Resenha critica do livro raizes do brasil

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA CURSO DE ALTOS ESTUDOS DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA ALESSANDRO BORGES FERREIRA RESENHA CRÍTICA: RAÍZES DO BRASIL UM OLHAR SOBRE O BRASIL COLONIAL HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 4. ed. Editora Universidade de Brasília,1963. INTRODUÇÃO O autor nasceu em São Paulo em 11 de julho de 1902 e tinha como característica desde criança ser um leitor voraz. Quando tinha 20 anos participou do movimento modernista e aos 34 anos publicou o livro Raízes do Brasil. Como historiador achava importante reviver o passado à luz do presente e acreditava que a formação da identidade nacional se devia mais ao processo de colonização do que do determinismo. Considerava que a cultura de Portugal era mais incisiva em nossa identidade que a mestiçagem, o clima ou o a localização geográfica do país. Escreveu o livro na década de 30 do século passado num período que diversos autores e historiadores começaram estudar o tema da construção da sociedade brasileira nos seus aspectos sócios culturais. O autor de Raízes do Brasil não teve como premissa esboçar uma teoria da sociedade brasileira e concordava com a impossibilidade do historiador em visualizar o todo. Era através da soma das partes que se aproximaria de uma visão mais universalista da constituição identitária de nosso país. Dessa forma, o somatório dessa visão multifacetada poderia levar ao conjunto. DESENVOLVIMENTO O livro, inicialmente, trata de Portugal e Espanha como um lugar a parte da Europa devido às suas características geográficas e sócio-culturais, e que irá marcar fortemente a colonização da América do Sul. Segundo o autor, por estar na periferia da Europa, o povo ibérico, não tinha os traços fortes das outras sociedades daquele continente, tais como a predominância da rigidez das classes sociais, forte hierarquia e trabalho mecanicista. Como era um local de passagem, os povos ibéricos tinham como características a mistura do seu povo com as outras nações da Europa, o que se evidenciou na capacidade de adaptação a outras culturas presentes nos povos que viviam nas colônias. Segundo Holanda, a sociedade ibérica tinha mais mobilidade social e regras mais frouxas para a convivência entre as diversas culturas. A falta do princípio de hierarquia e a exacerbação do

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Resenha crítica do Livro Raízes do Brasil, por Alessandro Borges Ferreira. 2014.

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CURSO DE ALTOS ESTUDOS DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA

ALESSANDRO BORGES FERREIRA

RESENHA CRÍTICA: RAÍZES DO BRASIL

UM OLHAR SOBRE O BRASIL COLONIAL

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 4. ed. Editora Universidade de Brasília,1963.

INTRODUÇÃO

O autor nasceu em São Paulo em 11 de julho de 1902 e tinha como característica desde

criança ser um leitor voraz. Quando tinha 20 anos participou do movimento modernista e aos 34

anos publicou o livro Raízes do Brasil. Como historiador achava importante reviver o passado à luz

do presente e acreditava que a formação da identidade nacional se devia mais ao processo de

colonização do que do determinismo. Considerava que a cultura de Portugal era mais incisiva em

nossa identidade que a mestiçagem, o clima ou o a localização geográfica do país. Escreveu o livro

na década de 30 do século passado num período que diversos autores e historiadores começaram

estudar o tema da construção da sociedade brasileira nos seus aspectos sócios culturais.

O autor de Raízes do Brasil não teve como premissa esboçar uma teoria da sociedade

brasileira e concordava com a impossibilidade do historiador em visualizar o todo. Era através da

soma das partes que se aproximaria de uma visão mais universalista da constituição identitária de

nosso país. Dessa forma, o somatório dessa visão multifacetada poderia levar ao conjunto.

DESENVOLVIMENTO

O livro, inicialmente, trata de Portugal e Espanha como um lugar a parte da Europa devido

às suas características geográficas e sócio-culturais, e que irá marcar fortemente a colonização da

América do Sul. Segundo o autor, por estar na periferia da Europa, o povo ibérico, não tinha os

traços fortes das outras sociedades daquele continente, tais como a predominância da rigidez das

classes sociais, forte hierarquia e trabalho mecanicista. Como era um local de passagem, os povos

ibéricos tinham como características a mistura do seu povo com as outras nações da Europa, o que

se evidenciou na capacidade de adaptação a outras culturas presentes nos povos que viviam nas

colônias.

Segundo Holanda, a sociedade ibérica tinha mais mobilidade social e regras mais frouxas

para a convivência entre as diversas culturas. A falta do princípio de hierarquia e a exacerbação do

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prestígio pessoal que culmina no privilégio seria outro modelo característico daquela cultura e foi

de grande impacto em suas colônias. Tal característica repercutiu na classe dominante, ou seja, na

nobreza, que favoreceu a mania de fidalguia, ou seja, a repulsa ao trabalho regular e às atividades

utilitárias.

