Resenha Bell Hooks. Completa.mariana

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    HOOKS, Bell. Feminism is for everybody: passionate politics. Cambridge, MA: South End

    Press, 2000

    Mariana Mendes de MouraUniversidade Federal da Bahia

    Imagine viver num mundo onde todos ns podemos ser quem somos, um mundo de paz e

    possibilidades

    Esse trecho foi retirado da introduo do livro Feminismo para todos no qual aautora Bell Hooks convida seus leitores a entender o feminismo de maneira clara, prtica e

    realista. De acordo com Hooks, esta obra foi pensada para esclarecer reinvidicaes e pautas

    do movimento feminista para um grande pblico que desconhecia ou deturpava a condio de

    ser feminista, uma vez que as pessoas que se aproximavam da autora demonstravam um

    conhecimento de terceira mo sobre o tema, para as quais, ser feminista significava ser contra

    famlia, contra Deus e a religio, odiar homens, ser obrigatoriamente lsbica e outras

    atribuies carregadas de esteritipos inconsistentes. Com a proposta de modificar tais pontos

    de vista atravs de discusses tericas emocionadas e complexas, Bell Hooks escreve esse

    livro explicitando fatos da sua prpria histria de vida, relatando como o feminismo edificou

    sua noo de pessoa como mulher negra e ampliou suas perspectivas. Para abordar a assunto

    de maneira acessvel, Hooks dividiu o livro por temticas norteadoras do pensamento

    feminista, como: conscincia feminista, poltica, direitos sobre o corpo e sexualidade,

    trabalho, diversidade do movimento feminista, violncia, relaes afetivas, espiritualidade, e

    por fim, como isso tudo constitui a base da luta feminista at a atualidade.

    O livro traz como discusso inicial as temticas sobre polticas e conscincia

    feminista, indispensveis para o entendimento das idias e concepes dessa margem de luta.

    Hooks inicia seu argumento chamando ateno para o fato de que feminists are made, not

    born1 (pag.7). Para ser feminista no preciso nascer mulher, cada indivduo que se

    manifeste a favor da causa e busque o cumprimento dos direitos da mulher na sociedade, bem

    como o fim de pensamentos e aes sexistas nas relaes de gnero fazem parte do

    movimento. Sendo assim, homens tambm podem adquirir uma conscincia feminista. No h

    dvidas de que homens ocupam uma posio privilegiada na hierarquia patriarcal e isso

    1Feministas so construdas, no nascidas

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    proporciona certa dependncia e acomodao em relao s mudanas essenciais para o fim

    da noo sexista, porm, homens que ultrapassem essa barreira e queiram lutar pela causa

    devem ser aceitos, tal aliana impulsiona a criao de uma sociedade mais justa.

    Sobre a trajetria da tomada de conscincia institucionalizao dos ideais feministas,

    entende que antes das mulheres quererem mudar o patriarcado, tiveram que mudar a si

    mesmas e elevarem a conscincia encarando o patricardo como um sistema de dominao;

    buscando saber de que forma ele foi institucionalizado e como ocorre sua perpetuao e

    manuteno, j que apenas direcionando um olhar crtico a este processo possvel lutar

    contra ele; traando e discutindo estratgias que englobem pr fim a todas as formas de

    expresso sexistas presentes desde o ambiente domstico esfera pblica.

    No terceiro captulo, a autora discorre sobre o conceito de irmandade e o seu poder.Ela exemplifica relantando a prpria experincia em razo do processo de fortalecimeto da

    conscincia feminista, que foi instrudo durante sua entrada na universidade; quando sentiu o

    peso do machismo em relao produo acadmica de homens e mulheres, e portanto,

    passou a pensar criticamente sobre julgar o valor da escrita com base em preconceitos de

    gnero. Nesta poca ainda, aos dezenove anos de idade escreveu o primeiro livro Ain't I a

    Woman: Black Women and Feminism (1981)que desencandeou numa srie de obras a tratar

    de polticas de gnero e raciais nas sociedades ocidentais, fundamentando que a irmandadeentre as mulheres deve ser alcanada pondo fim ao inimigo interno que seria o sexismo

    internalizado. Hooks defende que, assim como foi ensinado aos homens o princpio de

    solidariedade e superioridade masculinas, as mulheres devem unir foras e no permitir que

    surjam sentimentos de raiva e competio entre elas em busca de aprovao patriarcal, bem

    como desconstruir a noo de inferioridade feminina presente na cultura dominante.

