Resenha Esperando Godot.pdf
-
Upload
vitor-brito -
Category
Documents
-
view
82 -
download
0
Transcript of Resenha Esperando Godot.pdf
-
Resenhando Esperando Godot
Vitor Brito de Almeida1
Esperando Godot uma pea escrita por Samuel Beckett, publicada em
1952, originalmente em francs. A pea foi classificada pelos crticos como teatro do
absurdo. Posteriormente o autor seria visto como o maior representante/referncia
dessa designao de teatro moderno.
Para Beckett, sua obra teatral no um objeto a ser compreendido e
decifrado, porque nela no h nada de conclusivo, ideolgico ou didtico, logo no
h interpretao definitiva e fechada do texto.
Toda a pea se baseia na espera incessante de dois personagens (Vladimir e
Estragon) por Godot. Godot algo indefinido, talvez inexistente ou ilusrio.
Vladimir e Estragon, supostamente, so amigos e reencontram-se no
entardecer em uma estrada sem localizao detalhada, mas que tem como ponto de
referncia uma rvore de galhos secos (que no segundo ato ganha algumas folhas
sendo que uma das poucas mudanas que h de um ato a outro).
Desde o incio da pea, evidente a angstia dos dois personagens, ao
insistirem sempre em preencher seu tempo com conversas soltas e s vezes
frvolas, sem nexo, sobre botas ou um passado sem memrias evidentes. No h
entendimento entre os personagens e s vezes entre os personagens e o leitor, pois
muito do que se fala desconhecido ou duvidoso.
Vladimir e Estragon (do-se apelidos carinhosos um ao outro, Didi e Gog)
tm a mesma preocupao, entretanto lidam com ela de forma diferente. Gog
mais acomodado sua condio de suplicante e aparenta ter mente inocente; Didi
mais questionador, apesar de no aprender com seus prprios erros e no
conseguir us-los como resposta s suas dvidas; talvez ele encontra-se na posio
de personagem-consciente da pea, porm sua conscincia bastante limitada.
Os dois personagens esto metaforicamente em um beco sem sada, pois a
nica opo que eles tm, ou a nica opo que eles acreditam ter na vida esperar
Godot. Pensam na possibilidade do suicdio, s que a surge o medo da solido.
1 Aluno do curso tcnico de teatro na Escola Estadual Gomes Campos, Mdulo 1, 2013.1
-
Aps termos conhecimento da aflio dos personagens - pelo leitor - em sua
espera por Godot, e sentirmos em seus dilogos a monotonia e dor dessa espera,
entram em cena mais dois personagens Pozzo e Lucky.
Pozzo senhor de Lucky. Lucky (escravo) entra em cena com uma corda
amarrada ao pescoo, carregando bagagens; a corda segurada por Pozzo. Essa
relao entre os dois personagens questionada por Didi e Gog, que questionam a
inferioridade de Luky e perguntam o porqu dele estar sempre segurando as
bagagens de Pozzo. Pozzo responde:
[...] Tentemos esclarecer o assunto. No teria ele esse direito? Sem dvida que o
tem. Seria, ento, por que ele no quer? Isso sim que lgica. E por que ele no
quer? (pausa) Senhores, a razo a seguinte. [...] Para me impressionar, para que
eu continue com ele. [...] Pode ser que tenha me explicado mal. Ele quer despertar
minha compaixo, para que eu renuncie ideia de nos separarmos. No, tampouco
bem assim. (p. 62)
A relao de servido e obedincia que Lucky tenha com Pozzo talvez seja
masoquista e autodegradante uma relao similar dos personagens Vladimir e
Estragon com Godot, pois mesmo desacreditando na sua vinda, continuam ao seu
favor, sem receber nada em troca para esper-lo todos os dias no mesmo local. Na
verdade eles esperam a salvao de algo implcito, talvez da vida. Logo nessa
possiblidade, Godot seria a morte. Entretanto no o definamos.
Retomando, Pozzo um personagem exibicionista, egocntrico e com
complexo de superioride essa a forma que ele encontra de sentir validez na vida
e suprir a sua carncia por estar em um mundo to montono e sem sentido. Cada
personagem, assim, pe um sentido peculiar as suas vidas, onde todos esto direta
ou indiretamente ligados Godot (mesmo que ele no exista).
Pensar ou sonhar, apesar de ser uma ocupao algo muito doloroso para
os personagens, pois o pensar atormenta e atia a sua aparente calmaria frente s
coisas que eternamente os aflige.
Quando Pozzo pede para Luky pensar, ele lana um rio de palavras que
parecem no ter conexo nenhuma, mas que diz respeito a questes espirituais,
existenciais, polticas e religiosas. Pozzo fica aborrecido e decide dar o rumo a
Luky daquele momento adiante.
Posteriormente, surge um menino que diz levar mensagens do Sr. Godot. Ele
conta que Godot mandou avisar que viria no dia seguinte.
Muitas vezes as palavras so usadas, em Esperando Godot, sem nenhum
significado, pois, por exemplo, dito um adeus, mas os personagens continuam
estticos. As palavras so vs. E isso acontece repentinamente, tambm no fim dos
dois atos aps a descoberta de que Godot no vir naqueles dias, mas no dia
posterior.
-
ESTRAGON
- Ento, vamos embora?
VLADIMIR
- Vamos l! (p.107,195)
Sendo que eles sempre esto l, nunca foram embora.
O tempo e a memria so os maiores inimigos dos personagens. E essa luta
se estende no s aos personagens, mas sim humanidade. Enganarmos,
inventarmos sentidos a ns mesmos e aos outros dever do SER assim como
tentar encontrar as respostas a respeito da existncia. Ento, tornar a vida algo til
o objetivo das nossas ideologias, da arte, da poltica etc.
No percamos tempo com palavras vazias. Faamos alguma coisa, enquanto h chance! No todo dia que precisam de ns. Ainda que, a bem verdade,
no seja exatamente de ns. Outros dariam conta do recado, to bem quanto, seno
melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda a humanidade. Mas neste lugar,
neste momento, a humanidade somos ns, queiramos ou no. Aproveitemos
enquanto tempo. Representar dignamente, uma nica vez que seja, a espcie que
estamos desgraadamente atados pelo destino cruel. O que me diz? Claro que,
avaliando os prs e os contras, de cabea fria, no chegamos a desmerecer a
espcie. Veja tigre, que se precipita em socorro de seus congneres, sem meio da
mata. Mas esse no o xis da questo. O que estamos fazendo aqui, essa a
questo. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, dentro desta imensa
confuso, apenas uma coisa est clara: esperamos que Godot venha. (p.160,
quando Pozzo pede ajuda a Didi e Gog)
Esperando Godot uma caricatura da condio humana. Godot pode ser
qualquer coisa que d sentido s nossas vidas e faa com que suportemos a
existncia (mesmo que contestada), tornando-a menos dolorosa e incerta. Desse
ponto de vista a obra bastante filosfica e autorreflexiva, exprimindo de forma
absurda e ridcula o esprito do homem moderno e ps-moderno.
Analisando do ponto de vista dramatrgico, Esperando Godot abre uma outra
possibilidade cabvel para se fazer teatro, adotando uma expressividade e
linguagem teatral diferente, afastando-se daquilo que podemos chamar de teatro
convencional.
Desta forma, Beckett faz histria como um dos divisores de guas do teatro
moderno.