O ibérico, segundo o autor de Raízes do Brasil, não renunciou aos privilégios em benefício

do grupo ou dos princípios. Aos excluídos cabe a obediência integral: “A vontade de mandar e a

disposição para cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares [aos ibéricos]” (1963, p. 14). Por

isso, a escravidão foi determinante para sucumbir à necessidade no homem livre de cooperar e

organizar-se, ou seja, formar grupos coesos e organizados.

Como traço desta cultura o objetivo da consolidação no novo continente tinha muita da

velha civilização e, principalmente, marcada na forma da colonização. O modelo consistia na

exploração do continente, descrito pelo autor como calcado na Aventura (1963, p. 21 e 22), e uma

maneira de obter ganhos através da expansão e devastação da área. O método, o mais rudimentar

possível, é que o trabalho fosse inversamente proporcional ao lucro auferido. O objetivo precípuo

era a consolidação na área litorânea do continente, porque num primeiro momento facilitaria o

transporte da mercadoria através do mar, tendo em vista a excelência de Portugal na navegação, e

facilidade de dominação do índio da faixa litorânea que pertenciam a uma mesma etnia e eram mais

dóceis.

Como atividade principal, a exploração da agricultura foi mais pelo fator clima e extensão

territorial do que de os relacionados à cultura da população Ibérica na atividade agrária. Esta

adaptabilidade a um mundo novo obteve êxito em virtude dos colonizadores contarem com certa

dose de falta de organização, sem um senso de planejamento das atividades laborais de longo prazo.

Esses aspectos foram bastante positivos para a consolidação do território brasileiro em virtude do

espírito de aventura reinante.

A situação predominante até o século XIX de uma sociedade rural, em virtude da utilização

do trabalho escravo e do personalismo reinante que explicitava o feudo, originário da convivência

encastelada nas propriedades rurais que se configuravam em células autônomas, evidenciaram o

estilo patriarcal nas inter-relações de um determinado grupo e que ditava a forma de poder entre as

castas.

Neste período tínhamos o predomínio da sociedade rural, cabendo as cidades o papel de

desempenhar atividades relacionadas ao lazer, produção cultural e alguns serviços específicos.

No século XIX, no Brasil, com o início da política para o fim da escravatura, começou

lentamente a inversão do predomínio da sociedade rural para o urbano, principalmente com a mão

de obra ociosa migrando para as cidades.

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Houve nesse período, a necessidade de investimento nas atividades para dar suporte à

economia das cidades. A mudança ocorreu, sobremaneira, no deslocamento de uma cultura

latifundiária para centros urbanos em virtude da falta da mão de obra escrava. Porém, o estilo de

governar de forma centralizada, patriarcal continuou reinando nas cidades. A área urbana continuou

como extensão da área de dominação rural. Assim, as cidades brasileiras foram constituídas

aproveitando o relevo local e as características dos moradores, sem um planejamento rigoroso no

que tange a organização urbana. Contrapõe-se neste quesito a forma como os castelhanos

desenvolveram suas cidades, que foram construídas com planejamento urbano caracterizado por

linhas retas, o que facilitava o domínio da terra pelo poderio militar, econômico e político vigente.

Ao contrário do Brasil, os portugueses estavam apenas com foco na exploração comercial e,

por isso, utilizaram inicialmente, a terra como um lugar apenas de passagem. Diferentemente dos

castelhanos que tinham a intenção de fazer deste novo lugar uma extensão do seu.

A interação no campo pessoal como a cordialidade abordada serve para num primeiro

momento retratar o jeito do relacionamento amistoso entre os indivíduos, mas não caracteriza a

bondade sincera no inter-relacionamento entre os concidadãos. Mormente, esse tipo de

relacionamento era perpassado para o Estado nas diversas formas de compadrio no serviço público,

o que vai de encontro a impessoalidade que deve pautar nas relações com o poder público. O autor

ressalta que essa característica individual (cordialidade) não se reflete no convívio social, não se

sobrepondo aos interesses do particular, o que a torna aparente e superficial, sendo usada apenas

como necessidade básica para atingir os interesses próprios e não para criar um ambiente de coesão

social.

Quanto ao modelo patriarcal, Holanda afirma que no Brasil ele foi repetido na consolidação

das áreas urbanas e no modo de garantir o domínio das instituições pela aristocracia que infundiu o

patrimonialismo nas esferas públicas da colônia, como consequência da estrutura arraigada da

sociedade personalista em que caracterizou o nosso desenvolvimento desde os primórdios.

Após a vinda da família real Portuguesa, e com o crescimento das cidades, houve um choque

entre o padrão de vida rural, eminentemente individual e celular, para um padrão coletivo e de

grandes desigualdades, onde ainda a oligarquia persistia nos privilégios e na relutância de seguir

padrões normatizados. No entanto, como forma de evolução os cidadãos começaram a se

especializar em profissões liberais, que não rompe imediatamente com o individualismo, mas

acrescenta o saber necessário para a substituição de uma economia predominantemente rural pelo

urbano.