    Prosseguindo a narrativa, o captulo dedicado educao feminisita vai propor

    estratgias para a concretizao da irmandade e solidariedade feministas, utilizando aeducao como principal meio. Segundo Hooks, o movimento ganhou fora quando

    encontrou o seu caminho na academia, nas salas de aula onde jovens se tornaram capazes de

    aprender sobre o pensamento feminista, ler a teoria e us-la. De modo que, ao longo da

    dcada de 70, a produo do pensamento feminista e da teoria constutua um trabalho

    colaborativo em que as mulheres estavam em constante dilogo sobre as idias, testando e

    ajustando paradigmas, porm, quando as feministas negras chamaram ateno para a

    importncia de debater o racismo sofreram resistncia por parte das feministas brancas de

    classes privilegiadas, pois para estas, seria uma diviso que enfraqueceria uma categoria

    universal de gnero. Isso demonstra a relevncia de ter havido uma confluncia de valores e

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    experincias dentro das universidades, tendo em vista que provocou um choque de

    identidades possibilitando o dilogo e novas reflexes sobre a teoria. Contudo, mesmo sendo

    a legitimao acadmica essencial para o avano do pensamento feminista, outros problemas

    foram notados, a exemplo do que Hooks vai denominar a teoria feminista no gueto

    acadmico. Para a autora, o pensamento feminista que surgiu diretamente de teoria e prtica

    no meio universitrio foi se excluindo, criando jargo exclusivo; como se tivesse sido escrito

    exclusivamente para um pblico especfico. Com base nisso, a soluo seria recorrer a uma

    literatura que visasse um maior entendimento das pessoas, uma escrita direta de ampla

    abstrao a fim de faz-las compreender o pensamento e a poltica feminista e respeitando

    uma variedade de estilos e formatos. Mas o pblico-alvo est alm dos adultos, ela recomenda

    que preciso focar na instruo de jovens e crianas, utilizar meios de comunicao diversoscomo msicas, rdio, televiso para divulgar a informao em larga escala.

    No quinto e no sexto captulo, respectivamente, Hooks vai discorrer sobre o corpo da

    mulher, sexualidade, aborto e imposio de conceitos de beleza que seguem um padro

    sexista e provocam problemas de sade como distrbios alimentares e psquicos. Seu

    argumento inicia-se sob uma perspectiva histrica de episdios como o Bra-Burning, a

    revoluo sexual e a pregao do amor livre nos anos 60; repensando a influncia destes no

    debate sobre direito civis, libertao sexual, gravidez indesejada e explorao sexual do corpoda mulher. Ela indaga a percepo de pessoas que desconhecem ou se dizem contra o

    feminismo, as quais no imaginam a dificuldade que as mulheres de antigamente passaram

    para defender os seus direitos e que hoje, grandes conquistas foram alcanadas pela atuao

    do movimento feminista. A questo do aborto exemplifica claramente essa afirmao, a partir

    do momento em que comeou a ser debatida pelas feministas evidenciou disparidades

    ideolgicas relacionadas posies de classe e raa; uma vez que mulheres brancas de classe

    alta tinham acesso a contraceptivos e abortavam, j mulheres pobres, em sua maioria negrase/ou de cor, geralmente faziam abortos de forma insegura e arriscada. Isso posto, Hooks

    reitera que indiscutvel que por decorrncia dos preconceitos de classe da vanguarda do

    movimento, a prtica do aborto em si tivesse conseguido mais destaque do que a proposta de

    pensar em direitos reprodutivos como um todo. No nega que a dicusso sobre o aborto era

    central para todas as mulheres, porm, havia outras questes reprodutivas que necessitavam

