Resenha 03 Joao Rodolfo Munhoz Ohara Fenix Jul Dez 2013

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    FRANK ANKERSMIT CHEGA AO BRASIL

    Joo Rodolfo Munhoz Ohara*

    Universidade Estadual de [email protected]

    Frank Ankersmit, hoje professor emrito da Universidade de Groningen, tinhaat 2012 poucas pginas de sua autoria traduzidas para o portugus sendo seu debate

    com Perez Zagorin, originalmente publicado na revista History & Theory e traduzido na

    revista Topoi em 2001, a referncia principal. Parece-me que essa ausncia de

    tradues nos ltimos onze anos que o livro publicado pela EdUEL vem suprir, e que

    explica a natureza desse livro. A Escrita da Histria: a natureza da representao

    histrica1no tem uma obra gmea na bibliografia estrangeira de Ankersmit: trata-se de

    uma coletnea de textos provenientes desde History and Tropology2

    at seu maisrecente Meaning, Truth and Reference in Historical Representation,3acrescidos de

    um prefcio especialmente escrito para a edio brasileira e de uma entrevista indita

    conduzida por pesquisadores do grupo de pesquisa Epistemologias e Metodologias da

    Histria, da UEL. A amplitude temporal que esta edio cobre tem o mrito de oferecer

    ao mesmo tempo uma introduo ao pensamento do historiador e filsofo holands e o

    acesso a suas reflexes mais recentes sobre problemas relativamente perenes em sua

    trajetria intelectual. A grande quantidade de problemas tipogrficos (erros de digitao,

    formatao, problemas de reviso textual) no deve ofuscar a importncia desse livro no

    debate presente da teoria da histria.

    * Doutorando em Histria pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho.1 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:

    EdUEL, 2012.2 ANKERSMIT, Frank Rudolf. History and Tropology: the rise and fall of metaphor. Los Angeles:

    University of California Press, 1994.3 ANKERSMIT, Frank Rudolf. Meaning, Truth and Reference in Historical Representation. NewYork: Cornell University Press, 2012.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    O prefcio, escrito pelo prprio Ankersmit, atua como uma prtica e valiosa

    introduo ao tema que atravessa as linhas seguintes. Diferencia e contextualiza, logo de

    sada, a filosofia especulativa da histria (aquela de Hegel, Marx e Toynbee) e a

    filosofia crtica da histria (de Hempel, Collingwood e White), situando bem diferenas

    que muitos tendem a esquecer (propositalmente ou no). Tal apresentao desemboca

    na interpretao que o autor faz de Metahistory, de Hayden White, segundo a qual

    existiriam trs nveis distintos no texto histrico: o da descrio, o da explicao e, por

    fim, o do texto como um todo: As descries e explicaes que podemos encontrar no

    texto so meros componentes deste como um todo, e a funo deles contribuir para

    este todo.4Este argumento atravessar todo o livro.

    O prprio Ankersmit admite ser uma interpretao baseada no tanto em

    aspectos explcitos da obra de White, mas mais atreladas s suas intuies quanto s

    intenes do americano. Mas o ponto que considero mais significativo dessa leitura o

    seguinte: Devemos notar que a teoria da histria de White, tal como desenvolvida em

    seu livro, focaliza exclusivamente o nvel do texto histrico [...], donde a concluso de

    que [...] no podemos esperar que a teoria da histria de White nos informe acerca do

    problema epistemolgico de por que um texto histrico pode fazer melhor justia ao

    passado do que outro.5 Aqui, ele toca naquilo que deveria ser evidente ao leitorcuidadoso, a saber, que White discutiu apenas os aspectos literrios do texto histrico. E

    me parece que no essa a leitura mais corrente de Metahistory6. Eis que Ankersmit

    discute, ao longo das 338 pginas que se seguem, a questo da referncia no texto

    histrico. O historiador holands est interessado aqui em entender aqui o que Certeau,

    citando Barthes, chamou de efeito de real,7ou o que Ricoeur tratou como fruto de um

    pacto tcito de leitura.8

    4 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 20-21.

