Resenha 3 Rodrigo de Freitas Costa Fenix Set Out Nov Dez 2012
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IDEIAS DE UMA HISTRIA: O TEATRO E A PESQUISA ACADMICA EM DEBATE
Rodrigo de Freitas Costa*
Universidade Federal do Tringulo Mineiro UFTM [email protected]
Havia um sentimento de que as pessoas vo e
vm, nascem e morrem, mas os livros so
eternos. Quando eu era pequeno, queria ser
livro quando crescesse. No escritor de livros,
livros mesmo. Gente se pode matar como
formigas. Escritores tambm no so to
difceis de matar. Mas livros, mesmo se os
destruirmos metodicamente, sempre h chances
de sobrar algum, nem que seja apenas um
exemplar, a continuar sua vida de prateleira,
eterna, discreta e silenciosa em uma estante
esquecida de alguma biblioteca remota em
Reykjavik, em Valladolid ou em Vancouver.
Ams Oz
Apesar do contato dos historiadores com as linguagens artsticas no ser um
movimento recente, grande parte dos textos e anlises que foram produzidos sobre a
histria de uma especfica arte no obra de historiadores de ofcio. Existem vrias
publicaes sobre Teatro, Cinema, Artes Plsticas, Dana, Literatura, etc., que compe
um amplo caleidoscpio de ideias e anlises que, alm de discorrem sobre aspectos
formais e temticos, estabelecem espaos para as diversas produes ao longo do
tempo, tudo isso sem serem, contudo, produzidas por historiadores. Neste contexto,
podemos nos questionar sobre o espao que esses profissionais ocupam frente s
interpretaes histricas que tratam das artes. Diante da amplido do tema, trataremos
especificamente sobre as convergncias entre Histria e Teatro. Afinal, este propsito
* Professor Adjunto do Curso de Histria da Universidade Federal do Tringulo Mineiro (Uberaba-
MG), doutor em Histria pela Universidade Federal de Uberlndia e pesquisador do Ncleo de
Estudos em Histria Social da Arte e da Cultura (NEHAC).
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ISSN: 1807-6971 Disponvel em: www.revistafenix.pro.br
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que nos leva a olhar com ateno para Teatro brasileiro: ideias de uma histria, livro
recm-lanado por Jac Guinsburg e Rosangela Patriota pela Editora Perspectiva.
O encontro da historiadora de formao com o arguto editor e professor de
esttica permite aos seus leitores colocar em tenso as fronteiras entre Histria e Teatro
e, principalmente, perceber que as interpretaes acadmicas possuem sua prpria
historicidade. Distantes do frgil e reduzido argumento de que a histria do teatro
brasileiro s pode ser conhecida pelas anlises produzidas por aqueles que possuem
ttulos outorgados pelos cursos de Histria, os autores recuperam a riqueza de muitas
interpretaes construdas por crticos literrios e teatrais ao longo do tempo e
demonstram como tais anlises foram capazes de construir um dado olhar sobre nosso
teatro e, principalmente, como elas direcionaram muitas pesquisas.
No novidade o fato de que a elaborao de anlises se efetiva a partir de
escolhas e fundamentaes tericas diversas, o que significa dizer que vrios
profissionais, ao tomar o teatro como fonte de pesquisa, partem de interesses
relacionadas sua prpria formao. Tambm no demais dizer que, nesse caso, existe
um processo onde se elege temas e espetculos como significativos, ao passo que outros
so minimizados. Sendo assim, muito do que se convencionou chamar de Histria do
Teatro Brasileiro surgiu como prtica de pesquisa acadmica, seja ela produzida por
crticos ou historiadores. Partilhando dos ensinamentos de Michel de Certeau, podemos
dizer que
toda pesquisa historiogrfica se articula com um lugar de produo
socioeconmico, poltico e cultural. [...] em funo deste lugar que
se instauram os mtodos, que se delineia uma topografia de interesses,
que os documentos e as questes que lhes sero propostas, se
organizam.1
Seguindo esse raciocnio, Guinsburg e Patriota mergulham em vrios
momentos de nossa produo teatral, vasculham uma variedade significativa de textos e
autores e, com isso, trazem tona os singulares elos de uma longa tradio
interpretativa. Qual a principal qualidade de uma obra que tem essas caractersticas?
