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    Resenhas

    138 Set/Out/Nov/Dez 2001 N 18

    Resenhas

    BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da

    ps-modernidade. Rio de Janeiro:

    Jorge Zahar Ed., 1998.Inquietaesda vida contempornea e suas

    formas atuais de organizao: uma

    relao de imanncia.

    Liberdade. Se possvel apontar

    uma idia que serve como o fio que

    conduz Bauman a escrever acerca da-

    quilo que poderamos considerar como

    inquietaes/incmodos da vida con-

    tempornea, talvez esta idia seja a deliberdade no apenas porque tal

    temtica posta em discusso na

    maioria dos (seno em todos os)

    quatorze captulos que compem O

    mal-estar da ps-modernidade, mas

    tambm (e talvez principalmente) por-

    que a prpria idia de liberdade que,

    mais do que uma ambio, se tornou

    uma constante e indispensvel exign-

    cia contempornea alimenta as in-

    quietaes ps-modernas, diferente-mente das inquietaes de outrora,

    que nasciam do demasiado desejo de

    controle e ordem.

    pelo vis da liberdade indivi-

    dual como condio e demanda ps-

    moderna que Bauman coloca sob an-

    lise algumas transformaes e alguns

    importantes deslocamentos em opera-

    o no mundo atual, relativamente s

    condies sob as quais tratamos de or-

    ganizar nossas formas de viver. Tais

    deslocamentos vo sendo apontados ao

    longo do livro no sentido de situar de-

    terminadas caractersticas prprias doprojeto moderno e daquilo que pode-

    ramos chamar de ps-modernidade,

    no para demarcar limites entre um e

    outro, seno para ir assinalando algu-

    mas descontinuidades histricas a par-

    tir das quais diferentes meios de go-

    vernarmos a ns mesmos e aos

    outros vo sendo colocados em fun-

    cionamento. Em outras palavras: no

    se trata, de modo algum, de uma tenta-

    tiva de compreender a essncia deuma ou outra condio (a moderna e a

    ps-moderna), descrevendo-as a partir

    de uma seqncia cronolgica de fa-

    tos, fases ou mudanas de carter so-

    cial, histrico, econmico ou cultural.

    Trata-se, ao invs disso, de enfatizar

    determinadas transformaes nas for-

    mas de conduzirmos nossas vidas para

    colocar em questo algumas contin-

    gncias dos espaos e tempos que ns

    habitamos e que nos habitam fa-zendo do nosso mundo o que hoje e

    de ns mesmos o que hoje somos.

    Nesse sentido, Bauman salienta

    que o advento da era moderna coinci-

    diu com a exaltao da ordem como

    uma desejvel realizao capaz de

    construir um mundo estvel, seguro,

    coerente, limpo, slido, enfim, puro.

    Da que a descrio supostamente exa-

    ta e a classificao da totalidade dos

    aspectos da vida, decifrados, definidos

    e organizados, seja uma das mais im-

    portantes pretenses modernas. Sob

    essa perspectiva, aumentariam consi-deravelmente as chances de intervir-

    mos no mundo (porque totalmente des-

    coberto e explicado) e de o

    modificarmos no sentido de lhe devol-

    ver uma ordem que, por excelncia,

    seria pura e inquestionvel. O perfeito

    mundo moderno seria aquele sobre o

    qual pudssemos ter o mximo de con-

    trole possvel. Dessa forma, o suces-

    so de futuras aes, devidamente pla-

    nejadas (levando em conta aespassadas), estaria assegurado.

    Segurana que serviu como

    uma das promessas modernas de um

    mundo melhor , Bauman nos alerta:

    exatamente com ela que j no pode-

    mos mais contar. Em vez dela, vive-

    mos com a companhia constante de

    uma profunda ansiedade que se faz to

    mais presente quanto to mais as ten-

    tativas de uma segura apreenso do

    real se intensificam. Disso resulta queas ntidas divises, a inflexibilidade e

    rigidez disciplinar, a solidez da estru-

    tura da ordem moderna, em que as

    aes humanas podiam encontrar cer-

    tezas e portos seguros, deslocam-se

    para a ps-moderna sensao flutuante

    de ser. A incerteza e a insegurana que

    ocupam lugares cada vez mais centrais

    nos modos de vida contemporneos es-

    to profundamente conectadas ao fato

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    Resenhas

    140 Set/Out/Nov/Dez 2001 N 18

    berdade exatamente um meio atravs

    do qual o governo pode assegurar seus

    fins, ou seja, um recurso do governo

    para que ele se efetive mais rpida e

    eficientemente. Se, noutras perspecti-

    vas, a liberdade apontada como ele-mento essencial para que a sociedade

    se faa mais justa e igualitria

    (embora tais termos sejam bastante

    discutveis), a perspectiva a partir da

    qual Bauman trabalha pe em discus-

    so a idia de que, em nossa poca

    contempornea, a liberdade no tem

    feito outra coisa melhor que sobrepor

    camadas sociais: a liberdade de esco-

    lha, eu lhes digo, de longe, na socie-

    dade ps-moderna, o mais essencial

    entre os fatores de estratificao.