    5 Ibid., p. 22.6 Ver, por exemplo, DEWALD, Jonathan. Roger Chartier and the Fate of Cultural History. French

    Historical Studies, Durham, v. 21, n. 2, p. 221-240, 1998; CHARTIER, Roger. Writing the Practices.French Historical Studies, Durham, v. 21, n. 2, p. 255-264, 1998. Outros exemplos so CarloGinzburg e Dirk Moses: GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: verdadeiro, falso, fictcio. SoPaulo: Cia das Letras, 2007; MOSES, Dirk. Hayden White, Traumatic Nationalism, and the PublicRole of History. History & Theory, Middletown, v. 44, n. 3, p. 311-332, 2005.

    7 CERTEAU, Michel de. A Escrita da Histria. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2008, p.

    52.8 RICOEUR, Paul. L'criture de l'histoire et la reprsentation du pass. Annales HSS, Paris, 55e anne,n. 4, p. 731-747, 2000, p.

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    O primeiro captulo, O uso da linguagem na escrita da histria, tem o mrito

    de pensar a distino entre a forma lingustica do paradigma iluminista (a declarao

    geral) e a forma lingustica do paradigma romntico (a narrativa histrica). Ankersmit

    trata de mostrar efetivamente a incompatibilidade entre a declarao geral, comumente

    associada ao saber cientfico, e a narrativa histrica, caracterstica do saber

    historiogrfico, apontando para suas diferentes finalidades.

    Diferente da lei geral iluminista, a narrativa histrica no pode ser tomada

    segundo o isolamento de declaraes singulares. na totalidade do texto histrico, ou

    seja, no sentido dado ao fato pela narrativa do historiador que se produz efetivamente a

    narrativa. E mesmo as narrativas produzidas no esto isoladas; elas se submetem ao

    frum do debate acadmico. Essa dimenso dialgica essencial para que Ankersmit

    proponha uma resposta ao questionamento da justificativa de se preferir uma narrativa

    do passado em detrimento de outras. Para ele,

    Quando um historiador constri sua narrativa, ele seleciona aquelasdeclaraes que pensa serem melhores guias para um entendimento dopassado. Ele acredita que sua seleo seja a melhor proposta de comoo passado deveria ser visto. [...] No importa quo boa seja minharazo para sugerir uma proposta a voc, minha proposta um convitepara que voc faa alguma coisa e no a afirmao de que algo o

    caso. Propostas no so nem verdadeiras, nem falsas; [...]

    9

    Por um lado, tem-se que as declaraes singulares de que se vale o historiador

    so verificveis, mas s adquirem sentido quando dispostas ao longo de uma narrativa;

    por outro, a narrativa uma proposta de sentidoformulada pelo historiador e, portanto,

    em sua totalidade, no encerra em si mesma a verdade ou falsidade, e ao mesmo tempo

    supe que ser material de debate. Uma parte essencial da natureza das propostas que

    elas no so universalmente aceitas, enquanto elas so, todavia, sujeitas discusso

    racional.

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    O ponto que a ideia de debate presume que haja mais de uma proposta:Essas propostas so sempre maneiras de ver o passado, e se nos oferecida apenas

    uma maneira de olhar para o passado, isso facilmente se transformar em uma

    convico concernente a como o passado realmente foi.11

    Ora, a primeira consequncia disso que no se pode falar qualquer coisa. Se a

    proposta ensejada pela narrativa deve se submeter ao crivo do debate, e se os consensos

    9 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 50-51.

    10 Ibid., p. 52.11 Ibid., p. 59.

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    so sempre provisrios e parciais, passamos a nos referir a uma instncia de validao

    do discurso que necessariamente social. Entendo que o que se estabelece que a

    comunidade de historiadores tem uma espcie de dever tico de debater (afirmar ou

    refutar) as propostas elaboradas.

