Resenha Origens Agrárias Do Estado Brasileiro
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1 INTRODUÇÃO
A quarta aula de Espaço Agrário e Relações de Poder discutiu parte da
obra do sociólogo paulista Octavio Ianni, intitulada Origens Agrárias do Estado
Brasileiro, publicada em 1984 e reimpressa em 2004. No livro, o autor faz
reflexões profundas sobre o Brasil agrário e as relações econômicas e sociais
que aqui se estabeleceram desde o início do ciclo do café, no ano de 1880. A
primeira parte da obra - A Classe Operária vai ao Campo - foi debatida durante
essa aula e os principais pontos são apresentados no decorrer deste memorial.
2 A CAFEICULTURA, O NEGRO E O IMIGRANTE
Ianni fundamenta sua teoria tendo como corpus o município de
Sertãozinho, que despontou como o Segundo Oeste Paulista no final do século
XIX em razão do rápido crescimento da cafeicultura. O autor acredita que
nesse cenário de fazendas e cafezais já existia uma sociedade agrária de base
capitalista. “À medida que avançava, a monocultura cafeeira provocava a
reorganização e a dinamização das forças produtivas. Ao mesmo tempo em
que se instaurava o regime de trabalho livre, criava-se o mercado local,
vinculado ao da região e aos centros dinâmicos do país. Nesse processo a
terra devoluta é transformada em propriedade privada” (IANNI, 2004, p.13).
Nesse aspecto, ele reflete sobre a ocupação e a concentração da propriedade
fundiária que só aumentou após o desenvolvimento acelerado da cafeicultura,
facilitando a formação das grandes empresas agrícolas.
Após a abolição da escravatura em 1888, os negros também
participaram da força de trabalho para a constituição dos cafezais, e ao
contrário do que aconteceu em outros países que registraram prejuízos
econômicos em função da libertação dos escravos, no Brasil isso não ocorreu
justamente porque os imigrantes italianos reforçaram a força de trabalho livre.
Impossibilitados de comprarem terras por conta do alto valor, os imigrantes que
aqui chegaram, venderam sua força de trabalho e transformaram-se em
colonos. “A organização dos negócios do café, desde a apropriação das terras
devolutas à venda dos produtos nos mercados externos, envolvia colonos,
fazendeiros, comissários, exportadores e outras categorias sociais. Desse
modo, desde o princípio, essa cafeicultura liga de alguma forma a economia
local à economia do país e do exterior, em especial, a economia local constitui-
se, desde os seus começos, bastante determinada pelo capital financeiro que
comanda os negócios do café” (IANNI, 2004, p.17). Pelo fato de ter se tornado
comercializada, a agricultura de Sertãozinho e de outros municípios brasileiros
que tiveram o café como principal fonte monetária no início dos anos de 1900,
adquiriram características do modo de produção capitalista, incluindo uma
dinamização das forças produtivas formadas não só pelos colonos, mas
também por negros.
É importante destacar que a legislação do Império também dificultou a
compra de terras para a maioria da população, de forma a evitar que os
trabalhadores livres se tornassem proprietários e só restasse a esses, a
condição da força de trabalho. O valor do terreno, também aumentou em
Sertãozinho nas áreas que possuíam a melhor terra roxa, solo mais adequado
para o plantio do café, fator que dificultou a aquisição de terras para a maioria.
Todas essas características são apontadas por Ianni como forma de afirmar
que o desenvolvimento da economia agrária brasileira nesse período tem
raízes nos moldes capitalistas.
Sendo o colonato a base da mão-de-obra na economia cafeeira, esse
tinha de executar suas funções mediante um contrato que estabelecia mais
deveres do que direitos. As condições precárias de trabalho e de remuneração
fizeram com que o colonato entrasse constantemente em tensões com os
fazendeiros, situação que lançou as bases para a organização sindical no país.
