leite. Mas nem tudo no Brasil, do ponto de vista político, se resumia à aliança entre São Paulo e Minas. Também há quem se refira a esse período como “república dos coronéis”, pelo predomínio da figura do coronel – título dado a antigos coronéis da Guarda Nacional que controlavam uma área, arregimentavam a população e seus votos. Mas de fato podemos dizer que tínhamos uma república oligárquica. Em sua origem, a palavra oligarquia significa governo de poucos. A Primeira República foi exatamente isso: dominada por grupos concentrados nos estados maiores, que, organizados em partidos estaduais, decidiam quem seria o presidente. Era uma espécie de “clube dos notáveis”, no qual a população praticamente não influía.

O coronelismo existiu em todas as regiões?

É comum se pensar no coronelismo como um fenômeno do Nordeste, mas ele existiu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, só que de maneira diferente, por exemplo, daquele de certas áreas da Bahia, onde verdadeiros “senhores da guerra” ditavam as ordens, à frente de seus exércitos privados, ameaçando até o governador do estado. Já no Rio Grande do Sul, muitos dos coronéis não eram proprietários de terra, e sim comerciantes.

Os estados eram de fato autônomos?

Quando falamos em autonomia dos estados na Primeira República, é preciso pensar que existiam alguns de primeira grandeza, estados fortes, e outros de segunda ou terceira grandeza, estados fracos. Os interesses de São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e, em certa medida, Bahia e Pernambuco, tinham um peso bem específico.

Qual era o panorama econômico da época?A Primeira República foi caracterizada pela agricultura de exportação, na qual o café ocupava o posto mais importante. A partir de 1880, e por quase trinta anos, a borracha da Amazônia foi o segundo produto de exportação, superando o açúcar. Era grande a demanda desse produto no que hoje chamamos de Primeiro Mundo: no início, quando se difundiu a moda da bicicleta, com pneus de borracha; e, depois, com o surgimento do automóvel. A riqueza gerada por ela mudou a fisionomia de Manaus e Belém, as capitais do Norte. Quem nunca teve benefícios foi o seringueiro, que trabalhava na mata. Mas por volta de 1910 começou a crise; em primeiro lugar pela competição das plantações inglesas da Malásia, na Ásia; além disso ocorreu aqui o ataque de uma série de pragas. Foi-se assim toda a antiga riqueza, mas restou muita beleza, como o Teatro Amazonas, em Manaus, ou o Teatro da Paz, em Belém, restaurados recentemente.

Por que houve imigração?Desde meados de 1870, se iniciou um fenômeno de imigração em massa, principalmente de colonos italianos; em parte eles se dirigiam para o Sul, onde já havia imigrantes alemães. Outros se estabeleceram no Centro-Sul, especialmente em São Paulo. Esse movimento se deveu a dois fatores: diante das condições de pobreza na Europa muitas pessoas sonhavam com “fazer a América”, como se dizia na época; além disso, com a abolição, os fazendeiros precisavam substituir a mão-de-obra dos escravos. Para atrair imigrantes da Europa, foram mobilizados muitos recursos. Em São Paulo foi construída a Hospedaria dos Imigrantes (hoje Museu do Imigrante), onde eles eram recebidos e depois encaminhados para as fazendas de café. Mas muitos imigrantes permaneceram nas cidades, ou retornaram do campo após uma experiência. Viam nas cidades maiores oportunidades de ganho e mais liberdade do que no duro regime de trabalho das fazendas de café. Depois dos italianos vieram os espanhóis e, nos primeiros anos do século 20, começaram a chegar os japoneses – estes de fato se fixaram por muito tempo no campo.

Como fenômeno social, a imigração deu certo no Brasil?

Em termos gerais, sim, mas isso não significa que todos tenham sido bem-sucedidos. Muita gente permaneceu pobre no Brasil, ou voltou para seus países. A vida do colono do café era difícil, embora existissem oportunidades de ascensão social. Muitos imigrantes conseguiram avançar na vida e integrar-se à sociedade brasileira.