    Quanto mais liberdade de escolha se

    tem, mais alta a posio alcanada na

    hierarquia social ps-moderna

    (p.118).

    a partir desta e de algumas ou-

    tras idias igualmente muito interes-

    santes que Bauman pe em discusso

    (preferencialmente nos seis primeiros

    captulos do livro) aquilo que ele cha-

    ma de estranhos, destacando quem so

    os estranhos modernos e quem so os

    estranhos ps-modernos, como chegam

    a ser estranhos e sob que formas cada

    sociedade no apenas os cria, como

    tambm luta contra eles. Ao fazer isso,

    o autor tambm trabalha com as di-

    menses da incerteza ps-moderna (al-

    gumas delas comentadas anteriormen-

    te nesta resenha), passando por

    questes de identidade, diversidade,

    pobreza, justia, entre outras.

    Diferentes objetos vo sendotematizados ao longo do livro, seguin-

    do a maneira envolvente e criativa

    com que o autor nos apresenta suas

    idias. Nos captulos 7 e 8, Bauman

    tece comentrios extremamente inte-

    ressantes acerca do significado confe-

    rido arte ps-moderna em sua rela-

    o com o Modernismo, tomando-o

    como um movimento artstico de van-

    guarda, mas de inspirao e ideais ain-

    da modernos.

    Temas como a verdade, a fico

    e a incerteza povoam o captulo 9, fa-

    zendo dele, a meu ver, um dos que

    mais podem interessar ao campo edu-cacional no apenas porque trabalha

    com as noes de verdade, razo, cin-

    cia, histria e diferena, mas tambm

    porque, ao fazer isso, passa por ques-

    tes referentes ao papel conferido ao

    filsofo e tarefa assumida pela filo-

    sofia moderna.

    Nos outros cinco captulos finais,

    Bauman discute, respectivamente, o

    conceito de cultura, enfatizando a cri-

    se paradigmtica pela qual o discurso

    cultural est passando (captulo 10); a

    redistribuio ps-moderna do sexo,

    revisitando aHistria da sexualidade,

    de Foucault, na qual aponta trs des-

    vios fundamentais, envolvidos com a

    revoluo educacional, e trabalha com

    a questo da infncia e dos sentidos

    conferidos sua sexualidade no que se

    refere organizao e remodelao do

    espao e das relaes sociais (captulo

    11); a imortalidade e os valores reli-

    giosos pr-modernos, modernos e ps-

    modernos, a partir dos quais faz uma

    muito til discusso acerca da impor-

    tncia assumida por especialistas da

    alma e restauradores da personalida-

    de em nossa poca contempornea,

    que, em suas palavras, a era do sur-

    to de aconselhamento (captulos 12 e

    13); a origem e os sonhos do liberalis-

    mo e do comunitarismo, argumentando

    que apesar de todas as diferenas de

    princpios que aparentemente possahaver entre eles, tanto um como outro

    so projees de sonhos nascidos da

    contradio real inerente difcil si-

    tuao dos indivduos autnomos

    (p.245).

    Perante tais temas e a forma

    como so abordados e desenvolvidos

    no livro, o que mais posso eu dizer de

    O mal-estar da ps-modernidade se-

    no que, alm de ser extremamente

    atraente, cativante, convidativo e sim-

    ptico, da mesma forma til e de

    grande proveito a todos/as aqueles/as

    que esto interessados/as em uma s-

    ria, curiosa e instigante discussoacerca de algumas das mais importan-

    tes transformaes contemporneas

    que so, simultaneamente, operaes

    de e operadaspornossas formas tam-

    bm contemporneas de viver. O livro

    traz como temticas de discusso coi-

    sas to aparentemente distantes entre

    si mas que certamente convergem, se-

    no em muitos aspectos, ao menos em

    um: o mal-estar da ps-modernidade.

    Talvez seja isso, e a forma como

    Bauman coloca isso, o que de mais se-

    dutor encontrei nesta obra.

    Karyne Dias Coutinho

    Mestranda em Educao

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    MEYER, Dagmar E. Estermann.

    Identidades traduzidas:cultura e

    docncia teuto- brasileiro-evanglica

    no Rio Grande do Sul. Porto Alegre

    RS: Edunisc & Sinodal, 2000, 242p.

    comum que livros tratando de

    temticas consideradas muito especfi-

    cas sejam destinados a um pblico

    mais restrito, diretamente interessado

    naquele tema. Com as inmeras de-

    mandas que aquelas/es que se dedicam

    educao tm cada vez mais, a idia

    corrente que se acabe tendo uma ati-tude pragmtica de apenas ler o que

    diretamente se liga aos projetos aos

    quais se est dedicando. O livro de

    Dagmar E. Estermann Meyer, pela

    temtica, tem forte chance de acabar

    caindo na categoria de muito espec-

    fico . Se, ao ler o ttulo, voc est

    tendendo a categoriz-lo desta forma,

    minha forte recomendao : pense

    outra vez. Neste livro, a autora oferece