    de ateno e no deveriam ser negligenciadas, como polticas pblicas que invistissem numa

    educao sexual bsica, assistncia pr-natal, cuidados preventivos de sade que ajudariam

    as mulheres a entender como seus corpos funcionam, sobre a esterilizao forada, cesarianas

    e/ou histerectomia desnecessrios, e de complicaes mdicas que possam ter sofrido

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    (pag.26). Sobretudo, ajudar as mulheres a enteder que o aborto simboliza o poder de escolha e

    o direito de agir sobre o prprio corpo e o seu destino. Enfim, mulheres de todas as classes

    devem continuar a fazer aborto seguro, legal e acessvel. (pag.28).

    Adiante no texto, os prximos trs captulos vo a priori refletir sobre gnero e classe;

    e por conseguinte sobre um feminismo global.Nesses termos, de acordo com a autora, a

    diferena de classe dentro do movimento representou um desafio a ser vencido pois no

    momento em que as mulheres ricas conquistaram uma posio prxima a seus pares

    masculinos, no ofereceram a devida importncia ao debate sobre gnero e classe. Pensavam

    que apenas o fato das mulheres estarem preenchendo o mercado de trabalho j significava

    liberdade da dominao masculina. Entretanto, para as mulheres pobres que sabiam que o

    pouco que ganhavam no seria o bastante para tornarem-se auto-suficientes, o direito de ficarem casa, sem ter que se submeter a longas horas de trabalho por baixos salrios, enquanto

    ainda faziam todo o trabalho domstico, j era tido como liberdade. Sendo assim, a diviso

    de classes dentro do movimento fato, e para Hooks: A nica verdadeira esperana de

    libertao feminista encontra-se numa viso de mudana social que desafia o elitismo de

    classe. (p.43).

    Seguindo a mesma linha de raciocnio, o oitavo captulo vai tratar da relevncia de

    pensar num feminismo global mas que respeite as diferenas, no sentido de pensar ainterseccionalidade e a perspectiva feminista descolonizadora. Sobre isso Hooks vai escrever

    que em primeiro lugar deve-se examinar como as prticas sexistas atuam em relao aos

    corpos das mulheres em todo o mundo, e como isto est relacionado. Por exemplo: o que liga

    a circunciso com risco de vida e os distrbios alimentares? (pag.46). O nono captulo vai

    retomar o assunto do trabalho e salienta que uma questo geral para o movimento foi a enfse

    dada a igualdade de remunerao entre homens e mulheres e finaliza mostrando que estudos

    feministas tm documentado os benefcios da entrada de mulheres no mercado de trabalho,configurando um aumento da auto-estima e participao positiva na comunidade, livrando de

    males como o isolamento, a solido e a depresso.

    Adiante, o dcimo captulo Raa e gnero apresenta reflexo indispensvel na

    abordagem de Hooks, ela reserva essa parte do livro para tratar dos desencontros ideolgicos

    e culturais que surgiram no movimento feminista em toda sua diversidade. Sendo ela uma

    mulher negra, e enaltecendo a voz da categoria, esse espao sugere o desabafo de uma

    feminista que clama a sua representatividade. Conforme observa no texto, as mulheres negras

    ou de cor sofreram inivisibilidade dentro do movimento e sobretudo no ocuparam posio de

    liderana por serem vistas como incapazes de exercer tal funo. Hooks relata que a discusso

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    sobre raa foi apagada e negada (p.54) tornando-se mais conveniente para as mulheres

    brancas colocar o gnero no centro da discusso, assim poderiam ficar no comando mesmo

    chamando todas as mulheres para a luta. Posteriormente no final dos anos 70 e incio dos 80,

    uma nova gerao de mulheres negras desafiou o racismo e essa mudana provocou um

    posicionamento mais atuante, tendo em vista que as mulheres negras passaram a ser educadas

    nos mesmos moldes das brancas e isso facilitou a crtica ao racismo e supremacia branca.