Como ocorreu o início da industrialização?Havia uma frase comum na Primeira República: “o Brasil é um país essencialmente agrícola”, pressupondo que deveríamos nos ater às atividades agrícolas e esquecer tudo o mais. Apesar disso, houve certo impulso de industrialização no país, em áreas do Nordeste, em São Paulo e no Sul. Em São Paulo resultou da própria atividade cafeeira, que gerou expansão econômica e urbanização, criando um mercado interno para os produtos industriais. Não chegou a ser um grande surto, mas é importante lembrar isso para não pensar que a indústria começou em 1930.

E quanto ao desenvolvimento urbano?São Paulo cresceu a taxas elevadas, também no Nordeste algumas cidades se desenvolveram, mas o Rio continuou a ser a única metrópole brasileira. Ali estavam a presidência da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foram abertas avenidas, como a Rio Branco, a paisagem urbana sofreu muitas transformações. Os moradores pobres do centro foram empurrados para os subúrbios, ou para as favelas, que começavam a se formar nos morros. A industrialização mudou a fisionomia das cidades. Com o aumento do consumo de tecidos baratos nos primeiros anos do século 20, foram criadas algumas grandes fábricas têxteis e, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e em parte Recife e Salvador, surgiram as chamadas fabriquetas de fundo de quintal.

Qual a influência dos imigrantes na vida política do país?

Os imigrantes trouxeram muitas idéias que podem, genericamente, ser identificadas como socialistas. Entre elas, se destacou no Brasil o anarquismo, que formou grupos pequenos, mas muito respeitados nos meios operários. A corrente anarco-sindicalista pretendia reforçar o papel do sindicato, transformando-o em um órgão revolucionário capaz de, por meio de uma greve geral, fazer uma revolução social. Na prática, os anarquistas defenderam direitos dos trabalhadores que nada tinham de revolucionários, como oito horas de jornada de trabalho e igualdade de salário para mulheres e homens. A corrente socialista, bem menor, e formada em geral por profissionais liberais, defendia a criação de partidos políticos de esquerda que pudessem ir transformando a sociedade capitalista, aos poucos, para chegar ao socialismo.

Como evoluiu o movimento anarquista?Depois da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, houve a crise do anarquismo, tanto no Brasil quanto em outros países. Os comunistas, que dirigiram a Revolução Russa de 1917, sustentavam que o caminho para o socialismo passava pelo Estado, pela chamada ditadura do proletariado, e nisso se opunham aos anarquistas, que tinham horror ao Estado. A influência da Revolução Russa e o impasse do movimento anarquista no Brasil deram origem a uma cisão no movimento social. Dessa cisão nasceu o Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922. Em seus primeiros tempos, o PCB era um agrupamento pequeno, com pouca influência nos meios operários. Seu crescimento ocorreria nos anos 30.

De que modo o capital internacional participava da economia brasileira?

Os investimentos estrangeiros estiveram presentes de várias formas, na área de seguros, nos portos, em serviços, mas seu papel mais importante foi provavelmente fornecer recursos para o pagamento do serviço da dívida externa e para investimentos no país. Nos negócios do café, o capital estrangeiro atuou de duas formas. A exportação esteve praticamente nas mãos de grandes firmas estrangeiras – americanas, alemãs e inglesas. Além disso, determinados grupos financeiros forneciam recursos para valorizar o produto: se o preço do café no mercado internacional estivesse muito baixo, ele era retido nos portos, mas o produtor era pago com recursos obtidos no exterior.