difcil pensar exclusivamente no valor de uma obra, evidentemente que todo
texto est sujeito a diversos processos de recepo, dessa forma os significados e as
qualidades podem se multiplicar. No entanto, partindo do princpio de que o olhar do
1 CERTEAU, Michel. A escrita da Histria. 2. ed. Traduo de Maria de Lourdes Menezes. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2002, p. 66-67.
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historiador possui suas singularidades, podemos dizer que o livro recm-publicado
apresenta-se como uma rica possibilidade para pesquisas futuras, uma vez que, por meio
dele, possvel refletir sobre o prprio ofcio do historiador, assim como notar que as
interpretaes construdas por esses profissionais no esto isentas de intempries. Em
outras palavras, as reflexes de Guinsburg e Patriota no dizem respeito somente ao
campo teatral, elas so mais contundentes e atingem o mago da produo de sentidos,
rea bastante instvel e lcus de atuao dos historiadores. Sendo assim, pelo ponto de
vista de um historiador de formao, podemos afirmar que a principal qualidade da obra
est na sutileza com que os autores mostram aquilo que era to caro a Marc Bloch em
Apologia da Histria2: o objeto da histria so os homens, em sua pluralidade e
relatividade. Se o historiador francs nomeia sua rea do conhecimento como cincia
da relatividade, Guinsburg e Patriota ao refletirem sobre as ideias de uma histria
mostram que a relatividade pode ser capaz de construir valores e instituir prticas.
Assim, a recente publicao se aproxima das prticas acadmicas e traz em
suas pginas os homens e suas pluralidades, mas no exclusivamente aqueles que
subiram nos palcos, escreveram textos dramticos e dirigiram peas. No texto entramos
em contato com os homens que por meio da palavra escrita foram definindo ao longo do
tempo o que o teatro brasileiro. Quando fechamos o livro temos a certeza de que
muito est por se fazer e que aquela uma obra para ser lida, interpretada e, acima de
tudo, questionada. Afinal, tirar consequncias de um livro que trata sobre a escrita da
histria do teatro brasileiro significa tom-lo como uma possibilidade e no como uma
resposta definitiva, e contra as certezas definitivas que os autores escrevem e, com
isso, tm plena conscincia de que tambm fazem parte das interpretaes sobre o nosso
teatro.
O livro composto por seis captulos que tratam de pocas diferentes da
produo teatral brasileira. Do sculo XIX, momento em que a Histria do nosso teatro
pensada como um compndio da Histria da Literatura, at os dias atuais, os autores
abarcam muitas interpretaes. No captulo 1 A experincia teatral um captulo da
Histria da Literatura Brasileira do sculo XIX os autores retomam as primeiras
obras que trataram da histria do teatro produzido em nossas terras, com especial
destaque para Slvio Romero e Joo Ribeiro, historiadores da literatura, assim como
2 BLOCH, Marc. Apologia da Histria, ou, O ofcio de historiador. Traduo de Andr Telles. Rio
de Janeiro: Zahar, 2001.
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Dcio de Almeida Prado que, em vrios textos, ratificou as linhas interpretativas de
Romero e Ribeiro.