“Tantas foram as tensões, lutas e negociações, que no Brasil, o sindicalismo
rural surge nessa época. (...) O Decreto-Lei nº 979, de 6 de janeiro de 1903,
praticamente inicia a formalização do sindicalismo rural no país. Parece
evidente que responde aos problemas das relações de produção surgidos nas
regiões cafeeiras” (IANNI, 2004, p. 28-29).
Mas as tensões não ocorreram apenas por conta das relações entre a
força de trabalho e os fazendeiros, a cafeicultura enfrentou inúmeras crises em
Sertãozinho e no restante do país. Eventos de natureza climática como a
geada de 1918 e as secas de 1924 e 1926 geraram prejuízos econômicos e
isso reorganizou as forças produtivas, fato que contribuiu para o
desenvolvimento de outras culturas.
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3 A POLICULTURA E A REORGANIZAÇÃO DO CAMPO
A partir daí tem-se início a transição para a policultura. Como o café
produzido no Brasil abastecia o mercado externo, a Grande Depressão (1929-
1933) também colaborou para a transição de um novo sistema econômico. O
algodão e a cana-de-açúcar despontaram nesse cenário como os candidatos a
nova base da economia brasileira. “O governo de Vargas também promovera e
apoiara a policultura como uma das poucas alternativas que o Brasil tinha a
seguir durante a década de 1930” (IANNI, 2004, p. 35). Sendo assim, o
governo de Getúlio Vargas passou a conceder incentivos fiscais a quem
cultivasse cana-de-açúcar e de forma mais acelerada que o café, esse tipo de
cultura forçou profundas transformações sociais. Em 1930 o café já estava em
completa decadência e a cana-de-açúcar começava a despontar como a nova
base econômica no Brasil. Em 1944, segundo o autor, a área cultivada de
cana-de-açúcar em Sertãozinho já era maior do que a de café. “O algodão,
apesar de continuar a ocupar uma área igual ou maior que a da cana, na
década dos anos quarenta, não chega a impor o seu domínio. Em 1951 a área
cultivada com cana-de-açúcar sobrepuja a do algodão. Em 1953 a cana passa
a ocupar uma área maior que as áreas cultivadas com algodão e café
somadas” (IANNI, 2004, p.38). E todo esse processo fez com que em 1975 a
produção de açúcar e álcool se tornasse o carro-chefe da economia em
Sertãozinho, reflexo do que acontecia no restante do país.
Com a produção de açúcar e álcool em alta, a agroindústria foi ao
campo e desenvolveu modificações profundas no sistema econômico social e
político. A maquinização foi incorporada ao processo produtivo de forma a
aumentar e otimizar a produção, a força de trabalho foi redefinida e ocorreu
uma maior divisão do trabalho. O início do processo de industrialização
também incorporou o campo à cidade, fazendo com que uma parcela
significativa da população se deslocasse para a cidade de forma a preencher a
mão-de-obra necessária à agroindústria. “Foi a agroindústria açucareira que
tornou bastante urbanizados as relações sociais, os valores e os padrões de
pensamento e comportamento nos canaviais e nas usinas” (IANNI, 2004, p.45).
Nesse contexto, o autor aponta três formas de desenvolvimento das
relações capitalistas de produção no campo: a primeira teve início com o ciclo
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do café, a segunda foi o desenvolvimento da policultura e a terceira foi a
expansão da agroindústria açucareira. Essa última ganhou novo impacto após
a revolução Cubana (1959-1960) que fez com que o mercado dos Estados
Unidos fosse fechado à Cuba e aberto ao Brasil. Houve um aumento da
produção do produto no país e consequente abastecimento para o mercado
externo, o que também é uma característica do sistema capitalista implantado.
