Resenha Da Obra as Sesmarias Medievais Portuguesas

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Goinia, 11 de maro de 2013Universidade Federal de Gois Faculdade de DireitoPrograma de Mestrado em Direito Agrrio

Discente: Guilherme Martins T. BorgesDisciplina: Posse e Propriedade no Centro-Oeste Professores: Carlos Frederico Mars de Souza Filho e Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega

Resenha da obra : RAU, Virgnia. As sesmarias medievais portuguesas. Lisboa: Presena, 1982

1. Breve biografia sobre Virgnia Rau

Virgnia de Bivar Robertes Rau foi uma importante historiadora portuguesa do sculo XX. Nascida aos 9 de Dezembro de 1907, concluiu em 1943 sua licenciatura pela Universidade de Lisboa na em Cincias Histricas e Filosficas da Faculdade de Letras. Em 1947 alcanou o grau de doutora em Cincias Histricas. Estudou com profundeza a Histria Medieval e Moderna em Portugal, destacando-se, dentre as vrias obras que escreveu, as "Feiras medievais portuguesas: subsdios para o seu estudo", tese de licenciatura, "Sesmarias Medievais Portuguesas", tese de doutoramento, "A Explorao e Comrcio do Sal de Setbal", tese de concurso para professora, e "A Casa dos Contos".Na obra em anlise, Sesmarias Medievais Portuguesas, Virgnia Rau inova no estudo, sob o vis da histria econmica, de como o projeto de sesmarias se instaurou nas terras lusitanas, desde sua acepo como costume agrrio at o sc. XIV, quando pelas mos del-Rei D. Fernando foi promulgada a primeira lei agrria portuguesa, a Lei de Sesmarias de 1375.De suma importncia, a referida autora faz um levantamento completo sobre a Lei de Sesmarias, no se resumindo a apenas comentar os artigos do texto normativo, mas, para alm disso, contextualiza-os no mbito historiogrfico econmico que o Reino Portugus vivenciou seu projeto de ocupao sesmarial.

2. Consideraes sobre a obra

A obra dividida em XI captulos, estruturados em uma ordem cronolgicas dos acontecimentos histricos da formao do Estado Portugus, isto , desde a expulso dos mouros no sculo XI at a consolidao de Portugal, como hoje conhecido, j no meados do sculo XIV.Para fins didticos, far-se- sucintas consideraes sobre cada um dos captulos da obra na mesma sequncia cronolgica adotada por Virgnia Rau.I) A Reconquista. A presria e a apropriao da terra pelo cultivo como elementos colonizadores. As presrias no territrio portugus. Evoluo da colonizao medieval portuguesa.

Neste primeiro captulo a autora insere o leito no contexto vivenciado por Portugal no incio de sua formao como Estado-nao. Faz-se um levantamento das Cruzadas da Reconquista, cuja inteno era a expulso dos mouros na Europa Ibrica. Relata-se a formao das milcias de cavalaria que, dentre elas, a formada por Henrique de Borgonha fora agraciada pelo territrio conhecido como Condado Portucalense, a matriz geogrfica do atual Estado Lusitano.Outrossim, partindo de uma anlise mais especfica, Rau apresenta o modelo inicial adotado pelos soberanos leia-se aqui os conquistadores das terras antes mouras para a ocupao e colonizao das terras portucalenses. Cita a autora o instituto da presria, muito frequente nos sculos VIII a XI, eram formas de conquista ou reivindicao feita com mo armada, cuja prtica se tornou possvel pelas circunstncias de regies fronteirias e pocas de violncia.Ao fim, aps a primeira fase ocupacional e a estruturao mnima de um territrio lusitano, Portugal, mediante um sistema pontuado ainda pelo costume agrrio e mandamentos reais esparsos, cria o projeto de sesmarias.

II) A delimitao dos concelhos e a diviso das terras pelos povoadores. Coureleiros e sesmeiros. Origem e significao dos termos sesmo, sesmeiro e sesmaria.

Neste captulo tratado sobre o funcionamento orgnico do sistema de sesmarias portuguesas. Segundo Virgnia Rau na formao de uma regio existia um Conselho de Administrao Municipal que, dentro os membros, estavam seis sesmeiros, que no territrio distribuvel de cada conselho os repartiam em seis lotes, onde s durante os seis dias da semana, superintendiam os seis sesmeiros, cada um num dia e no sesmo que lhe competia.