O que chama a ateno o fato de que todo ordenamento interpretativo de
muitas obras que tratam da produo teatral de meados do sculo XIX so provenientes
dos estudos literrios e se fundamentam na crena de que a arte e a cultura, em especial
o teatro, so essenciais para a formao da sociedade e do pas. O teatro carregaria em si
mesmo um alto valor social e pedaggico, inspirado em modelos europeus de civilidade,
em especial a partir da Frana. Esse seria o tom que embalaria diversas interpretaes
sobre as artes cnicas produzidas em solo brasileiro e que definiria o que deveria ser
lembrado e, por outro lado, minimizado. O exerccio comparativo entre o teatro europeu
e o brasileiro permitiu que se tomassem as produes aqui realizadas como obras aqum
do ideal almejado. De acordo com Guinsburg e Patriota:
Tais consideraes repetidas reiteradamente evidenciaram uma
avaliao corrente, no mbito crtico: os artistas brasileiros
apresentaram, tanto no nvel artstico quanto moral, trabalhos de
qualidade inferior quando comparados s companhias estrangeiras em
temporada no pas e ao teatro desenvolvido no exterior, especialmente
na Frana. Os motivos apontados foram vrios: desde a organizao
social do trabalho (manuteno de companhias, criao de categorias
para os atores que deveriam ter salrio fixo, imitao em relao ao
que acontecia no estrangeiro, ausncia do Estado para regular e
estimular a atividade, repertrio sem mrito artstico etc.) at a
inexistncia de uma escola de arte dramtica.3
importante perceber que esse tipo de interpretao, que possui um tempo e
lugar, encontrou ecos nas palavras de Dcio de Almeida Prado que, ao escrever
Histria Concisa do Teatro Brasileiro reforou as hierarquias e ideias elaboradas por
crticos e pesquisadores da rea da literatura. Alm disso, os autores mostram duas
situaes em que obras que fugiam aos parmetros europeus foram criticadas. A
primeira diz respeito s crticas de Machado de Assis obra Guerras de Alecrim e
Manjerona, de Antnio Jos. As palavras de Assis so todas no sentido de avaliar a
comdia de Antnio Jos por meio da obra de Molire, parmetro de boa comdia. O
segundo exemplo advm da anlise das obras de Arthur Azevedo feita pelo crtico
Cardoso da Mota, no incio do sculo XX, que responsabilizava o dramaturgo pela
desmoralizao do teatro no Brasil. De maneira geral, a experincia teatral brasileira do
3 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 42.
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sculo XIX vista pela Histria da Literatura brasileira se fez tendo como parmetro
correntes artsticas e recursos cnicos estrangeiros, o que impossibilitou que a variedade
do processo histrico pulsasse no interior das anlises crticas.
No segundo captulo Construo historiogrfica da Histria do Teatro
brasileiro , os autores inicialmente priorizam a anlise das obras de trs intelectuais
que construram panoramas sobre o teatro brasileiro no somente a partir da literatura
dramtica: Histria do Teatro Brasileiro (1938), de Lafayette Silva; O Teatro no
Brasil (1960) de J. Galante de Souza e Panorama do Teatro Brasileiro (1962) de
Sbato Magaldi.
No que diz respeito ao trabalho de Lafayette Silva, resultado de um concurso
promovido pelo Ministrio da Educao, em 1936, Guinsburg e Patriota ressaltam que o
autor conseguiu elaborar uma narrativa plural. Nessa obra vrios prismas do teatro
brasileiro foram contemplados, diferenciando-se, assim, de anlises anteriores que
tratavam o teatro somente pela tica da literatura dramtica. Apesar desse avano, Silva
ficou preso s informaes contidas nos documentos consultados sem ousar interpret-
las, o que fez com que as motivaes de diferentes autores fossem incorporadas
acriticamente ao trabalho e que os marcos periodizadores construdos pelas escolas
literrias permanecessem ao longo da anlise.
Apesar das crticas que realizou sobre o trabalho de Lafayette Silva, J. Galante
seguiu muito de perto as trilhas abertas pelo pesquisador da dcada de 1930. De acordo
com os autores, a estrutura da obra, assim como as referncias utilizadas por Galante
foram muito parecidas com as de Silva, porm, esse trabalho [...] guarda diferenas
significativas em relao ao estudo de Lafayette Silva pelo fato de que pode ser
compreendido como um desdobramento crtico das ideias e da abordagem daquele que o
antecedeu4. Em O Teatro no Brasil o tema do nacional tornou-se recorrente para
justificar a cena teatral no pas, numa espcie de avaliao a posteriori sobre o teatro
produzido desde o sculo XVI.