    Porm, quando as mulheres negras introduziram o debate sobre raa, foram acusadas de

    estarem traindo o movimento e enfraquecendo a irmandade, mesmo apresentando propostas

    com a inteno de pr em prtica polticas concretas de solidariedade que tornassem a

    irmandade possivel.

    Passando de racismo para a questo da violncia, Hooks vai focar nesse tema docaptulo onze ao treze, nos quais se dedica a evidenciar a contribuio do feminismo para

    proporcionar o fim da violncia. A autora toma como exemplo a violncia domstica e afirma

    que esse tipo de ao est conectada com o sexismo e dominao masculina, no entanto, ela

    no est restrita na relao entre homens e mulheres, casais homoafetivos tambm podem agir

    de tal forma; no deixando de mencionar a violncia contra as crianas. Para piorar, o termo

    violncia domstica tem sido usado como leveescondendo a brutalidade da situaco, j que

    muitas mulheres e crianas so frequentemente mais agredidas em casa do que na rua. Nessascircustncias, Hooks vai repensar a ligao entre homens desempregados da classe

    trabalhadora e violncia domstica, de acordo com seu pensamento, homens nessa condio

    tomam o espao da casa como o lugar em que possuem mais autoridade, e na medida em que

    ficam desempregados e vem as mulheres entrando no mercado de trabalho pensam que o

    lugar aonde exercem poder no ambiente domstico. Diante de tal ocasio, a proposta da

    autora para transformar esse quadro lamentvel que homens e mulheres devem assumir a

    responsabilidade e trabalharem juntos para acabar com a violncia. preciso transformar erecriar essa cultura(p. 65).

    O prximo captulo abordar o casamento, instituio social que, segundo Hooks,

    foi duramente criticada no incio de movimento feminista contemporneo, isso porque muitas

    mulheres heterossexuais passaram por experincias ruins por conta da desigualdade de gnero

    que predominava na relao. Dentre outros fatores importantes que explicam a crtica ao

    casamento pelo movimento feminista nesse perodo, esto: o foco dado a esfera privada e

    domstica, onde havia maior violncia masculina de pais ou cnjuges; e a idia de ser uma

    forma de escravido sexual, quando muitas mulheres passaram a escolher o celibato por conta

    de experincias negativas com homens. Em sua concluso, Hooks declara que o feminismo

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    no contra o casamento. O casal deve se organizar para manter a igualdade pois a

    dominao masculina patriarcal tem sido o maior motivo para divrcios, dessa forma, casais

    que vivem em igualdade de gnero so mais felizes e mesmo que o casamento termine

    continuam amigos.

    Os captulos quatorze e quinze vo debater, respectivamanete, sobre polticas sexuais

    feministas e o lesbianismo. Primeiramente, entra em pauta a importncia do pensamento

    feminista na prtica sexual das mulheres, uma vez que proporcionou maior conscincia em

    relao ao corpo feminino, prazer, controle de natalidade e fundamentos religiosos

    normativos. Em seguida, a abordagem traz a atuao das lsbicas dentro do movimento. De

    acordo com Hooks ser lsbica no significa ser feminista, h tambm lsbicas conservadoras;

    entretanto, pertinente reconhecer que muitas lsbicas atuaram na afirmao dos ideaisfeministas (e para alm de outras contribuies) provando que a sexualidade pode ser livre do

    poder masculino e que a mulher tem alternativas para satisfazer-se sexualmente.

    Indubitavelmente, lsbicas lideraram a luta contra homofobia e o respeito entre mulheres

    heterossexuais e lsbicas deve existir, caso contrrio, no haver irmandade.

    Por fim, o livro traz o conceito de feminismo visionrio que teria como objetivo a

    criao de estratgias para transformar as mulheres, aumentando seu poder pessoal. Nesse

    projeto, Hooks registra que indispensvel difundir o pensamento feminista da maneira maissimples e acessvel; democratizando o saber, libertando a teoria dos crculos acadmicos e

    principalmente investindo numa educao feminista de base em que crianas cresam e

    recriem um mundo novo onde haja igualdade de gnero e respeito s diferenas.