III) O cargo de sesmeiro e a hierarquia das magistraturas municipais. Eleio concelhia e confirmao rgia durante os sculos XIV e XV. A quem competia a dada de sesmarias nos reguengos e terras particulares. Os juzes ordinrios e o cargo de sesmeiro.

Rau apresenta neste tpico o funcionamento orgnico subjetivo do sistema de sesmarias, isto , os representantes pessoais responsveis por dar concretude ao projeto sesmarial. A primeira figura que relata a do sesmeiro que, compondo o Conselho Municipal, insere-se no mbito administrativo e, por isso, submisso aos ditames da magistratura ordinria municipal. Os sesmeiros eram escolhidos mediante votao do prprio Conselho Municipal que, aps a escolha dos nomes, encaminhava a Carta de Nomeao ao Rei para sua ratificao rgia. Outrossim, nas terras dos reguengos, aquelas pertencentes originariamente a El-Rei a dada de sesmarias era feita, por vezes, diretamente pelo prprio Soberano ou por um juiz com poderes delegados para tanto. Nas terras particulares, o sistema de dada de sesmarias continuava a ser de responsabilidade dos sesmeiros. Relata, ainda, que em alguns casos eram os prprios juzes ordinrios que assumiam, concomitantemente, o cargo de sesmeiro.

IV) Obrigao de cultivo e aproveitamento como condio de posse. A expropriao de terras desaproveitadas a partir do sculo XIII. Os concelhos e suas reclamaes em cortes contra a incria dos proprietrios eclesisticos.

Aqui trabalhado com um dos princpios rgios do sistema sesmarial portucalense, qual seja, que a terra s dada a quem a cultive e arroteie-a. Nesse sentido, revela-se a inteno dos sistema de sesmarias voltado um projeto ocupacional e regrado pela produo agrcola como forma de manter e constituir a prpria nao portuguesa. Ademais, o descumprimento desses requisitos ensejava a perda do direito de posse das terras, tornando a propriedade resolvel. A autora relata ainda a polmica que envolveu a Igreja, cujas terras (que no eram poucos) estavam fora das exigncias do regime sesmarial, passando, portanto, a ser um entrave para o prprio Estado Portugus quanto ao seu projeto de estruturante.

V) A Peste Negra e a crise da agricultura europia no sculo XIV. Taxa de salrios e fixao dos preos dos gneros. As cortes de Valladolid de 1351 e o Ordenamiento menestrales y posturas. As leis reguladoras da liberdade de trabalho em Portugal. Legislao de D. Afonso IV. Rarefao da populao rural portuguesa. Os concelhos alentejanos e o pastoreiro. As cortes de Lisboa de 1371 e 1372 e a crise nacional. A Lei das Sesmarias. O problema ingls e os Estatutos dos Trabalhadores.

Neste captulo Virgnia Rau insere uma gama de dados histricos ricamente detalhados, mas que, em sntese, convergem para uma mesma concluso: todos foram causas vivenciadas pelo Estado Portugus que fizeram ressoar a necessidade da criao de uma reformulao do sistema ocupacional das terras lusitanas.Conforme pondera a autora, pode-se elencar as seguintes causas que originaram a Lei das Sesmarias portuguesa: A expanso demogrfica e o aumento nas contendas agrrias da distribuio de sesmarias; a) as guerrilhas com Castella; b) a Peste Negra; c) a Grande Fome e a crise na agricultura portuguesa; d) a crise do trabalho rural e a perseguio aos vadios - as leis do trabalho lusitanas em foi preciso forar o trabalhador a ficar na terra; e) o desenvolvimento urbano e o renascimento comercial; f) a terra no j no era mais atrativa; g) o avano da pecuria.

VI) Data e proclamao da Lei das Sesmarias. Seu contedo e significado, causas que explicam a sua elaborao. Resultados que se procuravam alcanar com a aplicao da complexa norma jurdica. Sesmarias fernandinas.