O que foi o movimento tenentista?Foi um movimento de insatisfação dentro do Exército e, em escala bem menor, também na Marinha, contra o sistema oligárquico, marcando o início da crise da Primeira República. Muitos dos integrantes eram tenentes, que sonhavam com uma república centralizada, com algumas tintas nacionalistas, que não favorecesse determinados estados. Ao pegarem em armas, eles criaram um precedente grave, do ponto de vista das elites que controlavam a Primeira República. Iniciaram uma série de revoltas: em 5 de julho de 1922 foi a do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro; depois, em outro 5 de julho (1924), em São Paulo, os tenentes chegaram a tomar a capital do estado. Da junção da revolta que estourou em São Paulo com um movimento do Rio Grande do Sul surgiu a marcha dos tenentes conhecida como Coluna Prestes, quando um contingente rebelde percorreu cerca de 24 mil quilômetros do território brasileiro, chefiado por Luís Carlos Prestes, que viria a ser um líder comunista, e por Miguel Costa, que tinha sido da Força Pública de São Paulo.

Foi nesse cenário que surgiu a figura de Getúlio Vargas?

Uma desavença até certo ponto inesperada entre as elites se transformou em uma bola de neve, por ocasião da sucessão presidencial de 1930. O presidente da República, o paulista Washington Luís, lançou como candidato oficial o presidente de São Paulo (como se dizia na época), Júlio Prestes. Isso rompia o acordo de revezamento entre São Paulo e Minas, colocando sucessivamente dois paulistas na presidência da República. Foi o estopim do desentendimento. Rompendo a aliança com São Paulo, Minas se aliou ao Rio Grande do Sul e lançou o nome de Getúlio Vargas – que, embora não fosse um radical, era uma candidatura de oposição. A oposição, reunida na Aliança Liberal, representava interesses econômicos que não estavam diretamente vinculados ao café e, o mais importante, se voltava contra os chamados “males da República”. Para evitar a fraude eleitoral, defendia o voto secreto; erguia-se também contra a falta de justiça e o analfabetismo.

Como evoluiu essa oposição?Inconformado com a derrota nas eleições de 1º de março de 1930, um setor da Aliança Liberal, formado principalmente pelos mais jovens, resolveu preparar uma revolução. Mas isso requeria uma força armada e, então, os oposicionistas foram buscar velhos inimigos, os tenentes, que a essa altura estavam no exílio ou na sombra. Após alguma hesitação, a maioria dos tenentes aceitou a aliança com os inimigos de outrora – com exceção de Luís Carlos Prestes. Em maio de 1930, o líder lançou um manifesto, no qual afirmava que tudo não passava de uma luta entre dois imperialismos, o americano e o inglês. Recusou o acordo e se declarou partidário do comunismo. Os tenentes aliados à oposição civil, por sua vez, articularam um movimento revolucionário para impedir a posse de Júlio Prestes e colocar Getúlio Vargas no poder. Assim eclodiu, em 3 de outubro de 1930, a revolução que poria fim à Primeira República.

Quais as causas principais da Revolução de 30?Várias causas explicam o surgimento do movimento revolucionário de outubro de 1930. Há quem lembre o quadro internacional, com a crise econômica mundial de 1929. Na realidade, a crise teve pouco efeito, nos primeiros meses de 1930; o grande impacto da crise viria depois da Revolução de 30. Devemos prestar atenção aos fatos políticos internos que levaram à revolução. Em primeiro lugar, a crise gerada pela insistência de Washington Luís em lançar um candidato paulista se desdobrou por caminhos inesperados. A derrota de Getúlio não foi assimilada e um fato importante para incentivar a alternativa revolucionária foi o assassinato de um político da oposição na Paraíba: João Pessoa, presidente do estado. Durante muito tempo foi discutida a motivação política dessa morte. Hoje se sabe que João Pessoa foi morto em conseqüência de uma disputa amorosa, uma questão pessoal. Seja lá como for, houve um impacto político, pois o clima de indignação em todo o país serviu de suporte aos revolucionários.

João Pessoa

Surgiria uma nova República?Em outubro de 1930 caiu a Primeira República, que os revolucionários logo chamaram de República Velha, porque surgia uma República nova, cercada de esperanças. Getúlio Vargas, em uniforme militar, foi levado ao Catete e lá começou o governo Vargas, enquanto o presidente deposto, Washington Luís, ia para o exílio.