    Em seguida, em A Virada Lingustica, Teoria Literria e Teoria da

    Histria, Ankersmit faz um balano das discusses em torno da Virada Lingustica de

    1973, ano da publicao de Metahistory, at 2001, ano da redao do captulo. De

    maneira sintomtica, ele aponta que os tericos da histria tm confundido as crticas da

    Virada Lingustica, da filosofia da linguagem, com as crticas vindas da teoria literria.

    A confuso entre virada lingustica e teoria literria nas discusses tericas

    da histria no caso nico. Os desentendimentos entre historiadores e filsofos j tm

    longa histria,12 e as apropriaes peculiares da filosofia pelos historiadores est

    longe de passar despercebida.13 Quando digo que as concluses de Ankersmit so

    sintomticas, refiro-me a que seu balano evidencia que esse tipo de tenso de

    fronteira no referente a casos isolados, mas faz parte de um conjunto de reaes s

    investidas contra uma determinada maneira de fazer histria.

    Seu primeiro esforo o de mostrar, numa longa exposio, que a querela da

    Virada Lingustica no uma defesa da irracionalidade:[...] de qualquer ngulo que escolhermos para observar a ViradaLingustica, ela jamais poder ser interpretada como um ataque verdade, ou como uma licena ao relativismo, pois no questiona averdade em nenhum sentido, apenas o critrio empirista de distinoentre verdade emprica e analtica.14

    Ou seja, por entender que o ataque dos filsofos da linguagem se dirige ao

    critrio de verdade, e no verdade em si, que Ankersmit pode dizer que no

    possvel falar da obrigatoriedade de um ceticismo inconsequente. A distino que o

    pensador holands faz entre descrio e representao d um timo exemplo dessa

    12 Cf. REIS, Jos Carlos. Histria da Conscincia Histria Ocidental Contempornea: Hegel,Nietzsche, Ricoeur. Belo Horizonte: Autntica, 2011. Particularmente o prefcio e a introduo dolivro discutem o conturbado relacionamento entre historiadores e filsofos.

    13 Cf. GONALVES, Srgio Campos. Enfrentamentos Epistemolgicos: teoria da histria e

    problemtica ps-moderna. Histria da Historiografia, Ouro Preto, n. 8, p. 187-196, 2012.14 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 72.

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    perspectiva,15qual seja, a de que s existe possibilidade de relativismo em uma leitura

    que confunda instncias e nveis diferentes do texto histrico:

    Por um lado, o texto histrico contm o nvel da fala (isto , o nvel

    no qual o historiador descreve o passado em termos de declaraesindividuais sobre eventos histricos, assuntos estatais, ligaescausais, etc.). Por outro, tambm composto pelo nvel no qual adiscusso que toma lugar sobre que poro da linguagem (isto ,qual texto histrico) melhor representa ou corresponde a tal parte darealidade passada.16

    Assim, no possvel falar simplesmente de verdade; h que se considerar

    que a verdade se produz em diferentes nveis, e, por isso, est sujeita a diferentes

    critrios. Ankersmit enftico: preciso ser crtico tanto do empirismo ingnuo e/ou

    cego quanto do ceticismo irresponsvel. Mais que um slogan, essa possibilidade

    apontada na prtica: [...] isso se pode fazer atribuindo tanto descrio (e referncia)

    quanto representao (e ser sobre) o que lhes devido, enquanto, ao mesmo tempo,

    reconhecemos as limitaes de cada um.17Segue-se uma longa crtica s reaes de

    Richard Evans, John Zammito, Carlo Ginzburg e Chris Lorenz, como sendo frutos de

    leituras equivocadas ou desatentas, a qual o autor finaliza com uma afirmao que

    dificilmente poderamos considerar irracional: (1) descrio (fala) e representao

    (fala sobre a fala) so ambas parte da tentativa do historiador de lidar com o passado,