J Sbato Magaldi, no intuito de construir um panorama sobre o teatro
brasileiro, se diferencia de Silva e Galante que, a partir de suas perspectivas, procuraram
elaborar narrativas que abrangessem a diversidade de acontecimentos cnicos no pas.
Guinsburg e Patriota percebem importantes mritos na obra de Magaldi como, por
4 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 67.
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exemplo, o olhar lanado sobre a dramaturgia de Jos de Alencar e o fato dela apontar
as bases de nossa historiografia cnica. No entanto, consideram que Silva, Galante e
Magaldi partilham de ideias comuns, como a noo de periodizao, e suas
interpretaes suplantaram o prprio processo histrico e se tornaram a histria,
fundamentando hierarquias e valores sobre o teatro brasileiro.
Alm dos trs pesquisadores, o segundo captulo do livro finalizado com a
recuperao dos trabalhos de Gustavo Dria, Moderno Teatro Brasileiro: crnica de
suas razes (1975), Hermilo Borba Filho e B. de Paiva, Cartilhas de Teatro: Histria
do Espetculo (1969) e Nlson de Arajo, Histria do Teatro (1978). Guardadas as
caractersticas de cada obra, os autores ressaltam que todas elas, inclusive as de Silva,
Galante e Magaldi, so organizadas cronologicamente e possuem uma ideia central: o
teatro brasileiro construdo a partir de uma trajetria em direo modernidade e
modernizao. Dessa forma,
Os trabalhos apresentados tornaram-se matrizes de uma periodizao
da Histria do Teatro Brasileiro cuja fora interpretativa concentra-se
na busca da modernidade e na ideia de civilizao, isto , salvo o livro
de Lafayette Silva, as narrativas dos demais se articularam em torno
da ideia e no das nuanas do processo histrico5.
A partir do captulo 3 Em busca do moderno e da modernizao: o primado
da crtica , o mergulho interpretativo recai sobre as ideias-foras que sustentam
uma dada temporalidade e organizam as interpretaes. O tema da modernizao dos
palcos e seus dilogos com o debate esttico europeu vm para o centro das anlises que
tratam das produes teatrais da primeira metade do sculo XX.
Se no sculo XIX foi possvel apreender os embates em torno do
nacional e da misso civilizatria que caberia ao teatro, o alvorecer do
sculo seguinte no s herdou de seu antecessor tal empreitada como
se viu frente do grande desafio que os novos tempos apresentavam:
entrar em compasso com o circuito internacional pelos caminhos da
modernidade e da modernizao6.
Guinsburg e Patriota demonstram como a ideia de modernizao se tornou uma
ideia-fora que selecionou, valorizou e minimizou algumas produes teatrais da
poca. Evidentemente, esse processo organizou as interpretaes sobre a histria do
teatro brasileiro daquele perodo. Levando isso em conta, destacamos trs momentos
5 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 90.
6 Ibid, p. 93.
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marcantes do terceiro captulo de Teatro brasileiro: ideias de uma histria. O
primeiro diz respeito ao fato de que os autores desnudam as anlises que tomam o tema
da modernizao dos palcos por um nico vis. Para tanto, so recuperadas algumas
experincias artsticas de Renato Vianna, Oduvaldo Vianna, Joracy Camargo e Oswald
de Andrade, todas do incio do sculo XX, com o objetivo de demonstrar que existiram
concepes cnicas que carregavam indcios de modernidade, apesar de no serem
consideradas modernas por crticos ligados, sobretudo, Semana de Arte Moderna de
1922. O retorno ao processo histrico permite, nesse caso, que o historiador perceba que
no existe uma nica linha interpretativa para a modernizao do teatro brasileiro.