Com relação àquilo que muitos chamam de desenvolvimento, Holanda vê nas revoluções

ocorridas através da abolição da escravatura, instituição da República entre outras, como algo que

serviu para o ajustamento das tendências exteriores e para uma mudança lenta e gradual,

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acomodando os interesses das elites daquela época. Esses aspectos ajudaram, também, a

transformar o modelo agrário das tradições ibéricas para o modelo americano, o que acentuou o

distanciamento da influência portuguesa.

Porém, como toda ruptura há focos de resistência, e é aí que iremos encontrar, neste

período, uma forte tendência ao caudilhismo, ícone do personalismo e que faz forte oposição aos

grupos saudosistas do velho sistema que temem as mudanças profundas que irão atentar contra os

seus privilégios.

Dessa forma, no Brasil, segundo Holanda, todas as mudanças foram realizadas de forma

vertical, tendo como interesse garantir direitos individuais, mas sem, no entanto, mudar o estilo

patriarcal e oligárquico das relações entre o publico e o privado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com outro viés, o escritor Gilberto Freyre no livro Casa Grande e Senzala, afirmava que a

colonização portuguesa tinha sido benéfica ao Brasil e que a miscigenação foi de suma importância

para a formação sócio cultural do povo nacional.

Segundo Freyre, Portugal, pela posição geográfica na Europa, tornou-se ponto de passagem

para outros povos do continente, acarretando o traço de uma sociedade formada na diversidade e,

consequentemente, um cidadão mais adaptável a outras culturas. Essas características ensejou o

sucesso na colonização do Brasil, diferentemente do que ocorreu com outras colonizações

realizadas por outros países da Europa.

Ainda segundo aquele autor, na colonização, os portugueses utilizaram mão de obra escrava

em virtude da grande expansão marítima do século XIV e XV e a necessidade de mão-de-obra em

quantidade suficiente para o desbravamento e consolidação do território. A miscigenação ocorreu

essencialmente pelo pragmatismo circunstancial de semear a população brasileira e também por ter

sido a atividade de navegação predominante dos homens do que sistemática e cultural.

Para entender o Brasil a partir da colonização portuguesa, Freire considera a condição

intrínseca da mestiçagem o que proporcionou a mistura dos senhores e escravos que não fez a

clivagem social e mitigou as visões antagônicas. Porém, mesmo com o senso positivo da

colonização portuguesa o autor de Casa Grande e Senzala não deixou de criticar os exageros

impostos a subjugação do povo local em detrimento dos interesses do império Português.

Já Os Sertões de Euclides da Cunha retrata como um dos fatores da identidade nacional o

estilo da transformação ocorrida no desbravamento das áreas interiores do continente e os seus

conflitos designando o movimento sertanejismo para a ênfase dada ao assunto. A transformação da

sociedade com o advento das incursões dos bandeirantes em direção ao centro do continente, a

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implantação da criação de gado e o conflito gerado entre os entes envolvidos nos enlaces devido à

heterogeneidade da população são fatores característicos da formação da brasilidade.

Euclides divide a obra em três partes: A Terra, O Homem e A Luta, retradadas na Guerra de

Canudos, onde esteve como observador, no enfrentamento entre o Exército Brasileiro e um grupo

de religiosos do sertão baiano. Essas observações redundaram num brilhante estudo do homem

brasileiro.

Faz uma relação entre as diversas regiões do país para justificar que o meio físico e histórico

promovem as diferentes raças no Brasil e, consequente, a heterogeneidade na constituição da

sociedade.

Dessa forma, podemos perceber que todos os autores citados tinham em comum o estudo da

evolução da sociedade desde os primórdios para definir de acordo com a linha de pensamento

daquela época a identidade nacional. Alguns com uma visão mais pessimista ou crítica da forma de

colonização portuguesa e outros mais simpáticos, apontando os traços positivos desta cultura

ibérica. Mas todos comungam que a diversidade, a leveza no trato com o outro, o relacionamento

cordial e a mestiçagem corroboraram na formação de um povo pacífico, criativo e adaptável às

diversos matizes e situações contemporâneas.

Do que se compreendemos, essas obras tornaram-se primordiais para se conhecer o passado,

entender o presente e projetar o futuro no que concerne algumas práticas adotadas pela sociedade

quanto a forma de conduzir a política, relações de trabalho, entre outras. Todas problematizam o

sentido originário básico da formação da identidade nacional e que vem se constituindo a medida

que alcançamos a modernização ao adotarmos práticas mais impessoais e com foco no bem comum,

mesmo que vemos esse processo ainda tênue, lento e gradual.

Porém não podemos olvidar de todo o conhecimento histórico do pensar o Brasil e ao

reconhecermos os méritos e deméritos da evolução da nossa sociedade, poderemos desenvolver as

ferramentas necessárias para criar mecanismos de concepção coletiva para melhor aproveitarmos

das nossas riquezas naturais e humanas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Euclides da: Os Sertões (Série Ouro). 1. ed. São Paulo, SP: Martin Claret, 2002. 560 p.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala, 28. ed. Editora Record,1992.

Rio de Janeiro, 10 de marco de 2014.

Alessandro Borges Ferreira – Cel BM

Estagiário do CAEPE/2014