Além disso, a implantação das usinas, encarregadas do processamento
da cana-de-açúcar trouxe a cidade para o campo. “A usina é uma fábrica fora
do lugar, da cidade, no campo. Parece inserida no processo de reprodução do
capital agrário” (IANNI, 2004, p. 51). A área da usina também é um núcleo
social amplamente urbanizado, a sede possui açougue, armazéns, ambulatório,
pensão para alojamento de pessoas, escolas para os filhos dos trabalhadores e
toda a infraestrutura de serviços que a cidade oferece. A usina dessa forma
polarizou as relações econômicas e políticas na agroindústria açucareira. O
trabalho coletivo também incorporou novas categorias profissionais. Nesse
cenário de canaviais e transformação da cana em açúcar e álcool surgiram os
trabalhadores temporários, conhecidos como boias-frias. Esses se agregaram
à massa trabalhadora existente no período da safra que vai de junho a
dezembro. Na entressafra que vai de janeiro a maio, esses trabalhadores
voltavam à condição de cadastro de reserva.
Com esse dinamismo de relações Ianni aponta dois movimentos do
capital que ocorreram nesse período. O primeiro foi provocado pela crescente
mecanização dos processos de trabalho nas usinas e nos canaviais e o
segundo foi a formalização das relações de produção com a adoção de uma
legislação trabalhista que organizou a oferta das forças de trabalho na
agroindústria. Todas essas mudanças influenciaram na dissolução do colonato
e na constituição do proletariado agrário. Entre o marco dessas intervenções
do Estado nas relações entre operários rurais e a burguesia agrária está o
Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963 e a Lei 4.504 de 1964 que trata do
Estatuto da Terra. O rigor em tentar garantir direitos para a classe operária fez
em muitos casos, fazendeiros e usineiros optarem pela intensificação do uso
de máquinas e do trabalho temporário, representado pelos boias-frias. Assim,
há duas categorias trabalhistas no campo: a dos trabalhadores residentes,
assalariados e a de não residentes, os trabalhadores temporários.
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Nessas condições Ianni estabelece uma discussão sobre a prática
sexual e a prática social que sofreu modificações com a implantação do modo
capitalista de produção. Se antes ter filhos era baseado nas tradições religiosas
de dádiva divina, o planejamento familiar passou a ser pautado em um primeiro
momento na concepção de que ter filhos era ter mais mãos para ajudar no
trabalho. Com o fortalecimento das relações capitalistas de produção, ter filhos
passou a significar gastos e daí o planejamento familiar ser presente na vida
social dos trabalhadores. A prática sexual deixou de ser biológica, uma
obrigação familiar, para se tornar lazer. Daí a produção das categorias
trabalhistas na agroindústria, também, serem compostas de critérios de
planejamento familiar. Para os trabalhadores residentes é mais adequado que
esses sejam casados e tenham filhos, pois são mais estáveis e fixos no lugar
onde escolheram residir. “A casa e o emprego permanente capturam o
trabalhador, tornando-o mais dócil às condições do comprador da força de
trabalho” (IANNI, 2004, p. 97). Já para os trabalhadores temporários é mais
provável que ele seja solteiro e sem filhos. “Essa condição torna-o
perfeitamente ajustável às estritas exigências do ciclo do capital agroindustrial”
(IANNI, 2004, p. 97).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria de Ianni sobre o capitalismo na formação e desenvolvimento
das raízes agrárias do Estado brasileiro fundamenta como as bases
econômicas do Brasil desde a abolição da escravatura, com o ciclo do café,
foram voltadas para abastecimento do mercado externo. O capital de início
agrário tornou-se agroindustrial. Dos cafezais aos canaviais houve a formação
do operariado e a dissolução do colonato. A intervenção do Estado nos modos
de produção ficou cada vez mais evidente com a regulação trabalhista e os
incentivos fiscais que favoreceram a mecanização do campo. O estreitamento
da cidade com o campo tornou cada vez mais urbanizadas as relações e o
planejamento familiar passou a fazer parte das práticas sociais em Sertãozinho
e no restante do país.
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REFERÊNCIAS
IANNI, Octavio. A Classe Operária vai ao campo. In: ______.Origens Agrárias do Estado Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, Primeira Parte, p.10-97, 2004.
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