O segundo momento significativo do captulo diz respeito ao estabelecimento
da encenao de Vestido de Noiva, em 1943, como marco fundador da modernidade
cnica no Brasil. Se existia indcios de modernidade em encenaes voltadas para o
grande pblico e se grande parte dos crticos teatrais ansiavam a aproximao das
produes teatrais brasileiras com o repertrio internacional, condenando a comdia de
costumes, a revista-de-ano e o teatro de sesses, ao mesmo tempo valorizando as
produes dos grupos amadores, a encenao de Vestido de Noiva (dirigida por
Ziembinski, com cenrios de Santa Rosa e realizao de Os Comediantes), surgiu como
uma grande possibilidade, ou seja, como marco fundador do moderno teatro brasileiro.
Mais uma vez voltando ao processo histrico, Guinsburg e Patriota assinalam: as
evidncias acerca do movimento das ideias e dos artistas pelo territrio brasileiro
demonstram que somente um espetculo no seria suficiente para o estabelecimento de
um novo momento para os palcos brasileiros7. Novamente a historicidade torna-se
parceira da anlise crtica com o objetivo de elucidar a fora dos processos
interpretativos.
A fundao em So Paulo do Teatro Brasileiro de Comdia (1948), da Escola
de Arte Dramtica (1948), do Teatro Maria Della Costa (1954) e, no Rio de Janeiro, do
Teatro Popular de Arte (1948), todas essas iniciativas tambm so importantes indcios
do processo de modernizao do teatro brasileiro e que, figuram para os crticos da
poca, como momentos de consolidao da importante iniciativa modernizadora
iniciada em 1943 com a encenao de Vestido de Noiva. Percebe-se, portanto, a
convergncia entre artistas e crticos com o objetivo de valorizar a internacionalizao e
7 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 123.
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a modernidade do teatro brasileiro. Nesse momento, os autores ressaltam um elemento,
a nosso ver, extremamente significativo: o teatro da modernizao, almejado por
crticos, durante muito tempo seguiu um caminho paralelo ao teatro efetivamente
realizado no Brasil, em especial por meio das comdias de costumes. No entanto, a
partir de 1940 o moderno materializou-se por meio da encenao dirigida por
Ziembinski e a fundao dos grupos teatrais de So Paulo e Rio de Janeiro. Assim, os
crticos deixaram de se preocupar somente com o texto dramtico, se distanciaram da
histria da literatura e lanaram as bases para mltiplas interpretaes. Dessa forma, a
multiplicidade do processo histrico cedeu espao para a interpretao que visava
modernidade.
Em Nacionalismo crtico liberdade - identidade nacional, quarto captulo
do livro, os autores se voltam para o teatro do final dos anos de 1950 at o incio da
dcada de 1970. As ideias-foras que embalam a construo interpretativa sobre esse
perodo so aquelas que do ttulo ao captulo. O nacionalismo, presente na produo
teatral brasileira desde o sculo XIX, continua efetivo na segunda metade do sculo XX,
porm, devido s circunstncias histricas, ele perde o carter civilizador e de
aproximao com o exterior e volta-se para os grupos desfavorecidos. O nacionalismo
crtico se v capaz de refletir sobre as condies de vida e de luta da populao
brasileira. Assim, os palcos assuem compromissos pblicos a fim de impulsionar a luta
pela igualdade social. No por acaso surgem nesse momento as criaes de
Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e a formao do Teatro de Arena de
So Paulo. Alm desses nomes, Guinsburg e Patriota ressaltam o Teatro Oficina e as
atividades do Movimento Popular de Cultura (MCP) em Pernambuco e o Centro
Popular de Cultura (CPC), bem como o impacto das ideias de Jean-Paul Sartre, Antnio
Gramsci, Karl Marx, Bertolt Brecht e do cinema de Eisenstein sobre a produo da
poca. Enfim, a produo teatral se aproxima da militncia poltica.