    e (2) no deveramos nunca ser tentados a abandonar uma em favor da outra.18

    Por fim, ele retoma Metahistorypara apontar que tanto White quanto a maior

    parte dos que se devotaram a pensar a teoria da histria se referem mais teoria literria

    do que filosofia da linguagem e sua Virada Lingustica. A distino importante

    porque teoria literria e filosofia da linguagem so campos distintos, com preocupaes

    muito distintas, e, portanto, com contribuies particulares a oferecer. A teoria literria

    pode ajudar a entender o texto histrico enquanto texto, mas ela [...] muito menos tilquando temos de lidar com o problema central da teoria histrica, qual seja, o problema

    de como o historiador conta ou representa a realidade passada. 19 com essa distino

    15 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 76-88.

    16 Ibid., p. 79.17 Ibid., p. 88.18 Ibid., p. 98-99.19 Ibid., p. 115.

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    importante que Ankersmit pretende solucionar a confuso entre as diferentes propostas

    sobre as reflexes sobre a linguagem.

    Seu terceiro captulo, Da Linguagem para a Experincia, apresenta um

    cuidado conceitual importante ao definir a noo de experincia entre experincia

    histrica objetiva e experincia histrica subjetiva.20 Longe de serem categorias

    fechadas, Ankersmit sugere que muitas vezes elas se sobrepem, fundem-se, no que ele

    chama de experincia sublime do passado. Uma passagem significativa para explicar

    essas relaes:

    Quanto mais estamos prontos a reconhecer que as pessoas no passado(objetivamente) experienciaram [sic] seu mundo de uma maneirafundamentalmente diferente de como experienciamos [sic] o nosso,

    mais o passado adquire contornos bem definidos de um objeto(subjetivo) da experincia histrica.21

    Assim, para ele, distanciar as experincias objetivistas e subjetivistas, ou seja,

    pretender que as experincias do passado no afetam de maneira alguma as experincias

    do presente o motivo principal da baixssima relevncia cultural da histria nos dias de

    hoje. Discutindo, ento, o complexo relacionamento entre experincia e linguagem nos

    pensamentos de Rorty, Gadamer e Derrida, Ankersmit procura um caminho para a

    possibilidade de pensar a experincia fora da linguagem. Segundo ele, os trs filsofosabandonaram a noo de experincia pelo transcendentalismo lingustico,22 mais ou

    menos identificado com a proposta da hermenutica transcendental. A essa postura,

    Ankersmit prope outra, inspirada em uma tradio medieval de comentrio que

    persiste at o humanismo do sculo XVI. Para o holands, [...] existe, primeiramente, o

    texto que lemos; em segundo lugar, a experincia de ler e, em terceiro, a representao

    que d conta de como o historiador leu (experienciou o texto) [...];23neste sentido, o

    objeto da hermenutica transcendental se dissolve: O significado apenas passa a existir

    quando um leitor leu, ou melhor experienciou um texto e depois deu a ele uma

    representao em concordncia com essa leitura-experincia[...].24Para ele no h algo

    que se possa considerar como o significado intrnseco e, portanto, no h tambm

    uma interpretao objetiva mas, ao mesmo tempo, no h a possibilidade de que

    20 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 128.

    21 Ibid., p. 130.22 Ibid., p. 153.23 Ibid., p. 169-170.24 Ibid., p. 171.

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    qualquer interpretao seja vlida, porque a representao sempre autorizada por uma

    tradio. O texto , enfim, um convite a prestar mais ateno ao passado do que aos

    grandes tericos: Boas interpretaes no so ospin-offde boa hermenutica, mas boa

    hermenutica meramente ospin-offde boas interpretaes.25

    Representao e Referncia, quarto captulo, retoma a distino entre

    descrio e representao j apresentada; mais especificamente, aqui Ankersmit vai

    detalhar melhor sua noo de representao. A primeira coisa que chama a ateno a

    distino que ele opera entre a referncia e o representado, E devemos evitar a

    identificao da pessoa que representada por uma representao (fotografia ou

    pintura) de si com o representado por essa representao, que apenas um aspecto da

    pessoa em questo.26 Essa distino fundamenta seu argumento no sentido de

    estabelecer o critrio avaliativo por meio do qual podemos preferir uma representao