Neste captulo Rau traz algumas consideraes acerca da real data em que a Lei das Sesmarias de Portugal poderia, de fato, ter sido publicada, chegando a concluso que a data mais provvel seria a de maio de 1375.Outrossim, a autora tambm elenca uma srie de objetivos pelos quais a Lei das Sesmarias se pautou, isto , aquilo que realmente se buscava com a publicao de uma norma jurdica de carter complexo e extremamente coercitivo. Cita-se, dentre os institutos dispostos no referido diploma: a) cultura de todas as herdades abandonadas ou no produtivas, diretamente ou atravs de outrem, pelo modo que melhor conviesse aos titulares; b) disponibilidade de bois para o trabalho dos agricultores e somente quem lavrasse suas terras poderia criar gados; c) dedicao lavoura de todos os familiares de agricultores, com patrimnio inferior a 500 libras, que no estivessem ocupao mais produtiva, nem senhores certos; d) emprego obrigatrio de ociosos, vadios e mendigos em condies de trabalhar na agricultura; e) fixao de soldada para o trabalho agrcola e multas para quem extrapolasse os valores estabelecidos; f) confisco das terras de quem negligenciasse ou desacatasse a lei; g) execuo da lei em cada municpio por dois homens bons (sesmeiros).

VII) As sesmarias durante o reinado de D. Joo I. Sua utilidade para promover o povoamento e aproveitamento agrrio de diversas regies. Concesses rgias conferindo autoridade aos Infantes, prelados e grandes senhores para mandar terras de sesmarias.

VIII) Modificao de alguns elementos da lei fernandina a partir do governo de D. Joo I. Como se davam as sesmarias. Os juzes ordinrios e as demandas sobre as sesmarias. Dificuldades que assaltavam os sesmeiros. Captulos apresentados por lvaro Gonalves, sesmeiro de Estremoz, a D. Duarte em 1436.

IX) Promulgao das Ordenaes Afonsinas. A ordenao das sesmarias durante o reinado de D. Afonso V e os diplomas nela incorporados. Execuo da lei em diversas regies.

X) Condies em que eram dadas as sesmarias durante os sculos XIV e XV. Sesmarias dadas em plena propriedade s com o encargo de arrotear. Alguns exemplos de pagamento de foro e de a sesmaria revestir a forma de um contrato enfitutico.

XI) Qual o conceito em que foram tidas as sesmarias. Os concelhos e suas reclamaes durante o sculo XV. As cortes de Lisboa de 1472-1473 e a execuo da ordenao das sesmarias. Como eram julgadas as sesmarias pelas classes privilegiadas e grandes proprietrios territoriais.

Nestes cinco captulos que se seguem, Virgnia Rau apresenta apenas ponderaes de como o regime sesmarial portugus foi se desenvolvendo no decorrer dos reinados portugueses. De como em determinadas situaes houve uma ou outra mudana legal na aplicao do sistema sesmarial inaugurado por D. Ferando em 1375.Infere-se, destes captulos, que no houve uma profunda transformao do instituto na histria portuguesa, tanto que sobreviveu a todas as legislaes portuguesas: a) Instrues Joaninas (1385-1433); b) Ordenaes de D. Duarte (1436); c) Ordenaes Afonsinas (1446); d) Ordenaes Manuelinas (1511-1512); e) Ordenaes Filipinas (1603).

3. Consideraes Finais

A obra de Virgnia Rau compe um importante instrumento para o estudo do direito agrrio brasileiro, porquanto traz as bases de um dos sistemas de ocupao fundiria que foi incorporado em nosso pas quando da colonizao portuguesa, qual seja, o regime sesmarial. De suma importncia se revela os dados da obra vez que corroboram, de maneira memorvel, para a anlise de como se deu o regime de sesmarias em Portugal e no Brasil, situaes estas que explicam historicamente a atual organizao fundiria brasileira, bem como o porqu da importncia dada ao instituto da posse no Brasil.As bases lusitanas da Lei das Sesmarias, em que pese o seu declnio nos fins do sculo XVI, foram extremamente fortes e consolidadoras do prprio Estado-nao portucalense, diferentemente do caso brasileiro em que a inteno de se implantar um regime de sesmarias no era para que o Brasil se tornasse um Estado forte, mas to somente para tonar as terras de Santa Cruz produtivas e se evitar a invaso de outros pases europeus. Em Portugal, por sua vez, as sesmarias tiveram uma principiologia social e no meramente econmica.