evidente que os acontecimentos de 1964 tiveram grande impacto sobre as
produes teatrais. A complexidade do momento obviamente que se fez sentir entre os
homens e mulheres do teatro, de maneira geral, a revoluo deixou de ser uma
possibilidade eminente e alteraes foram sentidas:
Uma nova realidade sociopoltica passou a vigorar no pas, mas a
dinamicidade e o vigor do teatro mantiveram-se. O olhar crtico e
histrico continuou voltado para a dramaturgia, em seu status de
escritura e da palavra propriamente dita, na medida que o perodo
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anterior a 1964 ela fora o lcus privilegiado das intenes polticas e
sociais. No entanto, pouco a pouco, o quadro poltico e cultural foi
adquirindo maior complexidade e, nesse processo, mesmo que
timidamente, iniciou-se certo descentramento em relao atividade
teatral8.
A partir dessa reflexo, Guinsburg e Patriota recuperam o nome de Anatol
Rosenfeld, crtico e pensador alemo que veio para o Brasil fugindo das perseguies de
Hitler. Tal crtico foi responsvel por inserir no mbito da anlise crtica a percepo do
fenmeno teatral. A nfase de sua anlise no estava exclusivamente nos textos
dramticos, o teatro no poderia ser entendido somente pela tradio literria, era
preciso levar em conta o espao cnico, local onde o texto ganha materialidade por meio
de uma srie de elementos. A partir dessa reflexo, o leitor percebe que o nacionalismo
crtico permitiu uma produo dramatrgica de acordo com o momento histrico, ao
passo que as anlises produzidas pelos crticos, em especial Rosenfeld, trouxeram
grande contribuio ao pensamento crtico e esttico da poca. Nesse contexto, as
ideias-foras nacionalismo crtico, identidade nacional e liberdade foram capazes
de organizar o processo interpretativo sobre o perodo, norteando, assim, estudos
crticos e a confeco da Histria do Teatro Brasileiro, inclusive respaldada pelas
contribuies de Rosenfeld.
No quinto captulo Fim dos grandes temas e da ideia de abrangncia: a
diversidade como temtica e como fazer teatral , os autores se voltam para a
conhecida contraposio entre teatro comercial e no comercial (companhias x
grupos), amplamente utilizada para interpretar as prticas teatrais da dcada de 1970.
Evidentemente, este momento histrico trouxe novas demandas polticas para toda a
sociedade. Sendo assim, o teatro se transformou, renovadas propostas dramatrgicas e
cnicas surgiram e uma nova gerao de profissionais dos palcos comeou a atuar.
Guinsburg e Patriota defendem que, nessa poca, houve a perda de uma ideia
homognea capaz de recobrir grande parte da produo teatral como a necessidade da
transformao poltica que marcou anos de 1960 e a ampliao do nmero de
pesquisas em nvel de ps-graduao nas reas de letras, filosofia e artes cnicas,
permitindo a realizao de pesquisas sobre companhias, atores, diretores e dramaturgos.
8 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 154.
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Concomitante ampliao das produes artsticas e do processo criativo,
tornou-se invivel o reconhecimento de uma ideia-fora que organizasse a
interpretao teatral do perodo. Muito do que se produziu na poca voltou-se para a
discusso da prpria prtica artstica, ou melhor, o vetor interpretativo recaiu sobre o
ofcio teatral. Como forma de demonstrar a efetividade de suas reflexes, os autores
recuperam a iniciativa levada cabo pelo jornalista e professor Adauto Novaes que,
quando esteve frente do Centro de Estudos e Pesquisas da Fundao Nacional de Arte
do Ministrio da Cultura (final dos anos 1970), criou dois grupos de estudos sobre os
anos 1970. Tais discusses redundaram em srie de publicaes voltadas para a msica
popular, teatro, literatura, cinema e televiso, alm da srie O nacional e o popular na
cultura brasileira, editada pela Brasiliense. No caso do teatro, essas reflexes
priorizaram a contraposio entre companhias e grupos, tendo como parmetro as
produes do Arena e do Oficina na dcada anterior. O fim dos grandes temas permitiu
a reflexo sobre o fazer teatral, nesse contexto Guinsburg e Patriota demonstram que
voltar ao processo histrico torna-se imperioso para fugir de possveis anlises
dicotmicas.