    em detrimento de outras. Ademais, ela se mostra produtiva porque [...] a representao

    apresenta-nos a certos aspectos da realidade representada, de forma que voc pode

    chamar a ateno de algum para certas caractersticas de algo..27

    Para o autor, Os historiadores costumam confundir vrits de fait (verdades

    sobre Napoleo) com vrits de raison(verdades analticas sobre as representaes de

    Napoleo), confundindo estas ltimas com as primeiras.28 por isso que a distinoentre nvel descritivo (vrits de fait) e nvel representativo (vrits de raison) se coloca

    como promissora: a descrio consiste na atribuio de predicativos a algo no mundo; a

    representao consiste num todo, onde cada frase (descritiva ou analtica) contribui para

    a adequao (ou inadequao) dela com o representado.

    O quinto captulo, Experincia Histrica: alm da Virada Lingustica,

    retoma a observao de que a Virada Lingustica na teoria da histria se inspirou mais

    na teoria literria do que na filosofia da linguagem. O objetivo do texto explorar o queAnkersmit considera um ponto cego do novo paradigma da filosofia da histria: o

    conceito de experincia histrica. O caminho tortuoso para o estabelecimento desse

    conceito passa pela ideia de sinestesia, principalmente tal qual formulada por Huizinga,

    e pela teoria das cores de Goethe. Principalmente esta ltima instrumentalizada para

    25 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 184.

    26 Ibid., p. 190.27 Ibid., p. 194.28 Ibid., p. 204.

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    mostrar a inadequao da linguagem em relao experincia, e demonstrar que a

    experincia pode preceder a linguagem.

    Para Ankersmit, [...]a experincia histrica d-nos um autntico encontro com

    o passado, no qual a realidade do passado ainda no se encontra contaminada pela

    linguagem.29 Essa experincia se daria no momento de ruptura, no momento em que

    nos damos conta de que algo do passado se perdeu e s ento percebemos que esse

    algo existia, e que j no existe mais da forma como existia. Lembro imediatamente da

    proposta de Gumbrecht em seu livro Produo de Presena, e particularmente quanto

    ao debate com Andra Daher.30

    Verdade na Histria e na Literatura, o prximo captulo, busca inverter o

    caminho j muito trilhado que parte do romance para entender a historiografia; aqui o

    autor parte da escrita da histria para entender o que chama de verdade do romance.

    Para ele,

    Se a Virada Lingustica tivesse feito sua entrada nas humanas pormeio da escrita da histria, as coisas teriam sido bem diferentes. Poishistoriadores escrevem textos, assim como os romancistas. Todavia,esperamos que o texto histrico nos diga a verdade em relao a umaparte do passado. E nenhuma pessoa sensata poder negar que oshistoriadores muitas vezes conseguem faz-lo com sucesso. [...] Isso

    convida-nos questo sobre a maneira como a verdade histrica podecontribuir para o entendimento da verdade do texto literrio.31

    Novamente, Ankersmit repetir o argumento de que no basta dar descries

    verdadeiras do passado para se construir uma representao histrica; preciso que o

    todo dessa representao apresente adequadamente um aspecto do passado. Enfim, ao

    comparar a narrativa histrica ao romance, ele opta por apontar que o romance tambm

    pode ser suporte de ambies cognitivas, e que tambm veicula um tipo de verdade.

    Pode-se perceber que o holands referencia essa verdade em estreita ligao questo

    da experincia, ainda que no o explicite.

    O ltimo captulo, Sobre Histria e Tempo, o mais curto do livro apenas

    quinze pginas, em contraste com a variao entre quarenta e sessenta dos anteriores

    29 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 267.