Antes de encerrar o livro, os autores oferecem ao leitor uma corajosa anlise da
cena teatral contempornea. O finito do infinito, ltimo captulo da obra, nos permite
entrar em contato com a amplitude do movimento teatral brasileiro. Se no incio do
sculo XX foi possvel a publicao de obras que abarcassem o fazer teatral no Brasil
como um todo lembremos de Lafayette Silva , o fim deste mesmo sculo e o incio
do seguinte nos mostra uma multiplicidade de projetos cnicos e anlises acadmicas.
A respeito dos projetos cnicos, os autores remetem os leitores a iniciativas
diversas, como por exemplo a importncia que a figura do encenador assumiu nos anos
de 1980 e 1990; o dilogo com encenadores e dramaturgos internacionais, como
Eugnio Barba, Bob Wilson, Heiner Mller, entre outros e, por fim, as expectativas
criativas de diferentes grupos, como Companhia Cemitrio dos Automveis, Grupo
Tapa, Companhia do Lato, Companhia Armazm de Teatro, Sutil Companhia de
Teatro, Companhia dos Atores, entre outras.
Outro debate fundamental desse captulo diz respeito aproximao das
realizaes teatrais de grupos que se organizaram inicialmente nas universidades e
depois se estruturaram em torno da figura de um diretor. Nesse caso, grande parte das
anlises acadmicas diz respeito ao processo colaborativo que, apesar da multiplicidade
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cnica, tornou-se uma ideia-fora no sentido de organizar as interpretaes e anlises
que tratam da dcada de 1990. Muitos pesquisadores tm usado o processo colaborativo
como forma de organizar as explicaes sobre o perodo. Sob esse aspecto, Guinsburg e
Patriota consideram que mesmo com a pluralidade de interesses e de espaos de
pesquisa, as referncias bibliogrficas e tericas mantm-se relativamente prximas de
uma homogeneidade9. Com isso, os autores aguam seus leitores no sentido de
perceber que o processo histrico bastante amplo e mltiplo e, devido a isso, ele no
pode ser interpretado tendo um parmetro como vetor analtico, novamente a
necessidade de voltar ao processo histrico torna-se fundamental.
difcil mencionar a amplitude da contribuio do livro recm-lanado pela
Editora Perspectiva, porm acreditamos bastante na ideia que d ttulo ao ltimo
captulo da obra: O finito do infinito. O fato da pesquisa acadmica possuir um fim
no significa que os caminhos interpretativos so passveis de serem todos conhecidos.
Nesse sentido, acreditamos que a anlise de Jac Guinsburg e Rosangela Patriota
fundamental para rever posicionamentos e repensar a Histria do Teatro Brasileiro, no
entanto, ela s se tornar profcua quando os leitores perceberem que seus autores
tambm esto localizados em um tempo e escrevem a partir de perspectivas acadmicas
definidas. Teatro brasileiro: ideias de uma histria possui um fim, o pesquisador
atento fechar sua ltima pgina e perceber de maneira contundente que a construo
do conhecimento alm de ser contnua mltipla e carregada de interesses, portanto,
vale pena continuar a reflexo, porm, isso depende do leitor, que tambm um
agente social e histrico. Desse ponto de vista, o livro um convite reflexo sobre a
prtica da pesquisa acadmica. Ele vale pelo fluxo de pensamento que capaz de
promover e provocar.
9 GUINSBURG, Jac; PATRIOTA, Rosangela. Teatro Brasileiro: ideias de uma histria. So Paulo:
Perspectiva, 2012, p. 248.