    30 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produo de Presena: o que o sentido no consegue transmitir. Riode Janeiro: Contraponto, 2010. A resenha de Daher, a resposta de Gumbrecht e a sequncia da

    polmica foram publicadas nas pginas do jornal O Globode 19, 26 de fevereiro, 5 e 12 de maro de2011.31 ANKERSMIT, 2012, op.cit., p. 277-278.

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    mas no , certamente, o menos rigoroso. Aqui, Ankersmit busca pensar a relao entre

    tempo e histria e entender a relativa pouca ateno dada a ele nos escritos tericos da

    historiografia do sculo XX. Para isso, divide o tempo em trs categorias (tempo

    transcendental, tempo cronolgico e tempo vivido) para, ao final, concluir que nenhuma

    dessas trs modalidades de tratar o tempo tem importncia crucial para o estudo da

    histria. Isso no significa que a escrita da histria ignora o tempo, mas que sua tarefa

    propriamente transform-lo em outra coisa: Em outras palavras, o tempo o alimento

    por meio do qual o estudo da histria sobrevive, e que depois transformado em algo

    essencialmente diferente, ou seja, a coerncia narrativa.32Para chegar a tal concluso,

    ele opta por confrontar a reflexo de David Carr, ao invs da de Paul Ricoeur, com as de

    Louis Mink e Hayden White. Argumenta que quando Carr diz que a vida tem uma

    estrutura narrativa, este confunde dois nveis distintos: o da vida e o da histria; o da

    ao e o da narrativa, reafirmando a ideia de Mink de que s se pode contar uma histria

    depois de ela ser vivida.

    A Entrevista, ao final do livro, traz alguns esclarecimentos mais pontuais, mas

    no menos teis a quem se debrua sobre o pensamento de Ankersmit. A primeira

    declarao que chama a ateno a seguinte: [...] o ps-modernismo atraiu uma srie

    de reflexes desleixadas e irresponsveis e por isso que eu no gostaria mais de mecaracterizar como um ps-modernista.33Ele explica que, em seu entendimento, certas

    reflexes ps-modernistas dispensaram a reflexo e o trabalho para a construo de

    pontes possveis entre linguagem e realidade:

    por isso que passei, h algum tempo, da noo de narrativa para a derepresentao. Em primeiro lugar, porque essa noo no estcontaminada com tudo o que os narrativistas associam com anarrativa; e, em segundo lugar, porque a noo sugere fortemente oque representado: se voc tem representaes tambm deve haver

    algo que representado por elas. Deste modo, voc pode corrigir odistanciamento entre linguagem/realidade, to caracterstico da teorianarrativista.34

    A recusa ao que chama de irresponsabilidade ps-modernista e, ao mesmo

    tempo, a busca da superao da barreira firme instituda entre linguagem e passado

    pelas teorias descontrutivistas, ps-estruturalistas, etc, so citados como as justificativas

    32 ANKERSMIT, Frank Rudolf. A Escrita da Histria: a natureza da representao histrica. Londrina:EdUEL, 2012, p. 317.

    33 Ibid., p. 320.34 Ibid., p. 321.

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    do trabalho em torno do conceito de experincia histrica. Outros pontos interessantes,

    mas que o autor no chega a desenvolver, so a questo do testemunho e o lugar das

    reflexes tericas na historiografia.

    Se se pode fazer um balano ao final da leitura deste livro, penso que a

    seguinte: trata-se de uma resposta elegante ingenuidade empirista, ao mesmo tempo

    em que elabora uma crtica incisiva a qualquer irresponsabilidade com relao ao

    carter de saber da historiografia. evidente que nunca se pode agradar a todos, mas

    Ankersmit mostra, ao longo dessas pginas, que se pode fazer uma reflexo rigorosa e

    que leve em conta as crticas recentes da filosofia da linguagem sem abrir mo da

    referencialidade.

    RESENHA RECEBIDA EM 08DE NOVEMBRO DE 2012.APROVADO EM 15DE MARO DE 2013